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1 ADOÇÃO HOMOAFETIVA Luiz Antonio Ramalho Zanoti RESUMO: Não se pode ignorar a existência de entidade homoafetivas. O que une essas pessoas é tão somente a busca da afeti vidade. Não se trata de tema novo, e nem por isso tem sido tratado com menos preconceit o e com menor hipocr isia. Entretanto, o fato desses casais não possuí rem capacidade reprodut iva não lhes pode tirar o direito de ter filhos, por meio da adoção, a exemplo dos casais heterossexuais. Não há no ordenamento  jurídico brasileiro nenhum dispositivo legal que proíba tal iniciativa. Portanto, qualquer bloqueio que se possa impor ao objetivo das entidades homoafetivas constitui-se em desrespeito à dignidade da pessoa humana. INTRODUÇÃO Há, ainda em pleno Século XXI, um enorme preconceito quando se trata de temas ligados à sexualidade de uma maneira geral. Essas barreiras ganham imenso realce quando se aborda as relações homoafetivas, pois entra em rota de colisão com pensamentos mais conservadores. Por causa desse quadro, o Poder Legislativo se omite, não produzindo leis que regulamentem a condição social e jurídica das entidades familiares homoafetivas. Há o temor de que iniciativas dessa natureza  possam produzir conseqüências negativas perante a igreja e junto aos eleitores mais conservadores, no que diz respeito às futuras aspirações políticas daqueles legisladores. Prova disso reside no fato de que há alguns  projetos de lei paralisados no Congresso Nacional, ainda sem votação, sobre os quais a maioria dos deputados e senadores não demonstra interesse em decidir.  Não há leis específícas e, resta ao Poder Judiciário a tarefa-obrigação de decidir diante de situações concretas, envolvendo interesses de entidades homoafetivas. Surg em, então, al guns que st ionamentos: admi te -se a adão de uma cr ia nça por um casal homossexual? Se positivo, quais seriam as conseqüências emocionais e sociais para o adotado, levando-se em conta que ele estaria inserido e fora criado numa comunidade composta por pessoas do mesmo sexo? Quais seriam os reflexos para o adotado, diante do inevitável repúdio imposto especialmente pela igreja? São estas e outras perguntas que procuraremos discutir durante este trabalho de pesquisa.  2. DA ADOÇÃO A atual Constituição Federal colocou a adoção e a filiação no mesmo  status hierárquico, pois a ambos institutos ele garante os mesmos direitos e as mesmas qualificações aos filhos. Ou seja, a partir de então não mais se permite qualquer tipo de qu alificação discriminatória (Art. 227, § 6 o .), como se admitia n Carta Magna anterior. Andrei (1999, p. 63) enfatiza: “Ao se adotar uma criança, tirando-a da rua ou de outro estado de miserabilidade, pratica-se um ato de amor diferente, mas, não inferior ao gerado pelo instinto materno”. E Liberati (2007, p. 47) complementa:

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ADOÇÃO HOMOAFETIVA

Luiz Antonio Ramalho Zan

RESUMO: Não se pode ignorar a existência de entidade homoafetivas. O que une essas pessoas é tão somena busca da afetividade. Não se trata de tema novo, e nem por isso tem sido tratado com menos preconceit

com menor hipocrisia. Entretanto, o fato desses casais não possuírem capacidade reprodutiva não lhes potirar o direito de ter filhos, por meio da adoção, a exemplo dos casais heterossexuais. Não há no ordenamen jurídico brasileiro nenhum dispositivo legal que proíba tal iniciativa. Portanto, qualquer bloqueio que se poimpor ao objetivo das entidades homoafetivas constitui-se em desrespeito à dignidade da pessoa humana.

INTRODUÇÃO

Há, ainda em pleno Século XXI, um enorme preconceito quando se trata de temas ligados

sexualidade de uma maneira geral. Essas barreiras ganham imenso realce quando se aborda as relaçõ

homoafetivas, pois entra em rota de colisão com pensamentos mais conservadores.

Por causa desse quadro, o Poder Legislativo se omite, não produzindo leis que regulamentemcondição social e jurídica das entidades familiares homoafetivas. Há o temor de que iniciativas dessa nature

 possam produzir conseqüências negativas perante a igreja e junto aos eleitores mais conservadores, no que

respeito às futuras aspirações políticas daqueles legisladores. Prova disso reside no fato de que há algu

 projetos de lei paralisados no Congresso Nacional, ainda sem votação, sobre os quais a maioria dos deputad

e senadores não demonstra interesse em decidir.

 Não há leis específícas e, resta ao Poder Judiciário a tarefa-obrigação de decidir diante de situaçõ

concretas, envolvendo interesses de entidades homoafetivas.

Surgem, então, alguns questionamentos: admite-se a adoção de uma criança por um ca

homossexual? Se positivo, quais seriam as conseqüências emocionais e sociais para o adotado, levando-se

conta que ele estaria inserido e fora criado numa comunidade composta por pessoas do mesmo sexo? Qu

seriam os reflexos para o adotado, diante do inevitável repúdio imposto especialmente pela igreja?

São estas e outras perguntas que procuraremos discutir durante este trabalho de pesquisa.

 

2. DA ADOÇÃO

A atual Constituição Federal colocou a adoção e a filiação no mesmo  status hierárquico, pois a ambinstitutos ele garante os mesmos direitos e as mesmas qualificações aos filhos. Ou seja, a partir de então n

mais se permite qualquer tipo de qualificação discriminatória (Art. 227, § 6o.), como se admitia n Carta Mag

anterior.

Andrei (1999, p. 63) enfatiza: “Ao se adotar uma criança, tirando-a da rua ou de outro estado

miserabilidade, pratica-se um ato de amor diferente, mas, não inferior ao gerado pelo instinto materno”.

E Liberati (2007, p. 47) complementa:

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Pela ordem constitucional o vínculo de parentesco do adotado com a família com adotante temmesma amplitude e abrangência como se o vínculo fosse biológico. A integração do adotado na nofamília que o acolhe em adoção é total, garantindo-lhes os mesmos direitos e qualificações, comofosse gerado, biologicamente, pelos pais adotivos, salvo os impedimentos matrimoniais alinhadosArt. 1.521 do CC”.

Esse grande avanço humanístico contempla inclusive os filhos que porventura tenham sido adotad

antes da promulgação no novo texto constitucional.A partir da edição do ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente o menor passou a ser o único a

realmente importante quando está em jogo o seu interesse. Assim, entre os interesses do pai ou da m

 prevalece sempre o interesse, o bem-estar do menor. Isso é aplicado inclusive no caso de separação judicial

casal, pois antes da promulgação daquele instituto, a mãe tinha prioridade pela guarda e responsabilidade

menor, na maioria das vezes.

Dias (2006, p. 385) explica:

A adoção constitui um parentesco eletivo, pois decorre exclusivamente de um ato de vontadeverdadeira paternidade funda-se no desejo de amar e ser amado, mas é incrível como a sociedade ainão vê a adoção como deve ser vista.[...] Trata-se de modalidade de filiação construída no amor, [...] gerando vínculo de parentesco opção. A adoção consagra a paternidade socioafetiva, baseando-se não em fator biológico, mas fator sociológico.

E Lôbo (2003, p. 144) complementa:

A filiação não é um dado da natureza, mas uma construção cultural, fortificada na convivência,entrelaçamento dos afetos, pouco importando a sua origem. Nesse sentido, o filho biológico é tambadotado pelos pais no cotidiano de suas vidas.

 Nesse particular, há um certo cetismo, entretanto, nas palavras de Fávero (2001, p. 170):

Embora o ECA tenha como base a doutrina da proteção integral à criança e ao adolescente, a q  pressupõe uma mentalidade diferente da que predominava na legislação anterior, colocandsociedade em “situação irregular” perante crianças e adolescentes em situação de risco social, mudas práticas direcionadas a essa população ainda não incorporaram essa nova mentalidade.

Percebe-se, que a paternidade não é uma condição obrigatoriamente resultante do ato de procriaçã

mas da decisão de amar e de servir o próprio filho ou o filho adotado. A importância do valor social

sobrepõe aos valores puramente biológicos.

2.1 O ECA - Estatuto da Criança e do AdolescenteA adoção pode ser exercida por qualquer pessoa que possua plena capacidade civil, como dispõem

Art. 42, do ECA e o Art. 1.618, do Código Civil, independentemente do estado civil do adotante. Há hipóte

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da adoção ser realizada por mais de uma pessoa, bastando que um deles tenha no mínimo 18 anos para que

 possa pleiteá-la.

Desta forma, nada impede que uma única pessoa adote uma criança. Nenhuma proibição exis

também, se apenas um dos cônjuges decidir pela adoção, na hipótese de união estável, desde que não h

oposição do outro, como disciplina o Art. 165, § único, do ECA.Disciplinam o Art. 42, § 3o., do ECA e o Art. 1.619, do Código Civil, que o adotado deve ter idade

mínimo 16 anos mais novo em relação a pelo menos um dos adotantes.

Dispensa-se a autorização dos pais biológicos do menor, para fins de adoção, na hipótese daque

serem desconhecidos ou se tiverem sido destituídos do poder familiar, como estabelecem o Art. 45, § 1o.,

ECA e o Art. 1.621, § 1o., do Código Civil. Essa autorização também é dispensada no caso do menor expos

isto é, daquele que se encontra em situação de risco, como preceitua o Art. 98, do ECA.

Em caso de tutela ou curatela, os responsáveis têm a incumbência de prestar contas relativas à s

gestão à frente dos interesses econômicos e financeiros do tutelado ou do curatelado, de conformidade comArt. 44, do ECA e do Art. 1.620, do Código Civil.

2.1.1 Da adoção unilateral

Há possibilidade de adoção de um menor pelo atual cônjuge ou companheiro da mãe daquele. É u

forma híbrida de adoção, porque há a substituição de um dos genitores do menor, e permite-se que, em lug

deste, surja a figura do adotante.

Dias (2006, p. 390-391) explica:

[...] se uma mulher tem um filho, seu cônjuge ou companheiro pode adotá-lo. O infante permanecregistrado em nome da mãe biológica e será procedido ao registro do adotante (cônjuge companheiro da genitora) como pai. O filho manterá os laços de consangüinidade com a mãe e com

 parentes dela. O vínculo pelo lado paterno será com o adotante e os parentes dele. O poder famiserá exercido por ambos, e o parentesco se estabelece com os parentes de cada um dos genitores.

Este tipo de adoção pode ocorrer na hipótese de o menor ser reconhecido por apenas um dos pais,

mesmo que reconhecido por ambos, um deles concorde um ceder juridicamente a sua condição de pai ou m

 para o adotante. É possível, também, se ocorrer a morte do pai biológico.

2.1.2 Da adoção de maiores

A adoção de maiores não necessita da manifestação do Poder Judiciário, bastando, para tanto, que

lavre uma escritura pública em cartório.

 Nestas circunstâncias, e tendo em vista os novos preceitos contidos no atual Código Civil, neste caso

adotado maior gozará dos mesmos privilégios e garantias proporcionados aos demais filhos, adotados ou n

visto que desapareceu a graduação hierárquica que distinguia filhos havidos durante a constância

casamento, dos demais.

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Este tipo de adoção tem merecido críticas, como constata Dias (2006, p. 392):

Isso levou a doutrina a questionar a conveniência de manter a adoção dos maiores de idade. opiniões divergem. Há quem alegue que a adoção visa, sobretudo, ao exercício do poder familiar, havendo justificativa para a concessão da medida aos maiores de 18 anos.

As dúvidas persistem quando se trata de se avaliar se há necessidade de autorização dos pais para promover este tipo de adoção, como salienta Dias (2006, p. 392):

As posições são contraditórias. No entanto, faz-se imperativo, se não o consentimento, ao menocitação dos pais registrais. Mesmo que não precisem consentir, os pais biológicos devem ser citad

 pois a sentença terá profunda ingerência nas suas vidas. Perdem eles o vínculo de filiação, queclaras, não se esgota com a extinção do poder familiar.

Este tipo de adoção produz reflexos importantes em relação aos pais consangüíneos, visto q

desaparecem os vínculos hereditários que unia pais e filho até então, além de impedir que aqueles possam

qualquer época, requerer pensão deste.

2.1.3 Da adoção internacional

Há que se reconhecer que este tipo de adoção é muito contraditório e, como conseqüência, despe

 profundas discussões entre os estudiosos. Se de um lado há quem argumente que se trata de uma importa

oportunidade para se promover o bem-estar do menor, por outro lado há, também, quem tema que se constit

num risco de tráfico de crianças.

Contudo, Dias (2006, p. 393) explica que:

De forma cautelosa, o ECA torna obrigatório o estágio de convivência quando o adotante (estrangeou brasileiro) tem domicílio ou residência fora do Brasil (ECA 46 § 2o.). O estágio deverá ser cumprno território nacional e terá duração mínima de quinze dias, para crianças de até dois anos, e de,mínimo, trinta dias, nos demais casos.

E Beffa (2007, p. 35) complementa:

Considera-se período fundamental para o sucesso da adoção, sem delimitar o tempo em que  postulantes à adoção tenham que permanecer com a guarda provisória, pois a fase do “enamoramencomo se costuma dizer, nem sempre traz somente o lado positivo, e segue em muitos casos, a fase

“provação” do amor do casal para com a criança, que em inúmeras situações necessita a respostamais uma vez não será abandonada.

Cabe à lei especial, ainda não editada, regulamentar a adoção por estrangeiros, como preceitua o A

1.629, do Código Civil. A ausência de dispositivos legais, nesse sentido, dificulta sobremaneira esse tipo

adoção.

2.1.4 Adoção à brasileira ou afetiva

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Dá-se o nome de adoção à brasileira ou afetiva ao ato de o companheiro de uma mulher registra

filho desta como se fosse seu filho biológico.

Muito embora tal prática se constitua em crime contra o estado de filiação -- como previsto no A

242, do Código Penal --, normalmente o Poder Judiciário se recusa ou se omite na aplicação da penalida

correspondente, por se tratar de um ato onde se faz presente a afetividade, o carinho, o comprometimento qdeliberadamente, move o coração do adotante.

Vale dizer, contudo, que dada à voluntariedade da iniciativa do adotante, esse ato não pode

anulado, na hipótese de rompimento do relacionamento do adotante com o adotado ou com a mãe deste.

A propósito disso, cabe mencionar a lição de Beffa (2007, p. 38):

Transitada em julgado a sentença que concede a adoção, seus efeitos tornam-se irrevogáveis, termos do Art. 48, do ECA, e da primeira parte do Art. 1.628, do Código Civil, podendo ser revsomente por meio de ação rescisória, nos termos do Art. 485, do Código de Processo Civil.

A jurisprudência é pacífica, com idêntico entendimento:

Adoção – Reconhecimento espontâneo – Irrevogabilidade. O reconhecimento espontâneo   paternidade daquele que, mesmo sabendo não ser o pai biológico, se compromete em aco  judicialmente homologado a registrar como sua filha a da sua esposa tipifica verdadeira adoçirrevogável, não cabendo, posteriormente, a pretensão anulatória de tal cláusula, por não demonstrvício de consentimento. Improcedência de ação mantida.(TJRS, Ac. 70005187588, rel. Des. José Trindade, j. 12.12.2002)

Esse posicionamento jurisprudencial se justifica porque leva-se em conta que a adoção, legalmen

realizada, é irreversível -- como indica o Art. 48, do ECA – e, conseqüentemente, deverá sê-lo tambémadoção ilegalmente efetuada, uma vez que, neste último caso, o adotante agiu por sua livre e espontân

vontade. Logo, não seria o fato de o adotante ter escolhido uma alternativa proibida por lei que

 proporcionaria a condição a este de, a qualquer época, requerer a anulação do registro.

3. DA ADOÇÃO HOMEAFETIVA

3.1 A união homossexual como entidade familiar

É possível afirmar que as uniões homossexuais são entidades familiares protegidas pela Constituiç

Federal, desde que exista afetividade, estabilidade e ostensibilidade entre as pessoas envolvidas. Essa

dedução lógica que se faz da leitura do Art. 226, da Carta Magna, pois não há qualquer impedimento, dir

ou indireto, quanto ao reconhecimento de união dessa natureza.

Vale dizer que um núcleo familiar não se constitui obrigatoriamente de um homem e uma mulh

como poderia ser entendido pelos defensores de uma interpretação mais conservadora. Prova disso está

fato de que a comunidade monoparental não exige a presença de um homem e de uma mulher.

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Com efeito, não há como proporcionar tratamento análogo, das uniões homossexuais às estávei

estas constituídas por um homem e uma mulher, a teor do § 3 o., do Art. 226, da Constituição Federal --, vi

que se constituem em instituições absolutamente distintas.

Da mesma forma, não se concebe que a união homossexual seja excluída dentre as hipóteses

entidade familiar, pelo fato, por exemplo, de não gerar filhos, uma vez que a ausência destes não impede qocorra o reconhecimento de uma família. A propósito, vale lembrar que a procriação não se constitui nu

condição essencial para que haja o reconhecimento de uma entidade familiar, mesmo porque um casal, ain

que na plenitude de sua fertilidade, pode perfeitamente, por mútuo acordo, abdicar do direito de ter filhos

nem por isso aquela célula familiar perderá a sua condição de família constitucionalmente constituída.

A propósito, da análise do Art. 226, da Constituição Federal, podemos detectar três pontos q

consideramos fundamentais: O caput  do Art. 226 indica que “a família, base da sociedade, tem espec

 proteção do Estado”. O § 4o. disciplina que “entende-se, também, como entidade familiar a comunida

formada por qualquer dos pais e seus descendentes”. O § 8o. especifica que “o Estado assegurará a assistênà família na pessoa de cada um que a integram, criando mecanismos para coibir a violência no âmbito de su

relações”.

 Nota-se, pois, que no caput do Art. 226 não há qualquer indicação a respeito do que é família, quais são

tipos de família e como ela poderá ser constituída, se por pessoas de sexos diferentes ou se se admit

formação de entidades ditas familiares, por pessoas do mesmo sexo. Logo, se o legislador não impôs limi

 para o conceito de entidade familiar, não cabe ao intérprete fazê-lo.

 Nesse sentido, valiosa é a lição de Lôbo (2002, p. 44/45), que assim se exprime:

 Não há qualquer referência a determinado tipo de família, como ocorreu com as constituições brasileiras

anteriores. Ao suprimir a locução “constituída pelo casamento” (art. 175 da Constituição de 1.967-69), se

substituí-la por qualquer outra, pôs sob a tutela constitucional “a família”, ou seja, qualquer família. A

cláusula de exclusão desapareceu. O fato de, em seus parágrafos, referir a tipos determinados, para atribu

lhes certas conseqüências jurídicas, não significa que reinstituiu a cláusula de exclusão, como se ali

estivesse a locução “família, constituída pelo casamento, pela união estável ou pela comunidade formada

 por qualquer dos pais e seus filhos”. A interpretação de uma norma ampla não pode suprimir de seus

efeitos situações e tipos comuns, restringindo direitos subjetivos.

Assim, quando o legislador quis reprimir as “famílias ilícitas”, assim entendidas aquelas constituíd

fora do casamento, ou seja, em desacordo com um modelo único vigente, ele o fez com clareza. A deduç

lógica decorrente da interpretação da Constituição Federal atualmente em vigor é de que foi proposita

exclusão da expressão “constituída pelo casamento”, como foi dito anteriormente, pois abriu-se perspect

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  para que se quebrasse o dogma de que família, como tal reconhecida no mundo jurídico, teria que

obrigatoriamente constituída como decorrência de um casamento. Como conseqüência natural, também

considerada entidade familiar a união de pessoas do mesmo sexo, desde que esse enlace seja perene, ostensi

e nele se busque a felicidade por meio da troca afetos.

O Art. 226, da Constituição Federal, se constitui numa norma jurídica de inclusão social, porque ensejo para que as uniões homoafetivas sejam reconhecidas como entidades familiares para todos os fins.

Da análise do § 4o., do Art. 226, da Constituição Federal, percebe-se que o legislador fez uso

 palavra ‘também’, com o objetivo de enaltecer que mesmo a comunidade formada por qualquer dos pai

seus descendentes se constitui numa unidade familiar. Isso significa que a palavra ‘também’ tem o sentido

incluir inclusive esse tipo de agrupamento de pessoas como entidade familiar, de forma que nem ou

relacionamento possa ficar excluído.

Assim, se todo tipo de relacionamento entre duas pessoas tem a possibilidade de ser reconhecido com

família, também o é aquele formado por pessoas do mesmo sexo, pois os fins almejados por estes em nadiferem daqueles buscados pelos casais heterossexuais.

É possível afirmar que o legislador assim agiu com o objetivo de prestigiar todo tipo de união, s

exclusão, como forma de valorizar a dignidade da pessoa humana. Negar esse entendimento é deforma

realidade; é o mesmo que afirmar que duas pessoas, para terem uma união duradoura e revestida de ple

afetividade, obrigatoriamente devam ser de sexos diferentes. Ou ainda, que pessoas do mesmo sexo jam

 poderão ter um relacionamento afetuoso e edificante para ambas, motivo pelo qual o direito não pode

reconhecê-las como integrantes de uma célula familiar. Seria um exemplo clássico da hipocrisia defender t

dessa natureza!

Dias (2006, p. 175) acentua:

Ventilar-se a possibilidade de desrespeito ou prejuízo a um ser humano, em função da orientasexual, significa dispensar tratamento indigno a um ser humano. Não se pode, simplesmente, ignorcondição pessoal do indivíduo (na qual, sem sombra de dúvida, inclui-se a orientação sexual), comotal aspecto não tivesse relação com a dignidade humana.

 Não se pode deixar de citar os ensinamentos de Lôbo (2002, p. 46):

 Não é a família per se que é constitucionalmente protegida, mas o lócus indispensável de realizaçãdesenvolvimento da pessoa humana. Sob o ponto de vista do melhor interesse da pessoa, não podser protegidas algumas entidades familiares e desprotegidas outras, pois a exclusão refletiria

 pessoas que as integram por opção ou por circunstâncias da vida, comprometendo-se a realização princípio da dignidade humana.

 

É importante acrescentar que o ECA – Estatuto da Criança e do Adolescente permite, no Art. 42

exercício da adoção por qualquer pessoa, independentemente do estado civil desta, numa prova concreta

que uma família não se constitui obrigatoriamente com a presença de um homem e uma mulher.

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A propósito disso, Lobo (2002, p. 55) revela uma das inúmeras manifestações do Tribunal de Just

do Rio Grande do Sul:

Os tribunais brasileiros demonstram maior receptividade para atribuição de efeitos das uniões homossexuais, ainda que sob a

indevida qualificação de “sociedade de fato”. O Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul julgou caso decorrente da relaçãohomossexual de dois homens, que viveram juntos durante trinta anos. Um deles, que adotou uma menina, deixou patrimônio q

foi disputado entre a filha e o outro companheiro. O Tribunal reconheceu, com razão, a existência da entidade familiar, e

segundo o modelo do direito de família, decidindo pela meação entre a filha e o companheiro sobrevivente. A justiça federal d

Rio Grande do Sul tem decidido no sentimento de determinar ao INSS a concessão aos parceiros homossexuais dos mesmos

 benefícios previdenciários devidos aos cônjuges e companheiros de união estável.

É importante ressaltar que o Art. 5o., da Constituição Federal, impõe:

Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes

País, a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à segurança e à propriedade [...]”

Diante desse dispositivo constitucional, as uniões homossexuais estão protegidas pelos direi

fundamentais da Lei Maior, mesmo porque, como ensina Moraes (2000, p. 89), “a base jurídica para

construção do direito à orientação sexual como direito personalíssimo é tributo inerente à pessoa humana”.

3.1.1 A adoção por entidades homoafetivas

As entidades familiares estão se constituindo em moldes que muitas vezes destoam da tradicion

formação, qual seja, a de um homem e uma mulher unidos pelo matrimônio. Com isso, formam-se víncul

segundo o grau de afinidades entre os parceiros.

Sob esse prisma, formam-se famílias constituídas por pessoas do mesmo sexo, na busca da afetivida

como forma de dignificar o ser humano. O que era tabu no passado, em dias atuais ganha ares de normalida

 pois esse estágio evolutivo foi conquistado a custa de lutas sociais.

Esses casais homossexuais se unem com o intuito de constituir uma família, que tenha vivência peree ostensiva, com objetivos emocionais semelhantes àqueles de que desfrutam os casais unidos de form

convencional, ou seja, ou heterossexuais.

Dentre as necessidades dos casais homoafetivos, desperta-lhes o desejo de ter filhos, que pelo fato

 biologicamente ser absolutamente impossível, recorrem à hipótese de adoção.

O ECA - Estatuto da Criança e do Adolescente (Lei n. 8.069/90) não impõe nenhuma restrição par

adoção de uma criança por casais homossexuais, haja vista que o legislador entendeu que o bem-estar

menor não depende fundamentalmente da sexualidade de quem o adotar.

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Art. 42. Podem adotar os maiores de 21 anos, independentemente de estado civil.Art. 43. A adoção será deferida quando apresentar reais vantagens para o adotando e fundar-se motivos legítimos.

 Nesse particular, cabe aqui citar o ensinamento de Vargas (1998, p. 24):

A concepção que sustenta o ECA é a Doutrina de Proteção Integral, defendida pela ONU com baseDeclaração Universal dos Direitos da Criança, que afirma o valor intrínseco da criança como humano.

Como se vê, a citada lei também não veda a adoção do menor por pessoas solteir

independentemente das opções sexuais delas. Fica evidenciado, portanto, que o foco do ECA – Estatuto

Criança e do Adolescente reside no bem-estar do menor, o qual não depende da sexualidade de quem os ado

Dias (2006, p. 176) enfatiza:

A sexualidade integra a própria condição humana. É direito humano fundamental que acompanha ohumano desde o seu nascimento, pois decorre de sua própria natureza. Como direito do indivíduum direito natural, inalienável e imprescritível. Ninguém pode se realizar como ser humano se tiver assegurado o respeito ao exercício da sexualidade, conceito que compreende tanto a liberdsexual como a liberdade à livre orientação sexual. O direito a tratamento igualitário independetendência afetiva. Todo ser humano tem o direito de exigir respeito ao livre exercício da sexualidade

Portanto, questões ligadas a princípios morais e éticos de educação do menor, como fator bloquead

 para uma possível adoção por entidades homoafetivas, não encontram sustentação no texto legal, ainda q

 persistam posições preconceituosas, nesse sentido.

 Nem mesmo a tese de que uma criança, em fase de sua formação emocional e social, necessite modelos masculino e feminino, conseguiu sensibilizar o legislador. A propósito disso, Maia (2001, p.

explica que “de acordo com a psicanálise, a função materna e paterna são exercidas pela linguagem [...], m

qualquer pessoa independente do sexo biológico, pode suprir essa carência”.

Granato (2003, p. 144) tem uma posição muito clara a respeito disso:

A autoridade judicial deverá detectar, de início, qual é o comportamento do requerente frente ao grusocial para o qual está voltado. Se ele, a despeito dessa opção sexual, mostrar-se bastante comedid

 portar-se com invejável discrição no serviço, no clube, na faculdade, etc., não haverá, a nosso v

motivo capaz de obstar o deferimento do pedido de colocação em família substituta, seja sob a forde guarda, seja sob a forma de tutela, seja, finalmente, sob a modalidade de adoção.

Os nossos tribunais têm reiteradamente decidido no sentido de admitir a adoção de menor pentidades homoafetivas:

ADOÇÃO – Criança – Pretensão manifestada por casal formado por duas pessoas de mesmo sexAdmissibilidade – União entre pessoas do mesmo sexo que deve ser reconhecida como entidfamiliar, merecedora da proteção estatal, se presentes as características de duração, publicidacontinuidade e intenção de constituir família - Inexistência de qualquer inconveniência no sentidoinfantes serem adotados por casais homossexuais – Prevalência, em tais hipóteses, da qualidadevínculo e do afeto que permeia o meio familiar em que os adotados serão inseridos e que os ligam seus cuidadores.

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(Ap. 70013801592 – Segredo de Justiça – 7a. Câm. Cív. do TJRS – j. 05.04.2006 – v.u. – rel. des. LFelipe Brasil Santos)

Para o tribunal, as uniões homoafetivas são reconhecidas com entidades familiares e, por essa raz

merecem a mesma proteção do Estado, tal qual é proporcionada às alianças heterossexuais, desde q

 presentes a ostensividade, a perenidade e o intuito de constituir uma célula familiar. Como conseqüênnatural, as entidades homoafetivas têm plena condição de adotar uma criança, vez que elas possuem todos

elementos indispensáveis para pleitear tal direito.

Decisões dessa natureza levam em conta a qualidade do relacionamento, da afetividade de q

desfrutará a criança no meio familiar, pouco importando se esse núcleo é hetero ou homossexual. E Gran

(2003, p. 145) complementa: “É nosso pensamento que o que deve nortear o processo é sempre o interesse

criança. Cada caso deverá ser estudado, sem preconceito”.

 Nesse sentido, o Poder Judiciário revela perfeita sintonia com o que estabelece o Art. 227, da atu

Constituição Federal, pois impõe como:

Dever da família, da sociedade e do Estado assegurar à criança e ao adolescente, com absol prioridade, o direito à vida, à saúde, à alimentação, a educação, ao lazer, à profissionalização, à cultuà dignidade, ao respeito, à liberdade e à convivência familiar e comunitária, além de colocá-los a sade toda forma de negligência, discriminação, exploração, violência, crueldade e opressão.

Portanto, da leitura do mencionado dispositivo legal é possível compreender que o bem-estar do men

deve prevalecer sobre qualquer conduta hipócrita e preconceituosa, que ainda se prende a antigos

ultrapassados valores que orientavam no sentido de que somente as entidades heteroafetivas podiam

consideradas famílias.

O Tribunal Superior Eleitoral decidiu no sentido de equiparar as uniões com casamento, às de cun

concubinatário e as estáveis homossexuais, para fins de julgar inelegíveis os respectivos parceiros:

Registro de candidato – Candidata ao cargo de prefeito – Relação estável homossexual com a prefreeleita do município – Inelegibilidade (CF 14, § 7o.). Os sujeitos de uma relação estável homossexà semelhança do que ocorre com os de relação estável, de concubinato e de casamento, submetem-regra de inelegibilidade prevista no Art. 14, § 7o., da CF. Recurso a que se dá provimento.(TSE, REsp. Eleitoral 24564/Viseu-PA, rel. Min. Gilmar Mendes, j. 01.10.2004)

 

Diante desse posicionamento, Dias (2006, p. 182) conclui:

O Tribunal Superior Eleitoral, ao proclamar a inelegibilidade (CF 14 § 7 o.) das uniões homossexureconheceu que a união entre duas pessoas do mesmo sexo é uma entidade familiar, tanto que a sujà vedação que só existe no âmbito das relações familiares. Ora se estão sendo impostos ônus vínculos homoafetivos, mister é que sejam assegurados também todos os direitos e garantias a esuniões, no âmbito do direito das famílias e do direito sucessório.

Vale dizer que as uniões por amor se constituem na mais pura demonstração de afetividade entre du

 pessoas, o que não se impõe pela diversidade dos gêneros humanos. Não se tem conhecimento de nenhu

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estudo científico respeitável que indique a impossibilidade de existência de amor entre pessoas do mes

sexo. Logo, está aí presente o elemento fundamental que deve permear uma relação entre pessoas, e e

função disso cria-se um ambiente altamente propício para a criação saudável de uma criança adotada.

Havendo afeto entre pessoas, ainda que unidas pelo mesmo sexo, tem-se presente a mais pura forma

exteriorização dos sentimentos humanos, que refletem no bem-viver de cada um de seus membros, capazdifundir essa alegria para todos quantos os cercam, principalmente para os adotados, com os quais têm ligaç

direta.

Respeitar, como família, as entidades homoafetivas, e dar a estas a plena condição para adotar um

criança é se despojar de preconceitos carregados de hipocrisia e, ao mesmo tempo, revelar profundo valo

dignidade da pessoa humana.

É fato que não existe, presentemente, uma lei específica que garanta o direito de adoção aos cas

homossexuais, contudo, isso não significa que aquelas entidades familiares não possuam esse direito. O Pod

Judiciário tem o poder-dever de se utilizar de meios jurídicos para avaliar e decidir sobre lacunas da lei, faz com base na analogia, nos costumes e nos princípios gerais de direito, como preceitua o Art. 4 o., da Lei

Introdução do atual Código Civil: “Quando a lei for omissa, o juiz decidirá o caso de acordo com a analog

os costumes e os princípios gerais de direito”.

A propósito disso, Dias (2006, p. 178) afirma:

A omissão do legislador leva ao surgimento de um círculo perverso. Diante da inexistência da le justiça rejeita a prestação jurisdicional. Sob a justificativa de que não há uma regra jurídica, negamdireitos. Confunde-se carência legislativa com inexistência de direito. O juiz não pode excluir dire

alegando ausência de lei. Olvida-se que a própria lei reconhece a existência de lacunas no sistelegal, o que não o autoriza a ser omisso. A determinação é que julgue (LICC 4o. e CPC 126): quandlei for omissa, o juiz decidirá. Inclusive lhe são apontadas as ferramentas a serem utilizadas: analogcostumes e princípios gerais de direito. O julgador não se exime de sentenciar alegando lacunaobscuridade da lei. Não pode e pronunciar com um non liquet (não está claro), abstendo-se de julalegando que não encontrou na lei solução para o litígio. A denegação de justiça agride direifundamentais.

Desta forma, partindo do fato de que a sociedade de fato entre um homem e uma mulher foi elevad

conceituação de sociedade familiar, deixando o patamar de uma simples sociedade de bens, por analogia

 possível considerar que também as uniões homoafetivas devem ser consideradas entidades familiares, vi

que ambas têm em comum a valorização da afetividade entre si entre as pessoas que as compõe. Ainda co

 base na analogia, se estas uniões homoafetiva são consideradas famílias, também são plenamente hábeis p

se utilizar do direito de adotar, tal como ocorre com as sociedades de fato convencionais [entre um homem

uma mulher].

Tal qual as sociedades de fato, as entidades homoafetivas se constituem com foco na troca de afeto,

necessidade de compartilhar uma vida em comum, na procura de apoio recíproco nas situações mais delicad

no desfrute dos momentos mais agradáveis, na busca da felicidade, da realização pessoal dos membros qu

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compõe, e não no simples partilhar de eventuais bens que possam conquistar durante a relação. E es

circunstâncias podem ocorrer no âmbito da heterossexualidade ou da homossexualidade1. São es

circunstâncias que conduzem ao reconhecimento de entidades familiares destes dois tipos de uniões, fato e

que permite a ambas o direito da adoção.

Além disso, o Art. 5o

., da Lei de Introdução do atual Código Civil, disciplina que “na aplicação da lo juiz atenderá aos fins sociais a que ela se dirige e às exigências do bem comum”. Não resta dúvida de q

adoção é um direito também dos casais homoafetivos, visto que tal ato se reveste de uma iniciativa de gran

valor social, que se estende para o bem comum, haja vista que tem por escopo a valorização da dignidade

 pessoa humana.

Vale ilustrar que numa apelação cível, de interesse de casal homoafetivo, que pretendia realiza

adoção de uma criança, o magistrado da 7a. Câmara Cível do Tribunal de Justiça do Rio Grande do Sul (A

Cív. 70013801592, da Comarca de Bagé), ilustrou seu voto favorável com base nos elementos colhidos

obra de Stéphane Nadaud. Homoparentalité – Une nouvelle chance pour la famille? Paris: Librairie ArthèFayard, 2002, p. 45, publicados na Revista Consultor Jurídico, e obtidos no s

http://conjur.estadao.com.br/static/text/43339,1:

 Numa população de crianças, criadas em lares homossexuais, observou-se: [...] globalement, lecomportements ne varient pas fondamentalement de ceux de la population générale. Il ne s’agit d

 pas d’affirmer que tous les enfants de parents homosexuels “vont bien”, mais d’apporter uma piesupplémentaire à l’édifice des études qui montrent déjá que leurs comportements correspondent à cdes autres enfants de leur âge. Ce qui revient absolutament pas à nier leur spécificité2.

 Na mesma exposição de motivos, aquele magistrado trouxe à tona o posicionamento de Fiona

Tasker e Susan Golombok. Grandir dans une famille lesbienne. In: Martine Gross (Coord). Homoparentalit

état des lieux. Paris: Éditions Érès, 2005, p. 170), publicados na Revista Consultor Jurídico, e obtidos no s

http://conjur.estadao.com.br/static/text/43339,1:

Ce qui apparait clairement dans la présente étude, c’est que les enfants qui grandissent dans une famlesbienne n’auront pas necessairement de problèmes liés à cela à l’âge adulte. De fait, les resultats d

 présente étude montrent que les jeunes gens élevés par une mère lesbienne reussissent bien à l’adulte et ont de bonnes relations avec leurs famille, leurs amie e leurs partenaires. Dans les décisi

1 “O termo “homossexualismo” foi substituído por homossexualidade, pois o sufixo “ismo” significa doença, enquanto o suf“dade” quer dizer modo de ser”. (Dias, 2006, p. 174)2 Em tradução livre: “[...] globalmente, seus comportamentos não variam fundamentalmente daqueles da população em geral. Nse trata de afirmar que todos os filhos de pais homossexuais ‘estão bem’, mas de acrescentar uma pedra suplementar ao edifício estudos que mostram que seus comportamentos correspondem aos das outras crianças de sua idade. O que não signifiabsolutamente, negar sua especificidade”.

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de justice que statuent sur la capacité ou l’incapacité d’um adulte à élever um enfant, il conviendraine plus se fonder sur l’orientation sexuelle de la mère pour évaluer l’intérêt de l’enfant3.

 Não se pode, por outro lado, desprezar o argumento contrário, que tem como núcleo o fato de qu

atual Constituição Federal configura, com instituição familiar, aquela resultante do casamento, ou a uni

estável entre um homem e uma mulher com ânimo de constituir família (Art. 226, § 3 o.), bem comocomunidade formada por qualquer dos pais e seus descendentes (Art. 226, § 4o.).

Essa interpretação se apóia no raciocínio de que uma norma jurídica, ao regular um comportamen

exclui qualquer outro que nela não esteja previsto. É uma visão ortodoxa, hermética, puramente literal, com

se as leis fossem constituídas de pequenas tiras (artigo por artigo), sem qualquer conexão entre si, nem com

ordenamento jurídico como um todo. É uma forma simplória de interpretação, pois está descompromissada

uma visão teleológica, ou seja, não se busca qual teria sido o objetivo do legislador ao elaborar aqu

dispositivo legal. É uma posição cômoda, porque não se exige, no exercício interpretativo, a avaliaç

sistematizada de outras leis hierarquicamente superiores ou de outras da mesma natureza. Contudo, essa lin

de raciocínio não resiste ao uso dos instrumentos analógicos, pois o intérprete tem a prerrogativa de estend

um benefício, por exemplo, para situações muito semelhantes, mesmo porque seria impossível o legislad

 prever todas as inúmeras circunstâncias de aplicabilidade de uma lei, principalmente diante da rápida evoluç

dos costumes da humanidade.

 Nesse sentido, Dias (2006, p. 175) ratifica:

A norma (CF 226) é uma cláusula geral de inclusão, não sendo admissível excluir qualquer entid

que preencha os requisitos de afetividade, estabilidade e ostensividade. Não se pode deixarreconhecer que há relacionamentos que, mesmo sem a diversidade de sexos, atendem a tais requisiTêm origem em um vínculo afetivo, devendo ser identificados como entidade familiar a merecetutela legal.O princípio norteador da Constituição, que serve de norte ao sistema jurídico, é o que consagrrespeito à dignidade humana. O compromisso do Estado para com o cidadão sustenta-se no primadoigualdade e da liberdade, estampado já no seu preâmbulo. Ao conceder proteção a todos, vediscriminação e preconceitos por motivo de origem, raça, sexo ou idade e assegura o exercício direitos sociais e individuais, a liberdade, a segurança, o bem-estar, o desenvolvimento, a igualdade

 justiça como valores supremos de uma sociedade fraterna, pluralista e sem preconceitos. Maiselencar os direitos e garantias fundamentais, proclama (CF 5 o.): todos são iguais perante a lei, sdistinção de qualquer natureza. Esses valores implicam dotar os princípios da igualdade e da isonomde potencialidade transformadora na configuração de todas as relações jurídicas. Fundamentoigualdade jurídica deixa-se fixar, sem dificuldades, como postulado fundamental do Estado de Direi

O Código Civil deve ser interpretado à luz da Constituição Federal, de acordo com o princípio

hierarquia das leis. Esta, por sua vez, estabelece princípios e valores fundamentais que deve ordenar a relaç

3 Em tradução livre: “O que aparece claramente no presente estudo, é que as crianças que crescem em uma família de lésbicas napresentam necessariamente problemas ligados a isso na idade adulta. De fato, os resultados do presente estudo mostram que

 jovens cuidados por uma mãe lésbica alcançam bem a idade adulta e têm boas relações com suas famílias, seus amigos e s parceiros. As decisões da justiça que avaliam a capacidade de um adulto em criar uma criança não devem se fundar sobrorientação sexual da mãe para avaliar o interesse da criança.

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entre as pessoas. Se necessário, diante de eventual lacuna, a interpretação analógica não pode ser desprezad

sob pena de se construir uma visão deformada em relação ao pensamento do constituinte.

É importante notar que o Art. 1o., inciso III, da atual Constituição Federal, elegeu a ‘dignidade

  pessoa humana’ como um dos fundamentos da República Federativa do Brasil. Logo -- num raciocí

lógico jurídico --, se ela é um dos fundamentos, isso significa que ela se constitui num dos pilares que sustentação à República Federativa do Brasil. Assim, qualquer lei que se promulgue ou qualquer interpretaç

legal que se realize, não pode desrespeitar esse ‘fundamento’, pois seria o mesmo que desrespeitar o Esta

Democrático de Direito.

Por ser um ‘fundamento’, a dignidade da pessoa humana antecede a qualquer outra forma

organização da sociedade, porque nenhum modelo de constituição social pode com ela conflitar, sob pena

ser considerado inconstitucional.

Sob esta óptica, é possível afirmar que não se admite interpretação contaminada por vícios

 preconceito e da hipocrisia, especialmente quando tem como conseqüência o desrespeito à valorização dignidade da pessoa humana.

3.2 A afetividade como elemento de valorização humana

  No passado as famílias eram constituídas por casais heterossexuais, com vistas à procriação

interesses econômicos ou políticos. Não era incomum a celebração de casamentos de pessoas que mal

conheciam -- algumas praticamente se conheciam no altar --, é até mesmo de um homem e de uma mul

que nutriam antipatia um pelo outro. Muitas vezes esses enlaces eram pactuados entre os familiares d

noivos, quando estes ainda eram jovens ou até mesmo, crianças. Essas relações eram alicerçadas, em mui

oportunidades, como forma de edificação de interesses pessoais, familiares, nos quais não se incluía a vonta

dos noivos. Há, ainda hoje, algumas civilizações que mantêm esse traço cultural.

Logo se vê que esses casais assumiam o compromisso da indissolubilidade do matrimônio, que pode

 perdurar por muitas décadas, sem que entre marido e mulher existisse o menor afeto. E, normalmente, es

casamentos perduravam até que a morte de um dos cônjuges pusesse fim àquele compromisso solene.

Todavia, os valores culturais de um povo sofrem mutações profundas ao longo das décadascontemporaneamente não mais de pode conceber uniões dessa natureza, mesmo porque os interes

familiares foram substituídos pelos objetivos afetivos. Ou seja, as uniões conjugais passaram a ser constituíd

de conformidade com os interesses particulares e exclusivos dos cônjuges, porque estes não declinam

direito de serem felizes, e esta felicidade passa obrigatoriamente pela presença da afetividade entre eles.

Partindo desse pressuposto, ou seja, levando-se em conta que a afetividade passou a ser o liam

absolutamente indispensável que justifica a união entre duas pessoas, essas mesmas pessoas se sent

liberadas para construírem uma entidade familiar a seu modo. Isso é, algumas pessoas jamais se sentiri

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felizes unindo-se com pessoas do mesmo sexo, contudo, não se pode desprezar o direito de outras, q

somente têm condição de desfrutar da plena afetividade se unidas a outras do mesmo sexo.

Se a afetividade tem sido eleita, em tempos modernos, como fator imprescindível para a justificati

da união de duas pessoas, para compor uma entidade familiar, não se pode tolhê-las do direito de se unire

com quem quiser, ainda que a escolha recaia sobre um modelo ‘não-convencional’ de casal. E isso se justif porque as uniões heterossexuais não se constituem numa garantia de que os relacionamentos entre os cas

seriam revestidos da plena afetividade. Desta forma, as pessoas têm o direito inalienável de buscar es

felicidade, mesmo que para isso constituam uma sociedade homoafetiva. E o direito não pode ignora

existência desses fatos e do direito de as pessoas celebrarem uniões que as dignifiquem como seres humano

Dias (2006, p. 179) acentua:

Quem ainda resiste em reconhecer tais uniões como entidade familiar que ao menos invoque a analo  para aplicar as regras de direito das famílias, pois são as que mais se aproximam das unihomoafetivas. Têm a mesma origem: um vínculo afetivo. Percorrem o mesmo caminho que levcomunhão de vida e geram responsabilidades recíprocas. 

O direito à afetividade é marcante na nossa atual Carta Magna. Nesse sentido, vale ressaltar que tod

os filhos foram elevados à mesma condição hierárquica, por força do Art. 227, § 6 o., independentemente

forma e com quem eles foram concebidos. A Constituição Federal anterior, ao contrário, contemplava filh

de primeira e de segunda categoria, se nascidos fora ou dentro do casamento. O novo Texto Maior pôs fim

essa hipocrisia, porque é de todos sabido que sob a óptica do filho -- e é somente a este que interess

conceituação --, ele é filho de um pai único, que por sua vez é pai de outros filhos. Em outras palavras, p

esse filho nascido fora do casamento, esse fato não tem a menor importância, pois é tão filho de seu p

quanto os são os demais nascidos dentro do matrimônio. Assim, seria inconcebível que esse filho, até ent

chamado de ‘ilegítimo’, carregasse essa pecha até o fim de sua existência, sem poder ser reconhecido p

aquele que é o seu verdadeiro pai, ainda que este se dispusesse a fazê-lo, mesmo porque o atual tex

constitucional proíbe qualquer discriminação relativa à filiação. Era um exemplo clássico de desprezo

dignidade do ser humano, tolhido do direito de receber afeto de seu pai.

 Nessa mesma linha de raciocínio, é possível interpretar que se a lei não impôs qualquer tipo

distinção entre os filhos havidos ou não durante a constância do casamento -- e aí se incluem os filh

adotivos --, isso se deve à valorização da afetividade que deve preponderar nas relações entre pais e filh

Isso é até mesmo mais importante do que o temor que o Código Civil de 1.916 apresentava de que

reconhecimento de um filho adulterino pudesse abalar os laços do casamento do cônjuge adúltero.

Por outro lado, vale acrescentar que a afetividade foi eleita, pelo constituinte, como eleme

 primordial na relação entre um casal, a ponto de receber a proteção do Estado, ser por este reconhecida com

entidade familiar, mesmo quando se tratar de união estável, a teor do § 3o., do Art. 226, da atual Constituiç

Federal. Com isso, foram abandonadas as antigas concepções de que a constituição legal de uma famí

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deveria passar obrigatoriamente pelo casamento, e somente este mereceria a proteção do Estado. Com efeito

dedução lógica é a de que caíram os empecilhos sociais que impediam o reconhecimento de entidad

familiares constituídas de fato, pois privilegiou-se a indispensável afetividade que deve prevalecer entre

cônjuges.

 No mesmo sentido, se constatada a ausência de afetividade entre o casal, a atual Constituição Fede prevê a possibilidade de o casamento civil ser dissolvido pelo divórcio, após prévia separação judicial p

mais de um ano, ou se comprovada a situação de fato por mais de dois anos, de conformidade com o q

dispõe o § 6o., ainda do Art. 226, da atual Lei Maior. Também as uniões estáveis podem ser dissolvidas p

mesma razão.

Da análise dos parágrafos 3o., e 6o., da atual Carta Magna, pode-se perceber que em tempos atuais n

mais se concebe a manutenção de uma sociedade conjugal -- seja ele de fato ou de direito --, se ausent

afetividade, exceto se o casal não tiver interesse de se utilizar dos dispositivos constitucionais para finda

relação.Por todo o exposto, não resta dúvida de que o atual Código Civil sinalizou no sentido de que é

fundamental importância que as relações entre pais e filhos sejam alicerçadas no amor, na profun

afetividade construída no dia-a-dia, não importando as circunstâncias que esses mesmos filhos for

concebidos.

Fica claro, portanto, que esse acentuado realce que se proporcionou à afetividade representa um

forma evidente de se valorizar a dignidade da pessoa humana.