129
JOÃO CARLOS ANDRADE DA SILVEIRA DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA DA VOCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEN GENTIUM: ANÁLISE E PROPOSTAS À FORMAÇÃO PRESBITERAL Dissertação apresentada à Faculdade de Teologia, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Teologia, Área de concentração em Teologia Sistemática. Orientador: Prof. Dr. Pedro Alberto Kunrath Porto Alegre 2005

DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

Embed Size (px)

Citation preview

Page 1: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

JOÃO CARLOS ANDRADE DA SILVEIRA

DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE

E TEOLOGIA DA VOCAÇÃO NA CONSTITUIÇÃO DOGMÁTICA LUMEN GENTIUM:

ANÁLISE E PROPOSTAS À FORMAÇÃO PRESBITERAL

Dissertação apresentada à Faculdade de Teologia, da Pontifícia Universidade Católica do Rio Grande do Sul, como requisito parcial para obtenção do grau de Mestre em Teologia, Área de concentração em Teologia Sistemática. Orientador: Prof. Dr. Pedro Alberto Kunrath

Porto Alegre 2005

Page 2: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

Livros Grátis

http://www.livrosgratis.com.br

Milhares de livros grátis para download.

Page 3: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

2

AGRADECIMENTOS

A Deus Uno e Trino, pela graça do Batismo e pela confiança ao me chamar como

pastor de Seu povo.

A meus pais, que me ensinaram a amar a Igreja.

Ao orientador, Pe. Pedro Alberto Kunrath, pelo apoio, acompanhamento e

paciência.

A Dom Dadeus Grings, por me proporcionar a oportunidade do mestrado.

Aos meus irmãos formadores do Seminário São José de Gravataí, pelo estímulo e

compreensão no tempo empregado nestas pesquisas.

À Irmã Jocélia Scherer, pela revisão textual e correções gramaticais.

Aos jovens seminaristas, com quem, nestes anos de ministério mistagógico, tive a

oportunidade de conviver e facilitar o discernimento vocacional.

Page 4: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

3

Este trabalho acadêmico é dedicado aos

formadores e formadoras, empenhados em

plasmar pastores para o povo de Deus.

Page 5: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

4

SUMÁRIO

RESUMO .......................................................................................................................... 06

Abstract .............................................................................................................................. 07

SIGLAS E ABREVIATURA ........................................................................................... 08

INTRODUÇÃO ............................................................................................................... 09

1 ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA VOCACIONAL: DIMENSÕES FUNDAMENTAIS .............................................................................. 12 1.1 CONCEPÇÃO DE VOCAÇÃO A PARTIR DAS CATEGORIAS DE CHAMADO E ACOLHIDA ............................................................................12 1.1.1 Conceituação etimológico-teológica ...................................................................13 1.1.2 Acolhida ao chamado no Antigo Testamento .................................................... 15 1.1.3 Acolhida ao chamado no Novo Testamento ...................................................... 17 1.2 A PESSOA HUMANA: PROTAGONISTA NA ACOLHIDA VOCACIONAL ... 19 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento .................................................................. 19 1.2 2 Antropologia do Novo Testamento .................................................................... 25 1.2.3 Antropologia patrística ....................................................................................... 27 1.3 A SANTÍSSIMA TRINDADE: ORIGEM DO CHAMADO .................................. 30 1.3.1 A Trindade e o Antigo Testamento .................................................................... 30 1.3.2 A teologia trinitária no Novo Testamento .......................................................... 31 1.3.3 Contributo patrístico à formulação da teologia trinitária ....................................34

Page 6: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

5

2 SANTIDADE: CHAMADO HISTÓRICO-ECLESIAL ............................................ 39 2.1 CONTEMPORANEIDADE E ECLESIALIDADE ................................................. 39 2.1.1 Controvérsia: Pós-modernidade ou moderno reajustado .................................... 40 2.1.2 Tempos novos, respostas novas .......................................................................... 43

2.2 O CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II ........................................................ 44 2.2.1 Caminho eclesial pré-Vaticano II ...................................................................... 44

2.2.2 O evento conciliar .............................................................................................. 46 2.2.3 Antropologia conciliar ....................................................................................... 52

2.3 VOCAÇÃO UNIVERSAL À SANTIDADE .......................................................... 54 2.3.1 A criação como lugar da missão ........................................................................ 54 2.3.2 A Igreja como lugar de chamado e acolhida ..................................................... 58 2.3.3 A Constituição Dogmática Lumen Gentium e o chamado à santidade ............. 60

2.4 VOCAÇÃO BATISMAL: DIGNIDADE E IGUALDADE ................................... 67 2.4.1 Batismo: filiação e missão ................................................................................. 67 2.4.2 Discernimento e vocações específicas: graça e liberdade ................................. 72

3 DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E FORMAÇÃO PRESBITERAL .................................................................................... 83 3.1 O FORMADOR: PEDAGOGO E ACOMPANHANTE ........................................... 84

3.2 A CASA DE FORMAÇÃO: COMUNIDADE PEDAGÓGICA ............................... 93 3.3 ACOLHIDA PESSOAL AO CHAMADO .............................................................. 101

CONCLUSÃO ................................................................................................................ 109

BIBLIOGRAFIA CITADA ........................................................................................... 111

Page 7: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

6

RESUMO

O presente trabalho acadêmico aborda a problemática do discernimento vocacional na

formação presbiteral. Utilizando o método ver, julgar e agir e, a partir de ampla pesquisa

bibliográfica, chega à raiz da Teologia da Vocação. Percorrendo as fontes bíblica e

patrística, encontra, na origem, a Trindade e, na acolhida, o ser humano, criado à sua

imagem e semelhança. A santidade é apresentada como chamado histórico-eclesial. Por

isso, analisa a sociedade contemporânea e descreve o desempenho da Igreja com o

Concílio Ecumênico Vaticano II que, através da Constituição Dogmática Lumen Gentium,

chama a todos à santidade e confere, pelo Batismo, dignidade e igualdade a todo o povo de

Deus. O formando acolhe de maneira pessoal o chamado ao presbiterado. Todavia, a

qualidade da relação mantida na casa de formação e com os formadores produzem a

clareza no discernimento, alcançada na sintonia com a Trindade.

Palavras-chave: Discernimento. Formação presbiteral. Teologia da Vocação. Santidade.

Lumen Gentium. Batismo.

Page 8: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

7

Abstract

The present academic work focuses the vocational discernment in the presbyteral

formation. Using the method see, judge, act and employing a large bibliographic research

we can get the root of the Theology of the Vocation. Investigating the biblical and patristic

sources we discover, at the origin, the Trinity and we can receive the human being created

according His image and resemblance. Sanctity is presented as a historic-ecclesial call. For

that reason analyses the contemporary society and describes the conduct of the Church in

harmony with the Ecumenical Council Vatican II, in the document Dogmatic Constitution

Lumen Gentium, calling everybody to sanctity and leveling the People of God by the

Baptism, having the same dignity and equality. The candidate receives in a personal way

the call to the priesthood. Nevertheless the quality of the relation maintained in the house

of formation, also with the educators, produces clarity in the discernment in the tunning

with the Trinity.

Key words: Discernment. Presbyteral formation. Theology of the Vocation. Sanctity.

Lumen Gentium. Baptism.

Page 9: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

8

SIGLAS E ABREVIATURAS

Abreviaturas bíblicas de acordo com a BÍBLIA DE JERUSALÉM.

CaIC: CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. CELAM: CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO. Cf.: Confira. CIC: CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO. Promulgado por João Paulo II, Papa.

CNBB: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL.

et alii: e outros.

GS: CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição pastoral Gaudium et Spes: sobre a Igreja no mundo de hoje. idem: o mesmo, igual ao anterior. ibid.: na mesma obra, no mesmo lugar. LG: CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Constituição dogmática Lumen Gentium: sobre a Igreja. op.cit.: obra citada.

PDV: JOÃO PAULO II. Exortação apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis: sobre a formação dos sacerdotes.

VC: JOÃO PAULO II. Exortação apostólica pós-sinodal Vita Consecrata: sobre a vida consagrada e a sua missão na Igreja e no mundo.

Page 10: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

9

INTRODUÇÃO

O discernimento é um desafio presente desde o momento em que a pessoa humana

pode escolher entre o bem e o mal. Esse embate cresce quando a opção exige

comprometimento integral e fidelidade por toda vida no sacerdócio ministerial. Partimos

desse questionamento: Como aumentar o nível de clareza e diminuir a probabilidade de

erro, a fim de que, ulterior a opção feita e assumida na ordenação, após anos de caminhada

formativa, não se conclua em equívoco? Nosso objetivo é, a partir de ampla pesquisa

bibliográfica e da experiência no ministério formativo, aprofundar o saber teológico da

vocação, alicerçados na Constituição Dogmática Lumen Gentium, desenvolvendo aspectos

teóricos e práticos, basilares numa opção madura. Discernimento no chamado à santidade e

Teologia da Vocação na Constituição Dogmática Lumen Gentium: análise e propostas à

formação presbiteral, são o tema da dissertação.

O presente empreendimento acadêmico, embora investigando temas bíblicos,

patrísticos, eclesiológicos e trinitários, se desenvolve no âmbito da Antropologia

Teológica, precisamente, pertence à esfera da Teologia da Vocação. Tem a pretensão de

extrapolar a atmosfera teórica do assunto e lançar sugestões práticas e viáveis ao

imprescindível ministério eclesial da formação.

Page 11: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

10

São consenso as influências psicológicas e sociológicas da atmosfera pós-moderna

em que vivemos, de modo particular, incutidas na dificuldade em se fazer uma opção

imutável na vida celibatária pelo Reino de Deus, como é o caso da ordenação presbiteral.

Todavia, não abordaremos a discussão sobre a obrigatoriedade ou validade do celibato,

pois não é o objetivo deste intento. Partiremos do pressuposto que é um carisma, concedido

a alguns pelo autor do chamado, junto com a graça necessária para vivê-lo. A quem ele

chama, revela-o nitidamente, bastando criar abertura interior e ambiente exterior. O

método na edificação do trabalho será: ver, julgar e agir, alicerçado no espírito de volta às

fontes do Concílio Vaticano II.

Para tanto, inicialmente, antes de realizarmos a apreciação sobre discernimento, é

mister que vejamos a Teologia da Vocação no seu contexto geral. Por isso, percorrendo

ambientes bíblico e patrísticos, abordaremos as dimensões fundamentais da Antropologia

Teológica vocacional: a Santíssima Trindade e a pessoa humana, criada à imagem e

semelhança trinitária, mas danificada pelo pecado original. O Batismo apaga-o, mas

permanece a dificuldade de comunicação.

No segundo capítulo, apresentaremos a santidade como chamado histórico-eclesial.

Para tanto, deslocar-nos-emos do ambiente bíblico e patrísrico ao momento atual,

analisando a sociedade hodierna e seus desafios. A resposta da Igreja através do maior

evento eclesial do século XX, o Concílio Ecumênico Vaticano II, mais precisamente, a

Constituição Dogmática Lumen Gentium, convocadora à santidade, alicerçada no Batismo,

que concede dignidade e igualdade a todo povo de Deus. Esse é o critério máximo de

julgamento ao se optar por uma vocação específica: a santidade de vida.

Page 12: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

11

O trabalho é completado pelo terceiro capítulo, através de sugestões práticas e

viáveis, a partir do tripé: formador, casa de formação e formando, no que diz respeito ao

discernimento no chamado à santidade. É o momento do agir, por isso, as propostas vêm

de renomados formadores, com atuação direta no ministério formativo, e dos estudos e

documentos da CNBB, do CELAM e da Igreja Universal no que tange à formação

presbiteral. A acolhida do chamado é pessoal, mas o discernimento é, decididamente, bem

realizado se o formador for acompanhante e pedagogo e se o formando residir numa

comunidade pedagógica que o auxilie.

O Concílio Ecumênico Vaticano II está comemorando quarenta anos, numeral de

forte conotação bíblica. Percebemos que pouco o exploramos ou o colocamos em prática.

Este empreendimento acadêmico, em sua pequenez e despretensão, sem abordar seus

vários documentos, mas, apenas, quase que exclusivamente, a Lumen Gentium, quer

contribuir para reverter essa situação. E assim, como o povo de Deus, após quarenta anos

no deserto, encontrou a terra prometida, sonhamos com sua concretização no tempo

presente da Igreja e da sociedade.

Page 13: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

12

1 ANTROPOLOGIA TEOLÓGICA VOCACIONAL

DIMENSÕES FUNDAMENTAIS

A construção duma Teologia da Vocação nos leva, inevitavelmente, a

contemplarmos o autor do chamado, a Santíssima Trindade, e quem o acolhe, a pessoa

humana, criada à imagem e semelhança trinitária. É o momento do ver: olhar a

antropologia e a teologia.

1.1 CONCEPÇÃO DE VOCAÇÃO A PARTIR DAS CATEGORIAS DE

CHAMADO E ACOLHIDA

Vocação, que é chamado, exige não apenas respondê-la, mas acolhê-la. Hoje,

encontramos numerosas pseudo-definições sobre esse diálogo entre Deus, o autor do

chamado, e a pessoa humana, destinatária. A semântica nos auxilia e na Sagrada Escritura,

encontramos clareza.

Page 14: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

13

1.1.1 Conceituação etimológico-teológica

O fazer teológico ou a construção de uma compreensão profunda sobre o acontecer

vocacional é tarefa árdua. “Dificilmente se encontrará, hoje, um estudo teológico completo

sobre vocação”1. Também no Brasil, percebe-se essa carência2. Entre as hipóteses

prováveis, temos a omissão e a falta de apreço por parte daqueles que se dedicam à

teologia sistemática3. Nesse sentido, a semântica é uma ciência que nos auxilia

consideravelmente a evitarmos equívocos teológicos e ajuda-nos na limpidez conceitual4.

Na pesquisa etimológica, encontramos que o vocábulo vocação tem sua origem no

verbo latino vocare5 e na palavra latina vocatione, significando: “Ato de chamar, escolha,

chamamento”6. No âmbito da fé não é diferente. Todavia, o chamado é divino7. É Deus

quem convoca, prescreve o percurso, anima e capacita o vocacionado8.

1 GONZALES-QUEVEDO, Luis. Teologia da vocação. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS

CASA, Joan (Orgs.). Dicionário teológico da vida consagrada. São Paulo: Paulus, 1994, p.1158. 2 “É verdade que avançamos na produção de subsídios de Pastoral Vocacional (PV), mas faltam textos de

teologia vocacional que possam nos ajudar no aprofundamento desta temática” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia e Eclesiologia da Vocação . Disponível em: < http:// www. presbiteros.com.br/ dogma/teologia.htm>. Acesso em: 16 de set. de 2004).

3 “Os teólogos sistemáticos, parecem deixar o tema para os autores espirituais, os pastoralistas ou os psicólogos” ( OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da Vocação: temas fundamentais. São Paulo: Loyola, 1999, p.19).

4 “[...]o significado etimológico é muito importante. Ele nos ajuda a corrigir certa distorção implantada aos poucos no sentido da palavra vocação” (ibid.).

5 KOEHLER, Henrique. Dicionário escolar latino-português. 5 ed. Porto Alegre: Globo, 1940, p.476. 6 FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3 ed. Ver. E ampl. Rio de Jeneiro: Nova Fronteira, 1999, p.1786.

7 “Para o cristão é claro que quem chama é Deus. Somente Deus pode entrar na vida do homem com voz imperiosa; só Ele pode arrogar-se o direito de propor ao homem um destino que toca a sua vida. Para o cristão, Deus é Pai do homem, com paternidade muito próxima do filho, mas também muito distante ao mesmo tempo: imanente e transcendente ao mesmo tempo. E por isso o chamado se faz necessário porque a distância é sempre longa. Voz e vocação têm a mesma raiz e ambas as palavras se unem em Deus que chama” ( GONZALES-QUEVEDO, Luis. op .cit., p.1188-1189).

8 “A etimologia do termo vocação evidencia a presença de alguém que chama; vocação é a iniciativa de outro que comunica um projeto” (CANDIDO, Luigi de. Vida Consagrada. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. Lisboa (POR): Paulistas; São Paulo: Paulinas, 1989, p.1170). “O chamado assinala ou indica um caminho, desperta ou convida a caminhar, fortalece a fragilidade humana congênita” (CORDOBÉS,Manuel. Vocação. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). op. cit., p.1190).

Page 15: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

14

É encontro amoroso, livre e dialógico: Deus convida e a pessoa humana acolhe9.

Não é um simples responder ao chamado, mas acolhê-lo. “Acolher – receber são verbos

ativos. E não só no plano gramatical”10. A resposta pode ser passiva, indiferente, imparcial,

não-envolvente, não-comprometida, alheia, exterior11. A parábola dos dois filhos frente à

ordem do pai (cf. Mt 21,28-32) é modelar: um respondeu “sim”, mas não foi, o outro

respondeu “não” e foi. A vocação do apóstolo Mateus é paradigmática: Jesus o convoca.

“Este, levantando-se, o seguiu” (Mt 9,9b). Não é mero pedido, mas solicitação, sedução:

“Tu me seduziste, Iahweh, e eu me deixei seduzir” (Jr 20,7a). Acolher é ser solícito,

aberto, comprometido, receptivo, deixar-se envolver e atrair pela força que o chama e o

lança. Sugere empatia, adesão, envolvimento, cumplicidade, seguimento.

A partir da compreensão de vocação como chamado/acolhida, alguns equívocos

costumeiros podem e devem ser evitados: a) identificar vocação com capacidade,

habilidade, disposição, pendor12; b) definir vocação apenas no âmbito antropológico, como

busca simplesmente humana13; c) dizer que na acolhida não há liberdade de quem é

convocado; d) igualar vocação com vocações específicas, de modo particular com o

9 “Mesmo tomando a iniciativa de chamar, Deus não dispensa a participação da pessoa humana. Ele quer que

o ser humano responda a seu chamado. Por isso mesmo a vocação só se completa quando a pessoa dá sua resposta, aceitando a proposta de Deus e abraçando livremente um serviço em favor da comunidade. [...]Ele entra em diálogo com a pessoa humana, convidando-a ao serviço, à doação, à entrega” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia das vocações: temas fundamentais. 1999, p.22).

10 MAGRASSI, Mariano. Acolhimento. In: BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.) Dicionário de mística. São Paulo: Loyola; Paulus, 2003, p. 08.

11 “A palavra ‘acolhida’ supera a palavra resposta. É palavra mais moderna e com nítido sentido evangélico. [...]Acolhida consiste em abrir a porta para esta invasão de força, a fim de que a pessoa se disponha e se sinta impelida para onde tal força a impele” (CORDOBÉS, Manuel. op. cit., p.1190).

12 “De fato, numa visão corriqueira, existe uma forte tendência que leva muito facilmente as pessoas a identificar a vocação como pura e simplesmente uma inclinação ou aptidão. [...] no conceito de vocação, o que aparece em primeiro lugar é o ato de chamar, o chamado. A aptidão, a inclinação são secundárias, vêm como resposta à proposta recebida” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. op. cit., p. 19 - 20).

13 “[...] só é possível entender perfeitamente numa dimensão de vida alimentada pela fé. Melhor dizendo: a vocação só pode ser entendida teologicamente, é uma realidade teológica. [...] terminaria até mesmo por trair o projeto de Deus” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da vocação: temas fundamentais. 1999, p. 20 - 23).

Page 16: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

15

sacerdócio ou a vida religiosa14; e) pressupor que a vocação deva ser assumida em vista

de benefícios próprios, regalias adquiridas ou poder indevido15; f) generalizar e

uniformizar os chamados16.

A teologia da vocação tem de buscar, necessariamente, na fonte bíblica alicerce, a

fim de se evitar enganos ou superficialidade conceitual.

1.1.2 Acolhida ao chamado no Antigo Testamento

O tema vocacional é um dado exclusivamente bíblico: somente o Deus da Bíblia

dirige explicitamente ao homem uma mensagem que é também uma vocação. Mesmo

expressa em linguagem profana como convocar ou nomear, sempre que Deus é o sujeito,

toma significação radicalmente nova. Não há registros de chamados nesse sentido na

filosofia pagã contemporânea à hagiografia bíblica. Entretanto, o vocábulo vocação não é

encontrado no hebraico e “chamar” é utilizado ocasionalmente17. Na raiz, está o diálogo:

14 “Não é intervenção determinista e eterna. Deus age na condição real e concreta da história, da cultura, da

geografia e da psicologia. [...] comumente a vocação determina o chamado ao sacerdócio ministerial e à vida consagrada. No entanto, trata-se de redução arbitrária de sua amplitude” (CANDIDO, Luigi de. Vida consagrada. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. 1989, p. 1170). “[...] levam em conta somente e muito particularmente a chamada vocação sagrada, encarnada na consagração religiosa e no, ministério hierárquico” (CORDOBÉS, Manuel J. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). op. cit., p. 1187).

15 “[...] a vocação deve ser vista na perspectiva do serviço. Ela requer doação, disponibilidade, entrega” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da vocação: temas fundamentais. 1999, p. 23).

16 “A vocação é um fato muito pessoal. [...] é parte integrante dessa identidade da pessoa e, por isso, é difícil de analisar e de estudar. [...] cada uma é um caso, é uma história, um evento. Quando se quer fazer um sistema, uma teoria desses eventos, arrisca-se a generalizar experiências personalíssimas e singularíssimas” (MARTINI, Carlo Maria; VANHOYE, Albert. Bíblia e Vocação. São Paulo: Loyola, 1987 (Col. Fé e vocação), p. 11-12).

17 “O termo ‘vocação’ não existe em hebraico. Para falar da vocação com que um ser humano é agraciado, ou de como Deus o toma em seu serviço para o resto da vida, são usados principalmente os verbos ‘enviar’e ‘ir’ (Ez 6,14; Is 6,8 etc.). Nas narrativas de vocação, o verbo ‘chamar’ aparece raramente, e apenas referindo-se ao primeiro contato (Ex 3,4). No Dêutero-Isaías, porém, o ‘chamar’ é freqüente, bem como ‘escolher’: Is 42,6[...]. Geralmente as vocações são narradas no início de uma atividade ou de um livro” (FISCHER, Georg. Vocação (AT). In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2 ed. São Paulo: Loyola, 2000, p.448).

Page 17: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

16

Deus fala, a pessoa escuta. Deus expõe o programa a ser realizado e a pessoa acolhe. Nos

escritos do Antigo Testamento, a descrição do chamado, comumente, vem na gênese do

escrito, com o propósito de conferir autoridade e legitimar a missão18.

Na literatura vétero-testamentária, a palavra profecia, oriunda da “raiz acádica no

sentido de ‘chamado’ (por Deus, para falar por ele)”19, torna o profeta paradigmático

quando se trata de vocação. Porém, a acolhida do chamado divino não deve ser igualada no

gênero nem na atitude. Existem vários tipos de postura frente à convocação de Deus: a)

ouvem, e logo obedecem20; b) obedecem, com objeções21; c) são voluntários frente à

vontade divina (cf. 1 Rs 22,19-22; Is 6); d) há um descobrimento gradual, uma acolhida

por etapas sem haver um conhecimento da importância do chamado, a clareza vem pela

meditação e reflexão (cf. 1Sm 3).

Na hagiografia bíblica, geralmente, é na história que se compreende o chamado22,

porém, a iniciativa é sempre divina23. Embora poucas narrativas vocacionais foram

registradas24, percebe-se que a acolhida é exercida, na maioria das vezes, por pessoas

frágeis, cuja aparência não é idônea: não reconhecem a Deus (cf. 1 Sm 3 ); procuram

escapulir à convocação (cf. Jr 1); não têm eloqüência (cf. Ex 4,10; Jr 1,6); vivem

18 Cf. Gn 3, 1-6; Is 6, 1-4; Ez 1 19 McKENZIE, John. Dicionário bíblico. 8. ed. São Paulo: Paulus. 2003, p. 742. 20 Cf. Gn 12, 1-4; 1Rs 19,15-19; Am 7,15; Os 1,2-3 21 Cf. Ex 3, 4-12; Jz 6, 11-24; Jr 1, 4-10; Ez 2, 1-3,11 22 “O caminho mais fácil para uma aproximação do evento vocacional é o caminho histórico” (MARTINI,

Carlo Maria; VANHOYE, Albert. Bíblia e Vocação. 1987, p. 24). 23 “Antropologicamente, a vocação é uma resposta do homem, a partir de seu diálogo com Deus, o qual o

chama, levando-o, assim, a uma opção fundamental” (SILVEIRA, João Carlos Andrade da. Adolescência e opção vocacional: análise psicopedagógica. Monografia (Especialização em Psicopedagia) - Curso de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Viamão, 1994, p. 22.

24 “[...] o misterioso provoca no humano ânsia irrefreável de saber. Na Bíblia porém, a iniciativa da profecia não está no humano e sim em Deus (MAYORAL LÖPES, Juan Antonio. Profetas. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética. São Paulo: Paulus, 2004, p. 914).

Page 18: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

17

no desânimo (cf. Is 40, 6b-7 a ); não possuem pureza (cf. Is 6,5); às vezes, geram desprezo

divino (cf. Jz 6,15; 1 Sm 9,21). Mesmo havendo menosprezo e temor por parte de quem é

convocado, Deus sempre procura o diálogo e capacita à tarefa exigida.

A eleição permanece um mistério25. Não depende das qualidades humanas. Destina-

se, não ao engrandecimento de quem é chamado, mas sempre à missão.

1.1.3 Acolhida ao chamado no Novo Testamento

As narrativas neo-testamentárias de acolhida ao chamado26 foram escritas na

experiência do Cristo ressuscitado, ou seja, sob a ótica pós-pascal27. Na Nova Aliança,

permanece a estrutura dialógica da vocação, claramente percebida na narrativa do

acolhimento de Maria ao seu chamado (cf. Lc 1,26-38)28. A nova criação origina-se do

diálogo entre Deus e uma mulher. E, com sua acolhida, “[...] inaugura-se a nova família de

Deus em Jesus”29. Ele continua sendo o autor do chamado e quem toma a iniciativa.

25 “Toda a história bíblica mostra que a iniciativa do encontro com Deus parte sempre dele” (MAGRASSI,

Mariano. Acolhimento. In: BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.). Dicionário de mística. 2003, p.8). 26 “Sendo que a sociedade gr. [grega] nada sabia do conceito bíblico de ‘chamada’, não compartilhava de

nosso conceito de ‘vocação’. A atividade do indivíduo na sociedade que trabalhava era chamada ergon (‘trabalho’), ponos (‘fardo’) [...]. Embora se procurasse um termo geral para o trabalho manual, a consciência da ‘vocação’ permanecia restrita a sacerdotes, e até certo ponto, àqueles que se dedicavam a tarefas intelectuais e administrativas” (COENEN, Lothar. Chamar: кaλέω. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin (Orgs). Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. 1 v, p. 350).

27 “Depois da morte de Jesus, os discípulos compreenderam, à luz do maravilhoso evento da Páscoa, o significado mais profundo da fé em Deus, em Javé. Esta fora o solo cultural-religioso em que o povo de Israel se formara, vivera ao longo dos séculos, num movimento de infidelidade e conversão” (LIBANIO, João Batista. Deus e os homens: os seus caminhos. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1996, p.184).

28 “Maria pode dialogar, expressar sua lucidez ao solicitar dados e aceitar, voluntária e livremente, o plano proposto por Deus mediante o seu mensageiro” (NAVARRO PUERTO, Mercedes. Maria. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética. 2004, p. 716).

29 Ibid.

Page 19: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

18

Nos evangelhos, Jesus chama ao reino do Pai no qual, ocultamente, é o rei30 e

convoca à missão31. Percebemos isso no chamado a seus discípulos (Mt 4,21; Jo 1,35-48;

Lc 10,1), quando Ele convoca todas as pessoas (Mc 10,17-22), em especial, os pecadores

(Mt 9,13; Lc 19,7)32. Chama a serem discípulos, não alunos, pois esses, um dia, podem

ocupar a cátedra do professor. E o discípulo, embora se assemelhe ao Mestre, jamais

tomará Seu lugar no seguimento.

Ele provoca no discípulo o êxodo completo de si mesmo e de tudo a que está ligado, e o conduz atrás de si à adesão plena à pessoa, à mensagem e ao destino dele. As exigências radicais do seguimento de Jesus (Cf. Lc 9,57-62) indicam que nele irrompe o Reino de Deus. Os que o seguem são expropriados de seu mundo e feitos herdeiros de um mundo novo, definido pela própria pessoa de Jesus. Cristo gera a comunhão de vida que se traduz na relação estável, permanente, exclusiva com ele, até a participação em seu destino de morte e ressurreição: ‘se alguém quer vir após mim, negue-se a si mesmo, tome a sua cruz e siga-me’ (Mt 16,24)33.

O apóstolo Paulo, vocacionalmente, é paradigmático. Tem consciência de ter sido

chamado por Deus a fim de converter os não-crentes (Gl 1,15). Ele considera todos os

cristãos chamados por Cristo (Rm 1,6), como prova de seu amor (1 Cor 1,2-9). A vocação

neo-testamentária é um chamado à glória (2 Tes 2,14), ao Reino (1 Tes 2,12), à santidade

(1 Tes 4,7), à liberdade (Gl 5,13), à vida eterna (1Tm 6,12). Acolher significa identificar-se

com Cristo e deixá-lo viver em nós (cf. Gl 2,20).

30 “O conteúdo exato do chamamento de Jesus depende em cada Evangelho das conseqüências que o

evangelista atribui ao ser discípulo” (NÜTZEL, Johannes M. Vocação (NT). In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2000, p. 449).

31 “Na Bíblia, o tema da vocação está em relação estreita com os de eleição e missão” (GONZÁLES-QUEVEDO, Luis. Teologia da vocação. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan (Orgs). Dicionário teológico da vida consagrada. 1994, p. 1154).

32 “[...] as narrativas de vocações no NT querem realçar a autoridade e a fascinante força do chamamento de Jesus [...]. A imediata obediência dos chamados transforma-os em exemplos” (NÜTZEL, Johannes M. Vocação (NT). op. cit., p. 449).

33 CIARDI, Fabio. Seguimento. In: BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.). Dicionário de mística. 2003, p. 952-953.

Page 20: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

19

1.2 A PESSOA HUMANA: PROTAGONISTA NA ACOLHIDA VOCACIONAL

A pessoa humana é quem acolhe o chamado. É a destinatária. A antropologia cristã

nos oferece uma concepção de ser humano, mistério por essência, solidamente

fundamentada na Sagrada Escritura e nos Santos Padres.

1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

Ao iniciarmos a pesquisa antropológica nas Sagradas Escrituras, é conveniente

destacar a sua estreita relação com a teologia já no início das narrativas bíblicas34.

Entretanto, o hagiógrafo vétero-testamentário jamais expõe a pessoa humana como objeto

de reflexão35. Considera-a numa totalidade integradora: carne, coração, vida. A pessoa é

sempre concebida na sua relação viva com Deus, tanto masculino como feminino36. O ser

humano é considerado, em sua estrutura pessoal, com profunda seriedade, evitando-se

qualquer tipo de abstrações que o transformariam, e também a Deus, em mero objeto de

34 “Teologia e antropologia já se encontram em relação íntima desde a primeira página da Bíblia”

(LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia Teológica. São Paulo: Loyola, 1998 (Col. Introdução às Disciplinas Teológicas), p. 48).

35 “O AT ignora qualquer definição filosófica da essência humana e de seus ‘componentes’. Dicotomia ou ‘tricotomia’ seria inadequado” (DEISSLER, Alfons. Ser Humano/Homem (AT). In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2000, p.402).

36 “A complementaridade entre masculino e feminino – segundo o texto bíblico – é exatamente a valorização da relacionalidade humana nas suas diferenças e complementaridade específica, que atestam as possibilidades várias de ser imagem de Deus: das quais uma das fundamentais é sê-lo enquanto mulher e enquanto homem” (RIBEIRO, Hélcion. Ensaio de Antropologia Cristã: da imagem à semelhança com Deus. Petrópolis: Vozes, 1995, p.156). “A mentalidade patriarcal, então dominante, considerava o homem superior, por natureza, à mulher[...]. Isto não obstante, a humanidade formava um todo unitário” (WARNACH, V. Homem. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1983. 2 v, p.330).

Page 21: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

20

análise37. “Mesmo quando descreve o homem, apresenta-o não como pessoa autônoma em

si, mas integrado na realidade cósmico-política, em diálogo religioso com Deus, orientado

para conviver com seu Criador”38.

Os escritos do Antigo Testamento se distinguem por suas inúmeras e precisas

afirmações sobre o mundo e sobre o lugar do homem no mundo, olhando a ambos na

relação com o Criador39. Mas, os limites entre Deus, a pessoa humana e o mundo são

solidamente mantidos: Ele escapa às categorias do pensamento humano (cf. Ex 15,11; Is

55,8) e não tem atitudes humanas (cf. Os 11,9). Entretanto, jamais as diferenças são tão

acentuadas que destruam a relação vital entre eles, constituindo-se numa justaposição de

elementos isolados na sociedade.

a) Criatura de Deus

No contexto hebreu, o homem e o mundo têm importância enquanto foram criados

por Deus40. Pois, segundo o Antigo Testamento, Deus é o criador da primeira pessoa

37 “Na antropologia do Antigo Testamento, são três os planos que formam a realidade do homem. Não são

partes do homem, mas níveis ou dimensões totais. Cada uma dessas dimensões representa a totalidade do homem numa perspectiva particular. O primeiro nível, o mais externo, é o corpo, ou a carne (basar): é a manifestação exterior e sensível de todo o ser humano e espiritual. O segundo nível, mais interior, pertence à alma, à vida (nefesh): esse alento de vida e de consciência é que permite ao homem ser ele mesmo. Por último, o nível do espírito (ruah): é a dimensão sobrenatural, própria da revelação bíblica, esse laço imaterial que permite ao homem relacionar-se com o Espírito de Deus. Nenhum de nossos termos traduz exatamente o conceito e a experiência original. Dão-nos pelo menos uma aproximação” (RUIZ SALVADOR, Federico. Compêndio de teologia espiritual. São Paulo: Loyola, 1996, p. 171-172).

38 GOFFI, Tullo. Homem Espiritual. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. 1989, p. 511-512.

39 “O Antigo Testamento formula essa aproximação de Deus pela criação sob a forma do domínio absoluto de Deus sobre todo o criado. Se de um lado, Israel comparte com os países vizinhos a fé de que o mundo foi criado por Deus, avança, de outro, porém, a reflexão em duas direções. Primeiramente espiritualiza ao máximo esse ato criador de Deus, ao eliminar intencionalmente os elementos míticos de uma luta criadora do demiurgo contra certa personificação do caos. Esta ação criadora de Deus efetua-se pela ‘palavra’. Afasta-se, assim, qualquer idéia de emanação ou de uso de elementos primordiais. Com isso, afirma-se a universalidade e exclusividade da ação divina na criação do mundo” (LIBÂNIO, João Batista. Deus e os Homens: os seus caminhos. 1996, p. 110).

40 “Antes de tudo, impõe-se claramente o fato da criaturalidade de todos os seres (exceto Deus), inclusive o homem; tal fato determina a doutrina bíblica em toda a sua extensão” (WARNACH, V. Homem. In: FRIES, Heinrich (Org.) Dicionário de teologia: conceitos fundamentais de teologia atual. 1983, p. 325).

Page 22: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

21

humana e, também, de cada indivíduo, de cada representante da espécie41. O nome próprio

do primeiro humano: Adão42 é coletivo, engloba toda a humanidade43. A formação de cada

feto no ventre materno considera-se obra divina44. A ação do criador é comparada com o

oleiro que molda o homem da terra45. Outras vezes como o tecelão que borda e tece no seio

da mãe46. A genitora dos Macabeus é exemplo típico dessa convicção quando reconhece

não ser ela a formadora em seu corpo dos filhos (cf. 2 Mc 7,22s). A pessoa humana assim

formada tem vida, porque Deus soprou o alimento vital, manifestado na respiração47.

Concebe-se o homem vivo, em sua totalidade, na existência como um todo e intimamente

ligado ao criador48. A tradição filosófica greco-romana parte duma problemática ausente

no contexto hebreu: a dicotomia entre princípio vital e corpo. O pensamento bíblico vai

noutra direção: a pessoa é criatura, barro, argila e sobrevive graças ao hálito de Deus (cf.

Gn 2,7).

41 “O cap. 2 do Gênesis não diz respeito só a história de um homem, mas à humanidade inteira [...] segundo a

mentalidade semítica, o ancestral duma raça traz em si a coletividade ‘saída de seus rins’; nele se exprimem, realmente, todos os descendentes: estes lhe estão incorporados [...]” (LÉON-DUFOUR, Xavier. Homem. In: LÉON-DUFOUR, Xavier et alii (Orgs.). Vocabulário de teologia bíblica. 4. ed. Petrópolis: Vozes, 1987, p. 405).

42 “’ādām também é usado para se referir ao homem genérico como imagem de Deus e coroa da criação, sendo também um nome pessoal. Por isso esta é a palavra usada quase sempre em Gênesis 1-3. [...] A Bíblia estabelece um forte relacionamento entre o homem (’ādām) e a terra (’ădāmâ)” (COPPES, Leonard J. ’ādām: homem, espécie humana, humano, alguém, Adão (o primeiro homem). In: HARRIS, R. Laird (Org.). Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2001, p. 13-14).

43 “Geralmente ’adam é um conceito coletivo, mas em Gn 3 torna-se ao mesmo tempo o nome do ancestral da humanidade” (DEISSLER, Alfons. In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2000, p. 402).

44 Cf. Jr 1,5; Sl 139,13; Jó 10,8-12.18 45 Cf. Gn 2,7; Is 29,16;45,9;64,7; Jr 18,6 46 Cf. Sl 139,13-16; Jó 10,11 47 Cf. Gn 2,7; Sl 104,29s; Jó 10,12;33,4;34,14s; Ecl 3,21;12,7 48 “Na interpretação do texto bíblico, os exegetas têm estabelecido muitas indicações – por vezes até

contraditórias. Assim, há uma posição clássica – a das fontes do Pentateuco – que identificam em Gn 1-3, dois relatos distintos da criação. O mais antigo escrito pelo século X a C, atribuído à tradição javista (J) e o mais recente, redigido pelos sacerdotes (S) durante o exílio da Babilônia, entre 578 e 538 a C.[...] As duas narrativas da criação e definição das atribuições do ser humano são extremamente sintéticas e sóbrias – ao contrário dos mitos circundantes; mas os textos têm características diversas” (RIBEIRO, Hélcion. Ensaio de antropologia cristã: da imagem à semelhança com Deus. 1995, p. 49-50).

Page 23: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

22

b) Imagem de Deus

A concepção antropomórfica49 de Deus nasce da fé bíblica na criação humana à

imagem do criador (Gn 1,27)50. Tudo parece existir ao seu serviço e deleite (cf. Gn 1, 28-

30; 2,16-20a)51. Situa-se como soberano da obra criacional, onde acredita ser o centro do

mundo criado para ele e subordinado ao seu fim (cf. Ecl 17,2-4; Sb 9, 2s; 10,2). Facilmente

inebriado por tamanho poder, “[...] pouco menos que um deus” (Sl 8,6); algumas vezes

pensava ter chegado a ser como Deus: designar o bem e o mal (cf. Gn 3,22); possuindo

saber universal (cf. Gn 2, 19s; 1 Rs 5, 9-14) .

Os hagiógrafos do Antigo Testamento entendem essa imagem e semelhança como

inerente a toda humanidade, não exclusivamente ao povo hebreu52. A limitação desse

privilégio aos judeus, encontra-se somente em fontes extrabíblicas do judaísmo tardio, e

esta concepção não é, de modo algum, privativa da Bíblia53, toda pessoa humana é

49 “Modo de falar de Deus atribuindo-lhe maneiras de ser ou qualidades próprias do homem. Assim, são

atribuídos a Deus memória, ira, arrependimento, rosto, mãos etc. É freqüente no Antigo Testamento, embora em não poucas passagens se diga que Deus não é como o homem. Acontece que o homem tem grande dificuldade de expressar o que é próprio de Deus sem recorrer ao uso de imagens da própria experiência” (PEDRO, Aquilino de. Dicionário de termos religiosos e afins. Aparecida: Santuário. 1993, p. 22).

50 “Nestes antropomorfismos é necessário ver mais uma expressão do mundo dos símbolos, de que a Bíblia faz uso tão abundante, que, dentro deste contexto, recebe especial significado teológico. Trata-se de expressar a proximidade do homem com relação ao Deus transcendente que, se por um lado se acha incomparavelmente acima de nosso mundo, de outro, intervém também ativamente na história; sua presença constitui a salvação do homem” (LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia Teológica. 1998, p. 47).

51 “O homem é imagem de Deus e recebe dele uma missão extraordinária e, assim, a mais alta dignidade e superioridade sobre o mundo e as coisas, as plantas e os animais” (WARNACH, V. Homem. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 1983, p. 325).

52 “Segundo Gn 9,6 a semelhança com Deus recebida no momento da criação, constitui a dignidade do homem; graças a ela o homem é o senhor da criação (Gn 1,28). [...] Concedida a todas as raças, a imagem se nos apresenta ordenada à aliança de Deus com os homens, a qual faz parte da história do gênero humano” (OTTO, S. Imagem. In: idem, p. 407).

53 “Se o mundo grego, preocupado com o cosmos e a natureza, não chegou a suspeitar totalmente do valor de cada pessoa singular, nem chegou a reconhecer uma singularidade ontológica irredutível ou, o que é equivalente, o valor absoluto de cada ser humano e sua dignidade incomparável, o certo é que contribui de forma decisiva à visão do ser humano como imagem de Deus que deriva dos textos bíblicos” (ELIZONDO ARAGÓN, Felisa. Dignidade da Pessoa Humana. In: PESROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Org.). Dicionário de catequética. 2004, p.341).

Page 24: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

23

parecida com Deus, traz sua estampa, sua aparência54: relacional, comunitária, em

convivência55. Mesmo com as diferenças hierárquicas e de sexo, a existência em sociedade

lhe é vital56.

c) Ser escatológico

Essa criatura privilegiada, forjada à imagem do criador supremo, encontra-se, após

breve existência, diante da morte57. “O homem é mortal e também é pecador. No AT, essas

duas limitações andam juntas (Gn 3). É isso que o distingue mais do que qualquer coisa do

criador”58. Tal fim é atribuído à ira divina (cf. Sl 90,6; Jo 14,1-17); ao pecado que

contamina a pessoa humana desde sua concepção (cf. Sl 51,7); à culpa herdada do primeiro

homem (cf. Gn 3,19)59.

No Antigo Testamento, não é epistemológico60 o problema relacional entre a pessoa

54 “O homem, visto assim, surgiu, como tudo o mais, por um ato criador de Deus, mas ele é criatura de Deus

de uma maneira que o distingue do resto. A mais antiga narrativa da criação já diz isso (Gn 2,7 [J]” (DEISSLER, Alfons. Ser humano/homem (NT). In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2000, p. 403).

55 “O homem bíblico do Antigo Testamento é um homem de relacionamentos. Ele se relaciona com sua mulher e seus filhos. Vê-se em muitas páginas o realce que se dá à força desse vínculo”. (RUIZ SALVADOR, Federico. Compêndio de teologia espiritual. 1996, p. 172).

56 “O homem é um ser social: sem a segurança da família, da tribo ou da sociedade política, ele não pode nem mesmo sobreviver, quanto mais atingir o grau de felicidade e plenitude que seria de esperar. No AT, as relações entre indivíduo e sociedade são diferentes da concepção que temos hoje, não sendo estabelecidas simples e facilmente. O indivíduo é um agente responsável na sociedade, dela recebendo bens individuais, mas na sociedade do AT, o indivíduo não pode alcançar aquela forma de independência e afirmação que tem constituído há tanto tempo o ideal da sociedade moderna” (Mc KENZIE, John L. Dicionário bíblico. 2003, p. 426).

57 Cf. Gn 6,3; Sl 90,3.9s; 104,29; Jo 34,14s; Ecl 12,7; 18,9 58 McKENZIE. John. Dicionário bíblico. 2003, p. 426. 59 “Em vez de receber como um dom a vida divina, Adão quis dispor de sua vida e, comendo do fruto da

árvore, tornar-se deus. Com essa desobediência o homem rompeu com a fonte da vida” (LÉON-DUFOUR, Xavier. In: LÉON-DUFOUR, Xavier et alii (Orgs). Vocabulário de teologia bíblica. 1987, p. 409).

60 “Deus sempre escapa a todas as categorias e pensamentos humanos (cf. Ex 15,11; Is 55,8s), não se comporta como os homens (cf. Os 11,9). Apesar de atribuírem a Deus diversas partes ou órgãos do corpo humano, nunca se faz uma descrição completa de Deus como um homem, porém, antes, usam-se termos e expressões pretensamente vagos e ambíguos (cf. Ez 2,26; Dn 7,9)” (LADARIA, Luis F. Antropologia. In: XABIER PIKAZA, O. de M.; SILANES, Nereu (Orgs.). Dicionário teológico: o Deus cristão. São Paulo: Paulus, 1998, p. 47).

Page 25: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

24

humana e Deus, mas religioso. A norma e a medida do homem é a lei de Deus. Ela decide

se ele, como imagem do criador, permanece aos seus cuidados, ou, no rompimento com a

lei, é atirado à sua própria sorte ao morrer61. Quando se fez evidente que havia justos

afligidos por sua fidelidade à lei, enquanto que outros, ímpios, gozavam de grande

felicidade, surgiu, aos poucos, na consciência religiosa judaica, a questão da vida após a

morte. As eminentes virtudes dos mártires e soldados da revolução dos Macabeus exigiam

uma justiça póstuma que reparasse sua morte e permitisse a seres excepcionais e a todos os

justos escapar à regra comum e participar na eternidade com Deus (cf. Sb 3,1-9; 5,15), de

quem o homem é a imagem62. Tal crença, unida à crescente esperança na sobrevivência

beatífica dos justos, que repararia as iniqüidades dessa vida, conduziu, paulatinamente, à fé

na ressurreição dos mortos63, na antropologia semita que não dualiza, na pessoa humana,

alma imortal e corpo mortal64.

A resposta definitiva sobre a visão bíblica de pessoa humana é dada por Jesus

Cristo, a perfeição da lei. Nele, a pessoa humana alcança a ressurreição, realizando

plenamente sua imagem e semelhança divina65.

61 “A ausência da ressurreição na maior parte do AT é um dos silêncios do AT sobre a vida no além sob

qualquer forma. [...] Dn 12,2 apresenta uma ressurreição para a vida eterna, o que demonstra uma crença já firmada” (McKENZIE, John. Dicionário bíblico. 2003, p. 791).

62 “2 Mc conhece a idéia da ressurreição (somente) dos justos, ou dos mártires, para a felicidade (7,9-11.22s; 14,46), mas igualmente a do castigo dos pecadores após a morte (6,26; 12,43-45) e mesmo a da vida eterna logo depois da morte (2 Mc 7,36). [...] Da mesma maneira como vacilam as idéias sobre a ressurreição, vacilam também as sobre o estado depois da ressurreição. [...] Textos de Flávio Josefo mostram que ressurreição do corpo e imortalidade da alma não são entendidas como contraditórias” (BROER, Ingo. Ressurreição. In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2000, p. 373).

63 Cf. Dn 12,2s; 2 Mc 7,3-36; 12,43-45 64 “A concepção hebraica do homem torna impossível qualquer idéia da vida no além que não seja uma

restituição da vida do corpo” (McKENZIE, John. op. cit., p. 791). 65 “[…] através da imagem desfigurada do velho homem se manifesta sempre melhor a imagem gloriosa do

homem novo, Jesus Cristo Nosso Senhor; e com isso o homem ‘se renova à imagem do seu Criador’ (Cl 3,10)”. LÉON-DUFOUR, Xavier. Homem. In: LÉON-DUFOUR, Xavier et alii (Orgs). Vocabulário de teologia bíblica. 1987, p. 12).

Page 26: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

25

1.2.2 Antropologia do Novo Testamento

Os sinóticos e os escritos não-paulinos, geralmente, mantêm o pensamento

antropológico vétero-testamentário, com forte influência grega, já existente na hagiografia

do judaísmo helênico66. O Novo Testamento, em sua maior parte, não desenvolveu um

corpo paralelo à literatura sapiencial, jurídica e histórica do Antigo Testamento. “Os

evangelistas estavam tão absorvidos pela surpreendente pessoa de Jesus e por sua obra

salvífica que quase não falaram do homem e, quando tal acontece, o fazem só

indiretamente”67. Entretanto, na época de Jesus, os fariseus e essênios achavam-se

empenhados na tarefa do cumprimento literal da lei, a fim de acelerar a vinda do Reino de

Deus68. A pessoa humana é sacrificada à lei. Jesus põe o homem acima da lei (cf. Mc

2,17), e proclamou que a participação na vida divina, Reino de Deus, foi inaugurada na

humanidade com sua vinda à terra (cf. Mt 5,3s; Mc 1,15).

Os escritos joaninos apresentam dois princípios antropológicos opostos: luz e

trevas69. E, nos numerosos enunciados sobre o mundo, insistem nos acontecimentos que se

situam em cima ou em baixo, no céu ou na terra, na luz ou na escuridão, na vida ou na

morte. Descreve o homem a partir da carne ou do espírito, colocando-o como centro e meta

da história e da criação (cf. Jo 1,1-18).

66 Cf. Sb 2,21-3,8; 4,1.7; 5,15s; 8,20; 2 Mc13,15; 15,2s; 17,12-18; 18,23 67 WARNACH, V. Homem. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais de

teologia atual. 1983, p. 332. 68 “A idéia helenística da realeza divina, que teve sua origem com Alexandre Magno, voltou a ser vivificada

no culto ao imperador romano. [...] O efeito da confissão Куrios Ίésous, que os cristãos empregavam para proclamar Jesus como Senhor, haveria de destruir esta ideologia vital do império romano, e a reação que obteve foi a perseguição dos cristãos durante os três primeiros séculos” (KLAPPERT, Bertold. Rei, reino: βaτιλείa. In: COENEM, Lothar; BROWN, Colin (Orgs.). Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova. 2000. 2 v, p. 2025).

69 “Trevas são a incapacidade de viver, ou querer viver por si mesmo, recusando a luz do revelador que deseja dar brilho aos homens (Jo 1,5). Esses homens transformam-se em trevas porque fecham à luz, que torna possível a existência ser luminosa [...]” (WOSCHITZ, Karl M. Ser Humano/Homem. In: FRIES, Heinrich. op. cit., p. 409).

Page 27: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

26

Paulo, fariseu de formação, fortemente influenciado pela cultura grega, na qual

vivia, marcadamente platônico, sem aniquilar as concepções antropológicas vétero-

testamentárias, as amplia radicalmente. “As cartas paulinas são textos de uma teologia

aplicada, que tematicamente ou não, fala do homem, do que ele veio a ser pela revelação

de Deus em Cristo e do que ele, em comparação, deve ter sido antes e fora de Cristo”70.

Para ele, uma vez acolhida a mensagem do Evangelho, torna-se homem novo, à imagem de

Cristo, “novo Adão” (cf. 1 Cor 15,45-49)71. É pessoa nova, que vive, certamente, nesse

mundo, porém o transcende. Essa transformação não se deve à prática da lei mosaica ou os

frutos de pretensos méritos próprios, mas na fé em Jesus Cristo (cf. 2 Cor 5,17), dom da

graça de Deus (cf. Rm 3,21s). Pelo Batismo, morre o velho homem72 e fica livre do pecado

a fim de viver o seguimento de Cristo (cf. Rm 6,6; 7,6). A partir dele, todos são dotados da

graça divina73.

A literatura neotestamentária é mais explícita do que o Antigo Testamento, sobre a

existência do pecado, e a morte dele decorrente, graças, em grande parte, aos escritos

paulinos. Neles, o homem renovado é criatura nova, inserido no mistério pascal de Cristo

70 Idem, p. 406. 71 “O tema do ‘novo Adão’ reassume a teologia da imagem do pecado, da forma de redenção por humildade e

obediência” (RUIZ SALVADOR, Federico. Compêndio de teologia espiritual. 1996, p. 174). 72 “O ‘homem velho’ é escravo do pecado (Rm 6,6); devemos nos despojar desse velho homem (Ef 4,22; Cl

3,9) para assumir o homem novo. O homem novo é criado mediante a morte de Cristo (Ef 2,15) e, como homem novo, é criado à imagem e semelhança de Deus como o homem foi criado originalmente (Gn 1,26s; Ef 4,24; Cl 3,10). O homem novo, que vive a vida nova, é o ‘homem interior’, ao passo que o ‘homem exterior’ é a totalidade psicofisiológica que está sujeita à morte (2 Cor 4,16). [...] Por si mesmo, o homem é incapaz de pensar ou realizar qualquer coisa que Deus tenha cumprido em Cristo. Ele permanece homem e, portanto irremediavelmente pecador e mortal” (McKENZIE. Dicionário bíblico. 2003, p. 427).

73 “Há um aspecto do homem bíblico que nos mostra talvez como nenhum outro a sensação de sua grandeza divina. Trata-se de sentimento do pecado e do perdão. Nessas atitudes emerge a realidade de sua origem divina, de sua vocação divina, e enfatiza-se o amor e o apreço com que Deus cuida dele por meio de dons, exigências, do perdão incondicional. O pecado mostra com destaque em sua escuridão a força maior do amor. No Novo Testamento, conservam-se e potencializam-se essas linhas. ‘A noção de Imago Dei, inserida no conjunto da teologia neotestamentária, recebe conteúdo novo e muito denso no plano moral e soteriológico, cristológico e escatológico.’ São Paulo é quem mais desenvolve essas idéias” (RUIZ SALVADOR, Federico. Compêndio de teologia espiritual. 1996, p. 173).

Page 28: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

27

(cf. Rm 6,3; Cl 2, 12-13)74, para que sua vida seja cada vez mais profunda no Espírito (cf.

1 Cor 15, 44b-49; 1 Ts 5,23). É espiritual e interior (cf. 1 Cor 3,1-3); vive em liberdade, de

acordo com a vontade de Deus (cf. Gl 5,13); entra na intimidade divina, da qual é a

imagem (cf. Cl 1,15-20); tem os mesmos sentimentos de Jesus Cristo (cf. Fl 2,5); coloca-se

a serviço dos irmãos (cf. Cl 3,14) e sua vida cristã é construída na fé, na esperança e no

amor (cf. 1 Cor 13,13), por onde deve avançar e progredir.

1.2.3 Antropologia patrística

Em geral, os Santos Padres desenvolvem a reflexão sobre a pessoa humana

percorrendo a via vétero-testamentária e São Paulo75. A Imago Dei é o fundamento

antropológico mais comum na teologia patrística. Todavia, mesmo entre os Santos Padres

há diversidade de considerações sobre a diferença entre imagem e semelhança76. “A esse

propósito Ireneu induziu em Gn 1,26 uma distinção que não é originária do texto bíblico,

entendendo a palavra ‘imagem’ como referida ao constitutivo natural do homem; e

‘semelhança’ à vida no Espírito”77. Sectarismo típico de influência platônica, mas os Pais

74 “Paulo vê o homem sempre à luz de sua origem e de seu destino, em sua relação existencial de criatura

para com o Criador e a criação. Diante do homem está, como única possibilidade vital, uma meta irredutível: o próprio Deus, como a salvação de toda a salvação. ‘Predestinou-nos, ao amor, a ser filhos para ele, por Jesus Cristo’ (Ef 1,5; cf. Rm 8,29). Isso define o ‘ser homem’ como ‘possibilidade de ser cristão’, o que é o maior milagre de Deus” (WOSCHITZ, Karl M. Ser humano/homem. In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2000, p. 408).

75 “O desenvolvimento da antropologia bíblica, na antiguidade, foram basicamente dois: um na linha de Gn 1, 26 e o outro na linha paulina de uma antropologia fundamentada na cristologia” (GROSSI, Vittorino. Antropologia. In: BERNARDINO, Ângelo di (Org.). Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulus, 2002, p. 121).

76 “Na patrística, esta distinção é praticamente unânime, apesar de nem sempre ser uniforme. Mas mesmo quando não há clara distinção, supõem-se uma tensão entre os termos” (RIBEIRO, Hélcion. Ensaio de antropologia cristã: da imagem à semelhança com Deus. 1995. p. 105).

77 GROSSI, Vittorino. op. cit., p.122.

Page 29: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

28

da Igreja inspiram-se, fundamentalmente, nos textos bíblicos78.

Os Santos Padres não afirmam simplesmente que o ser humano é Imago Dei, mas

segundo a imagem, pois o verdadeiro ícone do Pai é o Verbo79. À medida que os debates

cristológicos avançam, se inclinam a afirmar que o homem é a imagem do Verbo-

encarnado80, o arquétipo na qual o ser humano foi moldado81.

A imagem é a totalidade do ser humano. Mesmo havendo desacordos, alexandrinos

e antioquenos, latinos e orientais, criação ou Batismo82, prevalece essa convergência: a

imagem de Deus é inerente à natureza humana, maculada pelo pecado e que deve ser

recuperada pelo Batismo. Ela confere uma participação ontológica divina e faz com que o

ser humano seja capaz de conhecer a Deus; deseje a beleza e aspire naturalmente o

78 “É em torno desses temas que se desenvolverá a recuperação de Platão, pelo cristianismo em geral e da

patrística em especial” (Miano, Francesco. Platão. In: BORRIELLO, Luigi et alii. Dicionário de mística. 2003, p. 879). “Embora tenha sido aceito, em geral, o esquema dicotômico grego do homem corpo-alma, todavia este não veio a configurar-se numa nítida separação dualista, e isso em virtude da fé comum na ressurreição dos corpos e na encarnação do Verbo”. GROSSI, Vittorino. Antropologia. In: BERNARDINO, Ângelo di (Org.). Dicionário patrístico e de antguidades cristãs. 2002, p. 121).

79 “Este conceito está relacionado com a teologia da revelação: Jesus enquanto imagem do Pai, o revela. A idéia do homem, que no Antigo Testamento aparece como central, agora é reinterpretada da maneira cristológica” (LADARIA, Luis F. Introdução à antropologia teológica. 1998, p.52).

80 “Sabemos que o Verbo assumiu um corpo no seio da Virgem e transformou o homem velho em uma nova criatura. Sabemos que ele é homem da nossa mesma substância. [...] Quando contemplares Deus tal qual é, terás um corpo imortal e incorruptível, como a alma, e possuirás o reino dos céus, tu que, peregrinando na terra, conhecestes o Rei celeste; viverás então na intimidade de Deus e serás herdeiro com Cristo” (HIPÓLITO DE ROMA, Presbítero. Refutação de todas as Heresias: cap. 10, 33-34 PG 16, 3452-3453. In: LITURGIA das Horas. 1995, 1 v, p. 412).

81 “Os Padres e escritores eclesiásticos dos primeiros séculos leram Gn 1,26s à luz do NT, de Paulo em particular, e combinaram assim, a protologia com a escatologia. Ressaltaram o modo como, sendo somente o Filho a imagem de Deus, nós, homens, fomos criados ‘segundo a imagem’, ou seja, à imagem da imagem, o Filho. [...] É inútil dizer que considerar Jesus o modelo à cuja imagem o homem foi criado, de maneira alguma, significa questionar sua divindade nem sua consubstancialidade” (LADARIA, Luis F. Antropologia. 1998, p. 51).

82 “A Escola Alexandrina se desenvolveu e predominou na cultura ocidental cristã. Houve nela uma ênfase sempre mais profunda na dimensão ontológica. Entre seus expoentes estão Sto. Agostinho, S. Tomás de Aquino e os tomismos decorrentes. A Escola Antioquena não teve um desenvolvimento constante mas vai estar coligada com uma tradição que passa pela Escola Franciscana, com Duns Scotus, S. Boaventura, e de certa forma com as teologias contextuais de hoje. Privilegia a história da salvação. E quase de modo simplista poder-se-ia afirmar que as duas grandes Escolas mantêm a positiva tensão dialética de toda a teologia, desde os primeiros grandes Concílios (Nicéia, Calcedônia, Constantinopla) até as correntes contemporâneas que enfatizam o dogma sobre a história ou a história sobre o dogma” (RIBEIRO Hélcion. Ensaio de Antropologia cristã: da imagem à semelhança com Deus. 1995, p. 106-107).

Page 30: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

29

Criador, esteja na presença permanente da graça que não só o impele a ser como Deus, mas

o torna de sua estirpe, elevando-o e fazendo-o, semelhante a Ele, um mistério83. São

possíveis dois caminhos: o agostiniano, onde se quer chegar a Deus partindo de sua

imagem humana, é uma via ascendente84, e o dos padres orientais, onde se procede

inversamente, ou seja, se a pessoa humana é imagem divina, deve-se partir de Deus para

conhecer o ser humano, é uma antropologia do término, descendente.

É habitual na Patrística Latina a polarização natureza-graça, natural-sobrenatural.

Contudo, a natureza humana não é pura, pois é imagem divina e de algum modo toma parte

ontologicamente nessa divindade. É essencialmente boa, participa de Deus e possui as

primícias do Reino. Nem o pecado aniquila essa imagem. Os orientais não possuem o

pessimismo de alguns latinos. Para eles o pecado será sempre estranho à natureza humana

e, por isso, a noção de encarnação não constitui para Deus um ir ao estrangeiro: o Verbo se

encarna em seu ícone vivente, em sua imagem viva que é o ser humano. O homem é o

rosto humano de Deus, é ícone divino. Aí está o fundamento último de sua dignidade. A

encarnação não é determinada pela culpa, mas pela divinização humana. Os orientais não

têm a felix culpa agostiniana, exaltada na Vigília Pascal85 pelos latinos. Entretanto, para

ambos, a autêntica grandeza da pessoa humana está em ser imagem de Deus.

83 “O novo nascimento é o momento mais freqüentemente salientado pelos Padres” (BETZ, J. Batismo. In:

FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 1983, p. 189). 84 “[...] Agostinho, ainda se aprofunda na descoberta da imagem de Deus na alma: a notícia, o verbo da

mente, é igual a própria mente, é dela gerada; o amor, embora não se possa dizer que seja gerado, tampouco, é menor do que a mente, porque também esta ama o que conhece e o que é (cf. IX, 12,18)” (LADARIA, Luis F. Antropologia. 1998, p. 49).

85 “Bendita a culpa que nos vale um semelhante Redentor!” (MISSAL Romano. 1992, p. 275).

Page 31: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

30

1.3 A SANTÍSSIMA TRINDADE: ORIGEM DO CHAMADO86

Deus é o autor do chamado, Deus Uno e Trino. O retorno às fontes, bíblico-

patrísticas, nos permite aproximar da teologia trinitária, a fim de conhecê-la melhor.

1.3.1 A Trindade e o Antigo Testamento

O termo Trindade não aparece nas Sagradas Escrituras87. Mesmo assim, constata-

se, no Antigo Testamento uma pedagogia quanto à revelação da identidade divina88,

plenificada com o evento Cristo89.

Nos escritos do Antigo Testamento, especialmente através de manifestações como

Anjo de Iahweh, Espírito de Deus e Sabedoria, vê-se uma certa pluralidade divina. "Os

fiéis do A.T. podiam compreender estas expressões somente pela ação histórica de Deus.

86 “Lembrando que ainda sofremos por ‘falta de uma teologia mais sistemática sobre as vocações’,

precisamos considerar melhor este aspecto, destacando sobretudo a dimensão trinitária do chamado divino. ‘Deus é a fonte da vocação: o Pai chama para a missão; o Filho, servidor do Pai, exprime esse chamado, nos envia; o Espírito Santo faz ecoar a palavra em vista do bem de todos” (CNBB. Setor Vocações e Ministérios. Batismo: fonte de todas as vocações: texto base do ano vocacional 2003. 2002, n. 116). Buscaremos considerações, não conceituações sobre a Trindade, “[...] mistério central da fé e da vida cristã [...] a fonte de todos os outros mistérios, é a luz que nos ilumina” (CaIC 234). “Toda análise deve partir de que a Trindade constitui um mistério impenetrável” (SCHMAUS, Michael. Trindade. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 1987, p. 364. 5 v.). Agir como o Profeta diante de Deus: “Imediatamente Moisés caiu de joelhos por terra e adorou” (Ex 34,8). Todavia, declarar “[...] que Deus é mistério não quer dizer que seja impossível conhecê-lo. Significa que tal conhecimento nunca será esgotado” (CASTRO, Valdir José de. Mística da realização humana: espiritualidade cristã. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1998, p. 20). Acerca de considerações sobre o mistério da Santíssima Trindade, cf. RAHNER, Karl. Método e estrutura do “De Deo Trino”. In: Mysterium Salutis: compêndio de dogmática histórico-salvífica II/1. Petrópolis: Vozes. 1972, p. 283).

87 “A crença nesses termos foi definida somente no séc. IV e V d.C.” (McKENZIE, John. Dicionário bíblico. 2003, p. 947).

88 “[...] não há apenas uma teologia sobre Deus, mas muitas. [...] uma pedagogia progressiva que faz o povo perceber cada vez mais elementos da identidade de seu Deus e preparar-se para receber sua revelação definitiva” (BINGEMER, Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus Trindade: a vida no coração do mundo. Valência (ESP): Siquem: São Paulo: Paulinas, 2003, p. 62).

89 Cf. 1 Cor 10,11; Gl 3,24; Hb 10,1

Page 32: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

31

Mas olhando do N.T. para o A.T., nas imagens deste se podem ver acenos à

tripersonalidade e inícios da manifestação de Deus em três pessoas”90. Mesmo que o

ensino trinitário não esteja explicitamente contido no Antigo Testamento, percebe-se a

ocorrência de episódios sugestivos quanto à existência de mais pessoas, isso já na própria

narrativa da criação91. Pois, os exegetas, em geral92, dizem que o Antigo Testamento é a

preparação imediata da revelação divina na Trindade através da plenitude salvífica de

Cristo, transmitida no Novo Testamento. “Deus, pois, inspirador e autor dos livros de

ambos os Testamentos, de tal modo dispôs sabiamente, que o Novo estivesse latente no

Antigo e o Antigo se tornasse claro no Novo”93.

1.3.2 A teologia trinitária no Novo Testamento

Os hagiógrafos da Boa-Nova afirmam unanimente, desde o início da pregação, que

Jesus de Nazaré é o próprio Deus revelado: uma das pessoas da Trindade. Não apenas

alguém que revela Deus. E isso passou à própria prática batismal.

90 SCHMAUS, Michael. Trindade. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos

fundamentais da teologia atual. 1987, p. 366. 91 “Por exemplo, segundo Gênesis 1,26, Deus disse: ‘Façamos o homem à nossa imagem, conforme a nossa

semelhança’[...] A melhor explicação, e a única sustentada quase unanimamente pelos pais da Igreja e teólogos mais antigos, é a de que já no primeiro capítulo de Gênesis existe a indicação da pluralidade de pessoas no próprio Deus. Não que haja uma referência a quantas pessoas, e não temos nada nesse texto que aborde uma completa doutrina da Trindade, mas fica implícito que mais de uma pessoa está envolvida nesse texto. O mesmo pode ser dito de Gênesis 3,22 (‘Agora o homem se tornou como um de nós, conhecendo o bem e o mal’), Gênesis 11,7 (‘Venham, desçamos e confundamos a língua que falam’) e Isaías 6,8 (‘Quem enviarei? Quem irá por nós?’). (Note a combinação de singular e plural na mesma frase no último texto” (Idem, p.109-110).

92 Há controvérsias, pois o Antigo Testamento não conteria ensino alusivo ou prefigurativo à Trindade: “O que há são termos que o NT usa para exprimir a Trindade das pessoas: Pai, Filho, Verbo, Espírito, e outros. O estudo desses termos demonstra que a revelação no NT avança além da revelação de Deus no AT”. (DB, p. 948). Chega-se a julgar tal atitude como: “Piedosa interpretação de muitas gerações cristãs que se considera hoje verdadeira violência ao texto” (CATÃO, Francisco. A Trindade: uma aventura teológica. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 15).

93 AGOSTINHO DE HIPONA. Quaest. In Hept. 2,73: PL 34, 623. In: COMPÊNDIO DO VATICANO II. Constituições, decretos, declarações. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 133.

Page 33: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

32

Não há dúvida alguma de que os cristãos se distinguiram, desde o início, dos outros crentes, judeus ou não judeus, por admitirem os convertidos na comunidade de Jesus Cristo, batizando-os em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo (Mt 28,19; Didaqué 7) [...] Esta fé batismal, baseada sobre a experiência da presença espiritual de Jesus de Nazaré, confirmado por Deus na ressurreição como Cristo e Senhor, representou uma influência decisiva em toda a evolução do dogma e da teologia trinitária94.

Entretanto, os Evangelhos e outros livros do Novo Testamento dão testemunhos

diversos entre si sobre a Trindade. Os escritos teológicos dos Sinóticos são distintos dos

joaninos95. Em Atos, encontramos outros objetivos trinitários. Não basta apenas olhar a

Jesus de Nazaré ou transcrever algumas palavras e situações evangélicas “[...] com

aparente conteúdo trinitário e interpretá-las a partir do dogma posterior”96. É necessário

levar em conta que são escritos pós-pascais e avançar teologicamente no todo da revelação.

Ao observarmos os Sinóticos, destacamos, inicialmente, os evangelhos da

infância97. Merece especial atenção o Batismo do Senhor98, “[...] Jesus aparece como

Ungido escatológico, amado do Pai, sobre quem desce o Espírito Santo”99. E o mandato

missionário (cf. Mt 28,19). Destacam-se, também, inúmeros textos onde aparece a relação

do Messias com o Pai e Espírito Santo100. João desenvolve a teologia do Logos.

94 STUDER, Basílio. Trindade. In: BERNARDINO, Ângelo di (Org.) Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. 2002, p. 1386).

95 Nos primeiros, temos “[...] somente um testemunho interpretativo, isto é, teológico, daquilo que viram em Cristo e dele ouviram” (SCHMAUS, Michael. Trindade. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 1983, p. 367). Já no quarto Evangelho e escritos joaninos: “Tal caráter de interpretação é ainda mais pronunciado. [...] Sob este aspecto, Paulo está entre os sinóticos e João” (idem, p. 367).

96 SCHIERSE, Franz Josef. Revelação Trinitária Neotestamentária. In: Mysterium Salutis: compêndio de dogmática histórico-salvífica II/1, 1972, p. 77.

97 Cf. Mt 1,16.18.23; Lc 1,32-35; 2,25-26 98 Cf. Mt 3,13-17; Mc 1,2-11; Lc 3,2-13 99 ROVIRA BELLOSO, Josep M. Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. In: XABIER PIKAZA, O. de M.;

SILANES, Nereu (Orgs.). Dicionário teológico: o Deus cristão, 1998, p.878. 100 Cf. Mt 11,25;12,28; Lc 4,18; 11,20; 24,49; Mc 13,9-13

Page 34: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

33

Diferentemente dos outros enunciados naquela época, o logos de João tem como característica principal a historicidade (Jo 1,14; cfr. especialmente 1Jo 1,1-3). O logos preexistia a todos os tempos; vivia junto de Deus, era Deus e fêz-se carne no Tempo [...] Contudo a expressão ‘logos’ está novamente na primeira carta de João e no Apocalipse [...] O que é brevemente traçado no prólogo, é desenvolvido no Evangelho. ‘Filho’ usado no lugar da expressão ‘logos’, faz aparecer em maneiras e imagens sempre novas tanto o ‘eu’ pessoal do Senhor, como a sua natureza divina; tanto a sua distinção do Pai, como a sua ligação com ele. O Filho é mais antigo do que as estirpes mais antigas, antes de todo o mundo, pois existe antes de toda coisa (Jo 3,11-13; 3,46; 8,23.38; 17,5). Ele deve tudo ao Pai (Jo 5,36.23.27; 3,35;13,3;16,15). Ao mesmo tempo é uma só coisa com o Pai no ser e no agir. O Pai está nele e ele está no Pai. Quem vê o Filho vê por isso mesmo também o Pai (Jo 14,10s, 20.7.9; 10,37; 17,21). Cristo é Senhor e Deus (Jo 20,28). Esta é a vida eterna: conhecer Deus e aquele que ele enviou, Jesus Cristo (Jo 17,3). A unidade de Pai e Filho é princípio e modelo da unidade dos cristãos entre si (Jo 14,20)101.

Nos escritos paulinos está subjacente uma vasta teologia trinitária e soteriológica.

Muitas de suas cartas contêm saudações que, mesmo não citando explicitamente a

Trindade, fazem menção a Jesus como Filho, e a Deus como Pai.

Segundo o testemunho de Paulo, Cristo envia àqueles que crêem nele o Espírito de Deus. No cristão ele é o princípio de uma vida nova, verdadeiramente divina porque Cristo é o primogênito entre muitos irmãos, que possui o espírito sem medida; comunica os dons do Espírito Santo, que possui em plenitude, a todos aqueles que estão unidos nele pelo batismo102.

A Igreja nascente é pneumática. Ela age pela santificação do Espírito, segundo a

presciência de Deus Pai, para obedecer a Jesus Cristo (cf. 1 Pd 1,2a). A fé trinitária

aparece nitidamente na ação da terceira Pessoa, pois o Espírito Santo é enviado no

Pentecostes (cf. At 2,1-5). Daquela ocasião em diante Ele guia e comanda a Igreja, sendo o

agente principal em todos os acontecimentos (cf. At 5,3.9.32; 15,28). As primeiras

comunidades cristãs foram percebendo que: “A história trinitária de Deus revelada na

Páscoa é a história de salvação, história nossa”103.

101SCHMAUS, Michael. Trindade. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos

fundamentais da teologia atual. 1987, p. 367. 102 idem, p.371. 103 BINGEMER, Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus Trindade: a vida no coração do mundo.

2003, p. 92.

Page 35: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

34

1.3.3 Contributo Patrístico à Formulação da Teologia Trinitária

No cânon das Sagradas Escrituras não encontramos uma doutrina explícita, clara e

segura da Santíssima Trindade e nem havia preocupação com relação a isso104. Entretanto,

já nos primórdios do Cristianismo, surgem as dúvidas, as pseudo-interpretações e o

nascimento das primeiras heresias. Foi em defesa da ortodoxia e da unidade que a Igreja

reunida em Concílios, pastores e teólogos foram explicitando a doutrina trinitária que,

embora elaborada nas origens cristãs, é válida e atual.

a) Heresias trinitárias

Hoje, vive-se uma certa tranqüilidade entre os cristãos com relação ao dogma da

Santíssima Trindade. Encontramos consenso harmonioso. Mas não foi sempre assim105.

Desde os tempos apostólicos, busca-se a ortodoxia e a purificação da fé, gerando muitas

vezes cisões no Corpo de Cristo. Destacamos: Modalismo106; Arianismo107; Triteísmo108;

104 “A evolução da doutrina, durante os primeiros três séculos caracterizou-se sobretudo pela transição por

que passou a fé batismal, indo do ambiente apocalíptico para o helenístico” (STUDER, Basílio. Trindade. In: BERNARDINO, Ângelo di (Org.). Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. 2002, p. 1386).

105 “As definições trinitárias surgiram como resultado de longas controvérsias, nas quais esses termos e outros como ‘essência’ e ‘substância’, foram erroneamente aplicados a Deus por alguns teólogos”. (McKENZIE, John. Dicionário bíblico. 2003, p.947).

106 “Na terminologia moderna se usa preferencialmente o vocábulo modalismo para designar a doutrina trinitária que não reconhece a consistência pessoal distintiva do Pai, no Filho e no Espírito Santo, reduzindo sua realidade a simples modos ou momentos manifestativos do Deus único. Na história da teologia esta doutrina tem recebido diversas designações: monarquianismo [...]; patripassianismo [...]; sabelianismo [...]” (GUERRA, Santiago. Modalismo. In: XABIER PIKAZA, O. de M.; SILANES, Nereu (Orgs.). Dicionário teológico: o Deus cristão. 1998, p.586).

107 “Doutrina herética sustentada por Ário (+336), presbítero de Alexandria, segundo a qual a Segunda Pessoa da Santíssima Trindade não é Deus por essência, mas uma criatura, a primeira, tão intimamente relacionada com Deus, que o Pai a adota como Filho” (PEDRO, Aquilino de. Dicionário de termos religiosos e afins. 1993, p. 24).

108 “Portanto, há três deuses. [...] Poucas pessoas defenderam esse pensamento na história da igreja, que apresenta semelhanças com muitas religiões pagãs antigas que sustentavam a multiplicidade de deuses”. GRUDEM, Wayne A. Manual de teologia sistemática: uma introdução aos princípios da fé cristã. São Paulo: Vida. 2001, p. 120).

Page 36: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

35

Subordinacionismo109; Filioque110.

b) Credo Niceno-Constantinopolitano

O grande evento eclesial a normatizar a teologia trinitária foi o primeiro Concílio

ecumênico de Nicéia (325 d.C.), convocado pelo imperador Constantino, com seus 318

Padres, juntamente com o primeiro Concílio ecumênico de Constantinopla (381 d.C.), onde

participaram 150 Padres111. Deles nasceu o que chamamos de Credo Niceno-

Constantinopolitano112. Pouco depois, esse símbolo se inseriu à liturgia e determinou a fé

trinitária da Igreja.

109 “Com o termo subordinacionismo designa-se uma posição cristológico-trinitária que tende a fazer de

Cristo realidade inferior e subordinada a Deus Pai (e do Espírito Santo realidade subordinada também a Cristo); [...] pode-se enquadrar o chamado adocianismo, que faz de Cristo mero homem adotado por Deus como seu filho por causa de seu comportamento; é a forma moderna de designar a tendência doutrinal que os outros autores preferem qualificar de monarquianismo dinâmico” (CURA ELENA, Santiago Del. Subordinacionismo. In: XABIER PIKAZA, O. de M.; SILANES, Nereu (Orgs.). Dicionário teológico: o Deus cristão. 1998, p. 839).

110 “A cláusula do Filioque introduzida no Ocidente no símbolo da fé, tem sido ao longo da história problema central, que questionou radicalmente as relações entre as Igrejas do Oriente e do Ocidente” (GARIJO GUEMBE, Miguel. Filioque. 1998, p. 357). Os latinos professam, “[...] o Pai e o Filho como único princípio do Espírito Santo” (STUDE, Basílio. Trindade. In: BERNARDINO, Ângelo di (Org.). Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. 2002, p. 1388). Os orientais discordam veementemente, “[...] porque querem evitar o perigo de que o Espírito fosse uma criatura, não proveniente da mesma hipóstase do Pai, mas feita por meio do Filho, como as outras criaturas” (idem, p. 1388). Formulou-se uma profissão conciliatória: “A fórmula foi aceita, mas a divisão entre as Igrejas continuou” (BINGEMER, Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus Trindade: a vida no coração do mundo. 2003, p.158).

111 “Esses concílios foram fundamentais para a evolução da fé trinitária. Lançaram as bases sólidas para o que seria a fé da Igreja nestes 2000 anos” (idem, p. 155).

112 “Cremos em um só Deus Pai todo-poderoso, Criador do céu e da terra, de todas as coisas visíveis e invisíveis; e em só Senhor Jesus Cristo, Unigênito de Deus, nascido do Pai antes de todos os séculos; Deus de Deus, Luz de Luz, Deus verdadeiro de Deus verdadeiro; gerado, não criado, consubstancial com o Pai, por quem foram feitas todas as coisas; que por nós homens e por nossa salvação desceu do céu e Se encarnou, por obra do Espírito Santo, no seio da Virgem Maria e Se fez homem; por nós foi crucificado, sob Pôncio Pilatos, padeceu e foi sepultado e ressuscitou ao terceiro dia, segundo as escrituras, e subiu ao céu; e está sentado à direita do Pai; e de novo virá, com glória, para julgar os vivos e os mortos; e Seu Reino não terá fim. Cremos no Espírito Santo, Senhor e doador da vida, que procede do Pai; que com o Pai e o Filho recebe a mesma adoração e glória, que falou pelos profetas. Cremos na Igreja, una, santa, católica e apostólica. Confessamos um só Batismo para a remissão dos pecados. Esperamos a ressurreição dos mortos e a vida do mundo que há de vir. Amém” (CREDO NICENO-CONSTANTINOPOLITANO. Msi 6, 957; ACO II, 1/2, 80. In: COLLANTES, Justo . A Fé Católica: Documentos do Magistério da Igreja: das origens aos nossos dias. Rio de Janeiro: Lumen Christi; Anápolis: Diocese de Anápolis. 2003, p.1224).

Page 37: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

36

c) Contributo dos Santos Padres

A fé explicitada nesses Concílios nasceu, fundamentalmente, de grandes teólogos

da chamada “idade de ouro da patrística”113. Citamos alguns114: Inácio de Antioquia (+

110 d.C.), primeira contribuição significativa, sem preocupação com defesa e

argumentação racional; Atenágoras (séc. II d.C.), acredita-se que gerou a primeira

abordagem racional da Trindade, antecipando-se a Ireneu de Lião e Hilário de Poitiers;

Ireneu de Lião (+202 d.C.), o mais importante entre os teólogos do século II, discípulo de

Policarpo é chamado o “Pai da dogmática católica”; Tertuliano (+ depois de 220 d.C.),

antes de Agostinho é um dos mais originais escritores eclesiásticos, desenvolve uma

teologia que se firmará mais tarde no Ocidente; Novaciano (assume cargo importante em

250 d.C.), não possui a genialidade de Tertuliano, é polêmico e cismático, contudo, sua

teologia trinitária é ortodoxa, escreve De Trinitate; Orígenes (+253/254 d.C.), grande

teólogo especulativo, criador do primeiro tratado coerente de teologia sistemática com a

obra Tratados sobre os Princípios; Atanásio de Alexandria (+373 d.C.), defensor no

Oriente das resoluções de Nicéia, no qual teve participação fundamental115; os Capadócios:

Gregório de Nazianzo (+390 d.C.), Basílio de Cesaréia (+379 d.C.) e Gregório de Nissa

(+394 d.C.), procuraram responder teologicamente ao modo de distinção entre as Pessoas

113 DROBNER, Hubertus R. Manual de Patrologia. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 195. 114 As reflexões a seguir, sobre o contributo dos Santos Padres, fundamentar-se-ão em: ROVIRA BELLOSO,

Josep, M. Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. In: XABIER PIKAZA, O. de M.; SILANES, Nereu (Orgs.) Dicionário teológico: o Deus cristão. 1998, p. 882-888.

115 “Ora, a nossa fé é esta: cremos na Trindade santa e perfeita, que é o Pai, o Filho e o Espírito Santo; nela não há mistura alguma de elemento estranho; não se compõe de Criador e criatura; mas toda ela é potência e força operativa; uma só é a sua natureza, uma só é a sua eficiência e ação. O Pai cria todas as coisas por meio do Verbo, no Espírito Santo; e deste modo, se afirma a unidade da Santíssima Trindade” (ATANÁSIO DE ALEXANDRIA. Ep. 1 ad Serapionem, 28-30: PG 26,594-595.599. In. LITURGIA das Horas. 1995, III v, p. 530).

Page 38: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

37

na unidade de substância 116; Hilário de Poitiers (+367 d.C.), célebre é a sua obra em 12

livros, De Trinitate, onde desvela, particularmente, as relações mútuas entre o Pai e o

Filho, sem descuidar-se do papel santificador do Espírito.

d) Agostinho de Hipona (354-430 d.C.)

Proeminente mistagogo da “idade de ouro da patrística”: bispo, teólogo, filósofo,

escritor, pastor, orador e místico. Seus escritos, muitos deles famosos por suas investidas

contra os arianos e pelagianos, determinaram, posteriormente, toda a teologia latina,

também sobre a Trindade. Na terminologia esclarecerá divergências; na teologia trinitária,

o grande contributo veio, especialmente, através da sua obra “De Trinitate”: quinze livros

gerados durante longo tempo (399 a 420 d.C.)117, escrita após os Concílios ecumênicos de

Nicéia e Constantinopla118.

[...] esta obra, a mais teológica de Agostinho, não apenas reformulou de modo feliz o dogma trinitário herdado dos Padres, mas com sua doutrina sobre o homo interior imago Trinitatis, aprofundou também de maneira toda pessoal a teologia trinitária anterior. Partindo do único Deus, Agostinho aí procura circunscrever e explicar a Aequalitas Personarum [...] de fato, Agostinho aí demonstra, com uma clareza nunca alcançada antes dele, a correspondência entre a Teologia econômica e a Teologia imanente119.

116 “Antes de todas as coisas, conservai-me este bom propósito, pelo qual vivo e combato, com o qual quero

morrer, que me faz suportar todos os males e desprezar todos os prazeres: refiro-me à profissão de fé no Pai e no Filho e no Espírito Santo. Eu vo-la confio hoje, é por ela que daqui a pouco vou mergulhar-vos na água e vos tirar dela. Eu vô-la dou como companheira e dona de toda a vossa vida. Dou-vos uma só Divindade e Poder que existe Una nos Três, e que contem os Três de uma maneira distinta. Divindade sem diferença de substância ou de natureza, sem grau superior que eleve ou grau inferior que rebaixe...A infinita conaturalidade é de três infinitos. Cada um considerado em si mesmo é Deus todo inteiro... Deus os Três considerados juntos. Nem comecei a pensar na Unidade, e a Unidade me banha no seu esplendor. Nem comecei a pensar na Trindade, e a unidade toma conta de mim” (GREGÓRIO NAZIANZENO. Or. 40,41: PG 36, 417. In: CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 1993, n.256).

117 Cf. DROBNER, Hubertus R. Manual de Patrologia. 2003, p. 427. 118 “Apenas no século V temos uma terminologia técnica, que passou ao patrimônio da Igreja [...], no

Concílio provincial de Toledo, no ano 400, no símbolo Quicumque, chamado comumente, símbolo Atanasiano. Este símbolo, ou profissão de fé, sintetiza toda a verdade sobre a Santíssima Trindade e a encarnação” (GRINGS, Dadeus. Nosso Deus Pai, Filho e Espírito Santo. Porto Alegre: ITCR, 1974, p.128).

119 STUDER, Basílio. Trindade. In: BERNARDINO, Ângelo di (Org.). Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. 2002, p. 1389.

Page 39: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

38

A diligência em desvelar o mistério da Santíssima Trindade marcou sua época,

inclusive lendariamente120. “A excelsa Trindade, porém, um é tanto quanto os três juntos; e

dois são tantos quanto um. E são em si infinitos. Desse modo, cada uma das Pessoas

divinas está em cada uma das outras, e todas são somente um. [...] Porque Deus é uno, mas

Trindade também”121. E habita na pessoa humana, reflexo trinitário: homo interior imago

Trinitatis.

120 “Esta lenda – narrada aqui segundo Petrus de Natalibus (1493), mas que se encontra já no séc. XIII em

Cesário de Heisterbch (+1240) e Tomás de Cantimpré (1263) – também ganhou muita popularidade nas apresentações artísticas, por captar de uma forma muito acertada e tocante as dificuldades com que Agostinho teve que defrontar-se na composição da monumental obra De Trinitate, e que são por ele próprio descritas no prólogo da obra, a carta dedictória dirigida as bispo Aurélio de Cartago (epistula 174)” (DROBNER, Hubertus R. Manual de patrologia. 2003, p. 426).

121 AGOSTINHO DE HIPONA. A Trindade. VI, 10, 12. São Paulo: Paulus, 1995.

Page 40: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

39

2 SANTIDADE: CHAMADO HISTÓRICO-ECLESIAL

O que demonstra a vocação acertada não é o grau de importância a ela atribuída,

pois no Batismo todas têm a mesma dignidade e igualdade, mas a coerência na santidade a

que todos são chamados, na Igreja e na sociedade. É a partir disso que construiremos o

julgar.

2.1 CONTEMPORANEIDADE E ECLESIALIDADE

A contemporaneidade é uma característica da acolhida do chamado, que se dá no

tempo e no espaço. Tempos modernos ou pós-modernos, como defendem alguns

pensadores, contudo, tempos novos. Não faremos análise intensa ou síntese, nem

abordaremos, profundamente, suas características ou origem, mas a controvérsia sobre a

existência duma época autenticamente nova.

Page 41: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

40

2.1.1 Controvérsia: Pós-moderno ou Moderno Reajustado

a) Pós-modernidade

A historicidade é integrante ontológico da pessoa humana122. Classicamente, tendo

o nascimento de Jesus Cristo como referencial, as ciências sociais e históricas ocidentais

nos ensinam a dividir o peregrinar humano no tempo a partir de eras ou épocas: Pré-

história, Idade Antiga, Idade Média, Idade Moderna. Hoje, costuma-se dizer: “Somos Pós-

modernos. A Pós-modernidade é um fenômeno recente. Emergiu da insatisfação perante a

Modernidade”123. Há divergências quanto a sua gênese124 e anexos, subjacentes, aos

acontecimentos, comumente, encontramos idéias e paradigmas desenvolvidos por

pensadores que se distanciam no tempo. Como Nietzsche, pregoando a supremacia de

Zaratustra, profetizando a derrota de velhas verdades, mutações de valores, decadência dos

ídolos125, e pensadores, surgidos nas últimas décadas, que contribuíram marcadamente no

contexto atual, entre eles: Husserl, Kierkegaard, Jaspers, G. Marcel, Bloch, Horkheimer,

Adorno, Habermas, Lyotard e Richard Rorty126. É uma reação a tudo que aprisiona a

122 “[...] designa um certo aspecto (que engloba o mundo e o tempo) da constituição do ser humano (em sua

unidade individual e social. Por ela o homem encontra-se situado” (DARLAPP, A. Historicidade. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 1983, p.302).

123 ARDUINI, Juvenal. Antropologia: ousar para reinventar a humanidade. São Paulo: Paulus, 2002, p.13. 124 Defende-se que: “A crise de superacumulação iniciada no final dos anos 60, e que chegou ao auge em

1973, gerou exatamente esse resultado”. HARVEY, David. Condição Pós-Moderna. 1992, p. 293. “A crise dos anos 70 (choque do petróleo, regimes totalitários no Ocidente, principalmente na América Latina, guerra do Vietnã, alargamento do fosso Norte-Sul...) coloca por fim em xeque de modo claro a idéia de progresso e o valor universal da razão moderna”. ANDRADE, Paulo Fernando Carneiro de. A condição pós-moderna como desafio à pastoral popular. 1993, p. 100. “A passagem da ‘Modernidade’ para a ‘Pós-modernidade’ é colocada de forma muito simplista se afirmarmos que ela teve início nas décadas de 1970 e 1980. [...] A irrupção da Modernidade já está dada com o desmoronamento da sociedade burguesa e do mundo eurocentrista por ocasião da Primeira Guerra Mundial” (KÜNG, Hans. Projeto de Ética Mundial: uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 18).

125 Na sua filosofia, “[...] encontra-se uma crítica aos valores apresentados como superiores, presentes na Modernidade, principalmente relacionados à idéia de progresso e ao conceito unitário de história” (SCOPINHO, Sávio Carlos Desan. Filosofia e Sociedade Pós-Moderna. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004, p. 23).

126 Cf. ARDUINI, Juvenal. op. cit., p.13.

Page 42: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

41

pessoa humana127, que deve ser totalmente livre a fim de realizar seus desejos e vontades

muitas vezes reprimidos por paradigmas sociais, éticos e religiosos. Na modernidade, “O

mundo perdeu suas características teocêntricas para dar lugar a uma visão de caráter

antropocêntrico”128. A pessoa humana continua no centro da Pós-modernidade. Todavia,

ao invés de valorizar-se o nós, as utopias, as ideologias, o conhecimento, o ético, a

verdade, a lei, o sujeito, o cidadão, o herói, a consciência, cultiva-se o individualismo, a

imagem, os modelos, a mídia, o estético, a pluralidade, o relativo, a subjetividade, o

consumidor, a star, o corpo129, ocasionando individualismo exagerado e subjetivismo

moral. Mesmo assim, é difícil caracterizá-la130. É a ruína dos fundamentos metafísicos,

apoiados no conceito de razão absoluta131, ou seja, é um conceito de pós-metafísica132 que,

também, não é unânime133.

127 “A experiência do tempo e do espaço se transformou, a confiança na associação entre juízos científicos e

morais ruiu, a estética triunfou sobre a ética como foco primeiro de preocupação intelectual e social, as imagens dominaram as narrativas, a efemeridade e a fragmentação assumiram precedências sobre as verdades eternas e sobre a política unificada e as explicações deixaram o âmbito dos fundamentos materiais e políticos-econômicos e passaram para a consideração de práticas políticas e culturais autônomas” (HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992, p. 293). “A pós-modernidade não só afirma que a socierdade aprisiona o homem, mas também que ele deve dar mais importância à sua sensibilidade do que à sua inteligência” (VIOTTI, Frederico. A Pós-modernidade: conseqüência da revolução gnóstica e igualitária. Disponível em: http://www.angelfire.com/id/ viotti/sumario.htm Acesso em: 13 de dez. de 2004).

128 SCOPINHO, Sávio Carlos Desan. Filosofia e sociedade pós-moderna. 2004, p. 62. 129 Cf. DEBRAY, Regis. Quadro Sinótico das três idades da “Midiasfera”. Folha de São Paulo, 27 de abr.

1991. 130 “Talvez fosse mais preciso dizer que ela é caracterizada precisamente por uma recusa das teorias

globalizantes, prontas e definitivas sobre a sociedade” (BENEDETTI, Luiz Roberto. Pós-modernidade: abordagem sociológica. In: TRANSFERETTI, José; GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológicas, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p.54).

131 “[...] aquela confiança quase ilimitada na razão humana como construtora da segurança e do progresso do homem, começa a ruir, por isso não vale tanto o racional, mas o afetivo, não o que eu sei, mas o que eu sinto que interessa” (SILVEIRA, João Carlos Andrade da. Adolescência e opção vocacional: análise psicopedagógica. 1994, p. 36).

132 Cf. OLIVEIRA, Manfredo Araújo. Pós-modernidade: abordagem filosófica. In: idem, p. 48-49. 133 “Muitos filósofos – estamos constantemente em discussão com filósofos – afirmam cada vez mais o

surgimento de uma ‘época pós-matafísica’. Eles ensaiam um ‘pensamento pós-metafísico’ (J. Habermas) para, a partir daí, chegar novamente a uma ética racionalmente fundamentada” (KÜNG, Hans. Projeto de ética mundial: uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. 2003, p. 82).

Page 43: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

42

b) Controvérsia

A constatação de que vivemos em tempos pós-modernos não é consenso entre

antropólogos culturais e sociólogos contemporâneos. Existem divergências134. Afluíram

mudanças profundas, mutações culturais, avanços e ao mesmo tempo retorno a antigos

paradigmas135, ou seja, não estaríamos vivendo uma nova era. A Modernidade teria

amadurecido, a partir de reflexões de pensadores e acontecimentos a nível global:

socialismo, guerras mundiais, globalização e outros, e estaria efetuando uma auto-crítica136

e gestando uma síntese, ou seja, “[...] recompondo as dramáticas divisões operadas por

certa modernidade cujo desvio desembocou no ‘tempo da cisão’, quando o homem

dramaticamente perdeu a unidade consigo mesmo, com a natureza, com os outros e com

Deus”137. Estaríamos, apenas, vivendo uma etapa de hipermodernidade138. Em suma,

encontramos defensores de ambos os lados, resultando em controvérsia139.

134 “A discussão sobre a existência ou não de uma pós-modernidade como ruptura com a modernidade é

permanente. [...] O fenômeno existe. O que se discute é o significado do ‘Pós’. É uma época com características específicas e peculiares, embora seja um desenvolvimento da própria modernidade” (BENEDETTI, Luiz Roberto. Pós-modernidade: abordagem sociológica. In: TRANSFERETTI, José; GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológicas, sistemática e teórico-prática. 2003, p. 61).

135 “[…] não chegou a ser fundada conceitualmente, pois a idéia que se havia chegado ao fim da modernidade era uma idéia falsa” (LIPOVESTSKY, Gilles. O Caos Organizador. IHU ON-LINE, 15 de mar. 2004, p. 33).

136 “[..] a chamada pós-modernidade, que estamos vivendo atualmente, é um momento de crise, dentro de um processo englobante muito mais profundo, que é a modernidade” (TORRES QUEIRUGA, Andrés. Teologia e modernidade: a busca de novos paradigmas. Idem, p. 13).

137 VANZAN, Piersandro. Pós-moderno/Pós-modernidade. In: BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.). Dicionário de mística. 2003, p.889-890.

138 “[...] os elementos constitutivos principais da modernidade, que são essencialmente três: o primeiro é o indivíduo, isto é, uma sociedade que reconhece os direitos do homem, com seu correlato, que é a democracia. O segundo elemento é o mercado: Adam Smith, a ‘Mão Invisível’, já no século 18. E o terceiro é a dinâmica tecnocientífica. Esses três elementos constitutivos da modernidade nunca chegaram a ser destruídos – apenas contestados ou desenvolvidos. Ora, o que podemos observar hoje é a concentração e a radicalização dessas três lógicas” (LIPOVESTSKY, Gilles. op. cit., p. 33-34).

139 “Não se trata de simplesmente fazer ecoar a crítica da razão moderna ou permanecer na crítica total da razão, pela via de um desconstrucionismo radical. Mas, em reconhecendo o esgotamento da razão única, mesmo fazendo-se acompanhar de sua inseparável crítica, trilhar os caminhos de alargar o sentido da razão na conjugação plural da racionalidade [...]” (MENDES, Vitor Hugo. Inteligência da fé em um contexto pós-metafísico: apontamentos para uma nova sensibilidade teológica. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 35, n. 148, p.280, jun. 2005).

Page 44: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

43

2.1.2 Tempos novos, respostas novas

O momento atual está repleto de dúvidas e incertezas. Independentemente da

semântica, o fenômeno como tal aí está. E o Cristianismo precisa iluminar140 o peregrinar

humano na história contemporânea, não em outra era, futura ou passada. “As novas

perguntas desconcertam e descartam as velhas respostas. Mergulhamos na perplexidade,

pois é o novo que é preciso ser criado, e não continuar a dar respostas a perguntas que

ninguém mais faz”141.

A Igreja, disciplinada, essencialmente, pelo Concílio de Trento (1545-1563 d.C.),

distante quase cinco séculos da atualidade, despertou ao diálogo. Desejou olhar para dentro

e para fora: o atualizar-se urgia. Não apenas nas Dioceses e Congregações. Não apenas

pequenos grupos decidindo por todos. Mas, num notável Concílio Ecumênico, que se

converteu em: “Assembléia corajosa no diálogo com a Modernidade. Acontecimento

central para o estudo da virada da Igreja em relação à Modernidade”142. Manifestando a

reação da própria Igreja à sua estagnação143. O diálogo144 fazia-se necessário, urgente e

intransferível. Se a raiz da chamada Pós-modernidade é moderna, então o Concílio

Vaticano II é atual e profícuo.

140 “A crise dos valores da modernidade age diretamente sobre a fé cristã” (LIBÂNIO, João Batista. As

Lógicas da Cidade: o impacto sobre a fé e sob o impacto da fé. São Paulo: Loyola, 2001, p.189). 141 BRIGHENTI, Agenor. Igreja e pós-modernidade: o desafio de dar respostas novas a novas perguntas.

Jornal de Opinião, 28 de mar. a 03 de abr. 2005, p. 4. 142 SOUZA, Ney de. Evolução Histórica para uma Análise da Pós-modernidade. In: TRANSFERETTI, José;

GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes. Teologia na Pós-Modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. 2003, p. 104.

143 “[...] como a Igreja conserva sua capacidade de reação mesmo em situações que, mesmo sobre o prisma atual, pareciam torná-la improvável, se não impossível” (TORRES QUEIRUGA, Andrés. Fim do Cristianismo Pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003, p. 253).

144 “Nesse quadro se tem colocado em discussão o alcance do Vaticano II. Moderno em sua realização e em suas pretensões, o pós-Concílio deve aderir, rejeitar o negociar com o pós-moderno?” (MENDES, Vitor Hugo. Inteligência da fé em um contexto pós-metafísico: apontamentos para uma nova sensibilidade teológica. Teocomunicação, Porto Alegre, v. 35, n. 148, p. 279-280, jun. 2005).

Page 45: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

44

2.2 O CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II A eclesialidade, dimensão fundamental da Teologia da Vocação, faz com que a

Igreja procure interpretar os sinais dos tempos e dar respostas atuais. Nos tempos

hodiernos, o Concílio Ecumênico Vaticano II procura o diálogo entre a Igreja e a

sociedade.

2.2.1 Caminho Eclesial pré-Vaticano II

O primeiro Concílio Ecumênico Vaticano I, convocado pelo Papa Pio IX (1826-

1878)145, inicia-se em 8 de dezembro de 1869146 e, de forma imprevista, interrompe-se com

o início da guerra entre França e Prússia, em 19 de junho de 1870, jamais chegando ao seu

término. A partir dessa situação eclesial, aguarda-se a possibilidade de um novo Concílio

ecumênico147, primeiramente com o objetivo de concluí-lo: “As etapas deste processo

remontam ao pontificado de Pio X, no início do século XX, a pesquisa aprofundada sobre a

História dos Concílios”148.

145 Cf. FISCHER-WOUPERT, Rudolf. Léxico dos Papas: de Pedro a João Paulo II. Petrópolis: Vozes, 1991,

p. 153. 146 “Apesar do solene nom oussumus de Pio IX diante da perda dos territórios pontifícios, não lhe restou outra

alternativa além de se declarar prisioneiro do Vaticano, ao ver que não lhe sobrava senão um minúsculo reduto geográfico. A partir de então, inverteu-se o sinal do poder pontifício, ou, mais exatamente, concentrou-se na esfera espiritual e interna da Igreja, cuja expressão visível foi a declaração do dogma do primado e da infalibilidade do Romano Pontífice no Concílio Vaticano I (1870). A era dos Pios continuou até Pio XII (+1958), em crescente centralização de poder, com a conseqüente reprodução de tal centralidade nos níveis diocesanos e paroquiais” (LIBÂNIO, João Batista. Lumen Gentium: mina inesgotável. Vida Pastoral, jun. 2004, p. 3).

147 Cf. BEOZO, José Oscar. Presença e Atuação dos Bispos Brasileiros no Vaticano II. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs). Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 129.

148 SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: op.cit., p. 18.

Page 46: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

45

Em meio às mudanças históricas, políticas e sociais149, na Igreja vários fatos

contribuíram ao processo de maturação, mesmo velada, do Concílio: movimento bíblico e

litúrgico; avanço da exegese bíblica150; reencontro com a patrística; estudo da história da

Igreja, tentativas de conciliar fé e ciência151; iniciativas na área ecumênica e do diálogo

inter-religioso; a reflexão de teólogos como Karl Rahner, De Lubac, Yves Congar, Edward

Schillebeeckx, Von Balthasar, alguns deles censurados por Pio XII; o fortalecimento da

nouvelle théologie; a experiência dos padres franceses; os escritos de pensadores

católicos152. O contexto eclesial e a situação mundial ansiavam por novidades e mudanças.

149 “De fato, o contexto histórico, as mudanças sociais, culturais dos pós guerra, a presença ativa e crescente

do Terceiro Mundo, a industrialização dos países norte-atlânticos e as conseqüências de emigração, turismo, urbanizações gigantescas, transformações no mundo rural, o nascimento da sociedade de consumo, a emergência da televisão, com forte impacto na cultura e nos comportamentos” (GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise. Concílio Vaticano II: análise e prospectivas. 2004, p. 09).

150 “Os movimentos bíblico e litúrgico dominaram as décadas de 1920 e 1930, e inspiraram a consciência crescente do fim da década de 1930 e de toda a década de 1940. A exegese bíblica, que ficara para trás em relação à ciência bíblica protestante, aprendeu desta última o aproveitamento das ciências auxiliares, como, por exemplo, a lingüística, a arqueologia e a ciência comparada das religiões. [...] O movimento litúrgico aprofundou o caráter comunitário da celebração eucarística, estimulando o uso da língua vernácula, a reintrodução da concelebração, a comunhão sobre duas espécies e, em geral, a simplificação e compreensão do ato litúrgico” (SOUZA, Ney de. Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRANSFERETTI, José; GOLÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática, 2003, p. 121).

151 “Outro fator importante foi o reencontro com os santos padres e o estudo da história eclesiástica, que beneficiaram a dogmática e o movimento litúrgico. A influência do pensamento medieval e de Tomás de Aquino deu lugar a um diálogo com o existencialismo moderno e a filosofia fenomenológica. O jesuíta francês Pierre Teilhard de Chardin (1881-1955) empreendeu uma tentativa inédita de conciliar fé e ciência: sua visão evolucionista do mundo e da humanidade inspirou uma nova e mais ampla inteligibilidade da existência humana, também em sua dimensão religiosa” (SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). 2004, p. 23).

152 “Tornou-se um lugar-comum a lembrança dos diversos ‘movimentos’ que desaguaram no Concílio: os movimentos patrístico, litúrgico, bíblico, teológico. Esse último, com os esforços e as dores da nouvelle théologie, que buscava retomar o movimento interrompido com o antimodernismo da ‘era piana’ de Pio IX a Pio XII. [...] No pensamento da Igreja, escritos como de Blondel, Maritain, Mounier, Gabriel Marcel, Teilhard Chardin, de Unamuno, Zubire, Thomas Merton e Fulton Sheen faziam contraponto em diálogo com grandes e desafiadores textos das filosofias marxistas e existencialistas, ou do pragmatismo, da psicanálise e da antropologia cultural” (SUSIN, Luiz Carlos. “Para conhecer Deus é necessário conhecer o Homem”: antropologia teológica e seus desdobramentos na realidade brasileira. In: idem, p. 371-372).

Page 47: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

46

O Papa Pio XII (1939-1958) almeja convocar um novo concílio, pois aceitava

positivamente as idéias reformadoras, todavia, inclinava-se exageradamente à prudência153

e, após longa enfermidade, morre em 9 de outubro de 1958. O Conclave elege, causando

surpresa geral, pois escolhe um idoso e desconhecido, no dia 28 de outubro do mesmo ano,

o Cardeal Ângelo Giuseppe Roncalli, Patriarca de Veneza, com 77 anos, que adota o nome

de João XXIII. O Papa, eleito para a transição, era homem sábio e experiente,

compreensível e aberto ao diálogo, que serviu à Igreja em inúmeras situações complicadas,

nos períodos pré e pós Segunda Guerra Mundial154, percebe a desigualdade no mundo, na

Igreja e no próprio Colégio Cardinalício.

2.2.2 Evento Conciliar

Em 25 de janeiro de 1959, João XXIII, com três meses de pontificado, oficializa o

propósito de convocar um concílio ecumênico aos Cardeais reunidos na Basílica da São

Paulo Extramuros155. Motivado por inspiração divina156, il Papa Buono,157, com seu

153 “Tinha profunda intuição das radicais mudanças que se anunciavam no mundo e da necessidade, por parte

da Igreja, de não perder o contato vital com essa realidade. No entanto, sua extrema prudência, transparente em seus atos, não era apenas causa de seu caráter e formação. Pela análise do ambiente conservador da Cúria Romana e das circunstâncias históricas, pode-se entender melhor suas atitudes” (SOUZA, Ney de. op. cit. 2003, p. 119).

154 Cf. FISCHER-WOUPERT, Rudolf. Léxico dos Papas: de Pedro a João Paulo II, 1991, p. 164. 155 Todavia: “Depois de cinco dias de eleito, o Papa havia comunicado a idéia ao Cardeal Rufini” (SOUZA,

Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. 2004, p. 26).

156 “[...] não foi convocado para resolver um problema determinado de fé ou de disciplina, mas nasceu da inspiração de João XXIII como um caminho para renovar a Igreja, ativar a união de todos os cristãos e, como um novo Pentecostes, inaugurar o que se veio mais tarde chamar de nova evangelização” (CATÃO, Francisco. O perfil distintivo do Vaticano II: recepção e interpretação. In: idem, p. 115).

157 “O cognome que lhe foi dado, ‘João o Bom, o Bondoso’, mostra a essência pessoal e o agir do papa, bem como a simpatia que em toda a parte soubera conquistar” (FISCHER-WOUPERT, Rudolf. op. cit., p. 167).

Page 48: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

47

carisma pessoal sonhava com o aggiornamento158 da Igreja. E essa expressão não vai mais

desaparecer do léxico eclesial. Ele queria romper com um catolicismo fundado

simplesmente em doutrinas, concepções e costumes puramente convencionais que

congelavam a Igreja159. No Natal de 1961, convoca oficialmente o Concílio ecumênico

através da Constituição Apóstólica Humanae Salutis160. Nasce do coração de João XXIII,

homem de discernimento pastoral e espiritualidade. Mesmo assim, é plausível que ele “[...]

não tenha compreendido, no seu contexto, a revolução que seria o Concílio. Não é

inverossímil que ele quisesse uma reforma do sistema, mas não pensava que fosse marcar o

fim de uma época”161.

Faz ampla consulta preliminar entre os Bispos do mundo inteiro, à Cúria Romana,

às Universidades, aos religiosos, aos Institutos de Direito Canônico e de Teologia, a fim de

esboçar as diretrizes do Concílio e a composição dos vários organismos incumbidos da

organização dos trabalhos162. Constituiem-se dez comissões preparatórias. Criam-se dois

secretariados: Meios de Comunicação Social e Unidade dos Cristãos. Redigiu-se um

regulamento. E com o firme propósito de executar um Concílio pastoral, não preocupado

158 O verbo aggiornare, na língua italiana, significa por em dia, atualizar, modernizar, cf.: AMENDOLA,

João. Dicionário Italiano Português. 4. ed. São Paulo: Hermes, 1990. 159 “Em diversas ocasiões o Papa explicou suas motivações de convocar um Concílio. Era necessário limpar a

atmosfera de mal-entendidos, de desconfianças e de inimizade, que durante séculos havia obscurecido o diálogo entre a Igreja Católica e as outras Igrejas cristãs. A mais importante contribuição para a unidade, por parte da Igreja, e tarefa essencial do Concílio seria o programa mencionado por João XXIII: aggiornamento. Uma atualização da Igreja, uma inserção no mundo moderno, onde o cristianismo deveria fazer-se presente e atuante. O ponto fundamental dos seus discursos residia na explicação clara das falhas da Igreja e na insistência da necessidade de mudanças profundas” (SOUZA, Ney de. Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRANSFERETTI, José; GOLÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática, 2003, p. 123-124).

160 Cf. CATÃO, Francisco. O perfil distintivo do Vaticano II: recepção e interpretação. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. 2004, p.96.

161 SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: idem, p. 24. 162 Cf. BEOZO, José Oscar. Presença e atuação dos bispos brasileiros no Vaticano II. In: idem, p. 130.

Page 49: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

48

em condenar erros, mas na busca do diálogo da Igreja e o mundo atual, João XXIII

inúmeras vezes antecipa a data de sua abertura.

a) Primeiro período (11 de outubro a 08 de dezembro de 1962)163

O Concílio foi solenemente aberto com o discurso do Papa João XXIII164.

Principais acontecimentos: as listas elaboradas pela Cúria para a eleição das comissões

conciliares são rejeitadas; João XXIII nomeia comissão mista com membros da Comissão

Teológica e do Secretariado para a União dos Cristãos a fim de elaborarem novo esquema

sobre “As fontes da Revelação”, pois o primeiro é recusado pela maioria; estudaram-se os

esquemas referentes à liturgia, à Igreja, ao ecumenismo e aos meios de comunicação

social.

Morre João XXIII no dia 03 de junho de 1963. O Conclave elege o Cardeal

Giovanni Battista Montini, Arcebispo de Milão, que escolhe o nome de Paulo VI

(+1978)165, e leva à frente o Concílio166.

163 Sobre dados e conteúdos das quatro seções do Concílio, cf.: PIERRARD, Pierre. História da Igreja. 1983,

p.272-273. 164 “Os padres conciliares reunidos na nave principal da Basílica de São Pedro, representavam o concílio mais

universal de toda a história da Igreja. Os cinco continentes estavam representados. [...] aproximar as pessoas, do modo mais eficaz possível, ao Sagrado Patrimônio da Tradição, levando em consideração as mudanças das estruturas sociais; não condenar os erros, mas mostrar a ‘validade da doutrina’ da Igreja (doctrinae vim uberius explicando)” (SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. 2004, p. 34).

165 “Moribundo, João XXIII disse ao Cardeal João Batista Montini, que havia acorrido de Milão: ‘Eu vos confio a Igreja, o concílio, a paz’. E ninguém se surpreendeu quando esse herdeiro de um grande pensamento tornou-se o 260º sucessor de São Pedro (junho de 1963). Com um temperamento diferente, talvez menos sereno, mas com um sentido mais agudo das realidades e dos obstáculos, Paulo VI aprofundou a obra de renovação de seu antecessor” (PIERRARD, Pierre. op. cit., p. 277).

166 “Montini (Paulo VI) tomou a sério sua grande tarefa de continuidade do Concílio, evidentemente com uma tônica diferente. Roncalli (João XXIII) era pastor e Montini era personagem da Cúria” (SOUZA, Ney de. Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRANSFERETTI, José; GOLÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. 2003, p. 132-133).

Page 50: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

49

b) Segundo período (29 de setembro a 4 de dezembro de 1963)

Sob a presidência de Paulo VI é reaberto o Concílio. Principais acontecimentos:

modificada a estrutura do esquema De Ecclesia, sobre a Igreja; promulgada a Constituição

Sacrosanctum Concilium, referente à liturgia e o decreto Inter Mirifica, sobre os meios de

comunicação social; estudaram-se os temas: ecumenismo, Igreja, múnus pastoral dos

Bispos, meios de comunicação social.

Paulo VI publica a seis de agosto de 1964 Ecclesiam Suam, sobre os caminhos da

Igreja. “Propomo-nos nesta encíclica esclarecer o melhor possível aos olhos de todos,

quanto importa à salvação da sociedade humana e, ao mesmo tempo, quanto a Igreja tem a

peito que ambas se encontrem, conheçam e amem”167. Dividida em três capítulos, a

Consciência, a Renovação e o Diálogo, essa carta encíclica contribui e influencia os

debates eclesiológicos conciliares.

d) Terceiro período (14 de setembro a 21 de novembro de 1964)

Principais decisões: promulgação da constituição dogmática Lumen Gentium,

referente à Igreja, anexo “Nota Explicativa Prévia” sobre a colegialidade episcopal;

promulgação dos decretos Unitatis Redintegratio, referente ao ecumenismo, e Orientalium

Ecclesiarum, referente às Igrejas Orientais Católicas; Maria é proclamada “Mãe da Igreja”

por Paulo VI.

e) Quarto período (14 de setembro a 08 de dezembro de 1965).

Principais decisões e acontecimentos: promulgação dos decretos Christus

Dominus, referente ao múnus pastoral dos Bispos, Perfectae Caritatis, referente à

167 PAULO VI. Carta encíclica Ecclesiam Suam: os caminhos da Igreja, n.1. São Paulo: Paulinas, 1964, p. 4.

Page 51: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

50

atualização dos religiosos, Optatam Totius, referente à formação sacerdotal, Ad Gentes,

referente à atividade missionária da Igreja, e Presbyterorum Ordinis, referente ao

ministério e a vida dos presbíteros; promulgação das declarações Gravissimum

Educationis, referente à educação cristã, Nostra Aetate, referente às relações da Igreja com

as religiões não-cristãs, e Dignitatis Humanae, referente à liberdade religiosa; promulgação

da constituição dogmática Dei Verbum, referente à revelação divina; promulgação da

constituição pastoral Gaudium et Spes, referente à Igreja no mundo de hoje; são absolvidas

as censuras e excomunhões entre a Igreja Romana e Constantinopla; publicado o motu

próprio Integrae Servandae, referente à reforma da Congregação do Santo Ofício; no

encerramento conciliar, Paulo VI profere sete mensagens finais.

O Concílio Ecumênico foi o maior acontecimento religioso-católico do século

XX168. E, ao mesmo tempo, na história da Igreja, original169: um divisor de águas170. O

olhar da Igreja sobre ela mesma, ad intra, e suas relações com o mundo, ad extra,

mudaram substancialmente a partir de 08 de dezembro de 1965171.

Eclesiologicamente, dois caminhos conciliares são luzeiros: Lumen Gentium, auto-

análise, e Gaudium et Spes, diálogo com a sociedade. Desloca-se do eclesiocentrismo para

168 “O Concílio Vaticano II constituiu-se no maior evento da Igreja Católica no século XX e sua importância

tem tamanha significação histórica, que quarenta anos resultam, por um lado, em tempo por demais curto para uma avaliação profunda; por outro, dada a sua grandeza, em uma empreitada bastante complexa” (GODOY, Manoel. Concílio Vaticano II: balanço e perspectivas para a Igreja do terceiro milênio. Jornal de Opinião, 16 a 22 de mai. 2005, p. 6).

169 “[...] porque não segue nenhum dos modelos dos 20 concílios que o precederam: inaugura uma nova forma de a Igreja pensar a si mesma e de se relacionar com o mundo” (CATÃO, Francisco. O perfil distintivo do Vaticano II: recepção e interpretação. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. 2004, p. 97).

170 “[...] expressa o que é ser uma Igreja em diálogo, nas pegadas do que escreve Paulo VI no capítulo terceiro de sua encíclica, Ecclesiam Suam” (CIPOLINI, Pedro Carlos. Povo de Deus e Corpo de Cristo. In: TRANSFERETTI, José; GOLÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. 2003, p. 123).

171 “O Concílio Vaticano II rasgou, dentro da noite escura que cobria a Igreja nos inícios do século XX, senda luminosa” (LIBÂNIO, João Batista. Igreja: povo de Deus. Jornal de Opinião, 14 a 20 de mar. 2005, p. 11).

Page 52: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

51

o cristocentrismo172. Percebe-se legalista, triunfalista e clericalizada, sentindo a

necessidade de exteriormente compreender, conhecer, evangelizar e adentrar no mundo ao

seu redor, repleto de transformações velozes e sucessivas, também na América Latina173.

No Brasil, a 5ª Assembléia da Conferência Nacional dos Bispos, coincide com o

ano de abertura do Concílio, 1962174. Ou seja, tem-se uma caminhada de comunhão e

colegialidade nas buscas eclesiais que, organizadas e atualizadas à luz conciliar175,

conduzem a Igreja no Brasil até hoje. Na América Latina, em geral, o reflexo de sua luz

fez-se perceber nitidamente176. Especialmente na Segunda Conferência Geral do

Episcopado Latino-americano177 no ano de 1968, em Medellin, na Colômbia. Enriquecido

172 “Nos grandes documentos conciliares sobre a Igreja – Lumen Gentium e Gaudium et Spes – podem ser

discernidas as principais afirmações do Vaticano II sobre o entendimento da pessoa do Cristo, afirmações que são repetidas nos outros textos do Concílio” (MANZATTO, Antônio. O paradigma cristológico do Vaticano II e sua incidência na cristologia latino-americana. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. 2004, p. 224).

173 “[...] o Concílio Vaticano II coloca as vigas mestras que vão suportar a construção teológica da América Latina, teologia esta que continua vigorosa e que vai manifestando ao mundo a fé de seu povo sofredor e cheio de esperança” (idem, p. 225).

174 “O Concílio Vaticano II representou uma verdadeira reviravolta para toda a comunidade cristã. No Brasil este evento eclesial encontrou grande acolhida. Os nossos bispos, respondendo ao apelo do papa João XXIII feito ao CELAM no dia 15 de novembro de 1958, prepararam-se para essa surpreendente transformação. Através do Plano de Emergência (PE) lançado em 1962, ainda no início do Concílio, a CNBB quis mobilizar todas as forças para colocar a Igreja em condições de responder aos desafios daquele momento e de receber as propostas conciliares” (CNBB. Igreja, Povo de Deus a Serviço da Vida: texto-base do 2º congresso vocacional do Brasil-2005. 2004, p. 13).

175 “Os ideais de atualização apostólica que se foram afirmando no Brasil, na década de 1950, até chegar à planificação pastoral, bem como o florescimento eclesiológico, unido à convocação do CV, na mesma época, não podiam não influir na CNBB e sua organização. Antes mesmo de terminar o sexênio para o qual o E58 fora convocado, vemo-la ampliar seus quadros organizativos e pensar na modificação de suas normas. Nascerá daí, em pleno CV, um estatuto de transição, que , bem ou mal, servirá à regulamentação da vida e atividade da CNBB, nos anos talvez mais efervescentes, difíceis e fecundos de sua história: 1965 a 1971” (QUEIROGA, Gervásio Fernandes. CNBB, Comunhão e Responsabilidade. 1977, p. 223).

176 “[...] transformações efetuadas na Igreja Latino-americana a partir do Concílio Vaticano II, como as experiências pastorais locais, as comunidades de base e a teologia da Libertação” (CIPRIANI, Roberto; ELETA, Paula; NESTI, Arnaldo (Orgs.). Identidade e Mudança na Religiosidade Latino-americana. Petrópolis: Vozes, 2000, p. 7).

177 “Esta atitude de abertura vem de encontro à necessária liberdade de expressão, indispensável dentro da Igreja, conforme o espírito da Gaudium et Spes, 92: ‘A Igreja... consolida um diálogo sincero, o qual, em primeiro lugar, requer que se promova no seio da Igreja uma mútua estima, respeito e concórdia. Reconhecendo todas as legítimas diversidades para abrir com fecundidade sempre crescente, o diálogo entre todos os que integram o único Povo de Deus, tanto os pastores como os demais fiéis [...]” (CELAM. Conclusões de Medellín. 6. ED. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 168).

Page 53: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

52

por esse e pela Evangelii Nuntiandi, seu espírito conduz a Terceira Conferência em Puebla,

no México178. Santo Domingo, na República Dominicana, a Quarta Conferência, em 1992

tinha esta senda luminosa179 conciliar. “Quem a trilhou não se esquece nunca de sua

beleza, mas se entristece ao vê-la, hoje, tão obscurecida pela vegetação silvestre do

desconhecimento e silenciamento”180.

2.2.3 Antropologia Conciliar

Em cada um dos dezesseis documentos do Vaticano II, percebe-se uma

antropologia subjacente. O próprio Concílio nasce do olhar sobre a humanidade e da

percepção de seu distanciamento da Igreja. “Porém é na constituição Gaudium et Spes que

se abre maior espaço ao problema”181. Ao dissertar sobre a Igreja no mundo

contemporâneo, inicia olhando a pessoa humana.

As alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos homens de hoje, sobretudo dos pobres e de todos os que sofrem, são também as alegrias e as esperanças, as tristezas e as angústias dos discípulos de Cristo. Não se encontra nada verdadeiramente humano que não lhes ressoe no coração (GS 1).

178 “Este substrato se revigorou ainda mais depois do Concílio Vaticano II e da II Conferência Geral do

Episcopado celebrada em Medellin, com a consciência, cada vez mais clara e mais profunda, que tem a Igreja de sua missão fundamental: a evangelização” (CELAM. Conclusões de Puebla: evangelização no presente e no futuro da América Latina. 8. ed. São Paulo: Paulinas, 1987, n. 1).

179 “Convocados pelo Papa João Paulo II e impulsionados pelo Espírito de Deus, nosso Pai, os Bispos participantes da IV Conferência Geral do Espiscopado Latino-americano, reunida em Santo Domingo, em continuidade às precedentes do Rio de Janeiro, Medellín e Puebla, proclamamos nossa fé e nosso amor a Jesus Cristo. Ele é o mesmo ‘ontem, hoje e sempre’ (cf. Hb 13,8)” (CELAM. Conclusões de Santo Domingo: nova evangelização; promoção humana; cultura cristã; Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1993, n. 1).

180 LIBÂNIO, João Batista. Igreja: povo de Deus. Jornal de Opinião. 14 a 20 de mar. 2005, p. 11. 181 ELIZONDO ARAGÓN, Felisa. Dignidade da pessoa humana. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii

(Orgs.). Dicionário de catequética. 2004, p. 345.

Page 54: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

53

O discurso eclesiológico da Gaudium et Spes não possui a Igreja como centro, mas

a pessoa humana. A Igreja é servidora da humanidade182. Nela, a pessoa humana e a

sociedade são metas de salvação e renovação (cf. GS 3). Por isso, em ambas as partes

principais, o documento tem um olhar antropológico. Reafirma, biblicamente, a dignidade

do ser humano183. Aí reside sua grandeza suprema, mesmo manchada pelo pecado, que no

Cristo é plenificada. “Como a natureza humana foi n’Ele assumida, não aniquilada, por

isso mesmo também foi em nós elevada a uma dignidade sublime”(GS 22). Faz relação

direta entre protologia e cristologia184, apresentando um antropologia cristocêntrica185.

O ser humano é relação186. E essa antropologia relacional desloca-o a Deus, ao

outro, à comunidade. “A pessoa humana é e deve ser o princípio, sujeito e fim de todas as

instituições sociais, porque, por sua natureza, necessita absolutamente da vida social” (GS

25). É um ser livre (cf. GS 17); constituído de “corpo e alma, mas realmente uno” (GS 14);

182 “[...] há uma dignidade de consciência e de liberdade a ser respeitada, há um reconhecimento da dignidade

das religiões, há uma confiança na possibilidade de diálogo como forma de ser humano num mundo de todos. [...] há uma primorosa convicção de ordem antropológica, que representa uma saída do eclesiocentrismo em favor de um antropocentrismo” (SUSIN, Luiz Carlos. “Para conhecer Deus é necessário conhecer o homem”: antropologia teológica conciliar e seus desdobramentos na realidade brasileira. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. 2004, p. 378).

183 “Pois as Sagradas Escrituras ensinam que o homem foi criado ‘a imagem de Deus’, capaz de conhecer e amar as coisas terrenas para que as dominasse e usasse glorificando a Deus” (GS 12).

184 “Sem dúvida, a direção indicada pelo Concílio Vaticano II teve uma influência notável. Em alguns tratados recentes, a protologia é articulada exatamente como vocação do homem em Cristo” (LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia Teológica. 1998, p. 56).

185 “[...] uma convergência positiva e fecunda de antropologia e cristologia, em que toda antropologia se supera e culmina na cristologia” (SUSIN, Luiz Carlos. “Para conhecer Deus é necessário conhecer o homem”: antropologia teológica conciliar e seus desdobramentos na realidade brasileira. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. 2004, p. 381).

186 “Segundo se expressa nela, a dignidade encontra seu fundamento e razão mais alta na relação com Deus. Vinculada – de acordo com a tradição de que temos falado – ao ser a imagem e a vocação do humano à comunhão com Deus, a dignidade não é algo que possa opor-se ao reconhecimento e a obediência desse mesmo Deus. [...] Gaudium et Spes assinala também que há uma dignidade da consciência que ninguém está autorizado a violar, e que o ser humano tem exigência incoercível de liberdade” (ELIZONDO ARAGÓN, Felisa. Dignidade da pessoa humana. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria. Dicionário de catequética. 2004, p. 345).

Page 55: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

54

com inteligência, capaz da verdade e da sabedoria (cf. GS 15); possui consciência moral187;

chamado à união eterna com o Criador188. Encontramos um fazer antropológico que desfaz

dualismos e concebe a pessoa de forma relacional189.

2.3 VOCAÇÃO UNIVERSAL À SANTIDADE

A santidade é chamado destinado a toda pessoa humana. A criação, assim como a

Igreja, lugar de chamado e acolhida, é espaço de missão e santificação. A Constituição

Dogmática Lumen Gentium nos dá clareza quanto à vocação universal à santidade.

2.3.1 A Criação como lugar da Missão

a) Ação trinitária

Santo Tomás de Aquino, séculos seguintes à patrística, contribuiu decisivamente na

elaboração teológica trinitária, anexando conceitos metafísicos elaborados por ele, no

contexto da escolástica190. A obra da criação é realizada por Deus Trino, como único

princípio. O Pai, o Filho e o Espírito Santo estão juntos, também, na origem do universo. O

Pai e o Filho agem com o Espírito Santo. As três pessoas possuem a mesma essência, o

mesmo pensar, amar e fazer. Deus trindade cria o ser humano à sua imagem. O Pai cria o

187 “[...] chamando-o sempre a amar e fazer o bem e a evitar ao mal [...] É o núcleo secretíssimo e o sacrário

do homem” (GS 16). 188 “Diante da morte, o enigma da condição humana atinge seu ponto alto” (GS 18). 189 “Num balanço global da antropologia de que a GS está prenhe , mas também de toda a antropologia

implícita do Concílio, pode-se constatar nela uma metodologia de superação de dualismo, uma estruturação fundante relacional [...]” (SUSIN, Luiz Carlos. op. cit., p. 381).

190 Reflexões fundamentadas em: TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica: da Trindade. I, q. 27 – 43. São Paulo: Odeon, 1936.

Page 56: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

55

mundo, o ser humano, pelo Filho no Espírito Santo. Pelo Filho, enquanto Ele recebe do Pai

o amor criador d’Ele191. Amor que se comunica ao Espírito Santo, que o sela e confirma,

mediante o Filho. Por isso, a encarnação do Filho é desejada desde a eternidade na ordem

da salvação, levando a criação inferiorizada pelo pecado à redenção do Cristo, tornando-a

criação de todas as suas obras. As coisas e as pessoas humanas têm sua existência no Filho

e na sua relação com Ele.

A criação não é uma ação que surge das profundezas de Deus e é distinta d’Ele.

Mas é a mesma essência divina mantida nas coisas exteriores à Trindade. Ele é criador e

está intimamente unido por uma espécie de laço; cria no amor e para comunicar seu amor,

para sua glória. Deus não necessita da criação como objeto de atividade, nem para adquirir

a plenitude da autoconsciência, nem para obter a própria perfeição. Não cria para

aperfeiçoar-se, mas para comunicar sua bondade. A obra da criação flui espontaneamente

da trinitária essência divina, que a realiza livremente192. Contudo, as criaturas são seres

precários, limitados e imperfeitos, necessitando de impulsos e influências exteriores para

seu aperfeiçoamento. Abandonadas a si mesmas, amargariam um tédio paralisante193. Na

criação e na encarnação, especialmente, o Deus-Trino se manifesta com sua bondade,

191 Reza assim a Liturgia da Igreja: “[...] tudo o que criastes proclama o vosso louvor, porque, por Jesus

Cristo, vosso Filho e Senhor nosso, e pela força do Espírito Santo, dais vida e santidade a todas as coisas” (MISSAL Romano. 1992, p. 482).

192 “A causa determinante da criação está no livre querer divino. Superior a todas as outras causas está a vontade de Deus. Deus se torna presente no íntimo de suas criaturas. Não está longe de cada um de nós, pois nele nós temos a vida, o movimento e o ser” (TEIXEIRA, Evilázio Borges. Imago Trinitatis: Deus, sabedoria e felicidade: estudo teológico sobre De Trinitate de Santo Agostinho. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003, p. 49).

193 “A idéia bíblica de ‘criação’ se expressa com o verbo bara , que denota não só a ação de dar princípio à realidade, mas também a ação restauradora (re-criadora) e consumadora dessa mesma realidade. Em outras palavras, Deus cria quando: a) chama à existência os seres que não existem; b) sustenta as criaturas na existência, escolhe um grupo humano para que se converta em seu povo e refaz a criação degradada pelo pecado; c) conduz essa mesma criação redimida à plenitude de ser e de sentido que é a salvação” (RUIZ DE LA PEÑA . Criação, Graça, Salvação. São Paulo: Loyola, 1998, p.10).

Page 57: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

56

sua ternura e sua felicidade, livremente autocomunicadas, desde que Ele iniciou a História

da Salvação dentro da história das criaturas194.

A condição trinitária de um criador, que se autocomunica tal como é em si, tem de corresponder uma estrutura ternária no mundo. Este será um repertório de vestígios da Trindade. A criação pela Palavra configura, como se disse, verbal, lógica, filial e (não se poderia deixar de acrescentar) ‘iconicamente’ o mundo, já que o Filho é imagem do Pai (Cl 1, 15; 2Cor 4,4). A criação pelo Espírito, é o Dom por exelência, reflete-se por sua vez na condição espiritual, dinâmica, aberta e ‘presenteada’ que o mundo possui195.

b) Lugar da missão

A criação tem existência a fim de hospedar, em seu interior, a Trindade. Ela, por

sua vez, quer abrigar em seu âmago toda a criação196. Deus convoca na criação. É nela que

se realiza todo e qualquer chamado197. Esta é a primeira vocação: ser pessoa humana no

mundo, onde deve buscar “[...] a realização da sua humanidade e para o cumprimento da

vocação a ser pessoa, que lhe é própria em razão de sua humanidade”198. Ser criado

significa haver sido chamado à existência com uma eleição misteriosa.

194 “Parodiando K. Rahner, poderia dizer-se que ou o cristianismo do futuro será vivencialmente trinitário ou

não será. Os séculos III, IV e V, especialmente, elaboraram as fórmulas trinitárias; os séculos subseqüentes, até ao XV, aprofundaram as conseqüências teológicas. Durante um longo período, antes do século XX, porém, a Teologia e vivência trinitária tornaram-se assunto irrelevante: ‘Nada dela se pode tirar para a vida prática’, dizia representativamente I. Kant. E, no entanto, o início e o âmbito da existência cristã é formado pelo encontro e a vivência nesse Mistério” (HAMMES, Érico João. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo!: situação e relevância da fé trinitária hoje. In: HACKMANN, Geraldo Luiz Borges (Org.). A Trindade: glória e júbilo da criação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000, p.13).

195 ARMENDÁRIZ, Luis. Criação. In: XABIER PIKAZA, O. M.; SILANES, Nero (Orgs.). Dicionário

teológico: o Deus cristão. 1998, p.201. 196 “A criação se realiza, portanto, na livre abertura da Trindade ao mundo e com a intenção de integrá-lo,

sem anular a sua criaturalidade, na vida divina. Do Pai procede este impulso transcendente de partilhar com o mundo sua plenitude em seu Filho e em seu Espírito. No entanto, podemos, outrossim, partir deste último e da história e dizer: o mundo existe em virtude do transbordamento e da efusão do diálogo de amor e da comunicação entre o Pai e o Filho que é o Espírito [...]” (Ibid.).

197 “Sem o tema da criação não se pode entender o porquê da missão humana no mundo: o mundo é para o ser humano; ele tem a responsabilidade de melhorá-lo. [...] Sem o tema da criação não podemos compreender o sentido da própria história de salvação: criação e aliança estão intimamente unidas, dando-se sentido, o mesmo que aliança e nova criação em Cristo” (BERZOSA MARTÍNEZ, Raúl; PEDROSA ARÉS, Vicente Maria. Criação. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética. 2004, p.279).

198 JOÃO PAULO II. Carta encíclica Laborem Exercens: sobre o trabalho humano. São Paulo: Loyola, 1981, n.6.

Page 58: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

57

Utilizando imagem bíblica, acreditamos que a humanidade foi plasmada com o

barro da terra e animada com o sopro da vida (cf. Gn 2,7), foi modelada à imagem e

semelhança do Criador (cf. Gn 1,26)199, é naturalmente boa (cf. Gn 1,31a). Biblicamente é

um pensar dinâmico200: não foi chamada à criação como realidade totalmente acabada201 e,

sim, em evolução, é co-criadora202 e, naturalmente, sacerdote203. Essa análise faz-se

necessária a fim de evitar-se dualismo entre vocação humana e vocação cristã, menosprezo

de uma e supervalorização da outra204.

A contemplação e o trabalho constituem a missão da pessoa de fé no mundo

criado205. A missionaridade é concretizada na criação, na sociedade, na política, em todas

as instituições humanas: lugares de ação da Trindade Santa.

Vivem nas condições ordinárias da vida familiar e social, pelas quais sua existência é como que tecida. Lá são chamadas por Deus para que, exercendo seu próprio ofício guiados pelo espírito evangélico, a modo de fermento, de dentro, contribuam para a santificação do mundo (LG 31).

199 “Feito à imagem e semelhança do mesmo Deus no universo visível e nele estabelecido para que

dominasse a terra” (idem, proêmio). 200 “Assim como Deus do caos primitivo e do nada tirou tudo, de forma semelhante deve o homem criar,

dominar e ser senhor do mundo” (BOFF, Leonardo. O Destino do Homem e do Mundo. 1998, p. 42). 201 “O ser humano foi erguendo sua casa, diferenciando-se do animal” (LIBÂNIO, João Batista. As Lógicas

da Cidade. 2002, p. 9). 202 Cf. JOÃO PAULO II. op. cit., n. 25. 203 “Homem e mulher percebem que podem e precisam cumprir um ‘sacerdócio natural’: representar o

universo no amor e na gratidão ao criador” (GOULART, José Dias. Vocação: convite para Servir. São Paulo: Paulus, 2003, p. 46).

204 “[...] evitar o enfoque dualista e competitivo entre o ‘natural’ e o ‘sobrenatural’, entre a ‘vocação humana’ e a ‘vocação cristã’. Esta não deve ser apresentada como um estágio superior ou realização parcial, porém mais perfeita, da simples vocação humana. Ambas as vocações são coextensivas. Pelo caráter universal da mensagem cristã, todo o homem é chamado à comunhão com Deus em Cristo Jesus. [...] A teologia contemporânea chama ‘cristãos anônimos’ (K. Rahner) àqueles que sem aderir explicitamente ao cristianismo vivem relações de justiça e amor, seguindo o ditame da sua consciência reta. À luz da fé, a vocação cristã é sacramento (sinal e manifestação) da vocação humana, no sentido pleno da palavra (a humanidade-que-Deus-quer” (GONZÁLES-QUEVEDO, Luis. Teologia da vocação. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan (Orgs.). Dicionário teológico da vida consagrada. 1994, p. 1159-1160).

205 “Pela contemplação, podemos reconhecer a beleza da criação. Pelo trabalho, podemos transformar a natureza em favor da vida e vencer o mal e o pecado em favor do bem e da graça. Nossa missão é manter o equilíbrio entre preservação e transformação da criação. Não podemos só preservar porque o mundo foi dado a nós para nele vivermos. Deus Pai quer que usemos nossa inteligência para transformar as obras do mundo em bens necessários à nossa vida” (BINGEMER, Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus Trindade: a vida no coração do mundo. 2003, p.129).

Page 59: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

58

2.3.2 A Igreja como Lugar de Chamado e Acolhida

O chamado à existência, mediante a criação, torna cada criatura agraciada com uma

vocação única, singular, irrepetível, determinante de sua identidade pessoal e, ao mesmo

tempo, comunhão fraterna206. Há uma relação intrínsica entre criação e Igreja. Podendo-se

expressar a história da Igreja como a narração admirável e misteriosa de seus filhos crentes

com o Criador, tanto individualmente, mas, sobretudo, comunitariamente. Na Igreja, o

cristão acolhe sua vocação em comunhão com todos os batizados207. Ela é a primeira

vocacionada, convocada como povo: “A palavra ‘Igreja’ [‘ekklèsia’, do grego ‘ek-lalein’ –

‘chamar fora’] significa ‘convocação’. Designa assembléia do povo” (CaIC 751).

A pessoa humana é chamada à salvação mediante uma convocação: a Igreja, povo

de Deus208. Jesus de Nazaré articulou e organizou seus discípulos, tornando-os uma

comunidade de fé, enfrentando o perigo, sempre presente, do subjetivismo e do

individualismo. Assim como a vocação tem sua gênese na Trindade, a Igreja igualmente209.

É tão nítida essa verdade da Igreja como lugar da acolhida vocacional210, que mesmo a

experiência mística, essencialmente individual, é eclesial: tem nela atmosfera propícia,

206 “[...] a comunhão da pessoa humana com a Trindade não acontece de forma individualista e isolada, mas

na comunidade e por meio dela” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da Vocação: temas fundamentais. 1999, p.47).

207 “Aprouve contudo a Deus santificar e salvar os homens não singularmente, sem nenhuma conexão uns com os outros, mas constituí-los num povo, que O conhecesse na verdade e santamente O servisse” (LG 9).

208 “A comunhão com Deus não é uma coisa abstrata, mas algo concreto e real, visível [...]. Na Igreja o ser humano tem essa possibilidade” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da Vocação: temas fundamentais. 1999. p. 48).

209 “Do Pai pelo Filho no Espírito vem a Igreja: obra das missões divinas, ela é o lugar do encontro entre o céu e a terra em que a história trinitária, por livre iniciativa de amor, passa para a história dos homens e esta é assumida e transformada no movimento da vida divina. [...] Vindo do alto, brotando da Trindade, a Igreja é também estruturada à imagem da Trindade: uma na diversidade, comunhão de carismas e ministérios diversos suscitados pelo único Espírito, a Igreja vive daquela circulação do amor de que a vida trinitária é, além da fonte, modelo incomparável” (FORTE, Bruno. A Trindade como História. São Paulo: Paulinas, 1987, p. 189).

Page 60: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

59

ambiente vital, húmus que a possibilita enraizar-se e alimentar-se. Na sociedade hodierna,

é um desafio a realização dessa verdade: “As pessoas de nosso tempo reagem a todo

institucional e hierárquico; custa-lhes esforço aceitar que Deus aja em uma estrutura

semelhante a qualquer outra instituição no mundo”211. É necessário e urgente ser sinal de

contradição, também no ambiente vocacional212.

O Concílio Vaticano II apresenta uma eclesiologia trinitária: “[...] a Igreja é ‘oriens

ex alto’, fonte do alto, de junto de Deus, posta no tempo pela admirável iniciativa do amor

trinitário”213. Nela as vocações se especificam na comunhão eclesial, em vista dos serviços

ao bem comum do povo de Deus (cf. 1Cor 12,4; Ef 4,1-27) e para a construção do Corpo

de Cristo (cf. 1 Cor 12,12-30 )214. Sendo assembléia (cf. At 19,39), toda a Igreja é

chamada.

210 Cf. OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia e eclesiologia da vocação. Disponível em: <http://

www.presbíters.com.br/dogma/teologia.htm>. Acesso em 16 de set. de 2004. 211 GONZALES-QUEVEDO, Luis. Teologia da vocação. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS

CASAS, Joan (Orgs.). Dicionário teológico da vida consagrada. 1994, p.585. 212 “A Igreja povo de Deus, assembléia reunida, tem consciência de ser o lugar onde o apelo de Deus se faz

ouvir. [...] Podemos concluir então que a Igreja é a expressão do desejo da Trindade de se encontrar com a humanidade” (OLIVIERA, José Lisboa Moreira de. op. cit. 1999, p. 47).

213 FORTE, Bruno. A Trindade como história. 1987, p. 189. 214 “Mais importante do que as diversas vocações particulares, no NT, é a afirmação de que todos os cristãos

são chamados pelo Pai, em Cristo a uma vida de santidade, na comunhão eclesial” (GONZALES-QUEVEDO, Luis. Teologia da vocação. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan (Orgs.). Dicionário teológico da vida consagrada. 1994, p.1154).

Page 61: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

60

2.3.3 A Constituição Dogmática Lumen Gentium e o chamado à santidade

A pessoa humana, criada à imagem e semelhança da Trindade, acolhe o chamado

que lhe é feito na criação e na Igreja, exercendo em ambas sua missão. A Constituição

dogmática, Lumen Gentium, luz dos povos, nos dá orientação segura a esse encargo215,

convocando todos à santidade de vida216. Promulgada no dia 21 de novembro de 1964217, é

o documento eclesiológico da Igreja sobre a Igreja218. Com clareza e autoridade, percebe-

se uma reviravolta copernicana219, na teologia eclesial, gestada no período posterior ao

Concílio de Trento, rigidamente jurídico, Societas Perfecta, e profundamente contra-

protestante e contra-moderno220. Desloca o eixo central, pois o evento conciliar do

215 Cf. RATZINGER, Joseph. Conferencia del Cardenal Joseph Ratzinger sobre la eclesiología da la

“Lumen Gentium” pronunciada en el Congerso Internacional sobre la aplicación del Concilio Vaticano II, organizado por el Comité para el Gran Jubileo del año 2000. Disponível em: http: //www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_com_cfaith_doc2000027 _ ratzinger-lumen-gentium_sp.html. Acesso em 13 mai. 2001.

216 “O texto fundamental do Vaticano II sobre a vocação universal à santidade é o quinto capítulo da Lumen Gentium; os decretos particulares não são senão aplicações aos casos individualmente. Não deixa, porém, de chamar a atenção o fato de que ao tema foi dedicado um capítulo inteiro, que aliás, não estava previsto nos primitivos projetos. Isto mostra a importância que o concílio do aggiornamento deu à dimensão santificadora da Igreja, não só por seu valor essencial e próprio (a outros temas importantíssimos deu o concílio menor atenção), mas também por seu valor dinâmico e pastoral. Na prática, a exortação à santidade é como o fio condutor que perpassa toda a constituição sobre a Igreja” (COLLANTES, Justo. A Fé Católica: Documentos do Magistério da Igreja. 2003, p.685).

217 “O Projeto de Constituição dogmática ‘De Ecclesia’ elaborado pela Comissão Teológica preconciliar e apresentada ao plenário do Concílio no dia 1-12-1962 foi violentamente criticado em sua estrutura, método, argumentação, conteúdo e espírito. Reelaborou-se outro texto, com quatro capítulos (faltando os atuais capítulos sobre o Povo de Deus, os Religiosos, a índole escatológica da Igreja e sobre Nossa Senhora, que foi debatido e em princípio aprovado durante a II Sessão (1963). Novamente revisto, agora com os oito capítulos definitivos, o texto foi apresentado à III Sessão, debatido em suas partes novas, bastante emendado pela Comissão e definitivamente votado pela Congregação Geral” (KLOPPENBURG, Boaventura. Introdução Geral aos Documentos do Concílio. In: Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações, 1986, p. 38).

218 “Na realidade, todo o Concílio é eclesiológico, a eclesiologia está dispersa em todos os seus documentos” (PEDROSA ARÉS, Vicente Maria. Vaticano II e catequese. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética. 2004, p.1124).

219 Cf. COMBLIN, José. O Povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2002, p.358. 220 “A eclesiologia deixa o âmbito imediato do direito para situar-se dentro da teologia. No horizonte mais

amplo do mistério trinitário, fora das relações imediatas de poder” (CALIMAN, Cleto. A eclesiologia do Concílio Vaticano II e a Igreja no Brasil. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise. Concílio Vaticano II: Análise e prospectiva. 2004, p.230).

Page 62: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

61

século XX revelou o mistério de Deus221, como nenhum outro, sem ele a Igreja é uma

sociedade pura e dura. Essa mudança profunda222, sob a assistência do Espírito Santo, não

foi tranqüila. E não foi pacífica a definição de sua qualificação teológica, necessitando,

junto à promulgação, anexar: “Nota explicativa prévia”223. A Lumen Gentium é: “A noção

fundamental que a Igreja tem de si mesma”224, produzindo uma reviravolta nessa auto-

análise: “Do ‘geocentrismo’ hierárquico passou-se para o ‘heliocentrismo’ de todo o povo

de Deus”225.

a) Igreja, povo de Deus

A Lumen Gentium, estruturada sob as categorias de Mistério e Comunhão226,

construiu inúmeras figuras e imagens a fim de, analogicamente, expressar a índole e

missão da Igreja: Corpo Místico de Cristo (cf. LG 7); Redil, Lavoura, Construção, Templo

(cf. LG 6) e outras. O Concílio assume a representação bíblica do povo de Deus.

221 Esse deslocamento, dá-se assim: “Primeiro, coloca os grandes princípios norteadores: o cristocentrismo, a

dimensão sacramental e a dimensão missonária da Igreja. Dessa forma, explicam-se sua relação com Cristo, sua natureza sacramental e sua missão no mundo (LG, n.1). Segundo, explicita a relação da Igreja com o mistério trinitário, desenvolvendo uma reflexão fundamental da Igreja como mistério, no contexto da vontade salvífica universal de Deus (LG, cap I)” (PEDROSA ARÉS, Vicente Maria. op.cit., p. 1124).

222 “A Constituição Lumen Gentium sobre a Igreja é o resultado do conflito entre duas eclesiologias. Esse conflito constituiu a estrutura de fundo de todos os debates conciliares, o que se refletiu nos documentos produzidos. Lumen Gentium é bem representativa do Vaticano II” (COMBLIN, José. A mensagem da Lumen Gentium (Capítulos 1 e 2). Vida Pastoral, mai. Jun. 2004 , p. 9).

223 CONCÍLIO ECUMÊNICO VATICANO II. Nota Explicativa Prévia. In: COMPÊNDIO DO VATICANO II: constituições, decretos, declarações. 1986, p. 114.

224 RAHNER, Karl. Vaticano II : um começo de Renovação. São Paulo: Herder, 1996, p. 19. 225 LIBÂNIO, João Batista. Lumen Gentium: mina inesgotável. Vida Pastoral, mai. Jun. 2004, p.3. 226 “Enquanto Mistério, a Igreja é em Cristo e nele cumpre-se o desígnio de salvação de Deus que consiste

em levar os homens de boa vontade à comunhão com Deus e entre si. [...] Dito em outros termos, a Igreja, enquanto Mistério é comunhão. [...] A eclesiologia de comunhão é a idéia central e fundamental nos documentos do Concílio Vaticano II. Trata-se da comunhão com Deus vivo, enquanto a Igreja é, em Cristo, mistério do amor de Deus presente na história dos homens. Quando se fala do mistério da Igreja, entende-se, não algo escondido, obscuro e limitado somente ao sobrenatural, mas de uma realidade divina, transcendente e respeitante à salvação que Deus revelou e cumpriu por obra de seu Filho Jesus Cristo, no poder do Espírito Santo” (KUNRATH, Pedro Alberto. O Mistério da Comunhão na Reflexão Teológica do Concílio Vaticano II. Teocomunicação. Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 34, n. 145, set. 2004, p. 602.605).

Page 63: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

62

Uma Igreja que se compreendia a si mesma como sociedade perfeita, árbitra de toda verdade e instituição fortemente hierarquizada sob a autoridade do Papa, passou a ser, no Vaticano II, ‘Povo de Deus em marcha, mistério e acontecimento, sacramento de salvação e tradição, presente no mundo e serva do mundo, missionária e evangelizadora, uma Igreja de comunhão e comunidade dinâmica, aberta ao futuro e ao pobre”227.

Reside aí uma das características eclesiológicas fundamentais da Lumen Gentium:

colocar sua base no laicato228. Isso não tira a iniciativa de Deus na edificação da Igreja,

pois, com a encarnação, apaga-se definitivamente a compreensão dualista da ação divina

na história da humanidade229. A consagrada imagem de povo de Deus230 não diminui nem

menospreza a de Corpo Místico de Cristo, mas realça a índole histórica, o compromisso

missionário e o aspecto escatológico da comunhão eclesial, demonstrando suas raízes

bíblicas no passado de Israel e a lançando para o futuro definitivo. Na Lumen Gentium, o

primeiro capítulo põe, sem dúvida, o acento sobre a unidade, especialmente quando

apresenta o Corpo Místico de Cristo. O povo de Deus231 é uma manifestação terrena do

227 PEDROSA ARÉS, Vicente Maria. Vaticano II e catequese. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii

(Orgs.). Dicionário de catequética. 2004, p. 1124. 228 “Dessa maneira, põe-se no centro da vida da Igreja o batismo, que nos faz todos membros iguais de um

mesmo povo de Deus. Sobre tal igualdade fundamental, e após ela, virão as diferenças de ministérios e carismas” (LIBÂNIO, João Batista. Lumen Gentium: mina inesgotável. 2004, p. 4).

229 “O desejo, a reunião das comunidades em torno da Palavra, dos sacramentos, da prática da caridade não nascem sem a ação do Espírito. Quem convoca à comunhão é o Pai, que chama a todos no Filho pela força do Espírito. Aquilo que a um olhar secular é pura sociologia, sob o olhar da fé é graça mediada pelas estruturas sociológicas comunitárias. É uma comunhão fraternal, sociológica e teologal. Na voz humana que convoca, fala o Espírito que cria comunhão para além dos laços de sociabilidade” (idem, p. 5).

230 “[...] houve, no século XX, um lento e progressivo renascer do modelo muito mais antigo, e realmente primitivo, que é representado pelo tema do povo de Deus. O renascer resultou da confluência de forças procedentes dos movimentos litúrgicos, bíblico, de juventude, ecumênico, patrístico e da história da Igreja. Todos esses movimentos foram, de certo modo, retorno ao passado, reafirmação do passado, apresentando a linha autoritária como não tradicional, não conforme às origens cristãs e que prescinde totalmente da marcha do povo cristão” (COMBLIN, José. O Povo de Deus. 2002, p. 360).

231 “Nesse processo, algumas tendências internas da Igreja começaram a valorizar a eclesiologia de comunhão para contrabalançar a eclesiologia de povo de Deus. O melhor mesmo é dizer que a Igreja é povo de Deus, sujeito da comunhão eclesial” (CALIMAN, Cleto. Lumen Gentium: uma riqueza a ser descoberta. Jornal de Opinião, 13 a 19 de dez. de 2004, p. 10).

Page 64: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

63

mistério da Igreja comunhão232. A Igreja como mistério de comunhão perpassa toda

reflexão conciliar e tem alcance profundo: “A comunhão se dá entre Deus e os homens.

Entre os membros da Igreja e Cristo, sua cabeça; entre os Apóstolos e Pedro, e os bispos e

o Papa; entre as Igrejas locais; entre a Igreja Católica e outras Igrejas e comunidades

cristãs; entre a Igreja e a humanidade”233. É um povo sacerdotal que realiza sua

consagração e santidade na Igreja234.

O ponto de partida é a Nova Aliança que o Senhor fez para sempre com seu novo

povo: todos os batizados, incluindo hierarquia e religiosos. “Cabe respeitar a diferença,

movendo-se nas águas da unidade batismal [...] Não existe primeiro a comunhão como

obra da hierarquia [...] Existem os fiéis construindo, pela força do Espírito, a comunhão, a

cujo serviço está o ministério ordenado”235. Em Cristo, no Espírito Santo, todo povo de

Deus recebe do Pai a graça e a missão de ser santo.

232 “Em sua obra, George H. Tavard atribui confusão e ambigüidade ao conceito de Povo de Deus usado pelo

Concílio Vaticano II, ao passo que Giuseppe Colombo é a favor da centralidade da imagem conciliar de Povo de Deus, porque por meio dela indica-se a Igreja como sujeito histórico. De fato a eclesiologia deve falar de um sujeito histórico e construir-se em torno de um predicado histórico, dado que a Igreja é um acontecimento no tempo e só entende mediante a encarnação do Verbo, que é um evento histórico. [...] Podemos perceber como a idéia de povo de Deus, ainda que rica teologicamente e pastoralmente, é insuficiente para exprimir, sozinha, a realidade da Igreja” (CIPOLINI, Pedro Carlos. Povo de Deus e Corpo de Cristo: imagens complementares na abordagem do mistério da Igreja. In: TRANSFERETTI, José; GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. 2003, p. 220).

233 PEDROSA ARÉS, Vicente Maria. Vaticano II e catequese. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética. 2004, p. 1125.

234 A Lumen Gentium, corajosamente, alargou o horizonte limítrofe do povo de Deus: “Todos os homens são chamados a pertencer ao novo povo de Deus. Por isso este povo, permanecendo uno e único, deve estender-se a todo mundo e por todos os tempos, para que se cumpra o desígnio da vontade de Deus” (LG 13). “Aqueles, portanto, que sem culpa ignoram o Evangelho de Cristo e Sua Igreja, mas buscam a Deus com coração sincero e tentam, sob o influxo da graça, cumprir por obras a Sua vontade conhecida através do ditame da consciência, podem conseguir a salvação eterna” (LG 16).

235 LIBÂNIO, João Batista. Lumen Gentium: mina inesgotável. Vida Pastoral, mai. jun. 2004, p.6.

Page 65: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

64

b) Eclesialidade e santidade236

Para a Igreja, povo de Deus, ícone da Trindade, a santidade é algo mais que uma

convocação vindo do exterior: é um aspecto essencial e característico, transcendente e

imanente, chegada escatológica e caminho de peregrino. Nela reside sua identidade mais

profunda.

A Lumen Gentium deixa claro que todo o batizado pertence ao sacerdotal povo de

Deus e é vocacionado à santidade. “Trata-se de verdadeira reviravolta, uma vez que, em

uma eclesiologia que identificava a Igreja com o clero, a santidade tinha sido reduzida a

uma ‘propriedade privada’ de bispos e padres e, em alguns casos, de algumas freiras. Ser

santo não era coisa para o povo”237. Já no primeiro Concílio Ecumênico de Nicéia

percebemos essa convicção238, resgatada dentro do espírito de volta às fontes. Contudo, só

Deus Trino é santo. E, em comunhão com a Trindade, a Igreja. “Pois Cristo, Filho de Deus,

que com o Pai e o Espírito Santo é proclamado ‘Único Santo’ amou a Igreja como sua

Esposa. Por ela se entregou com o fim de santificá-la” (LG 39). Nessa união divina,

qualquer um dos membros do Corpo Místico de Cristo é convocado à santidade. “Por isso

na Igreja todos, quer pertençam à hierarquia, quer sejam por ela apascentados, são

chamados à Santidade” (LG 39). Não apenas convidados: “[...] obrigados a procurar a

santidade e a perfeição do próprio estado” (LG 42).

Essa única santidade é concretizada no amor. “É assim evidente que todos os fiéis

cristãos de qualquer estado ou ordem são chamados à plenitude da vida cristã e à perfeição

da caridade” (LG 40). Percebe-se uma ênfase na prática do amor fraterno, inerente ao

próprio dom da santidade, que é dádiva divina. “Por isso o primeiro e mais necessário dom

236 O capítulo V da Lumen Gentium expõe detalhadamente essa relação. 237 OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. A vocação batismal: fonte da comum dignidade e da legítima

diversidade. Vida Pastoral, jan. fev. 2003, p. 5. 238 Cf. COLLANTES, Justo. A Fé Católica: Documentos do Magistério da Igreja. 2003, p. 667.

Page 66: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

65

é a caridade, pela qual amamos a Deus acima de tudo e ao próximo por causa d’Ele” (LG

42). Pois, “Deus é amor” (1 Jo 4,16 ) e no amor temos o vínculo da perfeição (cf. Cl 3,14 ).

“O verdadeiro discípulo de Cristo se distingue tanto pelo amor a Deus como pelo amor ao

próximo” (LG 42).

A santidade é assumida num estado de vida livremente acolhido239. “Mas cada qual

deve avançar sem hesitação segundo os próprios dons e cargos pelo caminho da fé viva,

que excita a esperança e opera pela caridade” (LG 41). Não é uma santidade individualista,

sectária, um ramo cortado da videira (cf. Jo 15,6), mas de comunhão eclesial. “Na

concepção do Concílio – que é também a visão bíblica – não existe o santo isolado. A

pessoa se santifica enquanto é pertencente a uma comunidade”240.

É importante destacar que o Concílio Ecumênico Vaticano II, preservando longa

prática conciliar, não construiu definição técnica de santidade. Sua iluminação é bíblica e

patrística, dentro do espírito de volta às fontes. Numa primeira constatação, vê-se a

necessidade de estar unido a Cristo que se encarnou e pregou a santidade de vida, sendo

Ele modelo de perfeição. “Eles são justificados no Senhor Jesus porquanto pelo Batismo da

fé se tornaram verdadeiramente filhos de Deus e participantes da natureza divina e,

portanto, realmente santos” (LG 40). Segue-se a necessidade de trilhar seus passos, imitar

suas atitudes, imprimir no coração sua imagem e fazer-se como Ele, obediente em tudo ao

Pai. “Assim a santidade do povo de Deus se expandirá em abundantes frutos, como se

demonstra luminosamente na história da Igreja pela vida de tantos santos” (LG 40). O

seguimento de Jesus de Nazaré deve ser nutrido e alimentado: na oração, pela Palavra e

nos sacramentos (cf. LG 42).

239 “A consciência da laicidade na e da Igreja permite entender melhor o papel da mulher no seu seio,

evitando uma clericalização crescente e empobrecedora” (LIBANIO, João Batista. Igreja: povo de Deus. Jornal de Opinião, 14 a 20 de mar. 2005, p. 11).

240 OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. A vocação batismal: fonte da comum dignidade e da legítima diversidade. Vida Pastoral, jan. fev. 2003, p. 5.

Page 67: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

66

c) Maria: ícone paradigmático

A Lumen Gentium é coroada, em seu final, com uma explanação sobre “A Bem-

aventurada Virgem Maria, Mãe de Deus, no Mistério de Cristo e da Igreja” (LG cap. VIII).

Não promulga novos dogmas marianos, mas expõe o lugar da Mãe de Jesus na História da

Salvação241, o autêntico culto que seus filhos, o povo de Deus, devem prestar-lhe, e a

fidúcia em deixar-se guiar por seus passos. Pois, “Maria foi aquela que seguiu mais

estreitamente Jesus em sua vida íntima; ela foi a primeira e mais perfeita discípula de

Cristo, o que tem valor universal e permanente (MC 35)”242.

A Igreja venera a Mãe de Deus: “[...] contemplando-lhe a arcana santidade,

imitando-lhe a caridade e cumprindo fielmente a vontade do Pai, mediante a Palavra de

Deus recebida na fé, torna-se também ela Mãe” (LG 64). O Concílio insiste no valor

paradigmático de Maria no caminho da santidade: inserida na vida da graça (cf. Lc 1,28-

30); obediente ao projeto Trinitário (cf. Lc 1,38); disponível no amor ao próximo (cf. Lc 1,

39.56); preza o silêncio (cf. Lc 2,51b); age cristocentricamente (cf. Jo 2,5); sempre fiel a

Jesus (cf. Jo 19, 25a); comprometida e orante com a Igreja (cf. At 1,14).

[...] os cristãos ainda se esforçam para crescer em santidade vencendo o pecado. Por isso elevam seus olhos a Maria que refulge para toda a comunidade dos eleitos como exemplo de virtudes. Piedosamente nela meditando e contemplando-lhe à luz do Verbo feito homem, a Igreja penetra com reverência mais profundamente no sublime mistério da encarnação, assemelhando-se mais e mais ao esposo. Pois Maria, entrando intimamente na História da Salvação, une em si de certo modo e reflete as supremas normas da fé. [...] Esta Virgem deu em sua vida o exemplo daquele materno afeto do qual devem estar animados todos os que cooperam na vida apostólica da Igreja para a regeneração dos homens (LG 65).

241 “Foi muito significativo que o Concílio Vaticano II tenha incluído o tema sobre Maria Santíssima dentro

do grande tema da Igreja. Hoje, nós temos desse Concílio uma belíssima exposição de Maria, mas dentro do grande e importante assunto da Igreja. Isso nos permite, para sempre, ler, meditar e considerar a posição de Maria dentro da Igreja com todos os seus grandes títulos: Maria Mãe de Deus, Maria Mãe da Igreja, Maria Corredentora, Maria Intercessora de todos os cristãos, etc. [...] A nossa devoção Mariana está bem iluminada em seu conteúdo: a Igreja no seu mistério é fortemente marcada pela posição de Maria na obra de Salvação de Cristo” (LORSCHEITER, José Ivo. Sobre o Passado, o Presente e o Futuro da Igreja. In: BELMONTE, Sérgio Augusto; BARRICHELLO, Eugênia. Dom José Ivo Lorscheiter: o Bispo da Esperança. Santa Maria: Pallotti, 2004, p. 116).

242 FERNÁNDEZ GARCÍA, Domiciano. Maria. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan (Orgs.). Dicionário teológico da vida consagrada. 1994, p. 622.

Page 68: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

67

O povo de Deus, Corpo Místico de Cristo, convocado à santidade de vida desde o

Batismo, tem na Bem-aventurada Virgem Maria, que já atingiu a perfeição, mesmo em

meio às fadigas e sombras no peregrinar da fé, protótipo e modelo seguro243 no seguimento

de seu filho, Jesus de Nazaré.

2.4 VOCAÇÃO BATISMAL: DIGNIDADE E IGUALDADE

O Sacramento, por excelência, valorizado e re-descoberto pelo Concílio foi o

Batismo. Ele concede dignidade e igualdade a todo o povo de Deus. A opção livre por uma

vocação específica deve emergir dum discernimento na graça divina.

2.4.1 Batismo: Filiação e Missão

a) Reviravolta conciliar: igualdade dos membros

O Concílio resgata a dignidade batismal244 de todo povo de Deus. “Durante longos

séculos prevaleceu na Igreja a convicção de que havia duas categorias de cristãos: uns

243 “A respeito do sentido teológico da exemplaridade de Maria há de dizer que seria empobrecer

enormemente esta realidade, se a reduzíssemos a influxo extrínseco, a contemplação de um quadro radiante de beleza e de virtudes que despertam nossa admiração e suscitam o desejo de imitá-la. É certo que contemplar e meditar as virtudes da Virgem pode-nos servir de estímulo para imitá-la, o que já representa efeito positivo. Isso porém, não basta. A exemplaridade da Maria deve criar em nós atitudes e disposições favoráveis à ação de Deus que ela teve. Trata-se de algo mais íntimo e profundo que mera contemplação de suas virtudes. Deve incluir o efeito intrínseco de seu influxo santificador em nosso coração” (idem, p. 623).

244 “O Batismo é o mais belo e o mais magnífico dom de Deus [...] chamamo-lo de dom, graça, unção, iluminação, veste de incorruptibilidade, banho de regeneração, selo, e tudo o que existe de mais precioso. Dom, porque é conferido àqueles que nada trazem; graça, porque é dado até a culpados; batismo, porque o pecado é sepultado na água; unção, porque é sagrado e régio (tais são os que são ungidos); iluminação, porque é luz resplandecente; veste, porque cobre a nossa vergonha; banho, porque lava; selo, porque nos guarda e é o sinal do senhorio de Deus” (GREGORIO NAZIANZENO. Or 40, 3-4: PG 36, 361 C. In: CaIC 256).

Page 69: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

68

destinados a caminhar num plano e outros a escalar cumes”245. O Vaticano II retorna às

fontes bíblico-patrísticas e estimula transformações na raiz teologal246, promulgando “[...]

entre todos verdadeira igualdade quanto à dignidade e ação comum a todos os fiéis na

edificação do Corpo de Cristo” (LG 32). Tem-se uma nova perspectiva.

O povo de Deus segue o mesmo Senhor, professa a mesma fé e recebe o mesmo

Batismo (cf. Ef 4,5)247. “Comum a dignidade dos membros pela regeneração em Cristo.

Comum a graça de filhos. Comum a vocação à perfeição” (LG 32). O Concílio expõe a

vocação batismal248 na dimensão da História da Salvação, centrada em Cristo, presente em

cada membro de Seu corpo místico. Através do Batismo, “[...] somos libertados do pecado

e regenerados como filhos de Deus; tornando-nos membros de Cristo, somos incorporados

à Igreja e feitos participantes de sua missão” (CaIC 1213). O Filho de Deus encarnado

constitui, misticamente, a seus irmãos em Seu corpo e comunica-lhes Seu Espírito.

Pelo Batismo configuramo-nos com Cristo: ‘Com efeito em um só espírito fomos batizados todos nós para sermos um só corpo’ (1 Cor 12,13). Esse rito sagrado representa e realiza a união com a morte e ressurreição de Cristo: ‘Com Ele fomos sepultados pelo Batismo para [participarmos] da morte’; mas se ‘fomos feitos uma coisa com Ele na semelhança de sua morte, sê-lo-emos igualmente na sua ressurreição’ (Rm 6,4-5)” (LG 7).

245 PALMES, Carlos. Batismo. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan (Orgs.).

Dicionário da vida consagrada. 1994, p.56. 246 “O Concílio provoca uma mudança radical” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Evangelho da

Vocação. 2003, p.24). 247 “Assim a Igreja redescobre a sua vocação de comunidade batismal englobante, no interior da qual os

carismas são recebidos e os ministérios exercidos como serviços em vista daquilo que toda a Igreja deve ser e fazer. E a vida espiritual de todo o Povo de Deus pode beber do mesmo Espírito que não discrimina suas maravilhas segundo as categorias jurídicas, derramando-as com total prodigalidade e generosidade” (BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. O Presbítero: Ungido, Poeta e Servidor. In: CNBB: Vida e Ministério dos Presbíteros. 2004, p.120).

248 “Nesse sentido, falar de vocação batismal, do Batismo como vocação primeira dos cristãos, é para muitas pessoas, verdadeira novidade. Por isso mesmo, alguns chegaram a estranhar tal afirmação, julgando-a inoportuna e até mesmo descabida. Isso foi agravado por outra deformação da cristandade, a qual, não vendo significado nenhum para a vocação batismal, concentrou toda a missão e todos os ministérios na pessoa do ministro ordenado, particularmente no bispo e no presbítero. Nessa ótica, ser batizado não significava absolutamente nada. Contava ser padre ou bispo” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira. op. cit., p. 3).

Page 70: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

69

Esta participação batismal não é algo exterior a nós ou privilégio de alguns

membros do Corpo. “O Vaticano II nos faz voltar às fontes e acaba com a divisão que

durante séculos infeccionou a Igreja [...]”249, pois o Batismo comporta nossa plena

transformação em Cristo250. Por Ele somos enxertados no mesmo Mistério Pascal,

incorporados a Cristo crucificado e glorificado, a fim de participarmos de Sua vida divina

(cf. Cl 2,12), morrermos e ressuscitarmos com Ele, recebendo o espírito de adoção filial

(cf. Rm 8,15).

b) Sacerdócio Comum

Todo cristão em virtude de seu Batismo está unido a Cristo e nele participa de seu

tríplice múnus: sacerdotal, profético e régio251. Ou seja, a Igreja enquanto comunhão dos

batizados está unida a Cristo, não como um edifício estranho, mas como um corpo

sacerdotal que de sua cabeça recebe a dignidade e ofício sacerdotal. “Pois todos os

batizados, pela regeneração e unção do Espírito Santo, são consagrados como casa

espiritual e sacerdócio santo. [...] ofereçam sacrifícios espirituais e anunciem os poderes

d’Aquele que das trevas os chamou à sua luz maravilhosa” (LG 10).

249 PALMES, Carlos. Batismo. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan (Orgs.).

Dicionário teológico da vida consagrada. 1994, p. 56. 250 “Batizados em Cristo e revestidos de Cristo vós vos tornastes semelhante ao Filho de Deus. Com efeito,

Deus que nos predestinou para a adoção de filhos tornou-nos semelhantes ao Corpo glorioso de Cristo. Feitos, portanto, participantes do Corpo de Cristo, com toda a razão sois chamados ‘cristãos’ , isto é, ungidos; pois foi de vós que Deus disse: não toqueis nos meus ungidos (Sl 104,15). Tornaste-vos ‘cristãos’ no momento em que recebestes o selo do Espírito Santo; e tudo isto foi realizado sobre vós em imagem, uma vez que sois imagem de Cristo. Na verdade, quando Ele foi batizado no rio Jordão e saiu das águas, nas quais deixara a fragância de sua divindade, realizou-se então a descida do Espírito Santo em pessoa, repousando sobre Ele como o igual sobre o igual. O mesmo aconteceu convosco: depois que subiste da fonte sagrada, o óleo do Crisma vos foi administrado, imagem real daquele com o qual Cristo foi ungido, e que é, sem dúvida, o Espírito Santo” (CATEQUESES DE JERUSALÉM (Cat. 21, Mystagógica 3,1-3: PG 33,1087-1091/séc. IV. In: LITURGIA das Horas, 1995, II v, p. 547).

251 “Na verdade, segundo o Concílio, é todo o povo de Deus e não apenas o presbítero que participa da unção do Messias. [...] Todo o povo que, em virtude de seu Batismo, participa da condição e do múnus sacerdotal enquanto sacerdócio universal, que oferece a Deus o sacrifício e a oblação da própria vida” (BINGEMER, Maria Clara Lucchetti. O Presbítero: Ungido, Poeta e Servidor. In: CNBB. Vida e ministério dos presbíteros. 2004, p. 108).

Page 71: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

70

O Concílio deixa claro que há distinção entre sacerdócio comum dos fiéis e o

sacerdócio ministerial252. Mesmo ordenando-se um ao outro e ambos participando do único

sacerdócio de Cristo, não se confundem.

O sacerdócio comum dos fiéis e o sacerdócio ministerial ou hierárquico ordenam-se um ao outro, embora se diferenciem na essência e não apenas em grau. Pois ambos participam, cada qual a seu modo, do único sacerdócio de Cristo. O sacerdote ministerial, pelo poder sagrado de que goza, forma e rege o povo sacerdotal, realiza o sacrifício eucarístico na pessoa de Cristo e o oferece a Deus em nome de todo o povo. Os fiéis, no entanto, em virtude de seu sacerdócio régio, concorrem na oblação da Eucaristia e o exercem na recepção dos sacramentos, na oração e ação de graças, no testemunho de uma vida santa, na abnegação e na caridade ativa (LG 10).

O sacerdócio comum batismal gera igualdade cristã (cf. LG 32). Todas as

categorias sociais nada significam frente ao verdadeiro título de glória, comum a todos os

batizados: pertença ao Corpo de Cristo, ao povo dos redimidos (cf. Gl 3,27-28).

c) A filiação como dom, a missão como tarefa

O Batismo limpa o pecado original e nos consagra a Deus (cf. LG 53). Somos

agraciados com uma vida nova: filhos de Deus (cf. LG 32). Recebemos o espírito de filhos

adotivos253, introduzidos no mistério do amor de Deus, que nos chama a iniciar uma

comunicação pessoal com Ele em Cristo. Somos filhos no Filho (cf. LG 13). “A filiação

252 “Enquanto o sacerdócio batismal é comum, pertence a todos e todas na Igreja, o sacerdócio ministerial é

uma habilitação que nasce de um chamado divino, passa pelo crivo da imposição das mãos (sacramento da Ordem) e, por isso, é específico do presbítero e do bispo. Por causa do chamamento, reconhecido e confirmado no gesto da imposição das mãos, o ministro ordenado possui tarefas bem específicas que pertencem exclusivamente a ele. Não cabe a quem está ‘habilitado’ realizar tarefas, uma vez que não se trata de um serviço comum, nascido do sacerdócio batismal, mas de uma verdadeira vocação que provém do sacramento da imposição das mãos. Não está em jogo a igual dignidade, mas a diferenciação [...]. A diferenciação afirmada pelo Concílio nos ajuda a entender a unidade segundo a perspectiva trinitária e, por isso mesmo pode e deve ser aplicada às demais vocações específicas” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira. Nossa resposta ao amor: teologia das vocações específicas. 2001, p. 309).

253 “Assim sendo, a vocação primeira de toda a pessoa é a vocação batismal. ‘O cristão pelo batismo, é vocacionado, chamado pelo Pai a ser ouvinte da Palavra. Adotado como filho bem amado e justificado dos seus pecados, é incorporado a Jesus Cristo. Ungido pelo Espírito para a missão é inserido na Igreja’. Pode-se então concluir que a vocação batismal, comum a todos os fiéis, é a convocação divina para sermos filhos e filhas no Filho (cf. Ef 1,5). Enquanto filhos e filhas de Deus, somos chamados a formar a Igreja, comunidade dos discípulos e discípulas de Jesus” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. A vocação batismal: fonte da comum dignidade e da legítima diversidade. Vida Pastoral, jan. fev. 2003, p. 4).

Page 72: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

71

cristã é participação na condição filial daquele que é o Filho por excelência, cuja vida é

obediência ao Pai e entrega pela salvação da humanidade”254. A filiação255 leva à

participação na natureza divina (cf. LG 40). Aquele que foi batizado torna-se morada da

Santíssima Trindade256. “É o germe (sperma) de Deus depositado em nós (1 Jo 3,9), é a

semelhança real com Cristo que nos dá o direito de chamar a Deus Pai e a receber seu olhar

de ternura e a sentir-nos guiados por sua providência”257.

O Batismo infunde uma vida nova e aquele que o recebe deve manter uma conduta

em conformidade com a graça recebida e exercer o mandato missionário. “Incorporados à

Igreja pelo Batismo, os fiéis são delegados ao culto da religião cristã em virtude do caráter,

e, regenerados para serem filhos de Deus, são obrigados a professar diante dos homens a fé

que receberam de Deus pela Igreja” (cf. LG 11). Todo batizado é missionário258. “A

consagração batismal pela qual o cristão é abençoado e totalmente dedicado a Deus inclui a

vocação apostólica: a missão evangelizadora é de todo o povo de Deus (EM 59; Puebla

348)”259. O próprio Jesus determina aos seus dicípulos: “Ide, portanto, e fazei que todas as

254 GARCIA FERNÁNDES, Ciro; JARNE, Fernando Jarne. Graça. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et

alii (Orgs.). Dicionário de catequética. 2004, p. 545. 255 “Nos sinóticos aparece intimamente ligada à revelação de Deus Pai e à mensagem do Reino (Mt 5-7; Lc

15,11-32). São Paulo fundamenta-a teologicamente no conceito de adoção, pondo em relevo o fato da eleição divina, isto é, o caráter gratuito da filiação e a dimensão trinitária da mesma, ao destacar a função divina que cada uma das pessoas divinas desempenha nela (Rm 8,14-17.23; Gl 4,4-7; Ef 1, 4-5). São João acentua mais fortemente seu realismo: a filiação é obra do novo nascimento (Jo 1,12-13; 3,3-8), não no nascimento segundo a carne (Jo 1,13), mas da regeneração mediante o Espírito Santo (Jo 3,6). Tanto a adoção (paulina), como o nascimento (joanino) desembocam no mesmo efeito: fazer-nos semelhantes ao Filho” (idem, p. 544-545).

256 “No momento em que a Igreja pronuncia literalmente a fórmula que rememora a ação de Jesus: -‘Eu te batizo em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo...’-, o cristão é inserido não somente em uma comunidade humana imperfeita, como é a Igreja, por mais santa que seja, mas em um comunhão trinitária” (CNBB. Batismo: fonte de todas as vocações: texto base do ano vocacional 2003. 2002, n. 85).

257 PALMÉS, Carlos. Batismo. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan (Orgs.). Dicionário teológico da vida consagrada. 1994, p. 60.

258 “Ungido pelo Espírito para a missão é inserido na Igreja. No Batismo a mesma voz que um dia foi ouvida, declarando Jesus Filho amado, é ouvida por nós. O mesmo Espírito que o ungiu e o enviou em missão (cf. Lc 4,18-19), nos unge e nos consagra para vivermos uma vida nova (At 2,17). A missão de Jesus dá sentido, acompanha e impulsiona o envio missionário do cristão ao mundo (Mt 28,19-20)” (CNBB. Batismo: fonte de todas as vocações: texto base do ano vocacional 2003. 2002, n. 86).

259 PALMÉS, Carlos. op. cit., p. 62.

Page 73: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

72

nações se tornem discípulos, batizando-as em nome do Pai, do Filho e do Espírito Santo e

ensinando-as a observar tudo quanto vos ordenei” (Mt 28, 19-20a). Para isso, recebem na

Igreja, intrinsicamente unido ao Batismo, o Sacramento do Crisma ou da Confirmação, no

qual “[...] são vinculados mais perfeitamente à Igreja, enriquecidos de especial força do

Espírito Santo e, assim, mais estritamente obrigados à fé que, como verdadeiras

testemunhas de Cristo, devem difundir e defender tanto por palavras como por obras”

(LG 11).

A fim de realizar-se e desempenhar sua vocação fundamental, sua missão, o

batizado, em comunhão trinitária, pois é habitação da Santíssima Trindade, deve discernir

que carismas recebeu a serviço do Reino. “Em resumo, à luz da fé, no sacramento do

Batismo, Deus age no homem com sua graça, para transformá-lo em homem novo em

Cristo. O homem é convocado a responder na fé e pela vida como membro do povo da

nova aliança, isto é, da Igreja”260.

2.4.2 DISCERNIMENTO E VOCAÇÕES ESPECÍFICAS: GRAÇA E LIBERDADE

O desafio do discernimento261 é tão antigo quanto a pessoa humana. Nossos

primeiros pais logo tiveram de optar entre ouvir a voz de Deus ou do demônio,

simbolizado na serpente (cf. Gn 3,1-13). E, assim tem ocorrido em toda a História da

Salvação. Alicerçados em Paulo, professamos que o discernimento é dom do Espírito

Santo (cf. 1Cor 12,10). Embora não sendo uma escolha entre o bem e o mal, Deus ou o

260 ZILLES, Urbano. Os sacramentos da Igreja Católica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995, p. 79. 261 “O termo grego krino, krinein e o latino cerno, cernere significam selecionar, interpretar, criticar, decidir

e reconhecer; em todos esses significados, está implícito o sentido de penetrar até o fundo das questões importantes, para compreendê-las e resolvê-las adequadamente. Numa primeira aproximação, o discernimento apresenta dois momentos: o conhecimento crítico da realidade e a tomada de decisões” (SASTRE, Jesús. Discernimento vocacional: proposta de encontros vocacionais para jovens. São Paulo: Paulinas, 2000, p. 85).

Page 74: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

73

demônio, o ser humano opta por uma vocação específica para a sua felicidade e realização

do projeto que Deus tem para ele, no âmbito da fé. “Nada de arbitrário em tal disposição,

salvo o arbitrário do amor, que não pode, contudo, senão plenificar além de toda a

expectativa”262. A pessoa humana, chamada por Deus como criatura, é convocada, como

membro de Seu povo, se compromete na acolhida livre do projeto eclesial que lhe é

proposto, na vida da graça.

Como tal, é muito diferente da simples decisão de escolher uma carreira em particular. Não simplesmente um chamado para fazer algo, embora isso possa ser parte da resposta. O processo para discernir o chamado de uma pessoa é o esforço, tanto humano como divino, de escolher um estilo de vida que expresse melhor resposta com respeito ao amor e ao cuidado providencial de Deus. Como tal, nunca pode ser executado sozinho, visto que reclama pela interação de duas pessoas: a pessoa do vocacionado e a pessoa de Deus. Assim, o discernimento é algo inerente ao contexto do relacionamento pessoal com Deus263.

Na fé, o ser humano acolhe o impulso interior da graça divina. Mediante a fé lê e

interpreta as solicitações subjetivas: talentos pessoais, estrutura humana; e objetivas:

convocação do povo de Deus, necessidades eclesiais; como símbolos dum diálogo que

motivam suas intenções e as próprias opções. “Encontrar nele mesmo esta vontade de

Deus, infelizmente, não lhe é fácil. Como conseqüência da primeira queda, [...] sua

unidade interior foi ferida e colocada em xeque”264. Todavia, livremente, iluminado pela

fé, deve tomar suas decisões265 em atitude de disponibilidade, de busca, de oferecimento,

de realização, num clima de fortes exigências espirituais266.

262 LOUF, André. Mais pode a graça: o acompanhamento espiritual. Aparecida: Santuário, 1997, p.188. 263 GALLARES, Judette. Discernimento vocacional: meditações bíblicas. São Paulo: Paulus, 1994, p. 14-15. 264 LOUF, André. Mais pode a graça: o acompanhamento espiritual. 1997, p.189. 265 “Se dizemos que o homem realiza a si mesmo na liberdade, isso não é menos verdade também quando nos

achamos diante do mistério de Deus, que se dá a nós em Jesus Cristo. Acontece simplesmente que, sob essa luz, a liberdade aparece como fruto da graça e, assim, se torna capaz de sua máxima realização, a resposta ao amor de Deus, que se dá a nós em Jesus” (LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia teológica. 1998, p.128).

266 “[...] a verdadeira vocação nasce de uma consciência de plenitude, uma plenitude que foi recebida como um dom, e que é devolvido com liberdade” (CENCINI, Amadeo. Redescobrindo o mistério: indicações para o discernimento. 1999, p. 52).

Page 75: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

74

a) Graça divina: atração amorosa

O temo grego charis não é estranho na Bíblia, mas não aparece em primeiro plano.

A charis bíblica267 designa antes de tudo uma atitude pessoal de Deus a respeito da pessoa

humana. “Há uma intercomunhão, uma intersubjetividade, uma relacionalidade, uma

misteriosa solidariedade, que independe de nossa consciência e de nossos méritos [...]”268.

Não é, portanto, primeiramente uma entidade ontológica, mas algo radical: Deus mesmo é

a graça269. Sendo um favor gratuito do Pai, por seu Filho, em virtude do Espírito Santo,

para a humanidade pecadora: “O homem na graça é o homem eleito e abençoado em Cristo

Jesus antes da criação do mundo”270. A pessoa humana possui uma grandeza peculiar que a

torna, não simples produto do cosmos, do universo, pois, pela graça nos tornamos parte da

natureza divina, da vida eterna. Batismo e graça divina estão intimamente ligados271.

Na Encarnação redentora, manifesta-se o desígnio benévolo de Deus na história

humana. Porém, desde o início, a Santíssima Trindade, na sua infinita bondade, inicia com

o ser humano uma relação de indelével amizade. “A Igreja ensina que Deus sempre quis

estabelecer com a humanidade um relacionamento de intimidade especial, chamando-a a

267 “O pensamento bíblico calcado sobre categorias históricas e personalistas foi traduzido para um outro,

orientado pelas categorias da fhysis (natureza) grega” (BOFF, Leonardo. A graça libertadora no mundo. 1993, p. 57).

268 BINGEMER, Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus-amor: a graça que habita em nós. 2003, p.13.

269 “Foi Deus quem fincou no coração humano a ânsia pelo infinito e o desejo de amá-lo e de vê-lo face a face. Foi Deus quem estruturou de tal forma o homem que este está permanentemente com os ouvidos abertos para ouvir a voz de Deus que lhe é dirigida por todas as coisas, pela consciência, pelas mediações humanas e por Deus mesmo. [...] O desejo natural do amor de Deus não é uma exigência meramente humana: é o chamamento que Deus colocou dentro do homem e o homem o ouve e grita por Deus. O grito do homem é apenas o eco da voz de Deus que o chama. Tudo isso é gratuito e não poderia senão ser gratuito porque a gratuidade se faz presente na própria criação do homem chamado à gratuidade. Assim como no mérito, Deus premia as próprias obras assim é também com o sobrenatural: ao plenificar a exigência que se faz ouvir em nossa natureza, Deus responde ao seu próprio apelo e retruca à voz que ele fez gritar dentro do homem” (BOFF, Leonardo. A graça libertadora no mundo. 1993, p. 60-61).

270 LADARIA, Luis F. Introdução à Antropologia teológica. 1998, p.127. 271 “A graça é uma participação na vida divina; introduz-nos na intimidade da vida trinitária. Pelo Batismo, o

cristão tem parte na graça de Cristo, cabeça de seu Corpo” (CaIC 1997).

Page 76: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

75

um gênero de vida superior àquele de que é normalmente capaz e conferindo-lhe dons

especiais para adequá-la às exigências da nova vida”272. É vocacionada à comunhão divina

em Jesus Cristo, por meio da Igreja que é seu Corpo. Entretanto, o pecado original marcou

para sempre a natureza humana273, tornando-a ferida e desarmonizada, com isso: “[...] todo

homem carrega os vestígios no fato de que experimenta muita dificuldade em discernir,

entre tantas moções contrárias, o desejo que jorra verdadeiramente do mais profundo do

seu ser [...]”274.

A comunhão com Deus é a realização plena da pessoa humana. “Ser cristão é saber-

se filho amado, filha amada de Deus Pai, irmão/irmã de Jesus Cristo, morada do Espírito

Santo”275. Mas, só pode alcançá-la por dom de Deus mesmo, por sua graça, que é, acima

de tudo e fundamentalmente, o dom do Espírito Santo que nos santifica e justifica,

ontologicamente e espiritualmente ao nosso redor. Exprimindo metaforicamente: “[...]

poder-se-ia compará-la a um fundo musical ininterrupto, sobre o qual toda existência,

nosso coração como nossa ação, desenrola doce e pacificamente”276.

A transformação sobrenatural mais radical ocorre na essência da pessoa humana,

realizada por meio da graça habitual (santificante), recebida no batismo (cf.CaIC 1999).

Dessa transformação fundamental brotam as possibilidades por meio das virtudes e dos

dons do Espírito Santo, e as transformações das ações sob o influxo da graça atual277.

272 MONDIN, Battista. Antropologia teológica: história, problemas, perspectivas. 1979, p. 255. 273 “Antes do pecado original, a bênção original. Mais que o pecado, a graça” (BINGEMER, Maria Clara L.;

FELLER, Vitor Galdino. Deus-amor: a graça que habitas em nós. 2003, p. 19). 274 LOUF, André. Mais pode a graça. 1997, p. 42. 275 BINGEMER, Maria Clara L.; FELLER, Vitor Galdino. Deus-amor: a graça que habita em nós. 2003,

p.13. 276 LOUF, André. op. cit., p. 36. 277 “Distinguem-se: graça habitual, pela qual nos fazemos semelhantes a Deus e participamos da sua amizade,

é o começo da vida definitiva da glória; e a graça atual, que é uma ajuda ou auxílio de Deus para fazer o bem” (PEDRO, Aquilino de. Dicionário de termos religiosos e afins. 1993, p. 133).

Page 77: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

76

É uma relação de amizade entre a Trindade e a pessoa humana, resultando numa radical

transformação no ser humano e na própria humanidade.

O vocábulo carisma nasce do mesmo radical da palavra graça: charis. “Os

carismas, graças especiais do Espírito Santo, são ordenados à graça santificante e têm

como alvo o bem comum da Igreja” (CaIC 2024). Ou seja, são concedidos a cada um para

a construção e diversificação do Corpo de Cristo (cf. 1Cor 12,4; Ef 4, 1-27). O batizado

precisa inquirir-se, aberto à ação do Espírito Santo, e descobrir quais os talentos, os dons,

as suas qualidades inatas e colocá-los a serviço do povo de Deus, através do acolhimento

específico dum chamado a serviço da Igreja 278. No discernimento da vocação específica é

fundamental o cultivo da vida na graça e com liberdade279, perceber a melhor maneira,

pessoal e eclesial, de viver a santidade.

b) Liberdade: condição necessária

A liberdade é um elemento essencial à natureza e à dignidade do ser humano.

Determina e classifica sua relação com Deus, na qual se manifesta fundamentalmente livre

em seu próprio ser, como sujeito responsável, dotado de poder a fim de decidir sobre seu

278 “O Vat.II, ao ler nos sinais da Igreja de hoje a ação, às vezes impetuosa, do Espírito Santo entre os fiéis de

todas as condições, compreendeu e expressou de forma nova a teologia dos carismas. [...] É fato indiscutível que, na comunidade apostólica primitiva se manifestam nos cristãos graças particulares concedidas pelo Espírito Santo para o bem da Igreja: ‘Eram muitos os prodígios e sinais que se faziam por meio dos apóstolos’ (At 2,43). O próprio Jesus torna os discípulos participantes do poder (exousia) messiânico (cf. Mc 6,7; Mt 11,27; 28,18); os dons gratuitos não são mais do que participação da dignidade e do poder de Jesus (Lc 10,16) e dos dons de Cristo (Ef 4,7). A palavra carisma indica no NT em geral, um dom gratuito (charis=graça), que consiste numa operação do Espírito no crente ordenada à edificação do ‘corpo de Cristo’, a Igreja, para que seja ‘manifestação’ sensível do Espírito Santo conforme o caráter de encarnação da Igreja. [...] Deve, discerni-los, reconhecê-los como provenientes do Doador de todo o bem e empregá-los responsavelmente na construção da Igreja, comunidade de Salvação” (BARRUFFO, Antonio. Carismáticos. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. 1989, p. 90-91).

279 “Cada vocação é original, é fruto da liberdade, é um acontecimento pessoal, único e incomunicável. Tem como finalidade primeira a humanização da pessoal e o serviço ao reino. [...] A pessoa é convidada a escutar e receber, colaborar com docilidade. Iniciar-se em Cristo é descobri-lo, é deixar que ele nos encontre, nos agarre incondicionalmente, é recebê-lo” (SERVIÇO DE ANIMAÇÃO VOCACIONAL. As Vocações Específicas. Disponível em: < http://www.sav.org.br>. Acesso em: 15 de mar. de 2005).

Page 78: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

77

futuro. “A liberdade humana constitui elemento fundamental para o diálogo entre Deus e o

homem, bem como para a intelecção do influxo da graça”280. O Cristianismo avançou com

relação aos gregos e aos romanos, onde tinham liberdade somente o cidadão e o homem

livre, contrapondo-se ao escravo, ao estrangeiro e ao bárbaro281.

A relação da pessoa humana com a Trindade é de liberdade: livre da escravidão do

pecado (cf. Rm 6,11), da morte (cf. Rm 6, 18-22) e da lei (cf. Gl 4,21-31). A condição é a

fé em Jesus Cristo, na sua palavra e na perseverança na mesma, porque só o Filho de Deus

pode fazer-nos livres (cf. Jo 6,13-36) e onde está o Espírito do Senhor, não há escravidão

(cf. 2 Cor 3,17). A liberdade concedida a todos os filhos de Deus dá-nos uma nova ordem:

a justiça e a pertença. “Deus é liberdade e nos criou para a liberdade. Essa é a nossa

vocação humana. O sentido da nossa vida é construir e conquistar a liberdade”282. É liberta

para viver livre (cf. Gl 5,1) e chamada à liberdade (cf. Gl 5,13). Assim constitui o novo

estado do crente, do redimido em Cristo. “São Paulo trabalhou profundamente essa

experiência de autonomia, de liberdade, de independência diante das leis e normas, em

nome da experiência da liberdade em Cristo”283.

280 GRINGS, Dadeus. A força de Deus na fraqueza do homem. 1975, p. 91. 281 “Esta atenção privilegiada dispensada à liberdade é o que diferencia o Ocidente moderno das outras

culturas e das diversas épocas do passado. Com efeito o mundo grego sentiu vivamente o valor da liberdade, mas sempre de modo redutivo [...]. Também o mundo romano, apesar de sua garantia da liberdade, não conseguiu superar esta perspectiva” (CAMPANINI, Giorgio. Liberdade cristã. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. 1989, p. 668).

282 COMBLIN, José. Vocação para a liberdade. São Paulo: Paulus, 1998, p.11. 283 LIBANIO, João Batista. Somos criados para a liberdade. Jornal de Opinião, 22 a 28 de nov. de 2004,

p.11.

Page 79: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

78

Entretanto, ela não pode representar só disposição autônoma e autodeterminação

como ensinavam os pelagianos284. Segundo eles, é desnecessário suplicar a Deus a fim de

ajudar-nos a não pecarmos e a agirmos corretamente, inclusive isso levaria à tibieza e ao

relaxamento de nossa parte. Pois, para eles, o pecado original é apenas mau exemplo que é

perfeitamente restaurado, na pessoa humana, através do bom exemplo de Cristo, obediente

ao Pai até morte redentora. O livre arbítrio é constitutivo inerente e próprio da pessoa

humana, criada à imagem e semelhança da Trindade, redimida por Cristo, e lhe permite, na

acolhida do chamado divino, plena liberdade de consentir ou negar, de tal modo que cada

agir seja sempre, totalmente, ato humano, decidido deliberadamente e, ao mesmo tempo,

ato divino. “A graça é simultaneamente o fundamento da liberdade e a condição pela qual

esta chega verdadeiramente a concretizar-se. [...] A liberdade cristã é liberdade de cunho

teológico, e não fenomenológico”285.

Essa disposição expressa a vontade humana em viver na graça, no diálogo do filho

confiante que entrega seu próprio ser ao pai286. A liberdade, por isso, é essencialmente

abertura a Deus, em Cristo, o qual disse: “A verdade vos libertará” (Jo 8,32). Nele, a

284 “Pelágio tentou reagir, com todo o vigor, à decadência da Igreja. [...] Lançou o princípio, que procurou

incutir a todo o custo nos cristãos: quem quer, pode evitar o pecado. Trata-se pois de fazer esforço, empenhar-se ativamente para renovar os costumes e melhorar de vida. Diante dos ataques e resistências, procurou uma fundamentação teológica para sua pregação ascética. Rejeitou a oração de petição. Seu resultado seria tornar-nos passivos. Não devemos esperar que Deus faça, nem sequer pedir que Ele faça por nós. Nós mesmos devemos agir. [...] Santo Agostinho levantou-se qual gigante, diante do Pelagianismo. Sustentou árdua luta, demonstrando o valor e a necessidade da graça cristã. O Concílio de Cartago, no ano de 418, definiu o que significa para os cristãos, o pecado e a graça. Pensamento central é que, sem a graça, o homem não pode viver humanamente bem” (GRINGS, Dadeus. A força de Deus na fraqueza do homem. 1975, p. 91).

285 CAMPANINI, Giorgio. Liberdade cristã. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. 1989, p. 670-671.

286 “A graça não ilumina apenas a inteligência, fornecendo-lhe a luz da revelação. Não se limita nem mesmo a mover a vontade na direção do bem e, mais especificamente, na direção da prática do duplo mandamento do amor. Ela penetra igualmente o campo dos sentimentos. [...] Assim a finalidade da graça que tem por objetivo fazer a vida divina penetrar em toda a vida pessoal, nas regiões mais obscuras do sentimento e do subconsciente humano e abri-las para a luz do alto” (GALOT, Jean. Graça. In: BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.). 2003, p. 462).

Page 80: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

79

liberdade é levada à plena possibilidade de realização287, e é alcançada verdadeiramente

como dom do Espírito Santo288, na vida da graça. O ser humano recebe de Deus um

chamado. Ele aguarda acolhida livre, pois deixa em suas mãos o rumo a seguir. Mas, a

liberdade, mesmo sendo dom é risco, implica responsabilidades de sua parte.

c) Vocações específicas

Na Igreja, povo sacerdotal, profético e régio, temos o primado do princípio comum:

a igualdade fundamental herdada com o Batismo, que constitui a todos membros do povo

de Deus. “Em segundo lugar vem a diferenciação, de acordo com a peculiaridade da

pertença de cada um na Igreja, de acordo com a vocação pessoal de cada batizado”289. A

diversidade e a pluralidade de carismas, exercidos em comunhão, é sinal de riqueza entre

os membros do Corpo Místico de Cristo. Pois, somos enviados a evangelizar em variadas

funções e de diversas maneiras. “Uns o fazem como ministros hierárquicos, outros como

leigos e outros pela vida consagrada. Todos, complementariamente, construímos o Reino

de Deus na terra”290. As vocações específicas, vida leiga, sacerdócio ministerial e vida

consagrada são desdobramento do Batismo, por isso, iguais em valor e em caminho seguro

de santidade.

287 “A liberdade humana sempre é limitada e é tanto maior quanto mais limitado ao pecado estiver o sujeito.

Acertadamente distingue Santo Agostinho, livre arbítrio, que é esta liberdade imperfeita, embora suficiente para nos fazer responsáveis por nossos atos, e liberdade propriamente dita, que existe quando nenhuma trava interior condiciona uma opção” (PEDRO, Aquilino de. Dicionário de termos religiosos e afins. 1996, p. 173).

288 “O dom do Espírito Santo muda radicalmente o coração da pessoa em sua atitude para com Deus e para com os irmãos ( Rm 8,14-17; Gl 4,4-7). Cria nela uma atitude filial de amor e de confiança para com o Pai e é fonte de liberdade cristã: a liberdade própria dos filhos de Deus” (GARCIA FERNANDES, Ciro; JARNE, Fernando Jarne. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética. 2004, p. 545).

289 HACKMANN, Geraldo Luiz Borges. Refletindo sobre a teologia do presbítero. In: CNBB. Vida e ministério dos presbíteros. 2004, p. 85.

290 CELAM. Conclusões de Puebla: evangelização no presente e no futuro da América Latina. 1987, n. 854.

Page 81: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

80

Os cristãos leigos e leigas291 constituem a maioria do povo de Deus. “Todos os

cristãos são chamados à perfeição da santidade e ao zelo apostólico pelo Reino de Deus.

Ambos estes objetivos podem ser atingidos em qualquer profissão ou situação de vida que

seja eticamente admissível”292. Por isso, são convocados e enviados a expressarem, na

sociedade secular, testemunho do Cristo Ressuscitado293.

Esse povo é concebido de forma organizada, hierárquica, constituindo-se pessoas

para apascentá-lo, as quais receberam o sacramento da Ordem, com o poder sagrado de

agir na Pessoa de Cristo Cabeça de todo o Corpo Místico294. Distinto em graus: diaconado,

presbiterado e episcopado são de instituição divina.

Para apascentar e aumentar sempre o Povo de Deus, Cristo Senhor instituiu na sua Igreja uma variedade de ministérios que tendem ao bem de todo o Corpo. Pois os ministros que são revestidos do Sagrado poder servem a seus irmãos para que todos formem o Povo de Deus e portanto gozam da verdadeira dignidade cristã, aspirando livre e ordenadamente o mesmo fim, cheguem à salvação” (LG 44).

291 “Na visão popular, comum, cotidiana, corriqueira, o termo ‘leigo’ normalamente indica alguém estranho a

um assunto. [...] Do ponto de vista filológico, a palavra ‘laikós’ provem de laos. Tanto no grego profano como na tradução grega do Antigo Testamento, a Septuaginta, o significado é massa, ou seja, multidão, agregado social, aglomeração de gente. A isto acrescenta-se uma constatação bastante pejorativa. [...] Essa mentalidade negativa em torno da vocação e da missão do leigo pode ser superada com a constatação de que o próprio termo ‘leigo’ é tardio. Os estudos feitos demonstram que a palavra ‘laikós’ rarissimamente é encontrada nos autores cristãos anteriores ao século III. [...] Aos poucos, por razões diversas, especialmente por influência da filosofia platônica, a missão vai sendo concentrada nas mãos do clero” (OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Nossa resposta ao amor: teologia das vocações específicas. 2001, p. 56). “A Exortação Apostólica pós-sinodal Chistifideles laici, do Papa João Paulo II, sobre a vocação e a missão dos fiéis leigos na Igreja e no mundo, de 1989, evita com cuidado o emprego substantivado do vocábulo ‘leigo’, e usa sistematicamente a expressão Christifidelis. O latim tem a vantagem de poder unir duas palavras em uma. O substantivo ‘Chistifidelis’ vem de dois vocábulos: Christi e fideles (‘fideles’ é plural de ‘fidelis’ = o fiel) e significa literalmente: fiéis em Cristo. [...] O fiel leigo é definido pela novidade cristã comunicada mediante o sacramento do Batismo [...]. Ainda em virtude desse mesmo Sacramento, o fiel leigo, agora ‘cristão’, participa do múnus sacerdotal, profético e real de Jesus Cristo” KLOPPENBURG, Boaventura. O protagonismo dos fiéis leigos. Teocomunicação. Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 35, n. 148, jun. 2005, p. 261-262).

292 RULLA, L. M. Psicologia do profundo e vocação: a pessoa. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 23. 293 “Todos juntos e cada um na medida das suas possibilidades devem alimentar o mundo com frutos

espirituais (cf. Gl 5,22). Devem difundir no mundo aquele espírito pelo qual são animados os pobres, os mansos e os pacíficos que o Senhor no Evangelho proclamou Bem-aventurados (cf. Mt 5,3-9). Numa palavra, o que a alma é no corpo, isto sejam no mundo os cristãos” (LG 38).

294 “Em Cristo, todo o seu Corpo Místico está unido ao Pai pelo Espírito Santo, para a salvação de todos os homens. [...] Portanto, o sacerdócio ministerial torna tangível a ação própria de Cristo Cabeça, e testemunha que Cristo não se afastou da sua Igreja, mas continua a vivificá-la com seu sacerdócio perene” (CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório para o ministério e a vida do presbítero. 1994, n. 1).

Page 82: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

81

Após o Concílio Vaticano II, houve um despertar da vocação específica ao

diaconato permanente, o qual possibilita a homens celibatários e casados exercerem,

embora não plenamente, o sacramento da Ordem295. É, também, uma opção para quem

sente o chamado ao ministério ordenado sem, necessariamente, vincular-se ao carisma do

celibato.

Não como opção intermediária entre sacerdócio ministerial e vida leiga, mas

possuindo carisma específico e chamado peculiar, aquele ou aquela que assume a Vida

Consagrada, arraigado nos três conselhos evangélicos de pobreza, obediência e castidade,

se entrega “todo ele a Deus sumamente amado, de tal modo que por um novo e peculiar

título é ordenado ao serviço de Deus e a Sua honra” (LG 44). É sinal escatológico do reino

de Deus, pois, imita e “[...] representa continuamente na Igreja aquela forma de vida que o

Filho de Deus assumiu ao entrar no mundo para fazer a vontade do Pai e propôs aos

discípulos que o seguiam” (LG 44). Com longa tradição na Igreja, ela, semelhante a uma

“árvore frondosa” (LG 43), ramificou-se: Vida Monástica no Oriente e no Ocidente;

Ordem das Virgens; os Eremitas; as Viúvas; Institutos inteiramente dedicados à

Contemplação; Vida Religiosa Apostólica; Institutos Seculares; Sociedades de Vida

Apostólicas. “A perene juventude da Igreja continua a manifestar-se também hoje: nos

últimos decênios depois do Concílio Ecumênico Vaticano II, apareceram formas novas ou

renovadas da Vida Consagrada” (VC 12). Ela é uma peculiar e radical maneira de viver o

Batismo.

295 “O diaconato permanente é o 1º grau do sacramento da Ordem. É de instituição divino-apostólica. É um

grau próprio e permanente da hierarquia da Igreja. [...] É ‘ministério de fronteira’. Exercido por homens celibatários e casados, o diaconato permanente harmoniza e enriquece a Igreja, mediante estas duas profecias: o celibato e o matrimônio; um e outro são dons de Deus, pois, como disse o Apóstolo, ‘cada um recebe de Deus o seu dom particular: um, deste modo (no celibato); outro, daquele modo’ (no matrimônio) (1 Cor 7,7)” (BRUNETTI, Aury Azelio. Diaconato permanente: visão histórica e situação atual. São Paulo: Paulinas, 1986, p. 94-95).

Page 83: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

82

Na tradição da Igreja, a profissão Religiosa é considerada como um singular e fecundo aprofundamento da consagração batismal, visto que nela a união íntima com Cristo, já inaugurada no Batismo, evolui para o dom de uma conformação expressa e realizada mais perfeitamente, através da profissão dos Conselhos Evangélicos. Todavia esta nova consagração reveste uma sua peculiaridade relativamente à primeira, da qual não é uma conseqüência necessária. Na verdade, todo aquele que foi regenerado em Cristo é chamado a viver, pela força que lhe vem do dom do Espírito, a castidade própria do seu estado de vida, a obediência a Deus e a Igreja, e um razoável desapego dos bens materiais, porque todos são chamados à santidade, que consiste na perfeição da caridade. Mas o Batismo por si mesmo, não comporta o chamado ao celibato ou à virgindade, a renúncia à posse dos bens, e a obediência a um superior, na forma exigida pelos conselhos evangélicos. Portanto, a profissão destes últimos supõe um dom particular de Deus não concedido a todos como Jesus mesmo sublinha no caso do celibato voluntário (cf. Mt 19,10-12) (VC 30).

Naquilo que é comum a todos ou no peculiar de cada membro, o sacramento do

Batismo “gera a unidade da dignidade e fomenta as legítimas diversidades. [...] Ajuda-nos

a perceber que todas as pessoas batizadas são chamadas por Deus e enviadas em

missão”296. A escolha do estado de vida que realize plenamente quem acolhe o chamado, já

que em todos a santidade é possível, exige discernimento profundo, concebido sob ação da

graça divina na liberdade humana297.

296 OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. A vocação batismal: fonte da comum dignidade e da legítima

diversidade. Vida Pastoral, jan. fev. 2003 , p. 6. 297 “O modo é que está em discussão, não a essência do chamado. Na escolha do meio nunca terei a certeza

absoluta da fé, como no chamado fundamental. Só terei certeza humana, falível, de minha escolha livre. É por isso que posso errar na escolha do modo, porém nunca na escolha do substancial. E no momento da escolha, seria conveniente conscientizar o candidato da sua responsabilidade ao fazer sua opção por aquela forma de vida. O namoro da forma de viver a vida precisa ser lento e sério para evitar frustrações posteriores” (BAQUERO, Victoriano. Tenho vocação?: orientações metodológicas. São Paulo: Paulinas, 1996, p.14).

Page 84: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

83

3 DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E FORMAÇÃO PRESBITERAL

A formação presbiteral é um campo vastíssimo e abrangente, em suas várias

dimensões. O objetivo é direcionar o foco para a difícil tarefa do discernimento vocacional,

a partir do que se compreende sobre Teologia da Vocação na Lumen Gentium, no que diz

respeito ao chamado de todos à santidade de vida e a igualdade na dignidade, e no tripé:

formador, casa de formação e formando. No momento do agir, apresentaremos propostas

práticas, oriundas de várias experiências de quem exerce esse ministério, bem como das

orientações eclesiais atuais. Temos inúmeras maneiras de concretizar a formação no Brasil

e é nossa intenção valorizá-las, por isso, não faremos distinção na terminologia, ou seja,

seminarista, pode ser entendido como formando ou vocacionado; seminário, às vezes, é

designado como casa de formação ou comunidade formativa.

Page 85: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

84

3.1 O FORMADOR: PEDAGOGO E ACOMPANHANTE

Ele é elemento essencial na arte de plasmar pastores para o povo de Deus298.

Todavia, o formador, detentor de carismas ao ministério, deve possuir características

próprias e utilizar pedagogias adequadas ao momento atual: histórico e eclesiológico. Não

deve ser unicamente educador ou um professor bem preparado, mas aquele que

acompanha.

A arte de acompanhar é “[...] uma postura, um modo de localizar-se diante do

outro. A postura do ensino é uma postura de superior; a do acompanhante é muito mais a

de estar ao lado”299. Etimologicamente, a denominação formador vem de formar. “A

palavra formar esconde dentro de si forma ou, se quisermos, o termo mais forte ainda

fôrma”300; ou seja, é conveniente mudar a expressão nominal, mas não só. É preciso,

também, rever posturas e paradigmas, a fim de que se possa exercer o ministério formativo

eficazmente no acompanhamento de jovens seminaristas, especialmente, na ajuda efetiva

ao discernimento antes de assumir a vocação presbiteral301.

Na convivência e, de modo particular, na fecundidade duma relação dialogal, seu

ministério de ouvinte e facilitador concretizam-se. “O diálogo é um meio único para ajudar

298 “Muitas experiências que consideravam dispensável a sua presença durante o caminho formativo,

chegaram a conclusões desastrosas” (MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. Curitiba: Vicentina, 2003, p.185).

299 CAZAROTTO, José Luiz. Psicologia do Acompanhamento Espiritual. Vida Pastoral, jan. fev. 2005, p. 3. 300 LIBANIO, João Batista. A Arte de Formar-se. São Paulo: Loyola, 2004, p.11. 301 “O formando tem uma urgente necessidade de ser ajudado a constantemente discernir sua vocação.

Discernir a vocação significa ver com maior clareza possível entre as coisas que não estão claras, o que está de acordo com a vontade de Deus e o que não está” (FINKLER, Pedro. O formador e a formação. São Paulo: Paulinas, 1990, p. 39).

Page 86: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

85

jovem no discernimento vocacional; portanto é necessária da parte do formador abertura

interior, uma disponibilidade constante e total”302.

a) Carisma próprio

Se a vocação específica, qualquer uma, traz no bojo a missão da santidade assumida

a partir de carismas inerentes à pessoa que opta, o formador, igualmente, necessita dessa

condição ao ser designado a esse ministério tão importante na Igreja303. Aquele que vai

ajudar a discernir deve possuir dom, talento para esta arte. Experiência e espírito de

liderança, bem como, adequado preparo do próprio formador são necessárias. “Mas o

resultado desse desenvolvimento depende também de alguns dons naturais. [...] Além de

todos os conhecimentos científicos e culturais, há sempre algo de uma arte. Da mesma

forma que o artista, também o verdadeiro educador-formador nasce”304.

A existência do carisma faz com que inexista o carreirismo, a má vontade, a

indiferença, a irresponsabilidade, a frieza e outras características comuns naquele que

exerce esse ministério vital simplesmente por obediência. “O formador como animador é

chamado de um certo modo a desaparecer, a não ser notado, a não ser o centro, mas ser

aquele que desperta a centralização da formação, ou seja, forma à luz do Bom Pastor”305. É

necessário àquele que trabalha na formação carisma para esse ministério306.

302 MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p.

139. 303 Todavia: “[...] faltam critérios mais sérios para a escolha de formadores. Está se tornando muito comum o

fato de o formando passar, logo após a ordenação, ou até antes, à condição de formador” (CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p.121).

304 FINKLER, Pedro. O formador e a formação. 1990, p. 25. 305 MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p.

182. 306 “Deve ter vocação para este serviço, gostando do seu ministério de formador” (CNBB. Metodologia do

processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 124).

Page 87: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

86

b) Ministério a serviço do povo de Deus

A formação autêntica é um ministério eclesial, exercido no espírito do Concílio

Ecumênico Vaticano II307. O povo de Deus é a imagem conciliar da Igreja por excelência.

Embora não esteja cotidianamente com o povo de Deus, é a seu serviço que o formador

exerce esse ministério de plasmar pastores. “Toda a formação presbiteral tem esse

objetivo; portanto toda a animação deve ter como ponto de referência formar os futuros

sacerdotes a dar a própria vida, como fez Cristo, Bom Pastor”308.

Quando falta a espiritualidade de comunhão e a práxis de Igreja povo de Deus, corre-se o risco de formar presbíteros carreiristas, elitistas, autoritários, pouco identificados com as ânsias e os sofrimentos das pessoas da comunidade. Teremos aquilo que Libanio chama de ‘clero do altar’, ou seja, ‘dos sacramentos, das celebrações, da organização paroquial, bem diferenciado em sua visibilidade, do que a presença discreta, do diálogo, da animação, da conversa confidencial, da orientação espiritual, da palavra profética’. [...] Sem isso, termos, sim, muitas ‘vocações’, mas voltadas para a realização pessoal, confundindo a vocação presbiteral com profissão309.

Por isso, projetos pessoais, pontos de vista, concepções particulares, preconceitos

eclesiológicos e experiências formativas oriundas duma formação que não suscita pastores,

é inadequada310. O formador deve desempenhar seu trabalho, primeiramente, tendo em

vista formar pastores para o povo de Deus.

307 “O primeiro desafio da formação hoje é, parece-me, levar a sério o Concílio. Antes de sonhar com o

Vaticano III, ou de ceder à tentação de voltar ao Vaticano I, realizemos o Vaticano II” (ANTONIAZZI, Alberto. A Formação Presbiteral no contexto atual. In: CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 32).

308 MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p. 181.

309 OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Olhar prospectivo sobre a formação presbiteral. In: CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p.180.

310 “Na ausência da Igreja povo de Deus, o seminário tornar-se-á instituição total, seguindo rigorosamente as normas canônicas, visando apenas a formar ‘profissionais’ que preencham os vazios das necessidades pastorais. [...] As comunidades, especialmente as mais pobres, pagarão o preço amargo deste tipo de formação. A caridade pastoral de Jesus deixará de ser critério fundamental, princípio e força do ministério do presbítero. Passará a valer o tradicional e o arcaico, os pormenores das vestes sacerdotais, o recurso teatral e a sofisticação do marketing. ‘O sacerdote do encontro pessoal com os fiéis, do convívio inserido no meio do povo, da vida simples e igual a seus irmãos será minoritário e menos prestigiado. Gozará de pouca legitimação. Estará fadado a desaparecer, se não conseguir unir-se’ ao clero de ‘batina prateada’. Sumirá da Igreja o presbítero no estilo de Jesus Cristo” (idem, p. 178-179).

Page 88: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

87

c) Competência profissional

As qualidades pessoais, somente, e carismas recebidos não são suficientes a uma

estrutura humana capaz de desempenhar, adequadamente, o ministério da formação

presbiteral. “Se o formador não viver num processo permanente de atualização, corre-se o

risco de perder-se na caminhada”311. Para exercer esse ofício, tem de manifestar “[...] a

disponibilidade e o interesse por se formar em todos os níveis: humano, científico,

espiritual...”312. Hoje, mais do que antes, não basta boa vontade. É imprescindível àquele

que se dedica ao ministério formativo “[...] inteligência forte, não no sentido coeficiente,

mas de uma inteligência como inquietação, desejo de profundidade, vontade de

compreender, como curiosidade, como capacidade de admirar-se e busca para encontrar a

resposta aos problemas da vida”313. Não se deve parar no tempo e no espaço, utilizando

apenas velhas e úteis experiências. É necessário ser competente e atualizado.

d) Empatia nas relações

A eficácia exige que o formador participe da vida dos jovens acompanhados, no

cotidiano, na informalidade, nas relações desarmadas e espontâneas. Deve estar presente

“[...] nos momentos da vida de seminário em que é possível conhecer mais o seminarista

(confraternizações, esporte, trabalho...)”314. A proximidade empática, vivida nos inúmeros

momentos informais da casa de formação, possibilitará ao acompanhante conhecer melhor

311 CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 122. 312 FINKLER, Pedro. O formador e a formação. 1990, p. 25. 313 MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p.

187. 314 CNBB. op. cit., p. 130.

Page 89: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

88

os formandos. Só assim os compreenderá, de fato, para ajudá-los de forma efetiva no

discernimento315.

e) Capacidade para trabalhar em equipe

Formação presbiteral, abrangente e eficaz, tem sua fonte numa equipe coesa e bem

preparada, na qual cada um tem sua função formativa. “Há situações em que se nota a

presença de dois ou três presbíteros que ‘moram’ no seminário. Mas isso é bem diferente

de um trabalho em equipe”316. Deve existir convivência solidária, oração conjunta,

reuniões de avaliação e planejamento, momentos de lazer, cultivo de amizades no grupo,

apoio mútuo, partilha de vida, interfortalecimento, enriquecimento formativo, “[...]

complementaridade dos dons e tarefas de cada um de seus membros num espírito de

comunhão fraterna, sendo sinal da comunhão que Cristo viveu com seus discípulos”317.

Sem a capacidade de trabalhar em equipe, o formador facilmente reduz os métodos, as

conclusões e as referências a si mesmo ou às suas experiências formativas, não raramente

anacrônicas e inadequadas.

315 “Esta é uma atitude muito importante do formador, porque tantas vezes existe o perigo de julgar o outro,

sem entendê-lo. A capacidade de viver a empatia deveria estar presente em cada formador, mesmo se tantos dizem que para a mulher é mais fácil que para um homem. Apesar disso, não há dúvida que isto é também fruto de exercícios, de observações constantes, de avaliações sobre si mesmo no modo de escutar e de compreender o outro. Dois aspectos poderiam ajudar a afinar a compreensão empática: o modo de perceber a realidade do outro, e isto a tal ponto de entrar no próprio quadro ideológico da pessoa, e de outro lado exige o componente afetivo, no sentido de não escutar a pessoa somente com o intelecto, ou seja, somente as situações objetivas que vêm expostas, mas com o sentimento, com o coração, para compreendê-la a fundo” (MARMILICZ, André. O ambiente educativo dos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p.194).

316 OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Nossa resposta ao amor: teologia das vocações específicas. 2001, p. 168.

317 CNBB. Formação dos presbíteros da Igreja no Brasil: diretrizes básicas. 1995, n. 90.

Page 90: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

89

f) Afetivamente maduro

Maturidade emocional, equilíbrio afetivo e integridade sexual são características

indispensáveis na constituição humana do formador318. A liberdade ao discernir fica

perigosamente condicionada, pois, aflui um predomínio “[...] inconsciente inevitável da

disposição íntima do formador sobre o formando, que passa a sofrer uma pressão sobre sua

formação, ainda que inconsciente, da personalidade do formador, talvez mais forte e

decisiva que os incentivos pedagógicos formais”319. Além do mais, ser afetivamente

maduro o torna capaz de trabalhar em equipe, o faz apto a uma empatia saudável com os

formandos, a fim de empregar o indispensável instrumento formativo: o amor gratuito,

imparcial e desinteressado. “Quando amo com condições, quero dirigir, conduzir, porque

tenho interesses. Isto não ajuda o outro a crescer, a descobrir-se, a ser ele mesmo. Amar de

maneira incondicional exige um bom nível de segurança afetiva”320.

g) Pessoa mística

Ao acompanhar, o formador precisa ser um mistagogo: ajudar o formando a

compreender os projetos de Deus, especialmente com relação à sua vocação específica. É

conveniente que sua pedagogia se iguale à mistagogia vocacional 321. Para isso, ele precisa

cultivar vida de oração profunda e pessoal. Sua presença tem de ser paradigmática, pois,

“[...] o processo formativo passa muito mais pelo testemunho do formador do que por pura

318 “Ser um homem afetivamente maduro representa um aspecto de particular importância, porque a vida

afetiva conturbada, conflitual do formador, será um sério obstáculo para o crescimento do formando” (MARMILICZ, André. O ambiente educativo dos seminários maiores do Brasil: 2003, p. 191).

319 FINKLER, Pedro. O formador e a formação. 1990, p. 29. 320 MARMILICZ, André. op. cit., p. 192. 321 “[...] uma autêntica mistagogia, isto é, como um guia de orientação para o mistério: para o mistério da

vida e da identidade, para o mistério da fé e da vocação” (CENCINI, Amadeo. A História Pessoal, Morada do Mistério: indicações para o discernimento vocacional. 1999, p. 3).

Page 91: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

90

e simples atividade com os jovens seminaristas”322. Ele ensina com sua vida orante que:

“Aprender a discernir é saber, é conhecer na insegurança contínua de que está a dialogar

com o Mistério e nunca tem certeza clara de sua transparência”323. O Mestre, Jesus de

Nazaré, não apenas ensinava os discípulos a rezarem, ele deu exemplo de vida mística

(cf. Lc 6,12). “O esforço pedagógico do formador resultará mais ou menos estéril, se não

conseguir sensibilizar o formando para uma verdadeira disponibilidade para a graça”324. E

isso não acontece sem vivência espiritual sólida e constante do formador.

h) O desafio do acompanhamento individual

O formador, cada vez mais, tem de dispor-se a ser um acompanhante, um

pedagogo. “A relação formador-formando tem como objetivo principal a ajudar o jovem

candidato no discernimento da sua vocação [...] através de um acompanhamento pessoal

chegar a tomar a decisão certa para a sua vida”325. Ou seja, é necessário que o formador

caminhe junto nas situações concretas, acompanhe todos os passos que são dados. “Não

tanto que ensine uma técnica, mas permita a presença das questões centrais da vida. [...] O

sentido da palavra acompanhar é comer o pão com alguém”326. Não simplesmente alguém

de fora, ausente, não vive o cotidiano, não convive com os problemas do dia-a-dia da casa

de formação. “Se o objetivo final da animação no seminário é formar à luz de Cristo,

Bom Pastor, parece claro que a presença constante do formador é indispensável”327.

322 CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 130-131. 323 LIBANIO, João batista. A Arte de Formar-se. 2004, p. 113. 324 FINKLER, Pedro. O formador e a formação. 1990, p. 131. 325 MARMILICZ, André. O ambiente educativo dos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p.

138-139. 326 CAZAROTTO, José Luiz. Vida Pastoral, jan. fev. 2005, p. 3. 327 MARMILICZ, André. O ambiente educativo dos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p. 182.

Page 92: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

91

Equilibrando presença e ausência, proximidade e distância. Próximo para compreendê-los

e transmitir-lhes segurança, distante a fim de não tirar-lhes a autonomia e o

protagonismo328.

A presença na vida comunitária e o amor incondicional e imparcial são

fundamentais. Todavia, o acompanhamento deverá ser e com prioridade, personalizado329.

“Não basta pensar e realizar atividades comunitárias, em grupo. A formação é atividade

que envolve pessoas singulares, únicas. Assim sendo, ou ela é pessoal, de pessoa para

pessoa, ou então nunca existirá”330. Os jovens que ingressam nas casas de formação

emergem da sociedade contemporânea331. Trazem marcas culturais: “Nas últimas décadas

houve uma inversão e a realidade urbana passou a ser a determinante, penetrando,

inclusive, porosamente no campo”332. Além de experiências religiosas diversas,

motivações vocacionais incipientes, vivência familiar insatisfatória ou marcadamente

negativa, influências da modernidade e/ou pós-modernidade. “Este acompanhamento

personalizado torna-se mais urgente quando nos damos conta das profundas e rápidas

mudanças pelas quais o mundo de hoje passa. São muitas as lacunas trazidas pelos jovens.

Não por culpa deles, mas pela complexidade da atual conjuntura”333. Com a mudança de

perfil do vocacionado, faz-se necessário adequar a pedagogia formativa.

328 “Deverão ser evitadas duas atitudes opostas: a rigidez, que afasta a pessoa e provoca nela a frustração, e o

exagero – baseado talvez num zelo excessivo – para além dos limites que impõe o ministério sacerdotal e que requer a dignidade e a liberdade do dirigido” (MERCATALI, Andréa. Padre espiritual (diretor). In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. 1989, p. 877).

329 Cf. BALDISSERA, Deolino P. Acompanhamento personalizado: guia para formadores. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 11-82.

330 OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Nossa resposta ao amor: teologia das vocações específicas. 2001, p. 171.

331 “De fato nossos jovens na sua grande maioria atingidos pela pós-modernidade, são desprovidos de força de vontade e têm dificuldade para abraçar as necessárias renúncias exigidas pelo seguimento de Jesus e pela vocação presbiteral” (idem, p. 120).

332 CENTRO DE ESTATÍSTICA RELIGIOSA E INVESTIGAÇÕES SOCIAIS. Desafios do Catolicismo na Cidade: pesquisa em regiões metropolitanas brasileiras. 2002, p. 11.

333 OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Olhar prospectivo sobre a formação presbiteral. In: CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 172.

Page 93: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

92

Ter acesso à história vocacional, conhecer a comunidade de origem, visitar a

família, estar ao lado em momentos informais e espontâneos tornam a presença efetiva e

afetiva. Abrir-se para auscultar, não apenas a voz do formando, mas seus sentimentos que

muitas vezes permanecem implícitos. “Acompanhar é acolher, é escutar; acompanhar é

participar da – estar presente na – busca ou desvelamento de um sentido naquilo que se

vive ou procura; acompanhar é caminhar ao lado para confirmar diante do novo”334.

Quando professor ou responsável por serviços paroquiais ou diocesanos, o formador deve

priorizar o ministério de acompanhante dos formandos. “Precisamos insistir no princípio

de que o formador deve ser liberado só para a formação, ainda que conte com a ajuda de

equipe de formadores335.

O formador não deve decidir pelo formando336. Contudo, somente na presença

cotidiana e atenta, tornar-se-á um facilitador de seu discernimento. “Em tudo isso devemos

ser claros no sentido de que o formador é apenas um facilitador, mas não aquele que

deverá tomar a decisão final. Facilitar é ajudar o jovem a perceber os caminhos do Senhor,

e no fim decidir se aquilo que sente é a vontade de Deus a seu respeito”337.

334 CAZAROTTO, José Luiz. Vida Pastoral, jan. fev. 2005, p. 8. 335 CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 130-131. 336 “Obviamente, o primeiro responsável e o autor principal do discernimento da vocação é o próprio

candidato, o qual não pode de modo algum chegar à profissão religiosa e galgar a ordenação enquanto não estiver alcançado a certeza moral de ser chamado. Essa certeza pode ser adquirida com a ajuda de outra pessoa, mas de toda forma deve ser conquistada pelo próprio indivíduo que não pode, de modo algum, confiar unicamente na opinião alheia” (PIGNA, Arnaldo. Vocação: teologia e discernimento. São Paulo: Loyola, 1989, p. 152).

337 MARMILICZ, André. O ambiente educativo dos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p. 139.

Page 94: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

93

3.2 A CASA DE FORMAÇÃO: COMUNIDADE PEDAGÓGICA

Formadores, que gozem das qualidades elencadas, unidos à equipe formativa

interdisciplinar, devem construir e animar uma comunidade envolta num clima favorável

para o jovem seminarista discernir-se vocacionalmente338.

A casa de formação deve propiciar estrutura humana e espiritual, a fim de plasmar

uma cultura de discernimento nas relações experienciadas internamente; “[...] longe de se

reduzir à convivência de um simples grupo de amigos, tem como ideal a realização daquela

comunhão fraterna que é, ao mesmo tempo, sinal e fruto da comunhão com Deus, no Filho,

pelo Espírito”339. A pedagogia formativa decorrerá dessa mística. “Se o ambiente é sadio,

bem orientado, vivo, a ação dos educadores é ajudada, acompanhada tornando-se eficaz

pouco a pouco; se o ambiente ‘não sustenta’, a ação dos responsáveis resulta enfraquecida

e destinada à ineficácia”340.

O contexto vivencial-formativo é primordial ao buscar-se clareza na acolhida do

chamado, desvelada num ambiente propício ao discernimento. “E é o fim específico a

determinar-lhe a fisionomia, ou seja, o acompanhamento vocacional dos futuros sacerdotes

e, portanto, o discernimento de sua vocação, a ajuda para lhe corresponder e a preparação

para receber o sacramento da Ordem [...]” (PDV 61).

338 “Por sua vez, e sobretudo, em nossos dias, o seminário, evitando ‘saudosismos’, superando a idéia de

instituição total, no alargamento de suas fronteiras, em permanente diálogo coma realidade, mais do que lugar geográfico, define-se pelo seu processo educativo, organiza-se em dinâmica de comunhão e participação, torna-se, cada vez mais, escola do evangelho (PDV 42)” (MENDES, Vitor Hugo. 1º Seminário nacional sobre formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 12).

339 CNBB. Formação dos presbíteros da Igreja no Brasil: diretrizes básicas. 1995, n. 104. 340 MARMILICZ, André. O ambiente educativo dos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p. 94.

Page 95: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

94

a) Ambiente de oração e silêncio

É Deus quem chama. Por isso, a comunidade formativa tem de propiciar atmosfera

de comunhão trinitária, na experiência profunda de Deus; cultivada no silêncio fértil e na

oração que é “[...] encontro vivo e pessoal com o Pai pelo Filho unigênito e sob a ação do

Espírito Santo, um diálogo que se faz participação do colóquio filial que Jesus tem com o

Pai” (PDV 47). Ou seja, de forma individual e comunitária, deve-se criar ambiente orante,

“[...] uma continuação, na Igreja, da mesma comunidade apostólica reunida em volta de

Jesus, escutando a sua palavra, caminhando para a experiência da Páscoa, esperando o dom

do espírito para a missão” (PDV 60).

Não há autêntico discernimento sem a escuta amorosa daquele que chama,

especialmente através de sua Palavra. A comunidade formativa tem de propiciar, no

incentivo e na própria programação interna da casa, a Lectio Divina, a leitura orante e

meditada da Palavra de Deus, onde com humildade e amor, escuta-se o autor do chamado.

“É de fato, à luz e pela força da Palavra de Deus, que pode ser descoberta, compreendida,

amada e seguida a própria vocação e levada a cabo a própria missão [...]” (PDV 47).

A Palavra conduz, conseqüentemente, à liturgia e à vida sacramental da

comunidade341. A Eucaristia cotidiana, a adoração eucarística freqüente, a celebração

periódica do Sacramento da Reconciliação, a vivência duma autêntica espiritualidade

mariana; isso unido a um gradativo aprendizado e exercício da Liturgia das Horas, “[...]

que se deve tornar, desde o tempo de formação, a estrutura que sustenta e vivifica a oração

pessoal e comunitária do padre, em união com a oração de toda a Igreja”342, produzirá na

casa de formação um clima espiritual, na qual a vida da graça é alimentada e, assim, torna-

341 “A oração litúrgica, obra de Deus e da Igreja, é dominada e dirigida pelo louvor total e gratuito da Igreja,

é comunhão com a obra criadora e redentora de Deus Pai, por Cristo, na força e no poder do Espírito Santo” (KUNRATH. Pedro Alberto. Trindade-Eucaristia-Igreja: o Mistério da Comunhão nos escritos da Max Thurian e Jean-Marie Roger Tillard. 1999, p. 63).

342 CNBB. Formação dos presbíteros na Igreja do Brasil: diretrizes básicas. 1995, n. 128.

Page 96: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

95

se possível o acesso, com clareza, à vontade do Pai, pelo Filho, no Espírito Santo. “A vida

do Espírito é como uma semente que precisa de terreno fértil para crescer. Este terreno

fértil inclui não só uma boa disposição interior, mas também um ambiente favorável”343.

O pelagianismo, vivaz atualmente, senão em teoria, no método, permeia a

sociedade em geral e nossos ambientes formativos. O homem aprendeu a confiar,

basicamente, em seu potencial e isso gera a convicção de que suas forças humanas

arrombarão a porta desveladora. Contudo, a chave reveladora é o silêncio repleto da

presença de Deus, cultivado de maneira sistemática e profunda344. Ele torna possível a

comunhão humano-divina, na qual aquele que pergunta mergulha, não na resposta, mas no

próprio autor do chamado. “Num silêncio profundo e criativo encontramos Deus de

maneira que transcende todas as nossas potências do intelecto e da linguagem”345. A

comunidade formativa ajudará eficazmente no discernimento, quando instituir pedagogia

“[...] para o valor religioso do silêncio, qual atmosfera espiritual indispensável para se

perceber a presença de Deus e para se deixar conquistar por ela (cf. 1 Rs 19,11-14)” (PDV

47).

Deve-se propiciar momentos de retiros, vigílias, desertos, exercícios espirituais,

práticas de piedade popular346. Bem como, uma autêntica vivência comunitária de oração,

no espírito de ascese, esforço, seguimento, caminhada e peregrinar. “Na escola da oração

cristã que há de durar por toda a nossa vida, encontramos não poucas dificuldades. O

caminho do cristão passa inevitavelmente pela cruz. Não há vida de união com Deus sem

343 NOUWEN, Henri. Mosaicos do presente: a vida no espírito. São Paulo: Paulinas, 1998, p. 90. 344 “O silêncio guarda o calor interior das emoções religiosas. Esse calor interior é a vida do Espírito Santo

dentro de nós. Assim, o silêncio é a disciplina pela qual o fogo interior de Deus é cultivado e mantido aceso” (NOUWEN, Henri. A Espiritualidade do deserto e o ministério contemporâneo: o caminho da coração. São Paulo: Loyola, 2001, p. 47-48).

345 MAIN, John. A Palavra que leva ao silêncio. São Paulo: Paulus, 2003, p. 22. 346 Cf. CNBB. Formação dos presbíteros da Igreja no Brasil: diretrizes básicas. 1995, n. 137.

Page 97: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

96

renúncia e sem combate espiritual”347. A clareza da acolhida pessoal surgirá na intimidade

com aquele que chama, através da oração pessoal, da escuta e meditação da Palavra e no

silêncio fecundo, propiciado cotidianamente na casa de formação.

b) Austeridade de vida e inserção pastoral

A ascese cristã ensina-nos o seguinte: “A mística da ‘união divina’ não combina

com frouxidão, mediocridade e lerdeza; não se encontra em pessoas que se contentam com

o mínimo e que são afetadas, amaneiradas e lânguidas”348. Por isso, o formando deve ser

desafiado com a inserção pastoral no meio do povo de Deus. “Toda a formação dos

candidatos ao sacerdócio é destinada a dispô-los de modo particular para comungar da

caridade de Cristo, Bom Pastor” (PDV 57). A fim de que, no exercício real do pastoreio,

possa discernir349. Sua atividade pastoral, iluminada pelo saber teológico, deve abarcar

vasto e diverso campo de atuação. Porém, o serviço aos empobrecidos350 tem de ocupar

lugar privilegiado e intransferível em sua formação presbiteral351.

A maneira de viver e apresentar-se dos formadores e formandos, bem como o

espaço formativo, deve ser despojado, sóbrio e austero. “Em tudo – habitação, meios de

347 KLOPPENBURG, Boaventura. Abba: Papai: Deus Padre Eterno. Petrópolis: Vozes, 1999, p. 134. 348 OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Na órbita de Deus: espiritualidade do animador e da animadora

vocacional. São Paulo: Loyola, 2004, p. 58. 349 “No chão pastoral está o humus que torna fecunda a vida e o ministério dos presbíteros, porque é no

terreno do encontro com os outros que reside a condição elementar para superação de qualquer crise” (BRASIL, Antonio Reges. O presbítero na Igreja e a crise da dimensão sacerdotal do ministério segundo “Théologie du Sacerdoce” de Gustave Martelet, SJ. 2000, p. 74).

350 “Os corpos dos pobres são critérios de discernimento de toda ética e moral, de qualquer lei e estabelecimento de ordem” (HOFSTÄTTER, Leandro Otto, A concepção do pecado na teologia da libertação. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2003, p. 61).

351 “A opção preferencial pelos pobres não por isso apenas uma questão pastoral e uma perspectiva de reflexão teológica; ela é, também, e em primeiro lugar, uma caminhada espiritual no sentido forte da expressão” (GUTIÉRREZ, Gustavo. Onde dormirão os pobres. São Paulo: Paulus, 2003, p. 16).

Page 98: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

97

transporte, férias etc. – o presbítero elimine todo o tipo de requinte e luxo. [...] abraçando

assim a pobreza voluntária, para seguir mais de perto a Cristo”352. Aproximando-os do

povo simples e pobre. Evitando-se escândalos sociais, como aburguesamento, ostentação e

opulência353.

A comunidade deve ajudar o formando a optar, radical e evangelicamente, pelo

chamado a ser pastor, “[...] de modo que o seminarista se prepare a ser um padre simples e

humilde, acolhedor e fraterno”354. Evitando motivações ilusórias como aplausos, status,

vantagens, benefícios, lucros e outros, facilmente criados num ambiente que leva, muitas

vezes de maneira sutil, a conceber-se especial, notável ou fora do comum. Chamado a uma

vocação superior às demais, por isso, merecedor de privilégios ou predestinado a coisas

maiores. Se os estímulos são exteriores equivoca-se, perigosamente, “[...] confundindo a

vocação presbiteral com profissão”355. Dentre os exemplos de presbíteros encontrados

pelos formandos na prática pastoral, nos finais de semana, nas férias ou nos estágios,

tradicionalista, especialista, light, midiático356, administrador, “o padre-pastor, que talvez

seja o modelo mais comum, o que se encontra mais freqüentemente nos ENPs, mais

352 TERRA, João Evangelista Martins. A vida e o ministério do padre. Revista de Cultura Bíblica, 1996,

p. 39. 353 “A pobreza evangélica, no seguimento de Jesus, é, hoje, um sinal particularmente forte do Evangelho e da

opção preferencial da Igreja na América Latina pelos pobres (SD 178b; 296). Aprendam, portanto, os seminaristas a viver na simplicidade, na austeridade mesmo, na partilha fraterna de seus bens materiais e espirituais. Estimulem-se práticas de partilha de recursos financeiros, mesmo pequenos, que preparem a viver a comunhão de bens também no presbitério. [...] Assumam com prioridade o anúncio do Evangelho a todos, mas muito especialmente aos mais empobrecidos (operários, camponeses, indígenas, grupos afro-americanos, marginalizados, incluindo a promoção e defesa de sua dignidade humana (DP 711), e reconhecendo o rosto sofredor de Cristo nos menores, nos doentes, nos velhos e em todos os empobrecidos (SD 178)” (CNBB. Formação dos presbíteros da Igreja no Brasil: diretrizes básicas. 1195, n. 139).

354 idem, n. 143. 355 OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Nossa resposta ao amor: teologia das vocações específicas. 2001,

p. 179. 356 Cf. VALLE, Edênio (Org.); BENEDETTI, Luiz Roberto; ANTONIAZZI, Alberto. Padre, você é feliz?:

uma sondagem psicossocial sobre a realização pessoal dos presbíteros do Brasil. São Paulo: Loyola, 2004, p. 123-124.

Page 99: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

98

exatamente, o padre caracterizado pelo ativismo pastoral”357, é paradigmático, porém,

muitas vezes, rejeitado como co-formador.

c) Auxílio perceptivo e cultivo do carisma celibatário

O carisma do celibato, no Novo Testamento e nos Santos Padres, não é intrínseco

ao sacerdócio. Ou seja, “[...] não faz parte da essência da vocação dos ministros ordenados.

[...] A igreja Oriental, seguindo o caminho e a tradição neotestementária, conserva até hoje

o costume de ter padres casados em seu meio”358, exercendo validamente o sacerdócio359.

Todavia, para não iludir ou frustrar os formandos, durante todo o processo deve-se

evidenciar sua condição indispensável aos presbíteros da Igreja Católica Romana, na qual

ordenar-se-ão: “[...] são obrigados ao celibato, que é um dom especial de Deus, pelo qual

os ministros sagrados podem mais facilmente unir-se a Cristo de coração indiviso e

dedicar-se mais livremente ao serviço de Deus e dos homens” (CIC, cân. 277, § 1).

Primeiramente, o formando deve ser auxiliado na auto-percepção e questionado nas

suas atitudes afetivas que não condizem com a opção celibatária e casta, no campo da

heterosexualidade, da homosexualidade ou do auto-erotismo360. Questionar-se e

demonstrar se de fato recebeu o carisma, o dom do celibato. “Ter presente a dimensão

‘carismática’, pessoal, da vocação é muito importante, a fim de evitarmos todas as formas

de imposição e tentativas de ‘direcionamento’ no momento do discernimento

357 idem, p.123. 358 OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Nossa resposta ao amor: teologia das vocações específicas. 2001,

p. 291-293. 359 Cf. BETTENCOURT, Estevão. Padres casados na república Tcheca. Pergunte e Responderemos, set.

1999, p. 427-428. 360 “A crise de alma do sacerdócio e, por extensão, a crise de alma da Igreja são, em parte, uma crise de

orientação sexual. Mais cedo ou mais tarde, a questão será enfrentada mais objetivamente do que nas últimas décadas do século XX” (COZZENS, Donald B. A face mutante do sacerdócio: reflexões sobre a crise de alma do sacerdote. São Paulo: Loyola, 2001, p. 145).

Page 100: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

99

vocacional”361. Isso faz com que o entusiasmo pelo pastoreio e a vida presbiteral não

venham mascarar a ausência de um dom indispensável, colocando em risco sua fidelidade

e permanência no ministério. “O vocacionado deve ser ajudado a assumir uma escolha de

vida, primeiro, e depois uma forma de atividade pastoral que não se fundamente na busca

da auto-realização, mas no desejo de ‘perder-se’ pelo Reino”362. Na ordenação não

acontecerá mágica. É preciso que durante o processo formativo se perceba a capacidade de

abster-se duma vida sexual ativa, por causa do Reino de Deus. E isso não significa

ausência de manifestações da sexualidade363. “No seminário, ou seja, no seu programa de

formação, o celibato deve ser apresentado com clareza, sem qualquer ambigüidade e de

modo positivo” (PDV 50).

Igualmente, procure-se extirpar falsas motivações ao celibato, que facilmente ruirão

em meio à avalanche erotizante da hodierna sociedade hedonista, clima com facilidade

sorvido pela juventude, gerando, não raramente, confusão em sua própria identidade

sexual364. A presença feminina, de casais e de famílias é valiosa como ajuda humanizante

ao optar-se vocacionalmente, vai-se do teórico ao convívio, do apriori ao visível365.

361 OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Teologia da Vocação: temas fundamentais. 1999, p. 162. 362 MANENTI, Alessandro. Vocação, psicologia e graça. São Paulo: Loyola, 1991, p. 22-23. 363 “O homem experimenta o sexual muito mais como a realização do amor” (VAN BAVEL, T. J. O núcleo

da vida religiosa: tensão evangélica, impulso da sociedade. Petrópolis: Vozes, 1978, p. 172). 364 “Quanto à realização entre identidade sexual e identidade vocacional, é sempre necessário recordar que

elementos inconscientes de motivação psicossexual, ligados à identidade, podem condicionar a opção vocacional, em sentido defensivo (por exemplo, escolher a consagração no celibato para evitar o confronto com o outro sexo, confronto para o qual a pessoa não se sente suficientemente capaz; abraçar a vida celibatária para ignorar ou controlar melhor alguma fraqueza sexual) ou em sentido utilitarista (o celibato consagrado como status que dá prestígio e provoca admiração social, ou como situação existencial que permite de algum modo ter relacionamentos interpessoais a partir de uma posição de superioridade, mas sempre sem se comprometer com ninguém etc.). Nesses casos, é importante descobrir essas raízes apodrecidas, sinal de uma identidade fraca, e que enfraquecerão também a identidade vocacional, a fim de se iniciar e levar adiante o caminho de conscientização e libertação com alguém disponível para esse tipo de trabalho, para purificar e reforçar a sua identidade sexual e corrigir o seu relacionamento com a identidade vocacional” (CENCICNI, Amedeo. No Amor: liberdade e maturidade afetiva no celibato consagrado. 1998, p. 123-124).

365 Cf. OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Olhar prospectivo sobre a formação presbiteral. In: CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 170-172.

Page 101: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

100

d) Geradora de crescimento integral

A casa de formação desenvolverá a dimensão comunitária, mas também, propiciará

crescimento harmonioso nas outras quatro dimensões necessárias à formação: pastoral,

intelectual, espiritual e humano-afetiva (cf. PDV 42). A humano-afetividade, por ser o

fundamento de toda a formação sacerdotal (cf. PDV 43), pois, quando equilibrada e

amadurecida favorece a ação da graça divina, que não a modifica, mas a aperfeiçoa,

merece atenção redobrada, inclusive oferecendo-se assistência psicológica, se necessária.

Não é por na psicologia a explicação vocacional ou a solução de todos os problemas

daquele que acolhe, mas no programa comunitário, “[...] inserir a ajuda psicológica

especializada no processo formativo, fazer acompanhamento individualizado e

acompanhamento psicológico grupal”366. Não qualquer ajuda psicológica367. Mas

competente, profunda e ampla368. Fundada na visão cristã de ser humano, ou seja,

concebendo-o como mistério trinitário. Devendo-se contemplá-lo com humildade e apreço,

pois “[...] encontra comprovação de sua dimensão de profundidade e de respeito do

mistério e se aproxima de tal mistério por intermédio dos acontecimentos mais concretos e

dos processos mais específicos que as observações psicológicas ajudam a identificar”369.

Portanto um seminário que seja escola viva do Evangelho, aberto ao mundo, sensível às aspirações dos nossos povos, promotor do advento do Reino, comunidade de fé em constante diálogo coma sociedade e com diferentes culturas. Nesse sentido, é importante não reduzir o Seminário ao espaço físico onde ficam os seminaristas, mas ampliá-lo e torná-lo interativo com tantas outras instâncias e espaços onde diariamente a vida concreta vai acontecendo370.

366 CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 139. 367 “Do misticismo desliza-se facilmente para a misficação. A psicologia não ficou imune a esse tipo de

movimento encontrando-se hoje invadida por doutrinas exóticas dos mais variados tipos” (TEIXEIRA, João de Fernandes. Mente, cérebro e cognição. Petrópolis: Vozes, 2003, p. 12).

368 “[...] com métodos de abordagem psicológica diferenciados: Eneagrama , ADI e AII” (CNBB. op. cit., p. 128).

369 IMODA, Franco. Psicologia e mistério: o desenvolvimento humano. 1996, p. 51. 370 ORGANIZAÇÃO DE SEMINÁRIOS LATINO-AMERICANOS. 26ª Assembléia: o seminário, formador de pastores para a nova evangelização. Brasília: OSIB, 2000, p. 10.

Page 102: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

101

3.3 ACOLHIDA PESSOAL AO CHAMADO

A equipe de formadores e a comunidade formativa são imprescindíveis. Os meios,

divino e humanos, são eficazes. Porém, a acolhida é pessoal, livre, intransferível e vitalícia.

“Um fenômeno triste mesmo é a desistência dos jovens religiosos logo depois de seu

compromisso de consagração perpétua. Parece que não existe mais nesse mundo pós-

moderno um sentido de compromisso por toda a vida”371. Em última análise, cabe a ele o

discernimento. “Quanto mais se dá atenção ao formando, mais o método terá de ser

participativo, de co-responsabilidade”372. Inserido na vida da graça, orientado por

formadores capacitados e residindo numa comunidade formativa coerente, o formando

assume a missão de autoformar-se. É importante que o vocacionado saiba, desde seu

ingresso no seminário, que ninguém o formará a não ser ele mesmo373. Não vem para ser

formado, mas para formar-se. Sua docilidade ao Espírito Santo passa, necessariamente,

pela abertura às orientações de seus formadores, mas ele é o protagonista humano.

a) Projeto pessoal de vida

O projeto de vida orientará o discernimento do protagonista humano na acolhida do

chamado374. Construído a partir de referenciais eclesiais e formativos, forjado à luz da

auto-reflexão, “[...] está a indicar o sentido da identidade do formando, de uma série de

valores, convicções e crenças, um modo de ser e de agir, uma particular interpretação da

371 KEARNS, Lourenço. A teologia da vida consagrada. 1999, p. 8. 372 OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Olhar prospectivo sobre a formação presbiteral. In: CNBB.

Metodologia do processo formativo: a formação da Igreja no Brasil. 2001, p. 173. 373 “[...] o próprio candidato ao sacerdócio deve ser considerado protagonista necessário e insubstituível de

sua formação: toda e qualquer formação, naturalmente incluindo a sacerdotal, é, no fim de contas, uma auto formação” (PDV 69).

374 “Um projeto de vida é um verdadeiro mapa da existência. Para chegar ao tesouro é preciso seguir ordenada e progressivamente as pistas que são apresentadas” (MENDONÇA FILHO, João da Silva. Projeto de Vida. São Paulo: Paulinas, 2002, p. 67).

Page 103: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

102

relação inter-pessoal e, enfim, a consciência de pertencer a um grupo”375. A autoformação

é exigente e comprometedora. Suscita a necessidade de metas claras e meios realizáveis e

mensuráveis. “Sem o projeto a identidade não se mantém. O projeto de vida se apresenta

de acordo com a idade e os objetivos. O seu papel é decisivo, principalmente, durante a

adolescência e a juventude”.

O formando tem de optar por um estilo ao construir seu projeto de vida. Seus

objetivos devem ser flexíveis, aceitáveis, eficazes e concretos. Uma adequada maneira é, a

partir das cinco dimensões fundamentais da formação presbiteral: humano-afetiva,

espiritual, intelectual, comunitária e pastoral, estipula-se, a cada uma, meta bem concreta e

meios facilmente avaliáveis, para alcançar a meta. Isso com tempo razoável estabelecido.

Ao término cronológico, mesmo com o acompanhamento de algum formador, o próprio

formando avalia o desempenho e renova ou constrói novas metas e meios a um novo

projeto de vida. Dias de retiro ou de desertos são propícios para essa tarefa, que deve ser

pessoal e orante.

Compete aos formadores e à comunidade formativa ajudarem na escolha duma

estrutura básica de autoplanejamento376.

b) Grupo de vida

Em cada formando habita a Santíssima Trindade, possibilitando que, pelo Filho, no

Espírito Santo, ausculte-se a vontade do Pai. Todavia, “[...] onde dois ou três estiverem

reunidos em meu nome, ali estou eu no meio deles” (Mt 18,20), disse Jesus. Então é válida

375 MARMILICZ, André. O ambiente educativo dos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p.

162. 376 “[...] que leve em consideração o formando, o seu protagonismo, o seu projeto pessoal, para ajudá-lo no

seu crescimento pessoal, em direção a uma decisão vocacional” (FINKLER, Pedro. O formador e a formação. 1990, p. 29).

Page 104: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

103

a busca em grupo do discernimento pessoal377. “Existem, por exemplo, dioceses que têm

grupos de vida, em que os seminaristas se reúnem para uma grande abertura [...]”378,

bastando criar ambiente favorável e laços de entreajuda. “No pequeno grupo o formando

consegue ser mais ele mesmo, em uma relação mais verdadeira, mais profunda e real.

Consegue mais facilmente perder o medo de falar, de opinar, de manifestar aquilo que

pensa, aquilo que vive e aquilo que sente”379.

Num grupo menor, é possível exercitar a correção fraterna380. Experiencia a partilha

e a solidariedade, a sinceridade e a confiança, a abertura e o sigilo que permanecerão após

a ordenação e lhes serão de muita ajuda em possíveis momentos de crise, onde a

probabilidade de abrir-se com um irmão do presbitério é maior. Nele é estimulada a

comunicação ativa, pois cada integrante se sente respeitado, aceito e compreendido; e “[...]

há maior comunicação passiva, pois sendo um grupo homogêneo, é mais fácil que o

indivíduo se sinta tocado pelo que os outros digam ou façam e que aplique isso à sua

própria vida”381. Verbalizando aumenta a probabilidade de libertar-se de medos e traumas,

bem como, dúvidas e incertezas com relação à clareza do chamado382.

377 “Por meio do discernimento espiritual comunitário, os membros de um grupo de vida comprometem-se a

iluminar juntos a situação de um deles [...]” (idem, p. 155). 378 CNBB. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. 2001, p. 122. 379 MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p.

167. 380 “Alguém disse que a correção fraterna é o mandamento evangélico mais desprezado. Realmente, quase

nunca se faz correção fraterna” (CENCINI, Amedeo. Viver reconciliados: aspectos psicológicos. São Paulo: Paulinas, 1988, p. 151).

381 RUIZ SALVADOR, Federico. Compêndio de teologia espiritual. 1996, p. 547. 382 “O grupo de vida do seminário se diferencia substancialmente dos outros grupos, pelo fato de que o

objetivo, as normas, os papéis e as relações conseqüentes têm uma finalidade precisa, isto é, ajudar no crescimento pessoal e no discernimento vocacional” (MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. 2003, p. 172).

Page 105: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

104

c) Revisão de vida

Realizada de forma comunitária ou individual é um instrumento eficaz para,

cotidianamente, a partir dum projeto de vida383, examinar apurada e sinceramente a

conduta pessoal e o agir comunitário. “Tem como finalidade a purificação em seu sentido

espiritual, a ajuda mútua espiritual, o crescimento da vida comunitária, ou seja, o

conhecimento recíproco, o amor mútuo, a solidariedade com todos, a confiança de uns nos

outros”384. Com critérios, a revisão de vida aperfeiçoa a autoformação e o discernimento.

Diariamente, o exame de consciência ajudará na verificação dos avanços ou retrocessos no

caminho da santificação pessoal e será, juntamente com o grupo de vida, valiosa à

orientação espiritual 385.

d) Leitura espiritual

A Lectio Divina, a meditação cristã e a leitura espiritual diversificada são

instrumentos valiosos a serviço do discernimento pessoal. Deve-se buscar a vasta literatura

que desvela dúvidas e complementa deficiências, além de auscultar aquele que chama na

leitura divina e na meditação. “A leitura espiritual deve ser periódica e freqüente para que

venha a ser verdadeiro alimento do espírito”386. A comunidade formativa deve propiciar

atmosfera favorável à leitura, contudo, o formando tem de cultivar e aprimorar o hábito.

383 “Não tem por objetivo descobrir culpas passadas ou distribuir responsabilidades, e sim dar a entender os

fatos para que surja daí uma resposta para o presente e o futuro” (RUIZ SALVADOR, Federico. Compêndio de teologia espiritual. 1996, p. 550).

384 FINKLER, Pedro. O formador e a formação. 1990, p. 137. 385 “As formas comunitárias de orientação espiritual, a troca de experiência e a revisão de vida são elementos

de ajuda da direção espiritual personalizada” (MORO, Celito. A formação presbiteral em comunhão para a comunhão: perspectivas para as casas de formação sacerdotal. Aparecida: Santuário, 1977, p. 356).

386 RUIZ SALVADOR, Federico. op. cit., p. 118.

Page 106: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

105

e) Oração pessoal

É fundamental que a comunidade formativa seja ambiente de silêncio e prece.

Todavia, o formando espontânea e gratuitamente deve buscar momentos fecundos de

comunhão e intimidade individual, com aquele que o chama, na oração pessoal387.

A graça recebida no Batismo e a convicção da sua onipresença, na criação, e

acessível comunicação conosco torna possível auscultar a Deus em diálogo conosco388.

Não ter receio de olhar face a face aquele que é o Amor, por isso chama ao diálogo

amoroso. “A oração é a presença de Deus que dirige a palavra a um homem, dá a ele

palavras que ele se dirija a Deus, assegurando-lhe que o escuta com interesse”389. Mesmo

na aparente esterilidade ou secura, comum no caminho espiritual, a perseverança

produzirá fertilidade. Inclusive, aqueles com profundidade na vida de oração,

“[...]descreverão seus períodos de aridez como infrutíferos – como demasiado espaço

silencioso entre momentos de encontro real. Ficam bem surpresos quando lhes sugiro que

provavelmente suas horas de aridez foram sua melhor oração”390. É o diálogo orante,

longamente cultivado na experiência pessoal com Deus, que gera a convicção da opção.

387 “Este modo privilegiado consiste simplesmente em tornar-se capaz de sintonizar a freqüência, se tal

comparação pode aqui ser feita, na qual Deus está operando, a fim de afinar-se com ela e, com tranqüilidade, nos dispor à sua ação. [...] Para agir, ele não espera que o homem aja primeiro. Pelo contrário, seu poder, tal qual um furacão, se desencadeia continuamente no universo. Sua atividade está presente em todo o lugar, mas é o homem que tem dificuldade de captá-la com exatidão. [...] Ser-lhes-ia preciso deter por vezes o comboio desenfreado de suas atividades, saber fazer uma pausa, depor as armas e cruzar os braços, para escutar longamente o silêncio de seu coração. É nestes momentos que o agir de Deus terá alguma chance de emergir e de tomar a iniciativa dentro dele” (LOUF, André. Mais pode a graça: o acompanhamento espiritual. 1997, p. 220).

388 “Agostinho insiste na sua obra sobre a Trindade que a criação é obra de um só princípio, de um só Deus [...]. O criador se manifesta à nossa inteligência através de suas obras. É necessário que por meio de nossa inteligência nos elevemos atém a Trindade [...]” (TEIXEIRA, Evilázio Borges. Imago Trinitatis: Deus, sabedoria e felicidade: estudo teológico sobre o De Trinitate de Santo Agostinho. 2003, p. 48).

389 RUIZ SALVADOR, Federico. Compêndio de teologia espiritual. 1996, p. 329. 390 GREEN, Thomas H. Quando o poço seca: oração depois da fase inicial. São Paulo: Paulinas, 2000,

p. 111-112.

Page 107: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

106

f) A crise como discernimento

Discernir é acrisolar. Ou seja, o discernimento vai surgindo em meio às sombras e

luzes, dúvidas e certezas, misturas e purezas. Colocam-se no crisol motivações, impulsos,

tendências e convicções a serem purificadas e testadas. Também a provável vocação tem

de ser, metodicamente, na graça e na liberdade, individual e comunitariamente, por

iniciativa pessoal e dos formadores, acrisolada a fim de gerar pureza suficiente para a

clareza da opção. Isso acontece em meio à dor e à frustração391.

Se na caminhada, o formando jamais manifesta situações de crise vocacional, ela

deve ser, com proximidade e empatia, provocada pelo formador ou pela comunidade

formativa392. Se não mudar, ficará com mais clareza e convicção na opção. Com abertura,

transparência, sinceridade e, necessariamente, com postura evangélica a situação de crise

será superada. E, geralmente, suscitando mística própria que o fortalecerá frente aos

futuros desafios393.

391 “Todo o processo de purificação implica ruptura, divisão e descontinuidade: eis outro sentido que pode ser

dado à palavra crise. Por isso esse processo é também doloroso e assume aspectos dramáticos. Mas é nessa convulsão que se catalisam as forças e se acrisolam os valores positivos contidos na situação de crise. De crise vem ainda a palavra critério que é a medida pela qual se pode julgar e distinguir o autêntico do inautêntico, o bom do mau. [...] Depois de qualquer crise, seja corporal, psíquica, moral, seja interior e religiosa, o ser humano sai purificado, libertando forças para uma vida mais vigorosa e cheia de renovado sentido” (BOFF, Leonardo. Crise: oportunidade de crescimento. Campinas: Verus, 2002, p. 24).

392 “Há uma aparência – embora pareça ou seja evidente – que muitas vezes engana ou, pelo menos, é incompleta, e não basta para construir, por si só, a própria identidade e o próprio futuro. Essa identidade seria frouxa, esse futuro seria inconsistente, como frouxos e inconsistentes são os pensamentos de quem teme o mistério e reduz a vida a um mero silogismo. O jovem deve compreender isso para não correr o risco de perder tudo logo de saída, utilizando-se de meias ou falsas verdades, ou achando-se o dono da própria vida” (CENCINI, Amedeo. Redescobrindo o mistério: guia formativo para as decisões vocacionais. 1999, p. 25).

393 “No entanto, surpreende que a mística – tanto local como cronologicamente – conhece períodos próprios de florescência, por exemplo, a mística renana, a flamenga e a dominicana do séc. XIV; a mística carmelitana espanhola do séc. XVI; a mística da escola francesa do séc. XVII; a mística hodierna no contexto da segunda metade do séc. XX. Com todos os arco-íres místicos entremeados. O que quer que seja a mística em si mesma, parece ser em todo caso determinada resposta a uma crise ou a um problema com base em determinado contexto sócio-histórico” (SCHILLEBEECKX, Edward. História humana: revelação de Deus. São Paulo: Paulus, 1994, p. 95-96).

Page 108: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

107

g) Orientação espiritual

O processo de discernimento, assumido de forma pessoal, cultivado e amadurecido

na comunidade formativa, tem na orientação espiritual uma colaboração personalizada e

diferenciada. O acompanhamento espiritual tem por objetivo, inclusive utilizando-se das

ciências humanas, como a psicologia e a pedagogia, facilitar a compreensão do formando à

ação do Espírito Santo. Secundária na denominação: direção, orientação, mistagogia,

diálogo, paternidade, aconselhamento ou acompanhamento é prioritária quanto à

importância no processo formativo. O orientador está ao lado, não para conduzir o

vocacionado como se guia um carro, mas no diálogo a três: o formando, o orientador e o

Espírito Santo. Ambos procuram compreender a iluminação do Espírito sobre a vontade de

Deus.

Até no caso da vocação absolutamente extraordinária de Paulo, o Espírito lhe ordena que vá instruir-se junto a Ananias. O próprio Paulo, mesmo depois de ter subido ao terceiro céu, experimenta a necessidade de ir consultar ‘as colunas da Igreja’. O processo de identificação, que Paulo VI chama o momento psicológico-religioso da vocação, é levado avante, diz ele, com a ajuda de um mestre espiritual, de um amigo entendido nos segredos do coração, porque não é coisa fácil captar os sinais mais misteriosos do espírito. Infelizmente, hoje em dia a prática da direção espiritual vem sendo um pouco transcurada e, muitas vezes, são os próprios sacerdotes que se mostram os menos entusiasmados por ela. Desta maneira, muitos chamados de Deus passam inadvertidos! [...] Aquele que sente em si a inquietante solicitação do Espírito de doar-se a uma vida cristã mais comprometida, sempre pode encontrar nessas pessoas um amigo que o ajude a discernir por que via Deus o chama. Quando a vocação é autêntica as duas vozes (Deus e o diretor) logo coincidirão, e a sua harmonia expressará então uma certeza indizível. Além do mais, semelhante atitude demonstraria uma presunção que beira a inconsciência e que dificilmente pode conciliar-se com a sinceridade e a docilidade, as quais supõem a sincera busca e o uso de todos aqueles meios que o espírito nos põe à disposição para manifestar-nos e fazer que conheçamos a sua vontade. Tudo isso pode constituir um indício muito significativo para aqueles que devem julgar o propósito da autenticidade de uma vocação394.

Preparado e designado pela Igreja, possuidor das características inerentes a todo o

formador, não é um confessor, alheio ao cotidiano, ou professor de teologia espiritual,

somente, mas irmão, amigo, acompanhante, confidente, mistagogo. Que convive com o

394 PIGNA, Arnaldo. A vocação: teologia e discernimento. 1989, p. 155-156.

Page 109: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

108

formando em momentos formais e informais, planejados e espontâneos, de clareza ou de

crise, não aparece e desaparece com a mesma indiferença e impermeabilidade. Mas é

solidário, comprometido e responsável, inserido no processo formativo. É idôneo e

confiável, especialmente nos assuntos de foro interno, a fim de granjear confiança e

credibilidade395.

Necessita, portanto, de um contato pessoal com o Espírito mediante uma vida sobrenatural verdadeiramente intensa e uma atenção delicada aos sinais dos tempos. Além do mais, está a serviço do dirigido, que deve conhecer, instruir, guiar e apoiar na sua decisão. Sem substituir o espírito, deve tornar-se seu mediador; em vez de substituir o dirigido, para impor-lhe uma decisão sua, deve ajudá-lo a deliberar e a julgar pessoalmente da autenticidade da vocação. [...] Para que possa desempenhar com proveito a sua obra, o diretor deve ter pelo menos três qualidades fundamentais: a capacidade de compreensão, pois o jovem deve poder dizer: ‘Ele me entende’. A competência, ou seja, a capacidade de esclarecer os pontos escuros, de abrir horizontes onde há indecisão. A autoridade moral, que não deriva da autoridade jurídica – em nossos dias, talvez só inconscientemente, contestada – mas da própria personalidade do diretor de sua ciência, de sua experiência396.

O formando tem o direito a um orientador espiritual com quem conviva dia a dia,

por isso conhece-o intimamente, e o dever de deixar-se acompanhar por ele. Tendo sido

formado para essa missão, possuidor desse carisma peculiar, experimentado na vida

sacerdotal e delegado pela Igreja, é a pessoa indicada para se partilhar crises, dúvidas,

projetos, dificuldades e incertezas, com o coração aberto e inquieto por discernir com

clareza.

395 “Se tivéssemos de condensar brevemente o sentido atual e permanente da direção espiritual precisaríamos

repetir o que há séculos a Igreja afirma: é o discernimento da vontade de Deus em relação aos homens. E, se tivéssemos que fazer o mesmo com o padre espiritual, parece que hoje se evidencia mais significativa sua denominação de homem do conselho, que sabe discernir, junto com seus dirigidos, a vontade de Deus. [...] Entre tantos outros meios que podem ser utilizados para ver em cada caso a vontade de Deus e a melhor resposta a ela, é ele a pessoa que ajuda a unificar os fios de tantas vozes diferentes que chegam ao limiar da consciência” (MERCATALI, Andréa. Padre espiritual (diretor). In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. 1989, p. 878).

396 PIGNA, Arnaldo. A vocação: teologia e discernimento. 1989, p. 157.

Page 110: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

109

CONCLUSÃO

Ao concluirmos este trabalho acadêmico, retornamos às indagações iniciais: Em

meio à cultura do descartável e passageiro, como ter clareza ao optar por uma vocação que

deve ser para sempre?

Iniciamos a resposta indo à raiz da Teologia da Vocação, que tem na origem do

chamado a Santíssima Trindade e, na acolhida, a pessoa humana, criada à imagem e

semelhança trinitária. Prosseguimos com a busca dum critério de julgamento. E

descobrimos que a santidade, vivida na Igreja e na sociedade, determina uma vocação

acertada. O Batismo concede dignidade e igualdade a todo o povo de Deus, redescoberta

do Concílio Ecumênico Vaticano II, com a Constituição Dogmática Lumen Gentium. O

discernimento, quanto à vocação específica, é fruto da graça divina e da liberdade humana,

constitui o modo de viver a santidade, o fundamental e determinante é a vocação batismal.

Discernir com clareza é tarefa árdua e exigente. O formando, criado à imagem e

semelhança da Trindade, é templo trinitário pelo Batismo. Contudo, a desarmonia causada

pelo pecado original, perturba a sintonia necessária para se auscultar a voz divina. Por isso,

ele tem de se diligenciar na auto-formação: através dum projeto pessoal, participando dum

grupo de partilha, efetuando cotidianamente a revisão de vida, executando leitura

espiritual, aprofundando a oração pessoal e se deixando aconselhar, com abertura e

sinceridade, pelo orientador espiritual indicado pela Igreja.

Page 111: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

110

A pessoa do formador, pedagogo e acompanhante, ao seu lado é imprescindível, a

fim de facilitar o escutar, com clareza, o autor do chamado. Ele, além de carisma próprio a

esse ministério de plasmar pastores, tem de exercê-lo, única e exclusivamente, a serviço do

povo de Deus, buscando competência profissional, mantendo empatia nas relações,

desenvolvendo capacidade para trabalhar em equipe, sendo afetivamente maduro, se

construindo como pessoa mística e aceitando o desafio de exercer o acompanhamento

individual.

Formador e formando, seminarista e acompanhante, vocacionado e pedagogo,

convivem na mesma casa, comunidade ou seminário. A terminologia não é fundamental.

Todavia, o local onde residem, a fim de facilitar o discernimento vocacional, precisa ser

ambiente de oração e silêncio, onde se vive a austeridade e a simplicidade, se exercita o

ser pastor no meio do povo de Deus, se educa à percepção e ao cultivo do carisma

celibatário, ou seja, proporcione amadurecimento integral.

As propostas aventadas não garantem a plena certeza, mas reduzem,

consideravelmente, a probabilidade de engano, pois suscitam condições favoráveis à

clareza no chamado, diante do mistério que é o diálogo entre Deus e a pessoa humana.

Page 112: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

111

BIBLIOGRAFIA CITADA

AGOSTINHO DE HIPONA. A Trindade. São Paulo: Paulus, 1995 (Col. Patrística 7).

______. Quaest. In Hept. 2,73: PL 34,623. In: Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 133.

ATANÁSIO DE ALEXANDRIA. Ep. 1 ad Serapionem, 28-30: PG 26, 594-595.599. In: LITURGIA das Horas. Ofício Divino renovado conforme o Decreto do Concílio Vaticano II e promulgado pelo Papa Paulo VI. Trad. para o Brasil da segunda ed. típica. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulinas, Paulus, Ave-Maria, 1995. III v, p. 529-531.

ALTANER, Berthold. Patrología. 2. ed. Madrid (ESP.): Espasa-Calpe, 1949.

AMENDOLA, João. Dicionário italiano português. 4. ed. São Paulo: Hermes, 1990.

ANDRADE, Paulo Fernando Carneiro de. A condição pós-moderna como desafio à pastoral popular. Revista Eclesiástica Brasileira, Petrópolis, fasc. 209, p. 98-113, mar. 1993.

ANTONIAZZI, Alberto. A formação presbiteral no contexto atual. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. São Paulo: Paulus, 2001 (Série Estudos da CNBB 83), p. 21-43.

ARDUINI, Juvenal. Antropologia: ousar para reinventar a humanidade. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2002.

ARMENDÁRIZ, Luis. Criação. In: XABIER PIKAZA, O. de M.; SILANES, Nereo (Orgs.). Dicionário teológico: o Deus cristão. São Paulo: Paulus, 1998, p.196-202.

BALDISSERA, Deolino P. Acompanhamento personalizado: guia para formadores. São Paulo: Paulinas, 2002.

______. Sou o que faço de minha história: guia para formandos. São Paulo: Paulinas, 2002.

BAQUERO, Victoriano. Tenho vocação?: orientações metodológicas. São Paulo: Paulinas, 1996.

Page 113: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

112

BARRUFFO, Antonio. Carismáticos. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. Lisboa (POR): Paulistas; São Paulo: Paulinas, 1989, p. 88-99.

BARRY, William A.; CONNOLLY, William J. A prática da direção espiritual. 2. ed. São Paulo, 1987.

BENEDETTI, Luiz Roberto. Pós-Modernidade: abordagem sociológica. In: TRANSFERETTI, José; GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 53-70.

BEOZZO, José Oscar. Presença e atuação dos bispos brasileiros no Vaticano II. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 117-162.

BERZOSA MARTÍNEZ, Raúl; PEDROSA ARÉS, Vicente Maria. Criação. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética. São Paulo: Paulus, 2004, p. 274-287.

BETTENCOURT, Estevão. Padres casados na república Tcheca. Pergunte e Responderemos, Rio de Janeiro, ano 15, n. 448, 427-428, set. 1999.

BETZ, J. Batismo. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1983. 1 v, p. 179-198.

BÍBLIA. A Bíblia de Jerusalém. Nova edição rev. e ampl. 2. impr. São Paulo: Paulus, 2003.

BINGEMER, Maria Clara L. O presbítero: ungido, poeta e servidor. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Vida e ministério dos presbíteros: síntese do tema central da 42ª assembléia geral-2004. São Paulo: Paulus, 2004 (Série Estudos da CNBB 88), p. 105-124.

______. Deus Trindade: a vida no coração do mundo. Valencia (Esp.): Siquem; São Paulo: Paulinas, 2003 (Col. Teologia Sistemática 6: Trindade e graça I).

______. Deus-amor: a graça que habita em nós. Valencia (Esp.): Siquem; São Paulo: Paulinas, 2003 (Col. Teologia Sistemática 6: Trindade e graça II).

BOFF, Leonardo. A graça libertadora no mundo. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1993.

______. A santíssima Trindade é a melhor comunidade. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

______. Crise: oportunidade de crescimento. Campinas: Verus, 2002.

______. O destino do homem e do mundo: ensaio sobre a vocação humana. 8. ed. Petrópolis: Vozes, 1998.

BRASIL, Antonio Reges. O presbítero na Igreja e a crise da dimensão sacerdotal do ministério segundo “Théologie du Sacerdoce” de Gustave Martelet, SJ. In: Excerpta ex dissertatione ad doctoratum in Facultate Theologiae apud Pontificiam Universitatem Gregorianam. Roma, 2000.

Page 114: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

113

BRIGHENTI, Agenor. Igreja e pós-modernidade: o desafio de dar respostas novas a novas perguntas. Jornal de Opinião, Belo Horizonte, p. 4, 28 de mar. a 3 de abr. 2005.

BROER, Ingo. Ressurreição/ressurreição de Jesus. In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000, p. 372-376.

BRUNETTI, Aury Azelio. Diaconato permanente: visão histórica e situação atual. São Paulo: Paulinas. 1986.

CALIMAN, Cleto. Lumen Gentium: uma riqueza a ser descoberta. Jornal de Opinião, Belo Horizonte, ano 16, n.811, p. 10, 13 a 19 de dez. de 2004.

CALIMAN, Cleto. A eclesiologia do Concílio Vaticano II e a Igreja no Brasil. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise . Concílio Vaticano II: Análise e prospectiva. 2004, p.229-248.

CAMPANINI, Giorgio. Liberdade cristã. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. Lisboa (POR): Paulistas; São Paulo: Paulinas, 1989, p. 668-676.

CANDIDO, Luigi de. Vida consagrada. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. Lisboa (POR): Paulistas; São Paulo: Paulinas, 1989, 1168-1177.

CASTRO, Valdir José de. Espiritualidade cristã: mística da realização humana. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1998 (Col. Temas de atualidade).

CATÃO, Francisco. A Trindade: uma aventura teológica. São Paulo: Paulinas, 2000.

______. O perfil distintivo do Vaticano II: recepção e interpretação. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 95-115.

CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 4. ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulinas, Loyola, Ave-Maria. 1993.

CATEQUESES DE JERUSALÉM (Cat. 21, Mystagógica 3,1-3: PG 33, 1087-1091/séc. IV. In: LITURGIA das Horas. Ofício Divino renovado conforme o Decreto do Concílio Vaticano II e promulgado pelo Papa Paulo VI. Trad. para o Brasil da segunda ed. típica. Petrópoli: Vozes; São Paulo: Paulinas, Paulus, Ave-Maria, 1995. II v, p. 547-548.

CAZAROTTO, José Luiz. Psicologia do acompanhamento espiritual. Vida Pastoral, São Paulo, ano 46, n. 240, p. 3-11, jan. fev. 2005.

CENCINI, Amedeo. A história pessoal, morada do mistério: indicações para o discernimento vocacional. São Paulo: Paulinas, 1999.

______. Redescobrindo o mistério: guia formativo para as decisões vocacionais. São Paulo: Paulinas, 1999.

______. A história pessoal, morada do mistério: indicações para o discernimento. 2. ed. São Paulo, Paulinas, 2001.

______. No amor: liberdade e maturidade afetiva no celibato consagrado. São Paulo: Paulinas, 1998. 4 v.

Page 115: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

114

CENCINI, Amedeo. Viver reconciliados: aspectos psicológicos. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1988.

CENTRO DE ESTATÍSTICA RELIGIOSA E INVESTIGAÇÕES SOCIAIS. Desafios do catolicismo na cidade: pesquisa em regiões metropolitanas brasileiras. São Paulo: Paulus, 2002 (Col. CERIS).

CIARDI, Fabio. Seguimento. In: BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.). Dicionário de mística. São Paulo: Loyola; Paulus, 2003, p. 952-954.

CIPOLONI, Pedro Carlos. Povo de Deus e Corpo de Cristo: Imagens complementares na abordagem do mistério da Igreja. In: TRANSFERETTI, José; GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 217-249.

CIPRIANI, Roberto; ELETA, Paula; NESTI, Arnaldo (Orgs.). Identidade e mudança na religiosidade Latino-Americana. Petrópolis: Vozes, 2000.

CÓDIGO DE DIREITO CANÔNICO. Promulgado por João Paulo II, Papa. São Paulo: Loyola, 1983.

COENEN, Lothar. Chamar: кaλέω. In: COENEN, Lothar; BROWN, Colin (Orgs.). Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. 1 v, p. 349-354.

COLLANTES, Justo. A fé católica: documentos do Magistério da Igreja: das origens aos nossos dias. Rio de Janeiro: Lumen Christi; Anápolis: Diocese de Anápolis, 2003.

COMBLIN, José. A mensagem da Lumen Gentium (Capítulos 1 e 2). Vida Pastoral, São Paulo, ano 45, n. 230, p. 9-14, mai. jun. 2004.

______. O povo de Deus. São Paulo: Paulus, 2002.

______. Um novo amanhecer da Igreja? 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2002.

______. Vocação para a liberdade. 3. ed. São Paulo: Paulus, 1998.

CONCÍLIO VATICANO II. Constituição Dogmática Lumen Gentium: sobre a Igreja. In: Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 39-113.

______. Constituição Pastoral Gaudium et Spes: sobre a Igreja no mundo de hoje. In: Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 143-256.

______. Nota Explicativa Prévia. In: Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 114-117.

CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO. Conclusões de Medellín. 6. ed. São Paulo: Paulinas, 1987.

______. Conclusões de Puebla: evangelização no presente e no futuro da América Latina. 8. ed. São Paulo: Paulinas, 1987.

Page 116: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

115

CONFERÊNCIA GERAL DO EPISCOPADO LATINO-AMERICANO. Conclusões de Santo Domingo: nova evangelização; promoção humana; cultura cristã; Jesus Cristo, ontem, hoje e sempre. 4. ed. São Paulo: Loyola, 1993.

CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Comissão Episcopal de Pastoral para os Ministérios Ordenados e Vida Consagrada. Igreja, povo de Deus a serviço da vida: texto-base do 2º congresso vocacional do Brasil-2005. Brasília, 2004.

______. Formação dos presbíteros da Igreja no Brasil: diretrizes básicas. São Paulo: Paulinas, 1995 (Série Documentos da CNBB 55).

______. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. São Paulo: Paulus, 2001 (Série Estudos da CNBB 83).

______. Setor Vocações e Ministérios. Batismo: fonte de todas as vocações: texto base do ano vocacional 2003. Brasília, 2002.

______. Vida e ministério dos presbíteros: síntese do tema central da 42ª assembléia geral-2004. São Paulo: Paulus, 2004 (Série Estudos da CNBB 88).

CONGREGAÇÃO PARA O CLERO. Diretório para o ministério e a vida do presbítero. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 1994.

COPPES, Leonard. ’ādām, homem, espécie humana, humano, alguém, Adão (o primeiro homem). In: HARRIS, R. Laird (Org.). Dicionário internacional de teologia do Antigo Testamento. São Paulo: Vida Nova, 2001, p. 13-14.

CORDOBÉS, Manuel. Vocação. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. Lisboa (POR): Paulistas; São Paulo: Paulinas, 1989, p. 1187-1192.

CORTI, Renato; MOIOLI, Giovanni; SERENTHÀ Luigi. A direção espiritual hoje: discernimento cristão e comunicação interpessoal. São Paulo: Paulinas, 2002 (Col. Educar para a vida).

COZZENS, Donald B. A face mutante do sacerdócio: reflexão sobre a crise de alma do sacerdote. São Paulo: Loyola, 2001.

CURA ELENA, Santiago Del. Subordinacionismo. In: XABIER PIKAZA, O. de M.; SILANES, Nereo (Orgs.). Dicionário teológico: o Deus cristão. São Paulo: Paulus, 1998, p. 839-843.

DARLAPP, A. Historicidade. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1983. 2 v, p. 301-309.

DEBRAY, Régis. Quadro sinótico das três idades da “Midiasfera”. Folha de São Paulo, São Paulo, p. A2, 27 de abr. de 1991.

DEISSLER, Alfons. Ser humano/homem (NT). In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000, p. 402-404.

DROBNER, Hubertus R. Manual de patrologia. Petrópolis: Vozes, 2003.

Page 117: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

116

ELIZONDO ARAGÓN, Felisa. Dignidade da pessoa humana. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética. São Paulo: Paulus, 2004, 339- 347.

FERNÁNDEZ GARCIA, Domiciano. Maria. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan (Orgs.). Dicionário teológico da vida consagrada. São Paulo: Paulus, 1994, p. 621-631.

FERREIRA, Aurélio Buarque de Holanda. Novo Aurélio século XXI: o dicionário da língua portuguesa. 3. ed. rev. e ampl. Rio de Janeiro: Nova Fronteira, 1999.

FINKLER, Pedro. O formador e a formação. São Paulo: Paulinas, 1990.

FISCHER, Georg. Vocação (AT). In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000, p. 448-449.

FISCHER-WOLLPERT, Rudolf. Léxico dos Papas: de Pedro a João Paulo II. Petrópolis: Vozes, 1991.

FORTE, Bruno. A Trindade como história. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1987.

GALLARES, Judette A. Discernimento vocacional: meditações bíblicas. São Paulo: Paulus, 1994.

GALOT, Jean. Graça. In: BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.). Dicionário de mística. São Paulo: Loyola; Paulus, 2003, p. 462-464.

GARCÍA FERNANDES, Ciro; JARNE, Fernando Jarne. Graça. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética. São Paulo: Paulus, 2004, p. 539-550.

GARIJO GUEMBE, Miguel. Filioque. In: XABIER PIKAZA, O. de M.; SILANES, Nereo (Orgs.). Dicionário teológico: o Deus cristão. São Paulo: Paulus, 1998, p. 357-363.

GUERRA, Santiago. Modalismo. In: XABIER PIKAZA, O. de M.; SILANES, Nereo (Orgs.). Dicionário teológico: o Deus cristão. São Paulo: Paulus, 1998, p. 586-590.

GODOY, Manoel. Concílio Vaticano II: balanço e perspectiva para a Igreja do terceiro milênio. Jornal de Opinião, Belo Horizonte, p. 6-7, 16 a 22 de mai. 2005.

GOFFI, Tullo. Homem espiritual. In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. Lisboa (POR): Paulistas; São Paulo: Paulinas, 1989, p. 510-521.

GONZALES-QUEVEDO, Luis. Teologia da vocação. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan (Orgs.). Dicionário teológico da vida consagrada. São Paulo: Paulus, 1994, p. 1158-1169.

GOULART, José Dias. Vocação, convite para servir: siga a sua e saiba por quê. São Paulo: Paulus, 2003 (Col. Comunidade e missão).

GRABNER-HAIDER, Anton. Vocabulario práctico de la Biblia. Barcelona(ESP.): Herder, 1975.

Page 118: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

117

GREEN, Thomas H. Quando o poço seca: oração depois da fase inicial. São Paulo: Paulinas, 2000.

GREGÓRIO NAZIANZENO. Or. 40, 3-4: PG 36, 361C. In: CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 4. ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulinas, Loyola, Ave-Maria. 1993, n. 1216.

______. Or. 40,41: PG 36, 417. In: CATECISMO DA IGREJA CATÓLICA. 4. ed. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulinas, Loyola, Ave-Maria. 1993, n. 256.

GRESHAKE, Gisbert. Il Dio unitrino. Brescia (ITA.): Queriniana, 2000.

GRINGS, Dadeus. A força de Deus na fraqueza do homem. Porto Alegre: Sulina, 1975.

______. Creio na Santíssima Trindade. Aparecida: Santuário, 1999.

______. Nosso Deus Pai, Filho, Espírito Santo. Porto Alegre: ITCR, 1974 (Col. Subsídios 2).

GROSSI, Vittorino. Antropologia. In: BERNARDINO, Angelo di (Org.). Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulus, 2002, p. 120-123.

GRUDEM, Waine. Manual de teologia sistemática: uma introdução aos princípios da fé cristã. São Paulo: Vida, 2001.

GUTIÉRREZ, Gustavo. Onde dormirão os pobres? 3. ed. São Paulo: Paulus, 2003.

HACKMANN, Geraldo Luiz Borges (Org.). A Trindade: glória e júbilo da criação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000 (Col. Teologia 22).

______. Refletindo sobre a teologia do presbítero. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Vida e ministério dos presbíteros: síntese do tema central da 42ª assembléia geral-2004. São Paulo: Paulus, 2004 (Série Estudos da CNBB 88), p. 84-104.

HAMMES, Érico João. Glória ao Pai, ao Filho e ao Espírito Santo!: situação e relevância da fé trinitária hoje. In: HACKMANN, Geraldo Luiz Borges (Org.). A Trindade: glória e júbilo da criação. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2000 (Col. Teologia 22), p. 9-29.

HARVEY, David. A condição pós-moderna: uma pesquisa sobre as origens da mudança cultural. São Paulo: Loyola, 1992.

HIPÓLITO DE ROMA. Refutação de todas as heresias: cap. 10, 33-34: PG 16, 3452-3453. In: LITURGIA das Horas. Ofício Divino renovado conforme o decreto do Concílio Vaticano II e promulgado pelo Papa PauloVI. Trad. para o Brasil da segunda ed. Típica. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulinas, Paulus, Ave-Maria, 1995, 1 v, p. 411-413.

HOFSTÄTTER, Leandro Otto. A concepção do pecado na teologia da libertação. São Leopoldo: Nova Harmonia, 2003.

HOURCADE, Janine. Escuta! Ele está chamando. Aparecida: Santuário, 1996 (Col. Espiritualidade).

IMODA, Franco (Org.). Olhou para ele com amor: psicologia da vocação na fase da juventude. São Paulo: Paulinas, 2002 (Col. Educar para a vida 2 v.).

Page 119: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

118

IMODA, Franco (Org.). Mestre, onde moras?: discernimento da vocação. São Paulo: Paulinas, 2002 (Col. Educar para a vida 3 v.).

______. Psicologia e mistério: o desenvolvimento humano. São Paulo: Paulinas, 1996.

JOÃO PAULO II. Carta encíclica Laborem Exercens: sobre o trabalho humano. São Paulo: Loyola, 1981.

______. Carta encíclica Redemptor Hominis. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 1984 (Col. A voz do Papa 90).

______. Exortação apostólica pós-sinodal Pastores dabo vobis: sobre a formação dos sacerdotes. São Paulo: Paulinas, 1992.

______. Exortação apostólica pós-sinodal Vita Consecrata: sobre a vida consagrada e a sua missão na Igreja e no mundo. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1999 (Col. A Voz do Papa 147).

KEARNS, Lourenço. A teologia da vida consagrada. Aparecida: Santuário, 1999.

______. Teologia da obediência religiosa. Aparecida: Santuário, 2002.

KLAPPERT, Bertold. Rei, reino: βaτιλείa. In: COENEM, Lothar; BROWN, Colin (Orgs.). Dicionário internacional de teologia do Novo Testamento. 2. ed. São Paulo: Vida Nova, 2000. 2 v, p. 2024-2030.

KLOPPENBURG, Boaventura. Abba: Papai: Deus Padre Eterno. Petrópolis: Vozes, 1999.

______. Introdução geral aos documentos do Concílio. In: Compêndio do Vaticano II: constituições, decretos, declarações. 18. ed. Petrópolis: Vozes, 1986, p. 7-36.

______. O protagonismo dos fiéis leigos. Teocomunicação. Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 35, n. 148, jun. 2005, p. 261-274.

KOEHLER, Henrique. Dicionário escolar latino-português. 5. ed. Porto Alegre: Globo, 1940.

KONINGS, Johan. Ser cristão: fé e prática. Petrópolis: Vozes, 2003.

KÜNG, Hans. Projeto de ética mundial: uma moral ecumênica em vista da sobrevivência humana. 4. ed. São Paulo: Paulinas, 2003.

KUNRATH, Pedro Alberto. O ministério da comunhão na reflexão teológica do Concílio Vaticano II. Teocomunicação, Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 34, n. 145, p.593-627, set. 2004.

______. Trindade-Eucaristia-Igreja: o Mistério da Comunhão nos escritos da Max Thurian e Jean-Marie Roger Tillard. In: Excerpta ex dissertatione ad doctoratum in Facultate Theologiae apud Pontificiam Universitatem Gregorianam. Roma, 1999.

LADARIA, Luis F. Antropologia. In: XABIER PIKAZA, O. de M.; SILANES, Nereo (Orgs.). Dicionário teológico: o Deus cristão. São Paulo: Paulus, 1998, p. 46-53.

______. Introdução à antropologia teológica. São Paulo: Loyola, 1998 (Col. Introdução às Disciplinas Teológicas).

Page 120: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

119

LÉON-DUFOUR, Xavier. Homem. In: LÉON-DUFOUR, Xavier et alii (Orgs.). Vocabulário de teologia bíblica. 4. ed. Petróplois: Vozes, 1987, p. 405-412.

LIBANIO, João Batista. A arte de formar-se. 4. ed. São Paulo: Loyola, 2004.

______. As lógicas da cidade: o impacto sobre a fé e sob o impacto da fé. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2002 (Col. Theologica 2).

______. Deus e os homens: os seus caminhos. 3. ed. Petrópolis: Vozes, 1996 (Col. Religião e saber 1).

______. Igreja: povo de Deus. Jornal de Opinião, Belo Horizonte, p. 11, 14 a 20 de mar. 2005.

______. Lumen Gentium: mina inesgotável. Vida Pastoral, São Paulo, ano 45, n. 236, p. 3-8, mai. jun. 2004.

______. Somos criados para a liberdade. Jornal de Opinião, Belo Horizonte, p.11, 22 a 28 de nov. de 2004.

LIPOVETSKY, Gilles. O caos organizador. IHU ON-LINE, São Leopoldo, ano 4, n. 92, p. 33-38, 15 de mar. 2004.

LORENZE, Lynne Faber. Introdução à Trindade. São Paulo: Paulus, 2002 (Col. Teologia hoje).

LORSCHEITER, José Ivo. Sobre o passado, o presente e o futuro da Igreja. In: BELMONTE, Sergio Augusto; BARICHELLO, Eugênia Mariano da Rocha (Orgs.). Dom José Ivo Lorscheiter: o bispo da esperança. Santa Maria: Pallotti, 2004.

LOUF, André. Mais pode a graça: o acompanhamento espiritual. Aparecida: Santuário, 1997.

MAGRASSI, Mariano. Acolhimento. In: BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.). Dicionário de mística. São Paulo: Loyola; Paulus, 2003, p. 08-11.

MAIN, John. A palavra que leva ao silêncio. 7. ed. São Paulo: Paulus, 2003.

MAYORAL LÓPES, Juan Antonio. Profetas. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética. São Paulo: Paulus, 2004, p. 912-921.

MANENTI, Alessandro. Vocação, psicologia e graça. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1991 (Col. Fé e vocação 7).

MANZATTO, Antônio. O paradigma cristológico do Vaticano II e sua incidência na cristologia latino-americana. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 207-225.

MARMILICZ, André. O ambiente educativo nos seminários maiores do Brasil: teoria e prática. Curitiba: Vicentina, 2003.

MARTINI, Carlo Maria; VANHOYE, Albert. Bíblia e vocação. São Paulo: Loyola, 1987 (Col. Fé e vocação 2).

Page 121: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

120

McKENZIE, John L. Dicionário bíblico. 8. ed. São Paulo: Paulus, 2003.

MENDES, Vitor Hugo. Inteligência da fé em um contexto pós-metafísico: apontamentos para uma nova sensibilidade teológica. Teocomunicação, Porto Alegre: EDIPUCRS, v. 35, n. 148, p. 275-303, jun. 2005.

______. 1º seminário nacional sobre a formação presbiteral da Igreja no Brasil. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. São Paulo: Paulus, 2001, p. 9-12.

MENDONÇA FILHO, João da Silva. Projeto de vida: rumo à meta que é Jesus Cristo. São Paulo: Paulinas, 2002.

MERCATALI, Andréa. Padre espiritual (diretor). In: FIORES, Stefano de; GOFFI, Tullo (Orgs.). Dicionário de espiritualidade. Lisboa (POR): Paulistas; São Paulo: Paulinas, 1989, p. 866-879.

MESQUITA, A. A doutrina da Trindade no Velho Testamento. Rio de Janeiro: Dois Irmãos, 1956.

MIANO, Francesco. Platão. In: BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.). Dicionário de mística. São Paulo: Loyola; Paulus, 2003, p. 879-880.

MISSAL Romano. Restaurado por decreto do Sagrado Concílio Ecumênico Vaticano Segundo e promulgado pela autoridade do Papa Paulo VI. Trad. Portuguesa da 2. ed. Típica para o Brasil realizada e publicada pela Conferência Nacional dos Bispos do Brasil com acrésc. aprov. pela Sé Apostólica. São Paulo: Paulinas; Petrópolis: Vozes, 1992.

MONDIN, Battista. Antropologia teológica: história, problemas, perspectivas. São Paulo: Paulinas, 1979.

MORO, Celito. A formação presbiteral em comunhão para a comunhão: perspectiva para as casas de formação sacerdotal. Aparecida: Santuário, 1997.

MUCHERY, Gerard. Vocações: um guia para escolher os caminhos do seguimento de Cristo. São Paulo: Paulinas, 1998.

NAVARRO PUERTO, Mercedes. Maria. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética. São Paulo: Paulus, 2004, p. 713-722.

NOUWEM, Henri J. M. A espiritualidade do deserto e o ministério contemporâneo: o caminho do coração. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001.

______. Mosaicos do presente: vida no Espírito. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 2003.

NÜTZEL, Johannes M. Vocação. In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico-teológico. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000, p. 449-450.

OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Evangelho da vocação: dimensão vocacional da evangelização. São Paulo: Loyola, 2003.

______. Na órbita de Deus: espiritualidade do animador e da animadora vocacional. São Paulo: Loyola, 2004 (Col. Animação vocacional 01).

Page 122: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

121

OLIVEIRA, José Lisboa Moreira de. Nossa resposta ao amor: teologia das vocações específicas. São Paulo: Loyola, 2001.

______. Olhar prospectivo sobre a formação presbiteral. In: CONFERÊNCIA NACIONAL DOS BISPOS DO BRASIL. Metodologia do processo formativo: a formação presbiteral da Igreja no Brasil. São Paulo: Paulus, 2001 (Série Estudos da CNBB 83), p. 155-180.

______. Teologia da vocação: temas fundamentais. São Paulo: Loyola, 1999.

______. A vocação batismal: fonte da comum dignidade e da legítima diversidade. Vida Pastoral, São Paulo, ano 44, n. 228, p. 3-8, jan. fev. 2003.

______. Teologia e Eclesiologia da Vocação . Disponível em: <http:// www.presbíteros .com.br/dogma/teologia.htm>. Acesso em: 16 de set. de 2004.

OLIVEIRA, Manfredo Araújo de. Pós-modernidade: abordagem filosófica. In: TRANSFERETTI, José; GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 21-52.

______. A Igreja deve atualizar-se para não ficar fora do mundo. Jornal de Opinião, Belo Horizonte, p. 4, 14 a 20 de fev. 2005.

ORGANIZAÇÃO DE SEMINÁRIOS LATINO-AMERICANOS. 2ª Assembléia: o seminário, formador de pastores para a nova evangelização. Brasília: OSIB, 2000 (Col. Cadernos da OSIB 9).

OTTO, S. Imagem. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1983. 2 v, p. 406-415.

PACOMIO, Luciano (Org.) et alii. Dicionário teológico interdisciplinar. 2. ed. Salamanca (ESP.): Sigueme, 1987.

PALEARI, Giorgio. Espiritualidade e missão. E. ed. São Paulo: Paulinas, 2002.

PALMES, Carlos. Batismo. In: APARÍCIO RODRIGUES, Angel; CANALS CASAS, Joan (Orgs.). Dicionário teológico da vida consagrada. São Paulo: Paulus, 1994, p. 56-65.

PAULO VI. Carta encíclica Ecclesiam Suam: sobre os caminhos da Igreja. São Paulo: Paulinas, 1964 (Col. A Voz do Papa 28).

PEDRO, Aquilino de. Dicionário de termos religiosos e afins. Aparecida: Santuário, 1993.

PEDROSA ARÉS, Vicente Maria. Vaticano II e catequese. In: PEDROSA ARÉS, Vicente Maria et alii (Orgs.). Dicionário de catequética. São Paulo: Paulus, 2004, p. 1122-1131.

PEREIRA, William César Castilho. A formação religiosa em questão. Petrópolis: Vozes, 2004.

PIERRARD, Pierre. História da Igreja. 3. ed. São Paulo: Paulinas, 1983.

PIGNA, Arnaldo. A vocação: teologia e discernimento. São Paulo: Loyola, 1989.

QUEIROGA, Gervásio Fernandes. Conferência Nacional dos Bispos do Brasil: comunhão e corresponsabilidade. São Paulo: Paulinas, 1977.

Page 123: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

122

RAHNER, Karl. Curso fundamental da fé: introdução ao conceito de cristianismo. 2. ed. São Paulo: Paulus, 1989 (Col. Teologia sistemática).

______. Método e Estrutura do “De Deo Trino”. In: Mysterium Salutis: compêndio de dogmática histórico-salvífica II/1. Petrópolis: Vozes,1972 (1. Deus uno e trino), p.283-356.

______. O dogma repensado. São Paulo: Paulinas, 1970.

______. Vaticano II: um começo de renovação. São Paulo: Herder, 1966.

RATZINGER, Joseph. Conferencia Del Cardenal Joseph Ratzinger sobre la eclesiología de la “Lumen Gentium” pronunciada en el Congreso Internacional sobre la aplicación del Concilio Vaticano II, organizado por el Comité para el Gran Jubileo del año 2000. Disponível em: http://www.vatican.va/roman_curia/congregations/cfaith/documents/rc_ com_cfaith_doc2000027_ratzinger-lumen-gentium_sp.html. Acesso em 13 mai. 2001.

RIBEIRO, Hélcion. Ensaio de antropologia cristã: da imagem à semelhança com Deus. Petrópolis: Vozes, 1995.

ROVIRA BELLOSO, Joseph M. Trindade: Pai, Filho e Espírito Santo. In: XABIER PIKAZA, O. de M.; SILANES, Nereo (Orgs.). Dicionário teológico: o Deus cristão. São Paulo: Paulus, 1998, p. 876-891.

RUIZ DE LA PEÑA, Juan Luis. Criação, graça, salvação. São Paulo: Loyola, 1998.

RUIZ SALVADOR, Federico. Compêndio de teologia espiritual. São Paulo: Loyola, 1996.

RULLA, L. M. Psicologia do profundo e vocação: a pessoa. 2. ed. São Paulo: Paulinas, 1986.

SARTORE, Domenico; TRIACCA, Achille M. (Orgs.). Dicionário de liturgia. 3. ed. São Paulo: Paulus, 2004.

SASTRE, Jesús. Discernimento vocacional: proposta de encontros vocacionais para jovens. São Paulo: Paulinas, 2000 (Col. Gente jovem).

SCHIERSE, Franz Josef. Revelação Trinitária Neotestamentária. In: Mysterium Salutis: compêndio de dogmática histórico-salvífica II/1. Petrópolis: Vozes, 1972 (1. Deus uno e trino), p. 77-118.

SCHILLEBEECKX, Edward. História humana: revelação de Deus. São Paulo: Paulus, 1994.

SCHMAUS, Michael. Trindade. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1987. 5 v, p.363-382.

______. A fé da Igreja: justificação do indivíduo e escatologia. Petrópolis: Vozes, 1981. 6 v.

SCOPINHO, Sávio Carlos Desan. Filosofia e sociedade pós-moderna: crítica filosófica de G. Vattimo ao pensamento moderno. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2004 (Col. Filosofia 174).

SERVIÇO DE ANIMAÇÃO VOCACIONAL. As vocações específicas. Disponível em : <http:// www.sav.org.br>. Acesso em: 15 de mar. de 2005.

Page 124: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

123

SHEFFCZYK, Leo. Formulação magisterial e história do dogma da Trindade. In: Mysterium Salutis: compêndio de dogmática histórico-salvífica II/1. Petrópolis: Vozes,1972 (1. Deus uno e trino), p. 131-195.

SÍVERES, Luiz (Org.); BAQUERO, Victoriano; PEDREIRA, Eduardo. Discernimento vocacional. São Paulo: Loyola, 1991 (Col. Cadernos vocacionais 28).

SILVEIRA, João Carlos Andrade da. Adolescência e opção vocacional: análise psicopedagógica. Monografia (Especialização em Psicopedagoia) - Curso de Pós-Graduação em Educação, Faculdade de Filosofia Nossa Senhora da Imaculada Conceição, Viamão, 1994.

SOUBIAS, Hervé. Como discernir sua vocação?: ele está chamando, sacerdócio, vida consagrada. São Paulo: Paulinas, 2000.

SOUZA, Ney de. Contexto e desenvolvimento histórico do Concílio Vaticano II. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 17-67.

______. Evolução histórica para uma análise da pós-modernidade. In: TRANSFERETTI, José; GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes (Orgs.). Teologia na pós-modernidade: abordagens epistemológica, sistemática e teórico-prática. São Paulo: Paulinas, 2003, p. 103-140.

STUDER, Basílio. Trindade. In: BERNARDINO, Angelo di (Org.). Dicionário patrístico e de antiguidades cristãs. Petrópolis: Vozes; São Paulo: Paulus, 2002, p. 1386-1390.

SUSIN, Luiz Carlos. A criação de Deus. Valencia (Esp.): Siquem; São Paulo: Paulinas, 2003 (Col. Teologia Sistemática 5: Deus e criação).

______. “Para conhecer Deus é necessário conhecer o homem”: antropologia teológica conciliar e seus desdobramentos na realidade brasileira. In: GONÇALVES, Paulo Sérgio Lopes; BOMBONATTO, Vera Ivanise (Orgs.). Concílio Vaticano II: análise e prospectiva. São Paulo: Paulinas, 2004, p. 369-388.

TEIXEIRA, Evilázio Borges. Imago Trinitatis: Deus, sabedoria e felicidade: estudo teológico sobre De Trinitate de Santo Agostinho. Porto Alegre: EDIPUCRS, 2003 (Col. Teologia 25).

TEIXEIRA, João de Fernandes. Mente, cérebro e cognição. 2. ed. Petrópolis: Vozes, 2003.

TERRA, João Evangelista Martins. A vida e o ministério do padre. Revista de Cultura Bíblica, São Paulo, v. 20, n. 79/80, p. 11-45, ano 38, 1996.

TOMÁS DE AQUINO. Suma Teológica: da Trindade. I, q. 27-43. São Paulo: Odeon, 1936.

TORRES QUEIRUGA, Andrés. Fim do cristianismo pré-moderno: desafios para um novo horizonte. São Paulo: Paulus, 2003 (Col. Temas de atualidade).

______. Teologia e modernidade: a busca de novos paradigmas. IHU ON-LINE, São Leopoldo, ano 4, n. 92, p. 12-16, 15 de mar. 2004.

______. Um Deus para hoje. 2. ed. São Paulo: Paulus, 2003 (Col. Temas de atualidade).

Page 125: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

124

VALLE, Edênio (Org.); BENEDETTI, Luiz Roberto; ANTONIAZZI, Alberto. Padre, você é feliz?: uma sondagem psicossocial sobre a realização pessoal dos presbíteros do Brasil. São Paulo: Loyola, 2004.

VAN BAVEL, T. J. O núcleo da vida religiosa: tensão evangélica, impulso da sociedade. Petrópolis: Vozes, 1978.

VANZAN, Piersandro. Pós-modernidade. In: BORRIELLO, Luigi et alii (Orgs.). Dicionário de mística. São Paulo: Loyola; Paulus, 2003, p. 889-890.

VON ALLMEN, Jean-Jacques (Org.). Vocabulário bíblico. 2. ed. São Paulo: Metodista, 1972.

VIOTTI, Frederico. A Pós-modernidade: conseqüência da revolução gnóstica e igualitária. Disponível em: http://www.angelfire.com/id/viotti/sumario.htm Acesso em: 13 de dez. de 2004.

WARNACH, V. Homem. In: FRIES, Heinrich (Org.). Dicionário de teologia: conceitos fundamentais da teologia atual. 2. ed. São Paulo: Loyola, 1983. 2 v, p. 309-341.

WOSCHITZ, Karl M. Ser humano/homem. In: BAUER, Johannes B. (Org.). Dicionário bíblico teológico. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2000, p. 404-410.

ZILLES, Urbano. Os sacramentos da Igreja Católica. Porto Alegre: EDIPUCRS, 1995 (Col. Teologia 4).

Page 126: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

125

Page 127: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

126

Page 128: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

Livros Grátis( http://www.livrosgratis.com.br )

Milhares de Livros para Download: Baixar livros de AdministraçãoBaixar livros de AgronomiaBaixar livros de ArquiteturaBaixar livros de ArtesBaixar livros de AstronomiaBaixar livros de Biologia GeralBaixar livros de Ciência da ComputaçãoBaixar livros de Ciência da InformaçãoBaixar livros de Ciência PolíticaBaixar livros de Ciências da SaúdeBaixar livros de ComunicaçãoBaixar livros do Conselho Nacional de Educação - CNEBaixar livros de Defesa civilBaixar livros de DireitoBaixar livros de Direitos humanosBaixar livros de EconomiaBaixar livros de Economia DomésticaBaixar livros de EducaçãoBaixar livros de Educação - TrânsitoBaixar livros de Educação FísicaBaixar livros de Engenharia AeroespacialBaixar livros de FarmáciaBaixar livros de FilosofiaBaixar livros de FísicaBaixar livros de GeociênciasBaixar livros de GeografiaBaixar livros de HistóriaBaixar livros de Línguas

Page 129: DISCERNIMENTO NO CHAMADO À SANTIDADE E TEOLOGIA …livros01.livrosgratis.com.br/cp000775.pdf · obtenção do grau de Mestre em Teologia, ... 1.2.1 Antropologia do Antigo Testamento

Baixar livros de LiteraturaBaixar livros de Literatura de CordelBaixar livros de Literatura InfantilBaixar livros de MatemáticaBaixar livros de MedicinaBaixar livros de Medicina VeterináriaBaixar livros de Meio AmbienteBaixar livros de MeteorologiaBaixar Monografias e TCCBaixar livros MultidisciplinarBaixar livros de MúsicaBaixar livros de PsicologiaBaixar livros de QuímicaBaixar livros de Saúde ColetivaBaixar livros de Serviço SocialBaixar livros de SociologiaBaixar livros de TeologiaBaixar livros de TrabalhoBaixar livros de Turismo