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    Universidade Federal do Par

    Instituto de Filosofia e Cincias Humanas

    Faculdade de Histria

    Programa de Ps-graduao em Histria Social da Amaznia

    KAROL GILLET SOARES

    AS FORMAS DE MORAR NA BELM DA BELLE-POQUE(1870-1910)

    Belm

    2008

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    KAROL GILLET SOARES

    AS FORMAS DE MORAR NA BELM DA BELLE-POQUE

    (1870-1910)

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Histria da Universidade Federal doPar como exigncia parcial para a obteno do ttulode mestre em Histria Social da Amaznia.Orientador: Professor Doutor Geraldo Mrtires Coelho(DEHIS/UFPA).

    Belm

    2008

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    KAROL GILLET SOARES

    AS FORMAS DE MORAR NA BELM DA BELLE-POQUE

    (1870-1910)

    Dissertao apresentada ao Programa de Ps-graduao em Histria da Universidade Federal doPar como exigncia parcial para a obteno do ttulode mestre em Histria Social da Amaznia.Orientador: Professor Doutor Geraldo Mrtires Coelho(DEHIS/UFPA).

    Data de aprovao: / / 2008

    Banca Examinadora:

    _________________________________________Prof. Dr. Geraldo Mrtires Coelho (DEHIS/UFPA)

    _________________________________________Examinador 01

    _________________________________________Examinador 02

    _________________________________________(Suplente)

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    Dados Internacionais de Catalogao-na-Publicao (CIP)(Biblioteca de Ps-Graduao de IFCH/UFPA, Belm-PA)

    Soares, Karol GilletAs formas de morar na Belm da Belle-poque (1870-1910) / Karol Gillet Soares;

    orientador, Geraldo Mrtires Coelho. - Belm, 2008

    Dissertao (Mestrado) - Universidade Federal do Par, Instituto de Filosofia e CinciasHumanas, Programa de Ps-Graduao em Histria Social da Amaznia, Belm, 2008.

    1. Ecletismo na arquitetura - Belm (PA). 2. Renovao urbana - Belm (PA). 3.Arquitetura de habitao - Belm (PA). 4. Par - Histria, 1870-1910. I. Ttulo.

    CDD - 22. ed. 981.15

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    A minha me que sempre me incentivou,

    um porto seguro em minha vida.

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    AGRADECIMENTOS

    Nenhum trabalho feito totalmente sozinho. Mesmo que ele seja feito por uma s

    pessoa, direta e indiretamente recebemos ajuda, inspirao, foras, carinho, dentre outras

    contribuies dirias. Por este motivo a realizao desta dissertao no seria possvel sem a

    ajuda de tantas pessoas. E por toda essa contribuio, gostaria de agradecer algumas pessoas

    de forma mais especial.

    Ao meu orientador Geraldo Mrtires Coelho, que pacientemente, ajudou a

    construir este estudo. Mas acima de tudo, que revelou para esta arquiteta um novo mundo

    cheio de histriase como saber interpret-lo. Sou grata por toda sua dedicao.

    Agradeo a Professora Magda Ricci pela oportunidade de ingressar neste

    programa, sempre atenciosa e dedicada, e a secretria do Programa de Ps-Graduao AnaAlice pela dedicao em sempre nos atender de forma carinhosa.

    Aos professores do Programa de Ps-graduao que contriburam de forma

    imensurvel para a construo desta pesquisa, em especial aos professores Leila Mouro,

    Celeste Pinto e Aldrin Figueiredo pelas sugestes, idias e materiais.

    A Selma, que sempre me incentivou a estudar e nunca desistir dos meus ideais,

    alm de me ajudar a superar todas as nossas dificuldades. Me, te agradeo por tudo.

    Ao Gerson por sempre me incentivar, sempre perto de mim, participando dos

    meus anseios e angstias em todas as etapas deste trabalho, alm do fundamental apoio nasvisitas de todas as minhas casinhas.Obrigada pelo seu apoio incondicional.

    A todos os meus amigos pela eterna amizade e compreenso, em especial a Aline,

    participando da minha vida em astral total, alm de ser a maior divulgadora dos meus estudos,

    a Bel e a Dani por me ajudarem desde o primeiro momento a construir o projeto desta

    pesquisa, sem vocs eu no teria participado do processo seletivo deste mestrado.

    Aos meus sempre amigos do museu Horcio, Rosy, Priscilla, Marthinha, Norberto

    e Lucidalva pela fora, amizade e contribuies mais do que especiais. Agradeo a

    oportunidade de aprender com vocs e por toda a compreenso nos momentos em que nopude estar perto. Tambm no poderia esquecer de agradecer a Rocinha do Museu, que

    despertou toda a minha curiosidade e inquietude em aprender sobre as formas de morar.

    Aos meus amigos do mestrado que acolheram to bem, ajudando sempre que

    possvel com sugestes e leituras. Ao Slvio, Deocleoma, Durval e Carlos Eduardo pela

    amizade mais prxima, contribuindo e me ensinando o ofcio de um historiador.

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    Aos meus amigos arquitetos que enfrentam as mesmas delcias e dificuldades

    desta profisso Liuly, Joyce, Anna Carolina, Jaque, Lourival Neto, Zema, Bianca e a

    especilssima contribuio de Andr, que mesmo longe, compartilhou comigo o seu

    aprendizado, sendo um companheiro de pesquisa sobre o patrimnio histrico belenense.

    A Ava e ao Pedro, que alm da amizade, puderam viabilizar a leitura somente

    disponvel na biblioteca de sua universidade.

    A todos os moradores que me permitiram conhecer a sua residncia, em especial a

    coordenadora e funcionrios do Centro de Convivncia da Terceira Idade Palcio Bolonha, e

    Arquiteta Simone Simes, que me permitiu conhecer o seu projeto de restauro.

    No poderia deixar de agradecer a presteza de todos aqueles que dedicam o seu

    trabalho em bibliotecas sempre nos atendendo da melhor forma possvel no Arquivo Pblico,

    CENTUR (Fundao Cultural do Par Tancredo Neves), Instituto do Patrimnio HistricoArtstico Nacional (IPHAN) e Fundao Cultural do Municpio de Belm (FUMBEL), em

    especial a Alzira, Goreti, Carmelinda e Bruno, e a muito mais que especial Marina que me

    permitiu vasculhar todo o acervo da Biblioteca de Arquitetura.

    Aos professores do Curso de Arquitetura da UFPA que sempre incentivaram os

    seus alunos a construir um pequeno acervo, em porte, mas que guarda informaes de enorme

    importncia sobre o patrimnio histrico de Belm. A formao deste acervo, em grande

    parte, deve-se ao empenho das professoras Elna Trindade, Ana La Nassar e Roseane Norat.

    Mas no poderia deixar de agradecer o Professor Jos Jlio por sua sempre dedicada atenocom uma de suas escudeirase que incentivou o meu gosto pela pesquisa.

    Ao testemunho de todas as casas, sem elas este trabalho no poderia ser realizado.

    Agradeo a todos!

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    Sua casa se far com voc e voc com sua casa.

    Adolf Loos (1870-1933), arquiteto.

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    SUMRIO

    RESUMO .................................................................................................................................................10ABSTRACT .............................................................................................................................................11LISTA DE FOTOGRAFIAS ..................................................................................................................12INTRODUO .......................................................................................................................................13

    I. Formas de morar: a influncia dos processos histrico-sociais na arquitetura residencial deBelm (1870-1910)1.1 - A Belm das bananeiras: uma cidade em transio para a Belm moderna (1850-60). ...........21

    - A arquitetura oitocentista de Belm. .............. ............. ............. ............. .............. ............. ............ .............. ......... 25- A moradia dos viajantes: as primeiras rocinhas de Belm. ............ .............. ............. .............. ............ .............. .. 30- Por uma nova arquitetura .................................................................................................................................... 32

    1.2 - A Belm da borracha: economia, sociedade e urbanizao em Belm de 1870 a 1910.............35- A economia daBelm da borracha..................................................................................................................... 37- A sociedade daBelm da borracha..................................................................................................................... 44

    1.3 - A Belm moderna: a nova fisionomia urbana de Belm (1897-1910).........................................47- O novo lema para a urbanizao da capital do Par: modernidade, progresso e civilizao........... .............. ...... 49

    -A construo daBelm moderna: a reforma urbanstica de Lemos. ....................................................................51-As grandes obras de Lemos em Belm: obras pblicas e servios de infra-estrutura. ............. ............ .............. .. 54-A novapaisagem urbana de Belm. ............ ............ .............. ............. ............ .............. ............. .............. ............ . 64

    II. (Re)construindo as formas de morar naBelm da belle-poque2.1 - A casa um documento. .................................................................................................................702.2 - O morar na Belm moderna: linguagem cultural e representao social. .................................73

    - A esttica urbana: algumas regras para as edificaes naBelm moderna. ........................................................ 83

    2.3 - A casa belenense: da burguesa popular. ....................................................................................932.3.1 - O moradorfaz o seu estilo.......................................................................................................................... 97- A arquitetura residencial burguesa: neoclssico x ecletismo. ............ .............. ............. .............. ............ ............ 97- Os arquitetos e engenheiros da casa belenense. ............ ............. .............. ............ ............. .............. ............. ..... 1052.3.2 - A casa popular belenense: influncias e contribuies arquitetnicas do europeu, do negro e do ndio.. 110

    2.4 - A casa e as suas formas.................................................................................................................1202.4.1 - A construo das formas: algumas referncias sobre materiais, tcnicas e sistemas construtivos. .......... 1212.4.2 - Os elementos formam o conjunto: algumas referncias sobre os principais elementos arquitetnicos naconstruo da casa moderna. ............. ............ .............. ............. ............ .............. ............. .............. ............ .......... 130

    III. As formas de morar naBelm da belle-poque3.1 - As principais formas de (se) morar .............................................................................................137

    - O morador e a moradia: as necessidades bsicas e as novas necessidades burguesas dentro da casa. .............. 138

    3.2 - As formas burguesas de morar. ...................................................................................................1473.2.1 - Palacetes...... .............. ............. ............ .............. ............. ............ .............. ............. .............. ............ .......... 1493.2.2 - Casas assobradadas (ou apalacetadas).....................................................................................................1623.2.3 - As casas suburbanas: rocinhas, chcaras e chalets de ferro............. ............ ............. .............. ............. ..... 169

    3.3 - As formas popularmente burguesas de morar ...........................................................................182

    3.3.1 - As casas de puxada.............. ............ .............. ............. .............. ............ .............. ............. .............. ........... 1823.3.2 - As casas para proletariados: casas para operrios e casas em vilas. ......................................................... 196

    3.4 - As formas populares de morar.....................................................................................................2093.4.1- Pores e casas dos patres.......... ............ .............. ............. .............. ............ ............. .............. ............. ..... 2113.4.2- Cortios .................................................................................................................................................... 2163.4.3- Barracas e palhoas ............. ............ .............. ............. .............. ............ .............. ............. .............. ........... 2213.4.4 - As casas ecleticamentepopulares................. ............. ............ .............. ............. .............. ............ .............. 228

    CONSIDERAES FINAIS................................................................................................................231REFERNCIAS ....................................................................................................................................237ANEXOS ................................................................................................................................................244

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    RESUMO

    Em meados do sculo XIX, a capital do Par comeava a sentir as primeiras transformaes

    urbanas decorrentes da riqueza da borracha. A partir do perodo de expanso da economiagomfera em 1870, esta conjuntura permitiu as intervenes e melhorias seguidas pelos ideaisde modernidade, progresso e civilizao, introduzidos pelo Poder Pblico na construo deumaBelm moderna, perodo que se estende at o final do ciclo, aproximadamente em 1910.Ao evocar-se a arquitetura do perodo a ser trabalhado, no senso comum, trata-se de seevidenciar o grande legado do ciclo da borracha, espelhada num processo ambientado emriquezas e oportunidades em que as casas passaram a ser construdas com uma arquiteturaimportada europia, tornando-se o prprio smbolo dessa modernidade. Mas, tambm, foramconstrudas casas que ameaavam o projeto de modernizao urbana criada para a novaBelm, e, por isso, tornou-se necessrio a criao de algumas regras e medidas queimpedissem ou retirassem as casas no-condizentes do ncleo central, forando essesmoradores a construir em reas mais perifricas de Belm. Assim, podemos perceber que esta

    nova conjuntura permitiu a construo de novas e diferentes formas de morar, onde osrecursos do morador seriam mais evidentes no partido arquitetnico de suas casas - das casasburguesas a populares. E entre esses dois extremos, encontravam-se as diversas formas demorar naBelm da belle-poque. Por este motivo, a casa torna-se um documento importantepelo qual poderemos compreender a influncia de todos os fatores externos (econmicos,sociais, tcnicos, culturais, polticas pblicas, artsticos, espaciais, entre outros) em suaconstruo. O grande desafio, portanto, desta dissertao, revelar a diversidade habitacionalconstruda nas diferentes formas de morar durante o perodo em questo.

    Palavras-chave: casa; belle-poque; Belm.

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    ABSTRACT

    By the mid-19th Century the capital of the State of Par started being affected by the first

    urban transformations resulting from the richness brought in by the extraction of rubber.Beginning with the expansion of the rubber economy in 1870, this conjuncture allowed forinterventions and improvements based on the ideals of modernity, progress and civilizationintroduced by the public authority in the construction of a modern Belm:this period extendsup to the end of the rubber cycle, around 1910. When evoking the architecture of the periodunder study, as seen by common sense, one should stress the great legacy of the rubber cycle,reflected in a process set in riches and opportunities in which houses were built according toimported, European standards of modernity and became the very symbol of that modernity.Then again, there were also houses that threatened the project of urban modernization createdfor a New Belm,which prompted the creation of some guidelines and measures in order toprevent or remove those non-conforming abodes, forcing their dwellers to live in the outskirtsof the city. Thus, we realize this context allowed for the building of newand differentkinds of

    dwelling, in which the dwellers resources would be evidenced by the architectural division oftheir houses, both bourgeois and popular two extremes between which the forms ofhabitation in the Belle poque in Belm could be defined. Thus the house becomes animportant document for the understanding of the influence of external effects economical,social, technical, cultural, related to public policies, artistic, spatial and others on itsconstruction. The greatest challenge of this paper is to reveal the habitational diversity foundin the different forms of dwelling in the period in question.

    Keywords: dwelling,Belle poque,Belm

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    LISTA DE FOTOGRAFIAS

    1: Santa Maria de Belm do Gro Par ca. 1820....................................................................................262: Capela de Nazar em 1848, prximo onde moraram Bates e Wallace. .............................................313: Esquema de transio das casas coloniais para as casas de poro alto. .............................................33

    4: Implantao da arquitetura colonial urbana .......................................................................................335: Seringal nos arredores de Belm........................................................................................................376 e 7: Alguns trechos da Estrada de Nazareth em ca. 1875 e em ca. 1905. ...........................................538: Vista geral da Praa Batista Campos. ................................................................................................689, 10 e 11: Alguns trechos da Travessa So Mateus ..............................................................................6912: Planta da Cidade de Belm executada por Jos Sidrim em 1905.....................................................7513: Estrada de Nazareth, rea nobre de Belm.......................................................................................8314: Uma vista do porto de Belm, 1908.................................................................................................9615: ABelm moderna: exemplos de casas eclticas de famlias burguesas.........................................10216: A casa de um seringueiro...............................................................................................................11417 e 18: Exemplos de casas de negros. ................................................................................................11619: Exemplos de casas de porta-e-janela encontradas no Brasil. .........................................................119

    20: Alguns exemplos de vergas............................................................................................................13421: Exemplos de janelas.......................................................................................................................13522: Alguns exemplos de coroamento. ..................................................................................................13623: Alguns exemplos de lambrequins. .................................................................................................13724: Planta esquemtica de puxada........................................................................................................14225: Palacete Facila em ca. 1900. ........................................................................................................15226: Palacete Pinho................................................................................................................................15427: Av. Jos Malcher, esquerda o Palacete Montenegro...................................................................15628: Palacete Montenegro......................................................................................................................15629: Palacete Bolonha............................................................................................................................15930: Vista da Estrada de Nazareth. ........................................................................................................16431: Residncia Av. Generalssimo Deodoro, 413. ...............................................................................16632: Fachada da casa construda por A. C. Pina e Melo. .......................................................................167

    33: Vista interna da residncia .............................................................................................................16734: Chcara Bem-bom da Famlia Facila...........................................................................................17135: Rocinha do Museu Goeldi..............................................................................................................17536: Rocinha do Bengu.........................................................................................................................17637, 38 e 39: Os chaletsda Imprensa, do Bosque e da UFPA...............................................................17840: A residncia do Intendente Antnio Lemos...................................................................................18241: Exemplos de tipos de casa com diferentes alturas de poro...........................................................18642: Esquema evolutivo dos diferentes tipos de implantao................................................................19043: Exemplos de casas com diferentes implantaes. ..........................................................................19144: Exemplos de casas com solues ecletizantes. ..............................................................................19445: Vila Loriga.. ...................................................................................................................................20446: Vila urea......................................................................................................................................204

    47: Vila localizada na Av. Nazar........................................................................................................20648: Vila localizada na Av. Jos Malcher..............................................................................................20649 e 50: Vila Bolonha ..........................................................................................................................20851: Alguns exemplos de pores. ..........................................................................................................21352: Vila Adrega....................................................................................................................................22053 e 54: Palhoas localizadas nas cercanias do Museu Goeldi, ca. 1900.............................................22255: Trecho da Avenida Cear ca. 1910. ...............................................................................................22456: Variaes do esquema de planta do colonizador ...........................................................................22557: Variaes do esquema de planta dos imigrantes negros. ...............................................................22558: Esquema da planta baixa esquemtica da casa de Hortncia .........................................................22959 e 60: Exemplos de casas ecleticamentemodernizadas....................................................................230

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    INTRODUO

    A arquitetura revela uma poca, distinguida e codificada em sua totalidade. Se

    podemos reconhec-la, isto significa que o homem incorporou valores de seu ambiente, e que

    nada mais so do que fatores externos, como, por exemplo, polticas pblicas, economia,

    classes sociais, ou ainda, a cultura de um povo, tudo isso expressos fisicamente em suas

    construes. Assim, compreende-se que o espao interior [...] no pode ser representado

    perfeitamente em nenhuma forma, que no pode ser conhecido e vivido no ser por

    experincia direta, o protagonista do fato arquitetnico1. Ento, podemos dizer que o estilo

    vira a expresso mxima esttica, e que ele se torna uma ferramenta que nos permite

    reconhecer um dado perodo histrico a partir do partido arquitetnico dos edifcios.

    Neste caso, podemos perceber que o homem no tempo histrico foi capaz de

    reformular o seu espao (ambiente), enquanto cidade e/ou moradia. Portanto, o homem

    construiu muito mais que o seu abrigo, mas o seu prprio modo de viver e de morar. Se

    tornarmo-nos senhores do espao, saber v-lo, constitui a chave que nos dar a

    compreenso dos edifcios2. Ento, deste modo, a casa oferece seu testemunho, porm,

    devemos saber como interpretar as palavrasconstrudas em suas estruturas.

    Assim, o principal e mais simples objeto construtivo, a casa, pode servir como

    ponto de partida para a compreenso das transformaes adquiridas em determinada poca,

    visando-se revelar a importncia do papel que a Histria imprime nas edificaes3. Em muitos

    casos, atribuiu-se arquitetura certo tom de monumentalidade, onde somente existia uma

    verdadeiraarquitetura em palcios, igrejas e demais templos. As casas no faziam parte deste

    cenrio idlico das artes, exceto quando uma casa era residida por algum de grande

    importncia social e/ou histrica. Por estes motivos, o valor de uma casa foi marginalizado

    por ter participado de um cenrio cotidiano ou comum, o que nos leva a esquecer o seu

    testemunho4. Portanto, saber ver as diferentes formas de morar, trata-se, ento, de saber ver

    que as construes vo alm de uma pura composio de tijolos, na medida em que so

    capazes de revelar vestgios de uma determinada poca. Esta interpretao nos permiteentender as condies de seus moradores na sociedade e, principalmente, o que levou o seu

    1ZEVI, Bruno. Saber ver a Arquitetura. So Paulo: Martins Fontes, 2002, p. 18.2Ibid., p. 18.3ARGAN, Giulio Carlo. Projeto e Destino.So Paulo: tica, 2004.4[...] Sob o ngulo da histria e da conservao; ou seja, no apenas e limitadamente na consistncia presente,mas no seu passado - de que traz o seu nico valor, sendo a sua presena atual, em si, desprovida de ou com,escassssimo valor no futuro, para o qual deve ser assegurada, como vestgio ou testemunho de obra humana eponto de partida do ato de conservao. BRANDI, Cesare. Teoria da Restaurao. So Paulo: Atelie Editoriale,2004, p. 65.

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    construtor a morar daquela determinada forma5. Assim, podemos compreender como os

    processos histrico-sociais foram inseridos numa verdadeira arquitetura cotidiana expressa

    tanto na arquitetura de um determinado perodo quanto pelo dia-a-dia de seu morador, que

    construiu sua casa aos poucos ou que a modificou para o bem-estar de sua famlia.

    Se casas conseguem unir dois tempos, o histrico e o arquitetnico, nada melhor

    do que utiliz-las como fonte para a reconstituio de um determinado perodo6, enquanto,

    participante de um cenrio do cotidiano, onde homens revelaram muito mais que costumes ou

    hbitos, revelaram a construo de seu mundo. Habitat da vivncia e das condies

    particulares influenciadas tambm pelos processos histrico-sociais ocorridos em seu contexto

    que se representam numa esfera social ao consolidar o pensamento em atuaes tcnicas, e,

    por isso mesmo, revelam-se em diferentes formas.

    Muito mais do que simples linhas ou tijolos, as casas tornam-se documentosimportantes, alm de instigantes, pois estas edificaes ainda podem ser visitadas em seu

    conjunto urbano, ultrapassando o seu prprio tempo, revelando-se em documentos

    encontrados num ambiente fsico, mas que no esto necessariamente guardados em arquivos.

    Na verdade, so os prprios arquivos construdos, formas que levam unio entre esses dois

    tempos e traa sua coexistncia com o tempo presente. Essas fontes, muitas vezes, encontram-

    se menosprezadas pela falta de um exerccio de se falar com as paredes. Aqui, o desafio vai

    alm deste elo, vai busca de sabermos como aproveitar este tipo de testemunho.

    No h documento que no seja produto de um projeto e de uma operao tcnica; edocumento sempre um objeto, ainda que se trate de um conto, uma poesia, umcanto. A constituio de uma coisa qualquer pressupe uma dupla perspectivatemporal, sobre o passado e o futuro.7

    Para isso, faz-se necessrio estabelecer os elos que ligam a Arquitetura Histria,

    de forma que o trabalho no seja entendido como de carter puramente arquitetnico.

    Portanto, se de linhas e curvas que se misturam, o vazio do espao retirado8, traos fazem

    nascer elementos tridimensionais, cuja essncia edificada pela ao humana. Uma forma

    consolidada num momento histrico9entre significados e significncias, unidos ao elo mais

    5Neste caso, o termo forma apresenta-se como uma dupla referncia que tanto pode se referir a constituiofsico-construtiva quanto no sentido de expressar a condio de habitalidade do morador.6Assim, a dificuldade do historiador est mais na fragmentao do que ausncia da documentao, o que requeruma paciente busca de indcios, sinais e sintomas, uma leitura detalhada para esmiuar o implcito e o ocultopara descortinar o urbano. MATOS, Maria Izilda. Cidade: Experincias urbanas e a historiografia. In GRAF,Mrcia (org.). Cidades brasileiras: polticas urbanas e dimenso cultural. Projeto de cooperao CAPES/COFECUB. So Paulo, 1998, p. 129.7ARGAN, 2004, p. 16.8O espao no s cavidade vazia, negao de solidez: vivo e positivo. No apenas um fato visual: , emtodos os sentidos, e, sobretudo num sentido humano e integrado, uma realidade vivida. ZEVI, 2002, p. 217.9Ver: ARGAN, 2004.

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    forte de sua representao estilstica: o tempo. Estilo que advm com a construo, onde seu

    tempo regido pela Arquitetura, e que pode realizar-se em recortes temporais maiores,

    contemplados por junes do tempo histrico10. Porm, quando se reduz a linha entre o tempo

    histrico e o arquitetnico, este elo fica mais tnue. Funda-se um quadro histrico que

    cristaliza a representao de uma poca em puras evidncias que ajudam o pesquisador a

    reconstituir o momento sobre o qual se debrua.

    Saber ver a ligao entre Histria e Arquitetura era o comeo do desafio para o

    projeto desta dissertao. De modo que escolher um momento histrico no foi uma tarefa

    fcil, pois do ponto de vista do tempo arquitetnico, saltos longos podem ser feitos no curso

    dos acontecimentos em vista de obter-se um estudo de cunho estilstico11. Ento, optou-se

    pela apropriao de um momento em que a cidade conhecesse uma ruptura de seu padro

    construtivo, onde diferenas e marcos visuais pudessem ser estabelecidos, no somente pelapluralidade esttica das moradias, mas pela diferenas scio-econmicas envolvidas em sua

    construo urbana.

    Como para o tempo do homem, o tempo da cidade varivel, diferente segundo aspocas, diferentes segundo as cidades. Materialmente, uma cidade adormecidaparece atravessar os sculos com uma soberba serenidade, enquanto sua vizinhadinmica modifica seu territrio, sua arquitetura, sua organizao, mas tambm suapopulao, sua sociedade, seu modo de existir.12

    Observada a histria regional, avaliei alguns perodos que poderiam ser

    consideradas particulares. Da fundao-construo da cidade, passando por Landi,

    Cabanagem, Ciclo da Borracha, at os dias atuais, poucos foram os momentos da histria

    urbana de Belm em que as casas apresentassem grandes diferenas construtivas, o que

    manteve a paisagem urbana num cenrio, digamos mais harmonioso, ressaltado apenas por

    monumentos e igrejas13. A fim de que esta pesquisa apresentasse maior riqueza sobre um

    estudo que se voltasse tanto para a diversidade tipolgica construtiva, quanto para a

    relevncia scio-econmica dos moradores, procurou-se ento um perodo que apresentasse

    maiores contradies na composio das moradias em seu espao urbano. Nenhum outro

    momento conseguiu criar vrios cenrios dentro de uma mesma cidade, como o perodo em

    10 Argan (2004, p.16) acrescenta a esta discusso dos mnimos ao mximo, o comportamento histrico sedesenvolve num arco temporal que vai da experincia ao projeto: aquilo que o objeto no presente foi projeto dopassado e condio do futuro.11 Os monumentos da arquitetura revelam-se particularmente ricos em informaes, na medida em que seconstituam o mbito espacial das instituies. Alm disso, suas inscries e sua decorao (pintada e esculpida)referiam-se diretamente s crenas, aos usos e costumes da poca. CHOAY, Franoise. A Alegoria doPatrimnio.So Paulo: Editora UNESP, 2001, p. 67.12GARDEN, 1984 apud GRAF, Mrcia. Cidades brasileiras: polticas urbanas e dimenso cultural. Projeto decooperao CAPES/COFECUB. So Paulo, 1998, p. 11.13Ver:REIS FILHO, Nestor Goulart. Quadro da Arquitetura no Brasil. 9. ed. So Paulo: Perspectiva, 2000.

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    que a borracha dominou a regio14, principalmente, em seu perodo de expanso, que

    culminou na dominao da elite gomfera no espao urbano15. Nesse sentido, poderamos at

    pensar em analisar o momento posterior ao ciclo em questo, e acompanhar as transformaes

    da cidade ao iderio modernista. Mas, acredito que ao se tratar de casas, o trabalho

    apresentaria uma lacuna, pois no acompanharia o quadro histrico-evolutivo das formas de

    morar e de sua produo no espao urbano, devido a uma vigorosa ruptura estilstica

    ocasionada pela expanso gomfera no espao urbano de Belm.

    A cidade vai se impondo como um documento a ser lido pelo historiador, onde apaisagem urbana posta como um texto a ser decifrado, cabendo ao investigadorentender o que significa esse emaranhado de tempos-espaos e memrias,recuperando as vrias camadas e as relaes entre elas decifrando seus ENIGMAS,como uma arqueologia social da cidade. 16

    Mas, escolher esse perodo significa ampliar o domnio da arquitetura associadas

    belle-poque, e que retm a grande ateno pela conservao da nossa memria17, pois a

    experincia no trabalho de arquitetura, revelou que grande parte dos paraenses no

    reconhecem as principais formas de morar construdas durante a belle-poque, alm de alguns

    poucos palacetes. Esta experincia tambm me levou a indagar quais seriam as casas

    construdas em Belm durante o perodo em questo, mas, em especial, descobrir onde os

    moradores com menos recursos moravam, pois, muito pouco se sabe sobre a construo das

    casas populares. Alm do que, este tipo de arquitetura encontra-se praticamente desassociado

    da memria idlicada belle-poquede Belm.

    Por este motivo, esta dissertao pretende contribuir na ampliao deste

    imaginrio associado ao fausto da belle-poque, revelando as principais formas de morar

    construdas durante o perodo em questo que, de um modo geral, encontram-se ofuscadas

    14O impacto demogrfico e econmico do negcio da borracha s viria a ser plenamente sentido com o adventodos anos dourados da Amaznia - aproximadamente de 1880-1910 -, mas j nos meados do sculo XIX asexportaes da borracha estavam tendo efeito claramente perceptvel sobre as estatsticas vitais do Par.WEINSTEIN, Brbara.A Borracha na Amaznia: expanso e decadncia 1850-1920, So Paulo: Hucitec/Edusp,1993, p. 55-56.15As elites brasileiras absorveram esse conjunto de idias nos diversos campos, inclusive no ordenamento do

    espao urbano. Transformar as cidades em locais aprazveis significava dar-lhes um carter de civilizao.Utilizando-se um discurso de repdio ao atraso e de defesa da modernizao, verdadeiras intervenescirrgicas foram efetuadas em algumas cidades. MACHADO, Humberto. Progresso, civilizao e oordenamento do espao urbano. In: GRAF, Mrcia (org.). Cidades brasileiras: polticas urbanas e dimensocultural. Projeto de cooperao CAPES/COFECUB. So Paulo, 1998, p.72.16MATOS, 1998, p. 128, grifo do autor.17 Segundo Choay (2001, p. 205.) monumento e cidade histrica, patrimnio arquitetnico e urbano: estasnoes e suas sucessivas figuras esclarecem de forma privilegiada o modo como as sociedades ocidentaisassumiram sua relao com a temporalidade e construram sua identidade. [...] Em face dos edifcios e dosobjetos que o uso cotidiano transformou em meio ambiente, familiar, presente desde sempre, as antiguidadesfuncionam com um espelho. Espelho que cria um efeito de distncia, de afastamento, propiciando um intervaloonde se haver de instalar tempo referencial da histria.

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    pela riqueza da arquitetura gomfera, vistos como produtos da questo habitacional atual ou

    at mesmo desconhecidasno processo de construo daBelm moderna.

    Nesse sentido, o recorte temporal proposto inicia-se a partir do perodo de

    expanso da economia gomfera em 1870. Esta conjuntura permitiu as intervenes e

    melhorias seguidas pelos ideais de modernidade, progresso e civilizao, introduzidos pelo

    Poder Pblico na construo de uma Belm moderna, perodo que se estende at o final do

    ciclo, aproximadamente em 1910. Saber as formas de morar na Belm da belle-poquetrata-

    se de compreender a conjuntura que permitiu as intervenes e melhorias seguidas pelos

    ideais de modernidade, civilizao e progresso introduzidos pelo Poder Pblico na construo

    daBelm modernafinanciada pela riqueza da borracha.

    De modo que, ao evocar-se a arquitetura do perodo a ser trabalhado, no senso

    comum, trata-se de se evidenciar o grande legado e respectivo simbolismo do ciclo daborracha, espelhados num processo ambientado em riquezas e oportunidades, onde as casas

    com uma arquitetura importada europia tornaram-se smbolos dessa modernidade. Mas,

    tambm, foram construdas casas que ameaavam o projeto de modernizao urbana criada

    para a novaBelm, e, por isso, tornou-se necessrio a criao de algumas regras e medidas

    que impedissem ou retirassem as casas no-condizentes do ncleo central, forando esses

    moradores a construir em reas perifricas de Belm. Com isso, podemos perceber que esta

    nova conjuntura permitiu tambm a construo de novase diferentesformas de morar, onde

    os recursos do morador seriam mais evidentes no partido arquitetnico de suas casas. A novaBelm passava a ser construda pelas casas burguesas a populares. E entre esses dois

    extremos, encontravam-se diversas formas de morar, e, por isso, visa-se aqui a reconstituio

    deste momento pelo testemunho das casas, construdas durante o perodo em questo Assim, o

    grande desafio desta dissertao revelar a diversidade habitacional construda nas diferentes

    formas de morar durante o perodo em questo.

    Mais do que a expresso de formas, compreende-se o contexto de uma cidade

    como base na avaliao crtica de seu prprio desencadeamento histrico18.A fim de se evitar

    um tom memorialstico de reconstituio do passado, prope-se romper com umahistoriografia que traga tona patrimnios apenas conquistados por uma elite ou de riquezas

    de uma poca, como normalmente, anuncia-se a belle-poque. Os processos histrico-sociais

    18 As tenses urbanas vo surgindo como representaes do espao suporte de memrias diferentes,

    contrastadas, mltiplas, convergentes ou no, mas que delineiam cenrios em constante movimento, ondeesquecimentos e lacunas constroem redes simblicas de formas diferenciadas, discursos diversos que fazem dacidade lugar para se viver, trabalhar, rezar, observar, divertir-se misturando laos comunitrios e tnicos, criandoespaos de sociabilidade e reciprocidade, no trabalho e no lazer, em meio s tenses historicamenteverificveis. MATOS, 1998, p. 127.

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    devem ser entendidos como fora motriz e dinamizadora do espao. As evidncias fsicas de

    um modo de pensar e de viver, vistas por meio das edificaes, patrimnios vvidos da cidade,

    e que precisam ser preservados, mas tambm memria que precisa ser revista19. As casas,

    frutos do desenvolvimento de uma cidade, servem como instrumentos capazes de ajudar na

    elucidao das razes histricas que promoveram um desenvolvimento desigual de Belm.

    Memria amplamente herdada coletivamente para muitos, mas que poucos tiveram

    participao direta no luxo privado, ainda mais, com pistas que permanecem esquecidas no

    conjunto urbano, sinais lembrados como smbolo de uma poca, mas com seu testemunho

    mantido ainda mudo.

    Assim, o presente trabalho foi dividido em trs partes. No primeiro captulo

    Formas de morar: a influncia dos processos histrico-sociais optou-se em compreender

    como os processos scio-econmicos foram capazes de atuar como determinantes naproduo do espao urbano. Para este fim, tornou-se necessrio realizar uma breve anlise que

    acompanhasse a paisagem urbana de Belm entre os anos de 1850-60. Desta forma, seria

    possvel compor uma base comparativa dos anos que seguem expanso gomfera, de modo

    que seja percebido como a economia dominante da borracha se efetivou na construo de

    Belm. Neste ponto, faz-se importante verificar como o desenvolvimento econmico

    impulsionou o crescimento da cidade luz do iderio da modernidade e da civilizao

    europia. No entanto, desde que a economia gomfera se intensificou em Belm, a

    preocupao com a esttica urbana se configurou crescente. No sentido mais amplo, trata-sede revelar como o capital gomfero revelou ser o principal agente financiador das

    transformaes na esfera fsica da cidade, o que engendrou profundas alteraes na paisagem.

    De modo que a narrativa delineada visou entender como uma cidade que produziu a metade

    da borracha mundial lidou com transformaes, interesses, e contradies num espao de

    tempo relativamente pequeno, e que foi capaz de inserir a cidade amaznica no plano

    internacional, o que at os dias atuais ainda um tema capaz de gerar tantos debates.

    No segundo captulo (Re)construindo as formas de morar na Belm da belle-

    poqueobjetivou-se desconstruir a representao aplicada casa, mas, no sentido, de ampliareste imaginrio definido por um senso comum no temporal (1870-1910), quase sempre

    associado a palacetes e casarios. Enriquecer a imagem de casa tratou-se, sim, da

    19A evoluo das sociedades, na segunda metade do sculo XX, elucida a importncia do papel que a memriacoletiva desempenha. Exorbitando histria como cincia e como culto pblico, ao mesmo tempo a montante,enquanto reservatrio (mvel) da histria, rico em arquivos e em documentos/monumentos, e aval, eco sonoro (evivo) do trabalho histrico, a memria coletiva faz parte das grandes questes das sociedades em vias dedesenvolvimento, das classes dominantes e das classes dominadas, lutando, todas, pelo poder ou pela vida, pelasobrevivncia ou pela promoo. LE GOFF, Jacques.Histria e Memria. Campinas:UNICAMP, 1992, p. 469.

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    desconstruo da noo de casa burguesa, onde se contempla a pluralidade das formas de

    morar, de se constituir o seu prprio espao. Por este motivo, procuramos revelar como era o

    morar em Belm durante o perodo em questo, quando precisava se adequar aos novos

    padres da civilizao europia. A destruio da imagem da cidade desordenada, feia,

    promscua, imunda, insalubre e insegura, fazia parte de uma nova estratgia social no sentido

    de mostrar ao mundo civilizado [...], que a cidade de Belm era o smbolo do progresso. 20

    Com isso, examinamos as principais polticas pblicas voltadas esttica urbana que

    pudessem interferir na construo das casas.

    Contudo, a nova conjuntura financiada pela riqueza da borracha permitiu que as

    casas belenenses apresentassem a arquitetura em conformidade com os recursos de seu

    morador, construindo-se de casas burguesas s populares. As casas burguesas tornaram-se

    smbolos de modernidade, seguindo as regras do que uma boa residncia deveria conter, atpela representao do enquadramento social de seu morador consoante a opulncia de sua

    arquitetura completamente influenciada pelos estilos trazidos da Europa. Em contraponto,

    surge tambm a populao que no participa diretamente da borracha como renda, apenas de

    benefcios de adequao urbana central, construindo suas casas com mtodos construtivos e

    materiais encontrados na regio. Mas, essas casas no se apresentavam condizentes com a

    paisagem urbana almejada para a Belm moderna. Neste caso, a fachada tornou-se um elo

    importante entre o mundo privado e o pblico, por isso fundamental para esta anlise. Assim,

    procuramos revelar os principais materiais utilizados na construo civil durante o perodo emquesto, mas tambm revelar a casa modernamente idealizada que estivessem condizentes

    com os novos padres burgueses impostos pelo Poder Pblico e pela elite gomfera.

    No terceiro captuloAs formas de morar na Belm da belle-poque,aprofunda-se

    a temtica sobre as casas construdas em Belm durante o perodo de 1870 a 1910. Mas,

    primeiramente, avaliou-se, ainda que de forma sucinta, a compreenso das relaes entre o

    morador e a moradia para que o trabalho oferecesse uma melhor representao da forma pela

    qual o morador se apropria do seu espao privado, em virtude das funes realizadas no

    cotidiano e na organizao espacial dos cmodos.Assim, procuramos eleger as principais formas de morar dentro da diversidade

    habitacional daBelm da belle-poque. Neste caso, a dissertao foi direcionada pesquisa e

    anlise dos sistemas construtivos, composio volumtrica e o partido arquitetnico, a fim

    de que se investigasse a influncia dos fatores externos, a exemplo das relaes scio-

    20 SARGES, Maria de Nazar. Belm: Riquezas produzindo a Belle-poque (1870-1912). Belm: Paka-Tatu,2000, p. 14.

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    econmicas, leis e posturas, polticas pblicas na construo das casas. Por este motivo,

    examinamos a composio projetual das diferentes formas de morar que foram reconstitudas

    a partir de sua distribuio espacial interna e de seus programas de necessidades, com suas

    respectivas plantas baixas e/ou layouts. Tratam-se de avaliar a influncia dos processos

    histrico-sociais no somente nos modos de vida do morador, mas na sua condio e padro

    de habitabilidade, no que se refere linguagem cultural e enquadramento social (revelao do

    status) dos moradores, alm dos parmetros relevantes encontradas nos regulamentos e

    cdigos da cidade que implementaram certas decises projetuais.

    Nesse sentido, tornou-se necessrio investigar o quanto realmente as polticas

    pblicas e urbanas alteravam, ou no, compulsoriamente, a esttica das casas, ou se acabavam

    por regularizar um padro que j era adotado pelos prprios moradores. Assim, por meio dos

    vestgios presentes na construo das moradias, recompomos as principais formas de morarencontradas na Belm da belle-poque. E, a partir de seu testemunho procuramos revelar

    alguns dos vestgios que nos levassem aos valores contidos em sua construo, verificando-se

    como os fatores externos e a linguagem social determinaram o seu padro construtivo. Mas,

    reconstruir a paisagem urbana pela composio das casas construdas durante a belle-poque,

    pode nos ajudar na compreenso das razes do processo de urbanizao scio-espacial atual,

    visto que este processo urbano fruto das polticas urbanas do perodo em questo, e

    acrescenta o valor de patrimnio de moradias que testemunharam o cotidiano de um

    determinado momento histrico.

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    CAPTULO I

    Formas de morar: a influncia dos processos histrico-sociaisna arquitetura residencial de Belm (1870-1910).

    1.1- ABelm das bananeiras: uma cidade em transio para aBelm moderna(1850-60).

    Da a pouco, num cu sem nuvens, surgia o sol, e avistamos, ento cercada de densafloresta, a cidade [de Belm] do Par, com suas bananeiras e palmeiras, que sedestacavam magnificamente, oferecendo aos nossos olhares um espetculoduplamente belo, j pelo tom alegre da paisagem, j pela presena daquelesluxuriantes espcimens dos pases tropicais, na sua esplndida pompa nativa [...].21........................................................................................................................................A soberba bananeira (Musa paradisaca), a qual, conforme diziam todos os livros arespeito, constitua um dos maiores encantos da vegetao tropical, crescia ali comgrande vio, suas verdes e luzidias folhas de doze ps de comprimento debruando-se sobre o telhado das varandas, nos fundos de todas as casas.22

    A capital do Par durante o perodo da belle-poque, compreendido entre as

    dcadas de 1870 a 1910, passou por profundas transformaes em sua paisagem urbana. Na

    prtica, isto significou que Belm passasse por uma fase de transio em que a prpria cidade

    teve sua fisionomia urbana completamente modificada para se tornar a Belm moderna. Mas

    se o espao urbano de Belm estava sendo modificado, tornou-se necessrio para o

    desenvolvimento desta dissertao, compreender como seria a capital paraense antes deste

    processo de transformao urbana para a novaBelm.

    Assim, surge a Belm das bananeiras. Era a cidade de Belm em sua fase de

    transio, mais ou menos compreendido entre as dcadas de 1850 a 1860. Neste caso, optou-

    se em chamar a cidade desta forma por esta ter sido a vegetao que chamou a ateno de

    alguns naturalistas que visitaram Belm durante este perodo de transio. Nesse sentido,

    tambm foi realizado um paralelo da Belm das bananeirascom a Belm conhecida como a

    cidade das mangueiras23. Este ttulo teria sido herdado pela cidade aps a belle-poque, na

    qual, a cidade teria o seu espao urbano reformulado pelas riquezas provenientes da borracha

    para a construo daBelm moderna. De uma cidade de edifcios tristonhos, com aparncia

    de conventos, [...] ruas sem calamento e com algumas polegadas de poeira24para a cidade,

    que no final do sculo XIX, seria imaginada na condio de uma Paris Tropical25.

    21WALLACE, Alfred. Viagens para Amazonas e rio Negro. So Paulo: Companhia Editora Nacional, 1939, p.1.22BATES, Henry Walter. Um Naturalista no Rio Amazonas. Belo Horizonte: Itatiaia, 1979, p.13.23Apesar de Belm ter sido consagrada como a cidade das mangueiras pela ampla utilizao desta rvore noprojeto de construo da Belm modernadurante a administrao de Antnio Lemos (1897-1911), a cidade jcontava com sua utilizao no espao urbano e nos quintais no perodo que antecede a belle-poque.24 BATES, 1863 apud TOCANTINS, Leandro. Amaznia Homem, Natureza e Tempo. Rio de Janeiro:Civilizao Brasileira 1982, p. 122.25Uma pequena Paris Tropical, como se dizia em Belm. TOCANTINS, 1982, p. 127-8.

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    Para uma melhor compreenso sobre este perodo de transio ocorrido em Belm

    e, considerando a arquitetura inseparvel da vida dos cidados e do contexto em que ela

    criada26, tornou-se essencial recuar no recorte temporal estabelecido. Esse estudo visa a

    realizao do quadro histrico-evolutivo da paisagem urbana de Belm, e que nos leva ao

    entendimento dos motivos que levaram construo das formas de (se) morar. Por isso

    mesmo, no se pretende realizar um estudo profundo sobre o perodo que antecede 1870,

    apenas evidenciar as primeiras transformaes oitocentistas realizadas no espao urbano de

    Belm. A compreenso sobre os antecedentes histricos na arquitetura residencial belenense

    serve como base comparativa dos anos que seguem expanso gomfera a fim de que seja

    percebido como a economia dominante da borracha se efetivou na construo da novaBelm.

    Deste modo, optou-se como fonte principal sobre este perodo de transio em

    Belm, os relatos de naturalistas, como Bates, Wallace, dentre outros, que puderamtestemunhar as primeiras transformaes urbanas da capital paraense, produzidas pela riqueza

    da borracha. No entanto, deve-se lembrar que estes naturalistas faziam parte da vida cultural

    europia27, por isso mesmo, suas descries e testemunhos servem apenas como as primeiras

    evidncias que nos ajudem a construir o cotidiano da sociedade paraense durante o perodo de

    transio, filtrados pelo olhar europeu. Neste caso, a partir destes relatos, objetivou-se ampliar

    a discusso sobre a paisagem urbana de Belm com a viso de historiadores e crticos da

    arquitetura brasileira para que, desta forma, se obtenha um estudo mais profundo sobre as

    formas de morar encontradas naBelm da belle-poque.Assim, se observarmos as primeiras moradias construdas ainda pelos colonos na

    fundao da cidade at o incio do ciclo da borracha, podemos verificar que a paisagem da

    cidade pouco foi modificada. Apesar dos sculos XVII e XVIII terem realidades distintas,

    segundo Souza, na arquitetura colonial no caso de Belm que se seguiu de 1616 a 1822, as

    casas de um modo geral mantiveram praticamente as mesmas caractersticas bsicas

    projetuais e construtivas28. Essas casas foram construdas com materiais e recursos que

    estivessem ao alcance de seus construtores, na maioria de imigrantes portugueses, aliando-os,

    assim, s tcnicas construtivas tradicionais portuguesas. Por este motivo, as casas noseguiam um plano formal, o que a autora considerava, portanto, debarracas. A maioria das

    casas era de madeira ou taipa de pilo, e, para que elas se tornassem mais slidas os

    26SALGUEIRO, Heliana. O ecletismo em Minas Gerais: Belo Horizonte (1894-1930). In: FABRIS, Annateresa(org.). Ecletismo na Arquitetura Brasileira. So Paulo: Nobel/Edusp, 1987, p. 108.27COELHO, Geraldo Mrtires.Anteato da Belle poque: imagens e imaginao de Paris na Amaznia de 1850.In:Revista de Cultura do Par. Belm, v.16, n. 2, jul/dez, 2005, 212-3.28SOUZA, Denize. Estado do Par: pesquisa histrica bibliogrfica. Belm: Governo do Estado do Par, 1986.

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    construtores espalhavam tijuco29nas paredes. Apenas as melhores residncias, que ofereciam

    um pouco mais de conforto, eram destinadas aos capites-mores e ao governador.

    Uma das tcnicas utilizadas durante este perodo consistia no levantamento de

    esteios, seguido de adubamento das paredes com lama de barro [tijuco], caiao com

    sernambi extrada das conchas e cobertura de palha30. Ainda durante o perodo colonial, no

    existiam telhas de barro, e para suplantar esta carncia, o telhado era construdo com folhas de

    palmeiras ou de suas palhas. Meira Filho explica que as moradias encontradas em Belm

    seguiam o desenvolvimento da povoao que era essencialmente humilde. As habitaes

    erguiam-se de madeira, rsticas moradas, cobertas de palha de pindoba ou ubuu, cho

    batido, portadas em ripado leve, urupemas [esteiras] nos vo das janelas e quase nenhuma

    penetrao de luz no interior31. Contudo, podemos perceber que as casas tambm foram

    sendo modificadas conforme a cidade de Belm ia crescendo, de modo que os colonossubstituam os sistemas construtivos por tcnicas mais durveis e com melhores acabamentos.

    Coimbra revela que ainda assim as casas, em sua maioria, eram trreas e modestas, mas que

    passaram a ser construdas com assoalhos e paredes de pedra e cal, adicionadas de tijuco para

    que fossem protegidas da ao das chuvas, assim como os alicerces que tambm receberam o

    mesmo procedimento de proteo.

    Neste caso, as edificaes com dois pavimentos ou mais, como os sobrados,

    revelavam uma situao privilegiada aos demais colonos, assim como, a utilizao de telhas

    de madeiras, que posteriormente, foram substitudas pelas telhas de barro. No caso, os doistipos de habitao tinham como compartimentos bsicos duas salas, sendo uma exclusiva para

    o uso familiar, e entre elas ficavam as alcovas. De modo que a circulao da famlia era

    realizada por um corredor longitudinal. Entretanto, nos sobrados essa diviso espacial ocorria

    no segundo pavimento que era destinado aos familiares, e no pavimento trreo, o seu espao

    era destinado para depsitos ou para o uso dos escravos.

    Um prova que as moradias pouco se modificaram em Belm, entre os sculos

    XVII e XVIII, pode ser comprovada por meio dos relatos do naturalista Alexandre Rodrigues

    Ferreira (1784), porm, em seu mesmo relato, o autor tambm acaba por revelar que algumasmoradias comeavam a se diversificar esteticamente na paisagem urbana, e ele assim

    descreveu as casas da capital paraense:

    29Tijuco na lngua portuguesa significa lama; lodo. Neste caso, este material servia como um impermeabilizantenatural.30 CRUZ,1973 apud COIMBRA, Osvaldo. A saga dos primeiros construtores de Belm, Belm: ImprensaOficial do Estado, 2002, p. 98.31MEIRA FILHO, 1976 apud COIMBRA, 2002, p. 98.

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    O comum das casas em um e outro bairro, serem TRREAS, porque suposto selevantam algum pouco nvel da terra; pouco so assoalhadas, e muito poucas seguarnecem de paredes de pedra e cal. A maior parte das paredes, de frontal, e omtodo de as levantar consiste em levantarem esteios, que de ordinrio so deuacapu ou de sepipira, cujas extremidades fincam na terra com cautela somente deas no aguarem; em vez de pregarem os caibros que atravessam para fazerem o

    engradamento, atam-nos com o timb-titica, e sem adubarem o tujuco [leia-setijuco], nem (mais) vezes fazerem uso da colher, e trolha, mesmo a mo voembuando o frontal. Caia-se depois, ou com cal, a que reduzem as conchas de quechamem sirnambis [leia-se sernambi] de que tambm h minas em Carutapera,abaixo das costas do Caet, ou com a tabatinga. E as mesmas conchas sirnambis, htambm minas no rio Canatic, na Ilha Grande de Joanes, e nos rios Maracan eMarapani, abaixo do rio Curu. Para resguardarem das chuvas o lugar imediato aosalicerces, que no tem guarnecem-no de uma sapata de pedra e cal, revestida detijolos. [...] H contudo bastantes moradores de casas levantadas, umas comombreiras e mais ornatos nas portas e janelas feitas de madeira pintada, e outras detijolo de areia e cal, que finge pedra.32

    Contudo, no sculo XVIII, a Coroa tomou medidas incentivadoras para o

    desenvolvimento econmico da regio, criando, desta forma, a Companhia de Comrcio. O

    Estado do Maranho tomava a designao do Estado do Gro Par e Maranho e a sua capital

    foi transferida para Belm33. Ainda assim, Belm dispunha de uma economia altamente

    dependente do mercado exterior, regida basicamente por um incipiente ciclo do extrativismo

    silvestre, em especial do cacau, e de monoculturas como o caf e o algodo. A queda dos

    preos do cacau, a participao do Par na Guerra das Guianas e a conturbada situao

    poltica local levaria ao movimento da Cabanagem34. Em 1848, ainda que passados doze

    anos, esse seria o cenrio de ps-guerra que os viajantes Wallace e Bates veriam Belm como

    a Belm das bananeiras. A capital do Par era uma cidade com uma populao de 15.000

    habitantes, porm, uma cidade que estava descobrindo as primeiras benesses da

    comercializao da goma elstica.

    A arquitetura de Belm acompanhava as tradies portuguesas das construes

    civis, quase que impostas pelo contato direto com a me-ptria, Portugal. As construes

    eram modestas, baixas com beirais salientes ou sobrados, alguns com balces de ferro. Os

    projetos arquitetnicos vinham diretamente da metrpole para serem executados na colnia.

    Contudo, mais do que qualquer outra manifestao artstica, a arquitetura depende

    diretamente das condies materiais, e excluir os aspectos histricos e geogrficos dentro das

    quais ela se desenvolveu implicaria no compreender seu significado e sua prpria razo de

    32FERREIRA, 1781 apud CRUZ, Ernesto. As edificaes de Belm (1783-1911). Belm: Conselho Estadual deCultura, 1971, p. 16-7, grifo do autor.33 DERENJI, Jussara da Silveira. Arquitetura Ecltica no Par. In: FABRIS, Annateresa (org.). Ecletismo naArquitetura Brasileira. So Paulo: Nobel/Edusp, 1987, p.148.34Ibid., p. 149.

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    quanto a Adritica Veneza, no dizer do autor39. Mas, em 1803, optou-se pelo completo

    aterramento do Pir, cuja obra foi desempenhada pelo capito Engenheiro Joo Rafael

    Nogueira e capito Jos Frazo, onde foram construdas trs estrada de passeio das

    Mongubeiras (atual Avenida Tamandar), de So Jos (atual Avenida 16 de Novembro) e de

    So Mateus (atual Avenida Padre Eutquio). As novas estradas propiciaram uma nova

    conformao espacial no espao urbano de Belm, o que deu uma nova direo ao

    crescimento da capital paraense.

    Os relatos de Bates e Wallace nos revelam a cidade de Belm em transio. Suas

    descries nos permitem caminharpor uma outra paisagem urbana da capital paraense e de

    aspecto modesto, como podemos observar em seus testemunhos:

    Passamos primeiramente por algumas ruas prximas do porto, margeadas porprdios altos40 e sombrios semelhando conventos. [...] Entramos depois numa rua

    estreita e comprida, que ia dar nos arredores da cidade, em seguida atravessamos umcampo relvado e chegamos a um pitoresco caminho que ia dar na floresta virgem. Arua comprida era habitada pelas classes mais pobres. As casas tinham apenas rs-do-cho e sua aparncia era humilde e desalinhada. As janelas no tinham vidraa e simuma armao que se projetava para fora. A rua no era calada e a camada de areiafofa que cobria tinha muitos centmetros de espessura.41

    As vilas e cidade apresentavam ruas de aspecto uniforme, com casas trreas e

    sobrados construdos sobre o alinhamento das vias pblicas e sobre os limites laterais dos

    terrenos42. Neste caso, Reis Filho, descreve a paisagem urbana comum s cidades brasileiras

    no perodo colonial e, que no foi diferente na capital paraense.

    Figura 1: Santa Maria de Belm do Gro Par ca. 1820.Ao fundo nota-se a construo de casas trreas, sobrados e edifcios pblicos.

    Fonte: SPIX; MARTIUS, 1960 apud CRISPINO, 2006, p. 27.

    A Belm das bananeirasapresentava nas suas ruas tortuosas e estreitas, poucas

    edificaes predominantemente casas de um s pavimento em taipa, algumas igrejas e

    conventos43, o que relevava as tradies urbansticas de Portugal:

    39DERENJI, 1987, p.148.40Referia-se Bates ao atual Boulevard CASTILHOS FRANA, onde foram construdos os edifcios altos desobrado, de acordo com a determinao legal, que s permitia o levantamento de casas naquela rea, de frentepara o mar, com esta caracterstica. CRUZ, 1971, p. 34, grifo do autor.41BATES, 1979, p.12.42REIS FILHO, 2000, p. 21.43DERENJI, op. cit., p.148.

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    As casas, em geral, so pintadas de branco, destacando-se dentre elas algumasigrejas e vrios edifcios pblicos notveis, com as suas altas torres e cpolas. [...]As platibandas e cornijas das casas revestem-se de pequenas plantas, e nos altos dasparedes e nichos das igrejas vm-se musgos, relvas e mesmo arbustos ou rvores depequeno porte.44

    E sobre as casas, eles nos revelam que:[...] o morcego vampiro est voando em redor do meu quarto, ora pousando noscaibros do telhado (as casas daqui no tem forro), ora passando perto dos meusouvidos, e a produzir com as asas um rudo espectral. [...]Em algumas delas[referindo-se as estreitas ruas de Belm] existe calamento apenas pedras toscas,restos de antiga pavimentao, que nunca foi reparada, ou ento areia movedia oulamaais. As casas so irregulares e baixas, e, na sua maior parte, de alicercesconstrudos com uma pedra ferruginosa, muito comum nos arredores da cidade, eparedes emboadas. [...] As cores amarela e azul so geralmente empregadas nadecorao das casas.45

    Nesse sentido, o clima se tornou um dos fatores fsicos que mais viria a interferir

    na arquitetura brasileira, em especial na regio norte, onde o clima quente e mido apresentatemperaturas elevadas. Portanto, o primeiro problema que se colocava para os arquitetos era

    o de combater o calor e o excesso de luminosidade provenientes de uma insolao intensa46.

    A composio da malha urbana colonial se tornou uma ferramenta indispensvel para o

    combate das altas temperaturas. Por este motivo, tornou-se necessrio que as ruas fossem

    estreitas para impedir a penetrao de radiao solar intensa nas vias. A utilizao de amplos

    beirais nas casas urbanas e varandas nas casas rurais foram elementos arquitetnicos que

    ajudaram no conforto trmico das casas. O clima tambm seria responsvel pelo estado de

    conservao das moradias. Nos locais com grandes ndices pluviomtricos, aliados aos raiossolares, estes efeitos provocariam a degradao sucessiva das pinturas das casas, perdendo a

    vivacidade das cores aplicadas47, alm de promover um custo maior para a manuteno

    regular das fachadas. Isto explica o uso intenso de mrmore e do azulejo, no revestimento

    das paredes externas de muitos edifcios, conservando-as como novas por vrios anos48,

    como o caso de Belm, onde ainda se encontram vrios exemplares de casas com azulejos

    construdas durante o perodo em questo no centro histrico da cidade.

    44WALLACE, 1939, p. 3.45Ibid., p. 6-7.46BRUAND, 1981, p.12.47As igrejas e os edifcios pblicos so vistosos; mas os estragos, causados pelas intempries, e alguns retoquesextravagantes, que neles tm sidos feitos, muito os tm prejudicados, que neles tm sido feitos, muito os tmprejudicado, afeiando-os. (WALLACE, op. cit., p. 6). Alm do que, a impresso geral da cidade, para umapessoa recem-chegada da Inglaterra, no poder ser muito favoravel. V-se tanta falta de asseio e de ordem, umaaparncia tal de descuido, de relaxamento, de negligncia e de desnimo, que logo de princpio notmos, queparecem torn-la uma cidade absolutamente intoleravel. Esta impresso, porm, logo desaparece, e verifica-seque algumas destas particularidades so decorrentes do clima. (Ibid., p. 8).48BRUAND, op. cit., p.12.

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    A vegetao na capital paraense tambm se tornou um fator importante no

    combate s altas temperaturas. Neste caso, durante o perodo que antecede a belle-poque, a

    vegetao encontrava-se em estado natural, no existindo os jardins formais nas moradias

    devido s caractersticas de implantao da casa no lote. As casas eram os prprios limites das

    ruas, pois a maioria das vias pblicas tambm no apresentava calamentos, nem espaos

    destinados criao de canteiros. Contudo, como veremos no prximo captulo, a partir do

    sculo XX que a implantao das casas nos lotes viria a modificar profundamente a paisagem

    urbana no Brasil. Nesse sentido, a paisagem da Belm das bananeiras seguia o padro

    colonial urbano, como podemos observar:

    Aqui se encontram, de quando em quando, trechos de calada, de poucas jardas deextenso, porm to poucos, que servem apenas para tornar a vossa caminhada sobresperas pedras, ou profunda areia, mas desagradvel por comparao. As outras ruasso todas muito estreitas. Em algumas delas existe calamento, consistindo apenas

    em pedras toscas, restos de antiga pavimentao, que nunca foi reparada, ou areiamovedia ou lamaais.49

    Assim, percebe-se que a relao com os quintais tem grande importncia na vida

    dos moradores naBelm das bananeiras. Os quintais, alm dos fins recreativos, tornaram-se,

    em especial, locais destinados criao de pequenos animais, hortalias, plantao de

    pomares. Neste caso, os alimentos extrados dos quintais eram importantes constituio das

    refeies de seus moradores, pois a alimentao nesse perodo era escassa e cara, devido aos

    altos fretes referentes importao de mercadorias de outras cidades brasileiras e tambm

    pela dificuldade de acesso regio. Alguns dos habitantes de Belm contavam com as frutasde rvores encontradas nas ruas da cidade para compor sua alimentao. A partir dos relatos

    dos viajantes, podemos melhor compreender a relao desses moradores com o quintal:

    Nas estradas pblicas, alinham-se elas em extensas filas, e todo quintal bemprovido delas [referindo-se s laranjeiras], de sorte que o seu custo quasi strabalho de clher e levar para vender. A manga tambm muito abundante, emalgumas das avenidas da cidade as mangueiras so plantadas alternadamente com asmangabeiras, ou rvores de algodo-seda, que atingem grande porte, mas so defolhas decduas, de modo que no servem para fazer sombra, como outras rvores defolhagem sempre verde.50........................................................................................................................................As casas, em sua maioria, achavam-se em estado bastante precrio, e por toda parte

    se viam sinais de indolncia e desleixo. As estacas de madeira que cercavam osquintais, invadidos pelo mato, jaziam quebradas pelo cho, e magros poos, cabritose galinhas entravam e saam pelos buracos na cerca. No meio de tudo isso, porm,compensando todas as falhas, ressaltava a esplendorosa beleza da vegetao. Ascopas sombrias e espessas das mangueiras eram vistas por toda parte, surgindo porentre as cs, em meio fragrncia das laranjeiras, limoeiros e outras rvoresfrutferas tropicais.51

    49WALLACE, 1939, p. 7.50Ibid, p. 13.51BATES, 1979, p.12-13.

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    A influncia do meio fsico, porm, no conseguiu exceder a importncia na

    arquitetura daquela oriunda dos fatores de ordem econmica. As casas acabavam por refletir

    as tcnicas construtivas a partir dos recursos materiais naturais disponveis ou fabricados na

    regio. A sua construo tambm dependia da facilidade de transporte desses materiais, ou

    das possibilidades financeiras dos clientes, que dependem em grande parte da situao

    econmica do pas52. Na prtica, este aspecto se revelou por meio de tcnicas construtivas

    mais rudimentares e na uniformidade dos partidos arquitetnicos das casas. Desta forma,

    percebe-se que os materiais utilizados nas casas acabavam por revelar a situao geogrfica

    tanto do pas, quanto da prpria regio. Um exemplo disso que no Brasil no havia boas

    jazidas, e, assim, a utilizao de pedras nobres era escassa. As pedras eram empregadas ao

    natural e somente em partes essencialmente decorativas. Durante o perodo colonial, a

    resposta para este problema viria com a utilizao dos materiais abundantes encontradas nasregies brasileiras. Nos casos mais simples, as paredes eram de tijolos de adobe, de taipa de

    pilo ou de sopapo e a madeira utilizada nas estruturas e esquadrias53. J nas residncias mais

    importantes empregava-se pedra e barro, mais raramente tijolos ou ainda pedra e cal54.

    Na Belm das bananeiras, os principais tipos de habitao encontrados eram as

    casas trreas e os sobrados. Mesmo em casas de pessoas com maior poder aquisitivo, no

    havia maior distino arquitetnica. Apresentavam apenas, maiores dimenses ou nmero de

    ornamentos, o que, segundo Reis Filho, no chegava a caracterizar um tipo distinto de

    habitao. O sistema de cobertura das casas consistia na construo em duas guas, quelanava parte da gua das chuvas para frente da casa e outra parte para o quintal, onde seria

    absorvida pelo solo. As variaes arquitetnicas eram mais percebidas em casas de esquina.

    Neste caso, aproveitava-se a construo da casas utilizando-se das duas fachadas, inovando

    desta forma o esquema de planta e de telhado. Reis Filho relata que as diferenas

    fundamentais entre estas habitaes de casas trreas e de sobrados consistiam, sobretudo, no

    tipo do piso: assoalhado no sobrado, e de cho batido na casa trrea, com isso definindo as

    condies no estrato social de seus moradores pelo tipo de casa habitada.

    Ainda em relao s fachadas, as esquadrias tornaram-se um elementoarquitetnico determinante para a composio esttica das moradias. As janelas de vidro ou

    vitrais chegaram em Belm apenas em 1848. Ainda assim, por serem caras, eram

    consideradas elementos de extremo luxo. Neste caso, as esquadrias de madeira eram as mais

    52BRUAND, 1981, p.15.53Ibid., p.15.54REIS FILHO, 2000, p. 26.

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    utilizadas. As molduras das esquadrias, em sua maioria seguiam o mesmo material utilizado

    nas paredes da casa. J os desenhos em relevo (almofadas) nas portas e janelas, geralmente

    separados em duas folhas, eram os principais ornamentos moradia. Mas tambm, havia

    janelas mais simples confeccionadas com ripas de madeira. Essas janelas mais modestas

    tinham sua parte superior engastada na parede, e na parte inferior um gancho, onde se podia

    prender no teto da casa. Este tipo de janela ainda hoje facilmente encontrado em pequenas

    embarcaes. Havia tambm as esquadrias conhecidas como gelosias - uma janela retangular

    com tranado de madeira, de pano, ou tecido de palha, de fibra-silvestre hbito trazido pelos

    lusos e ainda hoje conservado nas residncias pobres dos arrabaldes de Belm55. Este tipo de

    esquadria evitava que as pessoas de fora pudessem enxergar o ntimo da casa, mas no

    retiravam a ventilao. As gelosias eram um caracterstico predominante nas casas urbanas

    construdas no rez-do-cho, num s pavimento, fazendo face rua, arquitetura modestadominadora [...], pois que os sobrados s comearam a erguer-se depois da metade do sculo

    XVII56, como podemos perceber no testemunho de Wallace:

    As janelas no tm vidraas e, em logar destas na parte mais baixa, so tapadas comum engradado de pano, suspenso na parte de cima, de modo que o fundo mvel, epode-se obter um rpido golpe de vista para os lados, numa e noutra direo, pordetrs dos quais vimos, muitas vezes, surjirem uns olhos negros, que resplandeciam,quando passvamos.57

    - A moradia dos viajantes: as primeiras rocinhas de Belm.

    As moradias construdas na Belm das bananeiras em reas urbanas ou rurais

    eram bastante distintas. As casas conhecidas como rocinhas, eram habitaes tpicas da regio

    amaznica, com uma arquitetura mais rural. Segundo Tocantins, a origem do seu nome se

    deve a uma expresso puramente paraense que significa a lavoura preparada, ou ainda, um

    referencial para aquele que vem do campo ou de reas mais afastadas58. Neste caso, como as

    rocinhas, usualmente estavam localizadas em reas mais distantes do centro de Belm,

    tornou-se um costume dizer eu vim da roaou o mesmo que eu vim do interior. Mas, o termo

    rocinha somente era utilizado em Belm e nos seus arrabaldes, pois no interior qualquer

    propriedade rural era chamada de chcara ou stio. Na capital paraense, as rocinhas eram

    alcanadas por caminhos de terra, mas a sua principal caracterstica era de resguardar a rea

    ntima da casa pela utilizao das varandas. Enquanto, os stios estavam, em geral mais

    prximos de corpos dgua, como em margens de rios e igaraps.

    55TOCANTINS, Leandro. O rio comanda a vida.2. ed. Rio de janeiro: Ed. Civilizao Brasileira S.A., 1961, p.54.56Ibid., p.54.57WALLACE, 1939, p. 7.58Cf. TOCANTINS, 1961, p. 62.

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    As rocinhas, no significavam apenas a moradia em si, era tudo o que envolvia

    esta propriedade rural, seja o campo, a floresta, o pomar e todas as reas verdes circundantes.

    Todo este ambiente era uma rocinha. Esta relao encontrava-se muito prxima das quintas

    de Portugal. As casas das rocinhas tinham uma arquitetura que encontrava-se totalmente

    adaptada s condies climticas de temperatura e umidade elevadas, alm de permitir um

    contato maior com a natureza, o que revelou ser o grande diferencial entre as demais moradias

    encontradas na Amaznia, por isso mesmo, a rocinha se tornou, digamos, o tipo de moradia

    oficial dos naturalistas, como no caso de Wallace e Bates:

    Depois de muitas indagaes, consegumos, afinal, arranjar uma casa, ondepudssemos instalar-nos mais vontade. Era situada em Nazar, crca de milha emeia ao sul da cidade, defronte justamente de uma bonita capelinha, por detrs daqual fica a floresta, com boas localidades para coleta de plantas a para captura depssaros e insetos. A casa era de um s pavimento, com quatro cmodos, rodeadapor uma varanda, que nos proporcionava um longo e agradavel passeio. No quintal,

    havia laranjeiras, cafezal, mandiocal, e muitas rvores frutferas da floresta. Ns aalugmos pelo preo de 25$000 por ms (2 libras e 5 shillings), o que relativamente muito caro para o Par; como porm, no encontrssemos outra maisconveniente, concordmos com o preo.59........................................................................................................................................A casa era uma construo quadrada e se compunha de quatro cmodos de igualtamanho. O telhado se projetava para fora, volta toda da casa, formando umaampla varanda muito fresca e agradvel, onde se podia descansar e trabalhar. [...] oacesso propriedade se fazia por um porto de ferro situado numa pequena praarelvada, ao redor da qual se agrupavam algumas casas e choupanas cobertas defolhas de palmeira, as quais na poca constituam o povoado. O prdio maisimportante do lugar era a capela de Nossa Senhora de Nazar, situada defronte denossa casa.60

    Figura 2: Capela de Nazar em 1848, prximo onde moraram Bates e Wallace.

    Fonte: WALLACE, 1939, p. 24.

    Os viajantes em geral preferiam morar em rocinhas ou chcaras por estarem em

    maior contato com a vegetao de seu entorno ou do seu prprio quintal, o que consideravam

    59WALLACE, 1939, p. 22-23.60BATES, 1979, p.31.

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    muito mais propcio para o seu tipo de trabalho por se sentirem circundados com o que

    consideravam a floresta nativa. Por isso mesmo, o conforto no era considerado uma de suas

    prioridades. Assim, em suas casas, estes homens acabavam por melhor se adaptar utilizando-

    se de certos costumes do povo amaznico. Neste caso, a maioria das famlias de Belm

    dormia em redes, amplamente usada durante este perodo. E, sobre isso Wallace revela:

    No h aqui camas, nem colches, usando-se em seu logar rdes, tranadas de fio dealgodo, que oferecem bom cmodo para se dormir e que so mesmo muitoconvenientes, por causa da sua portabilidade. As rdes, algumas cadeiras,constitem todo o nosso mobilirio mais indispensvel.61........................................................................................................................................Os quartos espaosos e altos, com poucos mveis, tendo cada um meia duzia deportas e janelas, a princpio podero parecer pouco confortaveis, porm, so muitobem apropriados a um clima tropicais. Quartos com tapetes, cortinas e almofadasseriam aqui intoleraveis.62

    Segundo Roberto Soares, essas rocinhas eram mais simples e construdas com

    madeiras, em taipa ou em pau-a-pique. O partido arquitetnico dessas casas seguia formas

    retangulares e avarandadas, com telhado em quatro guas. As rocinhas eram sinnimas de

    casas ventiladas, arejadas e muito bem iluminadas. A varanda oferecia o abrigo e o conforto

    necessrio para as famlias que ali ficavam escondidas entre a vegetao que lhes davam o

    aspecto de frescor63. No sculo XIX, as rocinhas teriam suas principais caractersticas

    mantidas, como a relao e o contato direto com a vegetao de seu entorno, mas, o partido

    arquitetnico dessas casas seria completamente modificado. As rocinhas seriam

    transformadas em suntuosas casas de campo das classes mais abastadas de Belm.

    - Por umanovaarquitetura

    Em 1753 chegaria na capital paraense, o arquiteto italiano Antnio Jos Landi.

    Ele seria considerado um dos maiores responsveis pela realizao das obras religiosas e civis

    de Belm. O arquiteto tambm seria consagrado pelos seus projetos que j utilizavam um

    novo estiloarquitetnico, e que ainda estava por se difundir no Brasil como um todo. Este

    novo estilo era o Neoclssico, ou como alguns autores preferem chamar, estilo classicizante,

    pois estes consideram que nunca houve um estilo Clssico previamente no Brasil. Nos relatos

    dos viajantes podemos observar que algumas casas j apresentavam esta nova tendncia:

    [...] das casas e das igrejas, sendo estas construdas obedecendo a um adulteramentoe pitoresco estilo italiano.64

    61WALLACE, 1939, p. 4.62Ibid. p. 8.63SOARES, Roberto de La Rocque. Vivendas rurais do Par:rocinhas e outras (do sc. XIX ao XX); levantamentosarquitetnicos e busca bibliogrfica. Belm: Fundao Cultural do Municpio de Belm, 1996, p. 26.64WALLACE, op. cit., p. 6.

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    Ruas margeadas por vastas residncias particulares, em estilo italiano,apresentavam-se em mau estado de conservao com matos e arbustos nascendo degrandes rachaduras nas paredes. As vastas praas pblicas estavam cobertas demato, e extensos trechos alagados tornavam-se intransitveis. O comrcio,entretanto, estava comeando a reflorescer, e antes de partir dali pude notar grandesprogressos na regio [...].65

    No Brasil, o Neoclssico somente se difundiu com a Misso Francesa que veio

    com a transferncia da Corte Portuguesa para o Brasil, e que em 1816, fundou no Rio de

    Janeiro a primeira escola de arquitetos. Ainda assim, durante este momento surge um novo

    tipo de residncia, a casa de poro alto. Este tipo de moradia marcou a transio das casas

    trreas e de sobrado rs do cho para as moradias elevadas do nvel do solo por meio da

    introduo de pores. A casa de poro alto seria uma renovao dentro dos velhos moldes

    construtivos66, e que teria uma larga difuso no perodo em que se segue.

    Figura 3: Esquema de transio das casas coloniais para as casas de poro alto (esq.).Figura 4: Implantao da arquitetura colonial urbana, colada s divisas de lotes estreitos e profundos (dir.).

    Fonte (3): REIS FILHO, 2000, p. 42; (4): BITTAR et al., 2007, p. 141.

    O naturalista Henry Bates que passou aproximadamente onze anos distante de

    Belm, percorrendo quase todo o Par busca do conhecimento da fauna e flora amaznica.

    Em seu regresso capital paraense, ele descreve (e com um surpreso espanto) a cidade emsuas primeiras transformaes urbanas. E sobre esta novaBelm, ele revela:

    As ruas, outrora sem calamento e cheias de pedras soltas e areia, estavam agoracaprichosamente pavimentadas; as casas feitas fora do alinhamento haviam sidodemolidas e substitudas por construes mais uniformes. A maioria das casasvelhas e desmanteladas cedera lugar a belos edifcios construdos acima do nvel darua, com extensas e elegantes sacadas no primeiro andar. As grandes praas, outrora

    65BATES, 1979, p.21-2.66REIS FILHO, 200, p. 40.

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    verdadeiros lodaais, tinham sido drenadas, capinadas e plantadas com fileiras deamendoeiras e casuarinas, transformando-se em belos ornamentos para a cidade, aoinvs de constiturem um triste espetculo para os olhos, como ocorria no passado.Minha avenida predileta, a Estrada das Mongubeiras, tinha sido reformada e ligada avrias outras magnficas orladas de rvores que em poucos anos tinham crescido osuficiente para proporcionarem uma agradvel sombra; uma delas, denominadas

    Estrada de So Jos, tinha sido toda plantada de coqueiros. Sessenta veculos paratransporte coletivo, alm de cabriols (muito deles fabricados no Par) enchiamagora as ruas, contribuindo para aumentar a animao das bonitas praas, ruas eavenidas.67

    Entretanto, percebe-se que a capital paraense no estava sendo transformada

    apenas no campo urbanstico. Os costumes e o modo de viver tambm estavam se

    modificando. Neste caso, o custo de vida havia aumentado expressivamente, causando

    espanto ao naturalista. Weinstein explica que na Amaznia, a alta progressiva da borracha foi

    visvel e de forma incontestvel a partir de 1850, mesmo com as flutuaes viria a incidir

    sobre o custo de vida de sua populao. O ano de 1858 revelou valores da alta do produto e arvore68 que Bates e Wallace ouviram falar muito antes deste perodo, proporcionaria as

    primeiras mudanas naBelm das bananeiras, como podemos observar:

    O custo de vida tinha quadruplicado, uma conseqncia natural de ter a procura demo-de-obra e dos produtos locais aumentado em proporo muito maior do que aoferta, devido ao acrscimo de grandes levas de novos residentes que nadaproduziam e s grandes importaes de capital originadas pela companhia denavegao e os negociantes estrangeiros. Em 1848, o Par era uma das cidades emtodo o continente americano onde era mais barata a vida; atualmente est entre as devida mais cara. [...] Os aluguis eram exorbitantes; uma miservel casinha de doiscmodos, de paredes nuas e sem nenhum conforto, era alugada razo de 18 librasesterlinas ao ano. Finalmente, os criados se achavam fora de alcance de qualquer

    pessoas de posses moderadas. Uma ineficiente cozinheira ou um carregador notrabalhavam menos de trs ou quatro xelins por dia, alm da casa e comida, semfalar no que roubavam dos patres.69

    Ainda assim, para Bruand, o fenmeno mais importante sobre o meio geogrfico

    so as condies histricas que acompanharam o desenvolvimento da arquitetura brasileira.

    Por estes motivos, torna-se de fundamental importncia estudar as transformaes da

    sociedade que seguiram evoluo econmica, os componentes da mentalidade brasileira, e

    as condies polticas que permitiram a ecloso do movimento renovador70.

    67BATES, 1979, p. 296.68Quando estvamos para regressar e na ocasio em que reparvamos mais demoradamente numa das rvoresque se achavam em nossa frente, al perto, pareceu-nos que amos ter a surpresa de ver a seringueira ou rvore-da-borracha. Arremetmos para ela, machado em punho, cortmos um pedao da casca, e tivemos a satisfao dever logo a sua extraordinria seiva a escorrer ao longo do tronco. Guardmos um pouco dsse precioso leite, nacaixa que comigo trazia, e no dia seguinte verificmos que era de fto a genuina borracha, de cr amarela,possuindo todos os seus caractersticos. WALLACE, 1939, p. 40.69BATES, op. cit., p. 297.70BRUAND, 1981, p. 19.

  • 7/25/2019 Dissertacao_FormasMorarBelem

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    Em Belm, a renovao arquitetnica viria com o ciclo da borracha, e, que seria

    capaz de transformar as formas de (se) morar na cidade. E, sem este breve passeiopelaBelm

    das bananeiras, seria difcil uma melhor compreenso sobre as transformaes urbanas e das

    moradias que Belm passaria durante o perodo de 1870-1910. Assim, muito mais do que

    entender a ruptura das estruturas urbanas coloniais, optou-se em revelar as rupturas estilsticas

    de tradio portuguesa na arquitetura belenense. [Agora] os paraenses procuravam imitar os

    costumes das naes do norte da Europa, ao invs da me-ptria71. Era a Belm das

    bananeirasrumo cidade das mangueiras daBelm da borracha:

    Do outro lado da cidade, perto da velha estrada de acesso aos moinhos de arroz,vrias dezenas de trabalhadores, contratados pelo governo, ocupavam-se em abriratravs da mata uma larga estrada para veculos at o Maranho, capital da provnciavizinha, distante 380 quilmetros do Par. Isso havia destrudo totalmente a quietudedo antigo e belo caminho da floresta. [...] os naturalistas, a partir de agora, tero queir muito mais longe da cidade para encontrar o soberbo cenrio da selva virgem, que

    fi