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NA ARTÉRIA MONUMENTO BRÁS CUBAS FARPAS DA HISTÓRIA ANO IV VOL.21 BIMESTRAL - MAIO DE 2010 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA FESTAS JUNINAS

Edição de maio de 2010

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Edição de maio de 2010. Boa leitura!

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NA ARTÉRIA•

MONUMENTO BRÁS CUBAS

FARPAS DA HISTÓRIA•

ANO IV VOL.21 BIMESTRAL - MAIO DE 2010 DISTRIBUIÇÃO GRATUITA

FESTAS JUNINAS•

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4 TROVAS

5 PREVISÕES

Carolina Ramos

6 SE NÃO FOSSE O BRASIL, JAMAIS

BARACK OBAMA TERIA NASCIDO

Fernando Jorge

7 NA ARTÉRIA

Raquel Naveira

8 SERVIÇOS ADUANEIROS: JURISDIÇÃO OU

CIRCUNSCRIÇÃO

Vadison Espinheira do Carmo

9 FIDEL PAREDON CASTRO

Ives Gandra da Silva Martins

10 FESTAS JUNINAS

Hernâni Donato

12 CORAÇÃO TEUTO-BRASILEIRO

Maria Zilda da Cruz

13 NO TEMPO DA CANETA TINTEIRO

João Marcos Cicarelli

14 O RECADO

Edna Gallo

15 FILA DE BANCO

Mario Azevedo Alexandre

16 FARPAS DA HISTÓRIA

Cláudio de Cápua

16 ADÉLIA E ADERBAL

Valéria Pelosi

17 NOTAS CULTURAIS

18 ESPAÇO DO LIVRO

ExpedienteEditor - Cláudio de Cápua. MTB 80

Jornalista Responsável - Liane Uechi. MTB 18.190.Editoração Gráfica - Liane UechiDesigner Gráfico - Mariana Ramos GadigCapa: Liane UechiEnd.: Rua Euclides da Cunha, 11 sala 211. Santos/SP. E-mail: [email protected] desta edição: Carolina Ramos; Cláudio de Cápua; Edna Gallo, Fernando Jorge; Hernâni Donato; Ives Gandra da Silva Martins, João Marcos Cicarelli; Maria Zilda da Cruz; Mario Azevedo Alexandre; Raquel Naveira; Vadison Espinheira da Cruz e Valéria Pelosi. Os autores têm responsabilidade integral pelo con-teúdo dos artigos aqui publicados. Distribuição Gra-tuita. 5000 exemplares.

EDITORIALSumárioEdição 21 - Ano 4 - Maio 2010

Olá, leitores:

Nesta edição de Santos Arte e Cultura, mais uma vez faz-se evidente o intuito de oferecer ao nosso leitor, o que há de melhor, em matéria de texto, abrindo um leque de páginas diversifica-das.Tanto no trabalho, bem elaborado, sobre Festas Juninas, de autoria do renomado intelectual Hernâni Donato, ou na singela mini-crôni-ca de Valéria Pelosi, pode ser constatada a alta qualidade que se faz presente nos de-mais articulistas. Na capa, destacamos a homenagem ao fun-dador de Santos, Brás Cubas, cujo monumen-to, de mármore carra-ra - obra do escultor italiano Lorenzo Mas-sa - foi inaugurado em 26 de janeiro de 1908, na atual, Praça da Re-pública, no Centro da cidade.

Boa leitura

O Editor.

A Revista Santos Arte e Cultura é aprovada pelo Ministério da Cultu-ra e beneficiada pela Lei Rouanet de Incentivo à Cultura. Os patroci-nadores poderão abater 100% do valor doado no imposto de renda. O benefício é válido para pessoas jurídicas tributadas com base no lucro real, sendo o valor limitado a 4% do imposto de renda devido. Pessoas físicas que fazem a decla-ração completa do IR também po-dem abater suas doações. O limite neste caso, é de 6% do Imposto de Renda.

LEI ROUANET

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TROVAS

Nas lavouras de café,ou nos vinhedos fecundos,os imigrantes, com fé,levantaram novos mundos!Luiz Antonio Cardoso

Mais importante, por certo, que um elogio suspeito,é sentir vibrar por pertomais do que aplausos, respeito!Carolina Ramos

Entre os véus da noite, imerso,insone em meu travesseiro,escrevo apenas um versoe a saudade...um livro inteiro!Maria Lúcia Daloce

De joelhos e mãos postas,mente aberta e esclarecidabusco encontrar as respostaspara os mistérios da vida!Antonio Claret Marques

Da incerteza eu tiro o véu,chego a flutuar no espaço...Avisto a porta do céu,quando ganho o teu abraço!Lucila Decarli

Gosta de Trovas?A “União Brasileira de Trovadores”, seção de Santos, reúne-se, na última terça-feira de cada mês, no IHGS, av. Conselheiro Nébias, 689, às 20h30. Compareça!

Escravo do teu mistériomorro de amor, se preciso.De que vale o meu impériose não tenho o teu sorriso?!Laérson Quaresma de Moraes

TROVAS

Maio - Santos Arte e Cultura

Nosso amor é tão intensoe a confiança entre nósfala tanto que o bom sensodeixa o ciúme sem voz.Joana D’Arc da Veiga

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A aurora que me fascina,encanta e me dá alegria,fala da força divinaabrindo a porta do dia.Áurea Navarro Turini

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PREVISÕESCAROLINA RAMOS

Maio - Santos Arte e Cultura 5

Cruzam o espaço, com asas cibernéticas, múltiplas mensagens fantasmas, que vêm assombrar as telas do nos-sos computadores. Mensagens enviadas por mãos amigas, que clicam teclas com o mesmo pasmo que irá assaltar quem as recebe, e que, por sua vez, acrescentará exclama-ções, comedidas ou não, de crédito ou descrédito, ao passá-las adiante. E nesse vai-vem de e-mails, que levam e trazem fatos, presságios, previsões e profecias, arrastadas através dos tempos (algumas vezes, como agora, apontando datas alarmantes, porque convergentes e próximas), vamos dei-xando que nossas mentes galopem à procura de água com açúcar que nos acalme, ou de um estabilizador de idéias, que permita um meio termo de tranquilidade. Secas, chuvas, enchentes, ciclones, trovoadas ho-méricas, alternadas de raios, tremores sísmicos, terremotos violentos, tsunamis, vulcões, desvios comportamentais, cri-mes, drogas, estupros, selvageria, corrupção! Cruzes! O poço das calamidades escancarado parece transbordar ante os nossos olhos, induzindo-nos a supor que o pior ain-da está por vir! Convenhamos que, este nosso pobre mundinho bem que está precisado de uma boa sacudidela! De uma faxina severa ! Profunda e radical! Abusamos demais, e demais continuamos a abu-sar, da paciência (ainda bem que Infinita!) de um Deus-Pai! Um Pai que além de nos ter dado tudo, também nos deu o livre arbítrio para dispormos desse tudo, com discernimento e a bel-prazer! Quanto ao bel-prazer, não houve problemas, usu-

fruímos dele e fomos muito além do que nos era permitido! O mesmo não se deu com o tal discernimento, por onde an-dará? A resposta aí está, evidente em cada canto e em cada reação! Filme de terror, seriado, que se desenrola em cenas apavorantes, superadas a cada dia que passa! E a cada dia que passa, aumenta a ansiedade e a suspeita inquietante de que a paciência d’Aquele Pai celes-tial tenha, ou não tenha limites! Limites pré-estabelecidos, por certo, não terá.! Po-rém, depois de tais barbaridades e inconsequências acumu-ladas, quem ousará afirmar algo definitivo a esse respei-to?! Haverá ainda esperança de solução para tanto des-calabro?! A resposta é difícil! mas, sempre é válido tentar. E vale, como último recurso, abrir bem os olhos, olhar para atrás e lavar a consciência, com alvejante e escova bem dura para alijar a sujeira e as nódoas de muitos séculos! E vale ainda, principalmente, agarrar com muita força essa mão que nos deu tanto, e rogar que nos conceda um pou-quinho mais desse precioso tempo, que já expira rápido de-mais! Quem sabe, então, após exame coletivo de consci-ência, o remorso consiga impor mudanças radicais, indis-pensáveis à heróica e derradeira chance de reparar o mal feito?! Para náufragos dos próprios erros, essa tentativa extrema de salvação sempre há de se afigurar difícil! Até mesmo impossível! Mas, para sorte nossa, há um Deus que é Pai e para Ele, nada é!

Carolina Ramos é poetisa e escritora, Presidente do Conselho Nacional da União Brasileira dos Trovadores

- UBT e da UBT/Santos; Secretária Geral do Instituto Histórico e Geográfico de Santos. Pertence à Academia

Santista de Letras - ASL e a Academia Feminina de Ciências, Letras e Artes de Santos - AFCLAS

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SE NÃO FOSSE O BRASIL, JAMAIS BARACK OBAMA TERIA NASCIDO

FERNANDO JORGE

Maio - Santos Arte e Cultura 6

Fernando Jorge é jornalista, membro do Conselho de Ética do Sindicato dos Jornalistas Profissionais do Estado de São Paulo, o petropolitano Fernando Jorge é autor do livro “A Academia do

Fardão e da Confusão”, lançado pela Geração Editorial, onde mostra numerosos erros de português cometidos pelos membros

da Academia Brasileira de Letras.

Na noite de 25 de setem-bro de 1956, estreou no Teatro Municipal do Rio de Janeiro a peça Orfeu da Conceição, do po-eta brasileiro Vinícius de Morais (1913-1980). Esta peça é uma adaptação do mito grego do len-dário cantor Orfeu, cuja lira, dota-da de sons melodiosos, amansa-va as feras que vinham deitar-se-lhe aos pés. Filho da musa Calíope, ele resgatou a sua esposa Eurídice do Inferno, após ela ter sido picada por serpente. A história de Vinícius decorre numa favela carioca, durante os três dias de carnaval. Em 1959, o diretor fran-cês Marcel Camus transpôs a peça para o cinema. Daí surgiu o filme Orfeu Negro, com músicas de Luiz Bonfá e Tom Jobim, a ne-gra atriz americana Marpessa Dawn, os negros brasileiros Breno Mello, Lourdes de Oliveira e Adhemar da Silva. Cheio de belas imagens, como a do romper do sol na favela, a do aparecimento da Morte numa central elétrica, e ainda com o som dos sambas empolgantes, a película baseada na obra do letrista de “Garota de Ipanema”, além de alcançar grande sucesso comercial, ganhou a Palma de Ouro do Festival de Cinema de Cannes e o Oscar de Melhor Filme Estrangeiro em Hollywood. Pois bem, nesse ano de 1959, uma jovem america-na de dezesseis anos, extremamente branca, sem um pingo de sangue negro, chamada Stanley Ann Dunham, nascida no Kansas, resolveu assistir em Chicago ao primeiro filme estrangeiro de sua existência. Foi ver o Orfeu Negro, só com atores negros, paisagens brasileiras, música brasileira, his-tória brasileira. Ela saiu do cinema em estado de êxtase, maravilhada. Adorou aqueles negros encantadores de um país tropical e logo admitiu: “Nunca vi coisa mais linda, em toda a minha vida.” Depois de tal arrebatamento, a jovem Stanley em-barcou para o Havaí. E ali, aos dezoito anos, ela se tornou colega, numa aula de russo, de um jovem negro de vinte e três anos, Barack Hussein Obama, nascido no Quênia. A moça branca do Kansas, influenciada pelo filme Orfeu Ne-gro, entregou-se a ele e dessa união inter-racial, nasceu em 4 de agosto de 1961 um menino, a quem ela deu o mesmo

nome do pai e que é agora, aos quarenta e seis anos, o primeiro negro a ocupar a presidência dos Estados Unidos. Eis um detalhe perturbador: com-parando duas fotografias, descobri enorme semelhança física entre o brasileiro Breno Mello, o Orfeu do filme Orfeu Negro, e o queniano Barack Hussein Obama, pai do fi-lho da americana Stanley Ann Du-nham. No começo da década de 1980, ao visitar o seu filho em Nova York, a senhora Stanley o convidou a ver o filme Orfeu Negro. Segundo o de-poimento do próprio Barack, no meio do filme ele se sentiu entedia-do, quis ir embora. Disposto a fazer isto, desistiu do seu propósito, no momento em que olhou o rosto da mãe, iluminado pela tela. A fisiono-

mia da senhora Stanley mostrava deslumbramento. Então o filho pôde entender, como se deduz da sua autobiografia, porque ela, tão branca, tão anglo-saxônica, uniu-se ao seu pai, tão negro, tão africano... Não há dúvida, a sexualidade às vezes percorre caminhos misteriosos, que alteram de modo decisivo os ru-mos da história universal. Se não fosse o fascínio da branca mãe de Barack Obama pelo filme Orfeu Negro, ela não se entregaria ao rapaz queniano, um preto africano. A rigor, sem o Brasil, sem a história do poeta brasi-leiro Vinícius de Morais, o filme Orfeu Negro não existiria. Portanto, se não fosse o Brasil, jamais Barack Obama teria nascido. Apresenta uma lógica perfeita, a nossa conclusão. E como ele foi eleito, o meu país, a pátria de Lula, será a causa da mudança da história dos Estados Unidos. Aliás, o Brasil já mudou essa história...

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NA ARTÉRIARAQUEL NAVEIRA

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Na artéria, na veia, nos pul-sos, no peito, é por esse mapa sanguí-neo azulado, à flor da pele, que corre o amor. A sede desesperada de amar e ser amada, de sentir-se viva, embora com a alma fragmentada. Na Artéria é o título do livro da atriz e escritora, Clarisse Abujamra. Acompanha o livro, que vem dentro de uma caixa, um CD em que ela imprime a cada frase o seu tom de voz ao mes-mo tempo suave e dramático, na trilha sensível criada por André Abujamra. Nesse poema em prosa, nes-sa carta de folhas soltas como plumas, um cisne branco, um rei, um anjo, um poeta, conduz a amada ao exílio de Mantua, onde Romeu chorou amarga-mente a separação de sua Julieta. Amar é mesmo ser cordeiro imolado todos os dias, num eterno ritu-al de sacrifício. Lutando entre a Carne e o Espírito, a menina/mulher quer ca-rinho, quer morte, quer vida, excitadís-sima. É preciso sobreviver à soli-dão, aos desencontros, ao silêncio, à velhice estampada na face de nossa própria mãe. Vem o antigo questiona-mento: “_ Espelho, espelho meu...” E a voz de Cecília: “_ Em que espelho fi-cou perdida a minha face?” Se o amado é cisne, a amada é bailarina, de postura perfeita. Cristal que se estilhaça. Perdoar ainda é o único cami-nho para o encontro com o outro ( ou Outro) e exige força sobre-humana. O cisne é a paz, a lucidez, a clara resis-tência. E na artéria, sim, corre o ver-melho do Amor, canalizado e oculto. Uma vez escrevi este poema pensando que o poeta é um cisne: O poeta é um cisne,/Ave imaculada/ Cheia de poder e graça;/ Nas noites de lua/ Despe seu manto de plumas/ E anda nu/ Despejando sêmen e espu-mas./ O poeta é um cisne,/ Druida vestido de branco,/ Pontífice sagrado/ Inspirado

pela luz/ Que incide no lago/ Imagens distorcidas/ Da realidade./O poeta é um cisne/ De celeste onipo-tência,/ Transbordando audácia,/ Seu canto amoroso/ É prenúncio de morte/ Para si/ E para o mundo./O poeta é um cisne,/ Anjo elegante/ Li-gado por corrente de prata/ A uma cas-ta superior./O poeta é um cisne,/ Um nobre/ Nave-gando/ No reino infinito do espírito./Clarisse, mulher nas asas do cisne./

Raquel Naveira é graduada em Direito e Letras, Mestre em Comunicação e Letras

pelo Mackenzie e Doutoranda em Literatura Portuguesa, na USP. Professora das Pós-Graduação da UNINOVE, poeta, escritora

com diversos títulos publicados. Pertence a Academia Sul-Mato-Grossense de Letras e

ao Pen Clube do Brasil

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Maio - Santos Arte e Cultura 8

SERVIÇOS ADUANEIROS: JURISDIÇÃO OU CIRCUNSCRIÇÃO?VADISON ESPINHEIRA DO CARMO

Tenho notado a confusão que se faz entre jurisdi-ção e circunscrição, sendo normalmente o emprego daquela de forma equivocada. São conceitos diferentes. Jurisdição é uma coisa; circunscrição é outra coisa. Para bem adequar o que é jurisdição, valho-me do que dizem doutrinadores ilus-tres e juristas notáveis. Todos eles afirmam que jurisdição é própria e exclusiva do Poder Judiciário. Michel Temer: (Elementos de Direito Constitucional, 18ª edição, Malheiros Editores, página 170). Marcus Cláudio Acquaviva: Dicionário Jurídico Acquaviva – Edição de Luxo – Jurídica Brasileira, página 857. Nelson Nery Junior e Rosa Maria de Andrade Nery: (Có-digo de Processo Civil comentado e Legislação do Processo Civil extravagante em Vigor – 6ª edição, Editora Revista dos Tribunais, página 252). José Cretella Júnior: (Manual de Direito Administrati-vo). José Afonso da Silva: (Curso de Direito Constitucional Positivo. 15ª edição Revista. Malheiros Editores, São Paulo-SP, página 550).Gilmar Ferreira Mendes, Inocêncio Mártires Coelho e Paulo Gustavo Gonet Branco – CURSO DE DIREITO CONSTITUCIONAL – 2ª edi-ção, Editora Saraiva, 2008, página 18. Athos Gusmão Carneiro: JURISDIÇÃO E COMPETÊNCIA- 16ª Edição, Editora Saraiva, pági-nas 6, 9, 11, 12, 14, 15. Galeno Lacerda, citado pôr Athos Gusmão Carneiro, mesma obra página 6. Código de Processo Civil. Título I – Da Jurisdição e da Ação – Capítulo I – da Jurisdição: "Art. 1º . A jurisdição civil, contenciosa e voluntária, é exercida pelos juízes, em todo o território nacional, conforme as disposições que este código estabelece." Enfim, Jurisdição (juris=direito, dição=dizer) signifi-ca "dizer o direito". O poder de dizer o direito é do Poder Judiciário, a quem é atribuído o poder jurisdicional, ou seja, a jurisdição, isto é, a quem compete dizer o direito. No Esta-do de Direito Brasileiro cabe ao Poder Judiciário exercer o poder de jurisdição (dizer o direito) e mais ninguém. Vejo agora o vocábulo circunscrição, no seu melhor significado. Marcus Cláudio Acquaviva: "Divisão de caráter administrativo, destinada a delimitar o alcance territorial das atribuições de um órgão público." (Obra citada página 314). Ou seja, é o espaço peculiar a certos órgãos administrativos para o exercício de sua competência. Grande Dicionário Larousse Cultural da Língua Portuguesa : Linha que limita a extensão de uma área, de uma superfície . Divisão administrativa, militar ou religiosa de um território. As autoridades administrativas exercem suas atri-buições (o que é imputado, conferido a alguém a função de alguma coisa ; o conjunto de atividades que uma pessoa

pode exercer) e competências (capacidade decorrente de profundo conhecimento que alguém tem sobre um assunto , ou, é o poder que a lei outorga ao agente público para o desempenho de suas funções) em circunscrições, e não em jurisdição, como é o caso das autoridades policiais, que se-gundo o Código de Processo Penal em seu art. 4º: "A polícia judiciária será exercida pelas autoridades policiais no territó-rio de suas respectivas circunscrições e terá pôr fim a apura-ção das infrações penais e da sua autoria." Isso serve para as demais autoridades administrati-vas. Vale dizer: o exercício de suas atribuições e competên-cias nas áreas territoriais delimitadas chamadas circunscri-ções. Um equivoco bastante acentuado do uso indevido de jurisdição, ao invés de circunscrição, encontra-se no De-creto nº 6.759, de 5 de fevereiro de 2009, que regulamenta a administração das atividades aduaneiras, e a fiscalização, o controle e a tributação das operações de comércio exte-rior, dizendo o seu art. 3º: A jurisdição dos serviços aduanei-ros estende-se pôr todo território aduaneiro e abrange: I – a zona primária, constituída pelas seguintes áreas demarca-das pela autoridade aduaneira local: a) a área terrestre ou aquática, contínua ou descontínua, nos portos alfandega-dos; b) a área terrestre, nos aeroportos alfandegados; e c) a área terrestre, que compreende os pontos de fronteira alfan-degados; e II – a zona secundária, que compreende a parte restante do território aduaneiro, nela incluídas as águas ter-ritoriais e o espaço aéreo. Isso, não é jurisdição mas sim circunscrição. "As autoridades são adstritas a pautar sua conduta pelas normas de direito, devendo agir cumprindo a lei." "a aplicação da lei, pôr si, não é atividade jurisdicional." Tanto as autoridades delegado de polícia, como as autoridades dos serviços aduaneiros, não exercem jurisdi-ção, esta exclusiva dos magistrados, membros do Poder Ju-diciário. Deve, portanto, o Decreto nº 6.759/2009 sofrer revi-são, no sentido de alterar jurisdição para circunscrição.

Vadison Espinheira do Carmo é auditor-Fiscal da Receita Federal do Brasil aposentado, Professor-Mestre (Adminis-tração) Universitário, Contador e Advogado.

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Dr. Ives Gandra da Silva Martins

é professor emérito das Universidades Mackenzie, UNIFMU, UNIFIEO, UNIP, da

Escola de Comando e Estado-Maior do Exército - ECEME; Presidente do Centro

de Extensão Universitária.

Maio - Santos Arte e Cultura 9

Em 1958, eu era estudante de Direito. Nossa turma, formada por pessoas que viriam mais tarde a desta-car-se - como Sydney Sanches, Márcio Tomás Bastos e Claudio Lembo -, no regime aberto e descontraído do Presi-dente Juscelino Kubitschek, ora se de-dicava, fora os assuntos curriculares, à literatura, ora aos temas políticos. En-tre nossos contemporâneos, estavam Lygia Fagundes Telles, Paulo Bonfim, Mário Chamie, Ivete Senise Ferreira, Manoel Gonçalves Ferreira Filho, Dal-mo Florence, Dalmo Dallari e outros que participavam também das diversas vertentes de atividades acadêmicas, no Largo de São Francisco. Lembro-me, também, de que o meu grupo em particular, prezando profundamente, como futuros advoga-dos, a liberdade e o direito de defesa, sentia-se, naqueles tempos, violentado diariamente pelas notícias sobre o re-gime de Fidel Castro, especialmente os famosos “paredóns”, para os quais os adversários políticos do governo cubano eram enviados para fuzilamen-to, sem defesa. Nós o apelidávamos de Fidel “Paredón” Castro e o tínhamos por ge-nocida. No último dia 21 de março, a Folha de São Paulo publicou uma ma-téria sobre os “paredóns”. A dúvida co-locada é se teriam sido apenas 3.820 os fuzilamentos (números oficiais) ou 17.000, segundo “O livro negro do Co-munismo”, escrito em 1998 por um co-

legiado de acadêmicos franceses, in-cluídos nesse número os que foram fuzilados depois de 1958. Infelizmente, a perseguição a opositores e os 100.000 prisioneiros políticos mencionados no referido livro, ou os 20.000 mencionados por Fidel, em entrevista a revista “Playboy” ame-ricana, em 1967, demonstram que a ti-rania cubana é, ainda, uma das maio-res máculas da política latino-americana, que bem ou mal, procura os caminhos da democracia. Muito me impressiona, portan-to, que se lance, no Brasil, um Plano Nacional de Direitos Humanos, inspira-do nas idéias de alguns amigos de Fil-del Castro que, para além de permane-cerem fiéis e orgulhosos desta amizade, a ponto de se acotovelarem a cada oportunidade de serem ao lado dele fo-tografados, calam-se, inexplicavelmen-te, ante as contínuas violações a tais direitos perpetradas em Cuba, assim como na Venezuela de Chávez e no Irã de Ahmadinejad, dois outros amigos preferenciais do presidente Lula, nos últimos tempos. Estou convencido de que, se o Presidente Lula tivesse man-tido sua independência e postura de magistrado assumida nos primeiros seis anos de presidência, seria hoje o nome mais cotado para o Prêmio Nobel da Paz. A desfiguração de sua imagem deveu-se, desde o episódio de Hondu-ras, à defesa intransigente de ditadores como Castro. Democrata que sempre fui,

FIDEL PAREDON CASTROIVES GANDRA DA SILVA MARTINS

em meus escritos, livros, conferências sempre ataquei todas as ditaduras de esquerda ou de direita, - principalmen-te as de Pinochet e de Fidel, embora Pinochet tenha feito do Chile uma na-ção desenvolvida e Fidel uma das mais atrasadas economias das Américas-, implantadas por Hitler ou Stálin, Mus-solini ou Ceacescu, Franco ou Mao. Não posso, portanto, reconhecer como democratas aqueles que atacam os di-tadores de direita, mas acariciam o ego dos ditadores da esquerda. Tal compor-tamento faccioso e contraditório denota que não passam de aprendizes de dita-dores. Cuba é uma ditadura. E se o Brasil interveio, sem razão, na demo-cracia hondurenha, cuja Constituição impunha a destituição de Zelaya, por seu artigo 239, não há porquê, tanto nas ditaduras em gestação, como na Venezuela e no Irã, como na cinquen-tenária ditadura cubana, não apoiar os movimentos legítimos do povo destes países em prol da democracia e do efe-tivo respeito aos verdadeiros direitos humanos.

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Junho: Santo Antônio, São João, São Pedro... viva-aa! Mastro, fogueira, música, dança, pipoca, pinhão, ti-ração de sorte, baile caipira e muita coisa gostosa e bonita. Agora, pare e pense: por que, tudo isso? Como foi que começou? O significado é só de alegria, divertimento? Vamos lá, à explicação. Imaginem como seria a vida do homem oito ou nove mil anos atrás, nesses dias que correspondem ao nosso mês de junho. Para nós, no hemisfério sul, o 23 de junho é o do solstício de inverno, quer dizer, momento em que o sol ficou mais longe da terra. O povo olhava o sol - do qual de-pendia em tudo - que parecia parado, indeciso entre sumir e começar o caminho de volta para iluminar e aquecer a Terra. Os homens, apavorados, chamavam o sol de volta, com ora-ções, presentes (frutas, espigas, doces etc) e uma fogueira. O sol, vendo as fogueiras, encontraria lá no escuro do céu, o caminho de volta. E a alegria da vida nova, quentinha, clara, florida romperia depois de alguns dias, em flores, frutos, boas colheitas. Portanto, as festas juninas são um rito, ou seja um modo de suplicar ao Céu, ao poder que governa o mundo, que não deixe a vida perecer, o coração do homem entriste-cer. Elas são um canto de ressureição. O que deve fazer você participar com mais alegria e respeito. A fogueira é, portanto, um modo de rezar. Veja-a assim. Ela não só ilumina, “canta” com o chiar da lenha seca, faz estalar a pipoca e assar o pinhão, a batata, a moranga mas também atrai, chama, é guia. Até o começo do século passado, em noites escuras, fogueiras eram acesas em pi-cos de morros e pátios de fazenda, para guiar as criaturas perdidas. A fogueira, na festa junina, chama os fiéis para lou-var o santo, adorar a Deus e alegrar-se com os irmãos. Pular fogueira sem queimar os pés seria provar a Deus a confiança no Seu poder de proteger os fiéis. O mastro, que leva as figuras dos três santos e mais espiga de milho, garrafinha de água, porunguinha com leite, pedaço de rapadura e um ovo lá no fundo como base para o madeiro, quer dizer que homens erguem a Deus por

intermédio dos santos - pedidos que não faltem as chuvas, não haja pragas e as colheitas sejam abundantes. O mais, danças, doces, músicas, brincadeiras vai por conta dos costumes de cada povo e cada lugar. No Bra-sil, continuamos seguindo os usos correntes em Portugal mas que são, na verdade, universais. Mas e os santos? Esquecemos deles? Bem, aconteceu que as festas de Santo Antônio, São João, São Pedro coincidiram no mês de junho. Não dá para saber com certeza se eles se tor-naram tão populares por causa da festa ou se eles é que tornaram as festas tão po-pulares. Santo Antônio é o santo mais querido do Brasil. Em 1980, eram 222 as frequesias a ele dedicadas. E isso, igualmente, por todo o país. Tão atuante na vida nacional que foi até nomeado coronel do Exér-cito, com vencimentos e tudo, pois a ele recorriam, nos tempos colo-niais quando a situação ficava di-fícil. Sendo invocado para resolver dificuldades, encontrar coisas per-didas, aconselhar as pessoas em dificuldades, terminou sendo esco-lhido pelas moças para descobrir bons noivos o que o santo só encontra se muito solicitado até por certos usos nem um pouco confortáveis como o de fa-zer descer uma imagem até o escuro de um poço de onde apenas seria retirado quando apa-recesse o desejado noivo. São João, primo de Jesus, nasceu no dia mais fes-tivo para os povos antigos que adoravam o sol e o fogo. As festas, juntaram-se. Existe até a crença de que nesse dia, prudentemente, São João dorne o tempo todo para não ver os excessos de comer, de beber, de brincar, de namorar e também porque gosta tanto de fogueira que, atraído pelas

FESTAS JUNINASHERNÂNI DONATO

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muitas, muitíssimas, acesas no seu dia, baixaria do céu o que provocaria um incêndio universal. Daí se cantava assim:

Se São João soubesseQuando era o seu dia,Descia do céu à terraCom prazer e alegria.

- Minha mãe, quando é meu dia?

- Meu filho, já se passou!

- Numa festa tão bonita

Minha mãe não me acordou?

- Acorda, João!

- Acorda, João!

São João está dormindo,

Não acorda, não!

São várias as sor-tes que se tiram na

noite de São João. O estudioso Barão de Stu-

dart tentou uma relação des-sas sortes e contou dezenas de-

las. Já em 1583, o jesuíta Fernão Cardim observou que São João, com sua festa, atraia e alegrava os caboclos e indígenas. É, portanto, a mais tradi-cional do país. São Pedro. No dia 29 de ju-

nho, as comemorações correm por conta de São Pedro, o santo chaveiro que pode fechar esse tempo com mais ou menos alegria. Até o fim do século 19, no dia 13, três bandeiras eram has-teadas diante das casas que se dispu-nham a solenizar os três santos. Costu-mava-se “surrupiar” aquela de São Pedro e avisar a família furtada (que bem estava sabendo de tudo) de que a devolução seria no dia 29 desde que houvesse festança boa para receber a bandeira. Nessa devolução da bandeira, todos os chamados Pedros compare-ciam com um laço colorido no braço, sendo o cortejo aberto por uma senho-ra viúva (pois o costume diz que o san-to enviuvou e por isso protege espe-cialmente viúvos e viúvas) e por um pescador, por ter sido ele também pes-cador. Hoje, em vez de três bandei-ras diante da casa, três “retratos” dos santos figuram nos mastros, perto da fogueira. E agora que sabemos de mais algumas coisas e de alguns porquês relativos às festas juninas, vamos co-meçar os preparativos para participar delas com ainda maior alegria?

Hernâni Donato é contista, romancista, biógrafo

e historiógrafo. Membro da Academia Paulista de Letras.

Presidente de Honra do Instituto Histórico e Geográfico de São

Paulo.

FESTAS JUNINASHERNÂNI DONATO

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12Maio - Santos Arte e Cultura

Da triste experiência de guerra, ela fez do limão uma limonada: voltando a paz à Alemanha, ajudou a plantar em Bonm, capital do país por algumas décadas, um canto significativo da cultura brasileira. Lá, numa casa acolhedora, a nossa literatura lota estantes e obras de arte enfeitam o alegre ambiente, na cidade natal do grande Beethoven. Hoje, ela dirige com eficiência a Casa Teuto-brasi-leira, pois o seu idealizador faleceu. Os milhares de livros brasileiros, cuidadosamente catalogados, abrem-se a brasi-leiros e alemães no abraço da paz. O carinho prevalece para todos. É um pedaço repartido de chão, além do Atlântico, numa língua e clima bem diferenciados dos nossos; o calor do sol mora dentro da casa e respeita a brancura da neve, quando ela chega lá fora. Essa grande pequena criatura já comemorou seus noventa anos de vida e de forma bem elevada. Não quis presentes, apenas, contava com a presença amiga para um concerto de belas e profundas músicas alemãs, no ambiente guardado e sagrado para os brasileiros pisarem, como um chão extensivo da própria pátria para políticos e intelectu-ais. Outros meses continuam sendo vividos na década dos noventa anos. Sempre firme no trabalho, ainda dirige a Casa Teuto-Brasileira e um escritório de assuntos culturais brasileiros. Na grandeza do seu agir, ela constrói com amor a amizade entre dois povos. Muito agradecemos por ser as-sim: derrubando fronteiras e aproximando culturas. O coração da pequena e querida D. Dolli bate forte e firme, no contínuo ritmo de uma teuto-brasileira!

CORAÇÃO TEUTO-BRASILEIROMARIA zILDA DA CRUz

Dolli é pequena: uma estatura nem um pouco de modelo de passarela. Mas... por seu fazer agiganta-se como um modelo de bem realizar e de tenacidade. Sua história de vida envolve-se em lutas e conquis-tas pelo trabalho honesto. Ela assistiu e enfrentou os apertos da II Guerra Mundial, quando bem jovem. A pátria, sua querida Alema-nha, envolvia-se no caos físico e em idéias totalitárias. Pare-cia o cenário de uma realidade surrealista; os bons fugindo e os maus avançando. Sob o céu bombas explodiam e a terra se cobria na perda da inocente vida de milhares de pessoas, enterrando nomes, idades, sonhos e ideais de viver digna-mente. Era como se o trovão estivesse nas mãos dos ho-mens, que do céu faziam descer artefatos engenhosos e mortíferos, trazendo o zumbido do fim. A jovem e pequena Dolli estremecia a cada revoada dos pássaros de ferro, cuspindo a morte. Ela logo compreen-deu que precisava fugir a tudo isso. Alimentava, dentro de si, o desejo de vida para o construir. Jamais destruir o bem dos outros. Suas idéias eram antagônicas as que prevaleciam, no momento, no solo alemão. A pátria sofria nas mãos de quem de passagem no poder. E ela sofria no coração a an-gústia do mal reinante. Pisava-se no perigo a todo instante. Urgia garantir a própria sobrevivência. Por sorte, em sua fuga sem destino, encontrou inesperadamente, em plena rua, um grupo que abraçava a vida e por isso fugia. Um mes-mo querer os irmanava: escapar da guerra e depois retornar, no momento propício, para louvar a existência e tirar dos es-combros a pátria querida. Esse grupo amedrontado e coeso veio para o Brasil e aqui ficou por algum tempo. O tempo suficiente para criar raízes com a nossa gente, amar uma outra pátria. Não eram pessoas quaisquer; todas de bom nível universitário, não se entregaram a choramingo de autopiedade. Trabalharam e colaboraram com as gentes dos lugares onde se instalaram. Mais tarde, com idas e vindas entre o Brasil e a Alemanha, contraíram uma ponte de ricas trocas culturais, além de mui-tas amizades contínuas e sinceras.

A jovenzinha eficiente, tra-balhadora, bastante in-

teligente, logo se destacou como o braço direito do or-ganizador do grupo – Prof. Görgen, um

entusiasta do povo brasileiro. Aos poucos

Dolli sentiu amar uma segunda pátria: o Brasil!

Maria Zilda da Cruz é Mestra e Doutora em Psicologia pela Universidade de São Paulo. Presidente da Academia Femi-nina de Ciências, Letras e Artes de Santos. Membro da Di-retoria da Academia Santista de Letras.

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NO TEMPO DA CANETA TINTEIROJOÃO MARCOS CICARELLI

Ah, quanta saudade sinto das cartas! A espera ansiosa e aquela indis-farçável emoção ao identificar o reme-tente pela caligrafia no envelope. Cartas de juras de amor eter-no, cartas de rompimento, cartas de pais aconselhando filhos e de filhos aconselhando-se com os pais. Cartas de amigos, cartas de conforto, cartas de alegria e também de dor. Havia o costume das cartas de luto trazerem uma tarja preta no envelope. Cartas trocadas entre perso-nalidades, políticos, literatos, artistas e amantes apaixonados. Cartas que, posteriormente, tornaram-se preciosos acervos culturais de grande valia para estudiosos e historiadores. E agora, como fica? Não se escrevem cartas como antigamente. Não sou contra os novos meios de co-municação pessoal, porém temo perder parte do registro da história. Tudo bem, arquiva-se e-mail, mas será que os jo-vens estão preocupados com isso? Além do mais, a escrita eletrônica me parece tão impessoal, tão manipulá-vel... Já a carta manuscrita tem vida, vibra, retrata com fidelidade o estado de espírito do autor naquele momento. Aquele pequeno borrão na carta de despedida, não será uma lágrima trai-çoeira? E essa letrinha agora miúda e vacilante, não estaria dizendo que mi-nha amiga está melancólica? Uma carta escrita à mão é mais que a alma refletida no papel, é também atestado de consideração, de respeito. A carta manuscrita é o mais bonito artesanato da comunicação. Ela parece dizer: olha, sou peça única, criada só para você.

“Quando o carteiro chegoue o meu nome gritou

com uma carta na mão...”

Antigamente, na escola primária, a professora ensinava aos alunos como escrever cartas e estrutu-rar o texto com precisão e delicadeza. Era de boa educação iniciar uma carta a um amigo nesses termos: Como vai você? E os seus, como estão? Estimo que todos estejam bem. E seguia por aí afora. Na co-municação eletrônica a coisa funciona mais ou menos assim: Aí cara tb vc ta a fim (ou afim?) de esticar na night hoje é sexta (ou cesta? Na dúvida vai 6ª) to a fim (de novo!) de ter um bfs. Para quem não é iniciado ex-plico que tb é tudo bem ou também, vc é você, e bfs é bom fim de semana. A moderna linguagem eletrônica exige pouco. Abreviar é preciso, pontuar não é preciso, diria Fernando Pessoa se moderno fosse. Imaginem se Pero Vaz de Caminha tivesse passado um e-mail para El Rey. Provavelmente não sabe-ríamos que aqui tudo em se plantando dá. Ah, as cartas! Para aqueles que não sabem o que é isso, deixo aqui a perfeita definição dada pela escritora Lucia Helena Monteiro Machado: “Car-ta é um e-mail que as pessoas passa-vam quando ainda sabiam ler e escre-ver, e tinham o que dizer.” É a marcha inexorável do tem-po. Aprendi com Adauto Santos que “quando o novo chega o velho tem de parar.” Então paro por aqui. Aposento a pena. bfs pra vcs.

João Marcos Cicarelli é jornalista e escritor.

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14Maio - Santos Arte e Cultura

O RECADOEDNA GALLO

O expediente terminara. Os funcionários já haviam ido embora e João estava sozinho na sua empresa. Dirigiu-se à escrivaninha, apanhou uma pasta e começou a exami-nar alguns papéis importantes, referentes à parte que teria de pagar à esposa de seu sócio Felipe, falecido recente-mente. Maquinava uma maneira de trapacear com o di-nheiro da viúva. Ela era completamente alheia aos negócios do marido. Sempre vivera para o lar, atenta as tarefas de dona de casa. Mulher simples, confiava totalmente na ho-nestidade desse homem que fora companheiro de trabalho de seu esposo e, posteriormente, sócio nesse bem sucedido empreendimento. Com a morte de Felipe, João ficara só na adminis-tração da firma e, sentindo-se senhor da situação pensou logo em ficar com tudo, propondo então à viúva a compra da parte dela. Sem ter condições ou prática para gerir os negó-cios e ainda com filhos adolescentes para educar, ela con-cordou com a venda. Empregaria o dinheiro na compra de imóveis e viveria da renda dos mesmos. Já era tarde e ele permanecia ainda no escritório. Formado em contabilidade, ele estudava uma forma de pa-gar um valor bem menor que o real. Tinha que fazer tudo direito, usar a cabeça, de modo que ela jamais desconfiasse que a importância a receber era maior que aquela que ele ia lhe pagar. A viúva confiava nele a ponto de dispensar a as-sessoria de um bom advogado. Começou a subtrair dados, escondeu documentos, e quando estava adulterando algumas somas ouviu um ba-rulho no trinco da porta, como se alguém a estivesse abrin-do... De repente, sentiu um cheiro de perfume ao seu redor. Arrepiou-se todo. Aquela era a fragância que Felipe usava. Largou tudo o que estava fazendo e saiu correndo com o coração descompassado. Esperou passar alguns dias e voltou a fazer a con-tabilidade. Desta vez, porém, não ficou só. Aproveitou o ho-rário de expediente e, cercado de pessoas à sua volta, na certa aquele fato estranho, talvez até fruto de sua imagina-ção, não aconteceria outra vez. Sentou-se e começou a rever a papelada. A idéia de trapaça não fora afastada. As intenções eram as mes-mas. De repente o barulho na porta e o perfume exala no ar. Não era possível! Chamou a secretária. Ela entrou e foi logo dizendo: “Nossa, que sala perfumada.”João ficou ainda mais

nervoso com o comentário. Então, não era impressão sua. Ela também sentira o perfume. Resolveu, então, ficar algum tempo sem tocar naquela documentação. Um dia, resolveu levar os tais papéis para casa. Quem sabe longe do ambiente de trabalho aquilo não voltas-se a se manifestar, porém, mais uma vez escutou ruídos na porta, e sentiu aquele aroma tão seu conhecido. Chamou a esposa e contou-lhe o que estava acontecendo. Decidiu ras-gar todas as anotações que fizera e jogou-as no lixo. Fez a contabilidade novamente. Não omitiu um centavo. As contas foram feitas com a maior honestidade. A viúva recebeu a parte dela. Tudo o que lhe per-tencia estava ali, tostão por tostão. João compreendera o recado.

Edna Gallo é poetisa e TrovadoraLivros publicados: “Alvoradas e

Crepúsculos” e “Brisa de Outono”

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15 Maio - Santos Arte e Cultura

Uma das melhores terapia que exis-te, é a fila do banco, se você parar para analisar, vemos pessoas introvertidas, extrovertidas, pacatas, valentes, impa-cientes, já na fila dos idosos, observa-mos senhoras que dão um toque de beleza para enfrentar a fila dos apo-sentados, são lindas senhoras, com cabelos feitos, lábios pintados, bolsas modernas, sapatos novos, segurando suas bolsas com as duas mãos. Como bom brasileiro, também enfrento filas de banco, com meu pro-blema físico, tenho o privilégio de pe-gar o caixa específico dos idosos, ges-tantes e deficientes, observo que quando entro nessa fila, senhores e se-nhoras falam no pé do ouvido sobre a minha pessoa, será que ele é aposen-tado ou deficiente? Outro dia, na Caixa Econômi-ca Federal, banco social, fiquei na fila dos aposentados quase meia hora, es-tando já na boca do caixa, observei que duas senhoras, aparentemente distin-tas, falavam de mim, apontando o dedo, como se eu estivesse aproveitando a fila menor, cochichavam muito e com certeza não estavam falando de nove-las. - Imagine só, esse senhor, não tem cara de aposentado, e está apro-veitando nossa fila, é um absurdo! Quando terminei o serviço,

FILA DE BANCOMARIO AzEVEDO ALEXANDRE

essa mesma senhora me chamou e disse: -Você é aposentado? -Sim, porém eu me trato muito bem e não estou como vocês acabadas. - Como assim? - Olha bem, minha senhora, a idade às vezes faz as pessoas julgarem se são aposentados ou não. - Como eu pratico exercícios, sou vegetariano, não bebo e nem fumo, não faço fofocas, são motivos de minha idade aparentar menos. Elas ficaram espantadas com a minha resposta, porém ao virar as costas para me retirar, olhei para elas e sorri, quando notaram que eu tinha uma deficiência, que somente aparece quando estou andando, parado numa fila fica difícil descobrir. Na minha opinião, deveria haver uma fila de caixa somente para poetas, escritores, jornalistas, eles não podem perder tempo, são observado-res do tempo, do espaço e do momen-to, e quem sabe, de repente, na rotina do cotidiano, ele possa fazer uma poe-sia ou mesmo uma crônica, como essa que acabaste de ler.

Mario Azevedo Alexandre é contador, advogado, escritor,

professor e membro da Academia Santista de Letras e do Instituto

Histórico e Geográfico de Santos.

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FARPAS DA HISTÓRIACLÁUDIO DE CÁPUA

Cláudio de Cápua é aviador, jornalista e escritor. Pertence ao Instituto Histórico e

Geográfico de Santos, à Academia Paulistana de História. É sócio-fundador da União Brasileira de Trovadores - Seção de

São Paulo. www.de-capua.com

General Osório (Luiz Manuel Osório), herói da Guerra do Paraguai, homem franco, leal e por atos de bravu-ra na frente de batalha, recebera do Imperador Pedro II, o título de Marquês de Erval. Osório era conhecido na cor-te, como aquele que nunca fizera uma bajulação ao Imperador. Tratava-o com respeito, mas sem perder a altivez. Certa vez, em uma audiência com o Im-perador, Dom Pedro II pôs-se a cochi-lar, e o Marquês de Erval deixou cair a espada interrompendo o sono do mo-narca. Houve uma rápida troca de far-pas: - Por certo general, sua espa-da não caia assim no Paraguai? - Claro que não majestade, no Paraguai não havia tempo para dormir. Noutra ocasião, de acordo com o jornalista Leôncio Correia, do Correio da Manhã, de 17 de junho de 1927, o general Osório, que na ocasião era Ministro da Guerra, indicou a pro-moção de um jovem coronel a brigadei-ro (Gen de brigada), mas o Imperador ignorou a indicação e não assinou a tal promoção. Em “O Brasil Anedótico”, Hum-berto de Campos nos conta a seguinte versão. Osório interpela o Imperador. - Vossa Alteza tem ciência de

algum fato desabonador? Se tem, é um serviço a mim e ao exército revelá-lo. - É moço demais...diz o Impe-rador, justificando. - Isso é bom... diz o ministro. Poderá com mais frequência, supervi-sionar as nossas fronteiras. O Imperador aproximou a boca do ouvido do ministro e disse em tom confidencial: - Falam que ele é muito mu-lherengo. Osório desandou a gargalhar. - Isso é virtude Majestade! Se isso impedisse promoção eu hoje ainda seria soldado raso!

ADÉLIA & ADERBALVALÉRIA PELOSI

Adélia & Aderbal,

sociedade peculiar.

Um entra com a árvore, o

outro com o cipó, um com o

pescoço outro com a corda.

Par perfeito.

Valéria Pelosi é cronista, mestra doutora em Psicologia

pela PUC São Paulo

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NOTAS CULTURAIS

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NOTAS CULTURAIS

Armando NogueiraMorreu em 29 de março, com 83 anos, o jornalista e aviador Armando Nogueira. Ex-diretor de jorna-lismo da TV Globo

de 1996 a 1990 e autor de dez livros, Nogueira nasceu em Xapuri, no Acre, e formou-se em direito no Rio. Em 1950 começou a carreira de jornalis-ta no Diário Carioca, trabalhou ainda na Revista Manchete, em O Cruzei-ro, Jornal do Brasil. Iniciou no telejor-nalismo em 1959, na antiga TV Rio. Ícone do jornalismo esportivo, No-gueira cobriu todas as Copas do Mundo a partir de 1954.

A Livraria Saraiva, do Morum-bi Shopping, recebeu no dia 24 de abril dezenas de crianças para o lançamen-to do livro “Contos da Tia Lenita”. Nele, a autora, Maria Helena Alvim conta 18 histórias que ouviu quando criança, do jardineiro que cuidava das flores de sua casa no interior de Portugal. São, portanto, narrativas da cultura popular lusitana, passadas de geração a geração. O livro traz ilus-trações de Leonor Alvim Brazão, que traduzem a graça e a vivacidade das narrativas.

VIRADA CULTURAL

PAULISTA

CONTOS DE TIA LENITA

LANÇAMENTO “CANTARES”

O compositor Eduardo Escalante re-cebeu o Prêmio APCA (Associação Paulista de Críticos de Artes) - Os Melhores das Artes de 2009.Foi um Prêmio Espe-cial de Composição pela Ópera "O Paga-dor de Promessas", de sua autoria.

PRÊMIO APCA

A Virada Cultural Paulista, realizada pela Secretaria de Estado da Cultura, é o maior evento cultural do interior e litoral de São Paulo e reuniu em 2010, 29 cidades, entre as quais Santos. Sua importância está em oferecer oportunidade de acesso à atividades culturais, a mais de um mi-lhão de pessoas, graças a uma pro-gramação variada e gratuita (mais de 700 atrações). Este ano, o evento levou ao público espetáculos de dança, peças de teatro, shows e exposições.

DEIXANDO SAUDADE....

Áurea Navarro TuriniFaleceu, no dia 5 de abril, com 102 anos incompletos a poetisa e trova-

dora, Aurea Navarro Turini. Na-tural de Jaú, há muito radicada em Santos, tinha uma legião de amigos e admiradores. Perten-cia à União Brasileira de Trova-dores, seção de Santos, além de participar de várias coletâne-as, é autora do livro de poesias “Jorro de Luzes”, edição de 1996.

No Clube Democrático, de São Paulo, em jantar bastante concorri-do, foi lançado, neste 24 de abril, o livro de trovas “Cantares”, de auto-ria de Marina Bruna, uma das mais inspiradas trovadoras do Brasil.

Na foto, Marina Bruna entre as consagra-das trovadoras, Carolina Ramos e Selma Pati Spinelli

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Maio - Santos Arte e Cultura

Espaço do LivroCLÁUDIO DE CÁPUA

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O SEGUNDO MUNDOde PARAG KHANNA

“O Segundo Mundo”, livro de autoria do indiano Parag Khanna, especialista em geopolítica e relações internacionais. O autor tem 31 anos e possui um curriculo onde constam sua atuação como consultor de política externa da campanha para presidente, de Barack Obama, e sua participação, por seis anos, como membro do Conselho de Rela-ções Internacionais, do Foro Econômico Mundial de Genebra, em Da-vos. Este livro é inovador, Parag Khanna rebatiza o rótulo de “Se-gundo Mundo” que antes era aplicado aos países do bloco socialista. Na atual conjuntura mundial, o termo se refere a mais de 40% das nações que possuem as características do Primeiro e do Terceiro Mundo, ao mesmo tempo, entre estes países o Brasil, Rússia, Polônia e o Irã. O autor analisa as estratégias objetivando a conquista das nações emer-gentes, de acordo com o pensamento dos Impérios da União Européia e da China, graças aos equívocos da diplomacia Americana nas últimas décadas. O “Segundo Mundo” é um livro esclarecedor para quem quer entender a Globalização.

Trata-se de uma com-pilação irreverente das frases do presidente Luis Inácio Lula da Sil-va, em seus discursos presidenciais. Marcelo Tas, diretor, apresen-tador e roteirista de TV mantém seu perfil ao unir jornalismo e hu-mor.

NUNCA ANTES NA HISTÓRIA DESTE PAÍS

Com uma espera de 83 anos, o público tem à disposição a segunda edição de Vida Aperta-da, de Luiz (Lili) Leitão. O organizador da obra, Roberto S. Kahlmeyer - Mertens presta assim justa homenagem ao poeta, que considera um fenomeno literário.

VIDA APERTADA

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