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EDITOR: DOGIVAL DUARTE - DIÁRIO REGIONAL - SANTA CRUZ DO SUL, TERÇA-FEIRA, 17 DE DEZEMBRO DE 2013 Cotidiano Ernest Hemingway repaginado Obra do famoso escritor norte-americano é relançada pela Bertrand Brasil com novo projeto gráfico. Designer responsável por esse trabalho fala com exclusividade ao Diário Fernando de Oliveira Chefe de Redação [email protected] D esde outubro, a edito- ra Bertrand Brasil, do grupo Record, vem relançando no Brasil, com novo projeto grá- fico, a obra de um dos mestres da literatura do século 20: Er- nest Hemingway (1899-1961). Já mandou às livrarias, de lá para cá, os monumentais O Velho e o Mar, Paris é Uma Festa e Adeus às Armas. E em 2014 publica Por Quem os Si- nos Dobram, O Sol Também se Levanta e Jardim do Éden, inédito no catalogo da editora, que possui os direitos de publi- cação da obra do escritor norte- americano no País. Responsável pelo trabalho de repaginar os livros de Hemin- gway para a Bertrand, o designer Angelo Bottino concedeu esta entrevista exclusiva ao Diário. Diário Regional - Como você se envolveu no novo projeto gráfico da obra de Hemingway? Angelo Bottino - Bem, já havia feito algumas capas para a editora, venho colaborando com eles há aproximadamente cinco anos. Mas ter sido esco- lhido para um desafio como esse foi bastante especial. No caso de livros já publicados tantas vezes, onde vários ca- minhos gráficos já foram esgo- tados, fica mais difícil projetar algo realmente novo, que se diferencie das edições ante- riores, trazendo novos leitores, bem como fazendo os demais renovarem suas bibliotecas. DR - Diante disso, como você produziu a nova capa de cada livro de Hemingway relacionada ao seu conteúdo? Bottino - O layout é basi- camente o mesmo para todos os livros, mudando de um para outro apenas a cor auxiliar e as imagens, essas sim, ligadas estreitamente ao conteúdo de cada um, funcionando como ícones fotográficos. O concei - to foi traduzir graficamente o estilo de Hemingway, objetivo (sem gordura, apenas esqueleto e músculos, como descrito al- gumas vezes), onde todo o sim- bolismo fica a cargo do leitor. DR - Fale um pouco so- bre seu processo de trabalho. Bottino - Basicamente, o primeiro passo é conhecer, se in- formar sobre o livro. Em clássi- cos da literatura, como em ques- tão, é comum já os termos lido anteriormente e apenas relermos algumas partes para relembrar. No entanto, muitas vezes e por motivos diversos (prazos exí- guos, confidencialidade etc), temos que fazer as capas com base em resumos ou mesmo uma conversa com o editor ou o autor, quando aplicável. DR - E qual é o passo se- guinte? Bottino - Em seguida, e tão importante quanto essa pesqui- sa de conteúdo, é a pesquisa de forma, para o caso de reedi- ções/reimpressões. Faz parte do dever de casa do capista saber o que já foi feito anteriormente para aquele autor ou obra, evi- tando incorrer em cópias invo- luntárias, por exemplo. Após isso, a capa fica “co- zinhando” por alguns dias na cabeça, até que uma ideia, um mote, apareça. Caso contrá- rio, iniciamos uma espécie de trabalho braçal, de tentativa e erro, até que um bom cami- nho gráfico se apresente. E aí, dentre vários estudos, selecio- namos dois ou três para apre- sentação à editora. Da quanti- dade extraímos qualidade. DR - Qual a sua relação com a obra de Hemingway? Bottino - Quando mais jovem, estudei um pouco de literatura norte-americana e, como se pode imaginar, He- mingway era item obrigatório. DR - Dos livros do escri- tor, qual é seu preferido? Bottino - Apesar de O Ve- lho e o Mar, na minha lem- brança, ser uma leitura bas- tante ágil e muito envolvente (praticamente uma parábola), Por Quem os Sinos Dobram é o que gosto mais. Desde o título, genial, até o registro histórico da guerra, feito por quem real- mente esteve in loco, no front, é um livro de muitas virtudes. A maior delas, talvez, seja re- tratar com maestria as diferen- tes reações dos personagens ante a possibilidade da morte, seja na barbárie da guerra ou no suicídio como fuga. Coin- cidentemente, são também as minhas duas capas preferidas da coleção até agora. DR - Muitos críticos di- zem que os escritos de He- mingway passaram do prazo de validade. Qual sua opi- nião sobre isso? Bottino - Realmente, é uma opinião bastante comum, talvez pelos fatos pessoais, relatos his- tóricos e reportagens que origi- naram e fizeram parte de muitos dos seus livros. O que muitos não percebem é que os livros de Hemingway são mais que o tex- to em si, é preciso “ler nas entre - linhas”, como se diz. O próprio autor associava seu texto a um iceberg: os fatos ficam expostos acima d’água enquanto a estru- tura e o simbolismo, submersos, se escondem abaixo dela. Retrato de Ernest Hemingway feito em 1960, um ano antes de o escritor cometer suicídio Loomis Dean/Time & Life Pictures/Getty Image Fotos: Bertrand Brasil / Divulgação

Ernest Hemingway - Matéria no Diário Regional

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O diário de Santa Cruz do Sul publicou ótima matéria sobre o multipremiado Ernest Hemingway.

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Page 1: Ernest Hemingway - Matéria no Diário Regional

EDITOR: DOGIVAL DUARTE - DIÁRIO REGIONAL - SANTA CRUZ DO SUL, TERÇA-FEIRA, 17 DE DEZEMBRO DE 2013

CotidianoErnest Hemingway repaginado

Obra do famoso escritor norte-americano é relançada pela Bertrand Brasil com novo projeto gráfico. Designer responsável por esse trabalho fala com exclusividade ao Diário

Fernando de OliveiraChefe de Redaçã[email protected]

Desde outubro, a edito-ra Bertrand Brasil, do

grupo Record, vem relançando no Brasil, com novo projeto grá-fico, a obra de um dos mestres da literatura do século 20: Er-nest Hemingway (1899-1961).

Já mandou às livrarias, de lá para cá, os monumentais O Velho e o Mar, Paris é Uma Festa e Adeus às Armas. E em 2014 publica Por Quem os Si-nos Dobram, O Sol Também se Levanta e Jardim do Éden, inédito no catalogo da editora, que possui os direitos de publi-cação da obra do escritor norte-americano no País.

Responsável pelo trabalho de repaginar os livros de Hemin-gway para a Bertrand, o designer Angelo Bottino concedeu esta entrevista exclusiva ao Diário.

Diário Regional - Como você se envolveu no novo projeto gráfico da obra de Hemingway?

Angelo Bottino - Bem, já havia feito algumas capas para a editora, venho colaborando com eles há aproximadamente cinco anos. Mas ter sido esco-

lhido para um desafio como esse foi bastante especial. No caso de livros já publicados tantas vezes, onde vários ca-minhos gráficos já foram esgo-tados, fica mais difícil projetar algo realmente novo, que se diferencie das edições ante-riores, trazendo novos leitores, bem como fazendo os demais renovarem suas bibliotecas.

DR - Diante disso, como você produziu a nova capa de cada livro de Hemingway relacionada ao seu conteúdo?

Bottino - O layout é basi-camente o mesmo para todos os livros, mudando de um para outro apenas a cor auxiliar e as imagens, essas sim, ligadas estreitamente ao conteúdo de cada um, funcionando como ícones fotográficos. O concei-to foi traduzir graficamente o estilo de Hemingway, objetivo (sem gordura, apenas esqueleto e músculos, como descrito al-gumas vezes), onde todo o sim-bolismo fica a cargo do leitor.

DR - Fale um pouco so-bre seu processo de trabalho.

Bottino - Basicamente, o primeiro passo é conhecer, se in-formar sobre o livro. Em clássi-cos da literatura, como em ques-

tão, é comum já os termos lido anteriormente e apenas relermos algumas partes para relembrar. No entanto, muitas vezes e por motivos diversos (prazos exí-guos, confidencialidade etc), temos que fazer as capas com base em resumos ou mesmo uma conversa com o editor ou o autor, quando aplicável.

DR - E qual é o passo se-guinte?

Bottino - Em seguida, e tão importante quanto essa pesqui-sa de conteúdo, é a pesquisa de forma, para o caso de reedi-ções/reimpressões. Faz parte do dever de casa do capista saber o que já foi feito anteriormente para aquele autor ou obra, evi-tando incorrer em cópias invo-luntárias, por exemplo.

Após isso, a capa fica “co-zinhando” por alguns dias na

cabeça, até que uma ideia, um mote, apareça. Caso contrá-rio, iniciamos uma espécie de trabalho braçal, de tentativa e erro, até que um bom cami-nho gráfico se apresente. E aí, dentre vários estudos, selecio-namos dois ou três para apre-sentação à editora. Da quanti-dade extraímos qualidade.

DR - Qual a sua relação com a obra de Hemingway?

Bottino - Quando mais jovem, estudei um pouco de literatura norte-americana e, como se pode imaginar, He-mingway era item obrigatório.

DR - Dos livros do escri-tor, qual é seu preferido?

Bottino - Apesar de O Ve-lho e o Mar, na minha lem-brança, ser uma leitura bas-tante ágil e muito envolvente

(praticamente uma parábola), Por Quem os Sinos Dobram é o que gosto mais. Desde o título, genial, até o registro histórico da guerra, feito por quem real-mente esteve in loco, no front, é um livro de muitas virtudes. A maior delas, talvez, seja re-tratar com maestria as diferen-tes reações dos personagens ante a possibilidade da morte, seja na barbárie da guerra ou no suicídio como fuga. Coin-cidentemente, são também as minhas duas capas preferidas da coleção até agora.

DR - Muitos críticos di-zem que os escritos de He-mingway passaram do prazo de validade. Qual sua opi-nião sobre isso?

Bottino - Realmente, é uma opinião bastante comum, talvez pelos fatos pessoais, relatos his-tóricos e reportagens que origi-naram e fizeram parte de muitos dos seus livros. O que muitos não percebem é que os livros de Hemingway são mais que o tex-to em si, é preciso “ler nas entre-linhas”, como se diz. O próprio autor associava seu texto a um iceberg: os fatos ficam expostos acima d’água enquanto a estru-tura e o simbolismo, submersos, se escondem abaixo dela.

Retrato de Ernest Hemingway feito em 1960, um ano antes de o escritor cometer suicídio

Loomis Dean/Time & Life Pictures/Getty Image

Fotos: Bertrand Brasil / Divulgação