Formação de Professores Do Ensino Médio - Caderno 4

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  • Ministrio da Educao Secretaria de Educao Bsica

    Formao deProfessores do Ensino

    Mdio

    REAS DE CONHECIMENTO E INTEGRAO CURRICULAR

    Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio

    Etapa I Caderno IV Curitiba

    Setor de Educao da UFPR2013

  • MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA (SEB)

    MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA Esplanada dos Ministrios, Bloco L, Sala 500 CEP: 70047-900 Tel: (61)20228318 - 20228320

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANSISTEMA DE BIBLIOTECAS BIBLIOTECA CENTRAL

    COORDENAO DE PROCESSOS TCNICOS

    Brasil. Secretaria de Educao Bsica. Formao de professores do ensino mdio, etapa I - caderno IV : reas de conhecimento e integrao curricular / Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica; [autores : Marise Nogueira Ramos, Denise de Freitas, Alice Helena Campos Pierson]. Curitiba : UFPR/Setor de Educao, 2013. 47p. : il. ISBN 9788589799843 Inclui referncias Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio 1. Ensino mdio - Currculos. 2. Cincias (Segundo grau). 3. Currculos - Planejamento. I. Ramos, Marise Nogueira. II. Freitas, Denise de. III. Pierson, Alice Helena Campos. IV. Universidade Federal do Paran. Setor de Educao. V. reas de conhecimento e integrao curricular. VI. Ttulo. CDD 373.19

    Andrea Carolina Grohs CRB 9/1384

  • REAS DE CONHECIMENTO E INTEGRAO CURRICULAREtapa I Caderno IV AUTORES Marise Nogueira RamosDenise de FreitasAlice Helena Campos Pierson

    LEITORES CRTICOS Ana Carolina CaldasClec KrbesMaria Madselva Ferreira FeigesSandra Regina de Oliveira GarciaObservao: Todos os autores da primeira etapa da formao realizaram leitura crtica e contriburam com sugestes para o aperfeioamento dos cadernos.

    REVISOReinaldo Cezar Lima Ana Carolina CaldasJuliana Cristina ReinhardtVictor Augustus Graciotto SilvaMarcela Renata Ramos

    PROJETO GRFICO E EDITORAO Reinaldo Cezar Lima Victor Augustus Graciotto SilvaRafael Ferrer Kloss

    CAPA Yasmin Fabris

    ARTE FINALRafael Ferrer Kloss

  • SUMRIO

    Introduo / 5

    1. O que so as reas de conhecimentoe qual sua relao com o currculo / 12

    2. O ensino integrado: trabalho, cincia, tecnologia e cultura / 20

    2.1. Trabalho, cultura, cincia e tecnologia / 20

    3. Caminhos para a aproximao do conhecimento das diferentes reas: o trabalho como princpio educativo e a pesquisa como princpio pedaggico / 28

    4 . O projeto curricular e a relao entre os sujeitos e desses com suas prticas / 38

    Referncias / 48

  • 5Formao de Professores do Ensino Mdio

    Introduo

    Caras Professoras e caros professores,

    julgamos que facilmente reconhecvel por vo-

    cs o discurso apresentado na charge abaixo.

    Extrada de: .

    Comumente encontramos nas crticas di-

    rigidas escola a responsabilizao pelo despre-

    paro dos alunos para atuarem no mundo real. Pos-

    sivelmente, alguns de vocs conheam o livro Na

    vida dez, na escola zero, que j na dcada de

    1980 alertava para essa questo apontando que a

    matemtica que crianas e adultos trabalhadores

    aprendem na escola no suficiente para resolver

    os problemas da vida diria e, no entanto, muitos

    trabalhadores, no seu dia a dia, usam muito mais

    matemtica do que aprenderam na escola. Nesta

    NUNES, Terezinha, CAR-RAHER, David, SCHLI, Ana Lcia. Na vida dez, na esco-la zero. 16. ed. So Paulo: Cortez Editora, 2011.

    .

  • 6reas de conhecimento e integrao curricular

    crtica, dois aspectos so apontados como causa

    da descontextualizao cultural e social dos co-

    nhecimentos escolares e, consequentemente, do

    insucesso e fracasso da aprendizagem: a seleo e

    a forma de organizao dos contedos por reas

    de conhecimentos e por disciplinas e os proces-

    sos de avaliao no ensino.

    A questo que nos propomos discutir

    neste tpico diz respeito ao direito, reconheci-

    do pelas Diretrizes Curriculares do Ensino M-

    dio (DCNEM), que o estudante de Ensino Mdio

    tem de se inserir no mundo formal dos conheci-

    mentos culturalmente produzidos e sistemati-

    zados pelas cincias, e difundidos, aplicados e so-

    cialmente valorados para que possa participar

    de maneira inclusiva na dinmica da sociedade.

    Queremos refletir com vocs como po-

    demos viabilizar as metas colocadas pelas DC-

    NEM de: preparar o educando para o trabalho

    e a cidadania, de modo que ele possa continuar

    aprendendo e ser capaz de se adaptar a novas

    condies de ocupao ou aperfeioamento

    posteriores; promover o aprimoramento do

    educando como pessoa humana, incluindo a for-

    mao tica e o desenvolvimento da autonomia

    intelectual, alm do pensamento crtico; possibi-

    litar a compreenso dos fundamentos cientfico-

    tecnolgicos e dos processos produtivos, rela-

    cionando a teoria com a prtica.

    Nos cadernos anteriores, vocs tiveram

    oportunidade de estudar e compreender o Ensi-

    no Mdio atual a partir de uma reviso histrica

    das suas polticas e configuraes. Compreen-

    deram que um currculo integrado no ensi-

    no mdio, em suas diferentes modalidades e

    enquanto formao humana integral, um

  • 7Formao de Professores do Ensino Mdio

    direito de todo brasileiro, uma conquista hist-

    rica e uma construo tardia na qual no deve-

    mos aceitar retrocessos. Considerando a meta

    de universalizao do Ensino Mdio, puderam

    analisar os desafios colocados para a prtica do-

    cente de realizar a incluso das juventudes que

    fazem parte das escolas de hoje em suas diferen-

    tes modalidades e formatos organizativos. Refle-

    tiram, tambm, sobre os sentidos e as relaes

    entre o conhecimento escolar e esses sujeitos

    do ensino mdio, tendo em vista as dimenses

    da formao humana integral a cincia, a cul-

    tura, o trabalho e a tecnologia presentes nas

    Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino

    Mdio (DCNEM).

    Neste momento do curso, vamos aden-

    trar um pouco mais no estudo dessas dimenses

    da formao, buscando caracterizar o que rea

    de conhecimento e as estratgias para um ensino

    integrado.

    A charge no incio deste texto traz em

    questo a diferena entre os conhecimentos

    sistematizados da cincia e das letras, mais

    a experincia de vida do aprendiz. Assim,

    bastante comum entre ns professores inda-

    garmos: seriam as estruturas lgicas das disci-

    plinas a melhor forma de promover uma for-

    mao que leve ao desenvolvimento humano

    integral dos nossos estudantes?

    Uma tendncia para interpretar o pro-

    cesso de disciplinarizao com vistas superao

    da fragmentao e da compartimentao dos co-

    nhecimentos consiste em considerar que a disci-

    plina cientfica, a disciplina acadmica e a disciplina

    escolar tm constituies diferentes e cumprem

    finalidades sociais distintas. possvel interpretar

    Para saber mais sobre a histria das disciplinas es-colares: CHERVEL, Andre. Histria das disciplinas es-colares: reflexes sobre um campo de pesquisa. Teoria e Educao, Porto Alegre, n. 2, p. 177-229, 1990.

  • 8reas de conhecimento e integrao curricular

    que, no modelo tradicional de escola que visa a

    uma formao propedutica, as disciplinas esco-

    lares adotam como referncia os conhecimentos

    produzidos pela cincia que, muitas vezes, bus-

    cam a verdade em si e para si e, neste universo

    conceitual autocentrado, os conhecimentos es-

    colares resultam desconectados das realidades

    que a prpria cincia ajuda a construir. Outras

    perspectivas apontam que o conhecimento esco-

    lar no deveria ter apenas o conhecimento cien-

    tfico como saber de referncia, incluindo nesse

    contexto fontes de conhecimentos de diversas

    prticas sociais e culturais. No entanto, nenhuma

    dessas perspectivas pode deixar de considerar a

    importncia dos saberes advindos das disciplinas

    cientficas, uma vez que nosso modelo de socie-

    dade est organizado fundamentalmente pelas

    referncias dos conhecimentos cientficos e tec-

    nolgicos. Negar o direito do educando a esses

    conhecimentos significaria, portanto, negar-lhe o

    direito vida socialmente organizada.

    Na histria da educao, quando se bus-

    cam melhorias dos processos de ensino e apren-

    dizagem tendo em vista uma melhor compre-

    enso da realidade e dos contedos culturais, a

    questo da integrao curricular tem se colocado

    como uma possibilidade pensada a partir de di-

    ferentes pressupostos educativos e pedaggicos.

    isso que queremos discutir com vocs neste

    curso. Para tal, propomos quatro momentos de

    estudo assim organizados: 1) O que so as reas

    de conhecimento e qual sua relao com o cur-

    rculo; 2) O ensino integrado: trabalho, cincia,

    tecnologia e cultura; 3) Caminhos para a apro-

    ximao do conhecimento das diferentes reas:

    o trabalho como princpio educativo e a pesquisa

  • 9Formao de Professores do Ensino Mdio

    como princpio pedaggico; 4) O projeto curri-

    cular e a relao entre os sujeitos, alm da rela-

    o destes com as prticas daquele.

    Porm, antes de entrarmos na discusso

    sobre o que so reas de conhecimento, gosta-

    ramos de tecer consideraes sobre como ao

    longo do tempo os conhecimentos foram per-

    dendo a dimenso de totalidade, se fragmentan-

    do e se compartimentalizando em disciplinas e

    reas disciplinares.

    Se fizermos uma reviso histrica1 para

    compreendermos a diferenciao dos conheci-

    mentos em reas especficas, veremos que a sua

    origem esteve pautada em critrios educativos

    que no pressupunham conduzir ao isolamento

    em disciplinas. Ao contrrio, a unidade do conhe-

    cimento, desde os primeiros filsofos at mea-

    dos do sculo XIX, foi o princpio organizador

    dos diferentes currculos cuja educao deveria

    garantir o desenvolvimento da pessoa com uma

    formao integral ou global fsica, intelectual

    e espiritual.

    A ideia de um saber unitrio que pu-

    desse dar conta de explicar o mundo natural e

    a existncia humana sempre existiu. Para o ho-

    mem pr-histrico, era o mito que proporciona-

    va o entendimento das coisas do mundo pela

    presena dos deuses em sua origem. A mitolo-

    gia como saber e tecnologia proporcionava ao

    mundo humano uma explicao ontolgica, e

    o cumprimento de liturgias e rituais conferia a

    segurana e a harmonia necessrias para o seu

    equilbrio. O nascimento da Matemtica e da As-

    1 Esta reviso histrica tomou como referncia a obra: JAPIASSU, H. Interdisciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Imago, 1976.

  • 10

    reas de conhecimento e integrao curricular

    tronomia permitiu que a conscincia mtica fosse

    substituda pela conscincia racional, mas o saber

    ainda conserva a viso global. A ideia de cosmos

    no mundo grego e a aceitao de Deus criador

    e protetor do cosmo na Idade Mdia inscrevem

    o saber num mesmo horizonte epistemolgico e

    permanecem, assim, a mesma viso unitria do

    real. As cincias continuam vinculadas filosofia,

    portanto, o sbio ao mesmo tempo filsofo e

    telogo e sua funo procurar e colocar ordem

    nas coisas. Assim, o saber s poderia exercer-

    se no mbito da totalidade e os conhecimentos

    das partes s faziam sentido na medida em que

    se relacionavam ao todo. A Pedagogia Unitria,

    criada pelos mestres gregos, decorre dessa epis-

    temologia e o programa de ensino denominado

    enkklios paidia (que significa educao em cr-

    culo) consistia no ensino de gramtica, dialtica

    e retrica (trivium), bem como de aritmtica,

    geometria, msica e astronomia (quadrivium)

    por meio das quais se transmitia a cultura ge-

    ral, permitindo a formao da personalidade

    integral. Como o ideal de educao era um sa-

    ber unitrio, as disciplinas no eram hermticas e

    distantes umas das outras, mas articuladas entre

    si e complementavam-se em busca de um todo

    harmnico e unitrio.

    Pode-se dizer que a presena de um cur-

    rculo fixo preestabelecido e organizado em dis-

    ciplinas j existia desde a tradio grega e depois

    medieval. Contudo, na Idade Moderna, com o

    movimento cultural do Renascimento e o adven-

    to da cincia moderna, a revoluo galileana do

    mecanicismo provocada pela juno da matem-

    tica com a fsica experimental desmorona o ho-

    rizonte protetor que envolvia a morada do ho-

    Epistemologia. Tem origem com Plato que, se opondo viso de crena ou opinio como ponto de vista subje-tivo, considera o conheci-mento como o conjunto de todas as informaes que descrevem e explicam o mundo natural e social que nos rodeia. A Epistemolo-gia, conhecida como teoria do conhecimento, estuda a origem, a estrutura, os m-todos e a validade do co-nhecimento e se relaciona com a metafsica, a lgica e a filosofia da cincia.

  • 11

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    mem e aparece outra evidncia epistemolgica.

    Orientado pelo pensamento cientfico, o cosmo

    dissolvido e projetado para um espao indefi-

    nido, onde matria, energia e partcula se repe-

    lem e se atraem seguindo leis rigorosas. Auxilia-

    da pela matemtica e pela estatstica, a existncia

    humana reduzida a um estatuto de perfeita ob-

    jetividade. Pouco a pouco, a anlise cientfica da

    realidade destri a unidade e se desintegra em

    saberes cada vez mais especializados, que explo-

    dem cada vez mais em disciplinas particulares. E

    quanto mais as disciplinas se diversificam, mais

    elas se distanciam da realidade humana. Nas ci-

    ncias, o espao da vida se converte num territ-

    rio neutro e universalizado o qual faz com que o

    indivduo se dissocie de sua essncia humana.

    Atualmente, vivemos em meio a uma

    enorme quantidade de conhecimentos especia-

    lizados (que sabem de quase tudo sobre quase

    nada), facilmente disponveis (meios de comu-

    nicao, internet, Google, Wikipdia, biblioteca

    etc.); no entanto, encontramo-nos totalmente

    alienados e inseguros diante das questes funda-

    mentais das nossas vidas pessoal e coletiva.

    Neste debate sobre a reduo que a vi-

    so especializada dos conhecimentos impe na

    formao humana, no se pode ignorar os efei-

    tos da especializao sobre o desenvolvimento

    das cincias, mas o que se quer mesmo focalizar

    a importncia de se obter pela integrao dos

    conhecimentos (das especialidades) a viso da

    totalidade da realidade.

  • 12

    reas de conhecimento e integrao curricular

    1. O que so as reas de conhecimento e qual sua relao com o currculo

    O desenvolvimento da cincia no scu-

    lo XX dependeu substancialmente de um fato:

    quanto mais a cincia se especializou e se dife-

    renciou, maior o nmero de novos campos que

    ela descobriu e descreveu. Tambm tanto mais

    definida se tornou a unidade material interna a

    esses campos uma unidade epistemolgica

    que significa a definio clara de seu objeto de

    estudo e dos mtodos para se abord-lo. Por

    exemplo, a biologia se desenvolveu tendo a vida

    orgnica como objeto; a qumica, a constituio

    das matrias orgnica e inorgnica e suas trans-

    formaes; a fsica, os fenmenos da natureza

    mais gerais e suas propriedades de movimen-

    to, de energia, etc. O fato de o objeto desses

    campos ser da natureza permite-nos, ao mesmo

    tempo em que reconhecemos a especificidade

    de seus respectivos objetos, identificar uma rela-

    o de identidade: cada um desses campos abor-

    da a natureza que, em si, se constitui como uma

    unidade vida, matria e transformao sob

    algum enfoque especfico. Ou seja, h uma rela-

    o entre particularidades e totalidade que for-

    ma uma unidade.

    Esta unidade , antes, mais da prpria re-

    alidade do que da cincia. A cincia tratou, exa-

    tamente, de cindir essa realidade para analis-la e

    captar suas determinaes mais especficas. Tais

    determinaes, quando elaboradas e ordenadas

    no plano geral do conhecimento a realidade

    concreta elevada ao plano do pensamento ,

    conformaram os conceitos e as teorias cientfi-

    cas. Na cadeia da produo do conhecimento

  • 13

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    inseriu-se o ensino, pois para que as pessoas

    possam compreender o mundo e produzir novos

    conhecimentos, preciso que elas se apropriem

    do conhecimento j produzido socialmente ao

    longo da histria. Assim, faz-se uma transposio

    dos campos cientficos para as disciplinas escola-

    res. Porm, as disciplinas escolares, quando con-

    sideradas apenas como acervos de contedos de

    ensino, isoladas e desprendidas da realidade con-

    creta da qual esses conceitos se originaram, no

    permitem que o processo de ensino e aprendiza-

    gem redunde efetivamente na compreenso da

    realidade pelo educando.

    Vimos que aqueles campos cientficos, ao

    mesmo tempo que so especficos, podem ser

    reagrupados em torno de uma unidade. A se

    pode ter, ento, o que chamamos de reas cien-

    tficas um recorte da realidade ainda espec-

    fico, porm maior do que as disciplinas, posto

    que esta expressa um objeto de conhecimento

    ainda no cindido naquelas especificidades. No

    caso da rea das Cincias da Natureza, vemos a

    natureza como objeto de estudo, mas ao ser cin-

    dida para ser estudada na especificidade da vida

    orgnica tem-se um campo disciplinar, a biologia;

    o estudo da natureza em termos da constituio

    e da transformao da matria funda a qumica,

    e assim por diante. Esta mesma anlise pode ser

    transportada para as demais reas.

    Por exemplo, as Cincias Humanas tra-

    tam da vida social e psquica do ser humano, em

    termos de acontecimentos, problemas, desafios,

    hbitos, normas, etc. enfrentados e construdos

    pela humanidade ao longo do tempo e em da-

    dos espaos. Mas essa unidade que caracteriza

    a rea pode se desdobrar em recortes e abor-

    Para ilustrar o que estamos dizendo, podemos tomar como exemplo um profes-sor de qumica que costu-ma ter em seu programa de ensino o balanceamen-to de equaes qumicas. Normalmente este assunto traz algumas dificuldades para os alunos e, conse-quentemente, eles tendem a desenvolver um clima de insatisfao com ele. O que significa para o aluno balan-cear uma equao qumica em seu caderno? Prova-velmente significa muito pouco, a no ser tratar-se de teorias que compem o programa de formao ge-ral no ensino mdio.

  • 14

    reas de conhecimento e integrao curricular

    dagens mais especficos, dos quais identificamos,

    por exemplo, a histria, a geografia, a sociologia,

    a psicologia, a filosofia, dentre outros possveis.

    O desenvolvimento desses campos a

    ciso da unidade que a realidade humana ma-

    terial e social em objetos especficos, criando as

    respectivas reas e disciplinas cientficas e, por

    homologia, as escolares , conduziu a cincia e,

    atualmente, a prpria escola, problemtica da

    organizao, da estrutura e da interao dinmi-

    ca entre essas dimenses da vida real e, conse-

    quentemente, constatao de que o estudo das

    partes e dos processos isolados no suficien-

    te. Assim, o problema essencial da cincia, para

    que seja socialmente necessria, consiste em re-

    construir relaes organizadas entre os conheci-

    mentos resultantes da interao dinmica desses

    campos, pois a compreenso que se pode ter da

    particularidade do real estudado pode ser diver-

    sa quando examinada isoladamente ou no inte-

    rior de um todo.

    No por acaso, ento, que as novas

    Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensi-

    no Mdio (DCNEM) orientam a organizao

    do currculo em reas de Conhecimento, cor-

    respondentes aos propsitos do Ensino Mdio:

    Linguagens, Matemtica, Cincias da Natureza,

    Cincias Humanas. Face ao que explicamos e

    enfocando o problema da relao entre particu-

    laridade e totalidade na perspectiva do ensino,

    as reas de conhecimento devem ser compre-

    endidas como conjunto de conhecimentos cuja

    afinidade entre si pode se expressar pela refe-

    rncia a um objeto comum no equivalente aos

    especficos de cada componente curricular, mas

    a partir do qual essas especificidades se produ-

    Ns, professores das diver-sas reas do ensino mdio, por sermos formados sob a hegemonia do positivis-mo e do mecanicismo das cincias, que fragmentam as cincias nos seus respec-tivos campos, tendemos a mant-las no s como fragmentos isolados no currculo, mas, tambm, a hierarquiz-las.

    Processos digestivos e h-bitos alimentares em nos-so cotidiano, a degradao ambiental e o aquecimento global, a crise do petrleo e o problema da energia nu-clear podem parecer ques-tes sem qualquer vnculo entre elas. Porm, pode-mos ver que no s esses fenmenos contam com al-guns conceitos comuns para explicar seus fundamentos conceitos elaborados no mbito de uma mesma rea de conhecimento como tambm que se trata de fe-nmenos da nossa prpria vida social.

  • 15

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    zem. Trata-se de uma unidade epistemolgica e

    metodolgica no mbito da cincia que, sob o

    prisma da organizao curricular, permite uma

    integrao mtua de conceitos, da terminologia,

    da metodologia e dos procedimentos de anlise.

    As reas de conhecimento na organizao

    curricular, portanto, devem expressar o poten-

    cial de aglutinao, integrao e interlocuo

    de campos de saber, ampliando o dilogo entre

    os componentes curriculares e seus respectivos

    professores, com consequncias perceptveis

    pelos educandos e transformadoras da cultura

    escolar rgida e fragmentada. Trata-se de um

    tipo de organizao que tem a interdisciplinari-

    dade como princpio. Esta, por sua vez, no um

    processo interno somente s respectivas reas,

    mas tambm entre os componentes curriculares

    de outras reas. Para isto, o princpio da histo-

    ricidade do conhecimento que pode contribuir,

    pois o trabalho pedaggico fecundo ocupa-se

    em evidenciar, junto aos conceitos, as razes,

    os problemas, as necessidades e as dvidas que

    constituem o contexto de produo de um co-

    nhecimento. Sendo assim, a interdisciplinaridade

    torna-se mais do que um mtodo, e sim uma ne-

    cessidade.

    As possibilidades de interao no apenas

    entre os componentes curriculares nucleados

    em uma rea, como tambm entre as prprias

    reas, tm a contextualizao como um recur-

    so, posto que elas evocam mbitos e dimenses

    presentes na vida pessoal e social, da produo

    material e cultural da vida. Porm, contextualizar

    os contedos escolares no liber-los do plano

    abstrato da transposio didtica para aprision-

    los na espontaneidade e na cotidianidade. Para

    Os fenmenos que comenta-mos acima podem ser analisa-dos no s do ponto de vista das Cincias da Natureza, como tambm, e necessa-riamente devem s-lo, sob a tica das Cincias Humanas, pois, por exemplo, os proble-mas da segurana alimentar, do meio ambiente, da crise energtica tm determinaes de ordem histrica, geofsica, geopoltica, sociolgica e filo-sfica. Afinal, tais problemas no existem por razes na-turais, mas foram produzidos pelos prprios seres humanos nas suas relaes histricas, sociais e culturais da produo da existncia.

  • 16

    reas de conhecimento e integrao curricular

    que fique claro o papel da contextualizao,

    necessrio aport-la, como no caso da interdis-

    ciplinaridade, num fundamento epistemolgico e

    este , para ns, a relao entre parte e totalida-

    de. Assim, contextualizar o conhecimento no

    exemplificar em que ele se aplica ou que situa-

    es ele explica, mas sim mostrar que qualquer

    conhecimento existe como resposta a necessi-

    dades sociais. Estas, por sua vez, so histricas e

    tambm produto de disputas econmicas, sociais

    e culturais.

    A organizao do currculo em reas de

    conhecimento no deve substituir a especifici-

    dade de cada componente curricular. Em outras

    palavras, a compreenso do objeto mais geral da

    rea no prescinde o estudo das particularida-

    des desse objeto, e a relao entre elas deve ser

    construda como um todo orgnico, sntese

    das diversas dimenses que o compem. Nesse

    sentido, oportuno dizer que, ao ressaltarmos a

    necessidade da manuteno da especificidade

    de cada campo do saber, expressa nos e pelos

    componentes curriculares, no estamos defen-

    dendo a compartimentalizao e o isolamento

    dos saberes. Muito pelo contrrio, as reas po-

    dem expressar uma interessante unidade com-

    posta por uma diversidade que se articula e se

    comunica entre si.

    Reflexo e ao

    Filme Ponto de mutao Original:

    Mindwalk (1990) roteiro de Floyd Byars e Fri-

    tjof Capra, dirigido por Bernt Amadeus Capra.

    Adaptao cinematogrfica do livro Ponto de

    A corrente eltrica, por exemplo, para um fsico, corresponde a um concei-to do seu campo cientfi-co, mas, no nosso cotidia-no, sua concretude est na luz eltrica que ilumina uma sala, num dispositivo eletrnico que transmite imagens, num microfone que possibilita a ampliao de vozes; isto , est no potencial que tem de pro-porcionar solues para as necessidades sociais.

  • 17

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    Mutao, do fsico Fritjof Capra, que reflete

    sobre as problemticas da sociedade contempo-

    rnea colocando em questo o paradigma redu-

    cionista/cartesiano que orienta uma viso de

    mundo mecanicista e fragmentada a ser ven-

    cido por novos paradigmas que possibilitem uma

    viso mais sistmica da realidade humana. Na

    Ilha de Monte Saint Michel, na Frana, uma fsi-

    ca, afastada do trabalho devido a conflitos ticos,

    um senador, candidato derrotado nas eleies

    presidncia dos EUA e um poeta que sofreu uma

    decepo amorosa e est em busca do sentido

    da vida se afastando de todo discurso poltico se

    encontram e, em um nico dia, conversam sobre

    cincias, ecologia, guerra, poltica, filosofia. O fil-

    me um convite para repensar no s as cincias

    e suas formas de produo, como tambm a vi-

    so fragmentada do conhecimento, praticada no

    cotidiano escolar. Disponvel em:

    http://www.youtube.com/watch?v=7tVsIZSpOdI

    Aps assistirem ao filme , estimulados

    para pensar formas de promover uma viso mais

    integrada sobre os temas no contexto escolar,

    convidamos vocs para refletirem e esboarem

    uma forma de trabalhar o tema Educao Ali-

    mentar e Nutricional de forma articulada entre

    os componentes curriculares.

    Para provocar o dilogo e dar incio ati-

    vidade, leiam o texto abaixo e procurem outras

    fontes de informao.

    Alguns elementos para se pensar a Edu-

    cao Alimentar numa perspectiva Integradora

    No Brasil, a Poltica Nacional de Seguran-

    a Alimentar e Nutricional foi regulamentada em

    agosto de 2010, por meio do Decreto n 7.272. A

  • 18

    reas de conhecimento e integrao curricular

    referida legislao institui uma srie de diretrizes

    e objetivos, que podem ser resumidos nos seguin-

    tes princpios: (i) promover o acesso universal

    alimentao adequada; (ii) estruturar sistemas jus-

    tos, de base agroecolgica e sustentveis de pro-

    duo, extrao, processamento e distribuio de

    alimentos; (iii) instituir processos permanentes de

    educao e capacitao em segurana alimentar e

    direito humano alimentao adequada; (iv) am-

    pliar e coordenar as aes de segurana alimentar

    e nutricional voltadas para povos indgenas e co-

    munidades tradicionais; (v) fortalecer as aes de

    alimentao e nutrio em todos os nveis da aten-

    o sade, de modo articulado s demais polticas

    de segurana alimentar e nutricional; (vi) promover

    a soberania e segurana alimentar e nutricional

    em mbito internacional; (vii) promover o acesso

    gua para consumo humano e para a produo

    de alimentos (p. 15-16). A segurana alimentar

    engloba desde aspectos relativos s normas de pro-

    duo, o transporte e o armazenamento dos ali-

    mentos at o acesso fsico e econmico a alimentos

    bsicos para a existncia. O emprego, a educao,

    a sade e a informao caracterizam a importncia

    da temtica e se apresentam, tambm, nos direi-

    tos alimentao adequada (direito de estar livre

    da fome e da m nutrio) e soberania alimentar

    (direito dos povos de definir suas prprias polticas

    e estratgias de produo, distribuio e consumo

    dos alimentos).

    O costume alimentar de um povo deter-

    minado no s pelas caractersticas do ambiente

    como tambm pela tradio cultural e pela pro-

    duo de tcnicas e organizao de trabalho de

    um povo. Contudo, esse processo dinmico e o

    contato entre culturas promove a modificao de

    Vejam o filme A Vila, de M. Night Shyamalan (2004). Para complementar o estudo, su-gerimos que alugue o filme em uma locadora e o assista em casa, levando para a sala de aula as reflexes propostas abaixo.

    A histria se passa em uma comunidade rural am-bientada no sculo XIX, autossustentvel,administrada por um conselho de ancios. Alm da vila, h outros dois ambientes no filme, o bosque e a cidade. O primeiro ha-bitado por criaturas perigosas, j o segundo apresentado como lugar do crime, da vio-lncia, do mal.

    O bosque cercado por um grande muro com cerca el-trica e cmeras de monito-ramento, com a presena de vigias motorizados. Ultrapas-sar essas fronteiras traz um enorme risco. Uma medida de segurana adotar o princpio do acautelamento, da pre-servao elaborar e fixar formas para coibir ou inibir as possibilidades de conexo en-tre esses mundos.

    Teramos aqui uma metfora para pensarmos sobre nosso isolamento no interior de nos-sas disciplinas: quais os riscos que parecem existir ao tentar-mos interconectar esses nos-sos pequenos mundos ?

  • 19

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    hbitos alimentares nas sociedades, como o caso

    da alimentao fast-food difundida pelo mundo. A

    alimentao uma prtica vital para os indivdu-

    os, mas a compreenso em torno dela implica no

    entendimento de um sistema de significaes e

    sentidos socioculturais a ela associada. O signifi-

    cado e os sentidos de um prato de insetos, por

    exemplo, diferente para povos ocidentais, pois a

    cultura influencia na sensao de prazer ou repul-

    sa dos alimentos. Alguns pratos funcionam como

    demarcadores identitrios regionais (po de queijo

    mineiro, vatap baiano, etc.). A religio tambm

    se constitui um importante fator de influncia na

    constituio da cultura alimentar de um povo im-

    pondo tabus alimentares. O conhecimento e o do-

    mnio sobre as formas de produo do alimento,

    a sua forma de preparo, de ingesto e de apre-

    sentao e os momentos em que so apreciados

    tambm sofrem influncia da cultura. Portanto,

    uma perspectiva integradora da educao alimen-

    tar no currculo escolar implica necessariamente

    abordar, alm de conhecimentos sobre os valores

    nutricionais dos alimentos, que se encontram sis-

    tematizados nos conhecimentos das reas de ci-

    ncias da natureza, aspectos advindos de anlises

    histricas e socioculturais da rea de cincias hu-

    manas, dentre outros.

    Para complementar o estu-do:

    ALMEIDA, Milton. Jos. O corpo, a aula, a disciplina, a cincia. Educao e Socieda-de, n. 21, 1985.

    RAMOS, Marise; ROLO, Mrcio. Conhecimento (verbete). In: CALDART, Roseli. Dicionrio da Edu-cao do Campo. Rio de Janeiro; So Paulo: Escola Politcnica de Sade Joa-quim Venncio, Expresso Popular, 2012. Disponvel em: .

    ROSSI, Paolo. A cincia e a filosofia dos modernos: as-pectos da Revoluo Cien-tfica. So Paulo: UNESP, 1992.

    SANTOS, Boaventura de Souza. Conhecimento pru-dente para uma vida decen-te: um discurso sobre as ci-ncias revisitado. 2. ed. So Paulo: Cortez, 2006.

    JAPIASSU, Hilton. Interdis-ciplinaridade e patologia do saber. Rio de Janeiro: Ima-go, 1976

  • 20

    reas de conhecimento e integrao curricular

    2. O ensino integrado: trabalho, cincia, tecnologia e cultura

    No tpico anterior, vimos que a organiza-

    o do currculo em disciplinas e reas de conhe-

    cimento coloca-nos diferentes possibilidades de

    analisar e definir quais contedos so relevantes

    para o aluno do ensino mdio. Nessa etapa, ire-

    mos discutir o ensino integrado. O que compre-

    endemos por ensino integrado, o que se espera

    integrar no currculo e no que essa integrao

    contribuir para a formao do estudante? An-

    tes de tudo, queremos a formao integral dos

    educandos e, para isto, entendemos que o cur-

    rculo deve integrar no seu desenvolvimento as

    dimenses da prpria vida social, sintetizadas no

    trabalho, na cincia, na tecnologia e na cultura.

    As novas DCNEM nos do pistas nesse

    sentido, ao apontarem as dimenses do tra-

    balho, da cincia, da tecnologia e da cultura

    como eixo integrador entre os conhecimen-

    tos de distintas naturezas, contextualizan-

    do-os em sua dimenso histrica e em rela-

    o ao contexto social contemporneo.

    Vamos iniciar, portanto, discutindo o sig-

    nificado de cada um desses elementos para, pos-

    teriormente, pensarmos em possveis estratgias

    para esse ensino integrado.

    2.1. Trabalho, cultura, cincia e tecnologia

    Neste tpico nos aprofundaremos naque-

    les que representam os conceitos estruturais do

    ensino mdio na perspectiva de uma formao

  • 21

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    humana integral, os quais j foram apresentados

    no curso anterior.

    Apoiados em Cortella (2011), pensemos

    na nossa condio humana. A vida humana um

    processo constante de interferncia no mundo

    que se d por intermdio de uma ao a qual,

    diferentemente daquela realizada pelos demais

    animais, altera de forma consciente o mundo

    uma ao, portanto, transformadora consciente.

    Diferenciamo-nos dos outros animais pela nossa

    capacidade de agir, no apenas instintivamente

    ou por reflexo, mas intencionalmente, em busca

    de uma mudana no ambiente que nos favorea.

    Nas palavras de Cortella (2011, p. 37, grifos do

    autor):

    Essa ao transformadora consciente exclusiva do ser humano e a chamamos de trabalho ou prxis, consequncia de um agir intencional que tem por fina-lidade a alterao da realidade de modo a mold-la s nossas carncias e inventar o ambiente humano. O trabalho , assim, o instrumento de interveno do huma-no sobre o mundo e de sua apropriao (ao de tornar prprio) por ns.

    importante ressaltarmos que o termo

    trabalho, nesse contexto, tem um significado

    mais amplo do que aquele utilizado no nosso dia

    a dia e, portanto, o fato de ser um dos elementos

    propostos como eixo integrador no se confun-

    de com um ensino voltado para um fazer profis-

    sional especfico. Entendemos como trabalho o

    modo pelo qual o ser humano produz para si o

    mundo, os objetos e as condies de que precisa

    para existir.

  • 22

    reas de conhecimento e integrao curricular

    Nessa perspectiva, se identificamos o tra-

    balho com essa ao transformadora consciente

    do ser humano, chamaremos de cultura o con-

    junto dos resultados dessa ao sobre o mundo.

    No h, portanto, ser humano fora da cultura e,

    nesse sentido, absurdo considerar a existncia

    de algum que no tenha cultura. A cultura o

    prprio ambiente do ser humano, socialmente

    formada com valores, crenas, objetos, conhe-

    cimentos, etc.

    Reconhecer tanto a cincia quanto a tec-

    nologia como produes humanas, resultados

    de uma ao transformadora consciente do ser

    humano, caracteriz-las como parte da cultura

    e, consequentemente, como bens que so cons-

    tantemente produzidos e reproduzidos.

    Pautados em Vieira Pinto (1979), pode-

    mos pensar a cincia como o produto do pro-

    cesso de hominizao que s pode aparecer em

    suas fases superiores. No um produto arbi-

    trrio do pensamento, mas representa a forma

    mais completa em que se realiza a adaptao do

    homem realidade. Nas palavras de Vieira Pinto

    (1979, p. 83, grifo do autor):

    Constitui-se simultaneamente como pos-sibilidade de transposio do mundo para o interior do homem, pelo reflexo dos processos exteriores que determinam o pensamento, e pela imerso do homem no mundo, mediante a capacidade de ao sobre as coisas. A cincia a forma de resposta adaptativa de que somente o homem se revela capaz por ser o animal que vence as resistncias do meio ambien-te mediante o conhecimento dos fenme-nos, ou seja, mediante a produo da sua existncia, a individual e a da espcie.

  • 23

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    Sendo um conhecimento humano, no se

    pode negar sua perspectiva histrica nem deixar

    de reconhecer seu carter transitrio, de cons-

    truo e reconstruo da realidade num processo

    crescente de abstrao dessa mesma realidade.

    Um processo que, se por um lado acumulativo,

    por outro passvel de rupturas, reorganizaes,

    redefinies de objetos e mtodos.

    Importante, nesse nterim, percebermos

    a cincia como cultura, como uma forma de co-

    nhecimento que incorpora diferentes reas e que

    de diferentes formas nos informa sobre a produ-

    o histrica e social do mundo no qual vivemos.

    Mas resta-nos ainda discutir nossa com-

    preenso sobre tecnologia e faremos essa dis-

    cusso apoiados na anlise de Bazzo, Linsingen e

    Pereira (2003). A primeira ideia que nos ocorre

    identificar tecnologia com cincia aplicada, com

    o resultado da transformao do conhecimento

    cientfico em produo industrial de natureza

    material (automveis, telefones, computadores,

    etc.). Essa viso traz dois problemas. Exclumos

    como conhecimento tecnolgico a produo

    de bens e processos no materiais igualmente

    projetados para realizar alguma funo, como

    as tecnologias de carter organizativo (sistemas

    de educao e de sade, o urbanismo, as tera-

    pias psicolgicas, dentre outros). Por outro lado,

    segundo essa viso, caberia tecnologia o lado

    no puro da cincia, dando a essa ltima um

    carter neutro, segundo o qual no de respon-

    sabilidade do cientista o que outros fazem com o

    conhecimento produzido. Vemos, portanto, que

    essa viso de tecnologia no apenas distorce sua

    compreenso, como tambm leva a uma imagem

    ingnua de cincia.

    A historicidade dos fenme-nos e do conhecimento d vida aos contedos de ensino, pois foram cientistas e gru-pos sociais do passado que desenvolveram determinadas teorias, mas eles representam o movimento da humanidade em busca do saber. Portanto, expressam a nossa capacida-de, como seres humanos, de produzirmos conhecimentos e tomarmos decises quanto aos destinos de ns mesmos. A compreenso dessa lgi-ca permite que nos vejamos como sujeitos e no como ob-jetos de uma trama social que desconhecemos; permite que nos vejamos, portanto, como intelectuais e como potenciais dirigentes dos rumos que nos-sas vidas e a sociedade podem vir a tomar.

  • 24

    reas de conhecimento e integrao curricular

    Hoje se entende que a tecnologia no

    apenas utiliza o conhecimento da cincia, como

    tambm o modifica, utiliza dados diferentes na

    pesquisa que realiza, construindo um conheci-

    mento prprio, menos idealizado. No quere-

    mos com isso negar a existncia de relao entre

    cincia e tecnologia, mas no podemos reduzi-la

    aplicao de um conhecimento j produzido.

    Mesmo no sendo simples definir tecno-

    logia, podemos consider-la como uma coleo

    de sistemas, incluindo a no apenas instrumentos

    materiais, mas igualmente tecnologias de carter

    de organizao (sistemas de sade, de educao),

    projetadas para realizar alguma funo. Tecnol-

    gico, portanto, no apenas o que transforma e

    constri a realidade fsica, mas igualmente aquilo

    que transforma e constri a realidade social.

    Assim como a cincia, igualmente par-

    te da cultura humana, tendo participado de sua

    construo desde os primrdios, ainda que numa

    forma mais prxima do uso de tcnicas do que

    propriamente como tecnologia a qual compre-

    endemos hoje. Em certo sentido, a existncia

    humana um produto tcnico tanto como os

    prprios artefatos que a fazem possvel (BA-

    ZZO; LINSINGEN; PEREIRA, 2003, p. 38).

    Face ao exposto, temos o desafio de en-

    tender suas dimenses como eixo integrador

    entre os conhecimentos de distintas naturezas,

    contextualizando-os em sua dimenso histrica

    e em relao ao contexto social contemporneo.

    Para que isto ocorra, os contedos de ensino no

    podem compor o currculo como teorias, con-

    ceitos e procedimentos abstratos, sem historici-

    dade e sem sentido social. Ao contrrio, no en-

    sino integrado, os contedos so conhecimentos

    Em nosso senso comum, os conhecimentos da ln-gua portuguesa, das lnguas estrangeiras, da matem-tica, da fsica, da qumica, da geografia, da histria, das artes, da educao f-sica, da sociologia, da fi-losofia exemplos de componentes curriculares do ensino mdio so reconhecidos como sendo de cultura geral, enquanto conhecimentos de eletr-nica, eltrica, anlise qu-mica, contabilidade, den-tre outras, normalmente encontrados em disciplinas de formao profissional, so ditos como conheci-mentos tecnolgicos. Mas isto no faz sentido social, pois o desenvolvimento da cincia , ao mesmo tem-po, um desenvolvimento tecnolgico e cultural. interessante notar que, por exemplo, um grande acon-tecimento que possibilitou o desenvolvimento das ci-ncias fsicas foi a inveno da mquina a vapor, o que demonstra que, por vezes, o processo tecnolgico que possibilita o salto cien-tfico. Ao mesmo tempo, essa inveno possibilitou o desenvolvimento da inds-tria, que mudou completa-mente os hbitos de vida e a cultura social.

  • 25

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    construdos historicamente que se constituem

    como condio necessria para que os educan-

    dos possam construir novos conhecimentos e

    compreender o processo histrico e social pelo

    qual os homens produziram e produzem sua

    existncia, com conquistas e problemas. Esta re-

    alidade tanto material a natureza e as coisas

    produzidas pelos homens quanto social e cul-

    tural, configurada pelas relaes que os homens

    constroem entre si e, como vimos, conforma

    uma totalidade.

    No trabalho pedaggico integrado, o m-

    todo de ensino, ento, deve restabelecer as rela-

    es dinmicas e dialticas entre os conceitos, re-

    constituindo aquelas que configuram a totalidade

    concreta da qual se originaram, de modo que o

    objeto a ser conhecido revele-se gradativamen-

    te em suas peculiaridades prprias (GADOTTI,

    1995, p. 31). O currculo integrado organiza o

    conhecimento e desenvolve o processo de en-

    sino-aprendizagem de forma que os conceitos

    sejam apreendidos como sistema de relaes de

    uma totalidade concreta que se pretende expli-

    car/compreender.

    Esta concepo compreende que, na es-

    cola, so os componentes curriculares os respon-

    sveis por permitir apreender os conhecimentos

    j construdos em sua especificidade conceitual e

    histrica; ou seja, como as determinaes mais

    particulares dos fenmenos, relacionadas entre

    si, permitem compreend-los. A interdisciplina-

    ridade, como prerrogativa para a produo e or-

    ganizao do conhecimento escolar, a recons-

    tituio da totalidade pela relao entre os con-

    ceitos originados a partir de distintos recortes da

    realidade, isto , dos diversos campos da cincia

    Tomemos, por exemplo, o processo de produo do turismo em Natal, Rio Grande do Norte. H cerca de 20 anos no existiam os grandes hotis da Praia de Ponta Negra nem lnguas negras desembocando no mar. Isto uma questo ambiental do fenmeno. J na dimenso econmico-produtiva, poderamos perguntar o que significa o crescimento do turismo para a economia da regio. Do ponto de vista histrico-cultural, que relaes esto construdas nessa prtica, que valores so desenvol-vidos ou so negados? Por que a expanso hoteleira em Ponta Negra ocorreu to rapidamente? E do pon-to de vista tcnico-organi-zacional, o que faz o tcni-co em turismo? Quais so seus procedimentos e suas responsabilidades?

  • 26

    reas de conhecimento e integrao curricular

    representados em disciplinas. Ela tem como ob-

    jetivo possibilitar a compreenso do significado

    dos conceitos, das razes e dos mtodos pelos

    quais se pode conhecer o real e apropri-lo, em

    seu potencial, para o ser humano.

    Reflexo e ao

    O trecho abaixo foi retirado do livro

    Cartas a Tho, de Vincent Van Gogh. Nessa

    obra, so compiladas cartas que o pintor holan-

    ds enviou a seu irmo de 1875 at sua morte,

    em 1890.

    CARTA N 195

    Haia, abril de 1882

    Eis o que penso sobre o lpis de carpinteiro. Os ve-

    lhos mestres, com o que teriam desenhado? Certamente no

    com um Faber B, BB, BBB, etc., etc., mas com um pedao de

    grafite bruto. O instrumento do qual Michelngelo e Drer se

    serviram provavelmente era muito parecido com um lpis de

    carpinteiro. Mas eu no estava l, e portanto no sei de nada.

    Sei, no entanto, que com um lpis de carpinteiro podemos

    obter intensidades distintas das destes finos Faber, etc.

    O carvo o que h de melhor, mas quando se tra-

    balha muito, o frescor se perde, e para conservar a preciso

    preciso fixar sem demora. Para a paisagem a mesma coisa;

    vejo que desenhistas com Ruysdal, Goyen, Calame, e tam-

    bm Roelofs, por exemplo, entre os modernos, tiraram dele

    timo partido. Mas se algum inventasse uma boa pena para

    trabalhar ao ar livre, com tinteiro, o mundo talvez visse mais

    desenhos pena.

    A integrao de conhecimen-tos no currculo depende de uma postura nossa, cada qual de seu lugar; o professor de Qumica, de Matemtica, de Histria, de Lngua Portugue-sa, etc. podem tentar pensar em sua atuao no somente como professores da forma-o geral, mas sujeitos que se dispem a compreender e a agir no mundo, fazendo-o a partir da contribuio de seus conhecimentos especficos, mas sempre em dilogo com o outro.

    Leiam o texto SAVIA-NI, Dermeval. Trabalho e educao: fundamentos ontolgicos e histricos. Revista Brasileira de Edu-cao, v. 12, n. 34, jan./abr. 2007. Disponvel em: h t tp : / /www.sc ie lo .b r /scielo.php?pid=S1413-24782007000100012-&script=sci_arttext e, se possvel, vejam o filme A guerra do fogo de Jean-Jacques Annaud (1981) (sugerimos, novamente, que tente obt-lo em uma locadora). Leve a reflexo que propomos abaixo para o debate em sala de aula. O texto aborda os funda-

  • 27

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    Com carvo mergulhado na gua pode-se fazer coi-

    sas excelentes, pude ver isto com Weissenbruch; o leo serve

    para a fixao e o preto torna-se mais quente e mais pro-

    fundo. Mas prefervel que eu faa isto daqui a um ano e

    no agora. o que digo a mim mesmo, pois no quero que a

    beleza se deva a meu material, e sim a mim mesmo.

    Cartas extradas do livro Cartas a Tho, L&PM

    Pocket, 1997, com traduo de Pierre Ruprecht. As even-

    tuais incoerncias lingusticas foram mantidas pela editora

    para se aproximar ao mximo dos escritos do pintor.

    Estamos diante de um texto publicado na

    forma de livro, no qual o autor um pintor, se

    referindo ao seu trabalho e aos instrumentos que

    tinha disponveis na poca. Refere-se a diferen-

    tes tcnicas de pintura, forma como a natureza

    pode ser captada a partir de cada uma delas e,

    ao mesmo tempo, j trazendo dvidas sobre o

    papel do instrumento tecnolgico na autoria da

    obra. Com base neste texto e no que discutimos

    anteriormente:

    1. Destaque as dimenses da cul-

    tura, do trabalho, da cincia e da tecnolo-

    gia presentes nesse trecho da obra.

    2. De que forma ele poderia ser

    incorporado como material para discus-

    so em sala de aula? Em que contexto e

    com qual objetivo?

    Havendo interesse, voc poder acessar

    todo o conjunto de obras de Van Gogh no site

    .

    mentos ontolgicos e his-tricos da relao trabalho e educao na perspectiva dos modos de produo da existncia humana (comu-nitarismo primitivo, antigui-dade clssica, feudalismo e capitalismo).

    O filme, por sua vez, retra-ta um perodo na pr-his-tria e dois grupos de ho-mindeos. O primeiro, que quase no se diferencia dos macacos por no ter fala e se comunicar por meio de gestos e grunhidos, pou-co evoludo e acha que o fogo algo sobrenatural por no dominarem ainda a tcnica de produzi-lo; o outro grupo mais evolui-do e tem uma comunicao e hbitos mais complexos, como a habilidade de fazer o fogo.

    Esses dois grupos entram em contato quando o fogo da primeira tribo apaga-do em uma guerra com uma tribo de homindeos mais primitivos, que dispu-tam a posse do fogo e do territrio. Levados por di-versas circunstncias a um encontro com a tribo de Ika, percebem que h uma maneira diferente de viver; observam as diferentes for-mas de linguagem, o sorri-so, as construes de caba-nas, pinturas corporais, o uso de novas ferramentas e

  • 28

    reas de conhecimento e integrao curricular

    3. Caminhos para a aproximao do conhecimento das diferentes reas: o trabalho como princpio educativo e a pesquisa como princpio pedaggico

    Discutimos at aqui o significado da re-

    lao entre trabalho, cincia, tecnologia e cul-

    tura como base da concepo de ensino mdio

    integrado. Se h uma unidade nesta relao

    trata-se de dimenses da vida social , ela tem

    como ponto de partida a produo da existncia

    humana que se d pelo trabalho, uma vez que o

    trabalho mediao concreta entre o homem e

    a sua realidade natural e social. Isto significa que

    a formao humana coincide com a capacidade

    nica de este ser transformar a realidade e, por

    consequncia, a si prprio. Aqui est o significa-

    do de o trabalho ser princpio educativo. Este

    princpio, antes mesmo de se pensar aplicvel na

    educao escolar, explica o processo histrico

    pelo qual a humanidade se fez existir. Ao trans-

    formar a realidade e a si mesmo pelo trabalho,

    o ser humano produz tambm conhecimento,

    tecnologia, cultura.

    Um bom exerccio para se constatar que

    o trabalho propriamente a atividade vital dos

    seres humanos singulares e da prpria socieda-

    de, alm do ato social de produzir conhecimento

    e cultura, pensarmos nos fenmenos eltricos.

    Estes, como fenmenos naturais, j existiam

    mesmo antes de serem apropriados pelo homem

    como fora produtiva capaz de iluminar ambien-

    tes, colocar mquinas em funcionamento etc. Ou

    seja, tratavam de fenmenos naturais, mas no

    eram nem objeto da cincia nem um valor de uso

    Sabemos o transtorno que a falta de energia eltrica causa hoje em nosso cotidiano. No sabemos mais viver sem ela, o que significa que ela faz parte da nossa cultura. A sua apro-priao respondeu a neces-sidades humanas que foram alm da simples adaptao natureza; um processo tpico dessa relao entre trabalho, cincia, tecnologia e cultura, isto , da ao humana vital.

    mesmo um modo diferente de reproduo.

    Que situaes concretas da prtica social no comunita-rismo primitivo abordadas pelo filme tm relao com os fundamentos histricos e ontolgicos da relao trabalho e educao, discu-tidas no texto? O que per-manece e o que se modifica na passagem para os modos de produo seguintes?

  • 29

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    para as pessoas; apesar de existirem, no inter-

    feriam na vida social e cultural. Somente quando

    se tornam produto do trabalho humano que se

    constituem tambm em conhecimento que im-

    pulsiona a vida social material e culturalmente.

    A produo da existncia humana, por-

    tanto, se faz mediada, em primeira ordem, pelo

    trabalho (MSZROS, 2006). Primeiramente,

    como caracterstica inerente ao ser humano de

    agir sobre o real, apropriando-se de seus poten-

    ciais e transformando-o. Por isso o trabalho

    uma categoria ontolgica: inerente espcie

    humana e primeira mediao na produo de

    bens, conhecimentos e cultura (LUKCS, 1981).

    Numa segunda dimenso est o trabalho nas

    suas formas histricas, que na sociedade capita-

    lista caracteriza-se como emprego assalariado.

    Vendendo sua fora de trabalho a outrem, o tra-

    balhador recebe um valor por meio do qual ele

    pode satisfazer suas necessidades bsicas. Nesta

    sociedade, a satisfao dessas necessidades ten-

    de a se reduzir sua reproduo material. Mas

    o direito plena existncia humana no permite

    transgredir as condies necessrias para que o

    ser humano viva inteiramente como ser social e,

    por isto, cultural.

    Na base da produo material da existn-

    cia humana est o desenvolvimento econmico,

    configurado por formas especficas de utilizar a

    fora de trabalho das pessoas para produzir va-

    lores de uso e de troca (mercadorias) e, a partir

    dessas, a riqueza (e a pobreza) social. Portanto,

    as pessoas, para serem socialmente produtivas,

    tornam-se capazes de se inserir nos processos de

    produo, desenvolvendo atividades especficas

    que permitam a elas serem reconhecidas como

  • 30

    reas de conhecimento e integrao curricular

    trabalhadoras. Para isto, devem apropriar-se de

    conhecimentos necessrios ao desempenho des-

    sas atividades. Se a educao bsica o processo

    pelo qual as pessoas tm acesso aos conhecimen-

    tos e cultura da sociedade em que vivem, por

    meio de uma formao especfica, as pessoas se

    apropriam de conhecimentos relacionados mais

    imediatamente com o mundo da produo.

    A educao que tem o trabalho como

    princpio educativo, portanto, compreende que

    o ser humano produtor de sua realidade e,

    por isto, se apropria dela e pode transform-la.

    Equivale a dizer, ainda, que ns somos sujeitos

    de nossa histria e de nosso conhecimento. Ve-

    mos que isto em nada tem a ver com a ideia do

    aprender fazendo nem sinnimo de formar

    para o mercado de trabalho. O trabalho como

    princpio educativo , antes, uma concepo de

    mundo, de homem e de sociedade e, portanto,

    da prpria educao.

    Mas isto traz implicaes pedaggicas

    concretas. Poderamos nos perguntar sobre

    como colocar esse princpio na prtica. Alm

    de fundamentar a finalidade educativa, na ela-

    borao curricular, este princpio orienta a sele-

    o e o ordenamento dos contedos de ensino.

    Nossa sugesto para caminhar nesse sentido

    que os professores problematizem historica-

    mente as dimenses do modo de produo da

    existncia humana e social hoje o capitalismo

    contemporneo e suas especificidades nacional

    e regional ou mesmo processos produtivos

    e/ou fenmenos que compem essa dinmica

    mais ampla e, a partir de ento, cheguem aos

    contedos de ensino e organizao dos com-

    ponentes curriculares.

    A possibilidade cientfico-tecnolgica de uma usina hidreltrica est na trans-formao de um tipo de energia em outra, visando sua utilizao pelas pes-soas. A transformao de energia um processo natural; a transformao da energia mecnica em eltrica uma apropriao humana. A apropriao do potencial da natureza pelos homens uma caractersti-ca ontolgica, enquanto as necessidades que os levam a faz-lo da forma e com as motivaes que o fazem e em benefcio de que grupos sociais uma questo histrica (por de-corrncia tambm poltica, sociolgica, econmica).

  • 31

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    Falamos, ento, de particularidades, pois,

    como j vimos, a totalidade s pode ser apre-

    endida pela mediao das partes. Karel Kosik

    (1976), um filsofo hngaro, por exemplo, nos

    diz que cada fato ou conjunto de fatos, na sua

    essncia, reflete toda a realidade com maior ou

    menor riqueza ou completude. Assim, a possi-

    bilidade de se conhecer a totalidade a partir das

    partes dada pela possibilidade de se identificar

    os fatos ou conjunto de fatos que deponham

    mais sobre o que se precisa saber. Por que fala-

    mos, tambm, de se partir de questes atuais?

    que estudar fatos ou fenmenos na sua historici-

    dade com base na cincia no corresponde partir

    do que j foi ultrapassado para chegar at hoje.

    Ao contrrio, a partir do conhecimento na sua

    forma mais contempornea que se pode com-

    preender a realidade e a prpria cincia na sua

    historicidade.

    Os processos de trabalho e as tecnolo-

    gias correspondem a momentos da evoluo

    das foras materiais de produo e podem ser

    tomados como um ponto de partida histrico e

    dialtico para o processo pedaggico. Histrico

    porque o trabalho pedaggico fecundo ocupa-

    se em evidenciar, junto aos conceitos, as razes,

    os problemas, as necessidades e as dvidas que

    constituem o contexto de produo de um co-

    nhecimento. A apreenso de conhecimentos na

    sua forma mais elaborada permite compreender

    os fundamentos prvios que levaram ao estgio

    atual de compreenso do fenmeno estudado.

    Dialtico porque a razo de se estudar um pro-

    cesso de trabalho no est na sua estrutura for-

    mal e procedimental aparente, mas na tentativa

    de captar os conceitos que os fundamentam e as

    muito comum que os pro-fessores elaborem seus pla-nos de estudo com base num desenrolar cronolgico, do passado para o presente, e na anlise de fatos, fenmenos, conceitos ou teorias. Lembre-mos, por exemplo, o ensino de histria partindo da antigui-dade. Muitas das vezes, esse tipo de sequenciamento acaba no nos permitindo discutir as questes mais contemporne-as pelas quais, inclusive, os estudantes podem at ter mais interesse porque, quando chega neste momento, o per-odo letivo j terminou.

  • 32

    reas de conhecimento e integrao curricular

    relaes que os constituem. Estes podem estar

    em conflito ou serem questionados por outros

    conceitos.

    Sob esse prisma, processos produtivos

    que so, na verdade, particularidades da produ-

    o social da existncia e, portanto, trabalho

    podem ser referncias para a proposta curricular,

    a fim de se estud-los em mltiplas dimenses,

    tais como econmica, produtiva, social, poltica,

    cultural e tcnica. Os conceitos que tais estudos

    exigem so os prprios contedos de ensino sis-

    tematizados e organizados nas diferentes reas

    de conhecimento e nos componentes curricu-

    lares. Por esse caminho, perceber-se- que co-

    nhecimentos cientficos, tcnicos, tecnolgicos e

    culturais gerais formam uma unidade histrica.

    Obviamente, a organizao formal do

    currculo exigir a organizao destes conheci-

    mentos, seja em forma de componente discipli-

    nar, projetos etc. Importa, entretanto, que no se

    percam os referenciais das reas de conhecimen-

    to, de modo que os conceitos possam ser rela-

    cionados no s interdisciplinarmente, mas tam-

    bm no interior de cada disciplina. O estudo das

    Cincias Humanas e Sociais em articulao com

    as Cincias da Natureza, das Linguagens, mais a

    Matemtica, pode contribuir para a compreen-

    so do processo histrico-social da produo de

    conhecimento, mediante o questionamento dos

    fenmenos naturais e sociais na sua obviedade

    aparente.

    Quanto aos estudos no interior de cada

    disciplina, lembremos que os conhecimentos

    cientficos, tcnicos e operacionais que esto na

    base dos fenmenos naturais e das relaes so-

    ciais, ao se constiturem em objetos de ensino,

  • 33

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    formam um corpo de conhecimentos que obe-

    dece s suas prprias regras internas episte-

    molgicas e metodolgicas de estruturao.

    Isso confere dinmica escolar uma determinada

    ordem mais ou menos condicionante dos discur-

    sos em que se d a conhecer, alm de certa re-

    lao de pr-requisitos que devem ser atendidos

    com vistas sua aquisio, associada ao desen-

    volvimento cognitivo dos estudantes.

    Desse ponto de vista, a interdisciplinari-

    dade no algo artificial, mas uma necessidade.

    Como afirma Frigotto (1995, p. 33):

    O trabalho interdisciplinar se apresenta como uma necessidade imperativa pela simples razo de que a parte que isola-mos ou arrancamos do contexto origi-nrio do real para poder ser explicada efetivamente, isto , revelar no plano do pensamento e do conhecimento as de-terminaes que assim a constituem, en-quanto parte, tem que ser explicitada na integridade das caractersticas e qualida-des da totalidade. justamente o exerc-cio de responder a esta necessidade que o trabalho interdisciplinar se apresenta como um problema crucial, tanto na produo do conhecimento quanto nos processos educativos e de ensino.

    Aqui cabe retomar o que discutimos no

    nosso primeiro momento, a saber: o fato de que,

    para no se converterem em simples experimen-

    taes, ou em exerccios artificiais de conexo

    entre contedos, ou num currculo repleto de

    atividades ou de exemplos, de forma descompro-

    metida com a formao cientfica e cultural dos

    educandos, tanto a interdisciplinaridade quanto

    a contextualizao devem se aportar no funda-

    mento epistemolgico da relao entre parte e

  • 34

    reas de conhecimento e integrao curricular

    totalidade na produo da cincia e no processo

    educativo.

    A contextualizao , sem dvida, uma

    orientao pertinente e til formao integrada,

    mas aqui ela vai alm de situar o conhecimento

    cientfico em prticas sociais vividas. Ela se torna,

    na verdade, uma estratgia de anlise da realida-

    de social pelos educandos com base no conheci-

    mento sistematizado. Trata-se de um processo,

    ento, que provoca a investigao coletiva, um

    interrogar permanente sobre a cotidianidade

    contraditria e, muitas vezes perversa, frente ao

    prprio papel que deve cumprir a escola.

    Nossa maior preocupao com esse as-

    pecto o risco de simplificao dos processos de

    aprendizagem, tornando-a uma pseudoaprendi-

    zagem e contribuindo cada vez mais para o iso-

    lamento entre as instncias produtoras de co-

    nhecimento e a escola, condenando esta ltima a

    simples instncia de reproduo ou transmisso

    de saberes prontos e acabados. O contexto pode

    ser o ponto concreto de partida que, mediante

    a elaborao do pensamento e a capacidade de

    abstrao, torna-se concreto pensado e, por-

    tanto, com suas dimenses essenciais, comple-

    xas e contraditrias.

    Quando se parte do contexto de vivncia

    do educando, por exemplo, deve-se saber da ne-

    cessidade de se enfrentar as concepes prvias

    que eles trazem que, mesmo consideradas como

    conhecimento tcito, podem estar (e a tendn-

    cia que estejam) no plano do senso comum,

    constitudos de representaes distorcidas ou

    equivocadas, ou, ainda, apresentando limites

    como modelo de compreenso e de explicao

    Por exemplo, a construo de uma usina hidreltrica numa determinada regio, proble-matizada na perspectiva tec-nolgica, evidenciaria teorias, conceitos e procedimentos tcnico-cientficos predomi-nantemente da Fsica. Mas, se problematizada na perspec-tiva ambiental, por exemplo, evidenciar-se-iam questes, teorias e conceitos da Biologia e da Geografia, dentre outros. Mas toda questo ambiental tambm econmica e pol-tica, portanto, ao ser tratada nessas perspectivas, sero evi-denciados conceitos das Cin-cias Sociais. Enfim, nenhuma perspectiva em si esgotaria a totalidade do fenmeno. Por isso, o currculo integrado re-quer a problematizao dos fenmenos em mltiplas pers-pectivas, mas tambm uma abordagem metodolgica que permita apreender suas deter-minaes fundamentais, orde-nando-as conceitualmente.

  • 35

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    da realidade restritos a determinados contextos.

    Se no enfrentada essa questo, corre-se o risco

    de considerar que a simples sistematizao desse

    conhecimento suficiente para que o aluno esta-

    belea relaes entre ideias, fatos e fenmenos

    e esteja apto para enfrentar situaes concretas

    que demandam problematizaes, elaboraes

    conceituais e solues. Esse um falso conhe-

    cimento. Outro risco que, em parte, pode ser

    consequncia do primeiro, considerar a exis-

    tncia de uma continuidade e de uma equivaln-

    cia entre o conhecimento cotidiano e o conheci-

    mento cientfico, e que possvel passar de um

    para outro sem rupturas.

    O processo de ensino-aprendizagem con-

    textualizado um importante meio de estimular a

    curiosidade e fortalecer a confiana do educando.

    Por outro lado, sua importncia s pode valer se

    for capaz de fazer com que este tenha conscincia

    sobre seus modelos de explicao e compreenso

    da realidade, reconhecendo-os como distorcidos

    ou limitados a determinados contextos; enfrente

    o questionamento, coloque-os em xeque num

    processo de desconstruo de conceitos e re-

    construo/apropriao de outros.

    Suscitados pela reflexo que acabamos

    de fazer, podemos trazer, agora, a proposta da

    pesquisa como princpio pedaggico. Ele est in-

    timamente relacionado ao trabalho como princ-

    pio educativo, pois contribui para a construo da

    autonomia intelectual do educando e para uma

    formao orientada pela busca de compreenso

    e solues para as questes tericas e prticas da

    vida cotidiana dos sujeitos trabalhadores. Afinal,

    formar integralmente os educandos implica no

    s que estes aprendam o significado e o sentido

  • 36

    reas de conhecimento e integrao curricular

    das cincias, das tecnologias, das prticas cultu-

    rais etc., mas preciso fundamentalmente for-

    mar as pessoas para produzirem novos conhe-

    cimentos, compreender e transformar o mundo

    em que se vive.

    A pesquisa, ento, instiga o estudante

    no sentido da curiosidade em direo ao mun-

    do que o cerca, gera inquietude, para que no

    sejam incorporados pacotes fechados de viso

    de mundo, de informaes e de saberes, quer

    sejam do senso comum, escolares ou cientficos.

    Mas o princpio pedaggico da pesquisa est em

    compreender a cincia no somente na dimenso

    metodolgica, mas tambm, e fundamentalmen-

    te, na perspectiva filosfica. Isto porque preci-

    so apreender e discutir as diversas concepes

    de cincia para que o educando possa se situar

    nesse mundo e compreender o sentido que his-

    toricamente vem tomando a produo cientfica

    em nosso pas.

    1 Propomos que assistam um dos seguintes filmes: a) Segunda-feira ao Sol Fernando Leo de Aranoa (2001). Uma cidade costeira no norte da Espanha sofre com seu isolamento quando seus estaleiros comeam a ser fechados, deixando v-rios trabalhadores desem-pregados merc de peque-nas ocupaes temporrias. Entre eles est Santa (Javier Bardem), um macho rebel-de e autossuficiente que se recusa a admitir o fracasso. Mas a verdade que ele e seus companheiros, dos quais ele se torna uma esp-cie de lder, so perdedores completos, mergulhados no alcoolismo e em crises fami-liares. b) O corte Costa Gavras (2005) Bruno Davert (Jos Garcia) um profissio-nal realizado e um pai de fa-mlia feliz. At o dia em que perde o emprego que tinha h 12 anos numa fbrica de papel. Depois de passar longos meses sem arrumar novo trabalho, ele comea a desenvolver um compor-tamento a cada dia mais lou-co. Investiga quem so seus maiores concorrentes e pas-sa a matar um por um. Com base no(s) filme(s), discutam os problemas contempor-neos do trabalho e como o ensino mdio pode contri-buir para que os educandos compreendam os funda-mentos desses problemas e se disponham a enfrenta-los na prtica social. Procure fazer relaes entre esta re-flexo e o texto: DEMO Pe-dro. Educar pela pesquisa. 8. ed. Campinas: Editores Associados, 1998.

  • 37

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    Elaborao coletiva da proposta curricular integrada

    Momento da elaborao Resultado da elaborao

    1. Problematizar o processo de produo, fato ou fenmeno em mltiplas perspecti-vas: tecnolgica, econmica, histrica, am-biental, social, cultural, etc.

    Conjunto de questes que servem seleo de contedos; ou seja, seleo de conheci-mentos necessrios para resolver a proble-matizao.

    2. Explicitar teorias e conceitos fundamen-tais para a compreenso do(s) objeto(s) estudado(s) nas mltiplas perspectivas em que foi problematizado.

    Seleo integrada dos contedos de ensino. Teorias e conceitos aqui explicitados consti-tuem os conhecimentos necessrios para re-solver a problematizao e, assim, estruturar os contedos de ensino selecionados.

    3. Localizar as teorias e os conceitos expli-citados nos respectivos campos da cincia (reas do conhecimento, disciplinas cient-ficas).

    Identifica-se, assim, a raiz epistemolgi-ca desses conhecimentos, de modo que os componentes curriculares adquiram sentido e propsito no currculo em vez de repro-duzirem as orientaes de livros ou manuais didticos.

    4. Identificar relaes dessas teorias e con-ceitos com outros do mesmo campo (disci-plinaridade).

    Ampliao e complementao dos conte-dos de ensino selecionados a partir da pro-blematizao, considerando que a aprendiza-gem real de um conceito isto , de forma no pragmtica ou somente instrumental implica apreend-lo na relao com outros conceitos que do unidade epistemolgica a um campo cientfico.

    5. Identificar relaes com outros conceitos de campos distintos (interdisciplinaridade).

    Indicao de abordagens interdisciplinares necessrias explicao do problema na sua totalidade.

    Reflexo e ao

    Organizem-se em grupos multidisciplinares, definam um processo produtivo ou um

    fato, ou um fenmeno e sigam as sugestes apresentadas no quadro abaixo como exerccio

    de elaborao de uma proposta curricular. A finalidade deste exerccio que professores

    cheguem seleo de contedos de ensino e organizao em componentes curriculares,

    orientada pelo princpio da relao entre ensino e produo.

  • 38

    reas de conhecimento e integrao curricular

    4. O projeto curricular e a relao entre os sujeitos e desses com suas prticas

    Devias saber que estar de acordo nem sempre

    significa compartilhar uma razo, o mais de costume

    reunirem-se pessoas sombra de uma

    opinio como se ela fosse um guarda-chuva.

    Jos Saramago (1922-2010).

    Compreendemos que os pressupostos

    para construo da proposta curricular englo-

    bam, alm do planejamento pedaggico propria-

    mente dito, tambm as dimenses da organiza-

    o do trabalho escolar, da gesto democrtica,

    da eleio das lideranas, da autonomia da escola

    e da participao da comunidade. Alm disso, o

    currculo, por mais que seja institudo, ele tam-

    bm est no campo do instituinte; ou seja, di-

    nmico e permanentemente avaliado, devendo

    ser modificado sempre que no atender mais

    aos anseios da comunidade. A construo desse

    projeto atravessa pelo menos trs momentos:

    o da concepo, o da institucionalizao e o da

    implementao, possuindo dimenses temporais

    importantes, a saber: o tempo poltico, que diz

    respeito oportunidade poltica de um projeto;

    o tempo institucional, tempo em que a escola se

    encontra em sua histria; tempo escolar, que diz

    respeito ao calendrio da escola e ao perodo no

    qual o projeto elaborado; tempo de amadureci-

    mento das ideias, que, diferentemente dos proje-

    tos burocrticos, precisa ser discutido com a co-

    munidade, o que demanda tempo cronolgico.

  • 39

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    Alguns elementos facilitadores devem

    ser utilizados para que o projeto realmente de-

    monstre a identidade da escola. So eles: a co-

    municao eficiente, que torne o projeto factvel

    e facilmente compreendido; a adeso voluntria

    e consciente da comunidade; a existncia de su-

    porte institucional e financeiro; eficiente contro-

    le, acompanhamento e avaliao do projeto; a

    existncia de um ambiente favorvel s relaes

    de trabalho; a credibilidade a ser conquistada

    pelo prestgio, competncia e legitimidade de

    quem defende as ideias; um referencial terico

    que facilite encontrar os principais conceitos e a

    estrutura do projeto.

    Considera-se, por fim, que justamente

    pelo fato de o currculo envolver mais do que a

    dimenso ensino-aprendizagem, sua elaborao

    deve se basear nos seguintes eixos tico-pol-

    ticos: integrao trabalho, cincia, tecnologia e

    cultura; integrao escola-comunidade; demo-

    cratizao das relaes de poder; enfrentamen-

    to das questes de repetncia e de evaso; viso

    interdisciplinar ; formao permanente dos edu-

    cadores.

    Uma proposta estruturada em torno des-

    ses eixos deve comprometer-se tambm com as

    possibilidades de interveno e melhoria da reali-

    dade social, econmica e cultural da regio. Para

    isto, a escola pode se organizar para investigar

    problemas e tendncias econmico-sociais e cul-

    turais caractersticos da regio, de modo a tomar

    questes que sejam relevantes para essa comu-

    nidade e que possam tornar-se motivadoras de

    projetos de trabalho com os estudantes. Esta di-

    retriz, juntamente com outras, constitui-se numa

  • 40

    reas de conhecimento e integrao curricular

    possvel forma de organizar o projeto escolar co-

    erente com uma formao ampla e integral.

    O desafio que apresentamos, ento, o

    de ultrapassar a escola como espao curricular,

    estendendo o planejamento e as prticas para

    outros espaos, que possibilitem incluir manifes-

    taes culturais, projetos e processos sociais na

    experincia escolar, de interveno e de coope-

    rao sistematizada em torno da construo do

    conhecimento.

    Assentados sobre uma base tico-poltica

    e sobre o princpio da interdisciplinaridade, o

    currculo, bem como suas dimenses especifi-

    camente epistemolgica e metodolgica, pode

    mobilizar intensamente os alunos, assim como

    os diversos recursos didticos disponveis e/ou

    construdos coletivamente. Pressupomos, com

    isto, a possibilidade de se dinamizar o processo

    de ensino-aprendizagem numa perspectiva dial-

    tica, em que o conhecimento compreendido e

    apreendido como construes histrico-sociais

    e sua apreenso reconhecida pelos estudantes

    como necessria para a compreenso e eventual

    superao dos problemas identificados e reco-

    nhecidos como relevantes pela comunidade.

    Algumas abordagens metodolgicas que

    reconhecem o processo de contextualizao do

    conhecimento como de efetiva problematizao

    das condies socioeconmicas da comunidade,

    e o conhecimento escolar como meio para sua

    efetiva compreenso e possibilidade de organi-

    zar processos os quais levam a sua superao po-

    dem conferir ao currculo uma maior perspectiva

    de totalidade, respeitando-se as especificidades

    epistemolgicas das reas de conhecimento e

    dos componentes curriculares. Propomos a or-

  • 41

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    ganizao dos planos de estudo de forma inter-

    disciplinar e contextualizada, sugerindo que o

    processo pedaggico considere :

    o trabalho sistematizado com leituras

    de publicaes diversas, alm do livro didtico,

    selecionando temas e construindo objetos de es-

    tudo capazes de integrar os conhecimentos tra-

    balhados nas respectivas reas de conhecimento

    e, interdisciplinarmente, envolvendo os alunos

    nesse processo de escolha, valorizando a cultu-

    ra e o contexto local referenciados globalmente,

    levando-se em conta os interesses, a realidade e

    os projetos pessoais/sociais dos alunos;

    a produo prpria e coletiva dos tex-

    tos, de acordo com a identidade da escola, dos

    alunos e da regio, de forma a ultrapassar a pers-

    pectiva homogeneizante imposta pelo uso exclu-

    sivo do livro didtico;

    a utilizao intensa da biblioteca, como

    meio de educar para a leitura e desenvolver a

    criatividade, o esprito crtico, o interesse pela in-

    vestigao e pelo desenvolvimento de projetos,

    diluindo a fronteira da leitura como obrigao e

    como prazer;

    o uso de diversos recursos pedaggicos

    disponveis na escola, como meio de levar o alu-

    no a reconhecer as diversas formas e estruturas

    da linguagem, bem como os processos histri-

    cos e sociais que determinaram a construo do

    conhecimento cientfico, utilizando filmes, livros,

    documentos histricos e outros, que ajudem a

    relacionar fatos e ideias;

    a explorao de recursos externos es-

    cola, como as bibliotecas, os cinemas, os teatros,

    os museus, as exposies, etc., como meio de in-

    centivar o gosto por atividades culturais e como

    A prtica no fala por si mes-ma, e sua condio de funda-mento da teoria ou de critrio de sua verdade no se verifica de modo direto e imediato. Devemos rechaar essa con-cepo empirista da prtica, j que no se pode utiliz-la como critrio de verdade sem uma relao terica com a prpria atividade em ques-to. Ou seja, devemos fazer, mas tambm sempre pensar e discutir coletivamente sobre o que fazemos.

  • 42

    reas de conhecimento e integrao curricular

    processo de integrao entre o conhecimento

    do aluno e a realidade sociocultural de seu con-

    texto de vivncia;

    a investigao de problemas de ordem

    socioeconmica, dos pontos de vista histrico,

    geogrfico, sociolgico, filosfico e poltico;

    a realizao de atividades prticas, como

    aulas em laboratrios e visitas de campo, tais

    como fbricas, estaes de tratamento de gua

    e de esgoto, estaes de gerao eltrica, reas

    de atividades agropecurias, reservas de preser-

    vao ambiental, museus histricos-cientficos

    etc., explorando os recursos externos escola

    e aprofundando o conhecimento sobre as reali-

    dades econmico-produtiva, social e cultural da

    regio;

    o uso de acervos e patrimnios hist-

    rico-culturais da regio, propiciando o contato

    direto do aluno com a preservao da mem-

    ria, incentivando-o a se apropriar dessa memria

    como cidado, valorizando-a e preservando-a.

    Para isso a escola deve se abrir s possibi-

    lidades educativas oferecidas no s por espaos

    institucionalizados, como associaes, museus,

    meios de comunicao, mas tambm por outros

    atores ou grupos sociais que, a partir de suas ati-

    vidades cotidianas, exeram um papel de produ-

    tores e mediadores de conhecimentos e/ou pr-

    ticas relacionadas compreenso do mundo e

    esfera do trabalho, bem como perpetuao de

    saberes locais/tradicionais, indispensveis for-

    mao e manuteno da identidade comunitria.

    Ou seja, a escola deve se assumir como parte de

    um todo social, estabelecendo possibilidades para

    a construo de um projeto educativo conjunto.

  • 43

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    Os tempos e os espaos curriculares po-

    dem ser tambm revistos. A ideia de grade cur-

    ricular nos leva a tomar os tempos curriculares

    de forma muito rgida, como fraes de horas se-

    manais que o professor dispor com a(s) turma(s)

    expressas, em seguida, no horrio escolar. De

    acordo com esse horrio, logo imaginamos que

    o professor entrar em sala e iniciar sua aula

    expositiva, quase sempre sendo concluda com

    as tarefas para casa ou com aulas de aplicaes

    descontextualizadas e artificiais a partir do co-

    nhecimento exposto.

    A formulao de situaes de aprendiza-

    gem em torno de processos de produo gera,

    necessariamente, o confronto entre o conhe-

    cimento cientfico e os problemas enfrentados

    pela sociedade. Nesta perspectiva, portanto,

    impossvel pensar-se exclusivamente no traba-

    lho isolado com os diferentes componentes cur-

    riculares. Portanto, ao se estabelecer um pacto

    sobre as situaes de aprendizagem que sero

    trabalhadas num determinado perodo de for-

    mao, os tempos e espaos curriculares devem

    ser planejados em conjunto entre os professo-

    res, tendo em vista o desenvolvimento de um

    mtodo de ensino coerente com o princpio da

    contnua vinculao entre educao e sociedade,

    entre produo e ensino.

    Vislumbramos, ento, o currculo integra-

    do se desenvolvendo, por exemplo, de acordo

    com o mtodo de ensino da pedagogia histrico-

    crtica (SAVIANI, 2005) que compreende as se-

    guintes etapas:

    a) prtica social (comum a professores

    e alunos): professores e alunos podem se posi-

    cionar como agentes sociais diferenciados. Eles

  • 44

    reas de conhecimento e integrao curricular

    tambm se encontram em nveis diferentes de

    compreenso (conhecimento e experincia) da

    prtica social;

    b) problematizao (identificao dos

    principais problemas da prtica social): trata-se

    de detectar quais questes precisam ser resol-

    vidas no mbito da prtica social e, em consequ-

    ncia, quais conhecimentos so necessrios do-

    minar. Nesta etapa de ensino, procurar-se-ia re-

    construir com os estudantes a problematizao

    feita pelos professores, em conjunto, no trabalho

    de elaborao curricular, conforme propusemos

    na atividade 3 do item anterior.

    c) instrumentalizao (apropriao dos

    instrumentos tericos e prticos indispensveis

    ao equacionamento dos problemas detectados

    na prtica social): tais instrumentos so produ-

    zidos socialmente e preservados historicamente.

    A sua apropriao pelos alunos est na depen-

    dncia da transmisso direta ou indireta por par-

    te do professor;

    d) catarse (efetiva incorporao dos ins-

    trumentos culturais, modificados para elementos

    ativos de transformao social);

    e) prtica social.

    So possveis outras formas de organiza-

    o e encaminhamento metodolgico de propos-

    tas, organizadas na perspectiva interdisciplinar

    apontada, entretanto, independente da dinmica

    estabelecida, inegocivel o reconhecimento do

    carter transformador que deve ter qualquer co-

    nhecimento que se proponha a se transformar

    em conhecimento escolar.

    E o cotidiano, como construir? Espera-se

    que educadores e educandos articulem experi-

    ncias e conhecimentos cientficos; construam

  • 45

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    coletivamente novos conhecimentos; respeitem

    mutuamente a diversidade de gnero, etnia, de

    cultura, etc.

    Tambm os materiais pedaggicos uti-

    lizados podem contribuir para essas prticas.

    Eles devem ser coerentes com as perspectivas

    epistemolgica e pedaggica adotadas. Devem

    oferecer referenciais e conceitos tericos, assim

    como permitir mediaes com a realidade con-

    creta. Esse cotidiano pode e deve ser formativo.

    Espera-se que as relaes escolares entre edu-

    cadores, educandos e seus familiares, mais os

    demais trabalhadores da escola contribuam para

    a reflexo crtica sobre as relaes sociais, eco-

    nmicas, culturais e polticas, se constituindo em

    espao permanente de troca, avaliao e produ-

    o de conhecimentos.

    Reflexo e ao

    1 Assista ao vdeo Em busca de Jo-aquim Venncio de Evandro Filho e outros

    (2009). O vdeo resultado de um trabalho de

    integrao realizado por alunos da 1 srie da

    Escola Politcnica de Sade Joaquim Venncio,

    no ano de 2009. Contando com imagens de ar-

    quivo e depoimentos, o filme narra a busca por

    informaes sobre o trabalhador tcnico que d

    nome escola, uma referncia importante entre

    os trabalhadores da Fundao Oswaldo Cruz.

    Disponvel em: http://www.epsjv.fiocruz.br/in-

    dex.php?Area=Material&Tipo=4&Num=149

    &Sub=1 e tambm http://www.youtube.com/

    watch?v=SUkk5DLbUOQ

    1.1 Analise criticamente este material luz da sua proposta e dos princpios e prti-

  • 46

    reas de conhecimento e integrao curricular

    cas pedaggicas aqui integradas, posicionando-se

    sobre possibilidades de realizar atividades como

    esta em sua escola.

    1. Retorne aos resultados da atividade 2 do momento anterior e d prosseguimento a

    ela, chegando a um ensaio de proposta curricular

    (certamente parcial e limitado, considerando ser

    somente um exerccio) contendo:

    a) proposta de componentes curriculares

    (disciplinas e projetos interdisciplinares);

    b) possvel sequncia curricular;

    c) distribuio de atividades, tempos e es-

    paos curriculares.

    2. Para finalizar, leia a noticia abaixo publicada num jornal de So Paulo em fevereiro

    de 2012.

    Ligaes clandestinas causam risco

    de incndios

    Mais de 180 mil gatos podem explicar in-

    cndios como o de domingo, que matou casal na

    Vila Guilherme.

    SILVRIO MORAIS - silverio.morais@dia-

    riosp.com.br

    A ligao irregular de energia a provvel

    causa do incndio que deixou dois mortos e mais

    de 200 desabrigados na Favela do Corujo, na Vila

    Guilherme, Zona Norte, domingo. Os chamados

    gatos esto presentes em pelo menos outras 400

    favelas da Grande So Paulo no contempladas pelo

    programa de regularizao da Eletropaulo. So 180

    mil moradores em risco nesses lugares, devido ao

    perigo das ligaes clandestinas.