55
1 Formação de Professores do Ensino Médio

Formação de Professores do Ensino Médio - Educadores · 2015-01-28 · Formação de professores do ensino médio, Etapa II - Caderno II: Ciências Humanas / Ministério da Educação,

Embed Size (px)

Citation preview

  • 1

    Formao de Professores do Ensino Mdio

  • Ministrio da EducaoSecretaria de Educao Bsica

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    CINCIAS HUMANAS

    Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio

    Etapa II - Caderno II

    CuritibaSetor de Educao da UFPR

    2014

  • MINISTRIO DA EDUCAO

    SECRETARIA DE EDUCAO BSICA (SEB)

    MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA Esplanada dos Ministrios, Bloco L, Sala 500 CEP: 70047-900 Tel: (61)20228318 - 20228320

    Brasil. Secretaria de Educao Bsica. Formao de professores do ensino mdio, Etapa II - Caderno II: Cincias Humanas / Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica; [autores: Alexandro Dantas Trindade... et al.]. Curitiba: UFPR/Setor de Educao, 2014. 53p. ISBN 9788589799966 (coleo) 9788589799980 (v.2) Inclui referncias Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio 1. Ensino mdio. 2. Professores - Formao. 3. Cincia e humanidades. 4. Prtica de ensino. I. Trindade, Alexandro Dantas. II. Universidade Federal do Paran. Setor de Educao. III. Cincias Humanas. IV. Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio. V. Ttulo. CDD 373.19

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARANSISTEMA DE BIBLIOTECAS BIBLIOTECA CENTRAL

    COORDENAO DE PROCESSOS TCNICOS

    Andrea Carolina Grohs CRB 9/1384

    http://www8.fgv.br/bibliodata/site2/pesquisa/dsp_resultadopesquisa.asp?op=2|PBB&txt=73450&ex=2|PBB&qt=100&tipoPesquisa=LINKBB&Link=0&iRG=0&stringTipo=S&txt2=SIQUEIRA MARCIA DALLEDONE&dspOp=Obras+do+Autor&dspVl=Siqueira%2C+Marcia+Teresinha+Andreatta+Dalledone&dspTp=Palavra Chave

  • CINCIAS HUMANASEtapa II Caderno II

    AUTORESAlexandro Dantas TrindadeArnaldo Pinto JuniorClaudia da Silva KryszczunEduardo Salles de Oliveira BarraMarivne Regina MachadoMarcia de Almeida GonalvesMarcia Fernandes Rosa Neu

    COORDENAO DA PRODUOMonica Ribeiro da Silva (organizadora)Culi Mariano JorgeEloise Medice ColontonioGlian Cristina BarrosGiselle CorreaLia de Cssia Fernandes Hegeto

    LEITORES CRTICOSJoo Batista Gonalves Bueno Junot Cornlio MatosLetcia Carneiro Aguiar Marcos Antonio Queiroz Willian Simes

    REVISOGiselle Christina Corra

    PROJETO GRFICO E EDITORAOVictor Augustus Graciotto SilvaRafael Ferrer Kloss

    CAPAYasmin FabrisRafael Ferrer Kloss

    ARTE FINALRafael Ferrer Kloss

    COORDENAO GERAL E ORGANIZAO DA PRODUO DOS MATERIAIS

    Monica Ribeiro da Silva

  • Caro Professor, Cara Professora

    Com vistas a garantir a qualidade do Ensino Mdio ofertado no Pas foi institudo por meio da Portaria Ministerial n 1.140, de 22 de novembro de 2013, o Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio. Este Pacto contempla, dentre outras, a ao de formao continuada dos professores e coordenadores pedaggicos de Ensino Mdio por meio da colaborao entre Ministrio da Educao, Secretarias Estaduais de Educao e Universidades.

    Esta ao tem o objetivo central de contribuir para o aperfeioamento da formao continuada de professores a partir da discusso das prticas docentes luz das novas Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio DCNEM (Resoluo CNE/CEB n 2, de 31 de janeiro de 2012). Nesse sentido, a formao se articula ao de redesenho curricular em desenvolvimento nas escolas pblicas de Ensino Mdio a partir dessas Diretrizes.

    A primeira etapa da Formao Continuada, em conformidade com as DCNEM, trouxe como eixo condutor Os Sujeitos do Ensino Mdio e a Formao Humana Integral e foi composta pelos seguintes Campos Temticos/Cadernos: Sujeitos do Ensino Mdio e Formao Humana Integral; Ensino Mdio e Formao Humana Integral; O Currculo do Ensino Mdio, seus sujeitos e o desafio da Formao Humana Integral; Organizao e Gesto do Trabalho Pedaggico; Avaliao no Ensino Mdio; e reas de Conhecimento e Integrao Curricular.

    Nesta segunda etapa, dando continuidade ao eixo proposto, as temticas que compem os Ca-dernos de Formao do Pacto so: Organizao do Trabalho Pedaggico no Ensino Mdio e reas de Conhecimento do Ensino Mdio, em consonncia com as proposies das DCNEM, considerando o dilogo com o que vem sendo praticado em nossas escolas, a diversidade de prticas e a garantia da educao para todos. A formao continuada propiciada pelo Pacto auxiliar o debate sobre a Base Nacional Comum do Currculo que ser objeto de estudo dos diversos setores da educao em todo o territrio nacional, em articulao com a sociedade, na perspectiva da garantia do direito aprendiza-gem e ao desenvolvimento humano dos estudantes da Educao Bsica, conforme meta estabelecida no Plano Nacional de Educao.

    Destacamos como ponto fundamental que nesta segunda etapa seja feita a leitura e a reflexo dos Cadernos de todas as reas por todos os professores que participam da formao do Pacto, consi-derando o objetivo de aprofundar as discusses sobre a articulao entre conhecimentos das diferen-tes disciplinas e reas, a partir da realidade escolar. A perspectiva de integrao curricular posta pelas DCNEM exige que os professores ampliem suas compreenses sobre a totalidade dos componentes curriculares, na forma de disciplinas e outras possibilidades de organizao do conhecimento escolar, a partir de quatro dimenses fundamentais: a) compreenso sobre os sujeitos do Ensino Mdio con-siderando suas experincias e suas necessidades; b) escolha de conhecimentos relevantes de modo a produzir contedos contextualizados nas diversas situaes onde a educao no Ensino Mdio produzida; c) planejamento que propicie a explicitao das prticas de docncia e que amplie a diver-sificao das intervenes no sentido da integrao nas reas e entre reas; d) avaliao que permita ao estudante compreender suas aprendizagens e ao docente identific-las para novos planejamentos.

    Espera-se que esta etapa, assim como as demais que estamos preparando, seja a oportunidade para uma real e efetiva integrao entre os diversos componentes curriculares, considerando o im-pacto na melhoria de condies de aprender e desenvolver-se dos estudantes e dos professores nessa etapa conclusiva da Educao Bsica.

    Secretaria da Educao Bsica

    Ministrio da Educao

  • Sumrio

    Introduo / 6

    1. A integrao entre as Cincias Humanas como projeto pedaggico / 9

    1.1 O problema das Cincias Humanas / 9

    1.1.1 A paideia grega: a formao do cidado / 10

    1.1.2 As artes liberais romanas: a formao do orador / 10

    1.1.3 As Humanidades renascentistas: a formao literria / 11

    1.1.4 As especialidades e disciplinas modernas: a formao do cientista / 12

    1.1.5 As Cincias Humanas contemporneas: a formao do especialista / 13

    1.2 Integrao e interdisciplinaridade no ensino secundrio brasileiro: dilemas e possibilidades / 14

    2. Os sujeitos estudantes do Ensino Mdio e os direitos a aprendizagem e ao desenvolvimento humano na rea de Cincias Humanas / 19

    2.1. Contribuies das Cincias Humanas para a compreenso

    da relao entre Juventude e Educao / 22

    2.2 Para que servem as Cincias Humanas? / 25

    3. Trabalho, Cultura, Cincia e Tecnologia na rea de Cincias Humanas / 28

    4. Possibilidades de abordagens pedaggico-curriculares na rea de Cincias Humanas / 37

    4.1 Uma ltima palavra: interdisciplinaridade como ao / 44

    Referncias / 46

  • 6

    Cincias Humanas

    Introduo A minha escola no tem personagem

    A minha escola tem gente de verdade

    Algum falou do fim do mundo,

    O fim do mundo j passou

    Vamos comear de novo:

    Um por todos, todos por um.

    Vamos fazer um filme. Legio Urbana.

    Caros professores, caras professoras, vocs muito provavelmente conhecem os versos menciona-

    dos. O grupo Legio Urbana marcou sua poca e at hoje reverenciado por geraes distintas: os que

    tinham seus vinte e poucos anos naquele momento, os jovens de nossa atualidade e tantos outros. A msi-

    ca, como toda arte, no tem idade. Remete, contudo, como toda criao humana, a um contexto particular

    onde sujeitos singulares se expressam no registro de percepes do mundo, sentimentos, ideias, crticas,

    dvidas, incertezas, projetos. A dcada de 1990, para a sociedade brasileira, correspondeu a um momento

    de impasses e transformaes das quais, certamente, ainda somos herdeiros. Os rapazes do Legio Urbana,

    em alguma medida, souberam disso. Sugerimos a visita ao site do grupo para conhecer mais a sua histria,

    shows e produo musical, disponvel em: http://www.legiaourbana.com.br/

    E por que comear esse Caderno de estudo sobre a rea das Cincias Humanas e a formao de

    professores do Ensino Mdio com a meno a uma msica do grupo Legio Urbana? Entre as respostas,

    na verdade, figuram perspectivas e algumas apostas.

    Comecemos pelas apostas: desejar uma escola com gente de verdade e, talvez, para dar partida,

    comear de novo com muito trabalho e cooperao pela frente um por todos, todos por um. Licenas

    poticas parte, cabe no entanto, situar perspectivas sobre os objetivos e reflexes materializados nesse

    Caderno.

    A escola brasileira de Educao Bsica, em especial, na rede pblica de ensino, palco de contra-

    dies sociais e polticas que nos afetam como comunidade local e nacional. Entre o fim dos governos

    militares e a democratizao instaurada no decorrer dos anos 1980 e 1990, os debates acerca de problemas

    crnicos, tais como as desigualdades sociais e a excluso de diversos grupos do pleno exerccio dos mais

    diversos direitos, incrementaram-se, explicitando a maior publicizao de demandas pautadas nos movi-

    mentos populares. A elaborao da nova Constituio Federal, a Constituio Cidad em 1988, simboliza

    parte dessas transformaes.

    A promulgao de uma nova Lei de Diretrizes e Bases da Educao (LDB n 9394 de 20 de De-

    zembro de 1996), representou uma das mudanas fundamentais dos marcos legais reguladores das aes

    no campo educacional. A partir dela derivaram-se iniciativas e estratgias de naturezas variadas. Como lei

    maior sobre a educao brasileira, baseada em princpios que figuram na Constituio Federal de 1988,

    http://www.legiaourbana.com.br/

  • 7

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    vale ser lida e discutida por professores e estudantes. H uma verso atualizada em 2013 nas publicaes

    da biblioteca digital da Cmara dos Deputados (http://bd.camara.gov.br/bd/handle/bdcamara/14676).

    Destaca-se, na atualidade, o Plano Nacional de Educao (PNE) institudo pela Lei n 13.005, de

    25 de junho de 2014 e que dever vigorar de 2014 a 2024. O PNE apresenta 20 metas seguidas das estra-

    tgias especficas de concretizao. (BRASIL, 2014).

    No que se refere s proposies relativas ao currculo, cabe mencionar o incio dos debates que

    vieram a culminar na elaborao das Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio - DCNEM

    (BRASIL, 2012) e, no mbito avaliativo, a criao do Exame Nacional do Ensino Mdio (ENEM).

    A partir de 2008, o ENEM, ou Novo ENEM, passou a ter outro formato, assumindo o carter de

    prova de ingresso nacional para o ensino superior, substituindo, em especial, os exames de vestibular das

    instituies federais, norteando muitas propostas curriculares para o Ensino Mdio. No ano de sua cria-

    o, em 1998, possua carter diagnstico, visando elaborar amostragens sobre o desempenho escolar de

    estudantes do Ensino Mdio.

    A meno s DCNEM e ao ENEM nos interessa, considerando-se que houve, a partir de ambos, a

    configurao da rea das Cincias Humanas como dimenso norteadora de aes curriculares para o En-

    sino Mdio, fomentando abordagens que buscaram ampliar dilogos entre seus componentes por meio de

    prticas pedaggicas e premissas avaliativas focadas na interdisciplinaridade e na integrao curricular.

    A rea das Cincias Humanas, circunscrita inicialmente Histria e Geografia, para o caso do Ensino

    Mdio, veio a ser significativamente alterada pela incluso da obrigatoriedade de oferta de dois novos

    componentes: a Sociologia e a Filosofia - Lei n 11.684, de 2 de junho de 2008 (BRASIL, 2008). Essa lei

    altera o art. 36 da LDB n 9.394 para incluir a Filosofia e a Sociologia como disciplinas obrigatrias nos

    currculos do Ensino Mdio.

    Essa rpida contextualizao nos possibilita compreender certas condies histricas nas quais

    foram gestadas as atuais Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Bsica e, em particular,

    as DCNEM. Como enfatizado em momentos anteriores desse curso, reiteramos a importncia de, tal

    qual a LDB vigente, conhecer e discutir as Diretrizes Curriculares Nacionais para a Educao Bsica.

    Recomendamos a edio compilada de todas as diretrizes, publicada em 2013 e disponibilizada no portal

    do MEC: http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&id=12663&Itemid=1152

    Tais diretrizes, j abordadas nos Cadernos da Etapa I desse curso de formao para professores cons-

    tituem-se, igualmente, base norteadora das propostas de reflexo e de ao dessa Etapa II, focada nas reas

    de conhecimento e nas modalidades de ensino.

    Por outro lado, o cuidado em contextualizar toda e quaisquer informaes e experincias, mesmo

    no sendo exclusivo das Cincias Humanas, fortemente uma das marcas identitrias desse campo do co-

    nhecimento. Cuidado esse, caros professores e professoras, que vocs provavelmente exercitam em suas

    prticas docentes no cotidiano da escola.

    Conhecer as DCNEM um ponto de partida e, nessa qualidade, se institui na dependncia direta da

    efetivao de aes curriculares dispostas a lidar, democraticamente, com uma escola que possua gente

    de verdade. Em outras palavras, sujeitos professores, estudantes, funcionrios, gestores nas suas

    http://goo.gl/D0ZwMOhttp://goo.gl/uBSGNahttp://goo.gl/SNf5rX

  • 8

    Cincias Humanas

    circunstncias de vida as mais diversas, com suas vivncias e expectativas singulares e, como sabemos,

    para o caso das redes pblicas de ensino da sociedade brasileira, inseridos em realidades adversas e com-

    plexas, limitadoras daquilo que pode ser denominado de formao humana integral.

    De acordo com as DCNEM, formao humana integral se associa a uma concepo pedaggica

    valorizadora de aes que busquem articular as vivncias e experincias dos estudantes, seus saberes e ex-

    pectativas, ao aprendizado de conhecimentos significativos e integrados, das diversas reas e disciplinas,

    tendo em vista a configurao de atitudes viabilizadoras do exerccio democrtico da cidadania, do de-

    senvolvimento de posturas ticas quanto diversidade cultural e s questes ambientais, da compreenso

    crtica do mundo e da universalizao de direitos sociais.

    Como foi pontuado em outros momentos desse curso, a efetivao dessa formao humana integral

    no tarefa fcil. Tom-la como desafio pode circunscrever significados sem, contudo, simplific-los ou

    garantir seu sucesso. Imaginemos a prtica do canto coral. Quem j o realiza, pelos motivos mais variados,

    ou no caso dos professores de msica, sabem que para que o efeito final fique belo, com ritmo e harmonia,

    a sensibilizar ouvintes e cativar novos participantes, h que se planejar, dividir tarefas e funes, ensaiar

    (muito!!!!), partilhar dificuldades e se auxiliar mutuamente. Se quisermos instituir o canto coral como

    metfora para nossas propostas curriculares, o trabalho conjunto, planejado e cooperativo, a par de conhe-

    cimentos e estudos que o estruturem, figura como estratgia fundadora.

    Antecipamos que a questo contempornea dos direitos aprendizagem e ao desenvolvimento hu-

    mano, conforme apontado no Plano Nacional de Educao, foco da base nacional comum para o currculo,

    orientada pelas DCNEM, se justifica tambm como poltica de universalizao do direito educao.

    Depreende-se ento o quanto os componentes curriculares da rea das Cincias Humanas podem,

    e devem, contribuir para esse processo qualificado de universalizao do ensino e esse o principal ob-

    jetivo, e em paralelo, compromisso tico das discusses, reflexes e propostas que se apresentam nas

    unidades desse Caderno.

    Na unidade um, objetiva-se discutir um pouco da histria do que veio a ser denominado de Huma-

    nidades e de Cincias Humanas, problematizando aspectos estruturais e conjunturais que interferem na

    elaborao de propostas pedaggicas interdisciplinares. Na unidade dois, so apresentadas indagaes so-

    bre os jovens estudantes do Ensino Mdio, buscando indicar aes curriculares baseadas no conhecimento

    e valorizao de suas experincias, saberes e expectativas. Na unidade trs, o eixo trabalho, cultura, tec-

    nologia e cincia analisado luz da contribuio especfica dos componentes curriculares das Cincias

    Humanas. Na unidade quatro so propostas algumas reflexes e sugestes de abordagens pedaggicas

    interdisciplinares nas Cincias Humanas, no Ensino Mdio.

    Desejamos um bom trabalho a todos e a todas!

  • 9

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    1. A integrao entre as Cincias Humanas como projeto pedaggico

    Cara professora, caro professor, todo conhecimento, na qualidade de prtica cultural, possui condi-

    es histricas para sua emergncia e caracterizao. Como obra humana, os conhecimentos so institu-

    dos por sujeitos especficos, em tempos e espaos variados, em funo de diversos interesses, possibilida-

    des e necessidades sociais e polticas. No poderia ser diferente para a rea que se convencionou chamar

    de Cincias Humanas. Como nome e como conceito, as Cincias Humanas possuem histria e a tentativa

    de abord-la por si s tema para investigao. Longe de esgotar essa temtica, achamos importante si-

    tu-la como convite para reflexo, sob a chave de discutir alguns aspectos de seu processo de constituio

    e de significao.

    1.1 O problema das Cincias Humanas

    Atualmente, no contexto das escolas brasileiras e de acordo com as DCNEM, entende-se por Cin-

    cias Humanas a rea do conhecimento na qual esto includas a Histria, a Geografia, a Filosofia e a

    Sociologia. Cada um desses componentes curriculares derivado de conhecimentos cientficos e discipli-

    nares, os quais, em funo de suas tradies e procedimentos institudos, possuem atualmente estatutos

    epistemolgicos prprios. Estes so o resultado mais visvel do processo de especializao que atingiu

    praticamente todos os campos do conhecimento, desde pelo menos o final do sculo XVII e incio do

    sculo XVIII, nas sociedades do ocidente europeu. Ocorre que, antes da generalizao desse processo de

    especializao, havia um certo domnio de conhecimentos cuja herana, de uma forma ou de outra, foi

    reivindicada por cada nova disciplina cientfica surgida desde ento. Esse domnio comum chamou-se

    Humanidades.

    As Humanidades talvez sejam a forma mais acessvel de imaginar uma unidade possvel entre os

    quatro componentes das Cincias Humanas no currculo do Ensino Mdio. Dialogamos, nessa proposta,

    com as observaes da professora Marjorie Garber (2001). Para ela:

    Se as humanidades tm um futuro, [...], ser um futuro que envolve retornar ao passado e habitar esse momento interdisciplinar pr-disciplinrio. No para se afastar da hist-ria, do contexto e da cultura; mas para, ao contrrio disso, fazer justamente o oposto: concluir que Freud estava mais certo do que ele prprio poderia supor quando imaginou a mente humana como sendo uma cidade tal como Roma, camada sobre camada, no substituindo umas s outras, mas coabitando com o passado.[...] Neste momento, en-quanto estudiosos, nossa tarefa reimaginar as fronteiras do que chegamos a acreditar serem as disciplinas e ter a coragem para repens-las (GARBER, 2001, p. 95-96).

    De acordo com essas consideraes, as Humanidades permitem, entre outros desdobramentos,

    construir prticas pedaggicas de natureza interdisciplinar para as Cincias Humanas. Para avaliar a viabi-

    lidade disso ser preciso percorrer algumas das camadas historicamente sobrepostas das quais emergem

    o legado das Humanidades. O objetivo que, desse percurso, resultem imagens viveis para um projeto

    pedaggico destinado educao integrada no campo das Cincias Humanas.

  • 10

    Cincias Humanas

    1.1.1 A paideia grega: a formao do cidado

    Por volta do sculo V a.C. na Grcia, quando ocorre a gradual

    transio da cultura oral para cultura escrita, encontra-se o que talvez

    seja o antecedente mais remoto das Humanidades, tendo em vista as

    heranas culturais de sociedades euroasiticas. Nesse contexto cultural

    surge o conceito de paideia, que sintetizava os estudos que deveriam

    fazer parte da preparao dos jovens aristocrticos para a vida pessoal,

    familiar e social, em seus aspectos religiosos, polticos e morais. Alm

    de algum tipo de treinamento fsico, essa preparao inclua o estudo

    de msica, poesia, dana e, provavelmente, rudimentos da histria

    social e poltica. No havia, contudo, nenhuma preocupao utilitria,

    muito menos vocacional. Tampouco havia preocupaes com aquilo

    que se tornaria o mago da filosofia grega, a saber, a especulao

    sistemtica sobre questes ticas, polticas, metafsicas, epistemolgi-

    cas ou cientfico-naturais.

    1.1.2 As artes liberais romanas: a formao do orador

    Pode-se dizer que as Humanidades so uma criao tipica-

    mente romana. Alm de fornecerem a raiz latina da palavra, foram

    os romanos antigos quem lhes conferiram um objeto e um contedo

    prprios. Durante o final da Repblica e o incio do Imprio, entre os

    sculos I a.C. e I d.C, eles formularam a concepo segundo a qual

    certas artes e saberes especficos seriam mais adequados para expres-

    sar e atender s necessidades dos seres humanos. Nos seus ltimos

    escritos, Ccero indicou a poesia, geometria, msica e dialtica como

    artes e saberes que as crianas deveriam apreender para alcanar a sua

    completa humanidade.

    O modelo das Humanidades forjado pelos romanos baseou-se

    na tradio grega, mas foi profundamente ajustada s suas prprias

    necessidades e interesses. Nesse contexto, a educao preconizada por

    Ccero e Quintiliano tinha como objetivo a formao segundo o mo-

    delo do papel a ser desempenhado pelo homem pblico o orador.

    O domnio da comunicao oral e escrita era considerado como uma

    preparao essencial para influenciar a poltica e opinio pblica e,

    assim, servir ao Estado.

    A paideia era inseparvel de outro conceito grego: aret ou excelncia, es-pecialmente excelncia de reputao, mas tam-bm virtude e excelncia em todos os aspectos da vida. Nesse sentido, pai-deia significava a sabedo-ria humana e suas aplica-es para viver uma vida virtuosa, que inclua no apenas o autodesenvolvi-mento, mas sobretudo o desenvolvimento cvico com o objetivo de tor-nar a prpria cidade mais virtuosa e excelente. Se-gundo Jaeger, em sinto-nia com a modalidade de pensamento dos tempos primitivos, [Homero] de-signa por aret a fora e a destreza dos guerreiros e lutadores e, acima de tudo, herosmo, considera-do no no sentido de ao moral e separada da fora, mas sim intimamente liga-do a ela (JAEGER, 1995, p. 25-27).

  • 11

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    Nesse sentido, as Humanidades romanas afastaram-se da paideia

    grega e foram transformadas naquilo que passou a se chamar artes

    liberais. As listas das artes liberais poderiam variar, mas certamente

    conteriam a Aritmtica, Msica, Geometria, Astronomia, Gramtica,

    Retrica e Dialtica. As quatro primeiras (quadrivium) em nada

    lembravam os conhecimentos formais ou tericos maneira como

    foram pensadas por Plato e Aristteles. Os romanos as tratavam como

    fatos, prticas e informaes, que forneciam ao orador vocabulrio

    e temas teis. A Msica, por exemplo, interferiria no treinamento

    prtico dos atos de ouvir e utilizar a voz. De outro lado, entre as trs

    ltimas (trivium), a Gramtica era a de maior interesse, pois o estudo

    da literatura e da lngua passaram a ter um papel predominante sobre

    os demais conhecimentos.

    1.1.3 As Humanidades renascentistas: a formao literria

    A palavra humanista (em italiano, umanista) foi o termo cor-

    rente ento utilizado para nomear investigadores e professores das

    universidades, em finais do sculo XV. Eles questionaram as revises

    das artes liberais promovidas pela Escolstica, na Baixa Idade M-

    dia. No incio da expanso do cristianismo no Ocidente, a partir do

    sculo III, Agostinho e outros pensadores cristos adaptaram o pro-

    grama grego de educao s ideias e valores de sua doutrina religiosa.

    Durante os sculos XII e XIII, nas catedrais e nas ento emergentes

    universidades, o foco da educao nas artes liberais foi redirecionado

    para uma anlise racional de textos clssicos, sempre acompanhada

    da leitura das sagradas escrituras e dos comentrios bblicos. A impor-

    tncia da Retrica declinou fortemente, e a Gramtica foi transforma-

    da num conhecimento especulativo com nfase na lgica. A obra de

    Toms de Aquino, voltada s questes de f e razo e incorporao

    da formao secular aos cnones teolgicos, representou esse esforo

    de promover uma sntese crist que ultrapassasse e ressignificasse as

    heranas greco-romanas.

    Avessos a essa tradio inaugurada com a cristandade, os hu-

    manistas italianos se esforaram para reviver e redimensionar as artes

    liberais de acordo com as tradies greco-romanas. Desde ento, a

    familiaridade com a cultura greco-romana antiga e a eloquncia no la-

    tim, tornaram-se preparao obrigatria para a elite que controlava as

    instituies pblicas na maior parte dos estados italianos do centro e do

    Nesse uso social, o sentido de artes liberais nada tinha a ver com o significado que a palavra humani-dade possua at ento algo muito prximo da noo grega de filantropia, que consiste em ter um es-prito amigvel e um bom sentimento. Elas estavam mais prximas do ideal de educao derivado da pai-deia grega, onde a virtude das chamadas bonas artes deriva da sua intrnseca aptido aos fins morais e prticos um propsito que se tornou a pedra an-gular das humanidades, bem como da educao liberal e da cultura geral desde ento.

  • 12

    Cincias Humanas

    norte da pennsula. Em meados do sculo XV, os cursos humansticos

    passaram a integrar o currculo das universidades da pennsula italiana

    e se espalharam rapidamente para o norte da Europa, onde Erasmus de

    Roterdam viria a se tornar um dos mais proeminentes representantes

    do Humanismo renascentista.

    A partir da Renascena, as Humanidades foram progressiva-

    mente institucionalizadas como conhecimento referencial. Os profes-

    sores italianos de Gramtica e Retrica muniram-se cada vez mais de

    recursos pedaggicos formalizados em livros, manuais e instrumentos

    instrucionais. Nesse formato, os estudos humansticos descolaram-se

    dos estudos teolgicos. Mas, ao longo de toda a Renascena, dificil-

    mente a palavra Humanidades se referia a um estudo geral da huma-

    nidade ou dos seres humanos enquanto participantes de uma cultura,

    muito menos exprimiam a ideia de que o ser humano ao invs de

    Deus, a tradio ou a Natureza fosse o centro ou a medida de todas

    as coisas. Segundo Hoyrup (2000), os estudos humansticos eram vol-

    tados a:

    [...] temas e questes centrais para uma vida vir-tuosa: gramtica (latina), retrica, poesia, hist-ria e filosofia moral. (...) A cultura humanista foi

    moldada pela cultura literria da classe alta ro-mana e passou, ento, a ser tambm considerada o smbolo e a garantia das qualidades pessoais e especialmente cvicas utilidade, de fato, sem-pre significou utilidade cvica (HOYRUP, 2000, p. 83-85).

    1.1.4 As especialidades e disciplinas modernas: a formao do cientista

    As Humanidades renascentistas fizeram reviver os ideais roma-

    nos de uma educao voltada transmisso de uma cultura liberal ou

    cultura geral. Mas, apesar do carter generalista que caracterizou as

    Humanidades renascentista, nesse perodo, nada h que possa ante-

    cipar a nossa atual procura de uma abordagem interdisciplinar para

    as Humanidades. Isso nos permitir enfatizar que interdisciplinaridade

    no sinnimo de generalidade. Ao contrrio, a interdisciplinarida-

    de requer disciplinas e especialidades bem estabelecidas. Assim, as

    tentativas de produzir ou exibir uma unificao entre conhecimentos

    realizadas, por exemplo, por Comenius, Leibniz, DAlembert, Kant,

    Desde os tempos antigos, a literatura tinha sido um meio para a educao mo-ral. O emprego da palavra literatura restrita aos escritos mais imaginati-vos, posteriormente qua-lificados como ficcionais, emergiu no decorrer do s-culo XVIII, em sociedades do ocidente europeu, asso-ciando-se, entre outros as-pectos, ao surgimento do romance moderno.

  • 13

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    Hegel e von Humboldt somente se tornaram possveis com a fundao das academias cientficas no

    sculo XVII a Royal Society, na Inglaterra, e a Acadmie des Sciences, na Frana, por exemplo , que

    foram decisivas para os processos que resultaram na definio das especialidades e na delimitao das

    disciplinas cientficas.

    O contraste entre as perspectivas medieval e moderna sobre o conhecimento ainda mais ntido no

    projeto iluminista consubstanciado na Enciclopdia de Diderot e DAlembert. O objetivo desse projeto era

    reunir todas as formas disponveis de conhecimento presentes nas artes e nas cincias. Os enciclopedistas

    franceses divergiam da concepo clssica de Humanidades e, inspirados em Francis Bacon, repudia-

    ram a indistino predominante desde a paideia grega entre arte e cincia uma indistino decorrente

    da concepo de que a cincia deveria estar a servio de fins no-cientficos, isto , polticos, morais e

    religiosos, entre outros. Progressivamente, difundiu-se o legado da Revoluo Cientfica do sculo XVII

    protagonizada, entre outros, por Galileu, Descartes e Newton, convertendo a cincia e seus mtodos em

    novos critrios para a legitimao do conhecimento e, consequentemente, para a sua universalizao.

    Os excessos de zelo com a elegncia e correo do estilo e a erudio exacerbada, pouco a pouco

    cederam lugar ao conhecimento efetivo, slido e til adquirido pela investigao direta das evidncias

    empricas, e no apenas por exaustivas anlises textuais dos chamados clssicos. Depois de Immanuel

    Kant, ao final do sculo XVIII, a especializao torna-se um imperativo crescente, de tal modo que a uni-

    dade da cincia converte-se num ideal cada vez mais irrealizvel. Esse ideal tem um fugaz ressurgimento,

    durante as primeiras dcadas do sculo XX, impulsionado pelo programa de uma Cincia Unificada pro-

    posto pelo positivismo lgico. No entanto, esses e outros esforos enfrentavam insuperveis limitaes.

    1.1.5 As Cincias Humanas contemporneas: a formao do especialista

    O sculo XIX representou um momento mpar para a crescente especializao e disciplinarizao

    dos conhecimentos. Esse processo produziu efeitos imediatos na reorganizao das universidades e susci-

    tou acalorados debates sobre a classificao das cincias. Na passagem do sculo XIX para o XX, o pen-

    sador alemo Wilhelm Dilthey foi um dos que dedicou parte expressiva de suas especulaes distino

    entre os procedimentos e as caractersticas de determinadas cincias, categorizando-as em dois grandes

    grupos: as Cincias da Natureza (Naturwissenschaften) e as Cincias do Esprito (Geisteswissenschaften).

    Para essas ltimas, Dilthey identificava maneiras de conhecer muito especficas, centradas em prticas

    interpretativas hermenuticas dos fenmenos analisados. Das apropriaes e adaptaes posteriores

    dessa distino, derivaram-se as recentes designaes Cincias Humanas entre as quais se incluram

    a Histria, a Psicologia, a Economia, a Antropologia, a Sociologia e a Cincia Poltica, e Cincias Natu-

    rais Fsica, Quimca, Biologia, Astronomia. A essas ltimas caberia a busca de explicaes a partir de

    conjuntos sistemticos de leis gerais as chamadas leis da natureza, enquanto as Cincias Humanas de-

    veriam voltar-se para a compreenso de fenmenos que, por serem presumidamente nicos e particulares,

    no estariam sujeitos a leis gerais.

    A categorizao e difuso das Cincias Humanas, entretanto, no decretou o imediato ocaso das

    Humanidades no sentido da chamada educao liberal. Assim, por exemplo, em meados do sculo XIX, o

  • 14

    Cincias Humanas

    termo Humanidades ainda indicava predominantemente os estudos de

    grego e latim, com nfase em gramtica. Houve permuta de sentidos

    e fuses de contedos entre os termos Cincias Humanas e Humani-

    dades. O padro da educao liberal foi profundamente modificado no

    curso de um sculo, de tal modo que Humanidades passaram a signi-

    ficar os estudos culturais cada vez mais inclusivos a ponto de alcanar

    a literatura em lngua verncula, alm da Filosofia, Histria da Arte e,

    frequentemente, Histria Geral. A essas disciplinas, vieram a se juntar

    os tradicionais estudos de grego e latim, reunidos sob o rtulo de es-

    tudos clssicos.

    1.2 Integrao e interdisciplinaridade no ensino secundrio brasileiro: dilemas e possibilidades

    O exerccio sinttico de problematizar a historicidade do con-

    ceito de Humanidades e de Cincias Humanas, no ocidente europeu

    nos possibilita, professoras e professores, visualizar a complexidade

    da questo e tambm perceber o quanto certas tradies, de carter

    disciplinar e cientfico, contriburam para separar e distanciar os diver-

    sos campos de conhecimento.

    Se isso se manifestou nas Cincias Humanas, o mesmo ocor-

    reu com as Cincias da Natureza. Em sociedades onde os progressos

    tecnolgicos cada vez mais ditaram os ritmos de vida, da organizao

    e diviso do trabalho, dos fluxos de riquezas, capitais e mercadorias,

    e das prprias percepes do tempo e do espao, os conhecimentos

    sobre o mundo natural adquiriram destaque e referencialidade. Seus

    procedimentos metodolgicos e critrios epistemolgicos foram ento

    tomados como parmetros de verdade, confiabilidade, utilidade, pro-

    gresso e civilizao.

    As escolas, como espaos de instruo, de educao e de for-

    mao de sujeitos os mais variados, foram afetadas por todas essas

    questes de fundo. As pesquisas e trabalhos do campo da Histria da

    Educao, principalmente, indicam a importncia dessas reflexes.

    Em meio a tantas heranas e tradies disciplinares, propor e

    realizar a integrao e a interdisciplinaridade entre as Cincias Huma-

    nas como projeto pedaggico no Ensino Mdio brasileiro, na atualida-

    de, no tarefa simples, envolvendo desafios, dilemas, mas tambm

    possibilidades.

    No Brasil, nos ltimos trinta anos, ampliaram-se e diversificaram-se as pesquisas sobre temas tais como a histria da esco-la, da profisso e do sa-ber docente, dos saberes e culturas escolares, das concepes pedaggicas, do livro didtico, do curr-culo, entre outros. A ttulo de ter um pouco a dimen-so do quanto tem sido pesquisado e produzido, sugerimos, professores e professoras, como exer-ccio, navegar um pouco nos sites dos programas de ps-graduao na rea de Educao e tambm no banco de teses e disser-taes da CAPES (http://bancodeteses.capes.gov.br/) Destaquem temas e ttulos que mais lhes interessa-rem. Se for o caso, sele-cionem trabalhos que pos-sam ser alvo de um grupo de estudo.

    http://bancodeteses.capes.gov.br/http://bancodeteses.capes.gov.br/

  • 15

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    Importante ter alguns cuidados. Um deles atentar para os lugares que os componentes do campo

    das Cincias Humanas ocuparam e ocupam nos currculos do que hoje chamamos de Ensino Mdio. Se

    hoje a Histria, a Geografia, a Filosofia e a Sociologia possuem lugares, sendo esses alvos de controvrsias,

    tal configurao, como sabemos, nem sempre possuiu tal disposio. Como analisado anteriormente, se as

    concepes de Humanidades e de Cincias Humanas alteraram-se historicamente e epistemologicamente,

    o mesmo pode ser aplicado reflexo sobre como as Humanidades, e as disciplinas que a elas se associaram,

    vieram a ser abordadas e categorizadas nos currculos do Ensino Mdio. O que entendemos por Ensino

    Mdio, como etapa da Educao Bsica, igualmente variou de forma, contedo, nome e funo. Esse,

    alis, um tema bastante visitado pelos pesquisadores da Histria da Educao no Brasil.

    Sem a pretenso de esgotarmos essas reflexes, apresentamos ponderaes sobre a historicidade de

    determinadas questes. A dcada de 1920 foi um momento significativo de proliferao de debates e pro-

    jetos acerca da urgncia de aes que enfrentassem os problemas brasileiros poca. No contexto de fim

    da Primeira Grande Guerra (1914-1918) e de muitas crticas aos preceitos liberais, ampliaram-se deman-

    das por reformas sociais, trabalhistas, econmicas, polticas e educacionais. Intelectuais de matizes ideo-

    lgicos variados envolveram-se diretamente em discusses sobre a criao de um sistema educacional

    brasileiro que coordenasse esforos no sentido de modernizar as prticas e concepes pedaggicas em

    vigor nas escolas brasileiras.

    Nesse contexto, polarizaram-se opinies entre conservadores e reformadores. Um dos pontos de

    divergncia era a ampliao do espao dedicado aos estudos cientficos e a consequente diminuio do

    espao ocupado pelas Humanidades, algo que se supunha ser uma exigncia da sociedade moderna e dos

    processos de modernizao tecnolgica-industrial em curso.

    Nos argumentos utilizados por intelectuais catlicos sobressaram elementos de continuidade e de

    ruptura com as prticas vigentes. Houve a defesa de uma formao geral, sem preocupao com a especia-

    Entre as controvrsias, destacam-se: os tempos de aula destinados a cada um desses componentes curriculares, a seleo e didatizao de contedos significativos, em especial, mas no exclusivamente, para o caso da Filosofia e da Sociologia.

    Para aprofundar essas anlises, recomendamos a leitura e discusso do artigo de Helena Bomeny. Novos talentos, vcios antigos: os renovadores e a pol-tica educacional, publicado na Revista Estudos Histricos, Rio de Janeiro. Vol 6 (Os anos 20), n.11, 1993, p. 24-39.

    Disponvel em http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/in-dex.php/reh/article/view/1955/1094

    Para conhecer melhor a vida e os projetos de intelectuais que participaram desses debates e de seus desdobramentos nas dcadas de 1930 a 1960 An-sio Teixeira, Fernando Azevedo, Edgard Roquette Pinto, Loureno Filho, Al-ceu Amoroso Lima consulte a Coleo Educadores, organizada pelo MEC.

    Disponvel em http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp

    http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1955/1094http://bibliotecadigital.fgv.br/ojs/index.php/reh/article/view/1955/1094http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/PesquisaObraForm.jsp

  • 16

    Cincias Humanas

    lizao ou com a profissionalizao. Esse humanismo de vis catlico

    compartilhava as mesmas preocupaes com a formao moral do an-

    tigo humanismo latino. Para seus adeptos, a literatura latina sobressaa

    como sendo a maior escola de moral que jamais existiu. (SOUZA,

    2009, p. 74)

    Os intelectuais catlicos promoveram uma ampliao do sen-

    tido tradicional de Humanidades de modo a conferir-lhe um carter

    mais transcendental: os estudos que se dirigem ao que h de mais ele-

    vado no homem, os estudos destinados a desenvolver o sentimento de

    solidariedade humana, preconizando um Humanismo que integrasse

    todas as dimenses do homem. (SOUZA, 2009, p. 74)

    Com a Revoluo de 1930 e a criao do Ministrio da Educa-

    o e da Sade, no contexto das aes centralizadoras do governo de

    Getlio Vargas (1930-1945), reformas educacionais e de ensino pro-

    movidas e/ou propostas nos mbitos estaduais na dcada de 1920, in-

    formaram as reformas promovidas pelo governo federal, a do ministro

    Francisco Campos, de 1931, e a do ministro Gustavo Capanema, em

    1942. (BOMENY, 1993, p. 24-39). Ambas as reformas, a despeito das

    diferenas buscavam, por meio de aes de natureza centralizadora,

    instaurar unidade de procedimentos para o que se desejava como sis-

    tema nacional de ensino.

    Importante destacar nesse contexto de embates e experimentaes

    o posicionamento dos educadores do movimento da Escola Nova. No

    Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova de 1932, os signatrios

    reconheceram que, nas reformas educacionais em curso no Pas, o

    ensino secundrio representava o ponto nevrlgico da questo.

    Era nessa etapa de ensino que se concentravam os obstculos

    opostos pela escola tradicional interpenetrao das classes sociais,

    destinando s classes populares a escola primria, enquanto a classe

    mdia [burguesia] servia-se da escola secundria e superior como

    reduto dos [seus] interesses de classe. (AZEVEDO, 2010, p. 54)

    Os problemas, contudo, naquele contexto, no se limitavam

    queles de carter sociolgico. Havia tambm questes de fundo, as-

    sociadas s divergncias entre concepes de currculo. Os educado-

    res escolanovistas estavam convictos de que era no ensino secundrio

    que se levanta a controvrsia sobre o sentido de cultura geral e se pe

    o problema relativo escolha do momento em que a matria do ensino

    deve diversificar-se em ramos iniciais de especializao. (AZEVE-

    DO, 2010, p. 54)

    Sobre o humanismo e suas apropriaes nas propos-tas curriculares sugerimos a leitura do artigo de Rosa Ftima de Souza. A reno-vao do currculo do en-sino secundrio no Brasil: as ltimas batalhas pelo humanismo. Currculo sem fronteiras. v. 9, n.1, p. 72-90, Jan/Jun 2009.

    Disponvel em

    http://www.curriculosem-fronteiras.org/vol9iss1arti-cles/4-souza.pdf

    Indicamos, da mesma au-tora, o livro Histria da organizao do trabalho escolar e do currculo no sculo XX. Ensino prim-rio e secundrio no Brasil. So Paulo: Cortez, 2008.

    Sugerimos a leitura e dis-cusso do Manifesto dos Pioneiros da Educao Nova de 1932 e do Mani-festo dos Educadores de 1959. Disponvel na Cole-o Educadores do MEC:

    http://www.dominiopubli-co.gov.br/pesquisa/Deta-lheObraForm.do?select_ac-tion=&co_obra=205210

    http://www.curriculosemfronteiras.org/vol9iss1articles/4-souza.pdfhttp://www.curriculosemfronteiras.org/vol9iss1articles/4-souza.pdfhttp://www.curriculosemfronteiras.org/vol9iss1articles/4-souza.pdfhttp://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=205210http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=205210http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=205210http://www.dominiopublico.gov.br/pesquisa/DetalheObraForm.do?select_action=&co_obra=205210

  • 17

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    Esse debate, professores e professoras, que talvez sugira certa

    atualidade, no se extinguiu ou foi plenamente resolvido nas dcadas

    de 1930 e 1940. Com o fim do Estado Novo (1937-1945) e a democra-

    tizao, a questo educacional manteve sua centralidade, adquirindo

    contornos diferenciados, materializados nos debates que possibilita-

    ram a elaborao do projeto em 1948, que daria origem a primeira Lei

    de Diretrizes e Bases da Educao, em 1961.

    Acrescentemos o quanto intelectuais envolvidos no debate da

    dcada de 1930, como Ansio Teixeira, mantiveram e ampliaram em

    tempos de maior liberdade poltica e de expresso, sua atuao, es-

    tando atentos, todavia, aos novos impasses e problemas da sociedade

    brasileira nas dcadas de 1950 e 1960. As cidades se expandiram e

    o processo de industrializao, em alguns dos seus efeitos, ampliou

    desigualdades entre os estados e regies brasileiras, estimulando mo-

    vimentos migratrios internos. Criadas na dcada de 1930, as univer-

    sidades, seus projetos e cursos, incluindo-se a questo da formao

    de professores, eram alvo de demandas por expanso, incluso e de-

    mocratizao, nas dinmicas da qualificao profissional. O analfa-

    betismo, problema crnico, precisava ser aceleradamente combatido.

    Os movimentos sociais entre estudantes, sindicalistas, intelectuais,

    expandiram-se nas presses pelas reformas de base.

    A instaurao do governo autoritrio aps o golpe civil-mili-

    tar de 1964 alterou significativamente esse cenrio. As mudanas no

    campo educacional materializaram-se, entre outras aes, numa nova

    LDB, a Lei n 5.692 de 1971 (BRASIL, 1971). As polticas educacio-

    nais ps-1964 restringiram o espao destinado s Humanidades nos

    currculos escolares da Educao Bsica. Novas disciplinas a Edu-

    cao Moral e Cvica (EMC) para o ensino fundamental, e Organiza-

    o Social e Poltica Brasileira (OSPB) para o Ensino Mdio foram

    criadas com objetivo de promover simplificaes em determinados

    contedos histricos, geogrficos e sociolgicos e, em muitos casos,

    divulgar valores patriticos em tempos de governo ditatorial e de res-

    trio s liberdades democrticas.

    As reformas do perodo da redemocratizao, ps-1985, entre

    elas a elaborao da nova LDB, aprovada em 1996, tentaram rever-

    ter esse quadro, extinguindo as disciplinas mencionadas, criadas no

    perodo da ditadura civil-militar, restringindo os efeitos indesejveis

    da especializao e da profissionalizao precoces, e configurando a

    Professoras e professores, caso queiram entender um pouco mais sobre o debate referente elaborao da LDB de 1961 sugerimos a consulta da Revista Bra-sileira de Estudos Pedag-gicos, publicada no ano de 1960, disponvel no Portal Domnio Pblico. Para acessar, clique no link abaixo e escreva o nome da Revista no campo t-tulo.

    http://www.dominiopublico.gov.br/

    Como pesquisa, interes-sante comparar as LBDs de 1961, 1971 e de 1996, no sentido de situar dife-renas, compreender as mudanas no sistema edu-cacional brasileiro e desta-car a importncia da atual LBD para o contexto de elaborao das Diretrizes Curriculares Nacionais, em especial as DCNEM.

    http://www.dominiopublico.gov.br/http://www.dominiopublico.gov.br/

  • 18

    Cincias Humanas

    presena das Cincias Humanas, e das demais reas de conhecimento no currculo escolar da Educao

    Bsica, como j descrito na introduo desse Caderno.

    Importante demarcar o quanto a incluso da Filosofia e da Sociologia como componentes curricu-

    lares das Cincias Humanas aponta como um elemento inovador, exigindo de ns, professores e gestores,

    respostas e possibilidades criativas, como esse curso procura fomentar.

    H, portanto, na atualidade, um contexto desafiador para a criao de prticas curriculares promo-

    toras da interdisciplinaridade nas Cincias Humanas, e dessas, com outras reas do conhecimento. Um

    cenrio desafiador e, arriscamos, favorvel para um passo na direo de aproximar o ensino das Cincias

    Humanas no Brasil daquilo que pode ser retido como legado com relao s Humanidades: a construo

    de uma genuna integrao entre seus componentes curriculares. Ningum questionaria hoje o significado

    e o alcance da disciplinarizao dos conhecimentos que compuseram as antigas Humanidades e as suas

    recentes sucessoras no campo das cincias. A reflexo sobre esse processo possibilita, como procuramos

    problematizar, seu reconhecimento crtico e tambm a compreenso de alguns dos critrios que informa-

    ram distines e aproximaes entre conhecimentos, suas prticas, seus usos sociais.

    Ao admitirmos a disciplinarizao e a especializao como processos sedimentados e bem estabe-

    lecidos, o sonho de uma retomada da unidade, nos moldes antigos das Humanidades, torna-se um tanto

    impraticvel. Talvez, o possvel de ser feito , nas belas palavras de Marjorie Garber (2001, p. 96), rei-

    maginar as fronteiras do que chegamos a acreditar serem as disciplinas e ter a coragem para repens-las.

    E nisso, convidamos vocs, professores e professoras, reflexo e ao exerccio coletivo, partilhando suas

    ideias, saberes docentes e experincias pedaggicas.

    Integrar no unificar. Vencido, assim esperamos, o projeto de subordinar o Ensino Mdio aos in-

    teresses de uma nica classe social, fazendo da incluso com qualidade e da universalizao dos direitos

    objetivos fundantes, preciso agora reimaginar as fronteiras disciplinares no de uma nica perspectiva

    particular, mas das vrias perspectivas que, no mbito da Educao Bsica, cada componente curricular

    pode oferecer. Com essa variedade e diversidade, com imaginao e reflexo, por meio de prticas

    curriculares inventivas, repensam-se as fronteiras disciplinares, sem pretenses de anul-las.

    REFLEXO E AO

    Caro professor, cara professora, o texto abaixo sugere que o trabalho interdisciplinar exige o en-

    cargo da compreenso. Leia o texto e discuta este conceito entre seus colegas. Registre em um texto as

    principais ideias debatidas, e em seguida, identifique um contedo ou tema do seu componente curricular

    com potencial para uma ao interdisciplinar.

    Apesar de os estudos de processos integrativos serem pequenos em nmero, os autores concordam

    em vrios pontos. Tomar emprestado de outra disciplina exige assumir o que Janice Lauer chamou de

    encargo da compreenso. necessria uma compreenso mnima do seu mapa cognitivo, incluindo os

    conceitos bsicos, modos de investigao, termos, categorias de observao, tcnicas de representao,

    padres de prova e tipos de explicao. Aprender uma disciplina a fim de pratic-la , porm, diferente

    de us-la para propsitos interdisciplinares. O domnio da disciplina denota conhecimento completo. O

  • 19

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    trabalho interdisciplinar exige adequao. Os que tomam algo emprestado no reivindicam expertise em

    todas as reas. Eles identificam informaes, conceitos ou teorias, mtodos ou ferramentas relevantes para

    a compreenso de um problema particular, processo ou fenmeno. Alm disso, no h nenhum Esperanto

    interdisciplinar. (...) A linguagem interdisciplinar normalmente evolui por meio do desenvolvimento de

    uma lngua de comrcio que se torna um pidgin definido em lingustica como uma lngua provisria

    ou um crioulo uma nova primeira lngua de uma comunidade (Klein, Julie Thompson. Humanities,

    culture, and interdisciplinarity: the changing American academy. Albany: State University of New York

    Press, 2005).

    2. Os sujeitos estudantes do Ensino Mdio e os direitos aprendizagem e ao desenvolvimento humano na rea de Cincias Humanas

    Caro professor, cara professora do Ensino Mdio, os desafios de atender s inmeras demandas

    existentes na sociedade atual, de seguir as normas das instituies escolares e de trabalhar satisfatoria-

    mente com os jovens estudantes so to complexos que, muitos de ns, pensamos na incompatibilidade

    dessas mltiplas atividades. Num cenrio cultural que valoriza a eficincia e a destreza dos sujeitos diante

    de situaes corriqueiras em seus espaos de trabalho, no raro encontrarmos profissionais da educao

    que procuram atuar isoladamente, sem se envolverem em projetos pedaggicos coletivos, considerando

    que dessa forma no podem ser responsabilizados pelos possveis problemas de execuo ou de resulta-

    dos insatisfatrios obtidos. Entra em cena a velha mxima: quando alguma situao no favorvel, logo

    procuramos apontar os responsveis.

    Os sujeitos que recorrem s tendncias de culpabilizao as quais o Caderno II da Etapa I (BRASIL,

    2013) procurou superar tratam os desafios cotidianos das comunidades escolares a partir de perspectivas

    individualistas, talvez idealizadas, elitistas. Esses olhares so capazes de desconsiderar os desdobramen-

    tos do processo histrico ocorrido em nosso pas, que possibilitou a ampliao de vagas para estudantes

    e profissionais da educao nas ltimas dcadas. Os espaos escolares na atualidade, distantes dos para-

    digmas elitistas e difusores de sua suposta eficincia nas prticas de ensino, nos desempenhos escolares,

    na uniformizao dos comportamentos e na harmonizao das relaes sociais, so na realidade plenos de

    vida, contradies, desejos e potencialidades de produo de conhecimentos.

    Para alm das tendncias de culpabilizao, importante reconhecer que cada vez mais profissio-

    nais da Educao Bsica brasileira produzem experincias curriculares que incorporam a diversidade

    sociocultural e a pluralidade das vozes participantes dos processos pedaggicos formais.

    Visite a comunidade Espaos que Ensinam do Portal Ensino Mdio EMdi-logo (http://www.emdialogo.uff.br/) e se inscreva. No portal voc encontrar textos e vdeos e poder participar de dilogos sobre a escola e suas relaes com a comunidade, as demandas atuais, as atuaes de estudantes, profes-sores e funcionrios em busca da construo coletiva de espaos e tempos escolares melhores para os processos educativos.

    http://goo.gl/s9k2Cghttp://www.emdialogo.uff.br/

  • 20

    Cincias Humanas

    Retomando as discusses estimuladas pelo referido Caderno II (BRASIL, 2013) ao invs de elencar-

    mos os problemas da juventude na escola ou as mazelas relatadas pelos jovens no cotidiano escolar,

    vamos focalizar nossas reflexes a partir das DCNEM (BRASIL, 2012), com destaque para a centralidade

    dos jovens estudantes como sujeitos do processo educativo tal como proposto no Parecer n 05/2011 do

    Conselho Nacional de Educao (BRASIL, 2011). O documento explicita a necessidade de uma reinven-

    o da escola no sentido de garantir o aprimoramento do educando como pessoa humana, incluindo a

    formao tica e o desenvolvimento da autonomia intelectual e do pensamento crtico (artigo III), e o

    reconhecimento e aceitao da diversidade e da realidade concreta dos sujeitos do processo educativo, das

    formas de produo, dos processos de trabalho e das culturas a eles subjacentes. (Artigo VII)

    Desde que a LDB n 9.394/96 foi sancionada, identificamos o intenso debate a respeito da rein-

    veno dos espaos escolares. As atuais DCNEM reforam essa ideia ao destacar o protagonismo dos

    jovens estudantes como sujeitos do processo educativo. Ns, profissionais da educao, somos chamados

    a reinventar a escola junto com nossos estudantes, ao mesmo tempo em que buscamos garantir o direito

    aprendizagem e ao desenvolvimento do educando por meio de sua formao tica, do desenvolvimento da

    sua autonomia intelectual e do seu pensamento crtico. Mas como reconhecer e aceitar a diversidade e a

    realidade concreta dos sujeitos do processo educativo se, em vrias ocasies, no estabelecemos dilogos

    abertos e democrticos com os sujeitos desse processo? Antes de reinventarmos a escola na companhia

    dos nossos jovens estudantes, propomos algumas perguntas aos professores e professoras que so chama-

    dos a participar desse processo educativo:

    Podemos afirmar que, efetivamente, conhecemos nossos jovens estudantes do Ensino Mdio?

    Quando e onde eles nasceram? Com quem vivem? Como gostariam de viver? Qual o valor da

    famlia e dos amigos para esses jovens?

    Como eles leem o mundo? A escola contribui para prticas de leitura de mundo realizadas pelos

    jovens estudantes? O que eles esperam dos estudos escolares?

    Os jovens estudantes do Ensino Mdio que frequentam o perodo diurno apresentam as mesmas

    demandas daqueles que frequentam o perodo noturno? Segundo os jovens estudantes do Ensino Mdio,

    qual o papel dos seus professores na sociedade atual?

    As Cincias Humanas so valorizadas pelos jovens estudantes? Por qu? Os estudos tradicional-

    mente propostos pela rea das Cincias Humanas se aproximam dos interesses e necessidades dos estu-

    dantes do Ensino Mdio?

    Ento, para iniciarmos nossas reflexes, no queremos esgotar o rol de perguntas possveis para

    saber o quanto conhecemos nossos jovens estudantes, pois cada espao escolar e grupo social tm suas

    especificidades. No entanto, lembramos que nossa realizao como docentes est vinculada ao conheci-

    mento que temos sobre esses sujeitos. Como indicado no Caderno II (BRASIL, 2013) da etapa anterior

    desta formao, com base nos preceitos antropolgicos necessrio conhecer para compreender. Assim,

    http://goo.gl/s9k2Cghttp://goo.gl/s9k2Cg

  • 21

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    ao reconhecermos as experincias, os saberes e as identidades cultu-

    rais de nossos estudantes, temos condies de estabelecer dilogos e

    construir relacionamentos profcuos.

    Problematizar as relaes entre os sujeitos na contemporanei-

    dade, ressaltando as relaes entre os sujeitos integrantes das comu-

    nidades escolares, tambm uma de nossas intenes. Vivemos sob a

    gide de padres culturais imersos numa lgica de mercado, marcados

    desde o advento da modernidade pela valorizao do individualismo,

    hierarquizao de poderes e saberes, compartimentalizao dos co-

    nhecimentos, desconstruo de padres/valores ticos, dentre outras

    questes. Pensando nos processos educativos, os quais pressupem

    atuaes coletivas e integradoras, o desconhecimento do outro um

    grande entrave para a viabilizao dos objetivos propostos na LDB ou

    nas DCNEM.

    Nesse sentido, precisamos buscar a compreenso das realida-

    des socioculturais que esto presentes nas comunidades escolares para

    efetivamente conhecermos nossos parceiros no desenvolvimento dos

    processos educativos, sobretudo os jovens estudantes. A escola p-

    blica o espao onde o dilogo, a colaborao e o comprometimento

    coletivo podem potencializar os processos educativos dos sujeitos. As

    prticas de ensino alheias realidade social da comunidade, o incenti-

    vo competitividade entre os estudantes, a ausncia de debates, de es-

    paos de negociao e de participao democrtica na gesto escolar

    apenas concorrem para o desencantamento com a instituio escolar.

    Valorizando-se as concepes democrticas que norteiam a le-

    gislao educacional vigente no Brasil, entendemos que possvel su-

    perar os fenmenos considerados promotores do mal-estar em nossas

    instituies de ensino, construindo novos paradigmas de relaciona-

    mento com os jovens estudantes, alm de garantir os direitos apren-

    dizagem e ao desenvolvimento por meio dos conhecimentos traba-

    lhados pelos componentes curriculares da rea de Cincias Humanas.

    Neste sentido, os prximos itens pretendem explorar melhor as

    contribuies do dilogo interdisciplinar entre os componentes cur-

    riculares que formam as Cincias Humanas, visando dois processos

    distintos, mas simultneos: primeiro, no que diz respeito compreen-

    so dos sujeitos da aprendizagem por parte dos professores e segundo,

    na apropriao, por parte destes sujeitos, de formas de compreenso

    de si mesmos, das relaes de que so constitudos e constituintes, da

    sociedade de que fazem parte. Por fim, avanaremos, ainda que pre-

    Alguns trabalhos abor-dam as relaes sociais no mundo contemporneo atravs de perspectivas culturais: Sennett (1997, 1998, 2000); Giddens (1991, 2002); Gay (1988, 1999); Benjamin (1994, 2009); Sevcenko (1998, 1999); Ortiz (1991).

    Os subitens 1.1.4, 1.1.5. e 1.2 deste Caderno j apontaram algumas ideias relacionadas concepo de modernidade para as sociedades europeias oci-dentais. Os trabalhos que abordam as relaes so-ciais no mundo contem-porneo, citados SAIBA MAIS anterior, tambm contribuem para as refle-xes sobre a modernidade ocidental e seus desdobra-mentos socioculturais.

  • 22

    Cincias Humanas

    liminarmente, na discusso de um currculo que promova a educao integral dos sujeitos envolvidos no

    processo educativo, a partir das contribuies da rea das Cincias Humanas.

    2.1. Contribuies das Cincias Humanas para a compreenso da relao entre Juventude e Educao

    Caro professor, cara professora, as perguntas feitas na introduo desta unidade no tm respostas

    simples. Contudo, o conjunto dos componentes curriculares da rea de Cincias Humanas pode contribuir

    com chaves analticas que nos permitam compreender melhor este jovem que ingressa, permanece ou se

    afasta da escola. Em outras palavras, permite que encaremos de frente aquele desafio colocado na introdu-

    o deste Caderno, qual seja, o desejo de termos uma escola com gente de verdade.

    Comecemos com alguns procedimentos que particularizam as Cincias Humanas e as tornam, por

    assim dizer, cincias reflexivas, isto , que pensam sobre a historicidade de suas prprias prticas, sobre

    os sujeitos que as pensam e sobre a prpria sociedade. Estes procedimentos investigativos, os quais po-

    dem ser entendidos tambm como perspectivas de atuao, so a desnaturalizao, o estranhamento e a

    sensibilizao.

    Vejamos cada uma delas.

    A desnaturalizao significa, justamente, o oposto daquela atitude de achar que tudo na vida na-

    tural, como se a realidade correspondesse exatamente s representaes que fazemos dela. Ou seja, o

    procedimento da desnaturalizao consiste em interpretar e reinterpretar o mundo, construir novas expli-

    caes para alm daquelas mais recorrentes, usuais, rotineiras, banais ou simplistas, existentes em nossas

    vivncias cotidianas e no que chamamos de senso comum. No se trata simples ou exclusivamente de

    desprezar explicaes consideradas simplistas, mas conceb-las como explicaes e representaes que

    foram construdas em algum momento, num passado remoto ou mesmo no presente, e difundidas a tal

    Visite a comunidade Feito EMdilogo do Portal Ensino Mdio EMdilogo (http://www.emdialogo.uff.br/). Esta comunidade hospeda os contedos produ-zidos e disponibilizados pelo Portal, dentre os quais destacamos as questes de interesse dos jovens como a violncia nas proximidades e nos ambientes escolares, a ausncia de novas tecnologias em sala de aula, atos preconceituo-sos, tenses nos relacionamentos sociais e o distanciamento entre professores e estudantes. Acesse a comunidade, compartilhe os contedos com seus colegas da escola e participe das discusses.

    importante lembrar que as Cincias Humanas, conforme dissemos na unidade 2, precisa realizar, para todos os contedos trabalhados, os processos investigativos ou as perspectivas que levem desnaturalizao, ao estranhamento e sensibilizao. Um exemplo disso pode ser dado quando se desnaturaliza a desigualdade social, contextualizando-a no processo de formao da sociedade brasileira, comparando-a com a realidade de pases com baixas desigualdades e causando, dessa forma, o estranhamento. O debate sobre as formas de reverter a desigualdade pode levar sensibilizao para a atuao cidad.

    http://www.emdialogo.uff.br/

  • 23

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    ponto que, para muitos, se tornam explicaes naturalizadas de como as coisas realmente funcionam.

    Romper com a atitude de achar tudo natural implica, portanto, em estranhar esse prprio mundo, nosso

    cotidiano, nossas rotinas mais usuais. Assim, a perspectiva do estranhamento requer certo reencantamen-

    to do mundo, isto , uma atitude de voltar a admir-lo e de no ach-lo normal. Implica tambm em

    no nos deixarmos levar por aquilo que usualmente conhecemos como conformismo e resignao.

    Ou seja, sentir-se insatisfeito ou incomodado com a vida como ela nos conduz a formular perguntas,

    sugerir hipteses, questionar portanto os prprios fatos, tais como eles se nos apresentam. Por fim, a

    sensibilizao pode ser entendida como a possibilidade de percepo atenta das vivncias e experincias

    individuais e coletivas, rompendo-se assim com atitudes de indiferena e incompreenso na relao com

    o outro e com os problemas que afetam comunidades, povos e sociedades.

    Assim, as perspectivas da desnaturalizao, do estranhamento e da sensibilizao podem ser en-

    tendidas como ferramentas cruciais para o desenvolvimento de uma postura investigativa, atitude fun-

    damental para a problematizao dos fenmenos considerados os mais triviais da realidade. Aqui, talvez

    repouse o aspecto mais importante do legado das Cincias Humanas para a aprendizagem, qual seja, o

    de fomentar conhecimentos emancipatrios, voltados ao enfrentamento de dilemas de nossa contempora-

    neidade. Afinal, a pergunta sobre qual escola queremos deve ser objeto de nossa reflexo. A mencionada

    reinveno dos espaos escolares requer a aceitao da diversidade e da realidade concreta dos sujeitos,

    alm de posturas investigativas e atuantes por parte dos profissionais da educao e dos jovens estudantes.

    Antes de prosseguirmos com as perspectivas colocadas acima, convm desenvolver, ainda que de

    forma breve, algumas consideraes sobre a escola e seus sentidos possveis. Como afirma Theodor Ador-

    no (2003), a educao tem sentido unicamente como educao dirigida a uma auto-reflexo crtica

    (ADORNO, 2003, p. 121), reflexo essa que busque superar aquilo que o autor designa como tabus. Isto

    , representaes inconscientes ou pr-conscientes, preconceitos psicolgicos e sociais que se conservam

    no discurso do senso comum e que, a despeito de em grande parte perderem sua base real, sedimentam-

    se de forma coletiva e se convertem em foras reais que moldam a forma como enxergamos o mundo.

    Theodor Adorno (2003), ao posicionar-se publicamente ao longo dos anos 1960 em torno de temas rela-

    cionados educao, a partir da crtica que fazia aos meios de comunicao de massa e, de modo geral,

    indstria cultural, estava convicto de que a educao no era, necessariamente, um fator de emancipa-

    o. Ao contrrio, englobada como estava e ainda est , em processos de desumanizao e reificao

    tpicos da contemporaneidade capitalista (o que implica na naturalizao do mundo, das relaes sociais

    e da prpria humanidade a partir da mercantilizao da vida), poderia reproduzir o horror e a barbrie em

    nome da Razo ou da Modernidade. Nesse sentido, o objetivo da escola deveria ser a desbarbarizao da

    humanidade, por mais restritos que pudessem ser o alcance e as possibilidades atribudas escola.

    Outro argumento instigante o desenvolvido por Bernard Charlot (2000) a partir das pesquisas de

    Franois Dubet (1994), para quem a escola, assim como a sociedade, no pode ser analisada como um

    sistema regido por uma lgica nica mas, ao contrrio, estruturada por vrias lgicas de ao, tais como

    processos de socializao, subjetivao, distribuio de competncias, dentre outras. O sentido da escola

    deixa de ser dado de antemo para ser, ao contrrio, construdo pelos atores, pelos sujeitos, por suas expe-

    rincias individuais e coletivas. Em outras palavras, a escola fabrica ou contribui para fabricar, atores e su-

  • 24

    Cincias Humanas

    jeitos de naturezas diferentes. As reflexes de Charlot e Dubet nos conduzem a pensar melhor a principal

    questo que norteia esta unidade, qual seja, os sujeitos da aprendizagem: a experincia escolar, afirma

    Charlot, a de um sujeito e uma sociologia da experincia escolar deve ser uma sociologia do sujeito.

    (CHARLOT, 2000, p. 38)

    Podemos agora, prosseguindo na argumentao de Bernard Charlot (2000), retomarmos aquelas

    perspectivas norteadoras das Cincias Humanas (desnaturalizao, estranhamento e sensibilizao), ob-

    jetivando a construo de chaves analticas que os professores e professoras do Ensino Mdio possam

    mobilizar para compreender a si mesmos, bem como aos estudantes, como sujeitos da aprendizagem.

    Estas chaves tambm podem, e devem, ser mobilizadas pelos prprios estudantes a partir dos diferentes

    componentes curriculares articulados na rea de Cincias Humanas. As reflexes apresentadas acima vi-

    sam tornar mais palpveis algumas das premissas apontadas no Parecer CNE/CEB n 05/2011 (BRASIL,

    2011), em sua exposio dos princpios norteadores das DCNEM (BRASIL, 2012), dentre as quais aquela

    que enfatiza a necessidade de oferecer aos nossos jovens novas perspectivas culturais para que possam

    expandir seus horizontes e dot-los de autonomia intelectual, assegurando-lhes o acesso ao conhecimento

    historicamente acumulado e produo coletiva de novos conhecimentos, sem perder de vista que a edu-

    cao tambm , em grande medida, uma chave para o exerccio dos demais direitos sociais. (BRASIL,

    2011, p.1).

    Neste sentido, se partimos de premissas tais como as de que o Ensino Mdio tem como pblico os

    Jovens de modo geral, ou se partimos de problemas sociais como fracasso escolar, evaso ou desin-

    teresse dos jovens pela escola, ou ainda da violncia e de formas de transgresso, isto , todas aquelas

    referncias apontadas no Caderno II da Etapa I (BRASIL, 2013), o que podemos fazer , antes de tudo,

    problematizar a historicidade e o alcance daquelas poderosas vises que constrem nossa realidade.

    O dilogo entre os componentes curriculares das Cincias Humanas nos fornece pistas e caminhos

    metodolgicos que nos permitem pr em questo essas pr-noes. Assim, quando tomamos a juventude

    ou a evaso escolar como objetos, para ficarmos nestes exemplos, estamos simplesmente reproduzindo

    o que o senso comum, a viso comumente aceita e tida como verdade e os discursos autorizados sobre tais

    problemas, enfatizam. Ou seja, a Juventude ou a Evaso Escolar so percepes de fenmenos sociais

    muito complexos, percepes essas construdas num contexto de relaes sociais nas quais as disputas em

    torno de seu significado no so ntidas.

    A princpio esta afirmao pode causar estranheza. Afinal, no parece bvio que a Juventude ou a

    Evaso existam? A que est o X da questo, e que tornam as Cincias Humanas to importantes para

    uma educao emancipadora: os objetos destas cincias so o mundo social, o mundo que nos familiar,

    seja no presente ou no passado. Por outro lado, os conceitos de que tais cincias se utilizam, muitas ve-

    zes confundem-se com a linguagem cotidiana, expresso deste mesmo mundo que as Cincias Humanas

    investigam. Ento, como poderamos romper com o senso comum? Desnaturalizar, estranhar e sensi-

    bilizar implicam, em termos prticos, em um exerccio de pr em relao aquilo que conhecemos como

    evidncias empricas, inquestionveis, existentes por si ss. Uma atitude cara Sociologia, mas no exclu-

    siva dela, consiste em, nas palavras de Pierre Bourdieu, tomar para objeto o trabalho social de construo

    do objeto pr-construdo: a que est o verdadeiro ponto de ruptura. (BOURDIEU, 1998, p. 28). Assim,

    http://goo.gl/s9k2Cg

  • 25

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    termos como Juventude ou Evaso Escolar, por exemplo, da perspectiva das Cincias Humanas, de-

    vem antes de tudo serem postos em relao com o contexto em que foram produzidos historicamente.

    Em suma, devem ser investigados enquanto noes e percepes que tm uma historicidade e um espao

    de produo, que variam de uma cultura para outra e mesmo no interior de uma mesma sociedade.

    Em outras palavras, no mbito do dilogo entre os componentes curriculares das Cincias Hu-

    manas, preciso levar em conta uma prtica cientfica que no se exima de pr em causa suas prprias

    operaes e seus instrumentos de pensamento, seus conceitos e teorias, como primeiro passo em busca da

    forma como outros instrumentos de pensamento, conceitos e teorias, muitas vezes popularizados, foram

    construdos. Essa autorreflexo , talvez, a maior contribuio que os professores e professoras do Ensino

    Mdio podem se apropriar para pensar os sujeitos da aprendizagem e a si prprios. Como tal, tambm

    um exerccio que pode ser estimulado com e pelos estudantes, potencializando o prazer pelo saber e pelo

    conhecimento de Si e do Outro como parte de uma estratgia para a autonomia intelectual.

    2.2 Para que servem as Cincias Humanas?

    Qual professor, durante suas aulas, nunca ouviu de determinado estudante a indagao, suposta-

    mente desafiadora: para que serve esta disciplina? Antes mesmo de formular uma resposta adequada, o

    professor tambm pode ter ouvido de outros estudantes: para passar no vestibular; para tirar uma boa

    nota no ENEM; para no repetir de ano.

    Entre os estudantes que buscam uma utilidade prtica para as atividades desenvolvidas nas escolas

    e os estudantes que vislumbram potencialidades socioculturais mais amplas, podemos encontrar jovens

    angustiados com as perspectivas do mercado de trabalho, inconformados com suas configuraes familia-

    res, desmotivados com o cenrio cultural e poltico de sua regio, preocupados com sua insero e aceita-

    o nos meios sociais prximos. Infinitas questes povoam as cabeas de nossos jovens estudantes do

    Ensino Mdio, que alm de estarem matriculados em nossas escolas, encontram-se em uma fase da vida

    marcada por processos de transio repletos de dilemas, indefinies, questionamentos e crises. Nesse

    sentido, reafirmamos a importncia da discusso referente s identidades juvenis.

    Com tantas questes existenciais, os jovens estudantes valorizam os conhecimentos abordados pe-

    los componentes curriculares? Eles esto mais preocupados com seus espaos e tempos de sociabilidade e

    prticas coletivas ou com as, muitas vezes, repetitivas experincias curriculares?

    Caro professor, cara professora, temos que reconhecer, muitas vezes atuamos em salas de aula sem

    sabermos quais so as principais demandas trazidas pelos jovens estudantes, sujeitos do processo educati-

    vo que ainda precisam exercer, na prtica, o protagonismo nos espaos e tempos escolares.

    No Caderno II (BRASIL 2013) da Etapa I, a unidade 2. Jovens, culturas, identidades e tecnologias proporcionou reflexes acerca dos desafios de compreender o jovem nos cenrios socioculturais contemporneos e os ml-tiplos trajetos possveis para a existncia do tempo de juventude.

    http://goo.gl/s9k2Cg

  • 26

    Cincias Humanas

    Mas como os professores do Ensino Mdio podem conhecer as demandas de tantos jovens estudan-

    tes? H tempos e espaos escolares para tal tarefa? Bem, como j explicitado, no simples atendermos

    s inmeras atividades que so colocadas aos profissionais da educao. Entretanto, podemos pensar em

    estratgias que ampliem as leituras dos nossos estudantes em relao aos componentes da rea de Cincias

    Humanas, buscando aproximaes instigantes entre a realidade social e as chaves analticas que destaca-

    mos no item anterior.

    Algumas das marcas mais caractersticas de nosso tempo so as constantes, intensas e desafiadoras

    mudanas que atingem distintos grupos sociais concomitantemente. Entre os jovens estudantes, as novas

    tecnologias lanadas no mercado em ritmo cada vez mais acelerado apresentam apelos consumistas

    e simblicos capazes de alterar suas formas de leitura de mundo, prticas de convvio, comunicao,

    participao poltica e produo de conhecimento, interferindo efetivamente no conjunto de suas relaes

    sociais. Diante deste cenrio de mudanas, os profissionais da educao precisam refletir sobre os projetos

    pedaggicos em curso, reafirmando a preocupao com a plena formao para o exerccio da cidadania,

    fundada na incorporao dos elementos culturais como desdobramento do processo de humanizao.

    Considerando os procedimentos investigativos mencionados no item 2.1, podemos analisar critica-

    mente as potencialidades e os limites das novas tecnologias. Nossos jovens estudantes, invariavelmente

    muito bem informados e, ao mesmo tempo, seduzidos pelos equipamentos, marcas, funcionalidades, in-

    terfaces, aplicativos e demais especificaes tcnicas disponibilizadas no mercado, podem discorrer sobre

    aspectos da cultura digital, que ganha fora dia aps dia.

    Por outro lado, para ns professores, a problematizao das novas tecnologias uma interessante

    oportunidade para estabelecermos um dilogo mais prximo com nossos estudantes, conhecendo um pou-

    co mais sobre suas vises de mundo, expectativas, dilemas, anseios.

    Voltando aos procedimentos investigativos do item anterior, ao trabalharmos com as perspectivas

    da desnaturalizao, do estranhamento e da sensibilizao, podemos compreender, bem como tornar

    compreensveis aos estudantes, o impacto cotidiano das novas tecnologias de informao, desde o uso de

    celulares e smartphones, passando pela produo de contedos na internet, em sites e nas redes sociais,

    at s formas de sociabilidade produzidas historicamente por tais mediaes. Em suma, abrimos uma

    possibilidade metodolgica de desenvolver projetos educacionais que abordem a relao entre as novas

    tecnologias e a sociedade, possibilitando tanto a compreenso da complexidade do mundo contempor-

    neo, como tambm permitindo a construo de espaos nos quais o dilogo entre saberes, fazeres e vises

    de mundo distintos possam contribuir para o desenvolvimento integral de todos e de cada um. Nesse sentido, os projetos educacionais aproximam-se tambm de diretrizes ticas e polticas que reafirmam o papel humanizador da escola na contemporaneidade. dentro desse ambiente escolar, pautado por dire-trizes ticas e polticas capazes de estimular a reavaliao das funes historicamente constitudas para

    No Caderno II da Etapa I, a unidade 2.1. Jovens em suas tecnologias digitais abordou aspectos importantes que podem ser retomados agora. Ampliaremos a discusso na unidade 3. Trabalho, Cincia,Tecnologia e Cultura na rea de Ciencias Humanas deste Caderno.

    http://goo.gl/s9k2Cg

  • 27

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    as prprias instituies escolares , que os projetos educacionais encontram e valorizam as demandas de nossos jovens estudantes.

    Buscando atender s demandas atuais, os profissionais da escola pblica brasileira precisam consi-derar a historicidade dos paradigmas clssicos constitudos pela tradio educacional para estabelecerem amplos dilogos com os paradigmas emergentes, oriundos da complexidade sociocultural contempornea.

    Os componentes curriculares da rea das Cincias Humanas so fundamentais para a construo dessa escola pblica capaz, tanto de compreender os jovens estudantes, como torn-los compreensveis a si mesmos. Nesse sentido, estimular a imaginao sociolgica que, evidentemente, no se esgota no componente curricular da Sociologia implica compreender as relaes entre a biografia individual e o contexto histrico e social mais amplo. O desafio da anlise da sociedade tambm um exerccio de autoconhecimento. Atravs desta imaginao, o estudante compreende, problematiza e ressignifica sua prpria experincia, e a situa no mbito de permanncias e rupturas em diferentes escalas locais, regionais, nacionais e mundial.

    nesta perspectiva que podemos situar a sensibilizao diante de diversas temticas cotidianas, dentre as quais se destacam as questes ambientais, as polticas afirmativas de incluso, as perspectivas de superao das diversas formas de desigualdade (socioeconmica, racial, de gnero), as formas socio-his-tricas de construo de identidades (culturais, religiosas, tnico-raciais, geogrficas, etc). Ainda, me-diante a desnaturalizao da revoluo microeletrnica, da cultura digital, dos processos de globalizao, dentre outras questes, que o jovem estudante pode tambm se apropriar de formas de conhecimento que lhe parecem, muitas vezes, inacessveis. Por fim, por meio do estranhamento do mundo, dos conheci-mentos produzidos sobre este mundo e dos discursos que o apresentam como imutvel (a vida como ela , A realidade essa etc.) que, dialeticamente, o jovem estudante pode pr em questo a pretensa verdade dos fatos e requisitar uma atuao crtica e emancipadora.

    Assim, constatamos que no faltam desafios s instituies escolares, aos profissionais da educao e aos estudantes e comunidades, para a construo de uma escola plural e diversa, comprometida no apenas com a insero qualificada no mundo do trabalho, mas especialmente nas novas configuraes e relaes sociais. Entendemos que a escola e seus processos educativos no podem ser reduzidos s media-es estritas do mercado de trabalho. Se por um lado no podemos desconsiderar a formao do sujeito para a vida social, que inclui o mundo do trabalho, por outro lado as instituies educacionais tm funo primordial na formao de sujeitos crticos e no tutelados, capazes de desenvolver autonomia tica e elevao esttica, e preparados para criarem e se engajarem em processos de discusso e de articulao

    sociopolticos solidrios, democrticos e participativos.

    REFLEXO E AO

    Caro professor, cara professora, como sugesto para o desenvolvimento de um bom trabalho e com foco no processo de humanizao, sugerimos a realizao de um exerccio simples com os jovens. Pea que eles escrevam (ou utilizem outra forma de expresso mais atraente, como um pequeno vdeo, uma teatralizao etc) quais so seus valores atuais, seus planos para o futuro, e como eles se imaginam daqui a 10 anos.

  • 28

    Cincias Humanas

    Acreditamos que com este exerccio simples voc poder se surpreender com a beleza de muitos sonhos, com o valor que estes jovens do a famlia e a escola. Esses dados podem ser expostos, sem iden-tificao dos autores, mas como forma de valorizar o jeito de cada um. Lembre-se que conhecer os sujeitos da aprendizagem fundamental. Poder fazer toda a diferena na conduo das nossas aulas. Nos tornar profissionais mais prximos do que o jovem estudante tambm espera de um professor.

    Depois de realizar essa ao, registre as concluses por escrito e socialize no seu grupo de estudo.

    3. Trabalho, Cultura, Cincia e Tecnologia na rea de Cincias Humanas

    Caro professor, cara professora, como de seu conhecimento, as DCNEM apresentam como eixos integradores as dimenses do trabalho, da cultura, da cincia e da tecnologia. Esses eixos buscam superar o histrico conflito sobre o papel da escola: formar para a cidadania ou para o trabalho produtivo. Essas dimenses superam inclusive o peso que as reas do conhecimento tm no currculo e na formao dos sujeitos. Consideramos o papel das Cincias Humanas de extrema relevncia no desenvolvimento dessas dimenses.

    As Cincias Humanas tm, na essncia dos seus diferentes componentes curriculares, o potencial e a responsabilidade de liderar reflexes importantes no cotidiano escolar. Essas reflexes so fundamentais para a formao cidad e para a leitura de mundo dos jovens brasileiros.

    Professores, ns que atuamos no Ensino Mdio, assumimos o compromisso de trabalhar para a con-cretizao do direito dos nossos estudantes compreenso das inter-relaes entre os fenmenos sociais e culturais, alm da prpria construo da ideia de natureza ao longo do tempo.

    Os fenmenos naturais, quando analisados em diversas escalas, permitem aos jovens estudantes perceberem as diferentes vises de mundo e situar-se como integrante dessa comunidade global.

    Alm disso, a aprendizagem dos fenmenos da natureza permite o desenvolvimento de atitudes de

    preservao que se concretizam sobre o local, manifestando assim, uma ao cidad.

    Os novos paradigmas da modernidade em contexto de mundializao ou glo-balizao, segundo Pinto (2005), apresentam uma mudana educacional, j que exigem diferentes respostas que esto distantes de um nico modelo de escola. Fazer parte de uma Comunidade Global parte da compreenso do Planeta como nico, e ns como integrantes da mesma comunidade humana. Sugerimos para aprofundamento:

    PINTO, Luiz Castanheira. Educar para uma Cidadania Global? Cadernos de InDucar. Setembro, 2005, p. 1-10. Disponvel em:

    http://www.inducar.pt/webpage/contents/pt/cad/teoriaClassesPierreBourdieuEduca-caoNF.pdf

    Acesso em: 13/8/2014.

    http://www.inducar.pt/webpage/contents/pt/cad/teoriaClassesPierreBourdieuEducacaoNF.pdfhttp://www.inducar.pt/webpage/contents/pt/cad/teoriaClassesPierreBourdieuEducacaoNF.pdf

  • 29

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    O Parecer CNE/CEB n 05/2011 (BRASIL, 2011) que dispe

    sobre as DCNEM, ao citar a Lei de Diretrizes e Bases da Educao

    (LDB n 9394/96), aponta o Ensino Mdio como etapa que deve pos-

    sibilitar aos adolescentes, jovens e adultos trabalhadores, o acesso aos

    conhecimentos que permitam a compreenso das diferentes formas de

    explicar o mundo, seus fenmenos naturais, sua organizao social e

    seus processos produtivos. Nesse caso, as Cincias Humanas tm um

    papel primordial, pois alm de localizar os estudantes no tempo e no

    espao, por meio da dimenso cultural, permite dialogar com as espe-

    cificidades dos diversos grupos sociais. A tecnologia, como uma das

    dimenses, auxilia tanto como mtodo de abordagem como estratgia

    por tornar menores as distncias, o mundo mais conectado e a apren-

    dizagem mais atraente aos jovens nativos digitais.

    As DCNEM apontam, em uma das suas premissas, a pesquisa como princpio pedaggico. Essa premissa demanda que ns profes-sores estejamos empenhados na escolha de estratgias de aprendizado e organizao das aulas, focando sobretudo a forma como os nossos estudantes aprendem. Por isso, planejar estratgias de investigao e de pesquisa ultrapassa a pura e simples dimenso do ensino para abranger a aprendizagem significativa, duradoura e transformadora. Essas atividades desafiam nossos estudantes na busca de respostas para questes que, provavelmente, ainda no foram realizadas. Os estudantes passam a ser ativos na construo do seu prprio conheci-mento. (BRASIL, 2012, p. 4)

    Essa atitude pode ter incio na caracterizao dos diferentes conceitos sobre tempo, reconhecendo os tempos histricos homo-gneo, linear, cclico, finito, infinito e mtico, entre outros os quais permitem a percepo do ritmo e a durao temporal, bem como a aprendizagem sobre a forma como as sociedades humanas convivem e se diferenciam, ainda que coexistam no mesmo perodo de tempo. J a caracterizao sobre espao, implica em refletir sobre lugar, paisagem, territrio e natureza, que relacionadas anlise de territrio, promo-vem uma viso crtica sobre o mundo, partindo do seu lugar, menor espao apropriado pelo ser humano.

    Segundo Milton Santos (1978) o espao tambm social e per-mite reconhecer suas categorias analticas internas como a paisagem, a configurao territorial, a diviso territorial do trabalho. A dimenso do trabalho, portanto, imprescindvel para auxiliar tanto em estrat-gias de investigao como na anlise das transformaes locais. Nesse sentido, os jovens seriam motivados por projetos que buscam fazer a

    Consulte as Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino Mdio DCNEM - no site do MEC. Disponvel em:http://portal.mec.gov.br/index.php?option=com_content&view=article&i-d=12663&Itemid=1152

    Nativos digitais - termo empregado pela primeira vez no artigo Digital Na-tives, Digital Immigrants, do escritor e designer de jogos na internet norte-a-mericano Marc Prensky, em 2001. Esse termo ga-nhou fora porque ajudou a retratar o fenmeno das crianas e jovens que nas-ceram na era da tecnologia digital. Voc pode apro-fundar esse tema acessan-do o portal do MEC no endereo abaixo:

    http://portaldoprofes-sor.mec.gov.br/storage/mate-riais/0000012178.pdf

    http://goo.gl/hHG1U2http://goo.gl/hHG1U2http://goo.gl/hHG1U2http://goo.gl/hHG1U2http://portaldoprofessor.mec.gov.br/storage/materiais/0000012178.pdfhttp://portaldoprofessor.