Formação de Professores Do Ensino Médio - Caderno 5

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  • Ministrio da Educao Secretaria de Educao Bsica

    Formao de Professores do Ensino

    Mdio

    ORGANIZAO E GESTO DEMOCRTICA DA ESCOLA

    Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio

    Etapa I Caderno V Curitiba

    Setor de Educao da UFPR2013

  • MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA (SEB)

    MINISTRIO DA EDUCAO SECRETARIA DE EDUCAO BSICA Esplanada dos Ministrios, Bloco L, Sala 500 CEP: 70047-900 Tel: (61)20228318 - 20228320

    UNIVERSIDADE FEDERAL DO PARAN

    SISTEMA DE BIBLIOTECAS BIBLIOTECA CENTRAL

    COORDENAO DE PROCESSOS TCNICOS

    Brasil. Secretaria de Educao Bsica. Formao de professores do ensino mdio, etapa I - caderno V : organizao e gesto democrtica da escola / Ministrio da Educao, Secretaria de Educao Bsica; [autores : Celso Joo Ferretti, Ronaldo Lima Arajo, Domingos Leite Lima Filho]. Curitiba : UFPR/Setor de Educao, 2013. 53p. : il. algumas color. ISBN 9788589799850 Inclui referncias Pacto Nacional pelo Fortalecimento do Ensino Mdio 1. Ensino mdio. 2. Escolas pblicas - Organizao e administrao. I. Ferretti, Celso Joo. II. Arajo, Ronaldo Marcos de Lima. III. Lima Filho, Domingos Leite. IV. Universidade Federal do Paran. Setor de Educao. V. Organizao e gesto do trabalho pedaggico. VI. Ttulo.

    CDD 371.2

    Andrea Carolina Grohs CRB 9/1384

  • ORGANIZAO E GESTO DEMOCRTICA DA ESCOLAEtapa I Caderno V AUTORES Celso Joo FerrettiRonaldo Lima ArajoDomingos Leite Lima Filho

    LEITORES CRTICOS Ana Carolina Caldas Clec Krbes Maria Madselva Ferreira Feiges Sandra Regina de Oliveira Garcia Observao: Todos os autores da primeira etapa da formao realizaram leitura crtica e contriburam com sugestes para o aperfeioamento dos cadernos.

    REVISOReinaldo Cezar Lima Ana Carolina CaldasJuliana Cristina ReinhardtVictor Augustus Graciotto SilvaMarcela Renata Ramos

    PROJETO GRFICO E EDITORAO Reinaldo Cezar Lima Victor Augustus Graciotto SilvaRafael Ferrer Kloss

    CAPA Yasmin Fabris

    ARTE FINALRafael Ferrer Kloss

  • Introduo / 5

    1. Gesto democrtica da educao e gesto democrtica da escola / 6

    1.1. Gesto democrtica da educao ou gesto democrtica da escola? / 6

    1.2. Gesto democrtica da escola pblica e autonomia: origens e contextualizao / 8

    2. A direo da escola e a gesto democrtica / 12

    3. O Conselho Escolar e a gesto democrtica / 18

    3.1. Como a comunidade do entorno da escola participa do Conselho Escolar? / 23

    4. O Grmio Estudantil e a gesto democrtica / 24

    5. Os desafios da prtica: a gesto democrtica da escola pblica entre o proposto e o realizado / 30

    6. A gesto do trabalho pedaggico: o PPP em ao / 39

    6.1. O Projeto Poltico-Pedaggico (PPP) / 40

    6.2. A sala de aula e a vivncia pedaggica democrtica / 45

    Referncias / 48

    Sumrio

  • 5Formao de Professores do Ensino Mdio

    Introduo

    Caro Professor, cara professora, deseja-

    mos, por meio dos textos que se seguem, con-

    versar um pouco com voc sobre alguns temas

    que esto ligados a uma questo que sempre

    levantada quando o governo (federal, estadual

    ou municipal) prope ou estabelece reformas,

    prticas, encaminhamentos que afetam sua vida

    profissional e mesmo pessoal, assim como a vida

    da escola, dos alunos e, tambm, de suas fam-

    lias. A questo, que j ouvimos de vrios colegas,

    : por que no fui consultado? A ela, segue-se

    quase sempre a afirmao de que os rgos que

    tomam tais decises fazem descer goela abai-

    xo o que querem instituir. Tanto a pergunta

    quanto a afirmao fazem sentido em funo

    das vrias vezes em que tais fatos tm ocorrido.

    Mas constat-los no nos leva muito longe. Para

    avanar necessrio discutir um pouco mais so-

    bre os porqus deles e, com sua participao,

    pensar o que fazer a respeito; mais que isso, co-

    locar em prtica o que foi pensado e discutido

    coletivamente. A proposta do texto que segue

    a de levantar algumas questes prticas e te-

    mas relacionados gesto do trabalho pedag-

    gico, de modo que, juntos, possamos refletir e

    apresentar algumas sugestes. Pode ser de muita

    ajuda se, alm de sua participao, alunos e seus

    familiares, a direo da escola, o corpo tcnico e

    os funcionrios tiverem acesso a estes debates.

    Vamos l?

  • 6Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    1. Gesto democrtica da educao e gesto democrtica da escola

    1.1. Gesto democrtica da educao ou

    gesto democrtica da escola?

    Entendemos que a gesto da educao e

    a gesto da escola se interpenetram e se defi-

    nem mutuamente. A produo da gesto escolar

    democrtica muito difcil no contexto de pro-

    cessos no democrticos de gesto da educao.

    A existncia de um razovel nvel de democrati-

    zao desta (como acontece no Brasil) cria con-

    dies para algumas formas de democratizao

    daquela e vice-versa (por exemplo, por meio

    da legislao, da Constituio Federal, da LDB),

    embora isso no seja suficiente. Partimos da hi-

    ptese de que a democratizao da gesto esco-

    lar pode levar a proposies que resultem em,

    pelo menos, sugestes para a produo de novos

    documentos legais e, principalmente, a estmulos

    para a reviso de prticas gestoras em outras

    escolas, que facilitem o acesso de todos a uma

    educao de qualidade.

    Tomamos por base a concepo de que

    a educao, como direito social, conforme defi-

    nido no art. 6o da Constituio Federal de 1988,

    e tambm como direito poltico e direito civil,

    fator indispensvel da sociabilidade, sendo por

    isso mesmo definida como direito pblico subje-

    tivo (CURY, 2012). Nesse sentido, a educao

    considerada um dos espaos centrais da esfera

    pblica, compreendida como espao social co-

    mum, no qual se busca a realizao da plenitude

  • 7Formao de Professores do Ensino Mdio

    da liberdade, da dignidade humana e da ao po-

    ltica democrtica (ARENDT, 1995).

    Nessa perspectiva, a CF (1988) prescre-

    veu e a LDB (1996) regulamentou a gesto de-

    mocrtica como um dos princpios fundamentais

    da educao, ao lado de outros seis princpios, a

    saber: igualdade, liberdade, pluralismo, gratuida-

    de e valorizao dos profissionais da educao.

    No entanto, bem sabemos que a efetiva

    realizao da gesto democrtica dos sistemas

    de ensino e das escolas no depende somente da

    legislao, ainda que esta seja uma dimenso fun-

    damental. A gesto democrtica processo de

    construo social que requer a participao de

    diretores, pais, professores, alunos, funcionrios

    e entidades representativas da comunidade local

    como parte do aprendizado coletivo de princ-

    pios de convivncia democrtica, de tomada de

    decises e de sua implementao. Processo esse

    que reconhece a escola como espao de contra-

    dies, diferenas e encontros, o qual valoriza

    a cultura e a dinmica social vividas na escola,

    buscando articul-las com as relaes sociais

    mais amplas. Nesse sentido, quando buscamos

    construir na escola um processo de participao

    baseado em relaes de cooperao, no trabalho

    coletivo e no partilhamento do poder, precisamos

    exercitar a pedagogia do dilogo, do respeito s

    diferenas, garantindo liberdade de expresso, a

    vivncia de processos de convivncia democrti-

    ca, a serem efetivados no cotidiano, em busca da

    construo de projetos coletivos(BRASIL/MEC/

    SEB, 2004, p. 26).

  • 8Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    1.2. Gesto democrtica da escola pblica e

    autonomia: origens e contextualizao

    possvel constatar que o problema do

    estabelecimento de medidas ou de polticas sem

    ouvir diretamente os interessados est relacio-

    nado, de um lado, ao argumento de que, dadas

    as dimenses do pas e de sua populao, difcil

    faz-lo. Da as eleies em diversos nveis, por

    meio das quais escolhemos vereadores, deputa-

    dos, senadores, prefeitos, governadores e o pre-

    sidente, dos quais se espera a representao de

    forma tica e responsvel e aos quais delegada

    a incumbncia de elaborar leis e de implement-

    las, com a colaborao de ministros e secret-

    rios, o que define hierarquias de responsabilida-

    de e de poder. com base nessas prerrogativas

    e nesse poder que se elaboram e se definem

    polticas, no s de educao, mas tambm de

    sade, habitao, saneamento, transportes, etc.,

    s vezes at ouvindo a populao por meio de

    abaixo-assinados ou de manifestaes de repre-

    sentantes mais prximos delas, como sindicatos,

    associaes, etc. A isso se chama democracia re-

    presentativa. Por mais difcil que seja e ainda que

    apresente problemas bem conhecidos (persona-

    lismos, corrupo, etc.), melhor a presena do

    que a falta dela, pois significaria deixar as deci-

    ses nas mos de uma pessoa ou de um pequeno

    grupo.

    Por outro lado, o fato de que decises se-

    jam tomadas por poucas pessoas acaba, muitas

    vezes, conduzindo ideia de que no precisamos

    ou que no vale a pena nos envolvermos com

    elas. No entanto, h pelo menos dois pontos

    a considerar. O primeiro que o fato de uma

  • 9Formao de Professores do Ensino Mdio

    deciso ter sido tomada e mesmo colocada em

    prtica no implica que seja inquestionvel e in-

    discutvel. O segundo que, se tal deciso tem

    consequncias diretas ou indiretas para a vida

    profissional ou pessoal de uma pessoa ou de uma

    coletividade, estas tm o direito constitucional

    de coloc-la em discusso, visando a modific-la.

    Isso faz ainda mais sentido se tal deciso

    tomada numa instncia prxima a essa pessoa

    ou a essa coletividade, como, por exemplo, no

    prdio onde mora, no clube que frequenta ou no

    trabalho. Isso significa que voc, professor, assim

    como seus colegas, seu diretor, o corpo tcnico da

    escola, os alunos e seus familiares, tem o direito

    constitucional de demandar esclarecimentos e

    informaes sobre decises que chegam escola

    e so objeto de questionamento, bem como de

    propor sua discusso coletiva. Mais que isso, tem

    o direito de ver sua demanda atendida. Signifi-

    ca, tambm, que decises tomadas pela direo,

    pelo corpo tcnico da escola, por um grupo de

    professores, podem e devem passar pelo mes-

    mo processo. Fazendo isso, todos do um passo

    inicial em direo democratizao interna da

    instituio, bem como de todo o Pas.

    Todavia, uma coisa o amparo legal para

    exercer esse direito. Outra, to importante

    quanto, transform-lo em prtica. E mais ainda

    fazer dessa prtica uma atividade sistemtica,

    tendo em vista dialogar e deliberar coletiva-

    mente sobre questes que so importantes para

    o funcionamento da escola e para as pessoas que

    nela trabalham e estudam, o que no significa,

    de forma nenhuma, estabelecer um clima de

    animosidades, pois o processo deve ser condu-

    zido com ponderao e respeito pelas opinies

  • 10

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    divergentes. A isso, professor, se chama gesto

    democrtica da escola.

    Sempre existiu a discusso sobre demo-

    cracia na escola? Quando comeou este debate?

    A expresso gesto democrtica da es-

    cola pblica foi legalizada pela Constituio

    Federal de 1988 (inciso VI do artigo 206) e re-

    ferendada posteriormente pela LDB 9.394/96

    (inciso VIII do artigo 3). Todavia, o comeo da

    histria, bem anterior, remonta pelo menos

    dcada de 1950, quando a expresso nem fazia

    parte dos discursos escolares. Na poca, a dire-

    o da escola era entendida como a nica res-

    ponsvel pela administrao escolar, ainda que a

    participao de pais e alunos recebesse alguma

    valorizao(evidentemente, em atividades ex-

    tracurriculares).

    A participao dos pais resumia-se ao

    comparecimento s reunies de pais e mestres,

    ao compromisso de alguns em fazer parte da di-

    retoria da Caixa Escolar, que posteriormente se

    transformou em Associao de Pais e Mestres

    (APM), e em colaborar nas festas organizadas

    por ocasio de datas nacionais ou religiosas, cola-

    borao essa que se estendia a outros familiares,

    inclusive seus filhos, alunos da escola. O primei-

    ro tipo de participao justificava-se com argu-

    mentos pedaggicos. O segundo, para alm de

    sua dimenso cultural, tinha por objetivo angariar

    fundos destinados a suprir necessidades financei-

    ras da escola, no cobertas pelo Estado ou das

    quais as contribuies para a APM no conse-

    guiam dar conta. Certamente tal participao,

    que pode ainda ser encontrada em muitas esco-

    las, principalmente as do interior, nada tem a ver

    com gesto democrtica, mas com explorao

    A Constituio Federal de 1988 apresenta, no inciso VII do Art. 206, o princpio da gesto democrtica do ensino pblico na for-ma da lei, que segui-do literalmente pela LDB 9.394/96, em seu inciso VIII do Art. 3. No entan-to, a questo da gesto democrtica muito mais ampla que um documen-to escolar ou mesmo que a lei. Porm, ao estabele-cer este princpio, tanto a CF quanto a LDB, trazem uma interpretao possi-velmente reducionista da gesto democrtica, seja em sua abrangncia, seja nos limites de sua regula-mentao. Na avaliao de Vitor Paro (2001), a in-terpretao restritiva est, por um lado, em dirigir-se somente educao pbli-ca, deixando educao privada a autorregulao plena da matria; por ou-tro lado, a restrio tam-bm se manifesta no que aparentemente pode levar interpretao de que a regulamentao da gesto democrtica se esgotaria na forma da lei, o que, como pretenso, deixa de fora a escola, os seus sujei-tos e a comunidade. Esse vis reiterado quando o Art. 14 da mesma LDB

  • 11

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    de trabalho. No entanto, era e , quando ainda

    ocorre, saudada como espao de aproximao

    e de cooperao entre escola e famlias, contri-

    buindo para a criao de um clima de congraa-

    mento que, embora desejvel, no a mesma

    coisa que gesto democrtica e participativa.

    Tem-se o registro que a participao pro-

    priamente poltica das famlias ocorreu mais ou

    menos na mesma poca, no Estado de So Pau-

    lo, quando estas pressionaram o governo para a

    adoo de providncias no sentido de ampliar o

    acesso ao, ento, ginsio (o atual 2 ciclo do en-

    sino fundamental). Sposito (1984) relata porme-

    norizadamente a constituio de aes populares

    nesse sentido que articuladas por movimentos

    sociais e pelo populismo de Jnio Quadros por

    meio de Sociedades de Amigos de Bairro (SABs),

    obtiveram sucesso em suas reivindicaes, ape-

    sar das condies precrias dos ginsios criados,

    seja em termos de infraestrutura, seja em termos

    de professores e funcionrios.1

    No se tratava de decises democratica-

    mente tomadas pelo governo, nem, obviamen-

    te, de gesto democrtica da escola pblica, at

    porque, conforme Pereira (1967), comeavam

    a ocorrer nas escolas pblicas mudanas na ad-

    ministrao em outro sentido, tendo em vista a

    adequao ao enfoque da organizao burocrti-

    ca das instituies. O estudo de Pereira buscou

    evidenciar como, num momento de transio

    1 importante entender que mecanismos como a cooptao do movimento Sociedades de Amigos de Bair-ros ou a proposio do Projeto Amigos da Escola, alm de desviarem da questo central da participao de pais e alunos da gesto da escola, acabam contribuindo para es-vaziar o prprio sentido da gesto democrtica, na medida em que ensejam o esvaziamento do papel do Estado na gesto e no financiamento pblico da escola pblica.

    estabelece que as normas de gesto democrtica do ensino pblico na educa-o bsica sero definidas pelos sistemas de ensi-no. Na continuidade da anlise, Paro destaca que ao renunciar a uma regu-lamentao mais precisa do princpio constitucional da gesto democrtica do ensino bsico, a LDB, alm de furtar-se a avanar, des-de j, na adequao de im-portantes aspectos da ges-to escolar, como a prpria reestruturao do poder e da autoridade no interior da escola, deixa tambm iniciativa de Estados e municpios cujos gover-nos podero ou no estar articulados com interesses da gesto, como a prpria escolha dos dirigentes es-colares (2001, p. 55).

    No captulo IV do livro de Marilia Pontes Sposito, indicado na bibliografia, a autora estabelece de ma-neira clara a cooptao das SABs pelo ento governa-dor Jnio Quadros, tendo em vista seus interesses eleitorais. Para fins de ati-vidades de discusso pelos participantes, sugere-se a leitura e discusso das p. 236 a 241.

  • 12

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    da sociedade brasileira entre uma ordem social

    patrimonialista e outra que se firmava, de car-

    ter urbano-industrial, estaria se produzindo nas

    escolas mudanas internas da mesma natureza,

    mas de forma ainda incipiente, em funo das

    resistncias de foras tradicionais [de tipo patri-

    monialista], dado que a sociedade brasileira em

    conjunto se acha[va] relativamente pouco urba-

    nizada, secularizada e democratizada (PEREIRA,

    1967, p. 57-58).

    Reflexo e aoCom um grupo de colegas, faa um levan-

    tamento das situaes em que vocs se sentiram

    excludos(as) de decises que afetam a vida da es-

    cola e o seu trabalho.

    Qual a origem dessa excluso (de quem ou

    de onde partiu)? Quais os possveis motivos para tal

    excluso?

    Faa o mesmo para situaes em que se

    sentiram includos(as) na tomada de decises dessa

    mesma natureza.

    Quais os possveis motivos dessa incluso?

    Discuta com os colegas a que concluses

    podem chegar a partir desse levantamento,

    tendo em vista a participao na gesto demo-

    crtica da escola. Que posturas vocs estariam

    dispostos a assumir frente ao que concluram?

    2. A direo da escola e a gesto democrtica

    As eleies para diretor garantem a de-

    mocracia na escola?

    Para uma discusso sobre as relaes entre patri-monialismo e educao, ver MENDONA, Eras-to F. Estado patrimonial e gesto democrtica do ensino pblico no Brasil. Educao & Sociedade, Campinas, v. 22, n. 75, ago. 2001. Tambm pode ser acessado pelo SciElo (http://www.scielo.br/pdf/es/v22n75/22n75a07.pdf). Recomenda-se especial-mente a leitura e discusso das p. 95 a 101.A predominncia de uma sociedade de carter ur-bano-industrial em rela-o rural-agrcola um processo que evidencia a emergncia de novos su-jeitos sociais, tais como a classe operria e traba-lhadores dos setores de servios, entre outros, que marcam a complexi-ficao da sociedade bra-sileira. Para aprofundar a relao entre a educao e a emergncia da socie-dade urbano-industrial su-gerimos a leitura do livro A reinveno da cidade e da multido: dimenses da modernidade brasileira a escola nova, de Carlos Monarcha (Cortez, 1990), que analisa as mudanas na sociedade brasileira dos anos 1930, que se urbani-zava, e os impactos disso sobre a educao.

  • 13

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    As discusses sobre a democratizao da

    gesto da escola pblica se manifestaram a partir

    da dcada de 1980, sob a influncia do proces-

    so de redemocratizao do pas que saa de uma ditadura , girando inicialmente em tor-no do cargo de direo por presso da escola e

    da sociedade em Estados nos quais os diretores

    eram indicados pelo poder poltico mais prximo

    (prefeitos, vereadores) ou mais distante (gover-

    nadores, deputados), implicando tal situao in-

    gerncia nas prticas escolares em benefcio dos

    interesses do poder externo . Dourado (1998)

    esclarece que as formas mais comuns de provi-

    mento do cargo nas escolas pblicas brasileiras

    dos anos 1980 compreendiam cinco categorias,

    das quais apenas uma poderia, a rigor, ser consi-

    derada mais prxima da gesto democrtica: a

    escolha por meio de eleio direta.

    Uma segunda categoria a indicao da direo por meio de listas triplas ou sxtuplas

    satisfaria, de alguma forma, o critrio, mas-como adverte Dourado (1998), a livre indicao

    dos votantes ficaria, ao final, submetida esco-

    lha do mandatrio a quem seriam encaminhadas

    as listas. De qualquer forma, segundo Dourado

    (1998), a eleio de diretores tem sido praticada

    em sistemas estaduais e municipais de educao

    desde a dcada de 1980, respondendo, na d-

    cada de 1990, por mais de 30% das formas de

    provimento utilizadas, o que significa que foi aco-

    lhida nesses sistemas em substituio indicao

    poltica.

    No entanto, como salienta Paro (1996),

    embora a eleio dos diretores possa represen-

    tar alguns avanos, no tem, por si s, condies

    de reverter processos tradicionais de gesto,

    O Projeto Amigos da Es-cola - Todos pela Educao foi lanado em 1999 pela Rede Globo de Televiso, propondo e incentivan-do aes de voluntariado individual e de parcerias com a escola. Tal iniciativa, focada na participao do chamado Terceiro Setor, pode ser compreendida no mbito da hegemonia da ideologia neoliberal como estratgia de repas-sar sociedade a respon-sabilidade pela educao. De acordo com Saviani, o MEC difundiu que os problemas da educao deveriam ser resolvidos pela participao da socie-dade e com isso veio uma espcie de demisso do Estado. Ao apelar-se para a sociedade, introduziu-se a ideia de filantropia, de que as empresas e os ci-dados pudessem dar sua cota de colaborao vo-luntariamente. Introduziu-se a ideia de voluntariado. Da o programa Amigos da Escola, que dizia que a es-cola tem necessidade dis-so e aquilo, voc tem uma mquina de escrever so-brando? Doe para a esco-la. Voc sabe matemtica, tem tempo disponvel? D aulas de reforo. (CAL-DERN, 2007).

  • 14

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    como esperado pelos que defendem o processo

    eletivo de investidura no cargo. Em artigo no qual

    examina os limites dessa forma de provimento,

    verificou que o clientelismo manteve-se sob ou-

    tras formas, quer pela ao do Estado, quer por

    parte de membros da escola; que a participao,

    em muitos casos, circunscreveu-se ao processo

    eleitoral, no implicando a assuno de respon-

    sabilidades envolvidas na gesto; e ainda que a

    eleio no constituiu soluo para a existncia

    de posturas corporativistas por parte de grupos

    internos.

    Vitor Paro atribui os vrios limites apon-

    tados persistncia da cultura tradicionalista que

    a tem marcado a escola. No obstante, salienta,

    tambm, que o processo de eleio favorece a

    discusso e faz emergir e tornar transparentes os

    conflitos internos, estimula a relao da direo

    com as dimenses pedaggicas da gesto e, cer-

    tamente, diminui o poder clientelstico de ocu-

    pantes de cargo de poder pblico. Nesse senti-

    do, como indicado por Dourado (1998), h que

    entender a escolha livre da direo como apenas

    uma das alternativas para a produo da gesto

    democrtica da escola.

    Embora a Constituio Federal e a Lei de

    Diretrizes e Bases da Educao Nacional (LDB

    9.394/1996) garantam atualmente a gesto de-

    mocrtica do ensino pblico, a eleio de dire-

    tores de escolas pblicas de educao bsica no

    objeto de definio legal no plano federal. A

    Constituio Federal de 1988 dispe, em seu ar-

    tigo 37, alnea II, que a investidura em cargo ou

    emprego pblico depende de aprovao prvia

    em concurso pblico de provas ou de provas e

    ttulos, de acordo com a natureza e a comple-

    Prticas clientelistas po-dem ser caracterizadas como aquelas em que os sujeitos polticos que as praticam baseiam sua car-reira e mquina eleitoral na capacidade de atender demandas de benefcios vi-sveis e imediatos em troca da garantia de votos (DI-CIONRIO DE CINCIAS SOCIAIS, 1987, p. 277).

  • 15

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    xidade do cargo ou emprego, na forma prevista

    em lei, ressalvadas as nomeaes para cargo em

    comisso declarado em lei de livre nomeao e

    exonerao, o que praticamente elimina a elei-

    o de diretores nos sistemas pblicos de ensino

    brasileiro em que h concursos especficos para

    tal cargo.

    De acordo com Paro (1996), essa forma

    de provimento tende a valorizar a dimenso tc-

    nica da gesto. Do ponto de vista poltico, no

    favorece a criao de vnculos entre o diretor e

    os usurios da escola, mas entre ele e o Estado, o

    que pode significar dificuldades para a instituio

    da gesto democrtica se os demais membros da

    escola e da comunidade no tomarem a inicia-

    tiva de propor o debate e a tomada de deciso

    coletiva.

    A discusso anterior sobre a direo da

    escola pode deixar a falsa impresso de que a

    gesto democrtica depende apenas da disposi-

    o desta para realiz-la. Conforme discutido an-

    teriormente, a promoo da gesto democrtica

    depende muito mais da disposio de todos que

    trabalham na escola para conversar sobre os pro-

    blemas cotidianos vividos por ela. Tal disposio

    no resulta apenas de vontades pessoais nem,

    muito menos, de autorizaes de rgos supe-

    riores. Depende de um processo de construo,

    que social. Portanto, depende da prtica, im-

    plicando aprendizados da parte de todos os en-

    volvidos, alm de trabalho que no se resume

    realizao de reunies. Aprendizados que envol-

    vem desde a percepo do que mais urgente,

    ou mais necessrio, ou de alcance mais amplo,

    at formas de como articular reunies, pautas de

    discusso e produo de argumentaes. Apren-

  • 16

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    dizados que envolvem tambm a construo de

    uma viso realista sobre as dificuldades para che-

    gar a decises e clareza de que nem sempre

    tais decises sero consensuais. Criar um clima

    de dilogo sincero constitui-se, portanto, numa

    condio necessria para a consolidao das pr-

    ticas democrticas na escola.

    Se precisa s de dilogo, ento fcil fa-

    zer a gesto democrtica?

    Promover a gesto democrtica da escola

    implica dedicar tempo para a concretizao de

    cada passo do processo de discusso e deciso.

    Certamente isso significa um nus, pois torna

    mais pesada uma carga de trabalho j sobrecar-

    regada, que tender a diminuir se mais pessoas

    se envolverem. claro que todo processo que

    necessita da participao coletiva leva a uma car-

    ga de trabalho a mais, pois necessrio prever

    o tempo para a preparao das atividades (seja

    levantamento de dados ou preparo de relatrios/

    diagnsticos para a utilizao na atividade cole-

    tiva, seja a leitura de textos diversos, o prprio

    planejamento da atividade e a sua realizao,

    bem como os encaminhamentos dali extrados).

    Tudo isso demanda envolvimento, tempo e tra-

    balho, reflexo e execuo dos participantes.2

    Mas significa, por outro lado, a possibilidade de

    crescimento e formao, como cidados, tanto

    para professores, alunos e pais quanto para a di-

    reo e o corpo tcnico. Alm disso, quanto mais

    a prtica da discusso e da tomada de decises

    coletivas mostra resultados que beneficiam a es-

    cola, a qualidade do ensino e os que a trabalham

    2 Conforme Paro (1986), o planejamento na escola pblica deve se encaminhar no sentido de partir da prtica es-pontnea, buscando super-la mediante a prxis reflexiva.

    (...) Como indicam os tra-balhos referenciais de Bei-siegel (1964, 1974, 1976, 1995, 2009) e Sposito (1984), no perodo que se estende do fi nal do Esta-do Novo at os ltimos anos da dcada de 1960, o crescimento da rede de escolas secundrias apa-rece como respostas do Poder Pblico progres-siva generalizao da pro-cura de matrculas nesse tipo de ensino [...].[...] Nesse perodo, segun-do Celso Beisiegel (1964), embora a escola secund-ria j no aparea como condio suficiente para a realizao do xito pro-fissional, vista pelas po-pulaes que a procuram como condio necessria conquista de melhores posies e empregos. E o agente poltico no Exe-cutivo ou no Legislativo surge como mediador entre as reivindicaes dos habitantes e a atuao do poder pblico na rea do ensino. Com o fim da dita-dura Vargas e a retomada do regime poltico basea-do no voto, as aspiraes populares por melhoria de vida mediante a passagem pela educao escolar en-contraram no agente po-ltico procura de votos um defensor intransigen-

  • 17

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    e estudam, mais a disposio para realiz-la se

    fortalece e, com ela, a prpria gesto democrti-

    ca. E, nesse aspecto, vale lembrar que medida

    que o processo de gesto democrtica se realiza,

    o seu fortalecimento demanda que sejam previs-

    tos os tempos e demais condies necessrias

    sua plena realizao, como atividades regulares

    e componentes das suas jornada, no um acrs-

    cimo a elas. Portanto, fazer a gesto democrti-

    ca implica em algum trabalho, mas tambm em

    crescimento do coletivismo na escola.

    Quem comea a fazer a gesto democr-

    tica?

    Qualquer membro da escola, assim como

    um familiar, pode desencadear o processo. Bas-

    ta, para isso, que uma questo levantada por um

    incidente na escola (uma festa, uma briga, a pro-

    posta de uma atividade), ou trazida por um fami-

    liar (um questionamento sobre a avaliao, por

    exemplo), ou resultante de algo que ocorreu nas

    redondezas do prdio seja posta em discusso.

    No de forma rpida e superficial, como quando

    se parte imediatamente para respostas prontas

    ou para a atribuio de culpas e punies. Mas

    promovendo a reflexo para alm do fato em

    si, buscando, sem preconceitos, suas possveis

    causas e explicaes, de modo que as decises a

    respeito sejam bem fundamentadas. Na verdade,

    no faltam motivos para que a escola desenvol-

    va processos de gesto democrtica coletiva, a

    comear por um dos mais importantes, que a

    elaborao, implementao, crtica e reelabora-

    o sistemtica do Projeto Poltico-Pedaggico

    (PPP), questo que ser abordada mais para

    frente.

    te na criao de mais esco-las[...].[...] A esse respeito, Bei-siegel (2009, p.59) afirma: Encampadas pelo agente poltico apenas na medida em que apareciam como um elemento do processo de competio pelas posi-es de poder, as presses populares acabaram, no entanto, por imprimir uma nova direo ao desenvol-vimento de todo o ensino de nvel mdio [...]. BEISIEGEL, C.. Cultura do Povo e Educao Popu-lar. In. BARROS, Gilda N. M. de (org.). Celso de Rui Beisiegel: professor, admi-nistrador e pesquisador. So Paulo: EDUSP, 2009.p.55-69. BEISIEGEL, C.. Ao Po-ltica e Expanso da Rede Escolar. Pesquisa e Plane-jamento. No. 8, So Paulo: CRPE, 1964. Fonte: MORAES, Carmen Sylvia Vidigal. Educao de jovens e adultos tra-balhadores de qualidade: regime de colaborao e Sistema Nacional de Edu-cao. In: Educao & So-ciedade, Campinas, v. 34, n. 124, p. 979-1001, jul./set. 2013.

  • 18

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    Reflexo e aoJunte-se a outros colegas e procure fazer

    um levantamento de situaes vividas na escola

    pelos participantes do grupo que poderiam ser

    objeto de discusses sistemticas e de decises

    tomadas coletivamente em benefcio da escola e/

    ou dos envolvidos.

    Se esse processo de discusso e deciso

    coletiva no aconteceu, examine com membros

    do grupo as razes pelas quais isso no ocorreu.

    Se, ao contrrio, o processo ocorreu,

    quais os resultados para a escola e para os envol-

    vidos? E quais as reaes dos colegas?

    Que sugestes esse grupo poderia ofere-

    cer para que, em novas situaes ocorridas na

    escola, o processo de discusso e de deliberao

    possa acontecer?

    3. O Conselho Escolar e a gesto democrtica

    E os conselhos escolares, para que ser-

    vem?

    Trata-se de uma estratgia a ser conside-

    rada na implantao da gesto democrtica da

    escola. O Conselho Escolar composto de ges-

    tores da escola, professores, funcionrios, alunos

    e pais de alunos e, por isso, muitas vezes citado

    como exemplo de democratizao da gesto. As

    propostas de instituio de Conselhos Escolares

    surgiram em alguns Estados por volta do final

    da dcada de 1970, como resultado da abertura

    para a eleio de governadores no bojo das lutas

    pela redemocratizao do pas, conforme Men-

  • 19

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    dona (2000, apud BRASIL/MEC/SEB, 2004), ini-

    cialmente com carter consultivo e, na dcada

    seguinte, j com funes deliberativas.

    Segundo o documento do MEC, foram

    tais experincias e a ao das entidades de edu-

    cadores junto ao Frum Nacional em Defesa da

    Educao Pblica que viabilizaram a recomenda-

    o constitucional da gesto democrtica da es-

    cola pblica, conforme apontado anteriormente.

    Apesar disso, a Constituio, pela sua natureza,

    no se pronuncia sobre os Conselhos Escolares.

    Quem o faz a Lei de Diretrizes e Bases de 1996,

    em seus artigos 14 e 15, em que se refere tanto

    elaborao do Projeto Poltico-Pedaggico (art.

    14, inciso I) quanto aos Conselhos Escolares (art.

    14, inciso II), mas no institui normas especficas

    a respeito, atribuindo tal responsabilidade aos

    sistemas estaduais e municipais de ensino. Nes-

    se sentido, podero ser encontradas variaes

    entre os entes federados na constituio de tais

    instncias de democratizao da gesto escolar.

    O documento do MEC (2004), intitulado

    Conselhos Escolares: uma estratgia de gesto de-

    mocrtica da educao pblica, refere-se a um le-

    vantamento, feito pelo prprio rgo, a respeito

    da legislao produzida sobre os Conselhos Es-

    colares por vrios Estados e municpios brasilei-

    ros. Torna-se objeto de preocupao, como des-

    taca o documento, que, no af de regulamentar

    a gesto democrtica, com o objetivo de superar

    a suposta dificuldade das escolas em institu-la,

    os entes federados desam a mincias sobre a

    constituio e funcionamento dos Conselhos

    Escolares, acabando por engessar os trmites

    necessrios para que ele se instale. Assim proce-

    dendo, negam ou diminuem em muito a autono-

  • 20

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    mia da escola para instituir suas prprias normas

    de funcionamento democrtico. Cabe, nesse

    sentido, indagar se, a pretexto de contribuir para

    a autonomia escolar por meio da legislao, em

    vez de estimul-la, no pretendem, na verdade,

    control-la.

    Ento o Conselho Escolar uma garantia

    da democracia?

    Deve-se considerar que mesmo que a es-

    cola proponha instituir o Conselho Escolar em

    moldes democrticos, usando de sua autonomia

    relativa e tendo em vista a participao de todos

    os usurios nas discusses e deliberaes, como

    coletivo, ainda assim so necessrias precaues,

    pois no a composio em si que define o ca-

    rter democrtico das deliberaes, mas sim o

    processo por meio do qual as decises so toma-

    das. Isso porque, apesar de ter essa constituio,

    o Conselho Escolar pode ser manipulado, trans-

    formando-se, dessa forma, num instrumento de

    legitimao de decises autoritrias por parte do

    indivduo ou do grupo que detm o poder deci-

    srio, tomando as decises em funo de seus

    interesses, contrariando as razes de instalao

    do Conselho e o carter pblico que ele deve

    assumir.

    Nesse sentido, a definio de regras cla-

    ras e democrticas de conduo dos debates, de

    formulao e votao de sugestes e, finalmente,

    de tomada de decises se configura como poss-

    vel antdoto s manipulaes. Na medida em que

    a instalao do Conselho da escola cabe a ela, es-

    cola, legtimo que professores, alunos, pais, di-

    reo e corpo tcnico tenham a prerrogativa de

    elaborar as regras para seu funcionamento e para

    o acompanhamento e cumprimento das decises

    Para saber mais sobre os Conselhos Escolares consulte o texto produzi-do pela Secretaria de Edu-cao Bsica do Ministrio da Educao que preten-de subsidiar os dirigentes e tcnicos das secretarias es-taduais e municipais de educao na discusso do processo de implantao e fortalecimento dos Con-selhos Escolares no con-texto da poltica da gesto democrtica nas escolas (Brasil/MEC/SEB, 2004, p. 10).

  • 21

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    tomadas, obedecida a legislao que configura tal

    instncia deliberativa.

    Transformar as reunies do Conselho Es-

    colar no sentido de torn-las efetivamente um

    espao democrtico de decises exige, claro, a

    disposio da direo da escola, assim como de

    seu corpo tcnico e dos professores, de tomar

    medidas nessa direo. Entre estas est a de tor-

    nar mais transparente para todos os participan-

    tes, em particular os pais dos alunos, as possibi-

    lidades e limites da escola para assumir decises

    coletivas referentes vida institucional, tendo em

    vista sua pertena a uma rede cujas normas no

    so decididas por ela, mas sim pelo Estado, bem

    como as possibilidades de, democraticamente,

    quebrar tais limites.

    Devemos ter alguns cuidados para que o

    Conselho funcione democraticamente!

    O primeiro, bvio, o de garantir que

    seus membros sejam eleitos pelos pares, o que

    mais difcil no caso dos pais dos alunos, pelo fato

    de que no mantm, como os professores, alu-

    nos e funcionrios, convivncia diria na escola, o

    que dificulta o conhecimento mtuo. O segundo

    cuidado refere-se necessidade de que os mem-

    bros do Conselho tenham conhecimento claro

    de seus direitos e deveres, com o que se dificulta

    a manipulao. O terceiro cuidado o de trans-

    formar o desenrolar das prprias reunies num

    espao de aprendizagem de como decidir coleti-

    vamente. O quarto cuidado refere-se ao enten-

    dimento, por parte de professores, pais, alunos

    e funcionrios, de que a seus representantes

    no Conselho cabe expressar os pontos de vista

    dos representados e no os seus prprios e, por

    isso, precisam se estabelecer canais de comu-

  • 22

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    nicao entre representantes e representados,

    os quais devem ser continuamente informados

    de situaes que demandam decises por parte

    do Conselho Escolar, de modo que se preparem

    para tom-las com conhecimento de causa.

    necessrio, ainda, que os membros do Conse-

    lho Escolar prestem conta a seus representados

    das deliberaes tomadas, de modo a alimentar

    uma rede de reflexes sobre as atividades da es-

    cola, uma vez que a gesto democrtica implica

    necessariamente a participao do coletivo nas

    decises.

    Ento no Conselho Escolar todos vo es-

    quecer suas divergncias?

    No, o Conselho somente exercer seu

    papel de instncia mxima de deliberao demo-

    crtica se a comunidade escolar tiver claro que

    a escola espao de disputa de poder, onde po-

    dem estar em jogo vises diferentes e at con-

    flitantes do que educar, do que qualidade

    de ensino, do como lidar com as situaes que

    surgem no dia a dia. Os dois aspectos centrais

    da gesto democrtica da escola referem-se, por

    isso, ao seu entendimento, primeiramente, como

    estratgia de disputa por hegemonia de um pro-

    jeto educacional, no caso o EMI e, em segundo

    lugar, compreenso de que quaisquer mecanis-

    mos utilizados sero inteis se no conduzirem

    a decises e deliberaes coletivas que visem a

    tal hegemonia, sejam elas mais pontuais e peri-

    fricas ou de amplo escopo e mais centrais. Tal

    postura pode ser entendida como antidemocr-

    tica e o ser, efetivamente, se impedir o debate.

    Mas o processo de disputa aberto e transparen-

    te , ao contrrio, democrtico e, mais que isso,

    educativo.

    A hegemonia refere-se ao domnio de um poder pol-tico, de uma concepo de mundo, de uma forma de organizao social sobre outras. Gramsci (1978a e 1978b) refere-se a ela para tratar da relao de dom-nio de uma classe social sobre o conjunto da socie-dade. A tentativa de tornar hegemnico um projeto implica disputar com ou-tros projetos tal domnio, ou seja, instaurar a luta por hegemonia. Em nosso caso, trata-se de tornar he-gemnico o projeto do EMI (Ensino Mdio Integrado). Nesse sentido, cabe re-cordar que, para Gramsci, toda relao de hegemo-nia necessariamente uma relao pedaggica, ou seja, uma oportunidade de aprendizado.

  • 23

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    3.1. Como a comunidade do entorno da

    escola participa do Conselho Escolar?

    Quaisquer pessoas ou grupo delas devem

    ter acesso s informaes pedaggicas e adminis-

    trativas da escola e ter plena liberdade de levan-

    tar, para fins de discusso e deliberao, temas e

    questes que afetam a vida da escola, seu funcio-

    namento e a qualidade do ensino ofertado. Nes-

    se sentido, cabe ao Conselho Escolar no apenas

    incentivar tais debates e decises, mas tambm

    faz-lo com relao apresentao de proble-

    mas sobre os quais deve se pronunciar (inclusive

    por meio de redes sociais, com o que seria muito

    facilitado e incentivado o processo de participa-

    o). Caberia, no entanto, para reforar o papel

    do Conselho Escolar como instncia de deciso

    coletiva, que este convidasse grupos externos a

    ele (de professores, de pais, de alunos) que se

    empenham em discutir e decidir sobre diferen-

    tes questes e apresentar suas proposies para

    a chancela do coletivo.

    Deve-se observar que, funcionando de

    modo democrtico, o Conselho Escolar assume

    uma importante funo pedaggica de promover

    a cultura do dilogo e da colegialidade.

    Reflexo e aoCaso sua escola no tenha constitudo o

    Conselho Escolar, tente conseguir uma cpia das

    normas produzidas pela Secretaria da Educao

    ou pelo Conselho de Educao do Estado onde

    est instalada sua escola para a instalao e fun-

    cionamento dos Conselhos Escolares.

    Proponha a um grupo de colegas a leitura

    dessas normas e, particularmente, as que se re-

  • 24

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    ferem aos objetivos do Conselho e aos direitos e

    deveres dos conselheiros. Em funo disso, de-

    liberem sobre a realizao de reunies com os

    demais professores e com a direo, tendo em

    vista a instalao do Conselho em sua escola.

    Caso a escola j tenha um Conselho ins-

    talado, combine com seu grupo a conversa com

    membros dele, tendo em vista: a) levantar deci-

    ses tomadas; b) comparar tais decises com a

    prtica existente na escola; c) verificar se as de-

    cises foram tomadas democraticamente. Veri-

    fique tambm se h estratgias de comunicao

    entre os representantes e seus representados.

    4. O Grmio Estudantil e a gesto democrtica

    E o Grmio Estudantil? Como ajuda na

    democratizao da escola?

    Alm do Conselho de Escola, o Grmio

    Estudantil pode contribuir para o processo de

    democratizao das decises. A sua instituio

    e o seu funcionamento so definidos na legisla-

    o federal especfica (Lei 7.398, de 04/11/1985,

    e Lei 8.069, de 13/07/1990). A primeira (a Lei

    do Grmio Livre) dispe sobre a organizao de

    entidades representativas de estudantes da edu-

    cao bsica e a segunda (Estatuto da Criana e

    do Adolescente) dispe no seu artigo 53, inciso

    IV, sobre a garantia do direito de estudantes se

    organizarem e participarem de entidades estu-

    dantis.

    Da mesma forma que acontece em rela-

    o aos Conselhos Escolares, o Estado produz

    peas legais por cujo intermdio regula a institui-

    A Lei do Grmio Livre fruto das lutas dos estu-dantes organizados em suas entidades estaduais e nacional, como a UBES Unio Brasileira dos Es-tudantes Secundaristas. Saiba mais sobre a histria do movimento estudantil no blog da UBES: .

  • 25

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    o e o funcionamento dos Grmios sob o argu-

    mento de preservao de sua autonomia, inter-

    ferindo nesta. A partir desta Lei, a constituio

    e a instalao do Grmio Estudantil passaram a

    depender da iniciativa dos alunos, no cabendo,

    portanto, direo ou aos professores faz-lo,

    como era durante a Ditadura Militar, que instituiu

    os Centros Cvicos. O papel dos educadores

    mais o de estimuladores e interlocutores.

    Infelizmente, a contribuio do Grmio

    Estudantil para a democratizao da escola nem

    sempre acontece, seja porque ele nem sequer

    institudo, seja porque muitas vezes reduzido a

    rgo de promoo de eventos, seja pela direo

    e/ou professores, seja pelos prprios alunos. No

    que estes sejam desimportantes para a formao

    dos alunos, mas, quando passam a se constituir

    na principal atividade do Grmio, ofuscam sua

    participao nas deliberaes que ultrapassam

    essa esfera, como a discusso e a promoo de

    debates sobre o projeto pedaggico da escola e

    sobre temas do interesse deles, alunos (trabalho,

    cultura, vida social, sade, transporte, etc.), as-

    sim como do interesse da educao, da escola e

    da regio onde vivem com suas famlias.

    Por outro lado, o Grmio deixar de cum-

    prir uma de suas principais funes educativas se

    no atuar, ele prprio, democraticamente. Faz-

    lo significa, de um lado, organizar-se de modo

    que as eleies internas sejam pautadas por pro-

    cessos democrticos de proposio de candida-

    turas para as funes diretivas e, de outro, que

    se proponha a desempenhar papel ativo nas de-

    cises coletivas da escola. O grmio poder de-

    sempenhar, por esse processo, papel central no

    desenvolvimento de um protagonismo juvenil de

  • 26

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    natureza crtica. Sua existncia e funcionamento

    regular, portanto, contribuem para a autoforma-

    o dos alunos, para a concretizao do projeto

    pedaggico da escola, assim como para o fortale-

    cimento da consolidao da cultura democrtica

    de dilogo e de participao ampla.

    Ento a participao dos estudantes no

    apoltica?

    Esta uma questo da maior importncia

    em funo da existncia de correntes de pensa-

    mento que pretendem atribuir ao protagonismo

    juvenil carter apoltico. Segundo essa perspec-

    tiva, o conjunto de circunstncias desencadeado

    pelas transformaes no campo do trabalho, bem

    como seus desdobramentos na vida econmica e

    social, estariam apontando para a necessidade de

    promover, de maneira sistemtica, a formao

    de valores e de atitudes cidads que permitam

    aos adolescentes e jovens conviver de forma au-

    tnoma com suas angstias frente s incertezas

    futuras, aos desafios e s exigncias atuais e, tam-

    bm, frente s novas configuraes do trabalho.

    Ento o que protagonismo juvenil?

    Costa (2001, p. 9), um dos poucos auto-

    res a tratar da relao protagonismo/educao no

    Brasil, utiliza o termo para designar a participa-

    o de adolescentes no enfrentamento de situ-

    aes reais na escola, na comunidade e na vida

    social mais ampla, concebendo-o como um m-

    todo de trabalho cooperativo fundamentado na

    pedagogia ativa, cujo foco a criao de espaos

    e condies que propiciem ao adolescente em-

    preender ele prprio a construo de seu ser em

    termos pessoais e sociais (COSTA, 2001, p. 9).

    Alguns autores que tratam do protagonis-

    mo juvenil utilizam o termo resilincia, entendido

    Consulte informaes so-bre como construir um grmio na cartilha dis-ponvel no site . Ela foi lanada na ltima CO-NAE.

    O termo protagonismo no encontrado nos di-cionrios da lngua por-tuguesa, os quais apenas fazem referncia ao ter-mo protagonista e ao ver-bo protagonizar. Trata-se, portanto, de um neologis-mo, bastante difundido em outras reas e de uso rela-tivamente recente na rea educacional. De origem grega, o termo protago-nista resulta da conjuno entre proto (o primeiro, o principal) e agon (luta). Agoniste significa lutador. O termo designa, portanto, o lutador principal. Utilizada principalmente no campo teatral, passou a designar o/a(s) ator(es)/atriz(es) principal(ais) de uma pea ou o(s) personagem(ens) central(ais) de uma produ-o literria.

  • 27

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    como a capacidade de pessoas resistirem ad-

    versidade, valendo-se da experincia assim ad-

    quirida para construir novas habilidades e com-

    portamentos que lhes permitam sobrepor-se s

    condies adversas e alcanar melhor qualidade

    de vida. O conceito se aplica a aes que visam

    ao combate pobreza.

    Nesse sentido, as proposies relativas

    ao protagonismo parecem mirar dois grandes

    grupos: o dos jovens que, no includos entre os

    pobres, poderiam ser conquistados para realizar

    aes voluntrias ou remuneradas que tenham

    por alvo os setores empobrecidos da populao

    (inclusive os adolescentes e jovens), tornando-se

    protagonistas; o dos jovens que, pertencentes

    aos setores empobrecidos, desenvolvem aes

    da mesma natureza na perspectiva da resilincia.

    Em ambos os casos, o objetivo maior pa-

    rece ser o de evitar os riscos do conflito social,

    de um lado, e, de outro, cuidar da promoo da

    formao cidad de jovens e adolescentes. Esse

    enfoque alinha-se com as proposies da Comis-

    so Econmica para a Amrica Latina e o Caribe

    CEPAL (1992) de que, ao lado da formao

    dos trabalhadores de acordo com as novas ne-

    cessidades da produo, visando, portanto, aos

    setores de ponta da economia, se os formasse

    tambm, e ao restante da populao, para que

    pudessem se defrontar com a face inescapvel

    e perversa da irreversvel transformao da

    economia capitalista que, ao lado da imensa ri-

    queza para alguns, produz enorme pobreza para

    muitos.

    Essa forma de encarar e promover a parti-

    cipao de jovens e adolescentes se, de um lado,

    potencialmente, abre perspectivas para aes

  • 28

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    solidrias e meritrias, do ponto de vista edu-

    cacional e social, face s necessidades imediatas

    da populao e dos prprios jovens, do outro,

    carrega consigo a possibilidade de despolitizar

    o olhar sobre a produo econmica e social da

    pobreza e sua manuteno, desviando o foco das

    preocupaes do debate poltico e social sobre

    tal situao para o da ao individual e mesmo co-

    letiva, visando a minorar seus aspectos negativos.

    Nesse sentido, a apropriao que certos autores

    fazem do conceito de protagonismo aponta para

    a promoo de valores, crenas, aes, etc. de

    carter mais adaptativo que questionador.

    Por outro lado, tal perspectiva desloca

    para o mbito de ao da sociedade civil, por

    meio da ao de ONGs e outras instituies,

    responsabilidades que cabem ao Estado, ten-

    do em vista os direitos subjetivos dos cidados.

    Alm disso, transfere para jovens e adolescen-

    tes, individualmente ou em grupo, em especial

    aos que fazem parte dos setores empobrecidos,

    a responsabilidade de, conforme o conceito de

    resilincia, superar a adversidade a que foram

    conduzidos pela forma como est estruturada a

    produo capitalista.

    Ento a participao dos jovens no deve

    ser apenas para resistir ao que lhe faz mal, mas

    pode implicar na construo de uma vida me-

    lhor?

    Necessrio que fique bem claro: a ideia

    aqui colocada no a de que os jovens, sejam

    os participantes do Grmio, sejam todos os de-

    mais que frequentam a escola, deixem de lado ou

    valorizem negativamente a solidariedade e o vo-

    luntariado, mas, ao contrrio, que lhes confiram

    contedo poltico, tentando entender e discutir,

  • 29

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    com as pessoas e grupos para os quais se voltam,

    as condies sociais e econmicas que os condu-

    ziram excluso de direitos e benefcios sociais,

    assim como as possibilidades de desenvolverem

    aes, eles prprios, que visem superao

    das condies promotoras de sua excluso.

    Nesse sentido, os jovens participantes do grmio

    no apenas cultivam sua condio cidad, como

    tambm contribuem para que os que so alvos

    de suas aes participem da mesma condio.

    Mais importante, portanto, a ampla e livre par-

    ticipao dos jovens em todos os processos de

    tomada de deciso na vida da escola.

    Reflexo e aoSe existe um Grmio Estudantil funcio-

    nando em sua escola, procure verificar como

    est atuando, quais os temas sobre os quais dis-

    cute, que viso os integrantes tm da sua prpria

    atuao, assim como da escola e do seu funcio-

    namento.

    Converse com os integrantes do grmio

    sobre como a sua participao nos processos

    de discusso e deciso acerca da vida da escola,

    como so tomadas as decises internamente, as-

    sim como sobre o reconhecimento que tm pela

    direo, pelos professores e por funcionrios.

    Com base nesses levantamentos, a que

    concluses voc chega sobre a participao de-

    mocrtica no interior do Grmio e sobre a parti-

    cipao dos jovens que o compem nas decises

    tomadas pela escola?

    Para ter uma ideia melhor do significado

    do conceito de resilincia, procure identificar,

    com um grupo de colegas, entre atividades pro-

    postas aos jovens pela Secretaria de Educao,

  • 30

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    quais se guiam por esse conceito. O mesmo

    pode ser feito com relao a problemas de mo-

    radia, de transporte, de saneamento, relatados

    por alunos que vivem na localidade onde se situa

    a escola.

    5. Os desafios da prtica: a gesto democrtica da escola pblica entre o proposto e o realizado

    Nem sempre quando se fala em demo-

    cracia na escola se faz a democracia na escola!

    Apesar da existncia de discursos e le-

    gislao que recomendam e amparam a gesto

    democrtica da escola, observam-se na prtica

    cotidiana distncias maiores ou menores entre o

    que eles propem e o que ocorre de fato nas

    unidades escolares. necessrio, por isso, exa-

    minar mais detalhadamente quais as razes para

    esse distanciamento.

    Deve-se considerar, inicialmente, que a

    gesto democrtica somente se torna possvel se

    a escola dispuser de autonomia para pratic-la. A

    autonomia entendida como a capacidade de

    algum ou de uma instituio de decidir por si

    mesma os rumos a seguir, segundo seus princ-

    pios. Aplicado escola, o conceito significa sua

    capacidade de autodirigir-se relativamente aos

    vrios aspectos e dimenses que a constituem,

    o que inclui desde a concepo de educao que

    pretende tomar como orientao para educar

    seus alunos at decises corriqueiras, relativas

    compra e uso de materiais de limpeza, por

    exemplo, passando pela gesto financeira. Toda-

  • 31

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    via, em um pas como o Brasil, a possibilidade da

    autonomia escolar sofre vrias restries.

    O que dificulta a autonomia escolar no

    Brasil?

    A primeira dificuldade diz respeito ao ca-

    rter patrimonialista que marca a cultura nacio-

    nal, o qual se manifesta em vrias esferas de nos-

    sa vida. Decorre dessa concepo, por exemplo,

    a disposio dos que tm poder ou influncia so-

    cial de mandar e exigir obedincia, como se isso

    fosse natural e inerente sua condio. Ou de se

    comportar, nas relaes sociais, como se estives-

    sem acima da lei e dos direitos alheios, podendo

    agir como bem entenderem, como donos e se-

    nhores. O patrimonialismo entre ns sofreu v-

    rios reveses face ao avano de relaes marcadas

    pela democracia. No entanto, no desapareceu,

    apenas manifesta-se de formas mais sutis e mais

    aceitas, sendo uma delas a legislao produzida

    de acordo com interesses patrimonialistas ou a

    forma como uma mesma lei interpretada de

    forma diferente segundo a condio social do su-

    jeito ou instituio qual aplicada.

    este tambm o caso da legislao rela-

    tiva ao campo educacional, da qual fazem parte

    as normas referentes gesto da escola. Cabe

    ao Estado a responsabilidade de definir polticas

    educacionais, leis que estruturam a educao na-

    cional, como a LDB, e diretrizes amplas visando

    sua implementao. Todavia, necessria, e

    tem sido continuamente reivindicada por edu-

    cadores, a participao efetiva em tais decises,

    como ocorreu com a Conferncia Nacional de

    Educao (CONAE), realizada em 2010, ten-

    do em vista a elaborao do Plano Nacional de

    Educao 2011-2020. Mas esse mesmo exemplo

  • 32

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    mostra como o patrimonialismo continua mar-

    cando as decises na rea, haja vista o demorado

    trmite nas esferas legislativas para se chegar a

    um Plano Nacional que deveria ter sido promul-

    gado em 2011.

    Mas ento alguma burocracia necessria?

    As normas so necessrias em qualquer

    sociedade, tendo em vista a organizao e o fun-

    cionamento desta. Numa sociedade democr-

    tica, deve haver expresso de decises estabe-

    lecidas tambm democraticamente. Por terem

    esse carter, as normas interferem na autonomia

    individual, assim como na de coletivos e na de

    instituies, tendo em vista, supostamente, o

    bem comum. A autonomia na vida em socieda-

    de , portanto, sempre relativa, dado que o bem

    coletivo impe, muitas vezes, a restrio da au-

    tonomia individual. O mesmo cabe no que diz

    respeito autonomia de um coletivo em relao

    a outros.

    A autonomia escolar, nas dimenses admi-

    nistrativa, financeira e pedaggica, est prevista

    no Artigo 15 da LDB. No aspecto administrativo,

    importante no confundir a possvel descentra-

    lizao de poder, a ser proporcionada/constru-

    da/conquistada com o exerccio da autonomia,

    com uma mera descentralizao de tarefas.

    Por outro lado, deve-se tambm no identificar

    autonomia da gesto financeira com o abando-

    no/responsabilizao das unidades escolares por

    sua autossustentao, ainda que parcial, o que

    poder ocasionar desvios de natureza privatista.

    No que concerne autonomia pedaggica, vale

    ressaltar que ela deve se fazer sobre uma base

    curricular nacional mnima. Tal regulao do Es-

    tado faz-se necessria, pois,

  • 33

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    [...] como fenmeno social, a educao do indivduo no assunto que toca so-mente a seus interesses individuais, mas aos de toda a sociedade. Assim, no se pode pretender substituir o Estado, como representante, que deve ser, dos interesses da sociedade, em sua obri-gao de prover parmetros e mnimos curriculares, que garantam a adequada atualizao histrico-cultural dos cida-dos (PARO, 2001, p. 114).

    A autonomia escolar, portanto, media-

    da por disposies gerais mnimas da sociedade,

    que se sobrepem a interesses paroquiais locais,

    corporativos ou individuais.

    Contudo, considerando que a razo de

    ser da educao a constituio de sujeitos so-

    ciais, a autonomia deve incluir a participao de

    todos os envolvidos na escola, ou seja, profes-

    sores, funcionrios, gestores e especialmente os

    usurios, ou seja, os alunos e suas famlias. Nes-

    se aspecto, importante no reduzir o aluno a

    uma mera condio de consumidor ou ainda de

    algum que assiste como mero espectador, pois,

    em um processo educativo autntico, ele no

    apenas objeto, mas sujeito, razo de ser do pro-

    cesso educativo, logo no apenas est presente,

    mas tambm participa das atividades que a se

    desenvolvem (PARO, 2002, p. 141).

    Autonomia no se concede, se conquista!

    Assim, a autonomia verdadeira no a

    concedida por algum ou por uma instituio,

    no caso presente o Estado. Ela se institui no

    jogo de embates pelo poder e , por essa

    razo, produto de uma construo histri-

    ca. conquista e no favor. Nesse sentido, a

    defesa da autonomia, no caso da escola pblica,

  • 34

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    requer a vontade poltica de lutar por ela. Impli-

    ca, portanto, disposio para tal, muito trabalho

    e, provavelmente, muitos conflitos. Implica, pri-

    mordialmente, a recusa a ser regulado por nor-

    mas de carter patrimonialista em defesa de um

    projeto educacional construdo coletivamente.

    Esta questo remete, por outro lado, ao exame

    das condies objetivas e subjetivas que cons-

    trangem a autonomia da instituio escolar em

    respeito promoo da gesto democrtica.

    O que dificulta a participao da comuni-

    dade na gesto da escola?

    No mbito dessa discusso, necessrio

    chamar a ateno para alguns aspectos relati-

    vos a pouca participao dos usurios da escola

    nos processos decisrios internos, entendida tal

    participao no como a simples execuo de

    tarefas, mesmo as decididas coletivamente, mas

    como envolvimento e compromisso, tanto na

    deteco e anlise dos desafios enfrentados pela

    escola quanto na reflexo sobre eles e na tomada

    de decises a respeito. No caso dos professores,

    que representam um grupo importante em tais

    processos, cabe, por um lado, trazer baila as

    condies de trabalho enfrentadas por muitos

    deles (atuar em mais de uma escola; lecionar, no

    cmputo geral de aulas semanais, para um nme-

    ro elevado de alunos; enfrentar a intensificao

    de suas atividades em funo de demandas feitas

    pelo Estado). So condies adversas participa-

    o, tanto do ponto de vista objetivo quanto do

    ponto de vista das reaes subjetivas que geram

    (desnimo, resistncia a aes propostas pelo

    Estado, sensao de ser objeto de explorao,

    percepo de que a participao representa to

    somente intensificao do trabalho).

  • 35

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    Por outro lado, a participao afeta-

    da pelas disputas de poder internas escola. A

    hierarquizao presente nas formas de gesto

    usualmente praticadas nas escolas pblicas, re-

    sultante do controle do Estado sobre estas por

    meio da administrao burocrtica, bem como

    fruto da cultura de que cabe ao diretor da esco-

    la a ltima palavra, faz prevalecer normas e

    regras restritivas que promovem a conformao

    e a acomodao de professores, funcionrios e

    alunos sob o argumento da necessidade de ga-

    rantia da ordem necessria ao cumprimento das

    finalidades institucionais.

    No entanto, seria falso supor que tal cir-

    cunstncia signifique a ausncia de questiona-

    mentos e posturas de resistncia e inconformis-

    mo cuja expresso pode ser tanto aberta quanto

    velada. Essas posturas podem resultar de discor-

    dncias de diversa natureza, referindo-se no

    apenas direo, mas, tambm, a disputas entre

    grupos por questes as mais diversas, tais como

    concepes de educao, relaes com dirigen-

    tes e com pais, formas de tratamento dos alunos,

    uso dos equipamentos escolares, participao

    em movimentos reivindicatrios etc.

    Tais grupos, no entender de Souza (2012),

    compem organizaes informais dentro da ins-

    tituio. Para ele, os hbitos, valores, crenas,

    representaes, emergem dessas organizaes

    informais, e esses elementos no coincidem, ne-

    cessariamente, com os objetivos e estratgias

    das organizaes formais nas quais [as escolas]

    existem (p. 162). Disputam poder entre si e

    com a direo, tendo em vista fazer predominar

    sua perspectiva.

  • 36

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    Ento a democracia na escola depende do

    embate de posies...

    A participao ou no na gesto pode ser

    influenciada por tal circunstncia. Se as posies

    discordantes no se manifestam e no disputam

    o poder de forma aberta, possvel que tais insa-

    tisfaes se convertam em recusa dissimulada a

    participar. Se, por outro lado, ganham manifesta-

    o pblica, ensejam o debate e, nesse sentido,

    ainda que possam acirrar nimos e, da mesma

    forma, promover a recusa participao, podem,

    tambm, pelo embate dos argumentos, suscitar

    a discusso democrtica dos rumos a seguir, re-

    lativamente aos temas em disputa.

    Conseguir que os usurios internos e ex-

    ternos da escola assumam responsavelmente as

    decises implica criar condies para que o fa-

    am. Nesse sentido, necessrio que pais, fun-

    cionrios, alunos e professores se disponham a

    participar e que tenham tempo para conhecer os

    temas a respeito dos quais decises sero toma-

    das e, evidentemente, para fazer parte das reu-

    nies. Tais questes afetam a todos, em primeiro

    lugar pela concepo disseminada e reiterada

    pela gesto autoritria de que a responsabilidade

    da gesto cabe ao diretor da escola, que ganha

    para isso e, em segundo lugar, pela sobrecarga de

    trabalho decorrente.

    Sobretudo, afetam os pais. Em um estudo

    a respeito, Paro (1997, p. 54) elenca trs gran-

    des aspectos que condicionam a participao dos

    pais na vida da escola, os quais no sero mais

    aprofundados por falta de espao. So eles:

    1) condicionantes econmico-sociais, ou as reais condies de vida da populao e, a medida em que tais condies pro-

  • 37

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    porcionam tempo, condies materiais e disposio pessoal para participar; 2) condicionantes culturais, ou na viso das pessoas sobre a viabilidade e a possibili-dade de participao, movidas por uma viso de mundo e de educao escolar que lhes favorea a vontade de partici-par; 3) condicionantes institucionais, ou os mecanismos coletivos, instituciona-lizados ou no, presentes em seu am-biente social mais prximo, dos quais a populao pode dispor para encaminhar sua ao participativa.

    O primeiro aspecto autoevidente, por

    isso no ser comentado. Quanto ao segundo,

    o autor questiona o argumento de que os pais

    no participam da vida escolar por no terem in-

    teresse na educao dos filhos. Argumenta, ao

    contrrio, que a ausncia de participao pode

    ser atribuda a no clareza da sua importncia na

    gesto da escola pblica. Tal falta de clareza deve

    ser tributada, segundo o autor, tradio auto-

    ritria presente na sociedade brasileira que, ao

    fechar todas as oportunidades de participao na

    vida da sociedade, em particular na escola pbli-

    ca, induz as pessoas a nem sequer imaginarem tal

    possibilidade (PARO, 1997, p. 58). Paro desta-

    ca, ainda, que os pais experimentam sentimentos

    de medo em relao escola, seja pelo seu fe-

    chamento em relao participao, seja por se

    sentirem constrangidos ao se relacionarem com

    pessoas de melhor nvel social e educacional que

    dominam o saber pedaggico, seja por receio

    de represlias.

    No que se refere ao terceiro aspecto,

    Paro, examinando coletivos institucionalizados

    que envolvem a participao de residentes lo-

    cais, constatou que estes se voltam para o aten-

  • 38

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    dimento de interesses imediatos dos moradores

    e atribui tal fato descrena das pessoas na pos-

    sibilidade de, a curto e mdio prazo, verem atin-

    gidos objetivos sociais mais amplos em funo

    da falta de compromisso do Estado. Por outro

    lado, verificou que as posturas das lideranas de

    movimentos locais mostraram-se contraditrias:

    de um lado, reivindicavam a concretizao de

    seus direitos sociais e, de outro, revelaram apatia

    no que se referia participao na escola.

    Esta observao chama a ateno para

    um aspecto pouco lembrado quando se trata de

    estimular a maior participao dos pais na vida

    da escola. Trata-se da desejvel articulao desta

    com os movimentos sociais existentes nos bair-

    ros em que as escolas esto situadas, seja para

    sensibiliz-los relativamente s questes que a

    instituio enfrenta para realizar as tarefas sociais

    que lhe so cometidas, tornando-os aliados nessa

    luta, seja para, por intermdio deles, sensibilizar

    os pais para o envolvimento com as atividades

    escolares, como trabalho de natureza poltica e

    no como serventia ou mera vigilncia.

    Reflexo e aoTente realizar com um grupo de colegas

    a identificao de aes de carter patrimonialis-

    ta presentes no interior da escola ou na relao

    desta com os pais.

    Faa o mesmo com exemplos concretos

    de autonomia concedida e autonomia efetiva

    nas escolas onde atuam.

    Junto com um grupo de colegas, troquem

    e registrem suas experincias relativas forma

    como os pais com que tm contato se manifes-

    tam a respeito dos trs aspectos que, segundo

  • 39

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    Paro, condicionam a participao deles na vida

    escolar.

    Com base no que discutiram, proponham

    formas pelas quais possam ser rompidas e supe-

    radas as prticas patrimonialistas existentes na

    escola, assim como formas de articulao com

    os familiares dos alunos que ajudem a superar os

    condicionantes que dificultam sua participao.

    6. A gesto do trabalho pedaggico: o PPP em ao

    Quem define para onde a escola deve ru-

    mar?

    At agora trouxemos algumas indicaes

    acerca da gesto escolar, resgatando princpios e

    estratgias, mas importante que se tenha claro

    que gesto democrtica no uma exigncia ape-

    nas para a necessria tomada de deciso sobre

    as grandes questes que envolvem a escola. A

    democracia deve ser um exerccio permanente e

    cotidiano, em todos os ambientes e momentos

    da escola, somente assim ela poder se fazer viva

    e se constituir como um elemento da cultura ins-

    titucional, no apenas uma prtica de eleio.

    Compreendida assim, a democracia as-

    sume uma importante funo pedaggica, pro-

    movendo pessoas democrticas e solidrias e

    permitindo a construo de um projeto coletivo

    de escola. Em dois momentos da vida escolar, a

    gesto democrtica mostra-se particularmente

    importante: na construo do Projeto Poltico-

    Pedaggico (PPP) e no exerccio do ensino e da

    aprendizagem na sala de aula.

  • 40

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    Nestes momentos se deve tambm exer-

    citar os princpios da participao, da gesto co-

    legiada e da autonomia, em benefcio de uma

    escola viva e capaz de promover o crescimento

    pessoal e social dos estudantes jovens e adultos

    de nossas escolas de ensino mdio.

    6.1. O Projeto Poltico-Pedaggico (PPP)

    Que tipo de cidados queremos formar?

    Em que direo a nossa escola deve ir? Que ati-

    vidades e disciplinas devem ser organizadas para

    que se chegue neste lugar? Como devem ser dis-

    tribudos o tempo e os espaos de ensino e de

    aprendizagem? Quais os critrios de aprovao

    ou reprovao dos alunos nas suas sries? Estas

    so algumas questes que devem ser definidas

    no Projeto Poltico-Pedaggico das escolas.

    O PPP, mais do que uma exigncia legal,

    a definio das regras do jogo no mbito da es-

    cola. por meio dele que a comunidade escolar

    (professores, alunos, tcnicos educacionais, co-

    munidade e famlia) define como deve ser aque-

    la escola, como ela deve ser organizada, como

    deve se relacionar com a comunidade onde est

    inserida, que disciplinas devem ser ofertadas

    (considerando a legislao existente), que estra-

    tgias devem ser valorizadas, como fazer a ava-

    liao da aprendizagem, quais os critrios e pes-

    soal envolvido na definio sobre a aprovao ou

    reprovao dos alunos, enfim, como a escola vai

    organizar o processo formativo dos estudantes

    que esto sob sua responsabilidade.

    Projeto porque indica uma direo,

    Poltico porque resulta das relaes de fora

    existentes na escola e porque toma partido so-

    A LDB define em seu Art. 12 que os estabelecimen-tos de ensino, respeitadas as normas comuns e as do seu sistema de ensino, te-ro a incumbncia de [...] elaborar e executar sua proposta pedaggica. No seu Art. 14, toma a par-ticipao dos profissionais da educao na elaborao do projeto pedaggico da escola como um dos prin-cpios da gesto democr-tica do ensino pblico na educao bsica.

  • 41

    Formao de Professores do Ensino Mdio

    bre o que fazer e o que no fazer, Pedag-

    gico porque pressupe uma definio do tipo

    de ser humano que se quer formar. Por isso o

    Projeto Poltico-Pedaggico deve ser entendi-

    do como uma tomada de posio e um consenso

    possvel da comunidade da escola sobre o que

    se deve fazer para se formar os indivduos que

    esta comunidade cr que devam ser formados

    na escola.

    A professora Ilma Veiga, uma das mais im-

    portantes pesquisadoras brasileiras sobre gesto

    escolar, define assim o PPP:

    O projeto poltico-pedaggico busca um rumo, uma direo. uma ao intencio-nal, com um sentido explcito, com um compromisso definido coletivamente. Por isso, todo projeto pedaggico da es-cola , tambm, um projeto poltico por estar intimamente articulado ao compro-misso sociopoltico e com os interesses reais e coletivos da populao majorit-ria. [...] Na dimenso pedaggica reside a possibilidade da efetivao da intencio-nalidade da escola, que a formao do cidado participativo, responsvel, com-promissado, crtico e criativo. Pedaggi-co, no sentido de se definir as aes edu-cativas e as caractersticas necessrias s escolas de cumprirem seus propsitos e sua intencionalidade (VEIGA, 1995).

    Mas o PPP s pode se constituir como um

    instrumento da gesto democrtica da escola se

    estiver garantida a ampla participao da comu-

    nidade na discusso, na execuo e na avaliao

    deste projeto, se for assegurada a autonomia

    de livre manifestao das diferentes categorias

    que compem a escola e se for resultado de de-

    ciso do colegiado representativo daquela co-

    munidade.

  • 42

    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    O PPP constitui-se, portanto, como re-

    sultado de trabalho coletivo de planejamento e,

    ao mesmo tempo, expresso de uma concepo

    de educao e de escola que tambm deve servir

    de base para a sua construo.

    O PPP o mesmo que o plano de curso

    das matrias?

    comum algumas pessoas confundirem

    o PPP com a grade curricular da escola, apesar

    desta ser um de seus requisitos. Ele muito mais

    que isso, muito mais que um documento es-

    crito e reescrito a cada X anos. O PPP deve ser

    entendido como uma tomada de posio, em

    funo de uma leitura da realidade e embasado

    em alguns valores e em uma concepo de edu-

    cao; sobre os processos de ensino e de apren-

    dizagem desenvolvidos na escola.

    Em geral, a literatura que trata do PPP na

    perspectiva da gesto democrtica da escola su-

    gere algumas etapas para a sua construo:

    a) O diagnstico da realidade. Nesta eta-

    pa busca-se reconhecer o aluno, o seu trabalho e

    o seu contexto local e amplo.

    I - Para isso, faz-se necessria a coleta das informaes sobre os alunos, as suas famlias e a sua comunidade em termos de organizao, trabalho, condies de vida, mobilidade, expectativas, deman-das escola, disponibilidades para traba-lho conjunto, vida cultural, etc. de modo a obter a configurao mais completa possvel dos destinatrios da educao a ser promovida pela escola. necessrio tambm pensar estratgias para obten-o dessas informaes para que no resultem apenas em dados estatsticos, mas em um retrato de histria de vida dos alunos da escola;

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    Formao de Professores do Ensino Mdio

    II - Tambm preciso traar um diagns-tico das condies concretas da escola, de modo a dimensionar as dificuldades a serem enfrentadas, as experincias agra-dveis, os recursos humanos existentes, os equipamentos disponveis, bem como a disposio para o trabalho pedaggico.

    b) Na discusso de uma proposta curri-

    cular inicial e orgnica busca-se contemplar (na

    medida do possvel) as exigncias legais, a pers-

    pectiva da formao integrada e as expectativas

    de alunos e suas famlias. Isso implicar prova-

    velmente em muitas rodadas de negociao, al-

    gumas tenses, consensos e dissensos. Deve-se

    tomar cuidado na discusso coletiva da proposta

    curricular, pois, pela sua especificidade, implica

    consideraes sobre contedos escolares, meto-

    dologia, avaliao, portanto, conhecimentos no

    detidos por todos os interessados, o que requer,

    na medida do possvel, a conduo acessvel do

    debate. Deve-se ter claro neste momento que

    a perspectiva de Educao Integral assumida nas

    Diretrizes Curriculares Nacionais para o Ensino

    Mdio DCNEM deve favorecer estrat-gias de organizao curricular que valorizem o

    desenvolvimento das capacidades de fazer e de

    pensar, que compreendam integradamente di-

    menses da cultura, da cincia, das tecnologias

    e do trabalho humano, respeitando as culturas e

    especificidades locais. Para o planejamento cur-

    ricular, o educando/estudante deve ser tomado

    como centro;

    c) Desenvolvimento e avaliao. O PPP

    assim construdo expressaria a vontade de um

    coletivo escolar (ou da maioria de seus membros)

    e, na sua execuo, este coletivo deve assumir a

    O termo currculo utili-zado, na produo acad-mica, ora para se referir ao objeto de estudo de um campo na rea de educa-o, ora para se referir a esse campo (PACHECO e OLIVEIRA, 2013, p. 25). Sendo objeto de estudo de um campo, o currculo tem sido entendido como um projeto cultural assu-mido pela escola e como resultado da correlao de foras internas e externas escola.

    Para conhecer melhor as DCNEM (Resoluo n 2, de 30 de janeiro 2012), entre no seguin-te endereo: .

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    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    responsabilidade de faz-lo efetivo. Todos traba-

    lhando levando em considerao este projeto.

    Se cada um atirar para o lado em que o nariz

    aponta, ento, o projeto construdo assumir a

    forma burocrtica de um documento fadado a

    apenas ocupar espao nas estantes da Secretaria

    Escolar. esta ao compartilhada que pode fa-

    zer com que a ao pedaggica tenha maior efe-

    tividade. O acompanhamento e a avaliao deste

    projeto por toda a comunidade tambm devem

    ser permanentes. Por ser um apontamento de

    direo, no dia a dia da escola que ele re-

    vela suas positividades e fragilidades, cabendo

    comunidade escolar potencializar o que funciona

    no projeto e tentar contornar, colaborativamen-

    te, as suas lacunas e insuficincias. Por ser re-

    sultado de uma ao contnua de planejamento,

    avaliao e reviso do planejamento, o PPP deve

    ter como uma de suas principais caractersticas a

    flexibilidade.

    Para Vasconcelos (2000), a flexibilidade

    no s permite maior interao com as prticas

    do professor, mas, sobretudo, porque, em no

    se tornando uma camisa de fora obrigando o

    professor a cumprir um papel, serve como mola

    propulsora para uma reflexo mais precisa da re-

    alidade.

    O professor faz diferena na construo

    do PPP?

    Se a histria da educao brasileira mar-

    cada pela imposio de projetos pedaggicos

    definidos de cima pra baixo, nela tambm h

    muitas demonstraes de que os profissionais da

    educao resistem quilo que no lhes convence,

    dificultando ou inviabilizando aquelas propos-

    tas. Isso dito para retomar a ideia de que, sem a

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    Formao de Professores do Ensino Mdio

    participao ativa dos profissionais da educao,

    os Projetos Poltico-Pedaggicos das escolas es-

    taro inviabilizados como projeto coletivo. Parti-

    cipao, colegialidade e autonomia so princpios

    necessrios para que estes projetos coloquem-

    se como direo de ao.

    6.2. A sala de aula e a vivncia pedaggica

    democrtica

    Mas na sala de aula tambm necessrio

    fazer a democracia?

    Sim, na sala de aula, o PPP se coloca em

    ao, mas tambm na sala de aula a democracia

    deve ser um exerccio, como uma atitude per-

    manente de ampliao das capacidades de inter-

    veno humana sobre a realidade.

    Tomar a sala de aula como espao demo-

    crtico requer, respeitando as especificidades

    das funes docentes e discentes, assegurar o

    dilogo, o respeito s diferenas, a promoo da

    autonomia de pensamento e de ao; o estmulo

    ao trabalho solidrio e s decises negociadas.

    Os procedimentos de ensino tambm de-

    vem guardar coerncia com o projeto de gesto

    democrtica da escola, pois estes esto sempre

    subordinados, poltica e metodologicamente, s

    suas finalidades e s prticas sociais que as con-

    formam. Os procedimentos de ensino podem

    estar a servio da manipulao, da fragmentao

    da cultura ou da perspectiva de integrao do sa-

    ber e da autonomia dos indivduos. Sendo assim,

    considerando o direito de todos formao

    humana integral, torna-se possvel e neces-

    srio repensar os diferentes procedimentos de

    ensino, de modo que eles se orientem pela ideia

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    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    de democracia e que a busquem como um fim.

    Um estudo dirigido, por exemplo, pode perder a

    conotao planificante que o definia, assumindo

    uma perspectiva problematizadora, assim como

    tambm se pode fazer com que a aula expositiva

    seja mais dialgica. Qualquer tcnica, compreen-

    dida como mediao, deve ser reconhecida em

    sua historicidade, em seus limites e potencialida-

    des e com potencial para fortalecer o empodera-

    mento dos alunos ou o seu esprito de submisso.

    As metodologias de ensino e de aprendizagem a

    serem trabalhadas em sala de aula devem

    levar a pensar a partir da prtica educa-tiva da escola/do cho da escola, de seus sujeitos na sua diversidade; incluindo a sistematizao, anlise e registro de ex-perincias (exemplo: rodas de dilogo sobre as diretrizes a partir do material produzido; mosaico da juventude, den-tre outras) (BRASIL/MEC, 2013, p. 4).

    A sala de aula o espao privilegiado do

    fazer pedaggico tradicional, mesmo que no

    seja o nico, e se o compromisso da escola

    formar indivduos solidrios (e no concorren-

    tes), autnomos (e no dependentes) e cria-

    tivos (e no repetitivos), cabe aos profissionais

    da educao e s escolas tomarem a sala de aula

    como espao de aes pedaggicas que valori-

    zem a auto-organizao, o trabalho cooperativo

    e que tenham a problematizao como estrat-

    gia bsica para o ensino e a aprendizagem. Mas

    a possibilidade de implementao de aes mais

    dinmicas e criativas depende tambm das con-

    dies concretas para a sua realizao. Assim, a

    efetivao de prticas pedaggicas integradoras

    entre a teoria e prtica, entre o pensar e o fazer,

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    Formao de Professores do Ensino Mdio

    podem ser facilitadas ou dificultadas se houver

    na escola espaos adequados como laboratrios

    e salas de artes, material esportivo, por exemplo,

    que permitam o desenvolvimento da autonomia

    e das amplas capacidades humanas.

    A tarefa de promover a auto-organizao

    dos estudantes exige que o aluno passe por uma

    variedade de formas organizacionais, o que pode

    ser conseguido dando-se auto-organizao for-

    mas mais flexveis, que se adaptem cada vez s

    novas tarefas (PISTRAK, 2009, p. 123).

    Ento a democracia tambm aparece nas

    formas do professor dar aula? Como?

    Diferentes so as possibilidades de traba-

    lho didtico, mas a assuno de alguns princ-

    pios, polticos e pedaggicos, que pode conduzir

    democratizao do saber, e no espao de sala

    de aula cabe ao docente o delicado exerccio da

    mediao entre os alunos e a cultura elaborada

    e, em particular, da manuteno do ambiente

    dialgico e cooperativo, pois somente assim se

    ampliam as capacidades humanas e se constroem

    a democracia e o esprito colaborativo entre os

    discentes.

    Reflexo e aoVoc conhece o PPP de sua escola? Voc

    sabe quando e como ele foi construdo? Procure

    saber sobre este processo de sua escola. Procu-

    re tambm conhecer o seu contedo e, princi-

    palmente, quais so suas principais finalidades.

    Converse com os seus colegas sobre o

    PPP de sua escola e verifique se h necessidade

    de uma reviso ou reconstruo do dele.

    Como est o ambiente em sua sala de

    aula? Prevalece a hierarquia ou o dilogo? Os alu-

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    Organizao e Gesto Democrtica da Escola

    nos tm a possibilidade de aprender e se desen-

    volver como cidados? Pense sobre isso e reflita

    sobre a sua postura e suas estratgias de ensino,

    se elas favorecem mais ao desenvolvimento de

    seres adestrados ou de seres reflexivos.

    Referncias

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    neiro, Forense Universitria, 1995.

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    cimento dos Conselhos Escolares, novembro de

    2004.

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    BEISIEGEL, C.. Ao Pol