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Nº 21 · 2008 · ISSN 0870-7375 · ANUAL Cabo Mondego Monumento Natural Sismotectónica e Segurança Nuclear Modelação conceptual em geologia Evolução recente do ensino secundário em Portugal

Geonovas n.º 21

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Nº 21 · 2008 · ISSN 0870-7375 · ANUAL

Cabo MondegoMonumento Natural

Sismotectónica e Segurança NuclearModelação conceptual em geologiaEvolução recente do ensino secundário em Portugal

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ÍNDICE

Pag. 11 Sismotectónica e Segurança Nuclear: O caso do Douro InternacionalA. Ribeiro, F. Barriga, J Cabral

Pag. 17 A alteração hidrotermal como factor de diversificação de litótipos graníticos róseos com interesse ornamental - estudo de casosJ. M. Fernandes, C. L. Gomes

Pag. 31 Colecções e exposições de geociências: velhas ferramentas para novos olharesJ. Brandão

Pag. 41 Modelação conceptual em Hidrogeologia: um caso de estudo na região da Serra da EstrelaJ. Espinha Marques; J. M. Marques; J. M. Carvalho; J. Samper; P. M. Carreira; P. E. Fonseca, F. M. Santos, H. Chaminé;

P. G. Almeida; R. M. Moura1; F. Sodré Borges1; A. Pinto de Jesus

Pag. 53 Os sedimentos da albufeira da Venda Nova (rio Rabagão) e a “erosão” das praiasA. L. Costa, H. P. Granja

Pag. 67 Evolução recente do Ensino Secundário em Portugal e suas implicações nos currículos de Geologia: a perspectiva da Associação Portuguesa de GeólogosE. Bolacha, A. Mateus

Pag. 75 Novos currículos de Geologia no Ensino Secundário português: contributos da Associação Portuguesa de GeólogosE. Bolacha, A. Mateus

Pag. 87 Passeio Geologico de Lisboa a LeiriaP. Choffat

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VAMOS METER OS GEÓLOGOS NA ORDEM? A Associação Portuguesa de Geólogos (APG) nasceu em 1976 numa época de profundas

mudanças, em que todos os sonhos e todas as reivindicações pareciam possíveis. A sua criação espelhava então a urgência do reconhecimento social e político da profissão e, sobretudo, o anseio de a resgatar de décadas de subalternização na generalidade das carreiras do Estado e das empresas. Em causa estava uma velha aspiração dos geó-logos portugueses: criar uma associação profissional capaz de exercer as funções de representação dos interesses dos seus membros, de auto-regulação e de participação na definição e na execução de políticas públicas de interesse geral. Os Estatutos da APG denotam claramente a intenção de criar uma associação profissional capaz de evoluir

para a génese de uma futura Ordem. Nos anos que se seguiram, a comunidade profissional dos geólogos revelou-se porém demasiado frágil e incapaz de cumprir esse objectivo. Ao longo de três décadas de existência, a APG manteve uma actividade essencialmente virada para o ensino, à custa do interesse e da fidelidade de um grande número de professores licenciados em geologia. Sem o peso de outras actividades mais representativas da profissão, a APG revelou-se incapaz de mobilizar os geólogos como grupo profissional e sobretudo de atrair os geólogos mais jovens entretanto saídos das nossas escolas.

Acreditamos que chegou o momento de alterar esta situação. Presentemente, somos alguns milhares e já não precisamos de fazer prova de vida. Estamos nas universidades, nos laboratórios do Estado e na administração pública e afirmámos há muito o valor da nossa presença nas empresas. Temos um perfil profissional distinto, caracterizado por uma formação superior universitária específica e pela singularidade das nossas competências profissionais. Simbolicamente, nos anos 60, com a teoria da Tectónica de Placas, antecipámos a globalização, mostrando a nossa vocação para lidar com a complexidade num mundo em rápida mutação, e sinal de que estamos bem preparados para enfrentar o futuro. Vamos portanto regressar ao futuro que idealizámos há trinta anos e lutar pela criação de uma Ordem dos Geólogos. Para tanto, é condição prévia que os geólogos assumam a sua identidade profissional, rompam com a longa tradição de fraco exercício de cidadania e venham participar activamente na construção da sua associação pública profissional. A mobilização dos geólogos portugueses como grupo profissional implica a realização de um inquérito nacional, visando saber quantos somos? quem somos? o que faze-mos e onde? Este inquérito, que iremos lançar no início de 2009, será o ponto de partida de um Movimento Pró-Ordem dos Geólogos cuja legitimidade se baseará no apoio do maior número possível de geólogos, representativos de todo o país e da maioria das actividades profissionais da geologia.

A empresa é difícil, mas há motivos de esperança. No passado dia 12 de Novembro, assisti na Assembleia da República à inauguração da exposição “As Ciências da Terra ao serviço dos cidadãos”, realizada no quadro da Década das Nações Unidas da Educação para o Desenvolvimento Sustentável. Após uma apresentação do Prof. António Marcos Galopim de Carvalho, e de uma curta intervenção do Embaixador Fernando Andresen Guimarães, Presidente da Comissão Nacional da UNESCO, encerrou a sessão o Dr. Jaime Gama, Presidente da Assembleia da República, que nos surpreendeu com um excelente im-proviso sobre o valor da Geologia revelando uma cultura científica e filosófica no domínio das Ciências da Terra, no mínimo inesperada, se tivermos em conta a proverbial distância da classe política relativamente a estas matérias. É claro que o Dr. Jaime Gama, além de um homem de elevada cultura, é um açoreano curioso, familiarizado desde a infância com as mani-festações de uma Terra viva na vizinhança da dorsal do Atlântico. Não obstante, ouvir a segunda figura do Estado referir-se à Geologia de uma forma tão elevada e afectiva, não pode deixar de constituir para todos nós um momento de satisfação e um sinal de encorajamento.

António Gomes Coelho

Presidente da APG

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Cabo Mondego, Monumento Natural

Data de 1994, e na sequência de Presidência Aberta sobre o Ambiente (Mário Soares), a entrega, no Instituto de Conservação da Natureza (ICN), de Relatório de Fundamentação Científica de apoio à classificação do Cabo Mondego como Monumento Natural, de acordo com a legislação em vigor (Dec. Lei nº 19/93 de 23 de Junho, que cria a Rede Nacional de Áreas Protegidas). Nele se defende o valor científico e pedagógico, de relevância internacional, da espessa série de sedimentos que afloram no sector ocidental da Serra da Boa Viagem e que representam, de forma singular, eventos determinantes para a história da Terra, no intervalo compreendido entre 180 e os 140 milhões de anos, isto é, o Jurássico Médio e Superior. O relatório apresentado incluía dezenas de pareceres de cientistas e instituições científicas nacionais e internacionais, atestando o valor científico do local, facto que vem a ser reforçado quando, em 1996, a IUGS (União Internacional de Ciências Geológicas) ali estabelece o estratotipo de limite (GSSP) do andar Bajociano (foto à esquerda).

Mas o processo de classificação do Cabo Mondego não registou qualquer avanço durante os anos subsequentes, apesar de, em 2000 e por resolução do Conselho de Ministros, o Cabo Mondego ser inserido na Rede Natura 2000.

Já em 2002, a Câmara Municipal da Figueira da Foz recebe o Projecto de Decreto Regulamentar relativo à classifica-ção do Cabo Mondego, e o Executivo delibera a favor da sua aprovação. Em 2003, a sua Assembleia Municipal aprova por unanimidade, e como reforço da iniciativa anterior, a proposta de classificação do Cabo Mondego como Imóvel de Interesse Municipal.

O ano de 2003 regista nova visita presidencial, desta feita protagonizada pelo Presidente Jorge Sampaio, trazendo novamente ao domínio público, a necessidade de preservar o património geológico ímpar do Cabo Mondego, caracteri-zado pela abundância e diversidade de fósseis de amonites no Jurássico Médio (flanco norte da Serra da Boa Viagem), fundamentais na calibragem das escalas do tempo geológico, e por um registo sedimentar que inclui uma grande variedade de estruturas sedimentares bem definidas, acompanhadas de associações diversificadas de fósseis típicos de diferentes paleoambientes (corais, equinodermes, bivalves, braquiópodes, gasterópodes, crinóides, restos vegetais) no Jurássico Superior (flanco norte da Serra da Boa Viagem). É justamente nesta posição estratigráfica (Oxfordiano) que, em 1884, foram reconhecidas várias pegadas de dinossaúrios terópodes, atribuídas a megalosaurídeos (foto à direita).

Fig. 1 – Localização do GSSP do andar Bajociano no Cabo Modego. Fig. 2 – Registo de pegadas de dinossaúrios terópodes no Oxfordiano

do Cabo Mondego.

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Mais recentemente, em 2005, o Grupo Parlamentar do Partido Comunista Português envia um requerimento ao Governo indagando sobre o processo de classificação do Cabo Mondego. Do Gabinete do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional a resposta é que o processo está em apreciação, e em 2006, a Comissão Parlamentar de Poder Local, Ambiente e Ordenamento do Território realiza uma visita oficial ao Cabo Mondego.

Por fim, o Governo aprova, em Conselho de Ministros de 6 de Junho de 2007, no âmbito das comemorações do Dia mundial do Ambiente, a Resolução que aprova o Decreto Regulamentar de criação do Monumento Natural do Cabo Mondego, cuja publicação em Diário da República, 1ª série – Nº191-, é publicada em 3 de Outubro de 2007 (Decreto Regulamentar nº 82/2007 do Ministério do Ambiente, do Ordenamento do Território e do Desenvolvimento Regional).

Tal facto demonstra várias coisas. Demonstra que a Geologia e a aplicação dos fenómenos geológicos são ainda des-conhecidos da maioria das pessoas. Demonstra que se o geólogo não se ergue para falar, outros grupos simplesmente avançarão para ocupar a nossa área de conhecimento, e conseguirão fazê-lo porque a sociedade não tem capacidade para distinguir os verdadeiros geólogos profissionais de pessoas com fracos conhecimentos de geologia. Demonstra que é nosso dever erguer a voz e informar a sociedade de modo a salvar vidas e dinheiro, e a promover um desenvol-vimento sustentado da sociedade. Ninguém nos vai convidar, teremos de nos fazer convidados. O Geólogo tem o dever de se envolver muito mais no debate público, pois é da nossa responsabilidade partilhar com a sociedade o nosso conhecimento especializado em recursos naturais, registos climáticos, etc, e a não menos importante protecção civil e riscos naturais.

Maria Helena Henriques

Departamento de Ciências da Terra

Faculdade de Ciências e Tecnologia

Universidade de Coimbra

[email protected]

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O Património Paleontológico da região de Barrancos

Até há poucos anos, a vila de Barrancos era mais conhecida por desafiar as leis do estado com os “touros de morte”. Legalizada a “faena”, passou-se aos “prazeres da barriga”, com os enchidos e o presunto “pata negra”. Se, para o cidadão comum, estas são as referências que têm sobre Barrancos, para os científicos, particularmente os geólogos, esta região reune um património geológico, principalmente de carácter paleontológico, de elevado valor nacional e internacional. Este património começou a ser descoberto por Nery Delgado, que, na década de setenta do século XIX, iniciou mais de vinte anos de estudos, cujos resultados foram maioritariamente incorporados nas suas publicações “ Systéme Silurique du Portugal ” (1908) e “ Terrains Paléozoiques du Portugal, étude sur les fossiles des Schistes à Nereites de San Domingos et des Schistes à Nereites et à Graptolites de Barrancos ” (1910). Estes trabalhos consti-tuem ainda hoje um marco de fundamental importância no conhecimento geológico do País, tendo, naquela altura, assumido grande relevo a nível internacional, em particular os seus estudos paleontológicos, incluindo os icnofósseis, de que foi um dos pioneiros a nível mundial. As investigações de Nery Delgado conduziram à elaboração da 1ª carta geológica (Figura 1) e da 1ª sequência estratigráfica para a região de Barrancos, que incluía terrenos desde o Câmbrico Médio-Superior? ao Devónico Inferior.

Dos dados paleontológicos por ele determinados, destacam-se os icnofósseis da Formação dos Xistos com Phyllodo-cites do Ordovícico Inferior, que uma revisão recente estima em cerca de 22 formas diferentes, e os graptólitos do Ordovícico e do Silúrico, de que se conhecem actualmente, deste último período, quase uma centena de espécies.

Geologia da região de Barrancos, segundo Nery Delgado (1908)

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Até à década de oitenta do século passado, a investigação geológica foi mais reduzida na região, mas ainda assim proporcionou avanços, entre outros, no conhecimento do período Devónico, com base principalmente em faunas de trilobites e braquiópodes.

Um novo e determinante avanço na investigação geológica de Barrancos seguiu-se à publicação, em 1982, da Carta Geológica de Barrancos, à escala 1: 50 000, com o desenvolvimento de vários estudos de natureza estratigráfica e paleontológica, de que resultam resultados importantes nos domínios da bioestratigrafia dos graptólitos, crinóides, acritarcas e esporos e da estratigrafia regional. As unidades estratigráficas do Paleozóico inferior de Barrancos pas-sam a ser utilizadas como referência a nível regional, inclusivamente em Espanha, para cujo território se prolongam, sendo de destacar as relativas ao Sistema Silúrico, que foram precisadas em termos do conhecimento litológico e paleontológico, neste caso, com base na identificação de 19 biozonas de graptólitos.

O rico património geológico de Barrancos veio despertar o interesse de cientistas nacionais e estrangeiros, sendo várias as visitas programadas, muitas delas inseridas em reuniões de âmbito nacional, como o XXIV Curso de Actu-alização de Profs. de Geociências (2004) e o VII Congresso Nacional de Geologia, e internacional, como o “Field Me-eting” da Subcomissão Internacional de Estratigrafia do Silúrico (1998) e o “CIMP Lisbon 2007”, das Subcomissões Internacionais de Esporos/Pólens e Acritarcas. Também a Câmara Municipal de Barrancos reconheceu o valor deste património, ao classificar a sequência do Silúrico, situada ao km 102.15 da EN 258 (Figura 2), como “sítio natural de valor cultural e científico, de interesse municipal” (edital 14/98 de 6 de Julho de 1998) e ao editar, em 2001, o livro “Breves apontamentos sobre a geologia da região de Barrancos”, como I volume da colecção Catálogo do Museu de Barrancos.

Em 2007, o recém criado Parque de Natureza de Noudar, entidade público-privada ligada à EDIA/ Empresa de Desen-volvimento Integrado do Alqueva, passou a integrar os principais “sítios geológicos” da sua área, nas visitas guiadas aos roteiros pedestres do parque.

José Manuel Piçarra d Almeida

Departamento de Geologia

Laboratório Nacional de Energia e Geologia (Beja)

Sequência do Silúrico, com protecção de âmbito municipal.

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A INTEGRAÇÃO DO TERRITÓRIO NATURTEJO NA EUROPEAN AND GLOBAL GEOPARKS NETWORK ASSISTIDA PELA UNESCO

Em 2004, a Associação de Municípios Natureza e Tejo, composta pelos concelhos de Castelo Branco, Idanha-a-Nova, Nisa, Olei-

ros, Proença-a-Nova e Vila Velha de Ródão, criou a Naturtejo. Esta empresa de capitais maioritariamente públicos foi pensada

para promover turisticamente, quer em Portugal, quer além fronteiras, uma região que corresponde em área a cerca de 5% do

território nacional. Um território dominado pelo sector agrícola em generalizada decadência, onde os serviços se concentram nas

sedes concelhias e na única cidade de média dimensão, Castelo Branco; onde as aldeias estão em perda acelerada de população

nestes que são alguns dos mais envelhecidos concelhos de Portugal. Um passado remoto de fronteira legou séculos de abandono

das terras, contribuindo para uma paisagem dominada pela ausência de povoados. Mas este deserto de gentes teve como efeito

positivo a preservação da Natureza num estado ainda primitivo, reminiscente do ordenamento territorial Romano. No final da

década de 90, é criado o Parque Natural do Tejo Internacional, considerado um santuário de avifauna dos mais importantes da

Europa. O concelho de Nisa apresenta mais de 50% da sua área classificada como Sítio Rede Natura, que também o é a Serra da

Gardunha no concelho de Castelo Branco.

Apesar das valências naturais e culturais conhecidas, o território da Naturtejo nunca teve uma política de desenvolvimento turís-

tico consistente. Se o concelho de Idanha-a-Nova tinha alguma experiência e atraía visitantes pela existência do complexo termal

de Monfortinho, pela certificação nacionalista de Monsanto como “a aldeia mais Portuguesa” no tempo de António Ferro e pelas

reservas de caça “grossa” criadas por grandes grupos económicos, se a cidade de Castelo Branco consistia per si no pólo turís-

tico isolado esperável da metrópole capital de distrito, ainda que sem grandes atributos, já a região do Pinhal Interior (Oleiros

e Proença-a-Nova) só hoje procura acordar para a realidade dos mercados turísticos. Assim se explica o atraso do território da

Naturtejo face ao desenvolvimento turístico: concelhos de fronteira, fronteira nacional, fronteiras distritais, fronteiras culturais,

fronteiras de interesses políticos; concelhos dominados pelo latifúndio em regiões de solos pobres, ou por monoculturas florestais;

óptimas acessibilidades numa região de passagem entre o litoral e as florescentes cidades da Covilhã e do Fundão ou Espanha;

desertificação galopante, de gentes e dos solos tragados por uma ocupação agrícola caótica e pelos fogos dos últimos anos; um

envelhecimento rápido das populações e perda da capacidade produtiva; ausência de dimensão económica, social e, consequen-

temente, política; e, sobretudo, a falta de estratégia e de cultura turísticas.

A experiência turística de Idanha-a-Nova ditou que partisse deste município a grande aposta na concretização de um Geoparque

como projecto-âncora no desenvolvimento turístico de todo o território. A Geologia seria o elemento uniformizador do território,

enquanto detentora do conhecimento para explicar a dinâmica de evolução da paisagem e as interacções histórico-culturais do

Homem com o meio. Em Julho de 2003, ainda antes da criação da Naturtejo, é realizado um seminário em Penha Garcia com o

objectivo de compreender o Património Geológico local. O workshop “Fósseis de Penha Garcia: que classificação” juntou geólo-

gos de diversas instituições portuguesas e espanholas e foi aqui que se deu primeiro passo para o desenvolvimento do primeiro

Geoparque português, que viria a revolucionar as estratégias turísticas já existentes para a região, assentes na Arqueologia,

no património construído e na Etnografia, como é habitual no interior do país. O Prof. José Brilha e a Prof. Graziela Sarmiento

lançam no debate o conceito novo de Geoparque como forma de dinamizar a região de Penha Garcia. De facto, o conceito de Geo-

parque surgiu em 2000 com a criação da European Geoparks Network, contando então com quatro geoparques de França, Grécia,

Alemanha e Espanha. Este conceito implicava a aplicação do Património Geológico numa óptica de desenvolvimento sustentável

assente, regra geral, no Turismo. Em 2004, a marca EGN vê-se reforçada enormemente pelo apoio da UNESCO e é criada a Global

Geoparks Network, com sede na China (Beijing). O movimento era então, como o é ainda hoje, novo, inovador e em crescimento

entusiasmado.

O conceito de Geoparque tinha fortes implicações políticas como estratégia de desenvolvimento e não podia ficar reduzido a Penha

Garcia, até porque um Geoparque implica necessariamente um território com dimensão suficiente para criar sinergias económi-

cas. O projecto de criar um Geoparque num território com 4617km2, mas com menos de 95000 habitantes, governado por 3 cores

políticas, seria muito arriscado, mas era uma intenção inteiramente política, ainda que com o apoio da comunidade geológica.

De facto, às heterogeneidades geopolíticas e um arreigado bairrismo entre aldeias medievais, assumido por séculos de autono-

mia municipal espartilhada no séc. XIX pelas reformas administrativas de Passos Manuel, somava-se a desordem urbanística e

ambiental de alguns aglomerados e espaços que os PDM’s não conseguiram controlar. Mas a tendência governativa nacional em

breve mudaria entrando em fase com os municípios que se impunham neste projecto. Castelo Branco tinha a dimensão da capital

distrital e o peso político requerido, mas a dinâmica das pessoas e ideias advinha de Idanha-a-Nova. E era aí, no Centro Cultural

Raiano, o último castelo da raia e ponte transfronteiriça de culturas, que o conceito de Geoparque germinava e se ia impondo à

medida que o inventário do Património Geológico se realizava.

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E foi pela inventariação que se iniciou o trabalho. Durante largos meses, o trabalho de campo permitiu compreender o território,

os seus pontos fortes e as suas fraquezas, e indicou os principais 16 geossítios identificados nos seis municípios que seriam a

base de trabalho. Os inventários continuam nos dias de hoje, agora uniformizados pelos critérios da ProGEO-Portugal, havendo

levantamentos de pormenor do património geológico para os municípios de Proença-a-Nova, Oleiros e Nisa, assim como dos

recursos turísticos, georreferenciados, para Nisa e Proença-a-Nova. Ainda em 2004 surgem as primeiras propostas de classifica-

ção de Património Geológico. O trabalho iniciado é apreciado pela ProGEO-Portugal, que entrega o 1º Prémio Geoconservação a

Idanha-a-Nova. Das propostas concluídas, resultou a classificação do Conjunto de Penha Garcia (Idanha-a-Nova) e as morfolo-

gias graníticas da Serra da Gardunha (Castelo Branco) como de Interesse Municipal. Num processo patrocinado pelos municípios

de Nisa e Vila Velha de Ródão, a Associação de Estudos do Alto Tejo coordenou exemplarmente a proposta de classificação das

Portas do Ródão como Monumento Natural efectuada ao ICNB. Após tantos anos de lutas por parte da comunidade geológica, foi

preciso a vontade política e a classificação internacional deste território para que as Portas do Ródão tivessem o parecer favorável

da parte do Instituto de Conservação da Natureza. Mais um exemplo demonstrativo que, ao longo de todo o processo de construção

de um Geoparque, as decisões são irrefutavelmente políticas, cabendo ao geólogo o necessário posicionamento estratégico junto

dos decisores e o papel de conselheiro na tomada destas. Um Geoparque, regional, nacional ou da UNESCO é, fundamentalmente,

uma vontade política e/ou social que pode ser apenas iniciada, fundamentada e fomentada pelo geólogo.

A Geologia foi mantida por demasiados anos longe da sociedade. Os seus conceitos e terminologia são estranhos aos portugueses,

pese embora as reformas no ensino das geociências desenvolvidas a partir da década de 90. A Geologia e os geólogos estão muito

longe da importância e do interesse demonstrados pelos arqueólogos e antropólogos (etnógrafos) e seus trabalhos, sobretudo em

regiões que herdaram uma cultura de folclorização nacionalista dos tempos do Estado Novo, ainda hoje preponderante e verificado

pelo número de arqueólogos e etnógrafos amadores. Desde logo, todas as iniciativas desenvolvidas no âmbito do projecto Geopar-

que foram amplamente promovidas nos meios de comunicação locais a nacionais. A Geologia, os seus protagonistas e actividades

desenvolvidas são ainda hoje figuras mediáticas e focos de curiosidade que aparecem quase semanalmente nos jornais regionais.

Para tal, é de importância fulcral a utilização proveitosa da interdependência existente entre as autarquias e os periódicos locais,

das quais estes subsistem em larga medida. O geólogo passou a fazer parte da sociedade local, participando em percursos pedes-

tres, desenvolvendo palestras, atendendo aos mais diversos convites para cooperação com as instituições locais. Inicialmente visto

com desconfiança, o cientista que passa o seu tempo fora de quatro paredes em regiões remotas e que regressa com um discurso

hermético de gíria incompreensível, tem que iniciar um processo de aculturação e descodificação do discurso. O geólogo passa a

fazer parte da sociedade local e interage directamente com as pessoas. É o cientista que divulga as suas descobertas no terreno e

o guia turístico que ajuda a compreender a paisagem. O geólogo tem de se tornar o cidadão dialogante e participante dos eventos

sociais. Este é talvez um dos passos mais importantes na concretização de um Geoparque.

Mas a dinâmica científica não pode ser descurada e exige-se ao geólogo geoconservacionista que se interdiscipline. Ao longo dos

últimos três anos publicaram-se diversos artigos nas áreas do Património Geológico e Mineiro, Paleontologia e Geomorfologia,

seja em publicações da especialidade ou em congressos, nacionais e internacionais. Vários artigos foram escritos para as agen-

das culturais municipais, revistas culturais regionais e um livro “Geopark Naturtejo – 600 milhões de anos em imagens” (com a

1ª edição agora esgotada e a 2ª edição revista e melhorada em vista) procuraram trazer as dimensões das geociências ao grande

público, através de um texto tendencialmente simples e de muita fotografia. Afinal, o objecto de estudo do geólogo pode despoletar

sentimentos profundos a qualquer leigo.

Em Julho de 2006, apenas oito meses após a entrega da candidatura, o Geopark Naturtejo era integrado na rede da UNESCO por

unanimidade, sendo mesmo considerada esta como um marco de transição dos processos de integração de geoparques, pela sua

qualidade e inovação apresentadas. A oficialização do Geopark Naturtejo da Meseta Meridional – UNESCO European and Global

Geopark deu-se a 21 de Setembro, em Belfast, no 2nd International Conference on Geoparks, com a comparência de representan-

tes da Comissão Nacional da UNESCO e da ProGEO-Portugal.

Mas o trabalho de conhecimento e reconhecimento do património geológico do Geopark Naturtejo apenas agora começou realmente.

A integração do Geopark na European and Global Geoparks Network marcou apenas um ponto de viragem na internacionalização

do destino e no estabelecimento de uma marca com o prestígio da UNESCO. Neste momento, preparam-se projectos de cooperação

com os geoparques de Lesvos (Grécia) e de Espanha, entre os quais o desenvolvimento de uma exposição interactiva itinerante

sobre o Geopark Naturtejo, que inaugurou em Lesvos no passado dia 2 de Junho e que contou com 35000 visitantes em apenas 4

meses. A Semana Europeia de Geoparques, que decorreu entre 26 de Maio e 9 de Junho, foi comemorada através de um diversifi-

cado conjunto de eventos que se desenvolveram simultaneamente no Geopark Naturtejo, nos geoparques de Sobrarbe e Maestrazgo

(Espanha) e em Lesvos (Grécia), que dignificaram a Geologia e o empreendorismo portugueses. Um dos aspectos mais importantes

desta Semana dedicada à Geologia foi a aproximação dos geoparques ibéricos em busca de estratégias consistentes de parceria, em

jornadas de apresentação/discussão públicas que decorreram nos dois geoparques aragoneses e no Geopark Naturtejo.

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Como exemplo das boas estratégias de desenvolvimento assentes no geoturismo, Penha Garcia recebeu 9000 visitantes no ano de

2006, mais 40,5% que no ano anterior, prevendo-se um forte incremento no número de visitantes estrangeiros, particularmente

espanhóis. Neste momento, através de um projecto de mestrado promovido por uma aluna da Universidade do Minho, requalifica-

se a Rota dos Fósseis ajustando-a aos conteúdos programáticos da disciplina de ciências e procuram-se modelos pedagógicos de

interpretação geológica e paleontológica para o público em geral. Deste trabalho resultou um conjunto de Programas Educativos

que foram enviados às escolas, com propostas adicionais e aliciantes para as escolas do Geopark, e que podem ser consultados

em www.geoparknaturtejo.com. A Escola da Natureza no Parque Icnológico de Penha Garcia está a ser animada diariamente

através da instalação de uma nova empresa de animação turística em Penha Garcia. O Centro Ciência Viva dedicado à Floresta

é já uma realidade em Proença-a-Nova, constituindo-se num dos mais importantes projectos museológicos do Geopark Naturtejo

na temática de interpretação da Natureza.

Não restam dúvidas que o desenvolvimento do Geopark Naturtejo, integrado nas redes europeia e global de geoparques assistidas

pela UNESCO, veio agitar culturalmente um território nem sempre devidamente lembrado pelo seu posicionamento fronteiriço

e com uma dinâmica arrítmica assente no trabalho de apenas alguns. A marca da UNESCO trouxe o prestígio e a centralidade

face a destinos turísticos envolventes na Península Ibérica, abrindo caminho para uma oportunidade de ouro de desenvolvimento

turístico que se quer sustentado em práticas conciliadoras do Homem com o ambiente. Foi por esta razão que o Geopark Naturtejo

assinou recentemente um protocolo de boas práticas com o ICNB. O momento é de oportunidade de negócios e de crescimento

da aceitação da estratégia estabelecida por parte das populações locais. Mas existe a consciência que quase tudo está por fazer

no que diz respeito à interpretação e usufruto dos geomonumentos identificados, por exemplo. Não obstante todos os projectos

existentes para centros interpretativos, espaços museológicos, percursos temáticos, produtos pedagógicos e eventos, é talvez o

projecto de sinalética aquele que merece aqui referência, dado que estará implementado no terreno até Março de 2008. A co-

municação é imperativa para diferenciação de uma marca e a sinalética física e digital trarão finalmente o território Geopark à

vista e à memória de todos aqueles que o atravessem e visitem. O Prémio Geoconservação 2007 entregue pela Pro-GEO Portugal e

pela National Geographic-Portugal à Associação de Municípios Natureza e Tejo foi uma importante forma de incentivo para esta

região, desta feita não somente para os políticos, mas para chamar a atenção dos cientistas portugueses e seus projectos. Pois que

só através de um estudo exaustivo e continuado ao nível das várias ciências naturais e humanas se poderá sustentar a dinâmica

do Geopark e criar novos produtos de divulgação do património que sirvam de modelo no mundo, sempre com a consistência e

interesse esperados de um Geoparque Global sob os auspícios da UNESCO.

C. Neto de Carvalho

Geopark Naturtejo da Meseta Meridional – UNESCO European and Global Geopark. Gabinete de Geologia e de Paleontologia do

Centro Cultural Raiano. Av. Joaquim Morão 6060-101 Idanha-a-Nova

E-mail: [email protected].

Figura 1. Kayak temático no monumento natural das Portas do Ródão, em fase de conclusão do seu processo de classificação.

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Sismotectónica e Segurança Nuclear: O caso do Douro Internacional

António Ribeiro(1,2,3) Fernando J.A.S. Barriga(1,2,4) João Cabral(1,3)

1 Geofcul; 2 MNHN UL ; 3 Lattex, IDL (FCUL); 4 Creminer (FCUL) e [email protected]

Nota da Comissão Editorial: Este texto foi enviado à comunicação social, expressando a opinião dos autores re-lativamente ao tema nele discutido, nem sempre pacífico, quer sobre o uso do território nacional como local de depósito de materiais radioactivos quer, mesmo, o recurso à radioactividade como fonte de energia. Embora o formato deste artigo não seja usual na Geonovas, entendemos importante publicá-lo, sob a forma original, por razões de conteúdo e de oportunidade.

Palavras-chave: Sismotectónica, Douro Internacional, Energia radioactiva, Central Nuclear, Resíduos de Alta Ra-dioactividade, Locais de Armazenamento de Resíduos, Segurança Nuclear, Gestão Ambiental .

Short note by the editorial Board: the following text, distributed to Portuguese media, expresses its authors ideas on the controversial use of land for storing high radioactivity (residuals), as well the use of radioactive elements as energy source. Althout it does not correspond to the usual Geonovas paper, it is an important contribution to the need of an open-minded public debate about nuclear.

Key words: Sismotectonic, International Douro river, Radioactive Energy, Nuclear Plant, High Radioactive Nuclear Waste, Nuclear Disposal Plants, Nuclear Safety, Environmental Management

Recebido e aceite: Julho 2007.

GEONOVAS nº 21, pp. 11 a 14, 2008ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Introdução

A região do Douro Internacional e domínios limí-trofes é considerada desde os anos 80 como zona potencial para localização de uma central nuclear, nomeadamente em Zayago (Zamora, Espanha); foi também alvo de projectos relativos a outras insta-lações nucleares, tais como uma instalação piloto para armazenamento terminal de resíduos radio-activos de alta actividade em Aldeadávila (Zamora, Espanha) e, eventualmente, de uma futura central nuclear em Portugal.

No presente artigo abordaremos alguns critérios do domínio das geociências altamente relevantes nes-te contexto, nomeadamente a sismotectónica des-ta região e as suas implicações do ponto de vista de segurança nuclear das instalações existentes ou projectadas.

Sismotectónica da Ibéria

Os traços gerais da sismotectónica da Ibéria são hoje conhecidos na generalidade graças a dois fac-tores: em primeiro lugar ao esforço de equipas de geocientistas de várias nacionalidades que sobre este tema se têm debruçado nos últimos vinte anos; em segundo lugar aos progressos dos métodos em sismologia, geodesia, paleo-sismologia e neotectó-nica, no mesmo período.

A Ibéria situa-se imediatamente a norte da frontei-ra entre as placas Euroásiática e Africana (Núbia) que se estende dos Açores ao domínio do Estrei-to de Gibraltar, com direcção grosso modo E-W; a sismicidade instrumental é moderada, mas existem sismos históricos de magnitude elevada, superior a 8,5, como o de 1/11/1755, que gerou também um tsunami altamente destrutivo no SW da Ibéria e NW de Marrocos.

Verifica-se que a microplaca Ibérica possui um nú-cleo com sismicidade muito baixa rodeado por mar-gens com maior actividade sísmica: a sul, na fron-teira Ibéria-África, mas também a W, na margem

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Oeste-Ibérica, a norte, na margem Pirenaico-Cantá-brica e a este, na margem Este-Ibérica. Estes factos são interpretados como indicando a individualização da Placa Ibérica, rodando em sentido horário entre a África e Eurásia; tal sucede por analogia com um rolamento de esferas que diminui o atrito entre duas superfícies, correspondentes a fronteiras de placa, movendo-se a velocidades relativas diferentes, maior para a Eurásia do que para a África, considerando a Placa América do Norte fixa. Assim no SW da Ibéria e na margem NW de Marrocos o Atlântico estará já em regime de subducção sob a Placa Ibérica e Africana, tendo iniciado o seu inevitável caminho para o fecho. É previsível que a sismicidade migrará das margens da Ibéria para o seu interior, à medida que essas mar-gens são reactivadas tectonicamente por efeito da referida rotação da microplaca Ibérica.

As implicações para a sismotectónica da região do Douro Internacional são inescapáveis. Esta região encontra-se no limite entre o núcleo estável da Ibéria interior e a sua margem deformada a W. Assim, exis-te evidência neotectónica e paleo-sismológica para que a Falha de Vilariça possa gerar sismos de mag-nitude 7 a 7,5 com períodos de retorno de 5.000 a 10.000 anos, segundo os estudos de J. Cabral (1995) e T. Rockwell (comunicação pessoal, 2006) por se si-tuar na fronteira do referido bordo deformado; por contraste, mais para E não há evidência para paleo-sismicidade de magnitude comparável e a sismicida-de instrumental é baixa e, frequentemente, do tipo enxame (regiões de Lugo e Zamora). Estes factos sugerem migração de actividade sismotectónica de Oeste para Este, isto é, do território português para o território espanhol, cruzando o Douro Internacional.

As taxas de actividade das falhas activas sugerem que esta migração se processa lentamente à escala temporal humana (<100 anos) mas de modo apreci-ável à escala geológica (>10.000 a 100.000 anos). A perigosidade sísmica aumentará previsivelmente, de modo atenuado a considerável, consoante a escala de tempo envolvida; a incerteza que afectará essa estimação será cada vez mais ampla; de facto não dominamos os critérios que controlarão a reactiva-ção de falhas “adormecidas” ou a geração de falhas “neoformadas”.

Estamos agora em condições de analisar as impli-cações deste regime sismotectónico na segurança nuclear do Douro Internacional.

Sismicidade e Segurança Nuclear

Nas centrais nucleares ocorreram acidentes técnicos, de gravidade muito variável, mas não se deram, até ao momento, acidentes induzidos por sismos ou, por outras palavras, os riscos naturais de origem sísmica não induziram riscos tecnológicos.

Isto sucede porque há regras de segurança emana-das das agências internacionais, como a AIEA, que têm sido seguidas pelas diferentes autoridades na-cionais responsáveis pela segurança nuclear. Assim, a selecção de sítio e o projecto anti-sísmico das centrais nucleares exige: em primeiro lugar que es-tas não possam ser instaladas onde seja expectável a rotura superficial em falha activa durante algum evento sísmico de magnitude moderada a forte; exige também que a aceleração devida a vibração sísmica seja inferior a determinado valor estimado no projecto do central; para uma central com du-ração prevista de cinquenta anos essa vibração não deve ocorrer no local da central com um período de retorno inferior a cerca de 500.000 anos (isto é, a possibilidade de excedência é inferior a 10-5). As-sim, o projecto de localização de uma central nuclear em Ferrel foi abandonado nos anos noventa, pois o Gabinete de Protecção e Segurança Nuclear (GPSN) exigiu, e bem, a aplicação das regras de segurança anti-sísmica recomendadas pelas agências interna-cionais. Os estudos de paleo-sismologia efectuados por J. Cabral e A. Ribeiro para o GPSN evidenciaram a ocorrência provável de rotura em sedimentos com menos de 100.000 anos na falha activa de Ferrel, demonstrando a capacidade de ruptura superficial durante sismos de magnitude superior a 6,5, o que corresponde a uma situação excedendo os critérios de segurança atrás referidos. O progresso nas técni-cas de sismologia e paleo-sismologia demonstraram também que as localizações de muitas centrais em países de sismicidade baixa a moderada conduziram à necessidade de rever os projectos anti-sísmicos dessas centrais; estes foram executados há duas ou três décadas mas não obedecem hoje ao critérios cada vez mais exigentes decorrentes de revisões em alta das perigosidades sísmicas nos domínios onde se situam algumas dessas centrais. É de salientar a preocupação generalizada das entidades reguladoras nucleares na observação estrita das regras de segu-rança anti-sísmica, o que explica a ausência de aci-dentes de origem sísmica que referimos antes.

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Sismotectónica e Segurança Nuclear 13

No final dos anos oitenta foi lançado um projecto de instalação piloto para armazenamento terminal de resíduos radioactivos de alta actividade (ATRRAA) no sítio de Aldeadávila (Zamora, Espanha). A selecção deste sítio foi criticada por alguns especialistas, entre os quais nos encontrámos, principalmente por duas ordens de razões: umas ligadas à elevada permea-bilidade dos granitos que albergariam a instalação piloto; outras relacionadas com a sismotectónica do Domínio do Douro Internacional onde Aldeadávila se situa, como expomos em seguida. No armazenamen-to de resíduos radioactivos de alto nível deve garan-tir-se o isolamento do repositório para períodos da ordem de 50.000 a 500.000 anos, em função da lon-ga vida de alguns dos isótopos contidos nesses re-síduos e do seu decaimento para níveis susceptíveis de não causar danos às populações e ao ambiente nos sítios seleccionados. Compreende-se que os cri-térios de estabilidade sismotectónica destas instala-ção sejam muito mais exigentes que os das próprias centrais nucleares, porque os 50 anos de vida destas corresponderão aos 50.000 a 500.000 do necessá-rio isolamento no caso da instalação para ATRRAA. Para garantir o mesmo nível de risco há que diminuir 1.000 a 100.000 vezes a probabilidade de ocorrência do evento sísmico capaz de induzir um acidente tec-nológico. Do que expusemos atrás sobre a sismotec-tónica do Douro Internacional no contexto da Ibéria conclui-se facilmente que estes níveis de segurança não poderiam ser garantidos no caso do ATRRAA em Aldeadávila.

Sabemos hoje que a ENRESA, responsável pelo pro-jecto de Aldeadávila, lançou estudos para selecção de sítios alternativos ao de Aldeadávila; alguns des-ses estudos são de excelente qualidade em matéria de geociências e contribuíram para um progresso decisivo do conhecimento do território espanhol deste ponto de vista. Julgamos saber que a ENRESA optou por manter os resíduos radioactivos arma-zenados em instalações de superfície apropriadas e continuamente monitorizadas; esta solução será seguida até que seja encontrada uma solução de ar-mazenamento subterrâneo em formação geológica adequada para este fim; tal solução deverá resultar de um esforço de cooperação científica e tecnoló-gica internacional, à escala da Europa ou mesmo à escala mundial. Pensamos que devemos aproveitar a “moratória” sobre ATRRAA na Ibéria para deixar al-gumas sugestões para uma estratégia de trabalhos

futuros no campo da nossa especialidade e no âmbi-to do território português.

Estratégias de Investigação para o futuro

Como geocientistas portugueses devemos propor uma estratégia de desenvolvimento de conhecimen-to básico do território nacional que nos aproxime do nível conseguido pelos colegas espanhóis no seu ter-ritório. É o único caminho para garantir a segurança dos nossos concidadãos, embora exija meios huma-nos e materiais à altura dos fins que pretendemos atingir, e que têm faltado até este momento.

Devemos contribuir para a resolução dos problemas ambientais e energéticos do País através da nossa acção específica em múltiplas frentes, desde a pes-quisa de recursos energéticos de todos os tipos (in-cluindo recursos de minerais de lítio para a tecnolo-gia da fusão nuclear) à minimização dos impactos ambientais decorrentes do uso de combustíveis fós-seis através da sequestração do CO2 em armadilhas geológicas, para citar apenas dois exemplos prioritá-rios entre muitos possíveis.

Devemos colaborar com os físicos e engenheiros na perspectivação a longo prazo do problema da locali-zação das instalações de fusão nuclear, que, como se viu a propósito do protótipo ITER, também levantam problemas de estabilidade sismotectónica.

Teremos que continuar a procurar uma solução de-finitiva para o problema do ATRRAA, já que é una-nimemente reconhecido que a solução, à escala das centenas de milhares de anos, terá que ser uma for-mação geológica adequada. Deveremos colaborar com os físicos e engenheiros nos problemas tecno-lógicos que inevitavelmente surgirão. Não podemos deixar este problema para as gerações futuras, equi-librando as vantagens e inconvenientes da aplicação da cisão nuclear entre as diferentes gerações e dimi-nuindo incessantemente os riscos da aplicação desta tecnologia, isto porque os resíduos existentes já são um problema crucial. Adivinha-se que o esgotamen-to dos hidrocarbonetos fósseis baratos e acessíveis terá lugar antes da solução dos problemas teóricos e técnicos no aproveitamento da fusão nuclear. Como vamos preencher este gap?. Resolvendo o problema principal no aproveitamento da cisão nuclear, justa-mente o ATRRAA? Desenvolvendo as alternativas das energias renováveis e ambientalmente adaptáveis? Ou actuando em todas estas frentes simultaneamen-

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te? Caberá a cada um assumir as suas responsabili-dades porque, como cidadãos, devemos intervir no debate cívico que qualquer opção que defendermos terá inevitavelmente no tipo de sociedade, mais jus-ta e segura para todos, que queiramos construir no futuro.

Agradecemos ao colega Andrés Pérez-Estaún (CSIC - Consejo Superior de Investigaciones Científicas, Barcelona) o permanente diálogo, nos últimos anos, sobre a temática deste artigo.

Lisboa, Novembro de 2006

ADENDA (Julho de 2007)

Após a redacção do texto acima (Novembro de 2006) ocor-

reu, pela primeira vez, tanto quanto nos é dado conhecer, um

acidente tecnológico induzido por um sismo numa central nu-

clear, a de Kashiwasaki-Karima, na região de Niigata (Japão).

O sismo ocorreu a 16 de Julho de 2007 às 1:13:22 (UTC) com

magnitude 6.6 a 65 km a SW de Niigata (Honshu) e hipocentro

a 10 km de profundidade (fonte: USGS). Embora o problema

continue ainda em fase de avaliação, sabe-se já que o sismo

provocou um incêndio e libertação de água com material ra-

dioactivo na CN e danos em contentores com resíduos radio-

activos. Demonstra-se assim a necessidade de elevar o grau

de segurança anti-sísmica de centrais nucleares e instalações

anexas.

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Alterações hidrotermais como factores de diversificação de litótipos graníticos róseos com interesse ornamental – estudo

petrográfico de alguns casos e aplicações.Fernandes, J. M.; Gomes, C. L.

Centro de Investigação Geológica, Ordenamento e Valorização de Recursos, Universidade do Minho, Gualtar, 4710-057 Braga, Portugal; [email protected]

Resumo. Estudaram-se petrograficamente termos litológicos diversificados de granitos róseos com potencial aplicação orna-mental. Procura-se compreender o papel dos fenónemos de evolução hidrotermal na diversificação e aquisição de singularida-de materialográfica e apetência industrial para algumas destas fácies situadas em maciços produtivos do Norte de Portugal.

Foram determinadas as composições modais dos vários litótipos e foram discriminados do ponto de vista petrográfico – mi-neralógico e textural - os processos indutores das tendências evolutivas que eles manifestam.

Deduziu-se que alguns fenómenos de alteração deutérica têm expressão petrológica e são responsáveis pela diferenciação cromática dos tons róseos observados e também responsáveis pela variação de alguns parâmetros físico-mecânicos. A difrac-tometria de Rx permitiu a atribuição de valores da triclinicidade e ordenamento à fase potássica do feldspato, verificando-se uma correlação dos altos valores do parâmetro triclinicidade com a mais alta intensidade dos fenómenos de enrubescimento – principais responsáveis pela variabilidade da cor.

Assim identificam-se e distinguem-se dois processos essenciais de cromatização, controlados ou não por fracturas – expressos de forma distinta nos granitos de Calde e Covide – e um processo de episienitização – expresso no granito do Gerês.

Palavras-chave: Alteração hidrotermal, granito, litótipo róseo, petrografia, rocha ornamental.

Abstract. Hydrothermal alteration as a diversification factor for rose granites lithotypes with ornamental interest – a petro-graphical study and application of some cases.

Diversified rose granites with potential ornamental application were petrographically studied trying to understand the role of hydrothermal evolution on the diversification of materialographic singularity and industrial appetence of some facies from productive massifs in northern Portugal.

Modal compositions of various lithotypes were determined and discriminated from a petrographic point of view - mineralogi-cal and textural – revealing some genetic processes responsible for the observed evolutive trends.

Deuterical alteration has a petrological expression and is responsible for the chromatic differentiation of observed rose shades and also for some variation of physical and mechanical parameters. The X-ray determination of triclinicity for potash feldspar shows a correlation of high values of triclinicity with the highest intensity of the so called “reddening” phenomenon - mainly responsible for the colour variability.

It was possible to discriminate two essential processes of chromatization, controlled by fractures represented in different ways in Calde and Covide granites and one process of episyenitization expressed in the granite of Gerês.

Key-words: Hydrothermal alteration, rose granites, petrography, ornamental rock.

Recebido: Setembro, 2007; Aceite: Outubro, 2007.

GEONOVAS nº 21, pp. 17 a 29, 2008ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Introdução

A singularidade decorativa de algumas rochas orna-mentais é cada vez mais valorizada para usos peculia-res e suplanta em importância económica o conceito de homogeneidade materialográfica que continua a ser determinante da preferência para aplicações in-dustriais e arquitectónicas mais correntes.

As características estéticas são factores subjecti-vos mas essenciais para a valorização de produtos pétreos, a qual está sujeita a flutuações de procura impostas pela moda ou pelas tendências arquitectó-nicas (Moura, 2000; Martins, 2004). Neste contexto, a peculiaridade de alguns blocos ou lotes de blocos, relativamente a um padrão ornamental mais corren-

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te, pode originar uma valorização acrescida em casos especiais de utilização determinados por imposições artísticas ou estéticas. Surgem assim nichos de mer-cado que, sendo altamente selectivos e operando com baixas quantidades, podem caracterizar-se por altos valores unitários dos produtos.

A singularidade litotípica aqui em apreço é, por hi-pótese, induzida por processos de fraccionação peculiar ou alteração sobreposta que diversificam um padrão litológico corrente. Gomes (1995), num programa de caracterização de potencialidades em produtos pétreos graníticos, nota que a diversidade dos produtos potenciais que se obtêm a partir de uma mesma litofácies pode resultar da intervenção de diferentes fenómenos, isolados ou combinados, de “hidrotermalização” versus meteorização os quais modificam a base petrográfica comum (protólito pri-mário ou inicial).

No presente estudo é investigada a diversificação de produtos pétreos de coloração rósea como resultado de processos de alteração hidrotermal que intervêm em estados diferenciados da consolidação dos gra-nitos. Dá-se especial atenção à episienitização e ao enrubescimento observados em granitos aflorantes no Minho (Parque Nacional da Peneda-Gerês) e em Viseu (na região de Calde), localizados geografica-mente na figura 1, procurando discriminar do ponto de vista petrográfico o tipo e magnitude dos fenó-menos de evolução deutérica responsáveis pelos padrões cromáticos e texturais. Estes entendem-se como resultantes das transformações pseudomór-ficas (essencialmente isovolúmicas) ou transforma-ções com variação aparente de volume a partir de fácies primárias predominantes nos maciços. A res-peito da área do Parque Nacional da Peneda-Gerês, já Martins e Saavedra (1976) tinham dedicado algu-ma atenção ao processo de enrubescimento dos fel-dspatos do granito. Moreira e Ramos (1982) referin-do-se aos recursos de rocha granítica ornamental da mesma região, puseram em evidência a importância das fácies róseas, que são caracterizadas por baixos quantitativos de reservas mas com materiais de alta qualidade.

Metodologicamente a pesquisa agora apresentada baseia-se na petrografia comparativa. São termos dessa análise amostras de diferentes tipos de grani-tos róseos e de algumas fácies não róseas entendidas como padrões de referência para os termos primá-rios. Assume-se que nestas últimas as características

foram pouco modificadas pela evolução secundária, deutérica a supergénica.

Figura 1 – Localização geográfica dos maciços graníticos estudados.

Produziram-se chapas polidas das amostras tendo sido determinada a cor predominante por compara-ção com as “Munsell Color Chips” (Rock Color Chart, 1991). Entende-se por cor predominante aquela que prevalece nas secções cristalinas individualizadas em 35% a 68% das áreas de corte experimental e que dizem respeito essencialmente a feldspatos ou protofeldspatos (feldspatos antes da substituição) na proporção variável de 1FK:1AB a 2FK:1AB (FK = feldspato potássico; AB = albite). Empiricamente percebe-se que a identidade cromática dos granitos industriais e ornamentais estudados é determinada nestes intervalos de composição mineralógica mo-dal. Lâminas delgadas polidas das amostras foram observadas em microscópio óptico de luz transmi-tida (MOLT) e de luz reflectida (MOLR) procurando através da análise estrutural e paragenética discer-nir o tipo, magnitude e sequência dos fenómenos de evolução petrogenética que podem estar na origem das variações cromáticas e texturais.

Como hipótese, as características petrográficas no seu conjunto e isoladamente podem ser assimiladas a indicadores (ou descritores) da correlação entre a intensidade dos fenómenos de cromatização (e di-versificação de padrões texturais) e a variabilidade de valores paramétricos relativos às propriedades físico-mecânicas, os quais orientam as diferentes aplicações arquitectónicas e contribuem para deter-minar os preços unitários.

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Adicionalmente, alguns feldspatos puros à lupa, se-parados dos granitos róseos, foram sujeitos a difrac-tometria de Rx e os respectivos difractogramas fo-ram escrutinados no intervalo 2q=28-31º para apu-ramento das variações de triclinicidade (Δ) segundo Goldshmidt e Laves (1954). Gomes (1994) e Gomes et al. (1998) notam que valores altos deste parâme-tro tendem a verificar-se em feldspatos potássicos com maior intensidade de enrubescimento – só nos feldspatos potássicos rubros os altos valores de Δ Δ coincidem com alto ordenamento. Por isso também as variações de Δ podem ser marcadoras da especifi-cidade rósea dos litótipos com interesse ornamental singular.

Enquadramento geológico das ocorrências e amostragem

Na tabela 1, distinguem-se os granitos sujeitos a estudo petrográfico, identificados com as designa-ções atribuídas convencionalmente aos respectivos maciços. A cor aí indicada é estabelecida na mesma acepção, já atrás sugerida, de cor predominante. Em termos gerais as amostras exibem diferentes graus de enrubescimento com tonalidades que variam des-de ligeiramente rosadas a vermelho-carne (em des-crição coloquial). Três das amostras são granitos não róseos que podem ser considerados de referência para os termos litológicos que antecedem os fenó-menos de enrubescimento.

Na figura 2, mostra-se o esboço geológico-estrutu-ral da área de Chamiçais – Xertelo próxima das loca-lidades de Carris e Cabril no interior do Parque Na-cional da Peneda-Gerês, onde foram colhidas fácies graníticas rubras em afloramentos que se estendem ao longo de corredores de cizalhamento com azi-mutes N7-12ºE e N5-15ºW. O enrubescimento mais intenso do granito está condicionado pelas fractu-

ras mais definidas, contínuas e preenchidas por veios essencialmente quartzosos. Pequenos afloramentos de granitos vermelhos dispersam-se desde a região de Espigão da Lama de Pau para sul, até perto da localidade de Cabril. Na notícia explicativa da folha 6A da Carta Geológica de Portugal à escala 1:50 000 para esta região são descritas duas fácies principais de granito pós-tectónico (Noronha et al., 1983): Gra-nito do Gerês, porfiróide ou de tendência, de grão grosseiro a médio e Granito dos Carris e Borrageiro, de grão fino, biotítico, por vezes porfiróide.

A geologia simplificada da segunda área que foi es-tudada está patente na figura 3. Diz respeito também ao Granito do Gerês, junto às localidades de Covide e Campo do Gerês, próximas da Barragem de Vilarinho das Furnas. Aqui Medeiros et al. (1975) distinguem li-

Tabela 1 – Fácies graníticas amostradas com indicação ao número e tipo de amostras recolhidas

Região Fácies granítica Nº amostras por tipo cromático

Gerês

gGpg – granito de grão grosseiro a médio porfiróide – Granito do

Gerês

“vermelhas” - 5

“amarelada” - 1

gGpf – granito de grão fino, biotítico, por vezes porfiróide “amareladas a rosadas” - 3

Covide

g’pg – granito porfiróide ou com tendência porfiróide de grão

grosseiro ou médio a grosseiro – Granito do Gerês

“vermelhas” - 4

“rosadas” - 9

g’pg – granito porfiróide de grão grosseiro ou médio a grosseiro “cinzenta esbranquiçada” - 1

CaldeIXγ – granito porfiróide, dominantemente biotítico – Granito de

Calde-Cota

“cinzenta” - 1

“cinzenta com fenocristais rosados” - 1

Figura 2 – Localização das amostras recolhidas no maciço granítico do Gerês. Extracto modificado da Carta Geológica do Parque Nacio-nal da Peneda - Gerês, à escala 1:50 000 (Moreira, 1991).9A- localização da amostragem; a- aluvião; q- filões quartzosos; gGpf- granito dos Carris e do Borrageiro; gGpg - granito do Gerês; Δ - vértices geodésicos.

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A área de Calde situa-se no distrito de Viseu (figura 4). A fácies rósea do granito está incluída no maci-ço de granito porfiróide biotítico, de coloração pre-dominante acinzentada, que cobre a maior área de afloramento do complexo granítico de Castro Daire (Schermerhorn, etal. , 1977). No caso da fácies rósea de Calde, o contraste cromático da matriz cinzenta com os fenocristais rosados confere ao litótipo uma textura pouco comum mas de grande beleza orna-mental.

Petrologia

A variabilidade cromática de tons róseos a rubros evidenciada pelos granitos estudados está paten-te na estampa I. Corresponde-lhe uma diversidade petrográfica que tem expressão nas composições modais.

As amostras de Covide mostram os mesmos mine-rais nas diversas fácies. Diferem as percentagens dos minerais cardinais: quartzo (Qz), microclina, plagioclase (Pl)e biotite (Bi). Os minerais acessórios primários são: anfíbola (horneblenda verde), apatite, esfena, monazite, xenotima, e alanite. Os minerais de alteração são: clorite, moscovite, leucoxena, óxidos de ferro (hematite) e epídoto (pistacite). Da análise textural destacam-se as evidências de alteração deu-térica, em que os aspectos mais característicos são: 1- a cloritização da biotite, mais intensa nas fácies fortemente enrubescidas; 2- os feldspatos alcalinos apresentam abundante disseminação de poalhas he-matíticas (hematitização), ocupando grandes áreas das secções sobretudo nas fácies mais enrubescidas; 3- vénulas pertíticas (plagioclase) dos FK podem es-tar microclinizadas e/ou moscovitizadas; 4- o epído-to de substituição (pistacite) tende a estar intercres-cido com FK secundário, enquanto que a alanite, com carácter automórfico, se associa preferencialmente à biotite e outros acessórios primários precoces; 5- a leucoxena e o rútilo são subprodutos frequentes da alteração dos acessórios ferromagnesianos. A es-tampa 2 mostra algumas texturas representativas da evolução petrográfica que acompanha o progresso do enrubescimento.

As amostras do granito do Gerês mostram aspectos idênticos aos que se referem para as fácies de Covide, mas algumas tendências evolutivas metassomáticas são mais intensas, ou têm expressão mais vincada, no que respeita aos padrões cromáticos e texturais que induzem nos litótipos com apetência ornamen-

Figura 3 – Localização das amostras recolhidas no maciço granítico do Gerês. Extracto modificado da folha 5B da Carta Geológica de Portugal à escala 1:50.000 (Medeiros et al., 1983).VIL 1- localização de amostrgem; q- filões quartzosos; dz- filões básicos; gap - filões aplito-pegmatiticos; a- depósitos actuais; Q- depósitos quaternários; gpg- Mancha de Terras de Bouro - Ponte da Barca; g’g- Mancha da Serra da Amarela; g’pg- Mancha de Covide - Gerês

Figura 4 – Localização das amostras recolhidas no maciço granítico de Calde e Cota. Extracto modificado da folha 14C da Carta Geológi-ca de Portugal à escala 1:50.000 (Schermerhorn, et al.,1977).13A- localização de amostrgem; X - xistos argilosos e grauvaques; H3a, Ob, Ocd - xistos argilosos a filitos e quartzitos; gpg - granito de Calde e Cota; gΔm - granodiorito de Vila de Um Santo.

tofácies graníticas enrubescidas e não enrubescidas. As primeiras correspondem a um granito porfiróide ou com tendência a porfiróide, de grão grosseiro ou médio a grosseiro e de natureza alcalina. As segun-das são consideradas como granitos porfiróides de grão grosseiro a médio, equivalentes a um granito monzonítico, calco-alcalino de duas micas, mas es-sencialmente biotítico. Neste estudo observaram-se granitos enrubescidos em ambas as fácies mas o primeiro tipo litológico evidencia mais afloramentos rubros.

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tal. Assim, a dessilicificação pode levar à ocorrên-cia de verdadeiros episienitos (conteúdo modal de quartzo claramente abaixo de 10%). Nestas rochas incluem-se os litótipos mais enrubescidos (hematiti-zação mais intensa) e também, em alguns domínios brechóides o conteúdo de epídoto secundário torna-se extraordinariamente alto (pistacite > 50% modal). A profusa hematitização é muitas vezes acompanha-da de neoformação de leucoxena com ocasionais contornos euédricos das secções (recristalização em espaço vazio por redução de volume) e na observa-ção em MOLT corresponde-lhe uma opacificação das secções de FK e por vezes plagioclase, que nos está-dios mais incipientes da evolução secundária poderia relacionar-se com metamictização. A cloritização da biotite é um fenómeno generalizado.

A fácies de Calde macroscopicamente evidencia megafeldspatos róseos (essencialmente microclina) que contrastam, do ponto de vista da cor, com uma matriz cinzenta de feldspato potássico, plagioclase, quartzo e abundante biotite. Como minerais aces-sórios primários surgem: zircão, alanite, monazite, apatite, e opacos. Os minerais de alteração são: clo-rite, rútilo, uraninite, torite e torianite. As secções de microclina dispersas na matriz são tendencialmente anédricas. As microclinas são pertíticas e microper-títicas, poiquilíticas e apresentam inclusões de todos os restantes minerais. A coloração dos fenocristais torna-se mais intensa junto de clivagens, fracturas e bordos das secções onde o carácter pulverulento e a opacificação se adensam devido ao incremento da proliferação de poalhas (pontuações) hematíticas (identificáveis em condições especiais em MOLR). Também nesta fácies a presença de acessórios como a alanite, uraninite, torite e torianite sugere um papel de relevo para a radioactividade no início dos pro-

cessos de enrubescimento, que poderiam situar-se após a cristalização da fracção fenocristalina potás-sica do feldspato, mas ainda a uma baixa taxa de cristalização da massa ígnea total.

As composições modais das amostras que estão na tabela 2 permitiram as projecções no diagrama QAP de Streckeisen (1976) que constam na figura 5. As correspondentes classificações estão na tabe-la 3. Parecem existir várias tendências principais de evolução petrogenética expressas nos domínios de Streckeisen correspondentes aos granitos de felds-pato alcalino, sienogranitos, monzogranitos e sieni-tos.

Na generalidade, as tendências evolutivas enru-bescentes são solicitadas pelo pólo A do diagrama. Corresponde-lhes portanto uma feldspatização po-tássica muito marcada que no início poderá ainda ser o resultado da fraccionação alcalina em estado magmático mas que no fim é o resultado de interac-ção hidrotermal, com soluções potássicas potencial-mente capazes de lixiviarem a sílica. Outras neofor-mações mineralógicas acompanham estes processos de alteração hidrotermal. Destacam-se como mais relevantes: hematitização, dessilicificação, epidoti-zação, cloritização, microclinização e albititização e mais raramente apatitização e fluoritização. Na tabe-la 4 procura-se figurar a expressão petrográfica da magnitude de transformações metassomáticas que acompanham o fenómeno de enrubescimento. Com base na petrografia e tendo em conta as conclusões de Gomes (1994) sobre a cromatização de leucogra-nitos e aplito-pegmatitos, deduzem-se as seguintes características principais do enrubescimento, que é eficaz no que respeita à diversificação ornamental de produtos pétreos graníticos:

Ref. COV1 COV2 COV3.1F COV3.1G COV3.2 COV4 VIL1 VIL2 VIL3 VIL4 VIL5 VIL6 VIL7

Qz 6.8 17.7 22.9 29.9 34.8 34.4 6.7 26.4 4.9 11.8 20.0 31.2 25.0

Fk 71.6 70.9 59.6 49.3 30.4 42.6 83.3 25.3 81.3 53.8 44.4 43.7 42.6

Pl 15.7 7.6 9.2 16.9 31.5 18.0 4.4 40.7 7.9 21.5 26.7 17.7 24.1

Bi 5.9 3.8 8.3 3.9 3.3 5.0 5.6 7.6 5.9 12.9 8.9 7.4 8.3

Ref. FR1 9A 9B 9C 9D 9E 9F FR2 9H 9I 13A FR3

Qz 12.5 13.1 2.9 1.1 20.8 3.3 42.9 37.4 40.8 39.2 31.4 26.4

Fk 14.4 40.4 70.6 67.9 38.5 46.2 33.3 42.1 43.7 44.1 23.8 42.1

Pl 65.4 36.4 9.8 11.6 35.4 21.5 14.3 9.3 4.9 4.9 33.3 21.0

Bi 7.7 10.1 16.7 19.4 5.3 29.0 9.5 11.2 10.6 11.8 11.5 10.5

Tabela 2 – Análise modal determinada por estimativa visual e recalculada para cada fácies granítica.

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Marta Fernandes e Leal Gomes22

Classificação Ref . amostras

Granito de feldspato alcalino 9H

SienogranitoCOV3.1f, COV3.1g, COV4, ViL6, FR3, 9F, 9I, ViL4, COV1, FR2

Monzogranito COV3.2, ViL2, ViL5, ViL7, 13A, 9D, FR3, 9D

Quartzosienito de feldspato alcalino COV2, ViL3

Quartzosienito COV1, ViL4

Quartzomonzonito 9A

Quartzo-monzodiorito / Quartzo-monzogabro FR1

Sienito 9B, 9C, 9E

Tabela 3 – Classificação dos litótipos em diagrama QAP de Streckei-sen (1976).

Figura 5 – Organização das composições dos granitói-des estudados no diagrama QAP de Streckeisen (1976). Q: quartzo; A: feldspato alcalino; P: plagioclase; 1: granito feldspato alcalino; 2: sienogranito; 3: monzogranito; 4: quartzosienito da fel-dspato alcalino; 5: quartzosienitos; 6: quartzomonzonito; 7: quart-zomonzodiorito / quartzo-monzogabro; 8: sienito

• Nos FK o cromóforo rubro é principalmente o Fe3+ sob a forma de poalhas hematíticas sub-microscópicas que estão em impregnação fina e difusa;

• A evolução tendencialmente sienítica decorre de episienitização induzida por uma percolação flui-dal tardia, mais expressa nos granitos do Gerês;

• A microclinização da fase albítica, hóspede do FK, é posterior à exsolução venular e subsequen-te relativamente aos fenómenos de albitização.

Alguns dos acessórios identificados são importantes portadores de elementos radioactivos. A monazi-te, alanite e mesmo a apatite, além de terras raras leves, podem comportar teores apreciáveis de U e Th. A xenotima também detectada é igualmente um portador daqueles elementos. Na maioria das amos-tras, estas fases minerais foram identificadas po-dendo ser-lhes atribuída a desorganização estrutural das fases feldspáticas que num estádio embrionário, ainda magmático (em subsolvus), terão controlado a cromatização rubra.

Estudo da triclinicidade dos feldspatos

Em paralelo com os estudos de MOLT e MOLR, foi feita uma apreciação do estado estrutural dos fel-dspatos. Compararam-se difractogramas de RX dos fenocristais e da matriz das diferentes fácies expres-sas em fracções de cores extremas, puras à lupa (fracturação fina, < 2mm e selecção manual em lupa binocular, estereoscópica). Da tabela 5 constam os resultados obtidos para valores de D de Goldsmith e Laves (1954), considerados discriminantes do enru-bescimento (Gomes, 1994; Gomes et al., 1998).

A comparação das triclinicidades dos feldspatos, per-mite constatar que os valores baixos de D (0.43 < D < 0.75) se observam em megacristais de feldspatos de coloração branca envoltos em matriz clara. Valo-res de D situados entre 0.78 e 0.91 correspondem a megacristais de feldspato de coloração vermelha em matriz rosada. Os mais altos valores de D (> 0.96) notam-se em megacristais rosados em matriz cin-zenta-esbranquiçada.

Segundo Gomes (1994), as fácies intensamente en-rubescidas apresentam os valores mais elevados de triclinicidade e ordenamento, o que poderá indicar que o enrubescimento extremo é acompanhado de uma triclinização homogénea de feldspatos potás-sicos que inicialmente poderiam ser monoclínicos. No mesmo trabalho, conclui-se que os altos valores de triclinicidade e ordenamento se enquadram numa reorganização final em subsolidus.

Discussões e Conclusões

A projecção das composições modais no diagrama QAP (na figura 5) permite identificar várias tendên-cias evolutivas com expressão paragenética, relacio-náveis com a diversificação de litótipos róseos. No que diz respeito aos três maciços estudados, identi-

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Alterações Hidrotermais em Litótipos Graníticos Róseos 23

Ref. Enr. Epis. Ser. Clo. Mic. Alb. Epid. Gre. Hem. Opa. Des. Tri.

COV1

COV2

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ViL1

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9I

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Tabela 4 – Representação figurada da intensidade dos vários processos de neoformação mineralógica que correspondem à alteração hidro-

termal dos granitos tendentes para fácies róseas.

Enr. – Enrubescimento; Epis. – Episienização; Ser. – “Sericitização” (moscovitização); Clo. – Cloritização; Mic. – Microclinização; Alb. - Al-bitização; Epid. – Epidotização; Gre. – Greisenização; Hem. – Hematitização; Opa. – Opacificação; Des. – Dessilicificação; Tri. – Triclinização – incremento da triclinicidade do FK (ver adiante).Nota: variação de intensidade dos fenómenos: muito intenso (coloração mais escura) a pouco intenso (coloração mais clara).

ficam-se contextos evolutivos comuns (generalizada triclinização e homogeneização estrutural cristalina dos FK), mas também se notam algumas diferenças petrográficas entre eles, sobretudo no que concerne à magnitude ou intensidade de alguns dos fenóme-nos de evolução deutérica (ver figura 6):

I. Gerês – A episienitização é evidente e o enrubes-cimento é o mais intenso. Corresponde ao tipo de enrubescimento descrito por Martins e Saavedra (1976). Concominantemente observam-se pro-cessos de cloritização, epidotização, dessilicifica-ção e albitização.

II. Covide – O enrubescimento, embora menos in- tenso é mais pervasivo ou difuso, afectando in-

Região Amostra Designação Coloração D

Gerês

9A Microclina Rosa 0.91

9B Microclina Rosa 0.82

9C Microclina Rosa 0.90

9D Microclina Rosa carne 0.80

9E Microclina Rosa 0.78

Guimarães 11A Ortoclase Branco 0.43

Calde13A Microclina Rosa 0.96

FR3 Microclina Branco 0.75

Tabela 5 – Triclinicidade da fase feldspática, obtida no intervalo 2q=28-31º, em algumas fácies rubras e sua comparação com a tricli-nicidade de feldspatos não enrubescidos. Nota: inclui-se fase potás-sica do feldspato do granito de Guimarães como padrão.

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Marta Fernandes e Leal Gomes24

tensivamente grandes massas graníticas. Poderá haver uma maior influência da presença de mi-nerais com elementos radioactivos na génese do enrubescimento.

III. Calde – O enrubescimento é selectivo afectando preferencialmente os mega FK. Parecem existir dois surtos de cromatização, identificáveis na fi-gura 7. Um primeiro estádio afecta a massa total dos fenocristais de forma difusa. No segundo es-tádio há um incremento da ruborização na vizi-nhança imediata de algumas clivagens.

Petrograficamente pode dizer-se que o enrubesci-mento é mais vezes o resultado de uma conjugação fenomenológica do que o produto de um fenómeno individualizado. As diferentes cromatizações rubras dependem das combinações muito particulares des-ses fenómenos mais do que das diferentes intensida-des alcançadas em alguns deles.

Os fenómenos isolados e conjugados que foi possível discriminar são os seguintes:

1) Hematitização;

2) Enrubescimento do feldspato potássico = substi-tuição [(K+, Fe3+)/(K+, Na+, Ca2+, Al3+)] + tricliniza-ção -> hematitização (no FK);

3) Enrubescimento da plagioclase = metamictiza-ção -> substituição [(K+, Fe3+)/(Na+, Al3+)] -> he-matitização (na Pl);

4) Microclinização isovolúmica = substituição [K/(K, Na)] (no FK);

5) Triclinização = [K/K] (no FK);

6) Feldspatização potássica heterogénea = AB Δ -> FK (na pertite e na rocha);

7) Episienitização = dessilicificação + redução de volume + feldspatização potássica homogénea ± cloritização delessítica ± epidotização pistacítica – como resultado surge uma brecha rubra com epídoto ou um episienito tendencialmente homo-géneo.

O descritor paramétrico, triclinicidade do feldspato potássico (Δ), reflecte a intensidade da cromatização sugerindo o tipo e intensidade dos fenómenos inter-venientes mas não acompanha de forma coerente as variações observadas nos parâmetros físico-mecâni-cos – por comparação com valores citados no “Catá-logo de Rochas Ornamentais Portuguesas” (Moura et

al., 1983/94). Ao nível das propriedades físico-me-cânicas encontram-se os mesmos valores tanto em granitos róseos como em granitos não róseos (de-signação industrial). Esboça-se possivelmente uma pequena diminuição da resistência à compressão simples linear quando o processo de episienitização é muito marcado pela lixiviação da sílica.

O enrubescimento do granito é determinado es-sencialmente pelo enrubescimento do feldspato. As tonalidades mais intensas dizem respeito a termos litológicos dessilicificados com microclina de alta tri-clinicidade, não pertítica, impregnada com poalhas hematíticas por vezes com alguma plagioclase albí-tica também impregnada com poalhas hematíticas.

Frequentemente o aparecimento dos tons rubros passa por um episódio inicial ou intermédio de ins-tabilização estrutural (desordem), relacionado com metamictização de minerais acessórios com Th e U, em especial: alanite, gadolinite, zircão, uraninite, xenotima, monazite e ocasionalmente pirocloro ou columbite-tantalite. O potencial químico metamic-tizante é veiculado directamente pela proximidade de minerais com elementos radioactivos ou então, pode ser veiculado por fluidos acessíveis a partir de fracturas e clivagens. As reacções subsequentes em contexto hidrotermal tendem a ordenar os feldspa-tos potássicos, incrementando a sua triclinicidade, promovendo a lixiviação das vénulas pertíticas e favorecendo a impregnação pervasiva de hematite microscópica a submicroscópica (de tipo oligisto).

Nas plagioclases o tom rubro está mais intimamente relacionado com a metamictização – nas proximi-dades observam-se quase sempre um ou vários dos acessórios referidos com auréolas rubras na plagio-clase circundante. Uma explicação para este facto pode estar no aumento de volume relacionado com a metamictização que promove colapso estrutural e aureolar e mesmo fracturação irradiante nos mi-nerais vizinhos e hospedeiros, favorecendo o acesso das soluções hidrotermais a partir das quais pode precipitar a hematite.

O estudo petrográfico sugere que a aquisição de tonalidade rósea ocorre em episódios distintos da evolução dos granitos e também em condições reo-lógicas variáveis. No granito de Calde parecem existir dois episódios de incremento da cor rubra (a figura 7 é uma ilustração macroscópica desta sequência):

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Alterações Hidrotermais em Litótipos Graníticos Róseos 25

1º Em condições de subsolvus, primeira aquisição de tom róseo dos fenocristais de microclina pos-sivelmente ainda antes da total cristalização da massa granítica matricial – a pertite de exsolução acompanha texturalmente este fenómeno que é bastante pervasivo; não havendo evidências petrográficas de impregnação hematítica o tom róseo é atribuído à formulação de centros cro-móforos decorrentes da substituição isomórfica de Al3+ por Fe3+.

2º Em condições de subsolidus, incremento do tom rubro ao longo das clivagens por efeito de inte-racção com fluidos de embebimento tardio após total cristalização – fenómeno estruturalmente condicionado; a impregnação hematítica e a opa-cificação das secções crescem do ponto de vista modal com a proximidade das clivagens “abertas”.

Um caso de enrubescimento essencialmente expres-so em pegmatitos é descrito por Gomes et al. (1998). Nesse caso em subsolvus ter-se-ão formado centros cromóforos (Pb2+ + Al3+) após (K+ + Si4+) ou (O-Pb)3+ após 2K+ que são responsáveis pela amazonitização precoce do FK. Posteriormente em subsolidus, e ao longo das fracturas, verifica-se o enrubescimento que poderia obedecer à lixiviação de Pb e transfe-rência de cargas, [(Pb-Pb)3+], Pb3+ + Fe2+ -> Pb2+ + Fe3+ (ver estampa 3-A). Duma forma dispersa (não extensiva) a mesma sucessão de cromatizações é observável no granito conhecido comercialmen-te como “Branco Imperial”, o qual foi explorado no Concelho de Valença (Cerdal) – próximo do local a que diz respeito o trabalho de Gomes etal. (1998). No caso de Calde e do ponto de vista petrogenético, a primeira ruborização dos fenocristais seria equiva-lente à amazonitização observada em Cerdal e assim corresponderia a um estádio subsolvus.

Nos granitos da região do Gerês e Covide, desde a aquisição mais incipiente de tons rubros até à epi-sienitização paroxismal, as massas de granito modi-ficadas estão controladas por rupturas e situam-se próximo de grandes acidentes tectónicos com cisa-lhamento recorrente.

Atendendo à natureza e conjugação dos fenómenos de alteração envolvidos no enrubescimento, a previ-são dos quantitativos de reservas de granitos róseos singulares, é muito variável para os diferentes maci-ços estudados (figura 6).

Assim, no caso de Covide e Gerês, as massas rubras serão de pequenas dimensões, sempre fortemente controladas por corredores de deformação frágil. Os blocos poderão ter alguma heterogeneidade em termos de padrão decorativo. A manutenção de pro-priedades físico-mecânicas de bloco para bloco não é previsível. Fácies com características brechóides ou episieníticas muito ricas em epídoto, podem mani-festar índices baixos de resistência em especial no que respeita à compressão simples linear, quando comparadas com os granitos de partida. A prospec-ção e detecção de faixas destas fácies vermelhas é facilitada pelo seu condicionamento estrutural mas os volumes disponíveis para extracção deverão ser baixos.

No caso do granito de Calde, a fácies com megacris-tais de FK róseos permite a obtenção de blocos com alguma homogeneidade, tanto de padrão cromáti-co, como de especificações físico-mecânicas, mas a prospecção e detecção de volumes de maciço com estas características é dificultada pela ausência de guias estruturais mais fidedignos para a sua ocor-rência. Compartimentos com a especificidade do li-tótipo de Calde podem estar ocultos imediatamente abaixo da fácies de cúpula de stocks graníticos com litótipos de ocasional tendência porfiróide, em espe-cial nos granitos com alguma anfíbola e enriquecidos em minerais com elementos radioactivos. Nos maci-ços de Penedono e Vila Pouca de Aguiar encontram-se algumas fácies que poderiam corresponder a este padrão.

Como nota adicional é de referir que algumas fácies rubras de fraccionação ou alteração dos granitos de Covide e Gerês podem proporcionar produtos pétre-os considerados como pedras de adorno e abrangi-das no conceito mais alargado de gema. Os exemplos mais significativos são os seguintes (estampa 3):

1º Fácies de pegmatito bandado róseo de Covide – produto de fraccionação e cristalização in situ, a partir do granito catalogado como “Rosa de Co-vide”; é utilizável em estatuária e “carving”.

2º Fácies de pegmatito miarolítico amazonítico com enrubescimento sobreposto – ocorre por fraccio-nação da generalidade dos granitos pós-tectóni-cos, em especial na região do Minho; é utilizável em “carving” e as amazonites enrubescidas po-dem ser usadas em joalharia após talhe “cabo-chon”.

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Marta Fernandes e Leal Gomes26

3º Fácies de episienito brechóide rica em pistacite – produto de episienitização com enrubescimento culminante e epidotização dos granitos do Gerês e ocasionalmente de Covide; é utilizável em esta-tuária e “carving”.

Agradecimentos

- Ao Dr. Armando Moreira (Instituto Geológico e Mi-neiro) a informação gentilmente cedida;

- Aos revisores: Dr.Casal Moura, Dr. Armando Mo-reira, Prof. Machado Leite e Dr. Félix Bellido Mulas, a revisão do original.

Este trabalho situa-se no âmbito do projecto “Pe-trologia dos processos de diversificação de litótipos graníticos aplicados na fileira dos produtos pétreos ornamentais – produção e mercado”, desenvolvido no Centro de Investigação Geológica. Ornamento e Valorização de Recursos da Universidade do Minho, financiado pela Fundação para a Ciência e a Tecno-logia (FCT);

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Alterações Hidrotermais em Litótipos Graníticos Róseos 27

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Marta Fernandes e Leal Gomes28

Estampa 2. Aspecto geométrico de alguns intercrescimentos entre minerais relacionados com o enrubescimento. A- Secção de epídoto, variedade pistacite (Pi) em quartzo (Qz); B- Biotite (Bi) cloritizada e horneblenda (Ho) relíquia, com cristal incluso de alanite (Al) e xenotima (Xe), junto a secção de quartzo; C- cristal de epídoto (Ep) com bandas de leucoxena (Leu) inclusa, em ma-triz de feldspato potássico (FK) alterado, plagioclase (Pl) e quartzo; D- Fragmento de biotite, cloritizada, com óxidos/hidróxidos de Fe e Ti; E- Fenocristal de microclina: macla Carlsbad - textura típica dos feldspatos albitizados (pertite de substituição) com posterior microclinização; F- Secções de apatite (Ap) e epídoto inclusas em quarzto venular (neoformações mineralógicas em veios relacionados com o enrubescimento).Nota: algumas identificações foram confirmadas em microscópio electrónico de varrimento em modo, dispersão de energia.

A B

C D

FE

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Alterações Hidrotermais em Litótipos Graníticos Róseos 29

Figura 6 – Generalização dos diferentes tipos de controlos estrutu-rais das fácies rubras singulares em volumes de maciço correspon-dentes aos vários granitos considerados.

Figura 7 – Enrubescimento condicionado por rupturas, sobreposto ao tom róseo homogéneo dos fenocristais – Granito de Calde, Viseu.

Estampa 3 – A: chapa serrada de pegmatito miarolítico amazonítico com enrubescimento sobreposto, Vale Água de Pala, Gerês; B: chapa serrada de pegmatito gráfico amazonítico com enrubescimento so-breposto, próximo das minas do Borrageiro, Gerês; C: chapa serrada de pegmatito bandado róseo, Covide; D: esfera polida de episienito brechóide com pistacite, Gerês. A barra de escala equivale a 1 cm.

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Colecções e exposições de Geociências: velhas ferramentas, novos olhares

José M. BrandãoINETI - I.P. / CEHFC - Universidade de Évora. [email protected]

Resumo. Conhecem-se colecções de objectos geológicos desde tempos remotos. Porém, a sua organização científica só tomou forma em meados do século XVIII com a generalização dos estudos de Philosofia Natural e de Geognosia e depois do aparecimento dos trabalhos de Lineu e C. Darwin. As grandes colecções entretanto constituídas per-mitiram o desenvolvimento de áreas-chave das Ciências Naturais como a Sistemática e a Taxonomia; todavia, a sua exposição, caracterizada por uma grande densidade de peças era pouco acessível à generalidade dos públicos. Mais recentemente, as exposições tradicionais têm vindo a ser substituídas por outras, mais apelativas e consentâ-neas com as novas problemáticas ambientais enquanto, paralelamente, se intensifica o movimento de preservação e apresentação in situ do património natural. Neste quadro, torna-se necessário clarificar o papel das colecções enquanto ferramenta de investigação e de formação para a sustentabilidade.

Palavras-chave: Museus de História Natural; Geociências; colecções; geodiversidade; geoconservação; desenvol-vimento sustentável

Abstract. Since the beginning of mankind there are known collections of geological objects. However its scientific organization only took shape in the beginning of the XVII century, with the overview of the Natural Philosophy and Geognostic studies, and after the emergence of Linné and C. Darwin’s works. Meanwhile, the large collections assembled allowed the development of some Natural Sciences key areas, such as Sistematics and Taxonomy, but its exhibition, has been characterized by a big amount of items and hardly accepted by the general public. More recently, the museums have been replacing the traditional exhibitions for others appealing ones, more adjust with new environmental challenges while, at the same time it intensifies the movement for preservation and presenta-tion in situ of natural heritage. In this context, it becomes necessary to clarify the role of the collections as a tool in investigation and education for sustainable development.

Key words: Natural History Museums; Earth Sciences; collections, geodiversity; geoconservation; sustainable development

…Hum muzeo bem distribuido será o verdadeiro Theatro da natureza, no qual hum mestre poderá ensinar a Historia Natural; e donde hum observador póde tomar o gosto e instruirse; por isso, todo deve ser distribuido na vista principal de instruir...

Domenico Vandelli (1787)

GEONOVAS nº 21, pp. 31 a 39, 2008ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Recebido, Outubro, 2007. Aceite, Novembro, 2007

Introdução

Conhecem-se, desde tempos ancestrais, colecções de objectos naturais cuja intencionalidade evoluiu ao longo dos tempos ao ritmo do conhecimento e, de certa forma, dos poderes instituídos. Delas faziam parte minerais e fósseis a que, por vezes, se atribuí-am poderes mágicos.

Com a institucionalização dos estudos universitários em Philosophia Natural em meados do século XVIII, as colecções até então organizadas adquiriram uma nova importância e dimensão científica e educativa, transitando muitas delas para a esfera pública onde vieram a constituir o embrião de vários dos grandes museus de História Natural actualmente conhecidos.

Desde cedo que estes museus se assumiram como âncoras de cultura, reconhecendo-se actualmente às suas colecções um elevado valor científico e pedagó-gico que decorre da sua contribuição para o conhe-cimento da Natureza e para a educação e recreação públicas. Porém, com os novos rumos da investiga-ção e as necessidades emergentes das problemáticas ambientais, os museus e exposições de História Na-tural, designadamente os especializados no domínio das Geociências, têm vindo a transformar o seu dis-curso, abandonando os modelos baseados no para-digma da abundância – etapa essencial a fases espe-cíficas da evolução do conhecimento – para apostar na divulgação de contextos e fenómenos, alicerça-dos na reapresentação das suas colecções.

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Dos Gabinetes de Curiosidades aos museus contemporâneos

O coleccionismo centrado na Natureza, a par do co-leccionismo de obras de arte e de objectos curiosos ou raros, aumentou substancialmente entre os sécu-los XV e XVIII com os descobrimentos, que trouxe-ram, de mundos até então desconhecidos, os mais diversos produtos exibidos nos Gabinetes de Curio-sidades que rapidamente se multiplicaram e flores-ceram por toda a Europa.

Estes Gabinetes eram, na sua essência, colecções enciclopédicas constituídas por personalidades da aristocracia e do clero – as elites culturais da “Re-pública das Letras” – e reuniam uma mistura hete-róclita de obras de arte, moedas, pedras preciosas, corais, fósseis e objectos “extravagantes” trazidos de terras longínquas por navegadores e viajantes: aves do paraíso, peixes voadores, mandrágoras, ca-maleões, “ossos de gigante”, tatus, múmias, “chifres de unicórnio”, etc.. Contudo, se algumas destas co-

lecções se pautaram apenas pela busca e exibição do exótico outras, porém, organizaram-se segundo padrões estéticos e científicos que se foram apuran-do, nomeadamente as que se inspiraram na Historia Naturalis de Plínio, algumas das quais ascendentes directas dos primeiros museus formados a partir dos finais do século XVII.

Durante a Renascença muitos eram já os intelectu-ais que se interessavam pelas curiosidades minerais da Natureza, trocando entre si amostras e estabe-lecendo, através de prospectores e comerciantes, verdadeiras redes de abastecimento que durante o século XVIII alimentaram as colecções privadas e as públicas que entretanto se iam formando. Os mine-rais tornaram-se rapidamente objectos de prestígio comparáveis aos de belas artes e os fósseis, até então apenas olhados como curiosidades da Natu-reza (ludus naturae) e explicados pela intervenção de uma “virtude” (vis plastica) que os formaria aci-dentalmente na Terra, ganham novas interpretações ao serem relacionados com seres desaparecidos de épocas remotas.

O século XVIII ficou marcado pelo aparecimento de algumas das mais importantes contribuições para a divulgação da História Natural, designadamente o “Spectacle de la nature ou Entretiens sur les parti-cularités de l’Histoire Naturelle, publicado em 1732 por Noel-Antoine Pluche (1688-1791), a magistral Histoire Naturelle”, de George-Louis Leclerc de Bu-ffon (1707-1788) de que se destaca, em particular, o suplemento das Époques de la Nature (1774), em que Buffon propõe uma nova cronologia da história da Terra. Foi também neste período que, no domínio das Ciências da Terra, surgiram as grandes controvérsias sobre a origem e evolução das formações geológicas que opuseram, de forma acesa, plutonistas e neptu-nistas.

Apesar do seu estatuto de “moda” e dos progressos registados a História Natural continuou, durante o século XVIII, a ser muito permeável à influência da religião, sendo o estudo da Natureza encarado como forma de compreensão da Criação (divina) ou de interpretações bíblicas relacionadas com o Dilúvio, defendidas, entre outros, por Georges Cuvier (1769-1832).

Fig. 1. O Homo diluvii testis de Johann Scheuchzer.

1 Em 1735, o naturalista suíço Johann Scheuchzer (1672-1733) descreveu um esqueleto fóssil descoberto nas formações miocénicas vizinhas do lago Cons-tança como sendo o de uma vítima do Dilúvio, o Homo diluvii testis. Ao observá-lo, Cuvier, concluiu que o fóssil correspondia afinal aos restos de uma salamandra gigante que designou por Andrias Scheuzeri (Guntau, op. cit. p. 219; Antunes, 2000 p. 63). Este fóssil pertence actualmente à colecção do Teylers Museum, Haarlem, Holanda. Foto: descarregada de http://141.84.51.10/palaeo_de/edu/lebfoss/andrias/index.html, em 6/09/2007.

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A aproximação às modernas interpretações da his-tória geológica chegou durante o século XIX com Charles Lyell (1797-1875) e o uniformitarismo e com a publicação em 1859 de “A origem das espécies” de Charles Darwin (1809-1882). Só então o catastrofis-mo associado ao Dilúvio foi definitivamente posto em causa e destronada a ideia da ordem sistemática da criação. Todavia, não ficariam ainda resolvidas as complexas questões do estabelecimento de relações entre a História da Terra e a da Vida tal como vinha a ser documentada pelos naturalistas, nem tão-pouco a do aparecimento do Homem, tal como o referiam os documentos antigos, designadamente o Génesis.

Entretanto assistira-se à institucionalização de algu-mas colecções e à sua pública exibição. Em 1626 é criado em Paris o Jardin des Plantes no qual ficaria integrada a “drogaria” de Luís XIII que continha, jun-tamente com as drogas, sais e plantas medicinais, diversos minerais a que se atribuíam propriedades terapêuticas; em 1683 é estabelecido em Oxford o primeiro museu universitário de História Natural, o

Ashmolean Museum2; em 1745 abre-se ao público em Paris o Cabinet d’Histoire Naturelle du Roi, desig-nado por Muséum National depois da Revolução, de que se salientam as colecções de minerais reunidas e classificadas por Bernard de Jussieu (1699-1777)3. No Reino Unido o governo adquire as colecções de História Natural de Hans Sloane (1660-1792) com as quais vem a constituir, em 1753, o British Museum, mais tarde desdobrado, separando as colecções de belas artes da História Natural, transferida para o edifício de South Kensington onde ainda hoje se en-contra.

O século XIX inicia-se ainda sob a influência do espí-rito de democratização herdado da Revolução Fran-cesa, assistindo-se a uma verdadeira “explosão” de museus, nomeadamente na área das Ciências Natu-rais, movimento também seguido no “Novo Mundo” conhecido desde as viagens de Colombo mas, desde então, apenas fonte de abastecimento de produtos naturais desconhecidos na Europa.

Na América do Sul um dos primeiros museus de His-tória Natural a ser formado foi o Museu Nacional no Rio de Janeiro, constituído pela coroa portuguesa em 1818, seguindo-se o Museo Nacional de Colombia em 1823, o Museu Nacional de Historia Natural de Chile em 1830, o Museu de La Plata (Argentina) em 1872 e o museu de S. Paulo (Brasil) em 1885.

Nos Estados Unidos, o primeiro museu de Ciências Naturais é o da Academy of Natural Sciences of Phi-ladelphia (1812) que veio a exibir, em 1868, a primeira montagem de um esqueleto completo de dinossauro (fig. 2). Segue-se-lhe o Smithsonian Institution em Washington D.C., fundado em 1846, constituído com a fortuna de James Smithson (1765-1829) legada ao governo para ser aplicada na constituição de uma organização que recolhesse as suas colecções, entre outras, a de minerais.

Os restantes grandes museus americanos surgem na segunda metade do século XIX. Refiram-se, en-tre outros exemplos possíveis, o California Academy of Sciences em S. Francisco em 1853, o American

Fig. 2. O Hadrosaurus foulkii exibido desde 1868 no Museu de Filadélfia. Foto A.N.Sc. in http://www.levins.com.hstml.

2 O Ashmolean Museum of Art and Archaeology da Universidade de Oxford é apontado simultaneamente como um dos mais antigos à escala internacional. Foi constituído entre 1678 e 1683 para alojar as colecções oferecidas por Elias Ashmole entre as quais se encontrava um considerável número de espécies geológicas e zoológicas.3 A colecção Jussieu tem sido referida como, provavelmente, a mais antiga e significativa colecção de minerais do mundo. Os seus primeiros exemplares terão integrado a drogaria de Luís XIII.

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Museum of Natural History, em New York em 1869 e o Field Museum de Chicago em 1893.

Colecções: finalidades e exposição

Graças aos trabalhos de Lineu (1707-1778) sobre a classificação das espécies, os museus adquiriram uma lógica científica de organização das colecções, alicerçada no arranjo sistemático dos exemplares, ce-nário só modificado após a “revolução” filogenética decorrente dos trabalhos posteriores de C. Darwin. A principal preocupação dos naturalistas dos séculos XVIII – XIX era pois a de encontrar explicações para a “ordem natural” – a Scala Naturae –, o que levou à

constituição de colecções cada vez maiores, onde os objectos valiam pelo interesse em si próprios4.

A apresentação e a investigação eram as princi-pais finalidades dos museus de então, sendo a ob-servação e a comparação as principais actividades proporcionadas. Assim, as exposições dessa época caracterizavam-se por uma grande densidade de peças que, agrupadas segundo critérios funcionais e formais, tornavam afinal possível ao especialista efectuar múltiplas e meticulosas observações a fim de encontrar e registar semelhanças entre diferen-tes e diferenças entre semelhantes, bases essenciais

Fig. 3. A Galeria osteológica do Museu de História Natural, Londres, em 1893. Rep. de Nature’s Treasurehouse, NHM, 2001.

4 As colecções de História Natural continuam a ser, sem qualquer dúvida, os maiores acervos reunidos pela humanidade, contando-se por muitos milhões os itens reunidos e conservados em instituições museológicas de todo o mundo, 90% dos quais em reserva permanente.

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dos estudos em Sistemática e Taxonomia, as áreas disciplinares mais directamente relacionadas com a investigação em museus.

Argumenta K. Thomson (2002) em defesa das ex-posições tradicionais, que as “longas séries de peças e esqueletos completos” também terão sido funda-mentais para atrair o público, que não seria capaz de compreender globalmente um animal… apenas pela observação dos fragmentos que podiam bastar ao especialista”.

Esta posição de certo modo complementa a de C. Rudwik (1987), que considera ser difícil imaginar a construção do conhecimento, por exemplo, em Pa-leontologia, uma área de trabalho que se foi con-figurando sobretudo ao longo do século XIX, sem a existência de uma “tradição de preservação” nos museus onde se constituíram e disponibilizaram aquelas grandes colecções. “A importância dos mu-seus, refere o autor, não é um sinal de imaturidade da ciências, uma indicação de uma fase descritiva ainda não completamente desenvolvida; pelo contrário, os museus são uma característica central da actividade de estudo dos fósseis, originada pela sua natureza material”.

A modificação deste tipo de discurso museológico esboça-se a partir do último quartel do século XIX com G. Goode5 (1851-1896) nos Estados Unidos e, particularmente, com Henry Flower (1831-1899)6 em Inglaterra. Este defendia a criação de exposições paralelas, uma destinada ao público em geral com o menor número possível de objectos necessários à compreensão do tema abordado, apoiada em le-gendas detalhadas, e uma galeria de estudo apenas acessível a especialistas onde, pelo contrário, estaria à disposição um grande número de exemplares7.

É pois no período de transição para o século XX que começam a enraizar-se as preocupações com as questões da educação pública e se assiste, em muitos destes museus de História Natural da primeira ge-

ração, à necessidade de propor outros documentos “ilustrativos da Natureza” que pudessem interessar os visitantes. Surgem então os dioramas, recriações de peças e ambientes naturais em que os elementos tridimensionais são apresentados em conexão. Em Ciências da Terra, generalizam-se os modelos de pai-sagens naturais, estruturas tectónicas e de fósseis8.

A evolução das Ciências Naturais e a plena assunção do carácter educativo dos museus levaram gradu-almente, no decurso do século XX, à perda de im-portância das exposições baseadas na sistemática e na teoria da evolução, dando lugar a exposições temáticas de carácter didáctico, visando favorecer o diálogo e a comunicação entre o museu e o público (Carvalho, 1993)9.

As exposições contemporâneas tornaram-se proces-sos criativos e colectivos, em que o discurso museo-lógico, i.e. a selecção de elementos e a forma como os media são interligados, elaborado pelos progra-madores e concretizado pelas equipas de design, ex-prime uma ou mais mensagens cognitivas, afectivas ou ambas (Edsdon e Dean, 1994) sem as quais, a compreensão das exposições pode tornar-se proble-mática como acontecia nas galerias tradicionais, que tendiam a reduzir-se à exibição de peças.

As colecções de fósseis constituem, incontestavel-mente, um dos segmentos de maior peso no conjun-to das colecções geológicas, que se estima, reunirem actualmente cerca de 275 milhões de exemplares em todo o mundo, em colecções públicas e privadas de índole e finalidades diversas (Allmon, 1997), situação que decorre sobretudo da sua relativa abundância e variedade ao longo do registo geológico. Os fósseis representam o único registo tangível que possuímos da sucessão das formas vivas no nosso planeta em contexto, constituindo, por isso, “a mais simples das ferramentas de investigação à disposição dos pale-ontólogos” essencial à investigação nos vários do-

5 Naturalista, historiador e Secretário do Smithsonian. Foi consultor de diversos museus, defendendo a sua função pública e educacional, a par das suas responsabilidades na investigação. Preocupavam-no, entre outras, as questões da educação em museus.6 Henry Flower sucedeu a Richard Owen (1802-1892) na direcção do Museu de História Natural de Londres.7 Este tipo de disposição decorria das ideias difundidas por K. Moebius em 1891, que ao reorganizar as colecções do museu de História Natural de Berlim, entendia que os museus deveriam dividir as colecções em dois segmentos diferentes; a colecção principal, constituída pelos materiais científicos organizada para fins de estudo, tão rica quanto possível em exemplares e a colecção pública, com fins de divulgação das Ciências Naturais, formada apenas por um número restrito de exemplares criteriosamente escolhidos, expostos e explicados com clareza, de forma a tornar-se um instrumento de cultura geral.8 Sublinhe-se que estes recursos continuam a ser ainda muito usados, sobretudo com animais naturalizados, e a ter um grande impacto nos visitantes, não obstante a actual oferta de outros recursos de comunicação.9 Esta mudança de quadro conceptual obrigou também a estudar e compreender o público, tradicionalmente entendido como homogéneo e anónimo, procu-rando ir ao encontro das suas aspirações e expectativas.

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Fig. 4. O museu da Comissão Geológica, Lisboa, meados de 1880. Rep. de “O Occidente”.

mínios desta ciência e à formação e treino de novos investigadores (Allmon, 1997).

Em termos de abundância relativa os minerais ocu-pam também, no conjunto das colecções, um lugar cimeiro seguido, por ordem decrescente de impor-tância, pelas rochas, sedimentos e solos. Todavia, não deixa de ser curioso referir que das cerca de 4000 espécies de minerais actualmente conhecidas, cerca de metade foram identificadas e descritas depois de 1970, número que continua a crescer cerca de 50 a 60 espécies ao ano (Parodi, 2000), o que signifi-ca que a minerodiversidade é muito maior do que aquela que se supunha e a sua investigação e re-presentação em colecções, enquanto documento fundamental, continua a ter toda a pertinência, quer do ponto de vista científico quer do ponto de vista pedagógico.

Estas colecções têm sido, ao longo do tempo, a nos-sa principal fonte de conhecimentos sobre os produ-

tos e processos que decorrem nas zonas mais super-ficiais do planeta e sobre a evolução da vida na Terra.

O levantamento expedito realizado por Michel Ra-binovitch (2004) no conjunto dos países europeus permite concluir que a maioria das colecções e expo-sições de temática geológica se encontra associada aos museus de História Natural ou na dependência das instituições governamentais responsáveis pela investigação no domínio das Geociências – leia-se de forma abreviada “Serviços Geológicos”; encontram-se também, em menor quantidade, em museus de âmbito local ou regional, de carácter pluridisciplinar10 ou monográfico (museus mineralógicos, paleontoló-gicos ou mineiros), por vezes instalados em antigas explorações mineiras ou junto de ocorrências natu-rais de particular significado, como por exemplo jazi-das paleontológicas.

Embora o rumo de muita da actual investigação fun-damental e aplicada em Geociências continue cen-trada, directa ou indirectamente, no conhecimento

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da história da Terra e da Vida e no (re)conhecimento das ocorrências minerais com interesse económico, a emergência da problemática ambiental e o deba-te sobre o papel do Homem na Natureza trouxeram para primeiro plano as questões da gestão dos re-cursos e do desenvolvimento sustentável. As Ciências da Terra encaminharam-se desde então para novas áreas de trabalho pluridisciplinares e de grande in-teresse social, designadamente no que respeita às vulgarmente chamadas “mudanças globais” (o efeito de estufa, as alterações climáticas, a desertificação, etc.), à gestão da água, aos riscos naturais e ao or-denamento do território 11.

Se por um lado estes rumos da investigação contem-porânea convergem para a construção de um novo paradigma de interpretação global do planeta, tendo por base a leitura e interpretação da complexa teia de interacções entre hidrosfera, atmosfera, biosfera e geosfera (Cavazza e Sassi, 2004), por outro, a emer-gência desses novos domínios de actividade veio contribuir para gerar novas colecções especializadas e reformular os conceitos de património geológico e das formas da sua conservação e apresentação.

Colecções e museus à luz do paradigma da geoconservação

Desde sensivelmente os anos sessenta, quando co-meçaram a ser dados os primeiros alertas sobre a degradação de certos ambientes e sobre a forma como a sociedade industrial estava a gerir os recur-sos naturais, que se tem vindo a reconhecer a di-mensão e valor do património natural, bem como a necessidade de o preservar e conseguir equilíbrios na sua gestão.

Inicialmente esboçada sob a forma de “Protecção da Natureza”, esta tomada colectiva de consciência so-bre os valores do ambiente tem vindo a consolidar-se sob forma do estabelecimento e implementação de medidas de mitigação dos impactes negativos das actividades humanas e, simultaneamente, pela defi-nição de políticas de compatibilização do desenvol-vimento social e económico com a gestão “racional” do ambiente, consubstanciando o que desde os anos

oitenta tem vindo a ser designado por desenvolvi-mento sustentável.

Entre as medidas adoptadas destacam-se, pela sua importância, o estudo sistemático do património natural nas suas diferentes expressões, bem como a atribuição de estatutos especiais de protecção 12 às áreas consideradas mais vulneráveis e às ocorrên-cias naturais de particular interesse para mostrar e interpretar a arquitectura dos processos geológicos e a história geológica regional, reconhecendo-se as-sim o valor científico, pedagógico e/ou cultural desse património.

No que respeita aos valores geológicos, a sua ex-pressão assume a forma de uma série de fenómenos e processos activos, responsáveis pela construção das paisagens, e pelas rochas, minerais, fósseis, solos e outros depósitos superficiais que são o suporte da vida na Terra (Stanley, 2001 in Brilha, 2005). No seu conjunto, estes elementos representam a geodiver-sidade (ou geovariedade) local, regional ou supra-regional e aquilo que tem sido consensual designar, de uma forma abrangente, por património geológico.

O entendimento de que as ocorrências e os recursos geológicos constituem um património não renovável que importa preservar e transmitir às gerações fu-turas conduziu à ideia de geoconservação, sequên-cia de princípios e acções que visam a preservação – sustentada – da geodiversidade, mantendo a evo-lução natural dos processos geológicos e permitin-do, simultaneamente, a sua pública fruição (Brilha, 2005).

É, porém, necessário ter em consideração que, por exemplo, em paleontologia e na mineralogia, o pa-trimónio material está muito mais dependente dos objectos recolhidos e conservados nas colecções do que dos seus jazigos completos in situ, aos quais poucas vezes se tem fácil acesso. Além disso, subli-nhe-se, muitas colecções nasceram da necessidade de proteger achados minerais e/ou paleontológicos provenientes de jazidas clássicas ou importantes e que, portanto, essas colecções constituem o único meio de lhes aceder e preservar. Pelo contrário, as estruturas tectónicas, os afloramentos e a morfolo-

10 É relativamente vulgar a associação com a Arqueologia.11 V. Geo-scientific Manifesto on Civil Protection against Natural Hazards. In: www.eurogeologists.de/Manifestocivilprotnaturalhazards.pdf. Consultado em 20/6/2006.12 Parques, reservas, sítio classificados, áreas de paisagem protegida, monumentos naturais.

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gia, constituem um domínio patrimonial a uma esca-la muito diferente, porventura difícil de recriar entre paredes.

Assim, neste novo quadro de referências e face ao actual paradigma da conservação, apresentação e fruição in situ do “património geológico”, parece-nos ser tão legítimo como necessário questionar – e es-clarecer – o que representam e qual o papel das co-lecções de objectos geológicos depositadas em mu-seus e noutras instituições de investigação e ensino.

A Geologia desempenha na sociedade contempo-rânea um papel de grande responsabilidade social. Este papel é-lhe conferido pelo conhecimento que permite compreender as condições de ocorrência de um vasto leque de (geo)recursos essenciais à manu-tenção da qualidade de vida das populações e ao seu desenvolvimento económico, pelo estudo e preven-ção dos riscos naturais, pela caracterização geotéc-nica dos terrenos onde são implantados os edifícios e outras infra-estruturas e até mesmo em certos do-mínios da saúde pública. Pode assim dizer-se, sem sombra de dúvida, que o conhecimento geológico é estruturante da sociedade e parte incontornável das políticas de ordenamento do território.

Importa por isso partilhar este conhecimento entre a comunidade científica responsável pela investiga-ção em todos estes domínios e os cidadãos, muito particularmente com aqueles que estão de algum modo envolvidos na problemática da gestão e da tomada de decisão sobre o uso do solo, do subso-lo e da água. A ideia-chave é a de que “um público informado em matéria de geologia e recursos geoló-gicos está melhor preparado para tomar decisões no âmbito da gestão desses recursos e dos impactos da sua exploração sobre o ambiente”13. Coloca-se assim, com grande pertinência, a questão da “educação” em Ciências da Terra, enquanto competência necessária para a compreensão dos valores da Natureza e para a implementação de uma estratégia de gestão sus-tentada do ambiente e dos recursos geológicos.

A resposta a esta questão implica a definição de es-tratégias que passem não apenas pela adequação dos currículos escolares a todos os níveis de ensino, como também pela promoção e reforço de acções de divulgação e aprendizagem informal ou de ou-tras formas de mediação da comunicação científica,

para as quais concorrem os museus e as exposições temáticas.

Nesta perspectiva registe-se ainda que os museus de História Natural, no quadro dos Museus e Centros de Ciência, têm vindo a assumir progressivamente uma parte importante do esforço de divulgação da cultura científica protagonizando um papel nuclear enquanto estruturas de educação não formal e de complementaridade do ensino formal e experimen-tal.

Embora uma parte substancial dos frequentadores destes dois tipos de media seja proveniente do meio escolar, a verdade é que actualmente os públicos são bastante mais amplos e o número de interessados em temas de Geociências tem vindo a aumentar. Acresce ainda que as exposições temáticas de Geologia e os museus geológicos (s.l.) são, muitas vezes, a primeira ou mesmo a única forma de contacto entre diversos segmentos de público e esta área do conhecimento, proporcionando por isso uma excelente oportunida-de para inserir a História da Terra e da Vida na cul-tura geral e para mostrar que as Geociências são um domínio do conhecimento activo e útil, não só nas suas inúmeras relações com o dia-a-dia da moderna sociedade, como também pelo seu contributo para a compreensão dos fenómenos naturais e gestão dos recursos minerais.

Nesta perspectiva, o esforço a fazer pelas estrutu-ras museológicas deverá orientar-se quer no sentido da construção dum conhecimento geológico básico tendo em vista a produção de uma visão holística do planeta, quer no sentido da valorização do patrimó-nio natural e da geoconservação.

Estes temas, além de necessariamente ancorados nas colecções, deverão ser tratados de modo aces-sível ao mais amplo leque de públicos, a fim de que estes “possam ser cativados para um melhor entendi-mento da importância do solo que ocupam e utilizam, ou da paisagem que observam”.

Nota final

Ao apontar estas novas janelas de oportunidades aos museus e exposições tradicionais de materiais geo-lógicos, estes objectivos gerais vêm reforçar a nossa convicção de que as colecções de produtos geológi-cos são críticas, para o tratamento de todas aque-

13 Adap. de Position statements Concerning Public Outreach and Governmental Policies, adopted by SEG Council (Society for Economic Geologists) on 3

Novembre 2003. In: www.segweb.org/Position Statements.pdf. Consultado em 20/6/2006.

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Colecções e Exposições de Geociências: velhas ferramentas para novos olhares 39

las temáticas, mediante a utilização de linguagens e formas de comunicação que aproximem o discurso museológico dos públicos, sob pena de que se não o fizerem, se distanciarão cada vez mais dos potenciais utentes sem outro rumo que não o da sobrevivência a si próprios.

Afigura-se-nos assim, a existência de uma comple-mentaridade inalienável entre museus e colecções no sentido tradicional dos conceitos e o património de certas ocorrências naturais relevantes – geossítios – que, pela sua escala espacial e/ou temporal, não po-dem ser deslocados da Natureza e sobre os quais se configura, como única via possível para a sua con-servação, a apresentação e fruição in situ.

Nesta óptica, as colecções, na sua especificidade, continuam a ser uma ferramenta imprescindível de investigação e educação em Geociências, ilustrando e documentando a geodiversidade e suportando o diálogo sobre as novas problemáticas do desenvolvi-mento social e económico.

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Modelação conceptual em Hidrogeologia: um caso de estudo no Parque Natural da Serra da Estrela

Jorge Espinha Marques1; José Manuel Marques2; José Martins Carvalho3; Javier Samper4; Paula M. Carrei-ra5; Paulo Emanuel Fonseca6, Fernando Monteiro Santos7, Hélder Chaminé3; Pedro Gabriel Almeida8; Rui

Marques Moura1; Frederico Sodré Borges1; Ary Pinto de Jesus1

1 Departamento e Centro de Geologia da Univ. do Porto, R. do Campo Alegre, 4169 - 007 Porto, [email protected] Instituto Superior Técnico, Univ. Técn. de Lisboa, Av. Rovisco Pais, 1049-001 Lisboa

3 Instituto Superior de Engenharia do Porto, R. do Dr. António Bernardino de Almeida, 431, 4200-072 Porto4 Escola de Camiños, Universidade da Coruña, Campus Elviña, 15192 A Coruña5 Instituto Tecnológico e Nuclear, Estrada Nacional nº 10, 2685-953 Sacavém

6 Departamento de Geologia da Universidade de Lisboa, Edifício C6, 2º Piso, Campo Grande,1749-016 Lisboa7 Centro de Geofísica da Universidade de Lisboa, Edifício C8, 6º Piso,1749-016, Campo Grande,1749-016 Lisboa

8 Departamento de Engenharia Civil, Universidade da Beira Interior (CECUBI), Covilhã

Resumo: A modelação de um sistema hidrogeológico deve ter como ponto de partida a construção de um modelo conceptual, o qual consta de uma construção mental — expressa através de ideias, palavras e valores numéricos — resultante da interpretação da informação disponível num determinado momento. A definição de um modelo hidrogeológico conceptual preliminar é uma das primeiras, e mais importantes, fases do processo da modelação, servindo de fundamento aos modelos matemáticos subsequentes. Ilustra-se o processo de modelação conceptual do sistema hidrogeológico da Bacia do Zêzere a Montante de Manteigas (BZMM), localizado na região do Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE). Trata-se de um sistema complexo, numa região com características geológicas, geomorfológicas e climáticas particulares. Os recursos hidrogeológicos aí existentes, de elevada qualidade e valor económico, incluem águas subterrâneas (normais e termominerais) e águas superficiais.

Palavras-chave: modelo conceptual, sistema hidrogeológico, multidisciplinaridade, Bacia do Zêzere a Montante de Manteigas.

Abstract: The modelling of a hydrogeological system should start with the elaboration of a conceptual model, which consists of a mental construction — expressed by ideas, words and figures — resulting from the available informa-tion at a certain moment. The definition of a conceptual model is one of the first, and most important, steps of the modelling process, and is the foundation of the subsequent mathematical models. The process of the conceptual modelling of the River Zêzere Drainage Basin Upstream of Manteigas hydrogeological system is explained. This is a complex system, in a region with particular geologic, geomorphologic and climatic features. The corresponding groundwater resources, of high economic value, include both groundwaters (normal and thermomineral) and sur-face waters.

Keywords: conceptual model, hydrogeological system, multidisciplinarity, River Zêzere Drainage Basin Upstream of Manteigas.

Recebido, Outubro, 2007. Aceite, Dezembro, 2007.

Introdução

O funcionamento de um sistema hidrogeológico pode ser representado através de um modelo conceptual, ou seja, por intermédio de uma construção mental, resultante da interpretação da informação disponível num determinado momento. A modelação concep-tual implica a assumpção de simplificações, funda-mentais para facilitar a aplicabilidade do modelo, as quais devem ser, tanto quanto possível, restringidas, de forma a garantir o rigor da representação.

A elaboração de um modelo conceptual de um sis-tema hidrogeológico deve ser o ponto de partida e o passo mais importante da modelação. A qualidade dos resultados a obter através da aplicação dos res-tantes tipos de modelo depende, em grande medida, da qualidade do modelo conceptual. A conceptuali-zação de um sistema hidrogeológico implica a com-preensão da natureza dos aquíferos abrangidos, das suas características genéricas e dos processos físicos envolvidos.

GEONOVAS nº 21, pp. 41 a 51, 2008ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

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J. Espinha Marques e outros42

O presente trabalho ilustra o processo de modelação conceptual do sistema hidrogeológico localizado na região do Parque Natural da Serra da Estrela (PNSE), no sector de Manteigas-Nave de Santo António-Torre, o qual corresponde, aproximadamente, à área desig-nada por Bacia do Zêzere a Montante de Manteigas (BZMM; fig. 1; Espinha Marques, 2007).) — Espinha Marques 2007. Esta região apresenta características geológicas, geomorfológicas e climáticas específicas, que condicionam directamente o ciclo hidrológico regional e, consequentemente, a disponibilidade de recursos hídricos. Tais recursos, de elevada qualidade e valor económico, incluem águas subterrâneas (nor-mais e termominerais) e águas superficiais.

Modelação conceptual em Hidrogeologia

A modelação tem sido considerada um instrumento fundamental para o estudo de sistemas hidrológicos (e.g., Dingman 1994, Custodio & Llamas 1996, Fet-ter 2001, Fitts 2002). Os modelos são aplicados em numerosas situações, abrangendo as mais diversas escalas. São exemplos disso a avaliação dos fluxos em sistemas hidrológicos regionais, as oscilações da superfície piezométrica em função da recarga ou descarga do sistema aquífero, a interacção entre águas subterrâneas e águas superficiais, o transporte de poluentes (a partir de aterros sanitários, de explo-rações agrícolas, de unidades industriais ou de ou-tras fontes), o transporte de radionuclídeos (a partir

de depósitos de resíduos radioactivos), o estudo de intrusões salinas em aquíferos costeiros, ou a infil-tração da água nos solos.

Como os sistemas de medição dos processos hidro-lógicos apresentam limitações devidas ao tipo de técnicas usadas e à distribuição espacio-temporal dos registos, a modelação surge como um modo de simular o comportamento hidrológico, extrapolando os dados disponíveis (Beven 2001). Neste contexto, a modelação tem sido habitualmente usada para auxi-liar a compreensão do funcionamento dos sistemas e, mesmo, para a previsão o seu comportamento fu-turo, de acordo com alterações de uma ou mais das suas características.

O modelo dum sistema natural é, por definição, uma representação formal e simplificada de uma dada re-alidade. Existem numerosas classificações de mode-los (Beven 2001). No caso dos modelos aplicados em Hidrogeologia, Fetter (2001) menciona os modelos conceptuais, que descrevem um sistema num dado instante, sendo de carácter estático, por oposição aos modelos dinâmicos, os quais incluem os seguin-tes tipos: (i) modelos físicos à escala, (ii) modelos analógicos e (iii) modelos matemáticos. Se, numa fase inicial do emprego destes métodos, os modelos dos tipos (i) e (ii) eram os mais frequentes, com a generalização do uso de computadores e de progra-mas informáticos eficientes, os modelos matemáti-cos passaram a predominar (Singhal & Gupta 1999).

A definição de um modelo hidrogeológico conceptual preliminar é uma das primeiras, e mais importantes, fases do processo da modelação. Este género de mo-delo — expresso através de ideias, palavras e valores numéricos — constitui o fundamento dos modelos matemáticos subsequentes, influenciando a escolha do tipo de programa de computador a utilizar, assim como o planeamento das actividades destinadas à caracterização do sistema (NAP 1997). De facto, a qualidade dos resultados da modelação matemática é claramente influenciada pela qualidade do modelo conceptual preliminar.

Este modelo preliminar, naturalmente muito limita-do, dada a escassez de informação na fase em que é elaborado, vai sofrendo sucessivos aperfeiçoamen-tos, à medida que nova informação vai sendo obtida, contribuindo para ampliar o conhecimento sobre o sistema hidrogeológico.

Figura 1. Localização geográfica do PNSE e da BZMM (adaptado de

Espinha Marques 2007).

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Modelação conceptual em Hidrogeologia O Parque Natural da Serra da Estrela 43

desenvolvimento de um modelo exige um processo iterativo: os resultados da modelação matemática contribuem para o aperfeiçoamento do modelo con-ceptual e vice-versa, de modo encadeado.

Quadro hidrogeológico da BZMM

A região da Serra da Estrela (fig. 1) situa-se na Zona Centro-Ibérica do Maciço Ibérico (Ribeiro et al. 1990). As condições geológicas constituem uma parte fundamental do sistema hidrogeológico regio-nal, uma vez que controlam algumas das suas princi-pais características, nomeadamente os processos de infiltração e de recarga dos aquíferos, o tipo de meio de circulação (poroso vs. fissurado), os trajectos do fluxo subterrâneo ou a hidrogeoquímica.

A tectónica da área estudada é dominada pela me-gaestrutura regional designada por zona de falha de Bragança-Vilariça-Manteigas (ZFBVM), a qual cor-responde a um desligamento esquerdo que consti-tui uma das mais importantes estruturas do sistema tardi-Varisco de fracturas do Noroeste da Ibéria (fig. 2). A sua reactivação durante o Cenozóico pela tec-tónica compressiva Alpina, juntamente com a reac-tivação de falhas regionais predominantemente in-versas (tais como a falha de Seia-Lousã), deu origem ao soerguimento do maciço montanhoso da Serra da Estrela sob forma de um horst numa estrutura do tipo pop-up (Ribeiro 1988, Ribeiro et al. 1990).

Os principais litótipos presentes na região são (fig. 3): (i) Rochas graníticas de idade Varisca; (ii) Rochas metassedimentares de idade Precâmbrica-Câmbrica; (iii) depósitos aluvionares e glaciários do Quaternário.

Na BZMM, foram estabelecidas as seguintes unidades hidrogeológicas (quadro 1): (i) Depósitos de Cober-tura que incluem, localmente, depósitos aluvionares, glaciários e fluvioglaciários; (ii) Rochas Metassedi-mentares, localmente compostas por xistos, grauva-ques e metaconglomerados; (iii) Rochas Graníticas, correspondentes a diversos tipos de granitóides.

A Serra da Estrela, cuja altitude máxima é de 1993 m (a mais elevada de Portugal Continental), integra a Cordilheira Central Ibérica, uma cadeia montanho-sa de orientação ENE-WSW, correspondendo a uma morfoestrutura de tipo “montanha de blocos” (cf. O. Ribeiro 1954). Esta montanha constitui o sector mais oriental e elevado do alinhamento montanhoso de direcção NE-SW existente entre a Guarda e a Serra da Lousã, ao longo de cerca de 115 km, com uma

O processo de conceptualização implica a compre-ensão da natureza do sistema hidrológico, das suas características genéricas (tais como a litologia, o tipo de solo, o relevo, a variabilidade espacial dos parâme-tros hidráulicos, a hidrogeoquímica, as característi-cas geológicas e geométricas dos limites do sistema, etc.) e dos processos físicos e químicos envolvidos. O modelo matemático procura, por seu turno, simular o modelo conceptual. O modelo conceptual resulta da percepção do investigador em relação ao funcio-namento do sistema, a qual depende, em muito, da sua experiência, com destaque para a de campo.

O grau de pormenor do modelo depende da sua es-cala e do fim a que se destina. Na fase inicial dos estudos, a disponibilidade de dados pode não ser suficiente para permitir a elaboração de um mode-lo conceptual satisfatório. Neste caso, a colheita de dados adicionais no terreno pode ajudar a colmatar lacunas. Posteriormente, a confrontação com os re-sultados da aplicação de outros tipos de modelação, especialmente a matemática, pode contribuir para o aperfeiçoamento do modelo conceptual. Assim, o

Figura 2. Principais traços morfotectónicos do Norte e Centro de

Portugal (adaptado de Carvalho 2006).

FPCT- Faixa de Cisalhamento Porto - coimbra - Tomar; FVVNCR-

Falha de Vigo - VN Cerveira - Régua; FVRP- Falha de Verín - Régua

- Penacova; FBVM- Falha de Bragança - Vilariça - Manteigas; FSL-

Falha de Seia - Lousã; FP- Falha do Pônsul.

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J. Espinha Marques e outros44

Figura 3. Geologia da região da Serra da Estrela (simplificado de Oli-veira et al. 1992).A- aluviões; gm- Granito de ?? Penamacor e Covilhã.

Unidades

hidrogeológicas

regionais

Unidades hidrogeológicas locais

Características hidrogeológicas

Ligação hidráulica com a rede de

drenagem

Tipo de meio de circulação

Horizonte de Meteorização

Tipo de captação

mais produtivo

Pres

ente

Ause

nte

Poss

ível

poro

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Fiss

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m)

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Cobertura

sedimentar

Depósitos glaciares e fluvioglaciares • • n.

a.

n.a.

n.a.

n.a. •

Depósitos aluvionares • • n.a.

n.a.

n.a.

n.a. •

Rochas metassedimentares

Xistos, grauvaques e metacomglomerados • • • • •

Rochas graníticas Granitos • • • • • • •

Quadro 1 — Caracterização das unidades hidrogeológicas da BZMM. Nota: n.a.: não aplicável.

largura média de 25 km (Lautensach 1932, Daveau 1969). A Serra da Estrela exibe características climá-ticas e geomorfológicas particulares, que desempe-nham um papel importante no ciclo hidrológico lo-cal, especialmente no sub-ciclo hidrogeológico.

A BZMM tem uma área de cerca de 28 km2 e altitude compreendida entre 875 m (na estação hidrométrica de Manteigas) e 1993 m (no alto da Torre). O relevo deste sector é dominado por dois planaltos principais (fig. 4), separados pelo vale do rio Zêzere, de orien-tação NNE-SSW: o planalto da Torre-Penhas Doura-das (1450-1993 m), situado a ocidente, e o planalto do Alto da Pedrice-Curral do Vento (1450-1761 m), situado a oriente. Estes planaltos são compósitos, exibem superfícies aplanadas a diferentes altitudes e incluem alguns vales amplos. A geomorfologia glaci-ária do Plistocénico Superior e os depósitos associa-dos distinguem esta região, glaciada durante o Últi-mo Máximo da Glaciação (e.g., Daveau et al. 1997, Vieira 2004).

O clima da Serra da Estrela é marcado por um cariz mediterrâneo, com verões quentes e secos (Daveau et al. 1997, Vieira 2004 e Mora 2006). A estação hú-mida estende-se entre Outubro e Maio, com preci-pitação média anual superior a 2000 mm na maior parte da área dos planaltos, chegando a ultrapassar 2500 mm nas imediações da Torre. A precipitação aparenta ser sobretudo controlada pela altitude e orientação da serra em relação aos fluxos dominan-tes das massas de ar. A zona ocidental do maciço

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Modelação conceptual em Hidrogeologia O Parque Natural da Serra da Estrela 45

O respectivo modelo hidrogeológico conceptual consistiu, desde o início do estudo, numa hipótese evolutiva directamente relacionada com o reconhe-cimento de determinadas feições, processos e ocor-rências respeitantes ao sistema aquífero. A concep-tualização passou pela identificação dos tipos de aquíferos abrangidos, das suas características gerais e dos processos físicos e químicos envolvidos. As principais características consideradas foram a li-tologia, o meio de circulação (poroso ou fissurado), a hidrogeoquímica, a morfoestrutura, a interacção entre água subterrânea e água superficial e a loca-lização de potenciais áreas de recarga e de áreas de descarga (Espinha Marques 2007).

Na fase inicial do estudo, foram elaborados os qua-dros geológico, geomorfológico e climatológico, quer à escala regional, quer à escala local (fig. 5). A estrutura da área da Nave de Santo António foi estu-dada através de métodos geofísicos de resistividade eléctrica (e.g., Marques et al. 2006, Espinha Marques 2007). Com base nas primeiras observações, foi pro-duzido um modelo hidrogeológico conceptual preli-minar, naturalmente bastante limitado, dada a escas-sez da informação então disponível.

De seguida, foi desenvolvido o estudo hidrogeoló-gico propriamente dito, o qual incluiu diversas com-ponentes (fig. 5). Concretamente, foram definidas as unidades hidrogeológicas (e.g., Afonso et al. 2005); foi realizado o inventário hidrogeológico (Espinha Marques 2007); foi levado a cabo o estudo hidro-geoquímico (e.g., Marques et al. 2006, Espinha Mar-ques et al. 2006a), o qual incluiu uma componente convencional e uma componente de Hidrologia Iso-tópica); foi efectuado o estudo da zona não saturada (e.g., Espinha Marques et al. 2007, Espinha Marques 2007), conduzido sob uma perspectiva hidropedo-lógica; foram definidas unidades hidrogeomorfoló-gicas (e.g., Espinha Marques et al. 2005) — fig. 6. A modelação matemática do balanço hidrológico e da recarga dos aquíferos foi efectuada através do mo-delo Visual Balan 2.0 (e.g., Samper et al. 1999, 2005, Espinha Marques et al. 2006b).

Ao longo da realização do estudo hidrogeológico, o modelo conceptual preliminar foi sucessivamente aperfeiçoado, à medida que novos resultados iam ficando disponíveis. A versão final do modelo con-ceptual foi elaborada, integrando toda a informação disponível, num esforço claramente multidisciplinar (fig. 5).

Figura 4. Morfologia da região da BZMM (coordenadas da quadrícula Gauss, datum de Lisboa); extraído de Espinha Marques 2007.

apresenta maior número de dias com precipitação do que a zona oriental (mas um valor médio anual ligeiramente inferior). Por outro lado, observa-se, à escala regional, um aumento da precipitação com a altitude; no entanto, à escala local, a distribuição espacial da precipitação é de difícil interpretação de-vido à sua relação com o fluxo das massas de ar, no-meadamente com mecanismos complexos de con-vergência e divergência controlados pela morfologia da montanha.

A irregularidade espacial e temporal dos fenómenos relacionados com a neve tem sido referida em di-versos estudos (Andrade et al. 1992, Mora & Viei-ra 2004). No entanto, a importância hidrológica da neve, nomeadamente no que respeita ao papel desempenhado pela mesma na infiltração e recarga dos aquíferos, justifica o aprofundamento do conhe-cimento do seu padrão de precipitação e da evolução sazonal da cobertura nivosa.

A temperatura média mensal medida nas estações meteorológicas das Penhas Douradas, Lagoa Com-prida e Penhas da Saúde revelam que a Serra da Es-trela é caracterizada por um regime térmico simples (Vieira & Mora 1998). O mês mais quente é Julho e o mais frio é Janeiro. A temperatura média anual é inferior a 7ºC na maior parte da área dos planaltos, sendo, no Alto da Torre, inferior a 4ºC.

O processo de modelação conceptual da BZMM

A modelação conceptual da BZMM foi uma das com-ponentes mais importantes do estudo hidrogeológi-co, de índole claramente multidisciplinar, aí realizado.

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J. Espinha Marques e outros46

Um modelo hidrogeológico conceptual da BZMM

A modelação conceptual da BZMM procurou abarcar a diversidade hidrogeológica da região, manifestada pela ocorrência de diversos tipos de aquíferos e de águas subterrâneas, onde claramente predominam os meios de circulação fissurados sobre os porosos (fig. 7).

Concretamente, nesta região, estão presentes três tipos de aquíferos interrelacionados e dotados das seguintes características genéricas (Espinha Marques 2007):

(i) Aquíferos superficiais: livres, em contacto hi-dráulico com a zona não saturada e com a at-mosfera; com circulação de águas subterrâneas normais; com meio de circulação poroso (no caso dos depósitos de cobertura, assim como das ro-chas cristalinas mais intensamente meteorizadas e/ou tectonizadas), ou fissurado (em rochas cris-talinas menos meteorizadas e/ou tectonizadas).

Figura 5. Esquema dos trabalhos de investigação da hidrogeologia da BZMM (extraído de Espinha Marques 2007).

Figura 6. Unidades hidrogeomorfológicas da BZMM. (1) Planalto Oriental; (2) Encostas Orientais; (3) Fundo de Vale (inferior); (4) Colo da Nave de Santo António; (5) Fundo de Vale (superior); (6) Encostas Ocidentais; (7) Encostas dos Cântaros; (8) Planalto Ocidental (infe-rior); (9) Planalto Ocidental (superior) (extraído de Espinha Marques 2007).

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Modelação conceptual em Hidrogeologia O Parque Natural da Serra da Estrela 47

(ii) Aquíferos intermédios: semi-confinados a con-finados; situados directamente sob os aquíferos livres; com circulação de águas subterrâneas nor-mais; com meio de circulação fissurado em ro-chas cristalinas.

(iii) Aquíferos profundos: confinados; situados sob os aquíferos intermédios; com circulação de águas termominerais; com meio de circulação fissurado e correspondendo, tal como no caso anterior, a rochas cristalinas.

O sistema hidrogeológico da BZMM pode, assim, ser dividido em dois subsistemas interligados: o das águas subterrâneas normais e o das águas termomi-nerais. As primeiras são águas cuja temperatura de emergência se encontra directamente condicionada pela temperatura do ar, com resíduo seco inferior a 60 mg/L (podendo ultrapassar este valor se conta-minadas por sal das estradas), com pH entre 5 e 7

e, predominantemente, com fácies hidrogeoquímica bicarbonatada-sódica ou cloretada-sódica. As águas minerais são hipertermais (com temperatura máxima registada superior a 46ºC), têm resíduo seco inferior a 170 mg/L, pH próximo de 9, teor em sílica supe-rior a 45 mg/L e concentração em fluoreto superior a 6 mg/L; são sulfúreas e de fácies hidrogeoquímica bicarbonatada-sódica.

A recarga dos aquíferos livres tem origem na infil-tração resultante da precipitação (fundamentalmen-te, sob forma de chuva ou neve). As áreas mais fa-voráveis para a infiltração e para a recarga (e, por consequência, menos favoráveis ao escorrimento superficial), são as caracterizadas por declives redu-zidos, solos espessos e cobertura vegetal abundante. Tais áreas constituem parte das unidades hidrogeo-morfológicas dos Planaltos (Ocidental e Oriental), do Fundo de Vale (inferior e superior) e do Colo da Nave de Santo António (fig. 6).

Os resultados da modelação hidrológica com o pro-grama Visual Balan revelam que cerca de um terço da precipitação dá origem à evapotranspiração e à intercepção. Por outro lado, o escorrimento superfi-cial ultrapassa 10% da precipitação. A fracção mais importante (cerca de 40%) corresponde, no entanto, ao fluxo lateral, através da zona não saturada (esco-amento hipodérmico).

Tal valor encontra justificação nas características da zona não saturada, a qual apresenta, com elevada frequência, uma estrutura em que uma camada de permeabilidade reduzida, constituída por rocha gra-nítica pouco fissurada e/ou alterada, subjaz uma ca-mada com elevada permeabilidade, constituída por rocha sedimentar não consolidada ou por rocha gra-nítica muito alterada e/ou tectonizada.

Assim, apenas uma fracção de cerca de 15% da pre-cipitação média anual fica disponível para a recarga dos aquíferos. O restante é devolvido à atmosfera sob forma de intercepção e evapotranspiração ou, no caso do escorrimento superficial e do escoamen-to hipodérmico, é escoado pela rede hidrográfica, sem passar pelos aquíferos (fig. 8).

Para além da ligação hidráulica à rede hidrográfica, os aquíferos livres apresentam também ligação aos aquíferos confinados com circulação de águas nor-mais. Desconhece-se, na actual fase do conhecimen-to da hidrogeologia da BZMM, o exacto funciona-mento dessa ligação, bem como os volumes de água

Figura 7. Meios de circulação de águas subterrâneas na BZMM: (a) fissurado (granito não alterado); (b1) porosos (granito meteoriza-do); (b2) porosos (depósito glaciário); (extraído de Espinha Marques 2007).

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J. Espinha Marques e outros48

envolvidos. No conjunto das águas das nascentes, é de esperar que algumas drenem, essencialmente, os aquíferos livres e, eventualmente, a zona não satu-rada. Outras nascentes poderão ter contribuição de circulação mais profunda, abrangendo, porventura, os aquíferos confinados. Os teores em 3H determina-dos nas águas subterrâneas normais — semelhantes aos teores atmosféricos — indicam que o tempo de residência no sistema aquífero é, em todos os casos, relativamente curto.

Por outro lado, a recarga do aquífero hidromineral tem origem na circulação descendente da água pro-veniente dos aquíferos superficiais e intermédios. Esta circulação profunda tem lugar, fundamental-mente, em zonas do maciço granítico com permeabi-lidade acrescida pela presença de estruturas geológi-cas com importância regional: a falha de Bragança-Vilariça-Manteigas, de direcção NNE-SSW (fig. 9), e as respectivas conjugadas, com direcção WNW-ESE.

Com base nos resultados da Hidrologia Isotópi-ca (valores de d18O vs. altitude), juntamente com a informação relativa à distribuição espacial das lito-logias, das estruturas tectónicas e das geoformas, estimou-se que a altitude de recarga do subsistema hidromineral ocorre a cerca de 1500 m de altitude. As áreas mais favoráveis para a referida recarga são vales tectónicos, em cujas vertentes e fundo a ro-cha granítica está, geralmente, coberta por depósitos glaciários, fluvioglaciários ou aluvionares (fig. 10).

Assim, considerando a globalidade da informação disponível, foram identificadas três áreas de recarga (fig. 11) situadas entre 1400 e 1600 m de altitude:

(i) A Nave de Santo António, situada sobre um seg-mento NNE-SSW da falha de Bragança-Vilariça-Manteigas.

(ii) O Vale do Covão da Ametade, situado sobre uma falha conjugada com direcção WNW-ESE.

(iii) O Vale da Candieira, situado sobre uma falha conjugada com direcção WNW-ESE a E-W.

A maior parte da água subterrânea que aflui a estas zonas escoa-se por via superficial. Outra parte, cir-cula para zonas mais profundas do maciço granítico através das zonas tectonizadas, acabando por atingir o reservatório hidromineral, situado a cerca de 3,1 km de profundidade (estimativa obtida por geoter-mometria; Marques et al. 2006).

Dada a distância entre as potenciais áreas de recar-ga e a área de descarga (fig. 11) e a profundidade do reservatório hidromineral, o tempo de residência dos fluidos deverá ser bastante longo. Com efeito, a determinação da idade aparente das águas sub-terrâneas através de datação por 14C aponta para uma desfasamento de cerca de 10 500 anos entre a infiltração nas áreas de recarga e a emergência nas Caldas de Manteigas.

A localização da área de descarga (fig. 11) é contro-lada pela presença de um nó tectónico, resultante da intersecção entre a FBVM, com direcção NNE-SSW, e

Figura 8. Representação esquemática do modelo hidrogeológico

conceptual da BZMM (extraído de Espinha Marques 2007).

Figura 9. Vale glaciário do Zêzere, com direcção NNE-SSW (extraído

de Espinha Marques 2007).

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Modelação conceptual em Hidrogeologia O Parque Natural da Serra da Estrela 49

Figura 10. Esquema de uma zona de recarga do subsistema hidromi-neral (extraído de Espinha Marques 2007, acima).

Figura 11. Localização das áreas de recarga e tipos de circulação no subsistema hidromineral (extraído de Espinha Marques 2007, à di-reita).

uma falha conjugada, com direcção WNW-ESE (IGM 1999, Carvalho 2006). A referida intersecção terá originado uma zona de permeabilidade acrescida, a qual facilita a movimentação dos fluidos entre o re-servatório hidromineral e a superfície. É de formular, também, a hipótese de a referida estrutura WNW-ESE impor um efeito de barreira ao fluxo hidromine-ral, reforçando as condições para a sua ascensão. Na área de descarga, o aquífero hidromineral deverá ter comportamento semi-confinado, ocorrendo alguma mistura entre águas termominerais e águas subter-râneas normais.

Considerações finais

O presente trabalho procurou ilustrar a importância da modelação conceptual em Hidrogeologia, recor-rendo ao caso de estudo de um sistema hidroge-ológico localizado na região do Parque Natural da Serra da Estrela (sector de Manteigas-Nave de Santo António-Torre).

A modelação conceptual de um sistema hidrogeoló-gico é uma parte fundamental do estudo de um sis-tema hidrogeológico, devendo o investigador colocar todo o cuidado na construção do respectivo modelo. A elaboração de um modelo conceptual realista im-plica uma boa compreensão da natureza dos aquífe-ros abrangidos, das suas características genéricas e

dos processos físicos envolvidos. Caso parta de um bom modelo conceptual, o estudo terá, certamente, melhores resultados, podendo ser realizado com me-nor consumo de recursos.

A modelação conceptual do sistema hidrogeológico da Bacia do Zêzere a Montante de Manteigas benefi-ciou de uma abordagem multidisciplinar, a qual per-mitiu ter em consideração a elevada complexidade do mesmo. Assim, o modelo conceptual procurou ter em conta a diversidade hidrogeológica da região, manifestada pela ocorrência de diversos tipos de aquíferos e de águas subterrâneas.

O modelo conceptual assim elaborado revelou-se fundamental para apoiar a realização das restantes tarefas envolvidas na investigação (como, por exem-plo, para melhorar a escolha e a aplicação dos res-tantes tipos de modelação), esperando-se, também, que venha a ser útil para a tomada de decisões sobre a gestão dos recursos hídricos de uma região.

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J. Espinha Marques e outros50

Agradecimentos

Este trabalho recebeu apoio da Fundação para a Ci-ência e a Tecnologia (FCT) e de fundos do FEDER, através do projecto de I&D HIMOCATCH (contrato POCTI/CTA/44235/02).

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Os sedimentos da albufeira da Venda Nova (rio Rabagão) e a “erosão” das praias Ana Luísa Costa, Helena Granja

Departamento de Ciências da Terra, Escola de Ciências, Universidade do Minho, Campus de Gualtar, 4710-057 [email protected]; [email protected]

Resumo: A migração das praias para o interior, correntemente designada por erosão das praias, tem sido atri-buída a várias causas (Bird, 1996) entre as quais: o pisoteio das dunas; a extracção de areia dos rios, praias e dunas; a retenção de sedimentos nas albufeiras das barragens; as estruturas portuárias e de defesa costeira; e a subida do nível do mar provocada pelo glacio-eustatismo, ligado ao aquecimento global da atmosfera, e pelo tectono-eustatismo. Sintetizam-se as opiniões, de alguns autores portugueses, sobre as causas da migração das praias para o interior (erosão das praias). Comparam-se, como achega para a compreensão dessa migração, os sedimentos dos enchimentos das albufeiras da Venda Nova, de Salamonde e da Caniçada com os do rio Cávado e das praias que envolvem o seu estuário; utiliza-se a descrição dos sedimentos, baseada em dados dimensionais das suas populações detríticas e nas suas associações de minerais pesados. Os dados sedimentológicos não permitem inferir (por insuficiente número de amostras -130) uma ligação das acumulações de sedimentos nas albufeiras das barragens (predomínio de indivíduos finos) com as areias das praias. Mantém-se em aberto o problema que atribui às barragens a principal causa da migração das praias para o interior (erosão das praias). Referem-se os factos mais significativos na discussão do problema, como o eustatismo e o esgotamento das fontes de alimentação das areias não ligadas às redes fluviais (acumulações clásticas na plataforma continental e formações que afloram na faixa costeira).

Palavras-chave: sedimentos; barragens; migração das praias para o interior (erosão das praias).

Abstract: The inland beach migration, also known as beach erosion, is attributed to several causes (Bird, 1996) and among them to: dune trampling; river, beach, and dune sand mining; retention of sediments in dam reservoirs; harbour and coastal defense structures; and sea-level rise due to glacio-eustasy, linked to the global warming of the atmosphere, and to tectonic-eustasy. The opinions of some Portuguese authors about the inland beach migration (beach erosion) are synthesised. As an approach to the understanding of inland beach migration, the sediments of the infill of the dam reservoirs of Venda Nova, Salamonde and Caniçada were compared with the sediments of the Cávado River and of the beaches in the neighbourhood of the estuary. The description of the sediments is based on grain size analysis data of the detritical populations, and on the heavy mineral associations. There were not sufficient number of sedimentological data (despite the analysis of ca. 130 samples), so the relationship between the (mainly fine) sediment accumulations in the dam reservoirs and the beach sands is not possible to make. The question remains still open whether the river dams are the main responsible factor for the inland beach migration. The most significant facts about the problem in discussion, such as eustasy and the starvation of the nourishment sand sources not connected to the fluvial hydrographic net (clastic accumulations on the continental shelf and outcrops of the coastal zone) are mentioned.

Key-words: sediments, dam reservoirs, inland beach migration (beach erosion).

Recebido: 2006. Aceite: 2007

1. Introdução

A migração das praias para o interior (erosão das praias) é um fenómeno, quase global à escala plane-tária, que preocupa as populações, principalmente as que vivem na zona costeira, os gestores de recursos naturais e os próprios governos.

O fenómeno da migração das praias para o interior (erosão das praias) é atribuído a causas naturais, que podem ser globais e locais, e a causas antrópicas, ge-ralmente com efeitos locais. Alguns autores conside-

ram causas antrópicas de influência global (efeito de estufa), o que tem gerado alguma controvérsia (Car-valho 2003, Bluemle et al., 2001). Tendo sido posto em causa o efeito de estufa (de origem antrópica), será o glacio-eustatismo, provocado pelo aqueci-mento natural da atmosfera, o principal responsável pela subida actual do nível do mar e, portanto da actual migração das praias (erosão das praias).

GEONOVAS nº 21, pp. 53 a 66, 2008ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

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Ana Luísa Costa e Helena Granja54

As causas do referido fenómeno são motivo de in-vestigações científicas cujos resultados e respectivas discussões são apresentadas em reuniões e revistas de cariz nacional e internacional.

Desde há muito tempo que são apresentadas expli-cações para o fenómeno, umas naturais, ligadas às mudanças do Globo (Global Change como é desig-nada pelos autores de língua inglesa), e outras de-pendentes de actividades antrópicas.

Nas causas naturais podem ser incluídos a subida do nível do mar, quaisquer que sejam os seus motivos, e o défice de areias na alimentação das praias.

Muitos defendem que o Homem tem uma partici-pação dominante e quase exclusiva no fenómeno: o seu contributo, pela produção de gases com efeito de estufa, os quais, elevando a temperatura da at-mosfera, acelerariam os efeitos do glacio-eustatismo e a expansão das águas dos oceanos, e pela constru-ção de barragens nas redes fluviais, as quais reteriam a montante os sedimentos que iriam alimentar as praias.

Há muita controvérsia sobre o problema (Carvalho, 2003; Bluemle et al., 2001), admitindo-se que as causas são diversas, umas globais (de natureza cli-mática, como o aquecimento natural da atmosfera) e outras regionais e locais, umas e outras podendo ser naturais (deformação tectónica da interface con-tinente-oceano) ou antrópicas (construção de obras de defesa costeira e portuárias e extracção de areias nas praias e nos rios).

Nessa controvérsia há que considerar o significado de processos que actuaram no Passado como, por exemplo, os que causaram transgressões e regres-sões do mar durante o Quaternário (associados a períodos glaciários e interglaciários). Os seus efeitos (ou consequências) devem ser separados dos ac-tuais, sendo dependentes das mudanças climáticas globais e das variações do nível do mar.

Na análise e discussão do problema da erosão costei-ra é fundamental saber de onde vêm os sedimentos das praias (fontes de alimentação): 1) os que provêm das bacias hidrográficas e são transportados pelos rios; 2) os que vêm das arribas costeiras em recuo; 3) e os que vêm das acumulações fósseis conservadas na plataforma continental.

Enquanto para a primeira fonte (fluvial) a aceitação é quase geral, para a terceira (alimentação prove-

niente da plataforma continental) nem sempre ela é aceite. No entanto, apresentam-se as praias de cascalhos dos segmentos costeiros situados entre a Pedra Alta (Viana do Castelo) e Cepães (Esposende) como exemplo dessa fonte de alimentação. Quanto à fonte de alimentação das arribas em recuo, ela é frequentemente esquecida ou subestimada.

Admite-se que a actual migração das praias para o interior (erosão das praias), em particular a da zona costeira do Minho, é uma consequência de causas globais (subida do nível do mar) e de causas locais, nas quais se inclui o défice na alimentação em areia por esgotamento das fontes.

2. Metodologia

A amostragem foi efectuada em 2001 e 2002: 1) no enchimento da barragem da Venda Nova, na vertente direita da albufeira de Salamonde; 2) na escombreira das minas da Borralha; 3) em três locais ao longo do rio Cávado (Barcelos, Prado e Marachão); 4) e nas praias envolventes do estuário do rio Cávado (Res-tinga de Ofir, Bonança, Praia do hotel de Ofir, Cavalos de Fão, Farol de Esposende e Cepães). Além desta amostragem superficial, foi efectuada outra, com o amostrador de copos concebido por Renato Henri-ques, nos fundos das albufeiras da Venda Nova e da Caniçada.

As amostras foram depois tratadas segundo as téc-nicas do Laboratório de Sedimentologia do Depar-tamento de Ciências da Terra, da Universidade do Minho.

Com os dados obtidos procedeu-se ao cálculo dos parâmetros estatísticos obtidos pelo método dos momentos, a partir do software SEDMAC, concebido por Henriques (1998, 2003).

Procedeu-se, também, à identificação e à quantifica-ção dos minerais pesados presentes (Duplaix, 1948; Mange e Maurer, 1992 e Parfenoff et al., 1970), re-correndo ao microscópio petrográfico.

3. Enquadramento geológico das albufeiras da Venda Nova, Salamonde e Caniçada

As vertentes da albufeira da Venda Nova estão modeladas sobre duas formações - os granitos de Montalegre e os metassedimentos (xistos, sobretudo paleozóicos, provavelmente acumulados durante o

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Sedimentos da Albufeira da Venda nova e erosão de praias 55

Silúrico) (Noronha e Ribeiro, 1983). Filões de aplito-pegmatitos atravessam os xistos.

As albufeiras de Salamonde e da Caniçada têm as suas vertentes modeladas sobre formações graníti-cas. Os granitos do Gerês, de Ruivães e do Barroso (Noronha e Ribeiro, 1983) em Salamonde e os grani-tos calco-alcalinos de duas micas (Medeiros e Teixei-ra, 1975) na Caniçada.

4. A migração das praias para o interior (erosão das praias)

As invasões do mar são referidas na faixa costeira de Espinho nos anos de 1834, 1869, 1871, 1874 e 1889 (Teixeira, 1980; Brandão, 1991) e na do Furadouro (Ovar, a sul de Espinho) em 1857, 1863, 1889 e 1912 (Laranjeira, 1984).

Os factos revelados por estas notícias provam que o efeito de estufa nada teve a ver com a subida do nível do mar, sendo disso um indicador as invasões do mar. Naqueles anos (meados do século XIX) a in-dustrialização estava numa fase inicial e a utilização

de combustíveis fósseis, sobretudo o petróleo, não estava ainda desenvolvida.

Também o mesmo facto se opõe à ideia de inter-venção das barragens na migração das praias para o interior (erosão das praias) porque ainda não tinham sido construídas quaisquer barragens no rio Douro nem nos outros rios situados a norte. Este facto des-culpabiliza-as do fenómeno.

Nos rios do Norte de Portugal, as barragens só co-meçaram a ser construídas em meados do século XX. A primeira barragem a ser construída foi no rio Lima - a barragem do Lindoso - que entrou em serviço em 1931 (quadro I).

Mais tarde, foram, também, construídas barragens nos rios Lima, Cávado, Homem e Douro, como se pode observar no quadro I.

Para alguns investigadores portugueses, como Cas-tanho et al. (1981), Oliveira et al. (1982), Oliveira (1983, 1997), Mota-Oliveira (1990), Valle (1988), Ve-loso-Gomes e Pinto (1994, 1997), Veloso-Gomes et al. (2002) Costa et al. (1996), Dias (1990, 1993), Dias e Boski (1997), Ferreira e Dias (1991, 1992), Ferreira et al. (1990), Alves (1996), que estudaram este proble-ma e que repetiram as ideias expressas por Campos e Schreck (1949), a migração das praias para o interior (erosão das praias) é explicada pela intervenção de um certo número de factores, os quais podem ser agrupados da seguinte forma:

- Retenção de sedimentos nas albufeiras das bar-ragens (admitem a situação para todas as bar-ragens de Portugal) e a barlamar das obras de defesa costeira (esporões) e quebra-mares por-tuários;

- Exploração de areias e dragagens nos canais flu-viais, nos estuários e nos canais de acesso a por-tos. As areias, em geral, são vendidas aos cons-trutores de obras de engenharia e habitações;

- Situações, consideradas de menor significado, como o pisoteio das dunas.

As causas da migração das praias para o interior podem, então, reunir-se da seguinte maneira (Carvalho et al., 2002; Carvalho, 2003):

- O pisoteio da vegetação que se desenvolve sobre as dunas;

- A exploração de areias, para aproveitamento na construção civil, que se processa nas praias e du-

Rio Designação da Barragem Construção Entrada em serviço

Rio Lima

Lindoso (antiga) ---- a 1931 1931

Alto Lindoso 1985 a 1992 1992

Touvedo 1987 a 1993 1993

Rio Cávado

Alto Cávado ---- a 1964 1964

Paradela 1953 a 1958 1958

Salamonde 1950 a 1953 1953

Caniçada 1952 a 1955 1955

Penide ---- a 1951 1951

Rio Rabagão

Alto Rabagão 1960 a 1964 1964

Venda Nova 1946 a 1951 1951

Rio Homem

Vilarinho das Furnas ---- a 1971 1972

Rio Douro

Miranda 1957 a 1960 1960

Picote 1955 a 1957 1958

Bemposta 1961 a 1963 1964

Pocinho 1976 a 1983 1983

Valeira 1971 a 1975 1976

Régua 1967 a 1972 1973

Carrapatelo 1965 a 1970 1971

Crestuma 1976 a 1985 1985

Quadro I - Barragens nos rios Lima, Cávado, Rabagão, Homem e Douro

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Ana Luísa Costa e Helena Granja56

nas, nos estuários e nos fundos e margens dos rios;

- O aquecimento da atmosfera do Globo que con-duziria ao efeito de estufa e consequente subida do nível do mar, por glacio-eustatismo e termo-eustatismo;

- As barragens construídas nas bacias hidrográficas que retêm a areia derivada das rochas das verten-tes e obstruem a natural alimentação das praias;

- A intersecção do transporte sólido costeiro pelas estruturas de defesa costeira (quebra-mares dos portos e esporões).

Relativamente à retenção de areia pelas barragens, não existe informação quantitativa sobre os volu-mes de sedimentos acumulados a montante das barragens (nas albufeiras) após elas terem entrado em funcionamento, o que enfraquece a validade do argumento que procura responsabilizar as barragens pela migração das praias para o interior.

Os seguintes factos enfraquecem esse argumento (Carvalho e Granja, 1997; Carvalho, 2003):

- Antes da construção das barragens no rio Douro, construídas entre1955 e 1985, e que entraram em serviço entre 1960 e 1985 (quadro I), já se verifi-cava migração das praias para o interior a sul do estuário do rio Douro e nos segmentos costeiros de Espinho e Furadouro nos meados do século XIX;

- A existência de praias com seixos nos concelhos de Esposende, Viana do Castelo e Caminha (Lou-reiro, 1999; Loureiro e Granja, 2001). Os seixos são fornecidos por depósitos conservados na plataforma continental e na plataforma baixa (Granja, 1999) e são constituídos por quartzitos de afloramentos do Ordovícico, (Cavalos de Fão e praia da Apúlia, por exemplo). Aquele tipo de rocha não faz parte do caudal sólido dos rios;

- Há outras fontes de alimentação das areias das praias como os afloramentos da prépraia e praia e rochas e sedimentos das arribas em recuo;

- Não foi até hoje provado que os sedimentos dos enchimentos das albufeiras tenham característi-cas comuns às areias das praias.

5. As praias de cascalho dos concelhos de Espo-sende, Viana do Castelo e Caminha

Um dos problemas que se discute a propósito do emagrecimento das praias que acompanha a sua mi-gração para o interior (erosão) é o da localização das fontes de alimentação das suas areias.

Apontam-se, em geral, os rios como as principais fontes alimentadoras.

Desde há muitos anos que as praias do concelho de Viana do Castelo e de Caminha são, sobretudo, constituídas por cascalho e por fraca quantidade de areia; associam-se aos seixos de quartzito, rochas que afloram localmente, como xistos metamórficos com abundantes cristais de quiastolite (andalusite).

No concelho de Esposende, as praias, que eram de areia, nos últimos 6-8 anos passaram a ser consti-tuídas por grandes acumulações de seixos de quart-zitos, conglomerados e xistos com quiastolite que afloram nas zonas de maré baixa das praias ou estão submersos na prépraia.

As praias de areia passaram, assim, a ser substituídas por praias de cascalho (fig. 1) que, nalguns locais, acompanham o recuo acelerado das arribas e os gal-gamentos do mar que vão destruindo os sistemas dunares.

As acumulações de seixos crescem, em volume, de ano para ano.

O tipo de rocha, a forma e dimensão dos seixos dos cascalhos das praias actuais não podem ser atribuí-dos ao transporte no caudal sólido dos rios do Norte de Portugal. Estes factos, que apontam para uma fonte de alimentação de areias das praias na zona imersa (prépraia), ou na própria praia (zona da maré baixa), provam que a actual alimentação das praias pelo caudal sólido dos rios será diminuta (tempora-riamente terá significado, quando das grandes cheias, como a de 2000-2001), razão porque constitui um argumento desfavorável à ideia da intervenção das barragens na migração das praias (erosão das praias) para o interior (os seixos de quartzito não provêm dos rios).

A síntese de ideias e factos apresentados, sobretudo as invasões do mar no século XIX, quando ainda não tinham sido construídas barragens, e a existência de praias de cascalhos que não provêm dos rios, leva a crer que provêm das acumulações detríticas existen-tes na plataforma continental e sob as praias actu-ais, pelo que deverão ser revistas as posições geradas por ideias que os factos contrariam.

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Sedimentos da Albufeira da Venda nova e erosão de praias 57

Entre as causas do fenómeno, as causas naturais como o eustatismo (glacio-eustatismo + tectono-eustatismo) e o esgotamento das fontes de alimen-tação dos sedimentos das praias não fluviais, devem ser fundamentalmente consideradas, reduzindo a situações locais o significado da intervenção antró-pica.

6. O enchimento sedimentar das albufeiras da Venda Nova, Salamonde e Caniçada, e os sedi-mentos do rio Cávado e das praias

6.1. O enchimento sedimentar da albufeira da Venda Nova

O enchimento sedimentar observado a montante da barragem da Venda Nova apresenta um conjunto de sedimentos detríticos (areias e limos) que podem ser agrupados em dois tipos: 1) sobre as vertentes da albufeira, faixas ou bandas de sedimentos grossei-ros que alternam com sedimentos finos, limosos (fig. 2); e 2) o enchimento da ribeira do Amiar com sedi-mentos estratificados, incluindo restos de vegetais, os quais, em 2001 (quando a albufeira esteve vazia), mostravam uma disposição em terraços (fig. 3).

A dimensão dos sedimentos das faixas varia desde areias a limos argilosos, segundo a classificação de Shepard (1954) (fig. 4).

Sintetizando os parâmetros estatísticos dimensio-nais, pode dizer-se que:

- Na albufeira da Venda Nova as amostras das ver-tentes apresentam uma média entre 0.0 e 5.5 ø (areia grosseira a limo médio); um desvio padrão entre 1.9 e 3.2 (mal calibradas a muito mal cali-bradas); uma assimetria entre -0.7 e 0.3 (grande assimetria negativa a assimetria positiva); e uma acuidade entre 2.2 e 3.2 (muito leptocúrtica e ex-tremamente leptocúrtica). As amostras do fundo apresentam uma média entre -0.1 e 6.2 ø (areia muito grosseira a limo fino); um desvio padrão entre 1.8 e 2.2 (mal calibradas a muito mal cali-bradas); uma assimetria entre 0.3 e 1.9 (grande assimetria positiva) e uma acuidade entre 1.7 e 9.0 (muito leptocúrtica e extremamente leptocúr-tica)

- Na ribeira do Amiar as amostras apresentam uma média entre -0.3 e 6.5 ø (areia grosseira a limo fino); um desvio padrão entre 1.0 e 2.9 (mal ca-libradas a muito mal calibradas); uma assimetria

Fig. 1 – Praia do Belinho, em Esposende, constituída por cascalhos. Data: 14.04.2003

Fig. 3 – Morfologia em terraços do enchimento sedimentar da ribeira

do Amiar. Data: 15.08.2001

Fig. 2 – Faixas alternadas de sedimentos grosseiros e finos na mar-

gem da albufeira da Venda Nova. Notar os degraus correspondentes

aos sedimentos grosseiros. Data: 15.08.2000

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Ana Luísa Costa e Helena Granja58

entre -0.6 e 1.5 (grande assimetria negativa a grande assimetria positiva); e uma acuidade en-tre 1.9 e 13.2 (muito leptocúrtica e extremamente leptocúrtica)

- Os valores dos parâmetros estatísticos das amos-tras colhidas na margem esquerda da albufeira não revelam qualquer tendência de variação, o que poderá ser explicado pelo facto dos indiví-duos dos sedimentos serem de origem local (sem transporte) ou transportados por suspensão (os finos). Na ribeira do Amiar, os mais grosseiros encontram-se a montante e os mais finos a ju-sante, já próximo da barragem, e o desvio padrão mantém-se mais ou menos constante, o que po-derá ser explicado pelo fraco transporte dos indi-víduos detríticos (desde a escombreira das minas da Borralha).

O enchimento da ribeira do Amiar tem a sua fonte de alimentação nas escombreiras das minas da Bor-ralha, que estão a ser, actualmente, exploradas para inertes da construção civil.

A exploração da escombreira destruiu parcialmente a cobertura vegetal que a cobria, o que permitiu que as chuvas da estação pluviosa de 2000-2001 (grande pluviosidade) a ravinassem intensamente; os sedi-mentos resultantes foram acumular-se ao longa da ribeira do Amiar, para jusante da central da Mesa do

Galo, sob a forma de um delta. O gradual esvazia-mento da albufeira em 2001 levou a que as águas da ribeira escavassem parcialmente os depósitos do delta e modelassem terraços nas margens da ribeira (fig. 3).

O inverno de 2002 foi menos pluvioso do que o de 2001, o que fez com que o caudal sólido (cujos sedi-mentos eram provenientes da escombreira da mina) fosse menos significativo, tendo-se apenas observa-do o escavamento das acumulações anteriores nas vertentes que estiveram submersas e o quase total desaparecimento dos terraços que denunciavam a extensão do referido delta.

Um dos aspectos mais notórios do enchimento se-dimentar da albufeira é a disposição dos sedimentos detríticos (areia e limos) em faixas ou bandas sobre as vertentes, umas de areias grosseiras, mais ou me-nos claras, e outras de limos e areias limosas, escuras quando húmidas que, por exposição ao sol, quando dos esvaziamentos da barragem, se cobriram de fen-das de dissecação (mud-cracks ou fendas de lodo), de contornos poligonais mais ou menos rectilíneos (fig. 5) ou curvos.

As fendas de dissecação conservam-se sob a água e, por isso, quando as águas da barragem subiram, um novo enchimento de finos preencheu as fendas geradas quando dos esvaziamentos anteriores, origi-nando uma nova geração de fendas que se podem sobrepor às geradas anteriormente (fig. 5).

Não se dispõe ainda de uma boa explicação para o desenvolvimento das faixas ou bandas, mas supõe-se que os sedimentos grosseiros provêm do manto de alteração (ou complexo de meteorização) das rochas das vertentes que existiu sob a cobertura vegetal e dos solos que existiam na área que foi submersa.

Com o tempo, o complexo de meteorização e os solos perderam os elementos finos, que passaram a ficar em suspensão nas águas da albufeira e que, pouco a pouco, se acumularam sobre os sedimentos gros-seiros quando dos esvaziamentos; a lenta e contínua evaporação das águas da albufeira também deve ter favorecido a génese das bandas de sedimentos finos.

Os sedimentos grosseiros praticamente não sofreram transporte, permanecendo quase no local em que foram gerados, o que é sugerido pela elevada disper-são dimensional (areias moderadamente calibradas a muitíssimo fracamente calibradas).

Fig. 4 – Classificação das amostras segundo Shepard (1954).

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Não se observaram indicadores de erosão acentuada nas vertentes que circundam a albufeira pois estas apresentam uma cobertura vegetal contínua e bem conservada. Tal facto leva a supor que apenas as partículas finas irão para as águas da albufeira.

Para montante da barragem, na zona onde o rio se aproxima dos granitos de S. Fins, foram colhidas no leito do rio (com o amostrador de copos) amostras de areia muito fracamente calibrada, o que aponta para a existência de uma faixa de areias no leito do rio que não foi reconhecida junto e imediatamente a montante da barragem.

A escorrência difusa que ocorre sobre as vertentes com pouca vegetação (margens do rio Rabagão em S. Fins) pode deslocar materiais grosseiros do com-plexo de meteorização e depositá-los sobre as faixas (ou camadas) de sedimentos limosos (fig. 6).

As situações referidas mostram quanto é variável a composição do enchimento sedimentar da albufeira, pelo que a explicação da sua génese terá de fazer intervir vários factores, aos quais sumariamente nos referiremos.

Reconhece-se o carácter local das fontes de alimen-tação dos sedimentos da albufeira pelo facto de re-velarem fraco transporte.

Até certo ponto, constituem excepção as areias da ribeira do Amiar que sofreram transporte a partir das escombreiras das minas da Borralha.

Como situação particular do enchimento da barra-gem da Venda Nova deve notar-se a existência de areias esbranquiçadas e mal calibradas em torno de afloramentos de aplito-pegmatito (a leste de Pa-drões, por exemplo, na margem esquerda da albu-feira) (fig. 7).

A origem destas areias, a partir da meteorização de aplito-pegmatitos, é evidente no terreno, porque contrasta com os sedimentos do enchimento, de cor mais escura, nas vertentes de metassedimentos.

A figura 8 esquematiza a distribuição dimensional dos sedimentos na albufeira da Venda Nova e na ri-beira do Amiar. É possível distinguir areia grosseira a montante da barragem, perto da ponte de S. Fins, possivelmente proveniente da meteorização dos gra-nitos das vertentes. Ao longo da albufeira observam-se areias e limos, estes mais abundantes no terreno e apresentando fendas de lodo. Ao longo da ribeira do

Fig. 5 – Ribeira do Amiar. Fendas de lodo poligonais. Data: 03.08.2002

Fig. 6 – Sedimentos finos na margem direita do rio Rabagão, a ju-sante da ponte de S. Fins. Notar uma capa de areias claras que a escorrência espalhou sobre os sedimentos finos, proveniente da me-teorização dos granitos da vertente. Data: 14.08.2002

Fig. 7 – Acumulação de areias esbranquiçadas provenientes da desa-gregação do afloramento de aplito-pegmatito na margem esquerda da albufeira da Venda Nova, a 1000 metros NO de Sanguinhedo (no último plano, a barragem). Data: 18.11.2002

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Amiar observam-se areias provenientes da escom-breira das minas da Borralha.

6.2. O enchimento sedimentar das albufeiras de Sa-lamonde e da Caniçada

O enchimento sedimentar da albufeira de Salamon-de, observado apenas na parte superior da vertente direita junto à barragem, apresenta-se semelhante ao da Albufeira da Venda Nova, isto é, em faixas ou bandas de sedimentos grosseiros que alternam com sedimentos finos. Segundo a classificação de She-pard (1954) (fig. 4), estes sedimentos são areias.

Na albufeira da Caniçada apenas se estudou o enchi-mento através de amostras colhidas com o amostra-dor de copos. No entanto, os sedimentos de fundo,

segundo a classificação de Shepard, variam de areia, areia limosa a areia limo-argilosa (fig. 4).

Os parâmetros estatísticos dimensionais destas amostras mostram que:

- Na albufeira de Salamonde as amostras estu-dadas apresentam uma média entre -1.1 e 1.6 ø (areia muito grosseira a areia média); um desvio padrão entre 1.4 e 3.1 (mal calibradas a muito mal calibradas); uma assimetria entre 0.3 e 1.0 (gran-de assimetria positiva); e uma acuidade entre 2.1 e 4.4 (muito leptocúrtica e extremamente lepto-cúrtica)

- Na albufeira da Caniçada as amostras apresen-tam uma média entre -0.6 e 6.4 ø (areia muito grosseira a limo fino); um desvio padrão entre

Fig. 8 – Carta esquemática de distribuição dimensional dos sedimentos da albufeira da Venda Nova

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Sedimentos da Albufeira da Venda nova e erosão de praias 61

1.3 e 3.9 (mal calibradas a muito mal calibradas); uma assimetria entre -0.4 e 0.5 (grande assime-tria negativa a grande assimetria positiva); e uma acuidade entre 2.1 e 3.1 (muito leptocúrtica e ex-tremamente leptocúrtica).

Considerando o problema sob o ponto de vista di-mensional, se se repetirem os mesmos factos nou-tras albufeiras, tal pode servir para argumentar que as barragens não são responsáveis pela erosão das praias (o enchimento das albufeiras com sedimentos finos e muito finos, de origem local, nada tem a ver com as areias das praias).

6.3. Os sedimentos do rio Cávado e das praias adja-centes

6.3.1. Os sedimentos do rio CávadoOs parâmetros estatísticos dimensionais dos sedi-mentos colhidos ao longo do rio Cávado relativa-mente à média apresentam uma pequena variação e o seu desvio padrão é mais ou menos constante. A média varia entre -1.4 e -0.5 ø (areão a areia muito grosseira); o desvio padrão varia entre 1.1 e 1.2 (mal calibradas); a assimetria varia entre 0.3 e 1.0 (grande assimetria positiva); e a acuidade varia entre 3.7 e 5.6 (extremamente leptocúrticas).

O pequeno número de amostras colhidas no rio Cá-vado não permite verificar qualquer tendência de va-riação, de montante para jusante, da sua média, mas permite verificar a constância do seu desvio padrão.

6.3.2. Os sedimentos das praias adjacentes à foz do CávadoAs amostras das praias revelam uma média que varia entre 0.0 e 1.4 ø (areia muito grosseira e areia mé-dia); um desvio padrão que varia entre 0.4 e 1.1 (bem calibradas a moderadamente calibradas); uma assi-metria que varia entre -0.9 e 0.2 (grande assimetria negativa a grande assimetria positiva); e uma acui-dade que varia entre 2.5 e 4.5 (muito leptocúrticas a extremamente leptocúrticas).

Os valores dos parâmetros estatísticos das praias apresentam variações de norte para sul. A média é baixa na restinga do estuário (sedimentos mais grosseiros), aumentando para sul (sedimentos mais finos). Talvez seja de admitir a intervenção de areias transportadas pelo rio na alimentação, o que pode-ria, também, explicar o aumento do desvio padrão (por introdução de areia grosseira). O desvio padrão

decresce para sul, certamente por efeitos de trans-porte e selecção.

A comparação das areias das praias e do rio com as areias das albufeiras não permite obter qualquer in-formação para o problema da influência das barra-gens na migração das praias para o interior (erosão das praias).

Necessitar-se-ia de amostragens de sedimentos mais completas (amostragens múltiplas) ao longo do ca-nal do rio, do estuário e das praias, visto que as fon-tes de abastecimento de sedimentos se localizam em vários pontos das margens e nas vertentes de onde partem linhas de água que desaguam no rio, o que implicaria dispôr de muito mais tempo para as inves-tigações.

6.4. As associações de minerais pesados

A técnica dos minerais pesados pode servir para identificar as fontes de alimentação dos sedimentos de determinada unidade sedimentar. Pressupõe-se que as associações de minerais pesados são seme-lhantes, quer na fonte, quer no local de acumulação.

No caso das areias das praias, as fontes de alimenta-ção são diversas o que dificulta a interpretação dos resultados, a não ser que cada fonte de alimentação ofereça minerais-índice próprios. Tal não acontece no caso estudado.

Os resultados da aplicação da técnica dos minerais pesados são os que se apresentam a seguir (figs. 9 a 13).

Interpretação

A figura 9 mostra que a associação de minerais pe-sados da Venda Nova tem como mineral dominante a turmalina, o que não se verifica nas areias colhidas nas praias. Supõem-se que tenha origem nos aflo-ramentos de aplito-pegmatito que se observam nas vertentes da albufeira.

Pela análise da figura 10, verifica-se que nas amos-tras colhidas na albufeira da Venda Nova predomi-na a andalusite enquanto que na ribeira do Amiar a turmalina é o mineral dominante. O número de amostras é muito limitado porque a maior parte das amostras eram areias finas e limos, as quais, com a técnica utilizada, não forneceram minerais pesados.

A fonte da andalusite deverá estar nos xistos das vertentes (xistos com andalusite, na carta geológica,

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folha 6-A) e a da turmalina nos filões de aplito-peg-matito (e nas escombreiras das minas da Borralha).

Na albufeira de Salamonde e da Caniçada o mineral mais abundante é o zircão (figs. 9 e 11) que se supõe provir dos afloramentos de aplito-pegmatito e de granitos que se observam em redor. Pode-se ainda referir que, à medida que se caminha para a base da vertente da albufeira de Salamonde, a percentagem em zircão diminui enquanto aumenta a da turmalina.

Relativamente ao rio Cávado, entre Marachão e a foz, Cascalho (2000) refere que a andalusite é o mineral mais abundante, seguindo-se o zircão e a turmalina. O autor considera também a biotite (mineral mais frequente entre todos) e a apatite, mas, no presente trabalho, estes minerais não foram tidos em conta porque são destruídos com o tratamento por ácidos.

Nas areias colhidas ao longo do rio Cávado o mineral dominante é a andalusite (fig. 12), seguindo-se a tur-malina e o zircão, o que comprova os dados referidos por Cascalho (2000).

Relativamente às areias das praias em torno do estu-ário do Cávado, sabia-se que a associação de mine-rais pesados era dominada pela presença de andalu-site, além de granada, turmalina e estaurolite (Pureza e Araújo, 1956a,b).

Para as praias a norte do rio Neiva, Alves (1996, 1997) refere que o mineral mais frequente é a andalusite e que, dos restantes minerais, a estaurolite é aquele que maior frequência apresenta. Refere, ainda, que a turmalina, a granada e a silimanite têm comporta-mento idêntico entre si e que são o grupo mais cons-tante em toda a área estudada, enquanto o zircão é o mineral menos frequente. No entanto, não tem a preocupação de os relacionar com a eventual alimen-tação, introduzida pelos rios, nas praias. Refere que “actualmente os rios têm uma contribuição fraca no fornecimento de materiais grosseiros, admitindo-se que parte da carga sólida da deriva litoral provenha de depósitos existentes na plataforma continental, por alimentação sazonal transversalmente à costa” (Alves, 1997, p. 295).

Estas informações foram confirmadas pelos dados obtidos a partir das nossas amostras (figs. 9 e 13), as quais mostram que a andalusite é o mineral domi-nante nas praias, seguido da turmalina. A andalusite, certamente, tem origem nas rochas metamórficas que afloram na praia e na prépraia.

Quanto aos minerais opacos, estes são dominantes, tanto nas areias do rio como nas das praias.

As diferenças, quanto às frequências de turmalina e andalusite nas areias da Venda Nova e nas praias, poderiam servir como indicador de que as areias das praias não têm alimentação nas areias do en-chimento da barragem, mas, sim, nos afloramentos de rochas metamórficas (nos quais a andalusite é abundante) e que afloram na praia e na prépraia do segmento costeiro referido.

Para fundamentar melhor esta ideia é necessário co-nhecer as associações de minerais pesados das areias das outras barragens do rio Cávado (o que ainda não foi possível) e dispor de informações de um maior número de amostras colhidas no canal do rio.

Discussão/Conclusão

As conclusões são limitadas na sua aplicabilidade a outras barragens porque apenas se estudou, com al-gum pormenor, o enchimento de uma albufeira - a albufeira da Venda Nova.

- A comparação das características dos sedimentos acumulados nas albufeiras da Venda Nova, Sala-monde e Caniçada com as do canal do rio Cávado e das praias em torno do seu estuário não permi-tiram inferir qualquer informação (por quantida-de insuficiente de amostras - cerca de 130 - e por não se encontrar nada de comum nas amostras estudadas) sobre a ligação das barragens com o problema da migração acelerada das praias para o interior (erosão das praias), sobretudo no que se refere às fontes de alimentação dos sedimen-tos das praias

- Os sedimentos acumulados a montante das bar-ragens são de carácter local, provenientes das vertentes ou das linhas de água que desaguam na albufeira

- As associações de minerais pesados são caracte-rizadas pela predominância de andalusite na al-bufeira da Venda Nova; de turmalina na ribeira do Amiar; e de andalusite no rio Cávado e nas praias. A andalusite, que provém das rochas metamór-ficas que afloram nas vertentes dos vales (rio principal e afluentes), apenas permite dizer que os rios também contribuem para a alimentação das praias (a andalusite é um mineral dominante tanto nas areias das praias como dos rios); não é

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Fig. 9 – Representação dos minerais pesados mais abundantes, nos diferentes locais de colheita (CAN = Caniçada).

Fig. 10 – Diagrama de variação dos minerais pesados das amostras colhidas na albufeira da Venda Nova e na ribeira do Amiar.

Fig. 11 – Diagrama de variação dos minerais pesados das amostras colhidas na vertente esquerda da albufeira de Salamonde. Sequência mineral da fig. 10.

Fig. 12 – Diagrama de variação dos minerais pesados das amostras colhidas no rio Cávado. Sequência mineral da fig. 10.

Fig. 13 - Diagrama de variação dos minerais pesados nas praias en-

volventes do estuário do rio Cávado. Sequência mineral da fig. 10.

aceite a exclusividade da alimentação das praias ser feita apenas a partir dos rios

- Mantêm-se válidos os argumentos de que as bar-ragens não interferem praticamente na dinâmica da erosão das praias porque

- a migração das praias para o interior já era ob-servada antes da construção de barragens e de estruturas portuárias

- muitos dos sedimentos das praias actuais provêm dos depósitos fósseis acumulados na plataforma continental, os quais alcançam as praias por me-canismos ainda mal conhecidos.

- Contudo, mantém-se que, localmente, os espo-rões e os quebra-mares de portos podem pro-vocar aceleração da migração para o interior das

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Ana Luísa Costa e Helena Granja64

praias, acompanhada do seu emagrecimento e recuo das arribas.

Agradecimentos

Agradece-se ao Professor G. Soares de Carvalho, professor catedrático jubilado da Universidade do Minho, pelo incentivo para realizar este trabalho e pelo conhecimento transmitido; à CPPE (Companhia Portuguesa de Produção Eléctrica) os dados disponi-bilizados; ao Dr. Renato Henriques, da Universidade do Minho, a disponibilidade e apoio na colheita de amostras com o seu amostrador de copos e apoio nos cálculos sedimentológicos; aos técnicos do La-boratório de Sedimentologia do Departamento de Ciências da Terra da Universidade do Minho (D. Eli-sabete Vivas, Dr. Fernando Dias, Sr. José Luís Nunes e Sr. António Saúl Sendas), pelo apoio prestado; e ao senhor Teixeira, da CPPE, pela disponibilidade para conduzir o barco, utilizado na colheita de amostras de fundo.

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Evolução recente do Ensino Secundário em Portugal e suas implicações nos currículos de Geologia; a perspectiva da

Associação Portuguesa de Geólogos Edite Bolacha*, António Mateus**

* Escola Secundária D. Dinis, Rua Manuel Teixeira Gomes, 1950-186 Lisboa, Portugal** Dep. Geologia e CEGUL, Fac. Ciências, Universidade de Lisboa, C6, Piso 4, Campo Grande, 1749-016 Lisboa, Portugal

Resumo

Ciente da importância da Educação e Ensino das Ciências, a APG acompanhou com preocupação as sucessivas revisões/reformas curriculares do Ensino Secundário que, nos últimos anos, foram promovidas em Portugal. A organização geral dos planos de estudo em vigor não é desfavorável à Geologia, reconhecendo-lhe valor formativo e cultural. Identificam-se, contudo, diversos problemas que importa solucionar, não sem antes proceder a uma avaliação condigna. Em termos gerais, porém, a resolução de parte substancial destes problemas passa pela reo-rientação, melhoria e actualização dos programas oficiais de Geologia, potenciando as aprendizagens e o corres-pondente desenvolvimento de competências.

Palavras-chave: Ensino Secundário português; reestruturações curriculares; programas/currículos de Geologia

Abstract

Being aware of the Science Education/Training significance, the APG followed with concern the successive cur-ricular reorganizations experienced by the Portuguese Secondary School level in the last few years. The general structure of the current learning programmes is not completely unfavourable to Geology, recognising its educa-tional and cultural value. There are, however, various problems that must be solved after a proper assessment. In a broad perspective it seems that most of these problems can be properly answered through a re-orientation, upgrading and updating of the Geology learning programmes, thus improving the learning outcomes and the cor-respondent development of competences.

Key-words: Portuguese Secondary School; curricular reorganizations; Geology learning programmes

Recebido: Outubro, 2007. Aceite: Novembro, 2007

1. Introdução

Desde a sua fundação em Novembro de 1976 que a Associação Portuguesa de Geólogos (APG), por si só, ou em colaboração com o Ministério da Educação (ME), tem procurado fomentar o Ensino pré-univer-sitário da Geologia, bem como o incremento da sua qualidade. Esta demanda assídua, desenvolvida atra-vés da promoção de iniciativas variadas e da análise cuidada de diversos documentos / indicadores, tem ajudado a consubstanciar um percurso que, longe do seu termo, exige atenção crescente e maior concer-tação com as acções de divulgação da Geologia junto da Sociedade em geral. Neste âmbito, acresce referir que houve sempre a preocupação de referenciar to-das as iniciativas e análises ao quadro mais amplo da Educação e Ensino das Ciências, ciente do contributo da Geologia na edificação de um corpo de saberes requerido por uma cidadania participativa, esclare-cida e responsável em sociedades baseadas no Co-

nhecimento que pautam o seu desenvolvimento por critérios de Sustentabilidade. Não foi, portanto, difícil para a APG integrar no seu conjunto de preocupa-ções os princípios enunciados pela UNESCO em 1999 sobre a Educação para o Século XXI, ou em 2005 a propósito da Década das Nações Unidas para o De-senvolvimento Sustentável, bem como as recomen-dações expressas em vários documentos emanados do Parlamento e Conselho Europeu, muitas das quais vertidas subsequentemente para a legislação nacio-nal. Também não foi difícil à APG identificar-se com a essência do contributo da Cimeira de Lisboa, em 2000, que reconheceu a necessidade de promover aprendizagens contínuas significativas e identificou o Conhecimento como o activo intangível com maior impacte na competitividade internacional. O mérito da actividade da APG nestes domínios complexos de intervenção é difícil de quantificar. Não obstante, em

GEONOVAS nº 21, pp. 67 a 74, 2008ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

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termos públicos, ele encontra-se parcialmente do-cumentado em vários artigos patentes nas suas pu-blicações periódicas (Boletim Informativo, de 1976 a 2002 e Geonovas, de 1981 ao presente), sendo também reconhecido, ainda que indirectamente, por via da aceitação e procura do Curso de Actualiza-ção de Professores de Geociências (promovido anu-almente e que já conta com XXVII edições), assim como de outras acções de formação contínua espe-cializada. Acresce referir que a APG tem igualmente promovido um número crescente de actividades de divulgação para a Sociedade em geral, participando ainda em várias iniciativas da Agência Ciência Viva com vista à promoção da cultura científica. Como resposta aos novos desafios, a estrutura dos Cursos de Actualização tem vindo a ser modificada através da inclusão de um maior número de horas dedica-das a actividades práticas (incluindo as de natureza experimental) e sua acreditação (desde 2005) jun-to do Conselho Científico-Pedagógico da Formação Contínua. Simultaneamente, a APG tem participado na organização de eventos formativos específicos que complementem a formação de profissionais em exercício, sob a forma de Seminários ou de Cursos Intensivos.

Nos últimos anos, várias foram as revisões/refor-mas curriculares promovidas pelo ME na tentativa de melhorar diversos indicadores sobre a qualida-de do ensino em Portugal, designadamente os que influenciam, directa ou indirectamente, o insucesso e abandono escolar. Estas revisões/reformas, con-sagradas em sucessivos enquadramentos legais, foram acompanhadas por várias determinações de natureza organizacional (visando a reorganização/optimização da rede escolar e respectiva gestão) que, gradualmente, se estenderam a outros domínios relevantes para a vida escolar (exames nacionais e de aferição, certificação de manuais, carreira docente e regime jurídico das habilitações para o exercício da profissão, etc.). Salientam-se, neste contexto, as va-gas de mudança operadas no Ensino Secundário que alteraram de forma pronunciada a organização/ma-triz curricular vigente e respectivos programas; estas sucederam-se, fundamentalmente, entre 1998/2001 e 2004, muito embora se aguardem para breve re-ajustamentos adicionais aos que foram instituídos durante o ano lectivo 2006/07.

O presente artigo procura sintetizar os traços fun-damentais das alterações induzidas pelas revisões/

reformas curriculares do Ensino Secundário desde 2001, sumariando a intervenção da APG durante todo o percurso e dando conta da sua perspectiva sobre as implicações que daqui decorreram (e decor-rem) para a Educação e Ensino da Geologia.

2. As Revisões / Reformas do Ensino Secundário em Portugal

A estrutura curricular actual do Ensino Secundário em Portugal surge como corolário de uma série atri-bulada de transformações ocorridas entre 1989 e 2004 que concorreram para um clima de grande ins-tabilidade e desorientação, corporizando reformas centralistas e “iluminadas”, assentes quase sempre em mudanças curriculares… introduzidas sequen-cialmente, sem cuidadas avaliações, conforme se afirma no Relatório Final do Conselho Nacional de Educação, datado de Fevereiro de 2007, intitulado Como vamos melhorar a Educação em Portugal: novos compromissos sociais pela Educação. Com efeito, após um período denominado revisão parti-cipada dos currículos (entre Abril de 1997 e Julho de 1998) que pretendeu identificar as principais in-suficiências dos planos de estudo criados em 1989 (Decreto-Lei nº286 de 29 de Agosto), foram tomadas diversas medidas de fundo que conduziram a cursos com matrizes curriculares diferentes, bem como a disciplinas estruturadas e modificadas nos seus con-teúdos relativamente às que vigoravam até então. O Decreto-Lei que consagrou esta “Revisão” Curricular do Ensino Secundário em Portugal foi publicado a 18 de Janeiro de 2001, estabelecendo a entrada em vigor dos novos planos de estudo no ano lectivo de 2002/03, no 10º ano e a sua extensão ao 11º e 12º anos de escolaridade nos anos lectivos subsequen-tes.

Em Março de 2002, porém, na sequência das elei-ções legislativas que acarretaram mudança de equi-pa governativa, a “Revisão” Curricular em curso foi de imediato suspensa (Decreto-Lei nº156/2002, de 20 de Junho), iniciando-se a produção de uma (nova?!) proposta de Reforma do Ensino Secundário. Esta última, formalmente instituída pelo Decreto-Lei nº74/2004 de 26 de Março e respectiva regulamen-tação, penalizou de forma significativa o Ensino das Ciências, obrigando a diversos ajustamentos dos tempos lectivos e permitindo aos alunos a selecção de perfis de formação nem sempre coerentes. Na se-quência do novo quadro legislativo criado após as

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eleições extraordinárias de 2005, as últimas altera-ções curriculares promovidas no Ensino Secundário voltam a estar em causa: (1) anunciam-se e introdu-zem-se gradualmente medidas que, no entender do ME, permitirão resolver os problemas de maior gravi-dade (e.g. redefinição de tempos lectivos afectos ao Ensino das Ciências e reintrodução do carácter obri-gatório de algumas disciplinas); (2) promovem-se o Estudo de Avaliação e Acompanhamento da Imple-mentação da Reforma do Ensino Secundário (Outu-bro de 2006) e a Análise do Processo de Elaboração, Avaliação e Implementação dos Programas do Ensi-no Secundário (Abril de 2007), ambos da responsa-bilidade do Grupo de Avaliação e Acompanhamento da Reforma do Ensino Secundário.

2.1 A intervenção da APG

Ao longo de todo o percurso que conduziu ao es-tado actual do Ensino Secundário, a APG produziu pareceres variados, mesmo quando não solicitada formalmente. Acompanhou a avaliação preliminar dos programas de Geologia que foram elaborados para os, inicialmente denominados, Curso Geral de Ciências-Naturais e Curso Tecnológico de Ambien-te e Conservação da Natureza, bem como os seus (nem sempre consequentes) sucessivos reajusta-mentos. Criticou construtivamente muitas das medi-das adoptadas pelo ME e antecipou, tal como outras Associações Profissionais e Sociedades Científicas, diversos problemas relacionados com a organiza-ção curricular. Seguiu atentamente a evolução do quadro de Exames Nacionais em Biologia e Geolo-gia (10º e 11º anos) e em Geologia (12º ano), e seus resultados, relatando por escrito a quem de direito as suas inquietações e perplexidades. Continuou a acompanhar as questões concatenadas em torno dos Manuais Escolares, bem como as que se debru-çam sobre a qualidade técnica e científica dos mate-riais didácticos recomendados ou disponibilizados às Escolas. Manteve, em suma, uma atitude proactiva e edificante junto do ME, das Escolas e dos Profes-sores, embora reconheça o curto alcance de muitas das soluções preconizadas, bem como das limitações decorrentes de numerosas condicionantes circuns-tanciais. Estas últimas, frequentemente ditadas por modas ou experimentalismos de índole diversa que se reflectem na organização curricular e nas práticas lectivas, têm perturbado a tranquilidade necessária à promoção de uma Educação de qualidade, con-forme se infere dos testemunhos obtidos no Debate

Nacional sobre Educação que antecedeu o Relatório do Conselho Nacional de Educação em 2007. A APG reconhece, contudo, que muito subsiste por fazer em prol da Educação e Ensino das Ciências, em geral, e da Geologia, em particular, não obstante os esforços dispendidos e as diligências efectuadas.

Em 1998, a APG esteve representada na Comissão de Acompanhamento do Ensino das Ciências (CAEC), emitindo opiniões sobre as matrizes curriculares e respectivos programas disciplinares. Como resultado das mudanças operadas na conjuntura política go-vernativa em 2002, a CAEC foi extinta, limitando a actuação da APG no processo de acompanhamen-to da reforma curricular. Aos currículos já elabora-dos, foram propostas alterações pelo ME, sujeitas a discussão pública no final de 2002, tendo por base fundamentos essencialmente economicistas. Como resposta, a APG emitiu um parecer relativo a algu-mas alterações, nomeadamente, as que passavam a considerar as disciplinas de Ciências da formação específica do 10º e 11º anos como opcionais e o fun-cionamento da Geologia no 12º ano dependente da oferta da escola. Após esta discussão pública, o Cur-so Tecnológico de Ambiente e Conservação da Na-tureza foi definitivamente extinto e os dois Cursos Gerais de Ciências (Ciências-Naturais e Ciências e Tecnologias) foram fundidos num só. Os alunos que desde então se inscrevem no Curso de Ciências são obrigados a frequentar apenas uma das disciplinas bienais estruturantes (Física e Química ou Biologia e Geologia), esquecendo-se ou ignorando, o res-ponsável por estas alterações, que grande parte da aprendizagem de conteúdos geológicos depende da aprendizagem prévia de conteúdos leccionados na disciplina de Física e Química. Esta abertura, criada em nome da flexibilidade curricular mas fortemen-te lesiva a qualquer percurso de Educação e Ensino das Ciências a nível do Secundário, foi recentemente eliminada; adicionalmente, o ME tomou medidas no sentido de revalorizar os tempos lectivos consagra-dos ao ensino experimental. A APG regozija-se com estas medidas (que vão ao encontro das posições por si defendidas em vários areópagos) e espera que a Educação e Ensino das Ciências experimente novo fôlego a partir de 2007/08.

Complementarmente e tendo detectado várias incor-recções científicas em alguns dos manuais escolares de apoio aos programas aprovados em 2001 (Ama-dor et al., 2001) e implementados em 2004, a APG

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procedeu à sua análise (Bolacha, 2005), procurando contribuir para a melhoria da sua qualidade. Julga-se, deste modo, ter exercido alguma pressão para que a legislação sobre adopção e avaliação de manu-ais escolares tivesse sido modificada (Decreto-lei nº 369/90; lei nº 47/2006) com vista à regulação efec-tiva dos mesmos pelo ME, dada a importância que estes instrumentos ainda mantêm como referentes, para os professores, na planificação das actividades didácticas.

2.2. As últimas alterações ao currículo

Da revisão participada dos currículos realizada em 1997-1998, cujos resultados foram divulgados numa colectânea de publicações editada pelo Departa-mento de Ensino Secundário do ME e subordinada ao título geral O Ensino Secundário em Debate (para além de um outro caderno intitulado Ensino Secun-dário: Ajustar para Consolidar), resultaram novos programas de formação. Estes integravam cursos com matrizes curriculares renovadas, conforme se dá conta na brochura editada pela Tutela em Abril de 2000, denominada Revisão Curricular no Ensi-no Secundário – Cursos Gerais e Tecnológicos, que também apresenta os princípios e as modalidades de avaliação das aprendizagens. Neste contexto, os conteúdos de Geologia permaneceram como parte integrante de uma das disciplinas de formação es-pecífica do Curso de Ciências-Naturais no 10º e 11º anos, consubstanciando ainda uma disciplina de op-ção, Geologia, no 12º ano. A designação da disciplina do 10º e 11º anos, anteriormente Ciências da Terra e da Vida (CTV), foi substituída por Biologia e Geolo-gia (BG) e a sua carga horária aumentada, passando de 4 tempos de 50 minutos para 3 tempos de 90 minutos, mas contemplando um programa muito mais extenso; desta reestruturação sobressai uma componente de Geologia com o mesmo peso da sua congénere de Biologia, o que não acontecia antes, com clara vantagem para esta última no cômputo dos dois anos.

2.2.1. As alterações ao currículo da disciplina de Biologia e Geologia

Como resultado da revisão participada do currículo, o ME promoveu diversas alterações ao funcionamen-to da disciplina agora denominada BG, cujos traços fundamentais se passam a descrever e a comentar muito sucintamente em termos gerais.

1)Individualização das componentes Biologia e Geologia: esta distinção clara, sustentada epis-temologicamente (e.g. Frodeman, 1995, 2001; Mateus, 2001; Rabb & Frodeman, 2002), reco-nhece a especificidade metodológica da Geologia e assegura que a aprendizagem de determinados conteúdos e conceitos, designados como estru-turantes, se revela essencial (Novak, 1997). Perfi-lha, por conseguinte, a noção de que os saberes e as metodologias disciplinares são fundamentais à resolução consciente e crítica de questões ou situações-problema de carácter inter- e trans-disciplinar a abordar em fases subsequentes do ensino e aprendizagem.

2)Total independência dos conteúdos em Biologia e Geologia: esta compartimentação rígida não acontecia no programa anterior, principalmente ao nível do 10º ano, em que a continuidade pro-gramática era assegurada através de um tema de ligação. Têm sido muitas as críticas a esta altera-ção, mas convém sublinhar que a mesma decorre sobretudo das opções tomadas pelos autores dos programas a propósito da selecção dos temas e conteúdos a abordar em função dos objectivos traçados para a disciplina.

3)Aumento dos tempos lectivos: este incremento da carga horária acontece por via da supressão (controversa) das disciplinas de Técnicas Labora-toriais de Geologia e de Biologia de cariz essen-cialmente prático, introduzidas pela Reforma de 1989. A decisão de extinguir estas disciplinas foi justificada pela preocupação de que o trabalho experimental deve ser teoricamente integrado e, para que esse desiderato fosse atingido, as au-las passaram a ter uma duração de 90 minutos (Amador, 2000). A prática, porém, tem demons-trado que outros argumentos ou motivações são necessários para que o trabalho experimen-tal possa, na realidade, desempenhar um papel decisivo na Educação e Ensino da Geologia e da Biologia. Neste contexto, entende-se por trabalho experimental toda a actividade prática que envol-va manipulação e controlo de variáveis passíveis de quantificação (em função dos objectivos es-pecíficos de aprendizagem) e que permitem aqui-latar sobre as relações causa-efeito, assim como sobre as incertezas que se lhes associam. Des-te modo, todo o trabalho experimental deve ser devidamente contextualizado do ponto de vista

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Evolução do Ensino Secundário e os currículos de Geologia a Perspectiva da APG 71

científico e didáctico, pois só assim será possí-vel avaliar não só as incertezas que decorrem das assumpções e simplificações requeridas pelo de-senho da actividade (comum a qualquer ramo do conhecimento científico), mas também, e sobre-tudo, as incertezas que são inerentes a qualquer análise de causalidade em Geociências (a qual deve considerar a auto-organização crítica dos sistemas geológicos e o redimensionamento das escalas de espaço e tempo – Schumm, 1991; Bak, 1996; Turcotte e Schubert, 2005).

4)Conteúdos programáticos: muito embora os au-tores dos programas reconheçam a existência de uma preocupação generalizada a nível mundial com a redução dos assuntos a leccionar, devido à ênfase que se considera importante dar aos con-teúdos estruturantes (Amador, 2000), certo é que se verificou um aumento da extensão dos pro-gramas do 10º e 11º anos relativamente aos até aí vigentes. Esta é uma das principais críticas que continua a ser subscrita por diferentes interve-nientes do processo educativo, em conjunto com a desconexão existente entre alguns tópicos do programa e o excesso de zelo na enumeração dos conceitos a introduzir. Com efeito, na presença de planos de estudo com estas características, torna-se difícil impulsionar o desenvolvimento coerente das competências requeridas pela ver-dadeira compreensão da essência dos assuntos versados que, não raras vezes, exigem activida-des a realizar no campo ou laboratório.

5)Transferência de conteúdos para a componente de Geologia: uma das razões que contribuiu para a extensão programática radica na incorporação de parte significativa dos conteúdos ministrados em Geologia do Ambiente e de Recursos Geoló-gicos do antigo programa do 12º ano, disciplina opcional, para os programas de 10º e 11º anos. Este reforço, vindo ao encontro dos pressupostos iniciais da revisão curricular no sentido de forta-lecer a ênfase no Ambiente e no Desenvolvimen-to Sustentável, acabou, na prática, por criar várias dificuldades, porquanto implicou uma adição de conteúdos sem alterar a estrutura do programa a leccionar, afastando-o definitivamente das orien-tações deterministas tradicionais.

6)Desenvolvimento de conteúdos centrado na re-solução de problemas: com as alterações promo-vidas, a introdução de cada tema ou unidade pro-

gramática passou a contemplar uma situação-problema, cuja selecção deveria ser determinada pelo significado que a mesma pudesse ter para os alunos, devido à sua localização ou mercê da divulgação que o assunto mereceu no momen-to (Amador et al., 2001). A grande extensão do programa e a sua enorme rigidez (determinada por um número excessivo de orientações porme-norizadas), assim como a ausência de objectivos explícitos para cada unidade temática, conjugada com a preocupação de preparar os alunos para os exames nacionais, tem dificultado, na prática, a concretização dos propósitos enunciados. Tal condiciona, ainda e severamente, os graus de li-berdade das Escolas e dos Professores na gestão de percursos de ensino e aprendizagem próprios, recorrendo a abordagens inovadoras e/ou à bus-ca de situações-problema apropriadas a cada Es-cola ou turma.

2.2.2. Pressupostos de alterações ao currículo em GeologiaA selecção e organização dos conteúdos foram rea-lizadas com base em critérios de carácter científico, epistemológico e pedagógico, que constituem novos paradigmas face aos que sustentavam os currículos anteriores, entendendo-se como paradigma todo o conjunto de pressupostos que enquadram novas te-orias, diferentes das anteriormente aceites pela co-munidade científica (Kuhn, 2003). No texto introdu-tório ao programa do 10º ano (Amador et al., 2001), é possível identificar os paradigmas seguintes: a Ci-ência para todos, o Construtivismo, o Ambiente e a Perspectiva CTSA, as abordagens integradoras e globalizantes; todos estes paradigmas são preconi-zados por Orion (2001), cujo modelo de directrizes de um currículo foi seguido pelos autores. Como que integrando e transversalisando estes quatro pa-radigmas, o programa é construído com a intenção de legitimar a individualidade da Geologia com base nos conceitos/conteúdos estruturantes e na meto-dologia subjacente ao pensamento e à prática nesta Ciência. Procura-se, assim, validar as abordagens ge-ocientíficas ao Mundo Natural, tornando inteligíveis os resultados obtidos através delas.

O paradigma da Ciência para todos considera que o principal objectivo da Educação em Ciências é o de preparar futuros cidadãos com as capacidades e competências necessárias à participação crítica e empenhada na resolução de problemas, fazendo uso

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Edite Bolacha e António Mateus72

da informação pertinente e das metodologias mais adequadas à sua aquisição e processamento (Ama-dor et al., 2001). Este modelo é recorrentemente re-ferido em oposição a uma educação que se preo-cupa apenas com a formação de futuros cientistas (Orion, 2001), frequentemente apreciada de forma depreciativa porque conduz à “deriva académica” do Ensino Secundário (sem objectivos próprios e sub-serviente ao Ensino Superior), sobrevalorizando os conteúdos em detrimento da diversificação pedagó-gico/didáctica potenciadora do desenvolvimento de competências.

O Construtivismo, como paradigma pedagógico, co-loca o aluno no centro do processo de ensino-apren-dizagem, perspectivando um Ensino das Ciências que, como refere Gil-Pérez et al. (2002), preconiza a participação activa dos estudantes na construção do conhecimento e não a simples reconstrução do conhecimento previamente adquirido através do professor ou do manual. A conciliação deste para-digma com o anterior, permite privilegiar o ensino por pesquisa que valoriza o trabalho experimental e de campo teoricamente contextualizado, partindo de situações-problema edificantes. Estas últimas, se convenientemente articuladas, possibilitarão ainda projecções de carácter inter- e transdisciplinar (com aplicação ou não de trabalho prático) quer do que se sabe, quer do que se procura saber (e.g. Mateus, 2000a, b, 2001; Praia et al., 2002; Cachapuz et al., 2002; Pedrosa & Mateus, 2001). Destas abordagens emergem com naturalidade as articulações com os restantes paradigmas anteriormente enunciados.

Com efeito, o chamado paradigma verde (Ambien-te) enfatiza a importância das Ciências da Terra no desenvolvimento da consciencialização ambiental, porquanto, de acordo com o autor que maior rele-vo lhe atribui (Orion, 1995, citado em Orion, 2001), esta área do conhecimento permite ao aluno, futuro cidadão, adquirir capacidades e conhecimentos para poder emitir opiniões de forma consciente e esclare-cida sobre diversos assuntos como, por exemplo, a energia, a água ou a utilização adequada dos recur-sos. Como já foi referido anteriormente, conteúdos de natureza ambiental e de gestão adequada dos re-cursos geológicos já integravam o anterior currículo, se bem que contidos na disciplina de Geologia do 12º ano (opcional), pelo que a adopção deste paradigma não se revela uma novidade no caso português.

Também a focalização do Ensino das Ciências num contexto quotidiano relevante é defendido por Orion (2001), consubstanciando-se essa preocupação no currículo através das referidas situações-problema. Este é um assunto tratado com especial cuidado em Cachapuz et al. (2002) que, em muitos aspectos, re-toma trabalhos anteriores dos mesmos autores, de-monstrando a pertinência das relações CTSA na pro-moção de aprendizagens significantes em Ciência. A este propósito, contudo, importa sublinhar uma vez mais que a selecção dos temas a abordar, bem como a sua articulação, se revela crucial ao desfecho bem sucedido do processo de ensino e aprendizagem. Vejam-se, por exemplo, as orientações reportadas ao último paradigma que, no programa, são referi-das como abordagens integradoras e globalizantes; estas deveriam, efectivamente, criar os necessários elos entre os diversos conteúdos no sentido de fo-mentar e facilitar a compreensão das complemen-taridades existentes entre os principais processos biogeoquímicos e biogeofísicos condicionantes da evolução da Terra e da sua organização, bem como de facultar o entendimento das razões que permitem caracterizar este Planeta como um megassistema di-nâmico e aberto.

2.2.3. Avaliação

A reforma curricular do Ensino Secundário (progra-mas e matrizes) atingiu o 12º ano de escolaridade em 2006/07, após o qual deveria ser devidamente avaliada nas suas múltiplas vertentes. No presente apenas se conhecem as versões preliminares dos relatórios produzidos pelo Grupo de Avaliação e Acompanhamento da Reforma do Ensino Secundário (GAAIRES) subordinados ao Estudo de Avaliação e Acompanhamento da Implementação da Reforma do Ensino Secundário (Outubro de 2006) e à Análise do Processo de Elaboração, Avaliação e Implemen-tação dos Programas do Ensino Secundário (Abril de 2007). O exame atento destes relatórios, enquadrado pelo estudo mais alargado promovido pelo Conse-lho Nacional de Educação (Como vamos melhorar a Educação em Portugal: novos compromissos so-ciais pela Educação, disponibilizado em Fevereiro de 2007), revela, contudo, que os primeiros carecem de aprofundamento em muitos dos assuntos versados.

A necessidade de uma avaliação cuidada e perió-dica do currículo é também referida pela principal responsável pelos programas de Geologia em vigor (Amador, 2000). Noutros países, como é o caso de

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Evolução do Ensino Secundário e os currículos de Geologia a Perspectiva da APG 73

Israel (Orion, 2001), a produção de novos programas insere-se num processo cíclico em que, a seguir a uma fase de implementação restrita a algumas tur-mas, é desencadeada a avaliação à qual se seguem eventuais reajustamentos. Após esta primeira fase é realizada nova avaliação que conduz, por fim, à ge-neralização do currículo. Apesar de, em Portugal, não se ter optado por uma via de experimentação inicial, a avaliação cuidada e criteriosa dos resultados obti-dos afigura-se imprescindível para aquilatar (de for-ma objectiva e fidedigna) qual o estado de evolução e quais os desvios ao percurso previamente ideali-zado no sentido de atingir os desideratos enunciados nos diplomas legais que instituíram a Reforma. Esta avaliação, permitindo apreciar a adequação das me-didas introduzidas e/ou corrigir em devido tempo os afastamentos ao processo de mudança resultantes de turbulências circunstanciais ou de vários efeitos de escala, deveria contemplar duas vertentes: uma de carácter interno, realizada em cada Escola, de acordo com as características da mesma, regionais e humanas (corpos docentes e discentes, para além dos factores distintivos da comunidade envolvente); outra de índole externa, coordenada por especia-listas das respectivas áreas científicas e didácticas. Considerando ainda que, na fase inicial de constru-ção do currículo, o ME solicitou parecer às Associa-ções e Sociedades Científicas, seria também desejável que as voltasse a auscultar, complementando assim o processo de avaliação. Não enveredando por este caminho, os actuais responsáveis no ME voltam a cometer erros congéneres dos empreendidos no pas-sado recente, precipitando decisões e acarinhando a promoção de medidas que dificilmente solucionarão os problemas estruturais de forma consolidada.

3. Conclusões

Desde a sua fundação, em 1976, que a APG se preo-cupou com a Educação e Ensino da Geologia, fomen-tando Cursos de Actualização de Professores e dili-genciando junto dos Órgãos competentes do ME no sentido de demonstrar a relevância do Conhecimento geológico na promoção de aprendizagens científicas de qualidade. Não obstante várias contrariedades, que sempre acontecem quando caminhos comple-xos são trilhados, regista-se com agrado o reconhe-cimento granjeado pela APG junto do ME como ins-tituição nacional representante da Geologia, do seu Ensino e da profissão de Geólogo; nesta base têm surgido solicitações formais à APG para emissão de

pareceres e indicação de especialistas nas áreas do Desenvolvimento Curricular e da Avaliação Externa (exames nacionais).

No passado recente, ocorreram em Portugal suces-sivas revisões/reformas curriculares que procuraram inverter as tendências menos positivas dos principais indicadores sobre a qualidade de ensino ministrada. A APG acompanhou, dentro do possível, estas revi-sões/reformas, cuidando de analisar objectivamente as várias propostas e respondendo, em devido tem-po, às solicitações formuladas pelo ME. De entre as remodelações produzidas, salientam-se as que, nos últimos anos, têm visado o Ensino Secundário.

A matriz curricular em vigor no Ensino Secundário não é desfavorável à Geologia, reconhecendo-lhe valor formativo e cultural. Existem, contudo, diver-sos problemas que podem e devem ser resolvidos após um processo de avaliação criteriosa que urge implementar, através da reorientação, melhoria e actualização dos programas oficiais. Na perspectiva da APG, uma vez resolvidos estes problemas, parte das dificuldades diagnosticadas ao nível das ofertas de Escola desaparecerão ou, pelo menos, tenderão a ser reduzidas, consolidando a necessária literacia geocientífica e potenciando vocações para as Geo-ciências, em geral, e para a Geologia, em particular.

Agradecimentos

Os autores agradecem, em nome da APG, o convite endereçado pela Comissão Organizadora do Simpó-sio Ibérico do Ensino da Geologia para participar na Mesa Redonda. As ideias expressas neste trabalho beneficiaram de diversas trocas de impressões com numerosos intervenientes, designadamente sócios da APG, a quem se agradece reconhecidamente; eventuais méritos de algumas das propostas aqui apresentadas devem ser partilhados, mas as incor-recções e omissões são da exclusiva responsabilida-de dos autores.São ainda devidos agradecimentos aos Profs. Doutores Fernando Noronha, João Praia e José Brilha pela leitura crítica do manuscrito.

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Edite Bolacha e António Mateus74

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O conteúdo deste artigo é da responsabilidade dos autores e não expressa a posição da actual direcção da APG

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Novos currículos de Geologia no Ensino Secundário português: contributos da Associação Portuguesa de Geólogos

Edite Bolacha*, António Mateus*** Escola Secundária D. Dinis, Rua Manuel Teixeira Gomes, 1950-186, Lisboa, Portugal

** Dep. Geologia e CEGUL, Fac. Ciências, Universidade de Lisboa, C6, Piso 4, Campo Grande, 1749-016 Lisboa, Portugal

RESUMO

A Educação e Ensino da Geologia afiguram-se imprescindíveis ao desenvolvimento de competências diversas que concorrem para uma cultura científica eclética, útil ao desempenho de uma cidadania esclarecida na Sociedade actual e futura. Ao nível do Ensino Secundário, os programas de Geologia devem ser estruturados de forma a: (1) incluir conteúdos e conceitos nucleares subjacentes à caracterização geral dos processos geológicos, possibili-tando a análise sistémica do Planeta Terra; (2) compreender a importância destes processos e seus produtos na sustentação da Vida e na manutenção da Civilização Humana; e (3) fomentar actividades de aprendizagem que envolvam trabalhos de campo e experimentais com base em situações-problema teoricamente contextualizadas. Sugere-se a existência de um núcleo curricular mínimo obrigatório a nível nacional, complementado por orienta-ções que permitam desenvolver em cada Escola percursos de ensino-aprendizagem próprios em função das suas características.

Palavras-chave: Ensino Secundário português; programas/currículos de Geologia

ABSTRACT

The Education and Training in Geology are critical to the development of varied competences, concurring to an eclectic scientific literacy that is useful to a lucid citizenship in the Society of the present and future. For the Se-condary School level, the Geology learning programmes should be organized in order to: (1) include the core issues/concepts needed for a general characterization of the geological processes, promoting a systemic inspection of the Planet Earth; (2) understand the significance of these processes and their products on Life support and on Human Civilization maintenance; and (3) promote learning activities that involve field and experimental works based on case-problems theoretically contextualized. A national, compulsory, minimum core-curriculum is suggested, complemented by recommendations that facilitate the improvement of particular training courses in each Scholl designed in function of their own features.

Key-words: Portuguese Secondary School; Geology learning programmes.

Recebido: Outubro, 2007. Aceite: Novembro, 2007

GEONOVAS nº 21, pp. 75 a 86, 2008ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

1. Introdução

Em Portugal, o Ensino Secundário (10º, 11º e 12º anos de escolaridade) é frequentado por alunos com ida-des compreendidas entre os 15 e os 18 anos. No con-texto curricular actual do Ensino Secundário, o Curso Científico-Humanístico de Ciências e Tecnologias é o único que contempla matérias de Geologia, sendo frequentado pelos alunos que pretendem prosseguir estudos superiores nas áreas de Ciências e Engenha-rias.

Tendo em conta a necessidade de ultrapassar pro-blemas e desajustamentos detectados na organi-zação curricular e no funcionamento do Ensino Se-cundário (Amador, 2000), o ME iniciou em Abril de 1997 um processo de revisão curricular, subsequen-

temente denominado reforma pela razão de os an-teriores currículos terem sido substituídos por outros claramente diferenciados dos primeiros nas opções didácticas assumidas (Idem). Conforme discutido no artigo Evolução recente do Ensino Secundário em Portugal e suas implicações nos currículos de Geologia; a perspectiva da Associação Portuguesa de Geólogos neste volume, não se afigura claro que o percurso liderado pelo ME tenha sido acompanha-do por uma reflexão amadurecida sobre a organiza-ção e selecção dos conteúdos, contextualizadas por abordagens didácticas abrangentes. Este sentimento sustenta-se, desde logo, no facto dos diversos pro-gramas afectos às ciências experimentais revelarem

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orientações didácticas diversas (Ibidem), para além de outras razões adiante identificadas e discutidas.

Assumindo uma postura crítica, mas construtiva, procurar-se-á expor nas secções seguintes uma análise sucinta dos actuais programas de Geologia para o Ensino Secundário, bem como propostas de melhoramento ao nível da organização e selecção de conteúdos, tal como se explicitou na comunicação apresentada na Mesa Redonda do Simpósio Ibérico sobre o Ensino da Geologia (Aveiro, Julho de 2006).

2. Desafios e Paradigmas Actuais

Pretende-se que as sugestões apresentadas se sus-tentem nos principais “desafios do século XXI” que configuram também alterações aos paradigmas em que os autores se basearam para seleccionar e orga-nizar os conteúdos dos novos programas (fig. 1). Por sua vez, estas querem-se inerentes à construção do conhecimento geológico, não negligenciando incur-sões de amplitude variável por valências ambientais, económicas e sociais, i.e. erigindo gradualmente uma teia de conexões que concretizem a interdependên-cia entre os Saberes e os pilares fundamentais do Desenvolvimento Sustentável. Estas sugestões têm igualmente em conta a situação portuguesa, onde importa consolidar o Ensino das Geociências na es-colaridade pré-universitária, ao contrário do que se passa em outras sociedades ocidentais onde a preo-cupação maior consiste na sua introdução.

Recentemente tem-se assistido, em Portugal, a du-ras críticas ao tipo de ensino e aprendizagem das Ciências que tem vigorado nos últimos anos no En-sino Básico, centrado no aluno e nos processos. Este modelo é apontado como parcialmente responsável pelos maus resultados em literacia científica dos jo-vens portugueses nos estudos da OCDE (ME, 2001) porque releva para segundo plano a aprendizagem efectiva de conteúdos científicos (e.g. Crato, 2006). Com efeito, não havendo a devida contextualização teórica das actividades a desenvolver pelo aluno, as-sim como a necessária preocupação em ponderar as diversas modalidades de ensino e aprendizagem em função de objectivos específicos (como adiante se apresenta), toda a estratégia centrada no aluno acaba por não ter o efeito desejado, sendo até con-tra producente em algumas situações (conduzindo à desorientação e desmotivação).

A reformulação dos paradigmas esquematicamente ilustrada na figura 1 relaciona-se directamente com as preocupações referidas. Daqui emergem também os principais conjuntos de conteúdos e conceitos científicos cuja compreensão se afigura crucial a um processo de ensino e aprendizagem que deverá procurar o desenvolvimento das competências ne-cessárias à resolução de problemas correntes, sem os quais os futuros cidadãos não alcançarão a tão almejada literacia científica (Mayer, 2001).

É também neste contexto que Mayer (2001) critica a visão CTSA (Ciência – Tecnologia – Sociedade – Am-biente), paradigma que tem dominado o Ensino das Ciências desde os anos 70 do século XX, por trans-mitir a ideia de que a ligação da Ciência à Sociedade se faz sempre através da Tecnologia. Cachapuz et al. (2002) contornam com mestria esta questão, embo-ra não precisem com clareza as interdependências entre Ciência e Tecnologia e, nesta base, a necessi-dade de promover abordagens distintas aos conte-údos e conceitos estruturantes afectos a diferentes disciplinas em função das suas especificidades me-todológicas. A visão CTSA é intrinsecamente inter/transdisciplinar, enriquecendo-se com as perspec-tivas complementares do modo como se perscruta o Mundo e de como o Homem o usufrui e explora. Deste modo, mesmo ao nível do Ensino Secundário, a “construção de visões CTSA” assentes em situa-ções-problema que propiciem o ensino e aprendiza-gem através da pesquisa, apenas se torna edificante quando os Saberes disciplinares essenciais se encon-tram devidamente consolidados. No caso concreto das Geociências e, por consequência, da Geologia, esta construção enferma de um problema suple-mentar porquanto o que na realidade se estuda são os sistemas terrestres e respectivos complementares (Ambiente); assim, apenas indirectamente, tal estudo fornece bases para o desenvolvimento tecnológico (Mayer, 2001).

A visão CTSA, se incorrectamente introduzida, corre adicionalmente o perigo de fomentar ideias precon-ceituosas sobre o Ambiente e a actividade humana, desligadas das restantes vertentes do desenvolvi-mento da Sociedade, considerando, desde logo, fac-tores como o crescimento e distribuição demográ-fica, os padrões de qualidade de vida e as questões relacionadas com a equidade intra/intergeracional. Tal justifica a substituição da visão CTSA por um pa-

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radigma que contemple a “interdependência entre Sustentabilidade e os Saberes”.

A substituição do termo construtivismo pela expres-são construtivismo não radical permite destacar a importância da utilização de estratégias de pesquisa orientada semelhantes às utilizadas na construção do Conhecimento, que apresentem uma planificação prévia de acordo com o problema que se pretende investigar. Este tipo de estratégias tem sido defen-dido por vários autores (e.g. Mateus, 2000a; Praia et al, 2001; Gil-Pérez et al., 2002; Cachapuz et al., 2002; Santos, 2002; Crato, 2006) em oposição a ou-tras de forte carácter empirista (onde se destaca a observação sem fundamentação teórica prévia) ou de resolução de problemas com grau de abertura demasiadamente elevado para os níveis etários a que se destinam (não se verificando a priori os pré-requisitos necessários – conhecimentos básicos); as abordagens promovidas segundo as duas últimas es-tratégias conduzem inevitavelmente à desorientação dos alunos e, consequentemente, à não compreensão do que se está a fazer e das suas finalidades, impe-dindo o desejável desenvolvimento de competências.

Sugere-se, por fim, que o paradigma relacionado com as abordagens integradoras e globalizantes

seja substituído pela visão sistémica da Terra e do Universo, apenas aflorada no programa, mercê do seu carácter abrangente e por corresponder à pers-pectiva que actualmente orienta a construção do co-nhecimento geocientífico.

A recontextualização paradigmática dos programas (10º, 11º e 12º anos) que se sugere tem a vantagem de requerer menor compartimentação dos conte-údos do que a que se verifica no presente (fig. 2). Possibilita ainda o desenvolvimento de raciocínios e de práticas conducente: (1) à percepção das caracte-rísticas fundamentais dos constituintes básicos das entidades geológicas e entendimento da interrelação existente entre as diferentes escalas de espaço e de tempo envolvidas nos fenómenos geológicos, abar-cando diversos processos biogeoquímicos e biogeo-físicos; (2) à compreensão das articulações funda-mentais entre os vários subsistemas (e reservatórios), equacionados sob a forma de fluxos que sustentam o conceito de ciclo (petrogenético, hidrológico, bio-geoquímico, tectónico, etc.); (3) ao desenvolvimento de competências cognitivas mais complexas mercê da exigência colocada na interdependência entre conteúdos (Spiro et al. 1991); e (4) à resolução de problemas com graus diferenciados de estruturação (Jonassen, 1999) que conduzem a uma maior racio-

A Ciência para todos (formação para a cidadania)

Alfabetização global em Ciências (com vista à literacia científica)

Organização do conhecimento pouco

compartimentada

O Construtivismo O Construtivismo não radical

O Ambiente (e a perspectiva CTSA) Interdependência entre Sustentabili-dade e os Saberes

As abordagens integradoras e glo-balizantes

A visão sistémica da Terra e do Universo

Figura 1. Reformulação dos paradigmas de acordo com os desafios de século XXI inerentes à construção do conhe-cimento geológico e integrando as valências subjacentes ao desenvolvimento sustentável da Sociedade.

Tema I (Módulo Inicial) Tema II Tema III Tema IV

A Geologia, os geólogos e os seus métodos

A Terra, um planeta muito especial

Compreender a estrutura e a dinâmica da Geosfera

Geologia, problemas e mate-riais do quotidiano

Conceitos e pensamentos ge-ológicos estruturantes

A Terra no Universo Particularidades da Terra

Protecção do ambiente e de-senvolvimento sustentável

Estrutura da Terra e respecti-vos métodos de estudo

Problemas de ordenamento, processos e materiais geológi-cos, esploração sustentada de

recursos geológicos

Figura 2. Organização dos programas de Geologia dos 10º e 11º anos; adaptado de Amador et al., (2001,2002).

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nalização da teia de conexões que sustenta o Mundo Natural (Mateus, 2000a,b, 2001, 2006).

Acresce referir que, não obstante se privilegiar a uti-lização de estratégias de pesquisa orientada na Edu-cação e Ensino da Geologia (e.g. Praia et al, 2001; Gil-Pérez et al., 2002; Cachapuz et al., 2002), estas não devem ser encaradas como exclusivas. Na ver-dade, por razões de inteligibilidade ou necessidades de contextualização teórica da situação-problema, ou ainda por força de pré-requisitos formais diver-sos, poderá haver conveniência e justificar-se plena-mente a transmissão articulada de vários conceitos. Esta transmissão (implicando maior intervenção do professor, sem descurar a participação activa dos alunos) não deve, pois, ser encarada como algo a evitar “a todo o custo”, mas sim como uma meto-dologia complementar e interactiva, cuja pertinência deve ser apreciada em função (1) do que se preten-de abordar, (2) dos meios existentes na Escola, (3) do tempo disponível, (4) da dimensão das turmas e (5) das competências evidenciadas pelos alunos. Do mesmo modo que, no âmbito das actividades práti-cas (realizadas no laboratório, em sala de aula co-mum ou no campo), também se não deve abandonar totalmente a realização de demonstrações por parte do professor. Antes pelo contrário, tal pode ser parti-cularmente elucidativo (e motivador) para os alunos, especialmente no que diz respeito a muitos dos tra-balhos experimentais, permitindo-lhes encarar com maior naturalidade quer as dificuldades inerentes às actividades que subsequentemente lhes são propos-tas, quer a análise dos resultados por si obtidos.

3. Estrutura e Conteúdos dos Programas de Ge-ologia em Vigor

As figuras 2 e 3 retratam de forma muito sucinta a estrutura dos programas de Geologia para os três anos do Ensino Secundário, relativamente à qual se tecerão algumas considerações. Esta análise poderá ser complementada e/ou seguida através da consul-ta dos programas em: http://www.dgidc.min-edu.pt/programs/programas.asp (página da Direcção Geral de Inovação e Desenvolvimento Curricular, Ministério da Educação).

Em termos gerais, os programas são vastos, exis-tindo preocupação exagerada em cuidar o detalhe sobre algumas das matérias versadas (porquê estas e não outras?) e em enumerar exaustivamente con-ceitos e conteúdos que, por vezes, surgem de forma

desconexa e descontextualizada. Verifica-se também uma compartimentação excessiva dos conteúdos em todos os programas sem que haja um fio condutor lógico que proporcione a análise do Sistema Terra a diversas escalas de tempo e espaço. Reconhecem-se ainda dificuldades acrescidas em concretizar in-terligações fortes nas transições entre unidades temáticas. Tudo isto contraria a crítica enunciada à tradição enciclopedista e compartimentalizante do Sistema Educativo português (Amador, 2000). Tra-tar-se-á por ventura de uma das várias contrarieda-des que os autores terão experimentado, impostas pelas directrizes que receberam do ME; será o caso do Tema I, denominado Módulo Inicial, obrigatório nos programas de todas as disciplinas (?), que pre-tende ser uma breve introdução para preparar os alunos para o estudo mais detalhado da Geologia, pois revê, torna explícitos e actualiza conceitos es-senciais desta área do conhecimento (Amador et al., 2001). Deste modo, a metodologia/dialéctica própria da Geologia que se pretende que os alunos adqui-ram, nomeadamente através do desenvolvimento de raciocínios historicamente orientados e intemporais, e da aplicação de métodos de trabalho de campo e laboratorial, acaba por se diluir e esquecer num pro-grama demasiadamente extenso e muito prescritivo. A coluna dorsal dos três programas deveria, por isso, ser revista, permitindo identificar e reorganizar os conteúdos estruturantes (que, por si, sustentam a in-dividualização da disciplina de Geologia) em função de uma série de objectivos específicos (que carecem de enunciação), assim como desenvolver os raciocí-nios e métodos particulares deste ramo do Conhe-cimento.

A conjugação da excessiva compartimentação e ex-tensão dos programas com a organização em espiral aplicada ao mesmo ciclo de estudos (o Ensino Se-cundário) não tem também conduzido a resultados animadores. Efectivamente, a exploração convenien-te de uma organização em espiral exige o cumpri-mento de vários requisitos, designadamente: (1) defi-nição de objectivos específicos para cada (sub)etapa do ciclo de estudos e verificação cuidada e regular da sua concretização; (2) articulação fluida entre temas e identificação inequívoca dos conteúdos e conceitos estruturantes, trabalhando-os a diferentes profundidades e relacionando-os com outros pré-adquiridos em disciplinas afins ou complementares; (3) existência de tempo útil para o desenvolvimento de actividades diversas que permitam revisitar re-

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denada e descontextualizada de termos ou de repre-sentações gráficas de todo o tipo. Neste aspecto, os autores dos programas em vigor terão ficado muito aquém das suas efectivas ambições, cedendo pouca margem para a promoção de uma gestão flexível do currículo de acordo com as características da Escola, dos alunos que a frequentam, e da região em que a mesma se insere. De acordo com Zabalza (1998), a relação existente entre unicidade curricular e territo-rialização do ensino é relevante na inovação educati-va assim como na contextualização e protagonismo de cada Escola na configuração de um modo parti-cular de fazer ensino. Neste sentido, é possível sepa-rar a forma tradicional e convergente, em que todas as Escolas ensinam os mesmos conteúdos, traduzido pelo esquema X da fig. 4, daquela (Y) em que são prescritas condições, objectivos mínimos e conteú-dos nucleares que devem ser ministrados a todos os alunos de acordo com as orientações decorrentes da política educativa do país (Idem).

Considerando o exposto até ao momento e tendo em conta que, em Portugal, os alunos são sujeitos a uma avaliação de carácter externo na disciplina bienal es-

correntemente conteúdos e conceitos estruturantes, rasgando os horizontes do conhecimento através da construção gradual de interconexões significantes; e (4) domínio pleno dos assuntos a versar, bem como de estratégias diversas adequadas ao seu aprofunda-mento gradual. Não é, pois, difícil de perceber onde radicam as debilidades circunstanciais e estruturais que conduzem, na prática, à repetição exaustiva (e, por vezes, meramente superficial) de muitos conte-údos e conceitos, distorcendo e desincentivando a aprendizagem.

A prescrição excessiva de conteúdos nos programas poderá contribuir também para a frustração dos alu-nos. Tal afigura-se particularmente importante na ausência de articulações cognitivas suficientemente fluidas que proporcionem imagens claras ou permi-tam descortinar relações causa/efeito transferíveis ou comparáveis com as apreendidas pela observação e caracterização (mesmo simplificada) de situações-tipo em contexto real. Daqui poderá resultar ainda para os alunos a impressão de redundância do que estão a aprender ou a convicção da sua inacessibili-dade, restando-lhes a memorização gratuita, desor-

Tema I Tema II Tema III

Da Teoria da Deriva dos Continentes à Teoria da Tectónica de Placas A História da Terra e da Vida A Terra: ontem, hoje e amanhã

Dinâmica da litosfera Controvérsias científicas

Formação de riftes e de cadeias de mon-tanhas

História da Terra Tabelas cronostratigráficas

Métodos de datação História geológica de uma região

Mudanças climáticas Mudanças ambientais

O Homem como agente de mudanças ambientais

Figura 3. Organização dos programas de Geologia do 12º ano; adaptado de Amador e Silva (2004).

Fig. 4 – De acordo com Zabalza (1998), o esquema X pretende documentar um tipo de currículo igual para todas as escolas, enquanto que no esquema Y, o currículo programado pelas escolas é constituído por uma parte comum à proposta geral e outra que é específica.

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prático, devidamente contextualizadas, emergirão abordagens educativas adequadas quer à verificação de previsões suportadas por considerações de índole teórica, quer à resolução de pequenos problemas em torno de questões maiores previamente debatidas pelos educandos (situações-problema). São, assim, significantes: (1) os trabalhos de campo que possi-bilitam a descrição e análise de entidades geológicas de referência ou que possam ser usadas como tal por força do seu valor educativo; (2) os trabalhos experimentais de natureza verificativa ou demons-trativa que proporcionem a compreensão de prin-cípios científicos fundamentais e contribuam para a aquisição de metodologias próprias na pesquisa, obtenção e registo de dados, e sua análise subse-quente; e (3) os trabalhos experimentais e de campo subjacentes a uma pesquisa orientada que permi-tam desenvolver capacidades de pensamento crítico e criativo, aplicando o que se aprendeu e equacio-nando o que se pretende ainda aprender. Todas estas tipologias de trabalho implicam, necessariamente, uma planificação cuidada por parte dos professores no sentido de potenciar as suas interacções com os alunos e entre estes, num crescendo de complexida-de e, consequentemente, de autonomia.

A selecção do tipo de trabalhos experimentais e de campo a empreender não deve seguir nenhum mo-delo rígido, mas sim reflectir um conjunto de opções definido em função dos objectivos equacionados para o ensino e aprendizagem de cada unidade te-mática e das competências demonstradas pelos alu-nos, tendo ainda em conta os meios existentes na Escola, o número de alunos por turma e a repartição dos tempos prevista para as diferentes componen-tes do programa. Procurando ponderar de forma equilibrada diferentes tipos de trabalho ao longo do ano lectivo, será possível conhecer a evolução do conhecimento geológico e os diversos métodos que conduzem à sua construção, possibilitando ainda a promoção de estudos integrados sobre sistemas reais (geralmente complexos). Da promoção bem sucedida destes últimos estudos dependerá a con-solidação do conhecimento ministrado (instruído) e construído, alargando os horizontes cognitivos e as destrezas técnicas de todos os intervenientes.

Assim, se correctamente realizadas e contextuali-zadas no plano teórico, as abordagens envolvendo diferentes trabalhos experimentais e de campo deve-rão permitir: (1) contornar a maioria das dificuldades

truturante (BG, 10º-11º anos) ou, se o pretenderem, à disciplina opcional de Geologia (12º ano), o cur-rículo deveria seguir o esquema Y, ajustando-se às idiossincrasias de cada Escola, dos seus alunos e do ambiente envolvente, mas não perdendo de vista a necessidade de se estabelecer um núcleo curricular obrigatório de conhecimentos (Thompson, 2001).

4. Trabalho de Campo e Trabalho Experimental

A análise atenta dos programas em vigor permite fa-cilmente concluir que os mesmos não dão suficien-te relevância ao trabalho de campo como base do conhecimento geológico e ao trabalho experimental (desenvolvido em laboratórios, em salas equipara-das a laboratórios, ou no campo), aplicado princi-palmente à simulação de processos geológicos que decorrem em grandes unidades de espaço e tempo. Este facto, mais uma vez, contradiz as intenções dos autores dos programas que, no plano conceptual, destacam a importância do trabalho experimental teoricamente enquadrado (Amador, 2000). O pro-duto final revela, contudo, que o trabalho experi-mental não é encarado como uma prioridade mas tão só como uma sugestão metodológica e, mesmo assim, são escassas as actividades verdadeiramente experimentais, dado não contemplarem o controlo e a manipulação de variáveis. Para além deste aspec-to, as actividades sugeridas são pouco abrangentes e, nesse sentido, serão facilmente ignoradas pelos professores que utilizam o argumento da extensão dos programas para não as realizarem. Em geral, ve-rifica-se ainda que as actividades sugeridas não são adequadas ao nível etário a que se destinam porque não permitem, dada a sua simplicidade, o desenvol-vimento de competências cognitivas complexas e a aprendizagem de um largo espectro de conteúdos, de acordo com uma abordagem globalizante ou sis-témica. Este é, pois, um aspecto crítico que importa considerar na próxima reforma curricular.

A promoção de uma Educação e Ensino de qualidade em Ciências exige, de facto, a criação de condições propícias (curriculares e logísticas) ao desenvolvi-mento regular de percursos investigativos que se afigurem significantes na aprendizagem/formação global dos alunos; tal implica, necessariamente, a realização de trabalho experimental. Em Geologia, o trabalho experimental deve ser complementado e enriquecido com o trabalho de campo; da interacção sistemática entre estas duas modalidades de trabalho

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evidenciadas por um número significativo de alunos em aplicar os conceitos ministrados a outros contex-tos que não os invocados por problemas estereoti-pados; (2) combater a ideia preconcebida de que o conhecimento científico está somente ao alcance de “mentes geniais”; (3) desmistificar a noção de pensa-mento científico como verdade absoluta, valorizando a concepção de viabilidade, i.e. de adequação do co-nhecimento aos contextos em que foi desenvolvido; e (4) encarar a educação e ensino como processos dinâmicos que conferem ao aluno a capacidade de actuar sobre e a partir de situações concretas.

5. Sugestões para melhoria do currículo

O valor educativo das Geociências / Geologia tem sido discutido por vários autores (e.g. Schumm, 1991; Seddon, 1996; Frodeman, 1995; Mateus, 2001), sen-do consensual a ideia de que estes domínios do co-nhecimento científico se afiguram inestimáveis ao desenvolvimento da curiosidade sobre o Mundo em que vivemos e à construção de raciocínios coerentes acerca da fenomenologia natural. Todavia, a busca de um enquadramento curricular que possibilite o desenvolvimento de capacidades de abstracção e de raciocínio lógico e crítico fundamentais à interpreta-ção dos complexos sistemas naturais, está longe de ter terminado. E o principal desafio reside aqui mes-mo, porquanto a qualidade (e eficácia) do ensino mi-nistrado não corresponde necessariamente à quan-tidade de informação difundida (geralmente medida em termos da extensão curricular e/ou em termos da sua grande especificidade), particularmente se as abordagens seleccionadas dificultarem o amadureci-mento gradual das noções base e a estruturação do pensamento, impedindo que a informação se trans-forme em conhecimento permanente (e.g. Tedesco, 1999). Acresce salientar que o não atendimento des-tes requisitos tem consequências enormes a médio-longo prazo, retardando e/ou constrangendo de for-ma irremediável a tão desejada formação para uma opinião pública esclarecida, culturalmente preparada para intervir num Mundo em constante transforma-ção e, assim, contribuir para a mudança de atitudes exigida pelo desenvolvimento sustentável da Socie-dade (e.g. Tedesco, 1999; Canavarro, 1999; Mateus, 2000a, 2001, 2006).

5.1. Finalidades do ensino da Geologia

No seu todo, os conteúdos e conceitos de Geologia a leccionar/trabalhar durante o Ensino Secundário

(10º, 11º e 12º anos de escolaridade) deverão orga-nizar-se segundo uma estrutura coerente para atin-gir diversas finalidades. Estas, acessíveis através de várias estratégias com esforço ao alcance dos alu-nos, devem ainda respeitar os princípios subjacentes à construção do conhecimento geológico. E, muito embora possam assumir redacções diferenciadas, na sua essência dificilmente se desviarão dos aspectos seguintes:

(1)Compreensão de que a singularidade do Planeta Terra no contexto do Sistema Solar é fruto das in-teracções constantes que se estabeleceram des-de há muito entre o Sol, a Terra e a Vida, abrindo caminho à racionalização da enorme teia de co-nexões que sustenta o Mundo Natural que nos rodeia;

(2)Percepção de que o Planeta Terra corresponde a um megassistema aberto em actividade contí-nua, gerando variadíssimos produtos e proporcio-nando numerosos eco-serviços que se organizam em níveis crescentes de complexidade dotados de propriedades peculiares;

(3)Entendimento de que o estudo do Planeta Terra pode ser realizado com vantagem acrescida atra-vés de numerosos (sub)sistemas que apresentam constituição (composição), organização (arqui-tectura) e dinâmica (interacção) próprias, mas que interactuam a diferentes escalas de tempo e espaço, consubstanciando uma interdepen-dência que se afigura crítica à manutenção de balanços auto-organizados (e auto-regulados) entre a astenosfera, litosfera, hidrosfera, atmos-fera e biosfera;

(4)Reconhecimento de que a caracterização dos sistemas naturais se fundamenta na comple-mentaridade entre os conhecimentos geológi-cos intemporais e os historicamente orientados, possibilitando solucionar de forma coerente as questões levantadas no âmbito da dinâmica dos processos geológicos e da geohistória; e

(5)Desenvolvimento de competências e de sensibi-lidades cruciais ao entendimento da geodiversi-dade (componente fundamental do Património Natural ainda não devidamente valorizada pela Sociedade), compreendendo o seu papel na (i) manutenção dos ecossistemas e respectivas ca-pacidades em suportar diferentes formas de Vida e (ii) sustentação da Civilização Humana, provi-

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estruturais críticos a qualquer racionalização sobre a geometria, arquitectura e extensão no espaço e no tempo de vários objectos geológicos; (4) das vari-áveis/factores que determinam a essência dos pro-cessos petrogenéticos (magmáticos, sedimentares e metamórficos) e respectiva articulação; (5) da com-plementaridade existente entre processos exógenos e endógenos, orgânicos e inorgânicos; e (6) da im-portância da água no desenrolar destes processos, por vezes complementada pela actividade biológica.

Para o programa de Geologia do 11º ano de esco-laridade sugere-se uma organização que privilegie o desenvolvimento da visão sistémica do Planeta Terra através da conciliação das vertentes previa-mente trabalhadas (História/Evolução e Relações Causa-Efeito) com as Respostas do Sistema. O pro-grama deverá, assim, apontar para: (1) o exame das vantagens em dissociar o megassistema Terra em (sub)sistemas interdependentes; (2) a análise global e integradora da relação existente entre processos petrogenéticos e mecanismos de construção (oro-génese) e destruição/modelagem do relevo (erosão); (3) o reconhecimento da importância basilar dos sis-temas hidrológico e tectónico; (4) a apreciação de várias perigosidades naturais e dos riscos que se lhes podem associar em função da vulnerabilidade e cus-tos; e (5) avaliação de alguns impactes decorrentes da actividade/ocupação humana.

Para o programa de Geologia do 12º ano de escola-ridade sugere-se uma estrutura que permita o reco-nhecimento formal das tipologias cruciais à docu-mentação da vasta geodiversidade. Neste sentido, o programa deverá ter como objectivos: (1) a análise da evolução de alguns sistemas em função dos flu-xos de massa e de energia que, em cada momento, transcrevem os balanços estabelecidos com o am-biente, dando particular ênfase aos aspectos que permitam entender a evolução global experimentada pelos oceanos e continentes; (2) o estudo das inte-racções entre vários sistemas sob a forma de ciclos, abordando, designadamente, o ciclo tectónico, das rochas, da água e do carbono; (3) o entendimento da utilidade deste conhecimento quer na identificação e exploração dos vários recursos geológicos, quer na resolução de problemas relacionados com o ambien-te e as alterações globais; (4) a racionalização da Terra como um todo através das suas características fundamentais e respectiva comparação com as que tipificam os restantes planetas do Sistema Solar.

denciando água e diversas matérias-primas (me-tálicas, não-metálicas e energéticas), bem como a prevenção do risco face a diferentes perigosi-dades naturais; estas competências e sensibili-dades ajudarão ainda a perceber a necessidade e urgência em preservar o património geológico, conforme preconizado pela Declaração Interna-cional dos Direitos à Memória da Terra (também conhecida por Carta de Digne).

As finalidades acima expostas permitirão reorien-tar os programas e colocar os níveis de pertinên-cia do que se estuda em Geologia a par dos que se equacionam para as disciplinas de Biologia, Física e Química, concorrendo plenamente para os objecti-vos gerais enunciados para o Ensino Secundário em Portugal pelo ME. Ou seja, por outras palavras, tais desígnios contribuirão de forma inestimável para a promoção da cultura científica alargada que todo o cidadão deve ter no sentido de (1) olhar o Mundo como um todo, permitindo-lhe intervir criticamente na sua transformação, e (2) integrar a geodiversida-de no quadro de valores em torno do respeito pela biodiversidade e pela diversidade cultural dos povos.

5.2 Objectivos específicos por ano de escolari-dade

Atendendo ao exposto na secção anterior, resta en-contrar os propósitos específicos para cada um dos anos de escolaridade do Ensino Secundário e respec-tiva articulação, tendo em conta que os programas de Geologia se deverão estender ao longo de um semestre nos 10º e 11º anos e desenrolar durante a totalidade do ano lectivo no 12º ano.

Para o programa de Geologia do 10º ano de esco-laridade sugere-se uma estrutura preferencialmente direccionada para as vertentes subjacentes à cons-trução do conhecimento geológico historicamente orientado (História/Evolução), complementadas por abordagens que permitam introduzir elementos es-senciais à percepção da dinâmica de processos (Re-lações Causa-Efeito). Deste modo, o programa de-verá visar a compreensão: (1) das escalas de tempo e de espaço vulgarmente utilizadas na caracterização dos processos geológicos, bem como dos cuidados a ter na construção de analogias e fundamentação de extrapolações; (2) das noções de cristal/mineral e de rocha, assim como dos critérios/propriedades que guiam sua caracterização, sistematização geral e utilidade como recursos naturais; (3) dos elementos

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5.3. Sugestões para a selecção/articulação de conteúdos e conceitos estruturantes

O programa de Geologia para o 10º de escolaridade, debruçando-se preferencialmente sobre as vertentes História/Evolução, deverá começar por privilegiar a consolidação das dimensões tempo, espaço e lo-calização, demonstrando a sua importância através da concretização de actividades diversas (trabalhos de pesquisa bibliográfica, de campo e de laborató-rio, permitindo contextualizar teoricamente as tare-fas a realizar e obter registos do que se observa e mede). A concepção destas actividades é especial-mente crítica, porquanto deve antecipar dificuldades diversas na manipulação de várias escalas de tempo e de espaço, as quais só podem ser ultrapassadas com sucesso recorrendo a exemplos paradigmáti-cos e a metodologias próprias; o mesmo acontece com a extrapolação (fundamentada em caracte-rísticas diversas) e o estabelecimento de analogias entre objectos geológicos. Com base nestas activi-dades, os principais constituintes do registo geoló-gico emergirão com naturalidade; justifica-se, então, a sua caracterização adicional com o propósito de: (1) analisar a geometria apresentada pelas diferen-tes geoestruturas e/ou relações cartográficas esta-belecidas entre diversos corpos geológicos; (2) de-terminar a cronologia relativa entre várias entidades geológicas; e (3) identificar os critérios/propriedades que, objectivamente, possibilitem a sistematização dos constituintes básicos e, mais tarde, a compre-ensão da essência dos processos responsáveis pela sua génese. Das actividades práticas teoricamente contextualizadas em torno destes últimos tópicos, resultarão novos elementos de raciocínio que se re-velam cruciais ao entendimento da progressão, inte-racção e variabilidade dos processos naturais, bem como à percepção dos efeitos de escala (espacial e temporal) que se lhes associam. Daqui surgirão tam-bém dados que, expectavelmente, permitirão colocar em evidência a importância da água no desenrolar destes processos, por vezes complementada pela ac-tividade biológica. Recorrendo a exemplos diversos (tipo “estudos de caso”), preferencialmente retirados do ambiente envolvente à Escola, será ainda possí-vel mostrar a importância destas caracterizações na solução de problemas correntes, como sejam os que se relacionam com a utilização do solo, das rochas e dos minerais, permitindo ainda enfatizar a comple-mentaridade existente entre processos exógenos e endógenos, orgânicos e inorgânicos.

O programa de Geologia do 11º ano, consagrado ao desenvolvimento da visão sistémica do Planeta Ter-ra, deverá começar por permitir a concretização de novas actividades práticas sobre objectos e proces-sos geológicos diferentes dos abordados no ano an-terior, visando a consolidação do que se aprendeu e fomentando novas problematizações. Estas activida-des, agrupadas em conjuntos com níveis crescentes de dificuldade e abarcando conteúdos e conceitos interrelacionáveis, servirão de base a diferentes tipos de discussão que, devidamente conduzidos, permiti-rão perceber que: (1) qualquer abordagem, por mais completa que seja, está longe de contemplar todas as variáveis; (2) a precisão das extrapolações e pre-visões dependem das incertezas inerentes quer à he-terogeneidade natural, quer às limitações dos méto-dos de medição ou de análise utilizados; e (3) que as relações entre variáveis causais são frequentemente de natureza estatística. Reúnem-se, assim, as con-dições adequadas à introdução gradual das noções implícitas na discretização do Planeta Terra em um sem número de sistemas naturais complexos e, ne-cessariamente, interdependentes. Mais, promove-se a aplicação do uniformitarismo segundo a mesma lógica que nas restantes ciências, baseando correc-tamente a extrapolação em analogias por motivos de semelhança composicional ou de dependência causal, criando ainda bases de raciocínio coerentes que fundamentem a previsão (e.g. Schumm, 1991). Para além disso, a simples verificação da existência de uma multiplicidade de factores que, de forma convergente ou divergente, com maior ou menor eficiência, concorrem para os mesmos efeitos, jus-tifica plenamente a utilização de uma metodologia alicerçada em testes de hipóteses múltiplas (Cham-berlin, 1890): manter várias hipóteses de trabalho em aberto e procurar explicações compósitas, é, neste contexto, fundamental para se entender a respos-ta do sistema, algo que se afigura determinante à compreensão da sua natureza complexa e singular, concorrendo para a percepção da sua vulnerabilida-de. Neste contexto, sugere-se, como ponto de parti-da para as actividades práticas, a análise cuidada de processos cuja dinâmica se pode desenrolar em es-calas de tempo e de espaço facilmente apreendidas pelos alunos (e.g. eólicos, fluviais, estuarinos e cos-teiros) e cujos efeitos podem ser apreciados em vá-rios análogos modernos; algumas das perigosidades naturais relacionadas com estes processos (disper-são de aerossóis, inundações, erosão costeira, etc.)

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podem também ser abordados, incluindo a análise de impactes relacionados com a actividade/ocupação humana. Seguidamente, as actividades a empreender devem abarcar a dinâmica de processos cujo estudo requer maior preparação e capacidade de integração (e.g. petrogenéticos, geomorfológicos, tectónicos), os quais proporcionam também a possibilidade de examinar o significado de outras perigosidades na-turais (e.g. sísmicas, vulcânicas e deslizamentos de massa). Como síntese final, sugere-se o apuramento dos elementos que concorrem para a identificação das principais características da hidrosfera e litosfera (oceânica e continental), reconhecendo algumas das interfaces estabelecidas com a atmosfera, biosfera e astenosfera mas, sobretudo, certificando-se da im-portância basilar dos sistemas hidrológico e tectó-nico.

O programa de Geologia do 12º ano, procurando re-conhecer formalmente as tipologias cruciais à docu-mentação da vasta geodiversidade, retoma a visão sistémica do Planeta Terra no sentido de a consolidar através do exame de alguns sistemas, equacionan-do a sua evolução em função dos fluxos de massa e de energia que, em cada momento, transcrevem os delicados balanços estabelecidos com o ambiente. Nesta base será possível abordar subsequentemen-te as interacções entre vários sistemas sob a forma de ciclos (ciclo tectónico, das rochas, da água, do carbono, etc.), contemplando a análise integrada dos processos biogeofísicos e biogeoquímicos que concorrem para a sua manutenção e evolução no tempo e no espaço. Recuperam-se, então, as noções anteriormente trabalhadas sobre estes processos e do modo como eles concorrem para o desenvolvi-mento de percursos endógenos e exógenos que se complementam e influenciam mutuamente de for-ma complexa. Tal permitirá demonstrar a natureza proporcionada e eficiente da geodinâmica no modo como, desde longa data e em diferentes escalas de tempo, recicla a matéria e utiliza a energia disponi-bilizada pelo interior da Terra e pelo Sol. Para a es-magadora maioria dos processos activos à escala global, a transformação / reciclagem de matéria e a transferência de calor pode ser ainda equacionada como balanços auto-organizados no seio e entre os principais reservatórios naturais (astenosfera, litos-fera, hidrosfera, atmosfera e biosfera), dando conta, uma vez mais, das características singulares da Terra no âmbito do Sistema Solar e do seu comportamento

como megassistema dinâmico e aberto. Neste con-texto, a Tectónica de Placas, definitivamente conso-lidada a partir dos anos setenta do passado século, emerge como uma teoria global que, não só unifica o conhecimento geológico adquirido, como também proporciona a edificação de um notável modelo ló-gico sobre a actividade inerente ao Planeta Terra. Mais, neste contexto será possível compreender a importância do conhecimento geocientífico na reso-lução de problemas relacionados com a génese dos recursos geológicos, assim como dos que se ligam quer aos impactes ambientais (locais e regionais) as-sociados à intervenção/ocupação humana, quer às alterações globais.

Uma vez mais, os conteúdos e conceitos subjacen-tes ao encadeamento exposto no parágrafo anterior deverão ser preferencialmente abordados com base em actividades práticas equivalentes às desenvolvi-das nos anos anteriores, mas desenhadas em torno de problemas mais complexos. Estas devem emergir como corolário de uma formação disciplinar previa-mente adquirida que, de forma gradual, faz uso de abordagens pluridisciplinares, tentando construir/consolidar a inter- e a transdisciplinaridade. Garante-se, assim, uma Educação e Ensino em Geologia que, motivando, potencia também o desenvolvimento de capacidades de observação/medição e de interpre-tação crítica do registo geológico, motor igualmente essencial à estruturação do pensamento porquanto promove a aquisição e organização de dados fre-quentemente dispersos e sem relação intuitiva. Os problemas a tratar, acatando as orientações enuncia-das pelo ME no que respeita a conteúdos e conceitos nucleares, devem ser identificados em função de re-flexões empreendidas em torno de questões de largo espectro com repercussões claras no entendimento: 1) do avanço científico-tecnológico da Humanidade e dos impactes sócio-económico-políticos associa-dos a esse conhecimento; 2) da Terra como fonte de recursos e proporcionando eco-serviços vitais à manutenção da Vida; 3) da necessidade de um or-denamento territorial e desenvolvimento sustentável da Sociedade. Deste modo, o recurso aos sistemas terrestres representados na região envolvente da Es-cola deverá ser, tanto quanto possível, valorizado, o que implica garantir a existência de condições pro-pícias à gestão flexível do programa pelas Escolas e, consequentemente, pelos professores. Estas aborda-gens, diferindo substancialmente da prática educati-va corrente, obrigam ainda à promoção de acções de

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se as condições mínimas para a promoção da cultura científica que assegurará uma cidadania esclarecida na Sociedade do Conhecimento que se pretende de-senvolver.

Agradecimentos

Os autores agradecem, em nome da APG, o convite endereçado pela Comissão Organizadora do Simpó-sio Ibérico do Ensino da Geologia para participar na Mesa Redonda. As ideias expressas neste trabalho beneficiaram de diversas trocas de impressões com numerosos intervenientes, designadamente sócios da APG, a quem se agradece reconhecidamente; eventuais méritos de algumas das propostas aqui apresentadas devem ser partilhados, mas as incor-recções e omissões são da exclusiva responsabilida-de dos autores. São ainda devidos agradecimentos aos Profs. Doutores Fernando Noronha, João Praia e José Brilha pela leitura crítica do manuscrito.

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6. Conclusões

As Geociências, em geral, e a Geologia, em particular, consubstanciam vias preciosas de ensino-aprendiza-gem que estimulam e alargam a curiosidade sobre o Mundo. Contribuem, igualmente, para a constru-ção de raciocínios coerentes acerca dos constituintes básicos, organização e dinâmica dos sistemas natu-rais, e para a aquisição de competências específicas e transversais. Existe, portanto, toda a conveniência em organizar os planos de estudo em Geologia ao nível do Ensino Secundário no sentido de: (1) con-templar o estudo dos conceitos fundamentais (nu-cleares) envolvidos na caracterização geral dos pro-cessos geológicos (biogeoquímicos e biogeofísicos, endógenos e exógenos), concorrendo para o desen-volvimento uma visão sistémica do Planeta Terra; (2) percepcionar a importância destes processos e seus produtos na sustentação da Vida e na manutenção da Civilização Humana; e (3) desenvolver intensiva-mente as componentes práticas e experimentais da aprendizagem, a realizar no campo ou em espaços laboratoriais. Daqui resultará, expectavelmente, uma estruturação do raciocínio que, adequada a cada ano de escolaridade, permitirá a análise integrada dos elementos adquiridos em diferentes etapas da for-mação, contribuindo para a compreensão das impli-cações e aplicações do conhecimento geocientífico.

As actividades práticas a realizar, visando a aquisição de elementos cruciais à construção de conhecimen-to, devem ser desenhadas em torno de séries enca-deadas de problemas cuja formulação assentará em discussões/reflexões prévias sobre temas enraizados nas preocupações da(s) comunidade(s) que de-senvolvem as suas actividades na região envolven-te da Escola. Actividades de maior complexidade e abrangência deverão sempre privilegiar abordagens pluridisciplinares. O recurso aos sistemas terrestres representados na região envolvente da Escola deve-rá ser, tanto quanto possível, valorizado, permitindo mostrar a relevância dos conceitos-chave em Geolo-gia na caracterização global de uma região conheci-da por todos os intervenientes. E se, após a devida compreensão dos sistemas objecto de estudo, forem introduzidas questões de âmbito sócio-económico(-político, de carácter histórico, em particular), criam-

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O conteúdo deste artigo é da responsabilidade dos autores e não expressa a posição da actual direcção da APG

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Passeio Geologico de Lisboa a LeiriaPaul Choffat

in Revista de Educação e Ensino, Tomo VI nº 7, pp. 289-340, 1891

Nota da Comissão Editorial: o presente texto, extraído da revista citada acima, após o nome do Geólogo Paul Choffat, foi transcrito na sua quasi totalidade, tendo os editores tentado respeitar ao máximo a ortografia original; já a formatação, por imperativos à formatação própria desta revista, não pode ser transcrito. Constata a Comissão Editorial que passado um século sobre a sua publicação, recomeçamos na sociedade portuguesa a falar da importância da Geologia no Ordenamento do Território e na fruição do Património Geológico.

Palavras-chave: Geologia Histórica, Roteiro Geológico, Ordenamento do Território, Património Geoló-gico.

nos popular, ou mais ou menos philosophico, para n’elle encontrarem leitura a um tempo aprazível e instructiva, ao contrario, quero fallar d’aquelles que nos momentos do ocio dirigem as suas attenções para o grande livro da natureza. O prazer da obser-vação induzi-los-ha a fazerem excursões tão amiu-dadas quanto lh’o permittirem as suas occupações, e a falta de companhia não será um obstaculo á sua realisação, porque aquelle que se compraz em ob-servar jámais está só no meio da natureza, tudo falla em redor d’elle.

Para o observador, uma paizagem não representa somente depressões e elevações, aridas umas e ou-tras cobertas de vegetação. A contemplação d’essa paizagem provoca-lhe o desejo de explicar porque se deram estes accidentes do terreno, e a presença ou ausencia ali da vegetação.

Uma região arida permitte-lhe o suppor qual seja a sua estructura interna, uma região cultivada offere-

GEONOVAS nº 21, pp. 87 a 112, 2008ASSOCIAÇÃO PORTUGUESA DE GEÓLOGOS

Proposto: Junho 2007; aceite: Outubro 2007.

PASSEIO GEOLOGICO DE LISBOA A LEIRIA

PLANO DO TRABALHO

1.ª PARTE

Duas palavras antes da partida

Offereceu-se-me ensejo não ha muito de mencio-nar uma parte das applicações utilitarias da geologia (Veja-se introdução á obra intitulada: Etude géolo-gique du Tunnel du Rocio. 4.to 106 p. 7 pl. Lisbonne 1889.), e é meu proposito agora chamar a attenção dos leitores da Revista para uma outra tendência d’esta sciencia, á qual se poderia também dar o qua-lificativo de utilitária, posto que não tenha relação com vantagens materiaes. Refiro-me ao papel que desempenha a geologia como recreação intellectual. Os leitores não acharão por certo que haja incompa-tibilidade entre as noções de utilidade e de recreio, se bem que não seja grande o numero de distrações, que aproveitem ao mesmo passo á saude do corpo e á do espirito. Talvez que estas condições só se en-contrem na observação da natureza.

Como é de suppor, não tenho por fim referir-me aquelles que abrem um livro de sciencia mais ou me-

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ce maiores dificuldades n’este ponto de vista, mas mostra-lhe as relações que existem entre a nature-za do solo e a vegetação que o reveste. D’ahi um encadeamento de reflexões e de comparações, que o conduz a visitar outros pontos analogos; as fadi-gas passam quasi despercebidas, mas nem por isso aproveitam menos ao desenvolvimento do corpo, os cuidados da vida passam despercebidos também, e o espirito repousado póde retomar com vigor novo o curso dos seus trabalhos quotidianos.

Como se consegue chegar a ler no livro da natureza? Serão precisos mestres? Em principio, pode respon-der-se negativamente; basta a vontade e o espirito d’observação. Dizia J. J. Rousseau que se podia ser um bom botanico sem conhecer o nome d’uma unica planta. Posso citar um homem do campo, nem abas-tado, nem instruido, mas simplesmente um cam-ponez empunhando elle mesmo a rabiça do arado, que tinha conhecimento profundo da geologia dos arredores da sua aldêa, não somente da successão e aspecto dos estratos que constituiam o solo, mas também dos fosseis que estes encerravam. Os nomes que elle dava aos fosseis colhidos não eram segura-mente conformes com a nomenclatura paleontolo-gica, mas sabia distingui-los perfeitamente uns dos outros, e conhecia exactamente o estrato em que cada especie se encontrava.

É evidente, que um bom observador que a si proprio se forma é uma excepção raríssima, e ha o risco de tudo perder senão encontrar em torno de si auxilio e incitamento.

Existem na Europa central muitas sociedades scienti-ficas e pseudo-scientificas, que teem por fim o ligar entre si os amadores de sciencias naturaes, pô-los periodicamente em relação uns com os outros e proporcionar-lhes tambem occasião de mutuamente communicarem as suas observações e de trocarem as suas ideias acerca do que lhes interessa. Estas so-ciedades, algumas das quaes teem mais d’um secu-lo de existencia, encontram-se não só nos grandes centros de população, mas nas pequenas localidades que não contam mais de 3 a 4000 habitantes. Estas agremiações não somente attingiram o fim que ti-nham em vista — a formação d’um publico capaz de comprehender e explicar o que a natureza em volta d’elle patenteia — mas na sua maior parte teem vis-to um ou outro dos seus membros elevar-se muito acima d’esse fito e prestar assignalados serviços á sciencia.

Ha 18 annos fundou-se em França uma sociedade scientifica com uma tendencia ainda mais popular, o Club Alpino Francez, cujo fim é robustecer o corpo e o espirito dos seus associados por meio de excursões feitas em commum. Esta sociedade contava no 1.° de junho de 1890 um total do 5.356 socios, forman-do 44 secções espalhadas por todo o territorio da França.

O seu titulo de Club Alpino não deve porém condu-zir a supposições erroneas, pois só excepcionalmente alguns membros d’uma ou d’outra das suas secções se abalançam a ascensões perigosas de eminencias alpestres; esta associação tem por principio o estar ao alcance de todos, evitando quer as grandes di-fficuldades corporaes quer a sciencia em demazia especial.

Cada secção realisa numerosas excursões na sua propria região, vendo-se o pai e os filhos, o marido e a mulher e cada um segundo a sua idade e conforme as suas aptidões, beneficiando a saude e inspirando-se no amor da natureza e da terra natal.

Citemos um caso muito mais especial e que se dá no mesmo paiz. O official francez é muitas vezes obrigado por dever d’officio, a ir de guarnição para pontos bastante afastados das localidades onde ha quaesquer recursos de convivencia, não somente nas colonias mas nos pontos fortificados das regiões montanhas da propria França, e onde se encontra absolutamente só com a gente que commanda. Mui-tos d’entre estes teem empregado a folga que lhe pertence, depois de cumprido o seu serviço, estu-dando a natureza que os rodeia.

Para alguns este estudo parou ali, outros pelo con-trario deram publicidade a subsidios por vezes de muita valia para o conhecimento quer da sua patria, quer das colonias; uns e outros encontraram remedio contra o tedio ou desanimo e um meio de obterem conhecimento mais profundo das regiões em que poderiam n’um dia ou outro ser chamados a dirigir operações militares.

Se lançarmos um olhar para os conhecimentos scientificos que ha acerca da Argelia e da Tunisia, fi-caremos admirados com o numero de militares que para esse saber contribuiram, quer durante o tempo de serviço activo, quer quando chegados á idade de reforma, utilisando então o talento d’observação que haviam adquirido emquanto permaneceram na filei-ra.

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Depois de escriptas estas poucas palavras applicaveis a todos os ramos d’observação da natureza, volverei ao meu fim principal, qual é o fazer uma pequena excursão com o leitor, e procurar mostrar-lhe o in-teresse que offerece a paisagem para aquelle, que ao habito d’observaçâo juntar algumas noções de geologia.

Para uma excursão d’estas não seria necessario per-correr grandes distancias, a serra de Monsanto por si só bastaria para objectivo de numerosos passeios, interessando o espirito em pontos variados da geolo-gia. No entanto, como este escripto não se dirige só-mente aos lisbonenses, preferiria propôr áquelles que desejarem acompanhar-me, fazermos uma excursão que nos obrigue a atravessar maior numero de terre-nos; vou convida-los portanto a acompanharem-me de Lisboa até Leiria. Não se assustem porém, d’esta vez não vamos a pé, mas commodamente sentados n’uma carruagem da Companhia real dos caminhos de ferro.

Porém, perguntará o leitor benevolo, póde fazer-se geologia em caminho de ferro ? Por certo que sim, quando haja o habito d’observar, quando se tem alguns conhecimentos d’esta sciencia, e quando se vai munido de uma carta geologica.

O geologo que atravessa em caminho de ferro um paiz para elle desconhecido, mas que vai provido de uma carta geologica, póde explicar em parte a ori-gem dos accidentes do terreno que lhe passam pela vista. Permitta-me o leitor que eu preencha o que lhe falta nas tres condições citadas acima; irei mesmo mais longe, e tomarei por vezes a liberdade de me afastar um pouco da linha ferrea quando assumpto de maior interesse o exija.

É evidente que o viajante que percorrer este cami-nho pela primeira vez, não conseguirá observar tudo quanto n’esta noticia indico, terá de deixar de ban-da o que não poude logo perceber, sem se demorar diligenciando comprehender, porque o comboio ca-minha rapidamente, e n’outra viagem terá ensejo de preencher as lacunas.

Quer ao partir quer ao chegar a companhia dos ca-minhos de ferro não poupa aos passageiros o prazer de estacionar nas suas gares. Esta demora não será perdida, aproveita-la-hemos para examinar os mate-riaes que serviram para a construcçâo das estações, e as mercadorias de natureza mineral depositadas nos molhes ou que ainda permanecem nos vagons.

Ahi veremos sal, carvão de pedra, phosphatos, pe-dra de construcção, marmores, saibro para a ballas-tragem das estradas, pedra britada para os mesmos fins, areia para as vidrarias, cal, cimento, tubos de grés, telha, vidraça, ferro, etc.

A vista de todas estas materias dá margem a refle-xões de interesse sobre a origem dos productos mi-neraes úteis, tanto em Portugal como fora d’elle, mas o espaço de que disponho não me permitte dar-lhes desenvolvimento.

As madeiras podem tambem suggerir reflexões rela-cionadas com a geologia, porque as essencias flores-taes e a sua qualidade dependem em grande parte do terreno em que se desenvolveram, isto é, d’onde tiraram os elementos que as constituem.

Ser esta ou aquella a carruagem é indifferente, no emtanto convem mais estar assentado no sentido do movimento do comboio e não ao envez, teremos assim a direita á direita do comboio, e será d’este modo que deverão comprehender-se as explicações que seguem, (d) e (e) indicando direita e esquerda.

É claro que será mais conveniente ficar sósinho no compartimento, afim de poder passar rapidamente de um lado para o outro. Não podendo estar só, será melhor tomar a direita, visto que muitos factos de interesse unicamente d’este lado são observaveis. Á esquerda apresentam-se no emtanto todos os factos principaes.

Mencionarei finalmente quando os factos indicados podem examinar-se na trincheira ou a uma certa distancia da linha ferrea, e não esquecerei no mo-mento opportuno de indicar os pontos de referencia mais facilmente visiveis, a forma e côr das casas, etc.

*

Os terrenos que compõem a crusta terrestre prove-em de duas origens muito distinctas: uns saíram em estado de fusão do interior do globo, dá-se-lhes o nome de terrenos eruptivos, os outros são de ori-gem externa, tendo sido depositados pelas aguas em camadas ou estratos sobrepostos e teem a denomi-nação de terrenos sedimentares ou tambem de ter-renos estratificados.

Estes depositos fazem-se mechanicamente pelo transporte de materiaes arrancados ás rochas pre-existentes, ou tambem chimicamente, quer de um

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modo directo, quer pela intervenção d’organismos vivos.

Dividem os geologos em quatro grupos os terrenos estraficados. Os estratos mais antigos, que não en-cerram restos de animaes, foram denominados azoi-cos; os que se lhes succcedem e que conteem restos organicos teem sido divididos de baixo para cima em: primarios, secundarios e terciarios; estes últimos são os estratos mais recentes que teem participado das grandes deslocações do solo, emquanto que os depositos quaternarios e recentes se depositaram quando o solo tinha já os lineamentos principaes do seu relevo actual.

Os estratos foram depositados uns sobre os outros, succedendo se portanto por assim dizer como fo-lhas de papel sobrepostas. Quando se fez o deposito ficaram horizontaes ou quasi horizontaes, mas os movimentos do solo deslocaram-nos e fizeram-nos tomar a forma de dobras umas vezes parallelas entre si, outras vezes não.

Os geologos dão o nome de abobadas ás dobras convexas, que se denominam também dobras anti-clinicas, e o do dobras synclinicas aos dobramentos concavos, quer dizer as dobras cujos lados ou ver-tentes inclinam para um mesmo eixo.

*

A’parte alguns filões de basalto, os terrenos sobre que está assente a cidade de Lisboa pertencem aos deno-minados terrenos sedimentares; houve movimentos que os deslocaram e os fizeram tomar a forma d’uma abobada alongada, quasi parallela á margem direita do Tejo.

Se as camadas d’estes terrenos se tivessem conser-vado sem alteração desde o momento em que foram curvadas, seria a camada mais recente a que se en-contraria n’um ponto qualquer da superfície da abo-bada, o caso porem é muito diverso.

Se nos acharmos em campo aberto n’um dia de gran-de ventania, enchem-se-nos os olhos com o pó que o vento arranca á terra; se depois de uma chuva copio-sa observarmos as linhas torrenciaes que se lançam no Tejo, veremos que arrastam materias terrosas, e se examinarmos chimicamente as suas aguas depois de uma longa serie de dias serenos, conheceremos que a pureza d’ellas é só apparente, e que em vez de apresentarem a composição da agua da chuva, con-

teem uma proporção elevada de materias mineraes em dissolução, principalmente calcareo.

A erosão aerea e a erosão aquosa arrebatam dia a dia pequenas porções da abobada de Lisboa, e como este trabalho se realisa já ha um grande numero de seculos, estas porções infimas na apparencia, repre-sentam na sua totalidade quantidades consideraveis.

A erosão manifesta-se de uma maneira desigual so-bre differentes pontos da abobada. As partes que emergiram primeiro soffrem-na ha mais tempo que as outras; as que estão mais quebradas pelas des-locações são mais facilmente atacaveis pela agua, que dissolve maiores parcellas de substancia que n’aquellas onde a superfície de contacto é menos extensa. D’ahi resulta que as folhas superiores da parte central da abobada foram destruídas pouco a pouco, e tambem que as aguas cortaram essa abo-bada transversalmente, quer em todo o seu compri-mento, como no rio d’Alcantara, quer n’uma vertente somente.

Esta erosão permitte que examinemos a serie de fo-lhas que compõem a abobada, e que penetremos até ao centro d’ella.

Offerecem-se-nos três linhas para sahir de Lisboa. A mais oriental é a que parte da estação de St.ª Apo-lonia; por essa cortamos a extremidade da abobada, não atravessando senão as folhas superiores; pelo tunnel do Rocio, atravessamos a totalidade da se-rie, primeiramente das mais recentes ás mais antigas, depois em sentido contrario; pelo valle d’Alcantara, atravessamos tambem os dois lados da abobada, mas n’este ponto o lado meridional acha-se despo-jado de todas as folhas pertencentes á era terciaria.

Cada um d’estes tres trajectos revela-nos factos es-peciaes. Vou descreve-los separadamente, aconse-lhando o viajante a que leia tambem a explicação dos trajectos que não tenciona percorrer. Esta leitu-ra, afinal, não será muito longa, porque todos estes caminhos estão reunidos a partir do apeadeiro de S. Domingos.

2.ªPARTE

A viagemA 1. — Primeiro trajecto—Do Rocio a Campolide.

A 2.— Segundo trajecto - D’Alcantara a Campolide.

A 3.— De Campolide a S. Domingos.

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B .— Terceiro trajecto— De Santa Apolonia a S. Domingos.

C. D. E. F.— De S. Domingos a Leiria.

A1. Primeiro trajecto — Do Rocio á estação de CampolideAtravez da abobada de Lisboa ; série dos estratos pri-

meiro em ordem descendente, depois em ordem as-cendente. Terciario marino, lacustre inferior. Manto basaltico. Cretacico superior e medio.

Não permittindo a passagem atravez do tunnel que se veja cousa alguma, direi em poucas palavras a ex-plicação do que se encontrou por occasião de ser perfurado.(Para mais individuação veja-se a obra já citada: Etude géologique du Tunnel du Rocio.)

A partir da entrada até se passar por baixo da calça-da do Salitre, effectuou-se a perfuração no Terciario marino, o qual inclina levemente para leste, sendo as rochas que ahi o compõem argillas e areias de fácil deformação e alguns leitos calcareos. A agua appare-ceu abundantemente em varios sítios, principalmen-te a uns 200 metros da bocca do tunnel, arrastando areias movediças, tornando necessario o emprego do minuciosas precauções para poderem progredir os trabalhos. Todos os edifícios que se achavam por cima do tunnel, e que não chegavam a ter 25 metros de terreno a separal-os do fecho da sua abobada manifestaram fendas, tendo de se proceder á demo-lição de bastantes. Foi só na calçada do Salitre que a acção do movimento das terras parece não ter tido influencia na estabilidade das construcções.

Depois de passada a calçada do Salitre, atravessou-se o manto basaltico com a espessura de 6 a 7 me-tros apenas. A sua metade inferior é formada por um pouco de basalto compacto e por tufo basaltico, em-quanto que a parte superior é composta de marnes e de calcareos misturados com o referido tufo.

Por baixo do manto basáltico encontra-se o Cretaci-co. A totalidade dos estratos d’este período não está

representada em Portugal, correspondendo a parte superior do Cretacico portuguez ao Cretacico me-dio do centro da França. Esta parte superior é qua-si inteiramente composta de calcareos compactos da espessura media de 20 a 25 metros, que forma uma abobada completamente solida começando no tunnel, um pouco antes da rua de Valle de Pereiro, aflorando á superfície na estrada de Campolide, no ponto mais elevado do solo de Lisboa, tomando a descer com o lado Norte da abobada para do novo ser cortada pelo tunnel na bocca septentrional. A mudança do pendor dos estratos dá-se no tunnel 260 metros antes de attingir esta bocca, não sendo portanto a abobada de que tratamos regular, mas inclinando muito mais rapidamente para o norte do que para o sul.

Por baixo dos calcareos compactos e duros do Creta-cico superior encontram-se camadas mais brandas, mais favoraveis para a perfuração, por serem facil-mente atacaveis ao mesmo passo que não occasio-nam desmoronamentos.

Os 1.700 metros de tunnel abertos no Cretacico não revelaram a existencia de agua senão nas falhas (I), fracturas que permittem ás aguas o atravessar as ca-madas impermeaveis.

— Ao desembocar do tunnel deitemos rapidamente a cabeça pela portinhola da direita e veremos uma pe-quena gruta a meia altura da trincheira. É o que resta de duas cavernas de grandes dimensões que existiam sobrepostas e que se estendiam de um e outro lado do que hoje é a via férrea.

O achado de instrumentos prehistoricos, empastados nas estalagmites que cobriam o solo das cavernas, revelou que estas tinham sido excavadas artificial-mente, e as camadas em que estavam estabelecidas mostram nos que o fim não podia ser outro senão a exploração dos rins de silex contidos nas bancadas calcareas. O leitor não ignora que o silex era o aço dos tempos prehistoricos, e que para se obterem as formas delicadas que os nossos maiores lhe sabiam dar é necessario talha-lo logo que é arrancado, antes de ter perdido a agua da pedreira.

A’ esquerda, e para a rectaguarda vemos o aqueduc-to, cujos fundamentos descançam sobre os calcareos do Cretacico superior, por isso esta obra grandiosa resistiu perfeitamente ao tremor de terra de 1755, caso que se deu com todas as construcções assentes sobre o mesmo calcareo.

ADVERTENCIA — As lettras d, e, entre parenthesis indi-cam os lados direito e esquerdo do viajante olhando no sentido do andamento do comboio.

Os numeros entre parenthesis depois dos nomes das es-tações indicam a altitude acima do nivel medio do Tejo, em Lisboa, nivel tomado por base das cartas chorogra-phicas de Portugal.

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Um pouco mais acima do aqueducto, á beira da via ferrea que vem d’Alcantara, encontram-se os estra-tos mais superiores do Cretacico coroados de ba-salto, que se acha a descoberto, devido ás grandes lavras de pedreiras d’onde se extrae esta rocha para os enrocamentos dos trabalhos do porto. Um pouco mais longe lavra-se o basalto para o empedramento das ruas de Lisboa.

— A’ direita vemos Campolide, assente sobre o basal-to, e ao fundo do valle as ferteis alluviões provenien-tes de detritos das rochas basalticas.

A2. Segundo trajecto — D’Alcantara a Campolide

Atravez da abobada de Lisboa, primeiro na ordem des-cendente, depois na ascendente. Cretacico. Manto basal-tico. Alluviões. Desabamentos. Abobada de Monsanto.

A partir da estação d’Alcantara vemos o calcareo do Cretacico superior servindo de fundamento ás ca-sas, no nivel da estação, depois vêmo-lo subir rapi-damente formando uma abobada que é a aresta da collina, aresta que vae passar por baixo do cemiterio dos Prazeres.

Vêmo-lo ainda ao nivel da via á entrada do tunnel, muito abaixo do ponto onde passa a abobada, e se, emquanto se espera pelo comboio, formos até á bocca do tunnel para o examinarmos de mais per-to, veremos que as bancadas d’este calcareo bran-co veem topar com as bancadas marno-calcareas amarelladas e verdoengas do Cretacico medio, que apresenta uma direcção differente. Isto é devido a estas camadas do Cretacico superior não estarem no seu logar, pois que uma porção da abobada resvalou sobre a vertente da collina.

Houve um desabamento muito mais importante no lado opposto do valle, na quinta da Cabrinha, onde ha muitos annos se lavram grandes massas do Cre-tacico superior, o qual, ao desabar se inverteu, de forma que os estratos mais recentes ficaram por baixo dos mais antigos.

O tunnel está aberto só no Cretacico medio. Quan-do a linha foi construída pertenderam contornar a base da collina, e tiveram a imprudencia de a at-tacar por meio de uma trincheira, o que provocou um deslisamento geral que se estendeu até o alto mesmo da estrada e ao muro da circumvallação os quaes ficaram em parte destruidos. Este accidente era facil de prever, porque as vertentes do valle são

formados de destritos que desabaram apresentando o maximo declive; as rochas firmes são mesmo atra-vessadas por uma quantidade de fracturas, como se pode verificar nas pedreiras situadas a um e outro lado do valle, principalmente na grande lavra da em-preza Hersent, que encontraremos um pouco mais acima. Basta portanto muito pouco para destruir o equilibrio d’esta massa de entulho; foi o que acon-teceu com a trincheira que lhe minou a base, e foi o mesmo que succedeu por duas vezes proximo ao extremo inferior da calçada dos Terremotos.

Um primeiro desabamento, promovido pela abertu-ra de pedreiras subterraneas, envolveu na derrocada uma parte dos operarios que lá trabalhavam, haven-do um segundo motivado pela abertura de uma rua a meia encosta.

— Ao sahir do tunnel, olhemos para o solo do valle, cuja horizontalidade contrasta com os taludes que se elevam abruptamente de cada lado.

Sondagens effectuadas n’este solo, penetrando a uma profundidade superior a 40 metros, revelaram factos muito curiosos. Por baixo das alluviões carre-adas pelo rio actual d’Alcantara, encontram-se de-positos que conteem uma fauna marina não varian-do senão mui pouco com relação á fauna actual do Tejo. Estas alluviões — cuja idade mais remota será a quaternaria — attingem a profundidade de 18 metros com referencia ás aguas mais baixas observadas ac-tualmente no Tejo.

Como se hade explicar este antigo leito de um valle, mais profundo do que o nivel actual do mar?

Não foi um abatimento dos estratos, porque n’esse caso as alluviões assentariam sobre estratos supe-riores aos que emolduram o valle, e a sonda, pelo contrario, traz a superficie amostras pertencentes a depositos inferiores.

Torna-se pois necessario recorrer á erosão, mas a erosão effectuada pelas aguas do rio d’Alcantara não pode ter logar senão acima do nível do mar, é mister pois que este nivel se tenha elevado desde então, ou o que dá o mesmo resultado, que o solo tenha baixado.

Outra explicação, que parece menos provarel, seria o recorrer-se a uma erosão submarina devida aos ge-los da epocha quaternaria, como acontece com os fiords das regiões polares.

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— A’ esquerda e perto d’uma fabrica de guano, ve-mos o lado septentrional da abobada de Lisboa for-mando uma aresta, em virtude de inclinação brusca para o norte, onde se acha coberto pelo basalto que apresenta ahi grande espessura.

Reconhece-se facilmente o basalto pela sua côr ne-gra e pelos penedos isolados, surgindo em grande numero pelo meio das terras cultivadas.

— Depois de passarmos o valle dos Terremotos, atra-vessamos este lado septentrional da abobada, por um pequeno tunnel que começa no Cretacico medio e desemboca nos estratos superiores do Cretacico, fortemente levantados e cobertos immediatamente pelo manto basaltico que se atravessa em trincheira.

— Volvemos depois ao Cretacico, mas que já não pertence á abobada de Lisboa; é a extremidade da abobada de Monsanto.

e) Uma grande pedreira mostra-nos as numerosas fracturas que resultaram do dobramento dos estra-tos ao contacto das duas abobadas. Mais alem, antes de chegar ao aqueducto, vemos um valle lateral que rompe profundamente a vertente da serra de Mon-santo, mostrando no fundo o alto da serra formado pelo Cretacico medio, emquanto que na frente o Cre-tacico superior constitue as escarpas de cada lado.

Á esquerda, os calcareos brancos do Cretacico supe-rior estão cobertos pelo basalto.

—Passamos em seguida por baixo do aqueducto das Aguas-Livres, conservando-nos na dobra concava que separa as abobadas de Monsanto e de Lisboa. As dobras ou pregas que formam estas abobadas não são parallelas, mas perpendiculares uma á outra.

A 3.— De Campolide a S. Domingos

Manto basaltico. Lacustre inferior

Deixando a estação de Campolide, segue-se uma trincheira no basalto compacto, o qual está porém divido em porções irregulares. Quando firmes, reco-nhecem-se por vezes n’esta rocha as faces de gran-des prismas pentagonaes, de que fallaremos mais adeante. A linha não sae do basalto e nós entramos n’outra trincheira. As camadas inferiores são forma-das por tufo basaltico cinzento, contendo correntes de basalto compacto e na parte superior uma inter-calação de marne vermelha (d).

Por cima das marnes vermelhas ha uma outra cor-rente do basalto compacto, que não está separada das mesmas marnes vermelhas senão por uma ca-mada de tufo basaltico de espessura irregular, mas em geral exigua.

Estas marnes vermelhas, entrecaladas nos tufos ba-salticos, (Tournouër 1879: Description de quelques nouvelles espèces de coquilles fossiles des terrains terciaires de l’Espagne et du Portugal. – Journal de Conchyliologie, p. 168.) deram alguns fosseis em va-rios pontos das cercanias de Lisboa.

Estes fosseis, pertencentes exclusivamente a espe-cies terrestres, mostram-nos que a estratificação dos tufos basalticos deve ser attribuida á aguas fluviaes ou lacustres, e não á acção do mar.

O manto basáltico tem uma espessura consideravel nas immediações da estação de Campolide. E’ difficil medi-lo com exactidão, porque esta alternação de rochas eruptivas e de rochas sedimentares apresenta uma falsa estratificação (I).

Ha a luctar com duas difficuldades: a avaliação da direcção e a da inclinação. As medições a que prece-di deram-me um minimum de 200 metros e um ma-ximum de 350, o que basta para mostrar a enorme differença d’espessura que existe entre este ponto e pontos visinhos, como o quartel de artilheria em Campolide, onde o manto basaltico não tem senão 0m,80 de espessura.

— Ao sair da trincheira, veem-se á direita collinas es-branquiçadas e avermelhadas; é o Terciario lacustre inferior assentando sobre o manto basaltico, em-quanto que á esquerda continúa esta ultima rocha. A linha mantem-se quasi até á estação de Bemfica na depressão que separa as collinas basalticas das collinas terciarias, zona em geral muito fertil em con-sequência da abundancia d’agua.

Passamos primeiramente as cocheiras dos vagons e depois vemos bellas quintas com a sua vegetação opulenta e chegamos á estação de S. Domingos.

B. Terceiro trajecto.— De Santa Apolonia a S. DomingosTerciario marino. Lacustre inferior. Manto basaltico

O comboio a final põe-se em andamento. Á direita vemos o Tejo e além a Serra d’Arrabida e os seus con-trafortes, as serras de S. Luiz e de Palmella, que são a repetição dos estratos que se encontram ao norte

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do rio, quer dizer que todo o conjuncto das folhas sobrepostas se encurva para o sul para se levantar e formar a Serra d’Arrabida.

Os estratos mais recentes deveriam pois procurar-se ao meio da dobra, e com effeito as escarpas do Alfei-te são formadas por uma areia vermelha que consti-tue a parte superior do terciario d’esta região.

Deve porém entender-se que estas areias não são mais recentes do que os depositos formados pos-teriormente ás deslocações que deram ao solo a sua configuração fundamental, como são as dunas, como são tambem os lodos depositados actualmente pelo Tejo e bem assim os lodos antigos que formam em parte as planícies do Tejo, por exemplo em Alhandra.

— Á nossa esquerda vemos, que as casas mais ele-vadas do que a rua onde está a estação, assentam sobre bancadas de rochas que já notáramos antes de entrar na estação, e que descobrimos tambem por baixo do cemiterio do Alto de S. João; depois atra-vessamos uma ponte que nos encobre a perspectiva.

Ao sair d’esta ponte cheguemos á portinhola e ve-remos as mesmas rochas a descoberto pela parte de cima de um pequeno tunnel, no qual penetramos.

Para aquelles que uma vez ou outra prestam atten-ção ao aspecto das rochas, este rapido relancear de olhos é o bastante para lhes mostrar que aquelles estratos são resistentes e que formam uma saliencia bastante notavel, que vamos atravessando no tun-nel.

Podemos vêr tambem que os referidos estratos não são horizontaes, mas que inclinam para o Tejo, por conseguinte, que estamos na vertente meridional da abobada de Lisboa.

Saindo do tunnel achamo-nos no bonito valle de Chellas.

Observamos que os calcareos compactos, por bai-xo dos quaes passámos, descançam sobre camadas muito mais brandas, camadas de marnes calcareas alternando com bancadas de areia.

Segundo a direcção das curvas da linha ferrea, estes estratos parecem inclinar ora para o Tejo, ora esta-rem horizontaes, o que é devido á direcção do córte feito no terreno e também á falsa estratificação.

Chama-se falsa estratificação ás faces que limitam as accumulações que não são parallelas ao plano das

camadas; resulta ella quer de correntes irregulares, quer de depositos chimicos ou organicos.

Dá-se este caso com os depositos irregulares de areias no meio das argillas, e dá-se tambem com as accumulações de conchas fosseis que se observam nas trincheiras, principalmente á direita.

Estas accumulações de restos de molluscos são na sua maior parte formadas por conchas de ostras de grandes dimensões e de fórma alongada e que se distinguem muito bem, mesmo do vagon.

Quando estas accumulações de natureza differente da rocha continente se perdem ou se adelgaçam em todo o perimetro, dá-se-lhes o nome de depósitos lenticulares. É com esta fórma que se apresentam geralmente o sal gemma e muitas outras substancias mineraes uteis, contidas nos terrenos sedimentares.

Á direita depara-se-nos uma grande trincheira, a juncção da linha do Norte com a de Leiria, depois á esquerda um valle lateral que vae dar ao princi-pal. N’este pequeno valle ha uma nascente. O facto é commum n’esta massa de areias cortada por ban-cadas de argilla; e dá-se, por que a agua da chu-va penetrando na areia é ahi retida pelas bancadas d’argilla que ella segue subterraneamente, até que um córte natural ou artificial lhe permitte brotar á superfície do solo.

Este massiço argilo-arenoso póde considerar-se como uma enorme esponja; d’elle provêem as aguas que appareceram na bocca sul do tunnel do Rocio, e á sua presença é que a parte oriental de Lisboa e arredores deve o ser tão rica de aguas.

Continuando a olhar sempre para a nossa esquerda, vemos um segundo valle lateral, depois uma telheira que extrae das bancadas d’argilla cortadas pela linha férrea as matérias primas de que carece.

Algumas d’estas bancadas conteem impressões fos-seis de vegetaes terrestres, e no emtanto alternam com as que conteem a fauna marina.

Devemos concluir que houve levantamentos e abai-xamentos do solo que levaram esta região a estar alternativamente debaixo ou acima d’agua.

Não por certo; foram as correntes marinas que varia-ram de força, e que ora traziam poucos sedimentos, ora os traziam abundantes.

No primeiro caso os animaes marinos viviam e pro-pagavam-se, no segundo caso ficavam enterrados

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n’uma massa de lodo cuja acçumulação se fazia com a rapidez precisa para envolver as folhas arrastadas antes de terem tempo de se decompor.

A presença de vegetaes fosseis não permitte, á priori, concluirmos que havia na visinhança immediata uma terra exondada, ou que o mar que os depositava era pouco profundo, porque as dragagens submarinas teem por vezes revelado a presença de accumula-ções de vegetaes e de conchas terrestres a 10 e 15 milhas da praia e a uma profundidade excedente a 3:000 metros.

Na epoca terciaria o mar que cobria a area de Lisboa devia de ter as suas praias ao norte e ao nascente, por que os estratos miocenicos já nao apresentam fosseis marinos ao norte de uma linha que passa pela Azambuja, Carregado, Granja do Marquez e Azenhas do Mar, proximo do Oceano.

Os vegetaes reconhecidos no Miocenico portuguez (Oswald Heer - Contribuition á la Flore fossile du Portugal - Lisbonne, 1881.) mostram que o clima era muito mais quente n’essa epoca do que actualmente; era uma flora contendo bastantes especies subtropi-caes cujos actuaes representantes se encontram em parte na China e no Japão. Notaremos em especial a presença do Eucalypto, genero que n’esta epoca crescia espontaneamente n’uma grande parte da Eu-ropa, e que hoje pode dizer-se estar circumscripto ás ilhas da Oceania.

— Na passagem de nivel que atravessa a estrada de Sacavém deixa-se o valle de Chellas, e a linha eleva-se pouco a pouco sobre o plan’alto que separa este valle dos affluentes do valle d’Alcantara.

Este plan’alto terciario apresenta formas pouco ac-centuadas, depressões de declives suaves que não occasionaram grande accumulação de humus no seu fundo, de sorte que a cultura estende-se uniforme-mente sobre toda a sua superfície.

As vinhas, os cereaes, as arvores fructiferas dão-se optimamente n’este torrão solto, argilo-calcareo.

Uma trincheira profunda permitte-nos vêr a com-posição do solo, e leva nos a passar por baixo da estrada da Charneca, em seguida atravessamos, em passagem de nivel, a estrada do Lumiar, proximo do Campo-Pequeno, e temos á nossa direita um excel-lente ponto de referencia, o vasto quadrado formado pelas edificações do mercado do gado, ao centro do qual se eleva uma grande cupula coberta de lousa.

Achamo-nos no centro d’uma planície fertilissima, onde as culturas hortenses se juntam á vegetação precedente, graças á presença de um lençol d’agua aproveitado em numerosos poços de pequena pro-fundidade.

— Sobre o alto á direita, junto de uma quinta rodeada de muros acastellados, veem-se ainda os calcareos amarellos do Terciário marino, mas a linha ferrea está d’elle separada por uma argilla vermelha — são as camadas lacustres, inferiores ao Terciario marino.

Aqui são ellas formadas por pequenos calhaus rola-dos de quartzite, cujas dimensões variam entre as de uma laranja até ás de um grão de areia, mais ou me-nos ligados por uma pasta argillosa avermelhada. A pouca distancia, em Palma de Cima, logar que vemos sobre uma altura (d), estes saibros são explorados para formar o piso nas ruas dos jardins publicos de Lisboa.

Uma trincheira permitte-nos vêr aquellas quartzites brancas, trigueiras, cinzentas ou anegradas forman-do massas irregulares no meio da argilla vermelha.

Uma outra trincheira apresenta-nos á esquerda es-tas mesmas quartzites misturadas com a argilla ver-melha, ao passo que á direita, o terreno é branco ou branco-rosado. São bancadas argillosas esbranqui-çadas, contendo em certos pontos grãos de quart-zo e de feldspatho mais ou menos quebrados pelo transporte a que as aguas os sujeitaram, arrastando-os do seu jazigo primitivo, o granito, até este jazigo secundario.

Pela decomposição o feldspatho produz o kaolino, mas aqui não apparece este senão em pequena pro-porção, em quanto que o encontraremos no Creta-cico inferior mais puro e em quantidades que convi-dam a exploração.

Estas camadas brancas veem-se só d’um lado da trincheira, por ser a sua inclinação muito forte, e porque a trincheira as corta quasi parallelamente á direcção dos estratos.

Á esquerda existe uma depressão entre o Lacustre inferior e as alturas de Campolide, na qual a terra anegrada nos indica o basalto, reconhecível mesmo a distancia.

Um pequeno viaducto dá-nos passagem por cima da estrada de Bemfica. Nesse momento offerece-se nos

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uma vista de certo interesse, mas para a disfructar é mister debruçarmo-nos um pouco á portinhola da direita.

Sobre a esquerda lavram-se pedreiras no basalto em mantos, emquanto que a direita esta rocha está coberta pelo Terciario lacustre, havendo um resalto formado por uma bancada d’este ultimo mais accen-tuado por um pequeno muro, em cujo ponto culmi-nante existe um pavilhão pintado de vermelho.

— Depois de deixar á esquerda a bifurcação da linha que conduz ao tunnel, penetramos n’uma trincheira de basalto, ou antes de tufo basaltico cinzento ou avermelhado, ao sair da qual se observa ainda o La-custre inferior formando as collinas á nossa direita.

A linha mantem-se, até muito proximo da estação de Bemfica, na depressão que separa das collinas basal-ticas as collinas terciarias.

C.— De S. Domingos ao CacemPrega concava no Terciario; entrada no prolongamento da Serra de Cintra

Apeadeiro de S. Domingos (72m,470).A esquerda da estação, a collina basaltica ostenta uma arborisação abundante, póde dizer-se um bos-que em que dominam pinheiros e oliveiras. Depois de o passarmos, vemos os contornos arredondados da collina basaltica, cortada a meia altura da vertente por uma linha de rochas cinzentas claras, com ares-tas angulosas. São os calcareos do Cretacico superior que uma falha faz que afflorem no meio do basalto.

Eis-nos de novo no Terciario lacustre, cortado por uma trincheira antes da estação de Bemfica, e por uma outra a uns 300 metros para além da referida estação.

O saibro avermelhado com calhaus siliciosos é ahi coberto por bancadas de calhaus calcareos e por camadas de calcareo um pouco esbranquiçado, que fazem tambem parte do Terciario lacustre.

Quem vem de Santa Apolónia terá notado quanta variação apresentam os materiaes do Terciario la-custre. Ora são quartzites provenientes dos schistos azoicos, ora é o quartzo ou o feldspatho provenien-te do granito. Ali os calcareos rolados derivados dos terrenos secundarios, acolá em fim as argillas. e os calcareos lacustres, que constituem os sedimentos d’esta epoca.

Accrescentemos ainda, que foi n’este terreno lacus-tre que o celebre geologo Carlos Ribeiro descobriu as quartzites de arestas angulosas, que elle considerou como sendo talhadas intencionalmente, opinião qui-nhoada por anthropologistas eminentes, o que faria remontar a origem do homem até esta epoca.

Estação de Bemfica (89m,10).Á direita temos collinas em tres planos: o primeiro coroado por moinhos e por casas pintadas de encar-nado proximo á igreja de Bemfica, é tambem cons-tituído pelos conglomerados lacustres; o segundo é formado pelo manto basaltico dobrado em prega concava por baixo do terciario lacustre, emquanto que o terceiro plano, muito mais afastado, forma a extremidade do massiço jurassico e cretacico de Ca-neças.

Distinguem-se perfeitamente as casas de Monte-mór, que estão sobre o Cretacico, e ao centro d’este ergue-se um massiço eruptivo de basalto, trachyte, etc., que constitue a parte mais alta da montanha onde assenta o signal trigonometrico.

Quando a atmosphera está clara, percebe se até que esta eminencia é formada por penedos ou blocos salientes dispostos irregularmente. O aspecto d’estes penedos deve se á decomposição da rocha eruptiva pela agua que penetrou nas suas fendas e arrastou de lá os productos da decomposição, facto que tere-mos de registar repetidas vezes.

A terra vegetal, formada ali mesmo sobre esta tra-chyte, vende-se nos estabelecimentos de horticul-tura de Lisboa com o nome de terra de Montemór. Entre as suas propriedades mencionaremos a ausen-cia quasi completa de calcareo, ausencia necessaria ao desenvolvimento de certas especies vegetaes, em particular das camellias e outras plantas do Japão. Forma-se uma terra semelhante, sobre outras rochas eruptivas das visinhanças de Bellas. É composta de detritos destas rochas misturados com humus e ma-terias organicas.

Isto explica-nos tambem porque as camellias pros-peram na serra de Cintra e no Porto melhor do que em Lisboa; sendo graniticas as duas primeiras regiões não conteem senão vestígios de calcareo, emquanto que esta substancia abunda na terra vegetal d’esta ultima cidade. Nas regiões calcareas não é somente a terra aravel que contem este elemento, encontra se tambem em dissolução nas aguas.

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A vista de que ha pouco fallei é interrompida um instante por uma trincheira no Terciario lacustre, de-pois passamos ao manto basaltico bem visível nas trincheiras do caminho de ferro e nas duas linhas de circumvallação civil e militar de Lisboa.

A via ferrea já não abandonará o basalto senão pou-co antes de chegar a Cacem; corta-o em numerosas trincheiras, o que nos permittirá observar esta rocha em diversissimos aspectos. Veremos tufos basalticos misturados com argilla vermelha, basalto schistoso, basalto em prismas grosseiros de grandes dimen-sões, parecendo-nos que elle forma ora bancadas regulares, ora massas sem estratificação, e outras vezes massas lenticulares inclusas em uma rocha d’aspecto differente.

Estação da Porcalhota (128m,050).d) Observaremos collinas de basalto coroadas de numerosos moinhos; uma d’ellas apresenta no alto penedos de grandes dimensões, emquanto que as suas vertentes são em rampa suave, o que é devido a serem formadas pelo tufo basaltico.

Um pouco mais longe a vista engolfa-se entre duas collinas basalticas, e distingue se uma outra collina calcarea facil de reconhecer pelas numerosas pe-dreiras abertas n’uma rocha branca. É o Cretacico superior com pendor para sul e passando conse-guintemente por baixo das collinas de basalto que acabamos de ver.

A linha ferrea corre quasi parallela a esta faixa de Cretacico superior, que se distingue logo que o con-traforte basaltico apparece cortado pela erosão, como por exemplo no valle de Carenque.

A esquerda estende se uma grande superfície de ro-chas basalticas, geralmente de tufos mais ou menos desagregados pela atmosphera e dando occasião á cultura, variavel d’um ponto para outro.

Existem certas regiões onde as rochas basalticas apresentam menos variações do que em Portugal, dando sómente uma ou duas qualidades de terra vegetal. No Kaiserstuhl (Knop. 1885. Ueber die Be-ziehungen der Geologie des Kaiserstuh’s zur Lan-dwirthschaft.), Allemanha do Sul, os camponezes pagam as vinhas estabelecidas nos tufos zeolithicos (I) pelo dobro das que estão estabelecidas sobre os detritos das correntes basalticas ou sobre os sedi-mentos. O seu maior valor é porque as aguas car-regadas d’acido carbonico dissolvem facilmente os

zeolithes, os quaes conteem uma certa proporção de potassa e do phosphato de cal.

Os zeolithes dos tufos basalticos portuguezes são tambem facilmente decomponiveis pelas aguas at-mosphericas, mas não é facil apresentar aqui gene-ralidades agronomicas sobre as rochas basalticas, variando muito a sua composição conforme a quan-tidade maior ou menor de marnes e de calcareos se-dimentares que conteem de mistura. Seria necessa-rio examinar cada um caso de per si.

A algumas centenas de metros antes da estação de Queluz, uma trincheira dá-nos muito distinctamen-te a inclinação dos tufos e marnes basalticos, que n’este ponto attingem uma grande espessura, o que se póde melhor perceber examinando o corte natural em sentido transversal feito pela estrada que liga a povoação de Bellas com a estação.

Estação de Queluz (123m,00).Depois de uma trincheira no basalto vemos (e) uma ribeira passando pelo sitio de Queluz e mais adeante por Linda a Pastora, e que desemboca no Tejo perto da Cruz Quebrada. Este valle começa no Jurassico, a 4 kilometros ao norte de Bellas, atravessa a tota-lidade do Cretacico e depois não se aparta mais do basalto.

Um pouco mais adeante depára-se-nos outro valle, que segue quasi parallelamente ao anterior. Depois do atravessar o Cretacico segue pelo basalto no Pa-pel, proximo do Cacem (e), mas em Barcarena o leito corta novamente a parte superior do Cretacico, de novo coberto proximo do Tejo pelo basalto, que por sua vez é coberto pelo Terciario marino. E’ um novo exemplo de estratos dobrados cm prega concava, e cobertos na concavidade por um terreno mais recen-te, que a erosão não desnudou ainda senão nas duas bordas levantadas.

Antes de se chegar defronte do Papel, fabrica situ-ada á esquerda da via ferrea e do lado opposto do valle, atravessamos uma longa trincheira no basalto, o qual apresenta em grande escala a divisão prisma-tica. E a proposito notarei, que em Portugal a divisão prismatica é pouco frequente no basalto em mantos, sendo-o mais no basalto em massas que atravessa os terrenos sedimentares. Estes prismas permittem reconhecer-lhes a fórma pentagonal, mas esta é ge-ralmente muito irregular; existem faces muito largas e outras muito estreitas, e difficilmente viria á ideia

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o compara-los com prismas pentagonaes, se não se conhecessem os bellos exemplares de prismas quasi regulares que apresenta o basalto d’outras regiões.

O comprimento dos prismas é bastante limitado em Portugal, não o tendo eu visto exceder 1m,0, ao passo que attinge alguns metros em outros paizes.

Entrámos no Cretacico; atravessamos primeiramen-te os calcareos brancos e compactos que compõem os seus estratos superiores, depois as marnes e os estratos marno-calcareos alternando com algumas bancadas de calcareo.

Esta differença de composição é perfeitamente visí-vel nas collinas que nos cercam. Até aqui não tinha-mos encontrado collinas marno-calcareas estratifi-cadas; notaremos os degraus postos em relevo por umas bancadas mais resistentes do que as outras que as conteem. Quando estas são espessas formam mesmo uma cornija, por baixo da qual os agentes atmosphericos teem destruído as camadas mais fria-veis.

A trincheira que precede a estação de Cacem mos-tra-nos estas marnes deslocadas por uma falha (e), e atravessadas por muitos filões eruptivos, (I) um dos quaes, notavel pela sua espessura, está situado proximo do extremo da dita trincheira, (d).

D.— De Cacem a Torres VedrasAtravez do prolongamento da serra de Cintra. Prega con-

cava terciaria de Fontanellas. Contrafortes cretacicos e jurassicos da serrania de Montejunto. Valle de abati-mento circular de Runa. Area tiphonica de Matacães. Prega convexa de Torres Vedras.

Estação de Cacem (114m,600).(d) Logo depois de se passar a estação, vê-se ao lon-ge um monte do forma conica muito deprimida, ten-do no topo um signal trigonometrico. E’ o Suimo, no alto do qual existe um filão de basalto que na edade media teve certa celebridade como mina de pedras preciosas. Atravessamos a extremidade do logar da Agualva, assente em parte sobre uma bancada do calcareo muito compacto, á qual a erosão deu for-mas variadas, principalmente a de cornija, o que do comboio apenas se póde distinguir (d).

A’ esquerda, um pouco mais longe, podemos obser-var outras cornijas, ou antes escarpas ruiniformes.

Antes de chegarmos á bifurcação da linha de Torres e da linha de Cintra, vemos ao longe (e) a silhueta de

uma montanha de fórmas esguias, mostrando pin-caros de differentes alturas — é a serra de Cintra, massiço granitico rodeado pelo Jurassico superior e pelo Cretacico, formando em volta do massiço grani-tico faixas concentricas, cujos estratos inclinam para o exterior.

A contar da bifurcação achamo-nos no Cretacico in-ferior. Os estratos superiores d’este terreno inclinam para SSE., quer dizer que vão mergulhar por baixo do Cretacico medio que já atravessaramos, caminhan-do-se pois por camadas cada vez mais antigas.

Os calcareos assentam sobre os grés, e com estes re-apparecem os pinheiros, excepto sobre as bancadas argillosas que teem sido aproveitadas para a cultura.

Passamos pelo logar de Meleças, d’onde se pode dis-tinguir ainda mais uma vez (d, e á retaguarda) o alto do Suimo, de que fallámos ha pouco.

(d) Um pouco mais adeante passamos ao pé de um moinho que serve do signal geodesico, o que é in-dicado por uma cinta de cor vermelha pintada na sua parte superior; chama-se o moinho da Matta. No valle que lhe está próximo, veem-se os montes de entulho proveniente das galerias d’exploração d’aguas para abastecimento de Lisboa, verdadeiras drainagens emprehendidas por Carlos Ribeiro em 1874.

Depois de atravessarmos uma trincheira profunda, disfructamos á esquerda uma vista magnifica da serra de Cintra.

— Examinando as trinheiras, reconheceremos que os estratos não inclinam já para o sul mas para o norte, parecendo que vão mergulhar por baixo da grande planicie de terrenos terciarios que temos á nossa es-querda. D’este lado da planície a serie d’estratos não está completa em consequência d’uma falha, mas o contrario dá-se do outro lado da planicie, onde apparecem as collinas formadas pelo manto basalti-co e pelo Cretacico superior; estas collinas fazem um contraste notavel com o aspecto da planicie.

Estende-se esta de oeste a leste, da Granja do Mar-quez ao Sabugo, depois faz um angulo no rumo nor-te, onde estreita. Vamos atravessal-a obliquamente.

São as collinas situadas ao norte da planicie terciaria, que fornecem os marmores conchiferos conhecidos pelo nome de marmores de Pero Pinheiro.

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Proveem elles dos calcareos do Cretacico superior, e apresentam segundo as bancadas uma grande va-riedade de cores, passando do branco ao amarello e cor de rosa, e uma variedade não menor de dese-nhos, segundo as especies de fosseis que encerram e seu agrupamento na rocha. Estes marmores foram habilmente aproveitadas para a ornamentação do convento de Mafra, onde lhes juntaram alguns mar-mores conchiferos cinzentos azulados do Cretacico medio e marmores negros do Jurassico de Cintra.

Estes marmores conchiferos encontram-se no paiz em quasi todos os affloramentos do Cretacico supe-rior, salvo ao norte de Coimbra, mas não se encontra em cada localidade a grande variação que apresen-tam nos arredores de Pero Pinheiro.

Depois da abertura da linha organisou-se uma com-panhia para explorar as mesmas bancadas na Pedra Furada, por onde em breve vamos passar.

Estação do Sabugo (170m,06).Á direita, em frente, veem-se rochas calcareas muito escarpadas pertencentes ao Jurassico, em contacto com o Cretacico e com o Terciario, devido isto a uma falha importante. N’estes calcareos existem caver-nas, onde teem sido encontrados instrumentos ne-olithicos. Proximo da sua base está o pequeno logar de Ollela, que deu o nome ao signal geodesico ergui-do sobre a penedia.

— Na planície terciaria ha pequenos monticulos d’um calcareo muito branco; é o calcareo lacustre, ou an-tes o calcareo d’estuario, porque contem conchas d’aguas salobras de mistura com conchas lacustres e terrestres. Já se não está em presença de fosseis arrastadas para o mar, como succede entre St.a Apo-lonia e S. Domingos, ao contrario estamos perto do limite até onde chegou a agua salgada na epoca miocenica.

Este calcareo lacustre assenta sobre o manto basal-tico, que a erosão poz a descoberto um pouco mais adeante, e cuja presença se revela pela côr anegrada da terra vegetal e pela composição dos muros de pe-dra secca que dividem as propriedades.

(d) Do outro lado da planicie observamos de novo a successão que vimos ao norte do Sabugo; collinas basalticas, depois collinas calcareas e ao longe colli-nas de grés cobertas do pinhal. Algumas d’estas ele-vações formam picos mais ou menos salientes; é isto devido a ter-lhe um retalho de calcareo ou do basal-

to preservando as cumeadas emquanto as aguas de-sintegravam os terrenos mais friaveis das encostas.

— Proximo á linha ferrea veem-se ainda grandes pe-nedos de basalto, depois entramos no Cretacio supe-rior. Aqui o calcareo é quasi horizontal, e a acção das aguas atmosphericas tem-se manifestado por isso de um modo muito curioso, por que ao excava-lo tem deixado subsistir uns arremedos de colunnas e de porticos, que excedem em muito a altura de um homem, separados por canaes irregulares. E comtu-do estes labyrinthos não são excavados pela força mechanica das aguas correntes, mas simplesmente pela acção chimica das aguas pluviaes escorrendo na superficie da rocha e introduzindo-se nas suas fendas.

Estas formas são bastante frequentes quando os cal-careos em bancadas muito espessas e homogeneas se apresentam quasi horizontaes. Os geologos deram lhe o nome de lapiaz, colhido na linguagem rustica da gente dos Alpes. O campo de lapiaz denominado Pedra-Furada, era talvez no seu genero o mais bello de Portugal antes da abertura da linha ferrea, mas pouco accessivel e para assim dizer desconhecido. Merecia bem ser conservado como propriedade na-cional.

Desde porem que a linha se estabeleceu, a cubiça pôz ali o alvião demolidor; derribaram-se os monu-mentos que attestavam a pujança da gota d’agua, para serem utilisados reduzidos a ballastro na via ferrea de circumvallação de Lisboa. Resta delles hoje somente uma pequena porção muito curiosa ainda, mas que não pode dar idea da grandeza do seu con-juncto.

Para consolação do leitor, apresso-me a dizer-lhe que ainda existem alguns d’estes bellos massiços a poucos kilometros d’aquelle ponto, em Maceira e proximo de St.a Olaia.

Perto da Bocca do Inferno em Cascaes havia em tempo um campo de lapiaz, menos magestoso mui-to embora, mas pittoresco e instructivo; pois tam-bem foi em grande parte arrazado para construcção do muro d’uma propriedade contigua!

— D’ali por deante até a estação da Malveira depara-se-nos uma região extremamente pittoresca, mas o muito que ha digno de ver-se não pode ser descripto em poucas linhas. Ha barrancos e quebradas de gran-de altura, excavados nas rochas marno-calcareas do

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Cretacico medio. Ha filões de origem eruptiva, ora cortados por fundos valleiros ora formando penhas-cos cujo aspecto contrasta com as rochas circumjac-centes e faz que sejam conhecidos com facilidade, por todos aquelles que prestam attenção ao que a vista se lhes offerece.

Apeadeiro de Mafra (145m,850).Temos a paisagem dos marno-calcareos cretacicos. Á esquerda grandes filões de basalto, distinguindo-se entre outros um grande massiço, á superficie do qual se mostram os penedos dispersos que chegam até a linha ferrea que corta a rocha n’uma trinchei-ra bastante comprida; depois vemos outro penhasco do mesmo massiço dividido em prismas, faceis de reconhecer.

Até Runa não tornamos a encontrar o basalto em mantos, vemo-lo só em filões; a estructura prisma-tica é pois mais frequente, chegando mesmo a ver-se alguns prismas de certa regularidade, dando-se especialmente este caso n’um pequeno logarejo á esquerda da via ferrea.

Passamos aos grés do Cretacico inferior. Alli as colli-nas tem em geral uma forma arredondada, e são aridas, excepto nos pontos onde os grés se acham misturados com as marnes, e nas depressões onde a terra vegetal se accumulou.

Por outro lado, os numerosos ribeiros depositando os nateiros proximo dos seus leitos formam pequenas veigas de muita fertilidade.

Estação da Malveira (226m,35).Depois de uma passagem de nivel, acha-se á direita uma pedreira aberta nos grés, com filões eruptivos formando relevo acima da rocha mais desagregavel.

Á direita, a vista alonga-se por um extenso valle; e encostando-nos um pouco para traz vemos a Cabe-ça de Mont’achique, que se avista também das visi-nhanças de Lisboa, graças á sua altitude muito supe-rior á das outras eminencias que a rodêam, e á sua fórma particular de cone com grande base, troncado proximo do seu vertice. Esta forma é devida a um chapeu de basalto compacto; não é porém um filão, porque um resto de Cretacico superior indica-nos ser elle um retalho do manto basaltico, deslocado e incli-nado, que ainda assim bastou para preservar da ero-são os estratos marno-calcareos que o supportam.

— No kilometro 40m,86 atravessamos em trincheira o ponto mais elevado da linha, 254m,85. A collina atra-vessada faz parte da linha de cumeadas que serve de divisória entre as aguas que correm para norte e para oeste e que se lançam no Oceano, e as aguas do rio de Loures, que seguem em direcção ao sul, lançando-se no Tejo em Sacavem.

Afinal entramos pela primeira vez no Jurassico, do qual divisaramos uma parte em Ollela ao passar a es-tação do Sabugo. Aqui porem não são calcareos rigi-dos como os d’esta primeira localidade, ao contrario temos grés marnosos muito friáveis prestando-se a uma bella cultura, superior á do solo marno-calcareo do Cretacico medio.

Depois de se atravessar um pequeno tunnel o valle expande-se, podendo ver-se ao longe, á direita, uma montanha de côr pardacenta — é a serra de Mon-tejunto ou serra da Neve, de que trataremos mais adeante.

Estação de Pero Negro (147m,25).Á esquerda, avista-se por entre duas collinas uma montanha basaltica muito negra, no cimo da qual alveja a ermida de Nossa Senhora do Soccorro. O contraste faz com que possa distinguir-se a gran-de distancia. É um dos bons pontos de referencia n’aquellas visinhanças.

— O valle, amplo antes de se chegar a Pero Negro, contrae-se, e a linha passa em trincheira nos calca-reos pertencentes ao Jurassico superior.

As collinas são coroadas de calcareos com aspecto de muralhas, emquanto que as rampas são formadas por camadas argillosas, mais ou menos mascaradas pelos entulhos provenientes da ribanceira.

A planicie dilata-se de novo e parece ser constitui-da por alluviões possantes. Á direita, n’um alto, está uma egreja, é Dois Portos, localidade afamada pelos seus vinhos; e com effeito, a região parece mais fertil do que tudo quanto viramos até aqui. A planície está coberta de vinhas, emquanto que os cereaes reves-tem os outeiros.

Estação de Dois Portos (76m,80).Á esquerda está a povoação de Caixaria recostada no declive de uma elevação que tem no alto tres moinhos.

Na base vêem se os grés vermelhos pertencentes, ao Jurassico, sendo o cimo formado pelos grés brancos

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e pelos calcareos cretacicos. Estes grés brancos que pertencem ao Cretacico medio forneceram alguns restos de vegetaes terrestres que appareceram tam-bem nos arredores do Cercal. N’esta ultima localida-de encontraram se recentemente vegetaes dicotyle-doneos, que são os mais antigos conhecidos até hoje na Europa.

— Os grés vermelhos, que constituem a parte mais superior do Jurassico, apresentam uma superfície bastante extensa e que se distingue no segundo pla-no, para a esquerda. Uma das localidades que ahi se encontram, Almagre, deve evidentemente o seu nome á côr do solo. Uma legua ao poente de Alma-gre acham-se os casaes d’Almagreira que assentam sobre um outro retalho dos mesmos grés.

Não ha muitos annos, esta região era bastante rica e fornecia um dos vinhos de melhor fama, mas o phylloxera destruiu as videiras e como o solo fosse muito arido e secco para outra cultura, os habitantes semearam-no de pinhal e de tojo.

— Atravessamos em trincheira um filão de basalto, depois os calcareos do Cretacico superior, em segui-da o manto de basalto em estratos muito levantados, e achamo-nos no valle de Runa, valle elliptico mui-to curioso, pela sua forma em amphitheatro, tendo 3 kilometros de comprimento por 1 1/2 de largura e completamente cercado de rochas que inclinam para elle, o que deve attribuir-se a um abatimento da sua parte central.

As suas orlas são formadas pelo Cretacico superior, ao passo que o centro é coberto pelo manto basal-tico, pelo Terciario e por alluviões. O Terciario com-posto aqui de grés grosseiros e de calcareos brancos não tem dado fosseis e parece de formação lacustre.

Á primeira vista os calcareos do Cretacico superior são cinzentos, mas uma fractura fresca revela-nos logo a sua alvura.

Estação de Runa (52m,25).Entrámos no circo natural de Runa, servindo-nos da cortadoura que dá passagem ao Sizandro e saimos pela que está do lado opposto, atravessando a serie dos terrenos em sentido inverso: o basalto, os calca-reos do Cretacico superior, os marno-calcareos do Cretacico medio e a final a parte superior dos grés do Cretacico inferior.

Achamo-nos depois n’um outro valle, á beira do qual está o logar de Matacães.

O seu aspecto é completamente differente do ante-rior, as trincheiras mostram-nos um calcareo de côr pardacenta ou anegrada geralmente dolomitico, e vê-se esta mesma rocha formar recifes irregulares a meio da planície, cujo solo é constituído pelas mar-nes vermelhas.

Os estratos d’este calcareo estão geralmente na ver-tical ou d’ella se aproximam; acham-se irregular-mente fracturados, o que lhe dá mais ou menos o aspecto denteado de uma serra.

Acreditar-se-ha ao vê-los que estes calcareos foram impellidos violentamente do interior da terra, d’ahi a expressão muito typica de calcareos eruptivos que lhes applicava Carlos Ribeiro.

Nada teem porém de eruptivos, e os fosseis que en-cerram mostram que pertencem ás bancadas que formam a transição entre o Jurassico e o Triasico e que tem a designação de Infraliasico. Sendo as orlas do valle formadas por estratos do Jurassico superior ou do Cretacico, ha portanto lacuna entre as orlas e o Infraliasico, o que é devido a falhas.

Estas falhas rodeiam a área que contem os mencio-nados calcareos. Por agora limitamo-nos a dizer que estas áreas teem o nome de áreas tiphonicas.

Tornaremos ao assumpto ao entrar n’uma área ana-loga de maiores dimensões — a das Caldas da Rainha.

— Seguem-se depois trincheiras nas argillas do Ju-rassico superior, depois tunneis e mais trincheiras abertas nos calcareos possantes da base do Juras-sico superior.

Ao sairmos do segundo tunnel, vemos á direita, do outro lado da ribeira, pedras negras amontoadas. São calcareos betuminosos que deram logar a um ensaio d’exploração d’asphalto.

Encontram-se estas rochas betuminosas em varios niveis d’este massiço calcareo, e reapparecem na serra de Montejunto, a mais de 10 kilometros d’este primeiro afloramento.

A existência d’asphalto n’estes pontos nada tem ab-solutamente com phenomenos eruptivos, a referida substancia depositando-se ao mesmo tempo que as camadas que a continham, foi formada á custa dos animaes que viviam n’aquella epoca.

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Um pouco mais adeante, antes de penetrarmos no terceiro tunnel, distinguimos um massiço de verdu-ra, a meio do qual rebenta a nascente thermal dos Cucos; e se depois de passado aquelle tunnel dei-tassemos a cabeça fóra da portinhola da direita e olhassemos para traz, veríamos uma outra nascente da mesma natureza. Ambas brotam das falhas; póde mesmo dizer-se que o pequeno tracto que separa Runa de Torres Vedras, é um dos pontos mais com-plicados de Portugal, por causa das numerosas des-locações que o atravessam.

E. — De Torres Vedras ás Caldas da RainhaGrande extensão de grés de Cretacico inferior e contra-

fortes jurassicos da Serra da Cesareda- -Área tiphoni-ca das Caldas da Rainha.

Estação de Torres Vedras (31m,75).Ao desembocar do pequeno tunnel acima referido, entramos na planície de Torres e achamo-nos a pe-quena distancia da respectiva estação.

Esta planicie, rodeada de collinas jurassicas e creta-cicas, é o ponto de reunião de varias ribeiras muito escassas d’agua, reduzidas mesmo no estio a uns barrancos completamente seccos, emquanto que de inverno levam volumes d’agua consideraveis, que trasbordam dos leitos e se elevam por vezes até um metro acima da planicie, invadindo as lojas nas ruas baixas da povoação.

Poderiam evitar-se as cheias povoando de arvoredo as eminencias, o que daria á agua de chuva o tempo necessario para se infiltrar no solo das encostas em vez de correr á sua superfície enchendo-as de bar-rancos e lambendo-lhe a terra vegetal.

Pelo que precede pode se á priori affirmar que a pla-nície de Torres se acha coberta de alluviões muito espessos, caso que effectivamente se dá.

— Na nossa frente erguem-se as ruinas do castello de Torres, coroando uma collina jurassica, a qual forma no meio da planicie d’alluvião uma ilhota respeitada pela erosão que se manifesta em torno da sua base.

Á esquerda, as collinas são constituídas pelo Jurassi-co superior; notaremos a do Varatojo formando um grande lombo que se abaixa rapidamente para o Si-zandro. Em seguida, sobre a margem direita d’este rio, vemos uma collina cuja base de declives suaves é ainda formada pelo Jurassico, sobre o qual assen-tam grés grosseiros brancos e rosados, encimados

por uma pequena ermida de cupola abatida, fazendo lembrar as construcções mouriscas.

Estes mesmos grés, que pertencem ao Cretacico in-ferior, veem-se á direita, onde formam uma escarpa que orla a planicie, sendo a sua extremidade cortada pela linha ferrea.

Passamos em seguida a uma superfície de muitas leguas quadradas formada por estes grés, o que se deve não somente á grande espessura d’estes de-positos, mas tambem a estarem elles curvados em dobras concavas de lados pouco inclinados. Proximo de Torres, os referidos grés inclinam para o norte, mais adeante vemo-los horizontaes, levantando-se depois para seguirem com fraco pendor para o sul.

Não apresentam sempre a côr branca ou amarellada, ha mesmo extensões grandes em que são averme-lhados, a côr branca porem é a que predomina.

O observador attento terá notado a grande differen-ça que apresenta o Cretacico inferior nos arredores do Cacem e nos de Torres. Ali, era elle constituído por calcareos possantes e por grés azulados, geralmen-te de côr carregada, contendo numerosos fosseis marinos, aqui, não ha senão grés de côr clara, cuja edade só poude conhecer-se pela sua posição acima do jurassico, e pela descoberta de algumas massas lenticulares d’argilla contendo impressões vegetaes e raros moldes de molluscos de estuario.

Entramos de novo com os grés na região do pinhal. O valle é fertil, graças ao humos arrastado pela agua das chuvas, mas as alturas não apresentam senão excepcionalmente porções de chão cultivado, cor-respondendo ás bancadas d’argilla contidas nos re-feridos grés. Podemos observar estas argillas nas trincheiras, onde geralmente tem a côr avermelhada ou cinzenta escura, fazendo contraste com os grés brancos ou amarellos.

As partes coradas pelos oxidos de ferro podem dar ocre amarello, ao qual uma ligeira calcinação impri-me um tom avermelhado. Explora-se actualmente uma bancada de ocre ao norte de Leiria.

As porções brancas ao contrario conteem kaolino (I), que em vários pontos é tão puro como o que vem de fora do paiz, e que se vende em Lisboa por um preço que chega a 10:000 réis a tonelada.

Não se tentou ainda seriamente substituil-o pelo ka-olino nacional, salvo talvez em Alemearce proximo

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de Soure, onde se vendia para as fabricas de papel, mas a sua exploração era só accessoria d’uma outra industria e decahio ao mesmo tempo que esta.

Não devemos porem deixar de mencionar a fabrica dos grés ceramicos da Abrigada, cuja materia prima é ex-traida em grande parte d’um jazigo de kaolino cretacico.

O saibro kaolinico impuro de Bellas constitue um excellente material utilisado para o macadame das calçadas de Lisboa.

— A paisagem torna-se de uma monotonia que de-sespera, pinhal e sempre pinhal; de tempos a tempos atravessa-se alguma baixa cultivada ou uma char-neca, mas em geral tanto ao perto como ao longe o que se vê é pinhal.

Estação do Ramalhal (56m,50).A estação acha-se assente na orla d’uma grande planicie que a ribeira d’Alcabrichel excavou no meio dos grés; alguns depositos d’alluvião derivados da mesma ribeira e das aguas torrenciaes alimentam á cultura da vinha.

Á direita a vista dilata-se até ás collinas jurassicas que formam o prolongamento do massiço de Montejun-to, o que já cortámos antes de chegar a Torres. Uma d’ellas prende mais a attençao pela sua altura e pela sua forma trapezoidal — é a collina de S. Matheus.

Ao sair da estação vemos á direita a trincheira aberta nos grés, os quaes conteem depositos lenticulares de estratificação confusa, mas deixando perceber que os estratos são quasi horizontaes. N’uma trincheira proxima, veremos estes grés inclinando pronuncia-damente para o sul, ao passo que proximo de Torres inclinam para o norte, como já observámos.

Notam-se aqui e ali algumas vinhas nos retalhos marnosos, mas no seu conjuncto o valle d’Alcabrichel e a vista das colllinas jurassicas não foram senão in-terrupções passageiras na monotona paisagem dos grés cretacicos.

Subitamente vemos á direita a serra de Montejunto, cujo tronco central é conhecido pelo nome de Serra da Neve.

É composta d’um massiço calcareo, que se prolonga na direcção de Torres, ligado com rochas marnosas que se estendem tambem ao longo das suas vertentes.

Esta montanha cobre-se frequentemente de nevoei-ros, mesmo quando o tempo está claro na planicie. Se tivermos a fortuna de a ver descoberta, devisa-

remos numerosos barrancos e quebradas descendo quasi parallelamente das alturas, e poderemos ob-servar a differença de formas que produz a erosão nos calcareos, nas marnes e nos grés.

O massiço principal do Montejunto é composto pelos calcareos da base do Jurassico superior que vimos antes de chegar a Torres, e pelos calcareos do Juras-sico medio. A sua cumeada, que attinge a altura de 666 metros, é formada por estas ultimas rochas.

Corta-a de leste a oeste uma falha que põe as suas camadas mais profundas em contacto com o Juras-sico superior, e que faz com que haja um plan’alto cuja altitude é de cerca de 520 metros.

O referido plan’alto forma uma bacia fechada, quer dizer, que as aguas que recebe não teem escoante á superfície do solo; infiltram-se no interior da mon-tanha por cavidades, cujo orifício superior, em forma de funil, é conhecido pelo nome de algar, e brotam em nascentes na raiz da montanha, ou vão alimentar outras nascentes situadas a maior distancia.

O Montejunto não esteve sempre desnudado como está hoje; a gente velha d’ali recorda-se de o ter visto coberto de uma espessa matta, que servia de abrigo a numerosos animaes, alguns dos quaes teem desa-pparecido completamente da região — taes como o veado e o lobo.

Nas partes mais elevadas da serra encontram-se ca-vernas, e os depositos que lhes constituem o chão revelaram a existencia de habitadores muito anterio-res á tradição. O seu deposito mais inferior pertence ao quaternario; contém restos d’animaes, em parte completamente extinctos na superfície da terra — a hyena das cavernas e o urso das cavernas, um ca-vallo selvagem, cervideos, etc, etc.

As camadas superiores dão prova de que foram ha-bitadas estas cavernas pelo homem da edade neo-lithica. A par dos productos da sua industria e com as suas ossadas, encontram-se os despojos dos ani-maes que lhes serviram á alimentação e de novo se nos deparam os ossos d’ursos e de cervideos, mas de especies differentes.

É muito provavel que os veados vistos pelos velhos da região, sejam os descendentes dos cervideos da epoca neolithica.

Actualmente a serra não podia fornecer alimento a tantos consumidores. O homem do campo, descui-

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O aspecto do solo que nos rodea mudou; as culturas apparecem e começam a predominar, grupos de car-valhos e de vinhas guarnecem as alturas e os pinhaes vão rareando.

Presente-se uma mudança na natureza do solo e com effeito os grés tornam-se mais finos, tem mais côr, são mais marnosos; tornamos a entrar no Juras-sico superior.

Antes da estação do Bombarral avistamos pela ulti-ma vez o Montejunto, mas só em parte.

Estação do Bombarral (28m,70).Estamos n’uma planicie d’alluvião muito fertil, orlada de outeiros pouco elevados, constituidos pelas mar-nes com intercalações de grés cinzentos.

As alluviões da planicie empregam-se na fabricação de tijolo cru ou adobes. Escolhe-se para isso uma terra areenta, ou a propria areia que se mistura com alguma argilla, amassa se tudo com agua, enche-se uma fôrma de madeira sem fundo e alisa-se a mas-sa com a mão, sendo a forma em seguida utilisa-da para outro tijolo; as suas arestas conservam-se vivas, e depois de se deixar seccar ao sol durante alguns dias obtem-se um tijolo cuja solidez varia segundo a natureza da argilla; os que se fabricam com as areias kaolinicas do Cretacico são d’uma re-sistencia notavel.

— Sobre areias brancas com calhaus quartzosos vê-se um pinhal. Estas areias pertencem ao Pliocenico, ultimo termo da serie terciaria; descançam em dis-cordancia sobre os outros terrenos, mas participa-ram das deslocações do solo e em alguns pontos mostram uma inclinação pronunciada.

Os grés jurassicos reapparecem-nos; a principio pouco consistentes, tornam-se depois compactos. A sua inclinação que era fraca augmenta rapidamente, em breve tomam a vertical e annunciam-nos a pro-ximidade d’uma grande deslocação.

Com effeito, dentro em pouco vemos á direita os cal-careos brancos muito levantados, na base dos quaes se acham as marnes vermelhas.

Volvendo rapidamente á esquerda, ahi veremos um monte coroado por tres eminencias arredon-dadas. E um cabeço de ophite, rocha eruptiva que se encontra ordinariamente nas áreas tiphonicas; e com effeito, é facil reconhecer que nos achamos de

doso do futuro, deitou o machado á madeira da flo-resta, servindo-se do fogo para activar a destruição. A terra vegetal, não estando protegida já pela vege-tação, tem sido arrastada pelas chuvas, e as cume-adas e as rampas de grande declive não apresentam hoje em dia senão rochas escalvadas, nas fendas das quaes vegeta algum matto rasteiro.

A caverna de paredes verticaes, onde cahiam os cervos e os cavallos, acha-se actualmente rodeada do lapiaz de tal forma retalhada, que seria com certeza impos-sível actualmente a um cavallo approximar-se do logar.

Entre o plan’alto e o cume do Montejunto encon-tram-se as ruínas de dois conventos. Os monges ahi recolhidos aproveitavam a altitude elevada a que se achavam para fazer reservas de gelo, d’ahi provem naturalmente o nome de Serra da Neve que ella ain-da conserva.

Com este fim estabeleceram tanques pouco pro-fundos, separados uns dos outros por passagens estreitas. Durante as noites serenas e frias do inver-no enchiam-nos d’agua, e retiravam de lá o gelo á proporção que este se ia formando, empilhando-o depois em poços guarnecidos de palha onde se con-servava no tempo do estio. Este gelo era portanto mais artificial do que natural, porque é só excepcio-nalmente que as poças d’agua conservam o gelo por todo o dia, e ainda mais que succeda o cair ali neve. Esta industria que continuára depois dos frades aca-bou por 1685.

— Mais adeante o Montejunto fica-nos encoberto pelas collinas de grés; não estando estas ultimas revestidas de pinheiros mas sómento de matto ras-teiro é-nos licito formar juízo sobre as formas pro-duzidas pela erosão em uma região de grés, muito melhor do que o tinhamos podido fazer até aqui. Vemos monticulos arredondados, separados por numerosas depressões convergindo para uma de-pressão principal, que serve de collector. Esta im-mensa superficie estará destinada só para charne-ca? Por certo que não; os valles conteem tambem retalhos de bom chão, de que o pequeno agricultor poderia tirar muito partido.

Estação do Outeiro (79m,20).

A algumas centenas de metros depois de passada a estação torna a ver-se o Montejunto, mas por um instante somente.

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novo em face d’um caso analogo ao de Matacães, podendo contar-se tambem como ali numerosos cabeços dolomiticos.

As dimensões d’esta área são muito mais conside-raveis do que as da área de Matacães, pois começa a oeste do plan’alto de Cesareda e estende-se pela Serra d’El-Rei, Obidos, Caldas, e S. Martinho até para além de Vallado, formando differentes superfícies mais ou menos amplas, ligadas umas ás outras por passagens muito estreitas, o que permitte compara-la a uma fiada de contas muito irregulares.

A linha ferrea mantem-se, naturalmente, na área ti-phonica, deixando a cada lado as collinas formadas por materiaes mais resistentes do que as marnes in-fraliasicas que constituem o solo do valle.

Estação de S. Mamede (19m, 15).Estas marnes mostram-se á esquerda, rodeando um cabeço dolomitico.

As trincheiras são abertas ora nas marnes ver-melhas e nos calcareos dolomiticos inferiores ao Lias, ora nas areias pliocenicas que os cobrem por toda a parte onde quer que a erosão as não arrebatou. Não me occuparei portanto d’estas ul-timas senão quando haja alguma cousa especial a mencionar.

A direita vemos marnes vermelhas e collinas calcare-as. Á esquerda, para a rectaguarda, fica-nos a borda do plan’alto da Cesareda e um pouco mais longe, as collinas calcareas que circumdam a área tiphonica das Caldas. São estas cortadas pelo rio Real, proximo da povoação do Sobral da Lagoa, o que permitte ver-se o contacto entre as marnes vermelhas infraliasicas e o calcareo do Jurassico superior.

A quebrada póde avistar-se da linha ferrea, e para alem distinguem-se collinas formadas pelo grés do Jurassico superior.

Notaremos que os cereaes e a vinha encontram em geral um bom torrão nas marnes infraliasicas que se estendem até ao sopé dos calcareos, que ao contra-rio não criam senão mattagal.

(d) Em breve devisamos a villa de Obidos com as suas fortificações pittorescas coroando um cabeço dolo-mitico.

— Á esquerda dilata-se a vista por uma grande cam-pina até á lagôa d’Obidos; por ella se avalia a anti-ga extensão d’esta lagôa que outr’ora banhava pelo

oeste e pelo norte a base da collina onde assenta a povoação. Não podemos ver a lagoa por estar occul-ta pelas collinas que a rodeiam, mas podemos dis-tinguir as dunas elevadas que estão proximas da sua extremidade.

Estação d’Obidos (11m,45).(d) N’uma trincheira aberta nas marnes vermelhas vêem-se cristaes que brilham a luz do sol; é o gesso, quer incolore e translucido, quer corado de branco, cinzento ou encarnado. O gesso é frequente n’estas marnes, posto não seja em parte nenhuma abun-dante. Falla-se de blocos de 370 e 380 kilogrammas de peso extrahidos em Pernelhas próximo de Leiria. Actualmente esta substancia não é explorada senão em Soure.

— Volvendo á trincheira da estação de Óbidos, vemos as marnes infraliasicas com fraca inclinação para o norte que vão topar com os calcareos dolomiticos verticaes.

Á esquerda vêem se cabeços dolomiticos parecen-do dispostos irregularmente, mas que na realidade formam duas arestas, ao meio das quaes se encon-tra um valle aberto pela erosão das marnes. Um dos lados em que assenta a capella de Santo Antão é a continuação da collina de Obidos.

A via ferrea atravessa um ribeiro que vem de les-te. No ponto onde este corta as collinas formando a banda oriental da área tiphonica, existem duas nas-centes sulfurosas thermaes, cujas aguas abundantes se perdem no dito ribeiro.

Succedem-se ainda algumas trincheiras nas marnes infra-liasicas, passando-se depois ás areias plioceni-cas, e chegamos a uma localidade celebrada ha se-culos pelas suas aguas sulfurosas.

Caldas da Rainha (48m,30).Á semelhança do que succede em Obidos e na Quin-ta das Janellas, situada entre Obidos e as Caldas, as nascentes das Caldas da Rainha brotam na falha que limita o valle tiphonico a leste.

A composição chimica e a temperatura d’estes tres grupos de nascentes teem grande analogia.

Não temos que procurar a sua origem n’uns restos d’acção volcanica, mas simplesmente no facto de uma parte das aguas caidas na região situada a les-te se infiltrarem no solo até encontrarem a citada falha, pela qual tornam a vir á superficie com o ca-

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lor que adquiriram na profundidade a que lhes foi dado chegar. Sabendo-se que a temperatura da terra augmenta em cerca de um grau por cada 30 metros de profundidade, ver-se-ha que estas aguas devem ter chegado a 500 metros abaixo da superfície do solo. As substancias mineraes nellas contidas foram extrahidas por dissolução dos terrenos atravessados por estas no seu trajecto ascensional, dissolução de ordinario tanto mais forte, quanto mais elevada fôr a temperatura a que estiverem sujeitas.

E. — Das Caldas a LeiriaÁrea tiphonica das Caldas da Rainha a Vallado. Região das dunas. Serra rasa de Leiria

Como acabamos de ver, a villa das Caldas está situ-ada no meio das areias pliocenicas, as quaes mos-tram em partes uma finura de grão e uma alvura que as confundiria facilmente com as da beira-mar actual. A via ferrea mantem se quasi constantemente n’estas areias, salvo em duas trincheiras que atacam as marnes infraliasicas. Estas areias são muito férteis nos pontos onde ha húmus sufficiente e a necessaria humidade; veem-se ahi cereaes e vinha — os pinhei-ros nos sítios mais enxutos e finalmente o arroz nos logares mais pantanosos.

A direita estão as collinas jurassicas formando o lado oriental da área tiphonica, e como ha numerosas pedreiras em exploração, podemos distinguir os cal-careos brancos do Jurassico superior e por baixo as marnes vermelhas infraliasicas.

A’ esquerda, depois de termos passado alguns pinha-es, apparece a banda occidental da área tiphonica formada pela serra do Bouro, que de espaço a espa-ço avistamos por entre o arvoredo.

Para os lados do seu extremo meridional, veremos, olhando á retaguarda, grandes pedreiras abertas nos calcareos do Jurassico medio; a edade d’estas rochas é a mesma que a da pedra chamada da Batalha, em-pregada para a construcção da estação do Rocio.

A sua brancura é quasi igual á d’esta ultima, mas o grão é mais unido e portanto offerece mais resisten-cia á acção dos agentes atmosphericos.

A serra de Bouro é em parte coberta pelas areias pliocenicas, principalmente na cumeada, ao passo que os seus vertentes estão em geral descarnadas, quer do lado que olha para o oceano quer da banda do valle.

(d) Ao longe e em frente, vemos uma collina baixa, arredondada, a meio da qual se ergue um pico mais agudo do que todos os outros vistos até aqui. É o cabeço d’ophite de S. Bartholomcu e á sua direita está um outro do menor altura e mais arredondado.

— Mais pinhaes, e depois temos o

Apeadeiro do Bouro (12m,80).A serra do Bouro que até aqui apresentava um dorso uniforme, recorta-se agora em collinas pittorescas.

(d, em frente) Serra da Pescaria, continuação da do Bouro. A povoação de S. Martinho desdobra-se-lhe ao sopé; em frente veem-se as dunas rodeando a pequena bahia. Pode ver-se tambem a grande lar-gura do valle tiphonico que em breve estreita quasi subitamente.

(e) Observa-se um povoado na base da eminencia, é Selir do Porto, dominado pelos calcareos dolomi-ticos aos quaes está applicado o pliocenico fossilife-ro, sendo um dos raros pontos que permittiu ajuizar qual será a idade d’estas areias.

Corremos em seguida ao longo d’uma grande serie de dunas que nos escondem a formosa concha de S. Martinho, mas podemos avaliar o seu comprimento pela extensão das dunas que a limitam.

Esta bahia é oval, tem 900 metros de largura e o seu comprimento, parallelamente á beira do oceano, é de 1:400 metros.

Está completamente rodeada de areias, excepto da banda do mar, do qual está separada pelos calcareos e grés jurassicos fortemente levantados.

Ao meio d’estes calcareos existe uma bocca que não chega a ter 200 metros de largura, mas assaz pro-funda para permitttir a entrada d’embarcações pe-quenas que vêem receber carga a S. Martinho. Na maré baixa a altura d’agua n’esta entrada é de 5 me-tros e de 3 a 4 a meio da bahia.

Ao porto de S.Martinho prepara-se sorte igual á que terá a lagôa d’Obidos, e que será a de todos os es-tuarios; a pequena ribeira que vem de Selir do Porto vai-a pouco a pouco entupindo e diminuindo dia a dia a sua importancia como porto de mar e como local de pesca.

Estação de S. Martinho (3m,00)Ao deixar a estação avistamos n’um relance a estrei-ta passagem de que acabámos de fallar, mas só por

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um instante, porque os velhos barracões de madeira do tempo em que se construiu a linha, escondem-nos aquella bella perspectiva.

A povoação de S. Martinho assenta sobre um cabeço dolomitico, menos desafrontado do que o de Obi-dos; a casaria augmenta para as bandas do poente, como succede em quasi todas as povoações. As ca-sas que estão mais para o oeste levantam-se sobre as marnes infraliasicas, em que abunda o gesso que outr’ora motivou uns começos de exploração. Supe-riormente veem-se os calcareos e os grés jurássicos formando a serra da Pescaria.

O panorama encobre-se por detraz dos pinhaes, de-pois vemos o valle tiphonico estreitando, e logo apoz cortamos pelo extremo d’uma aldeia com a sua igre-ja — chama-se Famalicão, e é o ponto mais estrei-to da área tiphonica das Caldas. Pode considerar-se como o começo d’uma área nova.

— Lancemos um rapido olhar á direita; vamos passar pela base de dois cabeços d’ophite com declives de mediocre inclinação. O segundo é coroado pelas rui-nas d’uma pequena ermida.

— A vista para a frente fica completamente desa-frontada, vendo-se de novo as dunas dominadas pe-los cabeços tiphonicos de S. Bartholomeu.

Apeadeiro de Cella (12m,00).(d) Uma estrada em construcção mostra-nos dis-tinctamente o contacto das marnes infraliasicas com o Jurassico superior.

(e) A estação de Cella está na orla d’uma grande planície cortada por muitas vallas cheias de juncal e mais vegetação palustre. O solo é formado pela areia pliocenica revolvida n’uma epoca recente, como se prova pelos pequenos fragmentos de telha encon-trados até á profundidade de lm,50.

Estas numerosas vallas enxugam sufficientemente o terreno, ao ponto de se poderem fazer ali varias cul-turas, em especial a dos cereaes.

A cortadura por onde as aguas d’esta planície cor-rem para o mar, separa a serra da Pescaria da serra da Pederneira. Ao norte d’esta ultima fica o sitio da Nazareth, assente sobre o Cretacico superior, o qual não forma a continuação das collinas Jurassicas que constituem o lado occidental da área tiphonica, mas pelo contrario está disposto em sentido transversal.

— Entre os dois cabeços d’ophite já apontados distin-guimos lá ao longe um médão d’areia branca — é a duna d’Aguieira, a mais alta de Portugal e provavel-mente da Europa.

A sua altitude é de 157 metros, emquanto que a duna mais alta da Gasconha não passa de 89 metros; a Africa apresenta pelo contrario elevações d’estas muit maiores, citam-se da Tunísia com 200 metros.

(e) A via ferrea corre ao longo da collina oriental da área tiphonica, e a espaços vemos o contacto entre o Infralias e os calcareos do Jurassico superior.

(d) Avistamos agora de lado os cabeços tiphonicos de S. Bartholomeu, que em vez de serem uns picos como pareciam observados do sul, teem a forma de arestas estreitas. É provavel que pertençam ambos ao mesmo filão que a erosão cortou, e que fossem rodeados depois pelas areias que os separam.

(e) Na nossa frente está uma collina de calcareo do-lomitico, estendendo-se transversalmente ao valle e sobre a qual assenta Vallado.

Estação de Vallado (12m).

A collina jurassica que limita o valle tiphonico curva se bruscamente para leste, e está orientada de nas-cente a poente, mas a sua constituição é a mesma que se observa na área das Caldas. O solo do valle é formado pelo Infralias coberto pelo Miocenico ou pelas alluviões.

Da banda do sul o valle tiphonico é orlado por colli-nas do Jurassico superior, em cujo limite brotam al-gumas nascentes thermaes. São os banhos da Pieda-de, pequenas casas brancas com telhados vermelhos que vemos na base da collina á direita; um pouco mais longe, é esta cortada pela passagem da ribeira d’Alcobaça. Esta cortadura natural é a única com-municação d’Alcobaça para o norte. Não se pode ver bem da estação mas advinha-se pelo abaixamento brusco da collina á qual se segue a leste uma collina mais alta.

No ultimo plano vê-se uma serra excedendo em mui-to as collinas do primeiro plano. É o massiço de Porto de Moz, que se estende de Rio Maior até proximo de Leiria a norte e de Thomar a oeste. Na sua maior parte é formado pelos calcareos do Jurassico medio. Tel-o-hemos sempre á direita até chegar a Leiria.

Este massiço apresenta-nos numerosos exemplos de bacias fechadas. As aguas que caem sobre estes

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calcareos infiltram-se no solo, mas o seu curso sub-terrâneo é dividido por falhas que as fazem surdir na planicie em forma de nascentes muito copiosas. Uma d’ellas é a do rio Alviella, que abastece Lisboa.

Logo em seguida depois de deixar a estação, em-brenhamo-nos nos densos pinhaes que revestem as areias pliocenicas.

A’ direita algumas raras clareiras permittem-nos en-xergar de tempos a tempos o massiço de Porto do Moz.

A linha passa pelo meio da pequena povoação de Fanhões.

(e) Ao longe vemos dunas elevadas, uma d’ellas, a de Alva de Pataias, é de consideráveis dimensões e está completamente desguarnecida de vegetação. Não é formada á custa das areias marinhas mas deve-se á deslocação das areias plionicas.

O distinctissimo engenheiro florestal sr. Carlos Au-gusto de Sousa Pimentel calculou-lhes a velocida-de do andamento para o interior em 24 metros por anno.

O solo que vamos atravessando consta tambem na sua maior parte de areias pliocenicas revolvidas pelo vento ou arrastadas pelas aguas, mas forma apenas ondulações pouco sensíveis e em grande parte acha-se fixado pelos pinhaes.

(d e em frente) Observa-se um conjuncto de collinas estendendo se até Leiria. Não obstante a sua pouca elevação, estas collinas mostram-nos as camadas mais profundas do Jurassico. É o que se chama uma serra raza (chaîne rasée), quer dizer uma serra que foi outr’ora de altura consideravel, mas que a erosão reduziu até ao ponto de se achar ao nivel ou quasi ao nivel da planície. Os terrenos que estavam no amago da serrania acham-se hoje a descoberto, e assim se explica a presença d’esta faixa de terrenos tão anti-gos no meio de outros muito mais modernos.

— Ao fundo á direita temos o massiço de Porto de Moz.

Á semelhança do que succede com as serras de Monsanto e de Montejunto, as camadas mais antigas estão ao centro da montanha, que é ao mesmo tem-po a sua parte mais elevada, ao passo que as encos-tas são formadas por estratos que vão sendo cada vez mais recentes á proporção que nos ajustamos do centro. Ao subir a uma d’estas montanhas desce-se

portanto na serie dos estratos á medida que se ga-nha em elevação vertical.

(e) Temos por este lado alguns fornos do cal. A pe-dra ahi empregada é o documento mais occidental da serra raza de que fallámos; pertence ao Jurassico medio, que de espaço a espaço afflora atravez das areias.

Um pouco mais adeante está uma aldeia com a sua egreja, é Pataias, freguezia importante situada no meio das dunas que ha pouco vimos.

(e) D’ali passamos pela base d’um logarejo, e nota-mos que as areias das trincheiras já não são horizon-taes e incoherentes, tendo uma inclinação que em alguns pontos excede 45º e formando camadas de grão mais ou menos fino que varia do vermelho in-tenso ao amarello e ao branco. São os saibros creta-cicos dependentes da serra que a erosão desnudou. Á direita vemos uma grande pedreira aberta n’estes saibros quando se construiu a via ferrea.

Do lado opposto e a curta distancia da linha encon-tramos pequenas pedreiras onde se lavram os calca-reos cretacicos.

Estação de Martingança (151m,40).Atravessamos os saibros cretacicos cortados pelas trincheiras e formando á direita serros de relevo pou-co accentuado. Ao longe, e do mesmo lado, vemos o massiço de Porto de Moz, depois á esquerda a po-voação da Moita rodeada de planicies de areias, ora nuas de vegetação ora cobertas com algum pinhal.

A’ direita descobre-se entre o pinhal o logar da Cumieira; ahi as areias pliocenicas são lavradas para fornecer a materia prima á nova fabrica de vidros estabelecida próximo da estação.

(e) As dunas ou médões elevados que se veem per-tencem á segunda linha das dunas, que é a mais ele-vada; é a esta mesma serie que pertencem as cume-adas da Aguieira e d’Alva de Pataias já mencionadas.

Estação da Marinha Grande (104m,30).(d) Ao longe avistam-se montanhas envoltas em ne-voeiro. Vamos atravessando as trincheiras abertas nas areias pliocenicas e passa-se a nova fabrica de vidros a que já nos referimos. A’ esquerda divisamos o campanario da Marinha Grande, localidade que se tem tornado celebre em Portugal por varios ensaios industriaes ali tentados, devidos a abundância de conbustivel que existe nas visinhanças. A Marinha

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Grande está com effeito situada á beira dos immen-sos pinhaes que se prolongam com o oceano, e sem os quaes uma das melhores regiões agrícolas do rei-no estaria de ha muito convertida n’um deserto em consequência da invasão das areias.

A locomotiva devora o espaço, como se lhe tardasse sair d’uma região onde alguns valleiros abertos pelas aguas torrenciaes nas areias pliocenicas formam a bem dizer, os unicos accidentes da paisagem. De su-bito porém divisamos pela frente á direita as ruinas do castello de Leiria.

D’este lado da linha o corte na parede da trinchei-ra mostra-nos as marnes do Infralias com o gesso, como observámos em Óbidos.

Uma outra trincheira corta o saibro cretaceo, e de-pois entramos na planície de Leiria a meio da qual se erguem altivas, coroando um cabeço d’ophite, as relíquias do seu vetusto castello. A direita um outro cabeço ophitico, de formas arredondadas, serve de base a ermida de St.º Antão, emquanto que o massi-ço de Porto de Moz faz o fundo d’este quadro a um tempo surprehendente e pittoresco.

RecapitulaçãoN’este resumo as altitudes das estações são indicadas em metros, sendo as fracções addicionadas ou desprezadas conforme são superiores ou inferiores a 1/2 metro.

Chegados ao termo da nossa jornada, lancemos ra-pidamente uma vista retrospectiva para se formar idea das principaes feições orographicas da região que percorremos.

Tendo partido das margens do Tejo, ou por outra do nivel do oceano, atravessámos a abobada cretacica de Lisboa, depois mantivemo-nos na prega concava terciaria que do massiço jurassico-cretacico de Ca-neças separa a abobada cretacica de Monsanto. Este massiço termina ao oeste por uma falha transversal, produzindo uma depressão que o separa da extremi-dade da Serra de Cintra.

Para o geologo a serra de Cintra não é composta unicamente pelo massiço de rochas cristallinas que tem este nome; comprehende tambem os contrafor-tes da serra, por outras palavras, as faixas de rochas sedimentares que a rodeiam, formando relevos va-riaveis consoante a maior ou menor resistencia da rocha.

Assim considerada a serra de Cintra e o massiço de Caneças, que se prolonga até Loures, pertencem a uma mesma serie de protuberancias, ou a uma ser-rania que se estende do Cabo da Roca até Loures e a que caberia o nome de Serrania de Cintra.

A linha ferrea aproveitou-se da depressão transver-sal de que fallámos ha pouco para a atravessar, mas não obstante a presença d’esta depressão, teve ella de elevar-se consideravelmente: na prega concava terciaria de S. Domingos a Queluz subimos de 72 a 123 metros, emquanto que no Sabugo, limite septen-trional do massiço de Caneças, attingimos a altitude de 170 metros.

Atravessâmos um novo valle terciario, o de Fonta-nellas, em seguida passâmos aos contrafortes da serrania de Montejunto. Depois de ultrapassada a estação da Malveira, achamo nos no ponto culmi-nante da linha, cerca de 255 metros; é o ponto de separação de quatro bacias hydrographicas — a do rio de Sacavem, que despeja no Tejo, emquanto que o rio de Cheleiros, a ribeira de Safarujo e o rio Sizan-dro vão desaguar no oceano.

A linha ferrea segue o curso d’este ultimo rio até Tor-res Vedras.

Descemos rapidamente — de 255 metros de altitude baixamos a 147 em Pero Negro, a 77 em Dois Portos, a 52 em Runa e a 32 em Torres.

Esta rampa regular é devida unicamente á erosão que o rio foi operando nos differentes accidentes geognosticos que atravessa: o valle d’abatimento de Runa, a área tiphonica de Matacães e os afloramen-tos de rochas calcareas que a limitam.

Ao norte de Torres deixámos o valle do Sizandro para transpôr uma prega concava cretacica, comprehen-dida entre a abobada de Montejunto e a de Cesa-reda.

Esta superfície de grés cretacicos dá origem a três bacias hydrographicas que descarregam no oceano proximo do Vimeiro, da Lourinhã e de Obidos.

A parte central da prega concava que deveria de ser a mais baixa, acha-se pelo contrario a mais eleva-da, em consequencia da erosão que se opera em re-dor d’ella. Alguns pontos isolados que resistiram á erosão, e que se apresentam como as mestras nos trabalhos de desaterro, encontram-se por toda a su-perfície, mas a linha ferrea indica-nos proximamente

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Paul Choffat110

a altitude média da parte desnudada: de 32 metros em Torres Vedras elevamo-nos a 79 na estação do Outeiro, que está quasi ao centro da superfície, para baixarmos a 20 metros no Bombarral, onde estamos já nos contrafortes jurassicos da abobada da Cesa-reda.

Em breve os deixamos atraz para entrarmos na área tiphonica das Caldas, superfície esta cuja altitude, em geral de pouca monta, apresenta algumas on-dulações devidas em parte a levantamentos do sub-solo geologico.

Da altura de 19 metros em S. Mamede, decemos em Obidos a 11, ao passo que uma aresta subterranea atravessando a área tiphonica á altura da serra do Bouro, faz que subamos a 48 metros nas Caldas. Volvemos a descer rapidamente para nos acharmos quasi ao nivel do mar em S. Martinho. As estações de Cella e do Vallado são um pouco mais elevadas — 12 metros.

A’ semelhança do que succede na área tiphonica das Caldas, a porção da linha ferrea que se estende do

Vallado a Leiria, é, na sua maior parte, coberta pelas areias plioecnicas. Estas areias, revolvidas pelo ven-to, não podem muitas vezes distinguir-se das areias movediças que o vento transportou desde as linhas das dunas que limitam o oceano, as quaes se teriam adeantado tanto quanto as referidas areias, se o an-damento lhes não tivesse sido embargado pela vege-tação florestal.

A contar de meia distancia entre Vallado e Martin-gança, elevamo-nos consideravelmente, achando-se esta ultima estação á altitude de 151 metros; e succede assim, por que deixamos a área tiphonica do Vallado para passar aos contrafortes cretacicos d’uma serra raza que se estende de S-O. a N-E. de Pataias até para lá de Leiria.

A influencia d’esta serra torna-se ainda sensivel na estação da Marinha Grande (104 metros), emquanto que a pequena altitude de Leiria (33 metros) deve de ser attribuida á possança da erosão.

Era

Terc

iari

a e

Mod

erna

Moderno alluviões actuaes, dunas, depositos neolithicos das cavernas, terra vegetal.

Quaternario alluviões antigos, depositos paleolithicos das cavernas.

Terciario superior ou pliocenico areias finas, geralmente com calhaus, saibro, grés, lignites, etc.

Terciario marino argillas, calcareos marnosos e grés.

Terciario lacustre inferior saibro e assentadas de calcareo marnoso e silicioso.

Manto basaltico tufo basaltico, basalto compacto e marnes vermelhas

Interrupção na sedimentação, erupções do granito de Cintra, e de rochas ophiticas, trachyticas e basalticas

Era

Secu

ndar

ia

Cretacico superior calcareos brancos

Cretacico medio argillas, calcareos marnosos, saibro e grés

Cretacico inferior calcareos, grés, saibro, argillas

Jurassico superior Calcareos e grés, lignites

Jurassico medio calcareos compactos e calcareos marnosos

Jurassico inferior idem

Infraliasico e Rhetico grés, marnes avermelhadas, gesso, calcareos dolomiticos

Triasico representado talvez por uma parte dos grés acima mencionados

TABELA DE TERRENOS VISITADOS

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Passeio Geologico de Lisboa a Leiria 111

INDICEOs nomes geographicos vão em italico; quando seguidos d’um algarismo em normando, este algarismo indica a

pagina em que está mencionada a estação do caminho de ferro.

ABATIMENTO do terreno, (Fr.effondrement), 300, 317, 334. Vid. Falha.

ABOBADA, formada pelo dobramento dos estratos, p. 294. Vid. Lisboa, Monsanto.

ADOBES, (tijolo cru), 323

AGUA da pedreira, (Fr. eau de carrière), 298.

AGUAS calcareas e não calcareas, 308. Aguas subterraneas, 297, 303, 305, 312, 321, 330. Aguas thermaes, 318, 325, 326, 330.

Alcantara, valle de -, 295, 298 a 301.

ALLUVIÃO, 298, 299, 302, 316, 317, 319, 320, 323, 328, 329, 330.

Alviella, nascnete do -, 330.

AQUEDUCTO das Aguas Livres, 298, 300.

ARGILLA, 303,304,305, 318, 320, 323.

Arrabida, 302.

ASPHALTO, 318.

AZOICO, terreno -, 294; schisto -, 307.

BACIA fechada, (Fr. bassin fermé), 321, 330.

BASALTO, em mantos, (Fr. nappes ou manteaux), 297, 298,300, 301, 306, 307, 308, 312, 313, 315, 316. Differenças de espessura do -, 301. Basalto prismatico: - Os prismas basalticos são geralmente classificados como hexagonais, mas é bem sabido que muito frequentemente são pentagonaes ou quadrangulares. Designámo-los como pentagonaes por ser esta a forma que as mais das vezes temos reconhecido nos nossos basaltos, 301, 308, 310, 314. Correntes basalticas, (Fr. coulées basaltiques), 301. Filões e massiços basalticos, 307, 314. Calcareo basaltico, 297. Marnes basalticas, e seus fosseis, 301. Tufo basaltico, 297, 301, 309. tufo zeolithico, 309: - Tufo basaltico com zeolithes, são pequenas cavidades arredondadas, na massa eruptiva, cheias posteriormente de substancias crystallinas.

Bellas, 309.

Bemfica, 302, 307.

Bombarral, 323, 334.

Bouro, apeadeiro e serra do -, 327, 335.

Cacem, 308, 310, 311.

CALCAREO DOLOMITICO, 317, 324, 325, 327, 328.

Caldas da Rainha, 326, 334.

Campolide, 298, 301.

Caneças, massiço de -, 307, 333.

CAVERNAS, 297, 312, 322.

Cella, 329, 335.

Cesareda, serra da -, 325, 334.

Chellas, valle de -, 303, 305.

Cintra, serra de -, 308, 311, 353.

CONTRAFORTES, 302, 309, 333, 335.

CRETACICO, 297, 298, 300, 307, 308, 309, 311, 312, 316, 319, 329, 332.

CULTURA, 290, 293, 302, 305, 309, 316, 320, 323, 325, 326, 329, 332.

CURVATURA dos estratos, explicada, 294.

DEPOSITOS lenticulares (Fr. lentilles ou dépôts lenticulaires) 303, 308, 320, 321.

DOBRA, dobramento dos estratos, (Fr. pli, ployement) – explicado, 294, 302. Dobra concava, 301,302, 307, 310, 319, 333, 334.

DUNAS, médões d’areia, 302, 325, 326, 328, 329, 330, 331.

ESTRATIFICAÇÃO, 294; falsa -, explicada, 303.

ESTRATO, (Fr. strate, couche) – explicado, 294.

FALHA, (Fr. faille). Ruptura dos estratos acompanhada geralmente de um desnivelamento, e em que um dos lados da fenda soffreu abatimento ou levantamento, que se não manifestou do lado opposto. Ha falhas verticaes, obliquas e horizontaes. Consoante a sua origem as falhas pertencem a tres cathegorias – falhas de fendimento (crevassement) devidas a uma fenda existente antes da descolação; falhas de flexão (flexures) formadas em resultado do abatimento d’uma certa extensão de terreno, abatimento tão brusco que não permittiu que os estratos se curvassem ou se distendessem, e finalmente as falhas de dobramento, devidas a um movimento horizontal (tangencial) dos estratos. Consideradas com referencia a uma serrania, distinguem-se tres especies de falhas: longitudinaes, transversaes, e obliquas. Os abatimentos circulares, como por exemplo, o de Runa, apresentam falhas periphericas e falhas radiantes. – 297, 307, 310, 312, 317, 318, 321, 326, 330, 333.

FELDSPATHO, 306, 307.

FILÃO, veio. Enchimento de fendas por uma substancia mineral diversa da rocha continente. Este enchimento deve-se ou a uma materia eruptiva, ou a um simples deposito feito pelas aguas superficiaes. Usa-se com frequencia no paiz applicar erradamente o termo filão ás substancias mineraes formando camadas ou depositos lenticulares. – Filões eruptivos, 310, 314, 315, 316, 329.

GESSO, (Fr. gypse), 325, 328, 332.

GRANITO, 306, 308, 311.

GRÉS, 311, 313, 314, 317, 318, 319.

INCLINAÇÃO, pendor, (Fr. inclinaison, plongement). Um plano inclinado apresenta differentes aspectos, conforme é cortado parallelamente, obliquamente ou perpendicularmente à sua inclinação. O primeiro caso apresenta a maxima inclinação; o segundo apresenta uma inclinação menor e parece que ella se dirige para um outro ponto do horizonte; o terceiro caso leva a crêr a exist~encia d’um plano horizontal. Para evitar confusão reservam os geologos a designação de inclinação d’uma camada, para o maximo pedor, e a direcção para a linha horizontal traçada sobre o plano da camada. Esta ultima linha é por tanto perpendicular á inclinação, 296, 300, 306, 317, 324, 331.

INFRALIAS, 317, 324, 325, 328, 329, 332, e Tabella.

JURASSICO, 307, 309, 312, 315, 323, 325, 331.

KAOLINO, 306, 320, 323.

LAPIAZ, (não tem tradução, emprega-se o vocabulo francez) explicado 313, 314, 322.

Leiria, 325, 326, 331, 332, 335.

Lisboa, abobada de – 294. Descripção do tunnel que a travessa, 296.

LODOS antigos e modernos, 302.

Mafra, 314.

Malveira, 315, 333.

MANTO basaltico, Vid. Basalto.

Marinha Grande, 332.

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MARNE ou marga (argilla calcarifera); marnes basalticas, Vid. Basalto.

Martingança, 332, 335.Matacães, 317, 324, 334.MIOCENICO, Vid. Terciario e Tabella.Monsanto, 292, 300, 331, 333.Montejunto, 318, 320, 321, 323, 331, 334.Montemór, 307.NIVEL do mar, mudanças no -, 300.Obidos, 325, 326, 328, 332, 334.OCRE, (almagre, ocre vermelho), 316, 320.Ollela, 313.OPHITE, 324, 327, 329, 333 e Tabella.Outeiro do Cabeço, 323, 334.Pedra Furada, 312, 313.Pero Negro, 315.PLIOCENICO, 302, 322, 326, 327, 330, 332, 335 e Tabella.Porcalhota, 308.Porto de Moz, massiço de – 330, 331, 333.PREGA, Vid. dobra.PREHISTORICO, galerias para a lavra do silex, 298. Instrumentos

neolithicos 312, 322. Quartzites terciarias talhadas pelo homem, 307.

QUARTZITES tercearias, 305.QUATERNARIO, 294, 299, 322.Queluz-Bellas, 309, 333.Ramalhal, 320.RECIFES calcareos no meio do basalto, 307; recifes infraliasicos,

317, 324, 325, 327, 328.RHETICO, Tabella.Rocio, 296, 327; tunnel do -, 295, 296.Runa, 317, 318, 334.Sabugo, 312.

SAIBRO, 293, 305, 320, 331, 332 e Tabella.Sta Apolonia, 295, 302.S. Domingos, 306, 333.S. Mamede, 324.S. Martinho, 328, 334.SECUNDARIOS, terrenos, - 294, 307.Serra da Neve, Vid. Montejunto.SERRA ou serrania raza (Fr. chaîne rasée), 331, 335.Sizandro, 317, 333.Suimo, 311.TERCIARIO, 294 e tabella. Suas prais, 304, 313. Formação

d’estuario, 313. Estratos superiores do – Vid. Pliocenico. Terciario marino, 296. Lacustre inferior 302, 305, 307, 308, 317.

TERRA VEGETAL, 293, 305, 315, 322, 323; produzida pela destruição do basalto, 298, 309, 313; produzida sobre o granito e sobre a trachyte, 308.

TERRENOS ERUPTIVOS, 294; sua decomposição em grandes blocos ou penedos, 300, 307, 308, 313.

TIPHONICOS, areas ou valles. Termo da mythologia empregado por antigos geologos francezes. – Tiphon, filho de Saturno e da Terra, rompeu violentamente do seio materno para vir à luz. Tem servido o termo, tanto para designar rochas eruptivas, (tiphões d’ophite), como para designar rochas sedimentares levantadas atravez dos sedimentos que as cobriam, 317, 325, 327, 328, 335.

Torre Vedras, 318, 319, 334.TRACHYTE, 307, 308, e Tabella.TREMORES de terra, 298.TUFO basaltico; tufo zeolithico, Vid. Basalto.TUNNEL do Rocio, Vid. Rocio.VEGETAES fosseis, 304, 316.Vallado, 330, 335.ZEOLITHES, Vid. Basalto.

Rua da Academia das Ciências, 19 2ºApartado 2109 – 1103-301 LisboaTel.21 347 76 95 – Fax 21 342 46 [email protected]

COMISSÃO DIRECTIVAAntónio Gomes Coelho (Presidente)Luísa Borges (Vice-Presidente)José Romão (Secretário)Victor Manuel Ramos Correia (Tesoureiro)Maria Filomena Amador (Vogal)Suplentes. Jorge Neves e Pedro Proença Cunha

COMISSÃO EDITORIALPaulo Castro (INETI)Zélia Pereira (INETI)Carlos Meireles (INETI)José Feliciano Rodrigues (INETI)

FOTO DA CAPACabo Mondego

COMISSÃO CIENTÍFICAA Comissão Editorial agradece a colaboração dos seguintes avaliadores externosAna Paula Pereira (INETI)Carlos Leal Gomes (UMinho)José Hermenegildo Carvalho (GGConsultores)José Manuel Castro (IPBragança)Maria Clara Vasconcelos (UPorto)Narciso Ferreira (INETI)P.Proença e Cunha (UCoimbra)Renata Santos (INETI)Ruben Dias (INETI).

FCT Apoio da FCT ao abrigo do Regulamento do Programa Fundo de Apoio à Comunidade Cientí-fica - FACC

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DEPÓSITO LEGAL183140/02ISSN 0870-7375

TIRAGEM1000 exemplares

PERIODICIDADEAnual

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Nº 21 · 2008 · ISSN 0870-7375 · ANUAL

Cabo MondegoMonumento Natural

Sismotectónica e Segurança NuclearModelação conceptual em geologiaEvolução recente do ensino secundário em Portugal

21

ÍNDICE

Pag. 11 Sismotectónica e Segurança Nuclear: O caso do Douro InternacionalA. Ribeiro, F. Barriga, J Cabral

Pag. 17 A alteração hidrotermal como factor de diversificação de litótipos graníticos róseos com interesse ornamental - estudo de casosJ. M. Fernandes, C. L. Gomes

Pag. 31 Colecções e exposições de geociências: velhas ferramentas para novos olharesJ. Brandão

Pag. 41 Modelação conceptual em Hidrogeologia: um caso de estudo na região da Serra da EstrelaJ. Espinha Marques; J. M. Marques; J. M. Carvalho; J. Samper; P. M. Carreira; P. E. Fonseca, F. M. Santos, H. Chaminé;

P. G. Almeida; R. M. Moura1; F. Sodré Borges1; A. Pinto de Jesus

Pag. 53 Os sedimentos da albufeira da Venda Nova (rio Rabagão) e a “erosão” das praiasA. L. Costa, H. P. Granja

Pag. 67 Evolução recente do Ensino Secundário em Portugal e suas implicações nos currículos de Geologia: a perspectiva da Associação Portuguesa de GeólogosE. Bolacha, A. Mateus

Pag. 75 Novos currículos de Geologia no Ensino Secundário português: contributos da Associação Portuguesa de GeólogosE. Bolacha, A. Mateus

Pag. 87 Passeio Geologico de Lisboa a LeiriaP. Choffat