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Rev, Inst. Med, trop. São Paulo 24(4):246-251, julho.agosto, 1982 MEN|NGTTE ASSOCTADA ÀS |NFEGçõES pOR VÍRUS OROPOUGHE Franclsco P. PTNHETRO (1),.arneldo c. RocHA (p), Bonaldo B. FRErras (1), Benjam¡n a. OHANA (z), Amélia P. A. TRAVASSOS DA ROSA (1), Juven&l S. ROGÉRIO (Z) e Alenndre C. LINHARES G) RESUMO Manifestações neurológicas associadas com infecções provoca as pelo vírus oropouche foram observadas durante o surto de 1gg0, no Estado do pará. Tais manifestações consistiram em meningite ou meningismo, e foram observad.as em 22 casos de felore de Oropouche confirmados em laboratório. Desse total, 12 (4,L'/o) casos foram documentados entre 292 pacientes atendidos em regims ambulatorial e em hospital. Febre, cefaléia intensa e tonturas constituiram as manifestaÇões clÍ- nicas mais freqüentes, porém, vômitos, letargia moderada, nistagmo, diplopia e distúrbio do equilíbrio também estiveram presentes em alguns doentes. A maioria dos pacientes apresentou rigidez da nuca, e pleocitose foi d.ocumer¡"tada em todos os 20 casos em que se efetuaranr contagens de células no líquido cefalorraquidiano (LcR). sete a 310 células foram encontradas poï mm3, mas na maioria dos casos as contagens variaram de 11 a 50. Em todas as amostras de LCR observou-se pre- dominância dos neutrófilos sobre as células mononucleares. Em lg dos 22 pa;ien- tes documentou-se aumento das proteÍnas no LcR, porém o nível de glicose per- maneceu dentro dos timites normais. Nenhuma anormalid.ade foi observada no eletroencefalograma de quatro pacientes. obteve=se o isolamento do vírus oropou- che a partir de uma amostra de LCR, inoculad.a em camundongos. Anticorpos inibidores da' herna'glutinação para o vÍrus Oropouche, ein títulos oscilando entre 1:4 e 1:80, foram demonstrados em tod.as as l0 amostras de LCR testadas. Não se visualizaram bactérias ou fungos nas 16 amostras cte LCR, examinadas. Todos os pacientes se recuperaram sem seqüelas. Não obstante isto, é óbvio que a meningi- te constitui um componente agravante para o quadro clínico da febre do oropou- che. cDu 616,988 Do ponto de vista de sa¡ide púbtica, a fe- bre do Orotrrouche (grupo Simbu, família Bu- rtyaviridae) constitui uma das arboviroses de maior importância na Amazônia. Efetivamente, estimativas conservadoras revelaram que pelo menos 165.000 casos dessa virose ocorreram durante suceSsivas epidemias que atingiram inúrneros núctreos urbanos do Estado do pará, de 1961 a 19807,8,72,73,14,17. O perfodo epidêmico de maior impacto foi o do triênio lgTB-80, quan- (1) (2) INTRODUçÃO Instituto Evandro Chagas, Fundação Serviços de Saúde Pública, Mtnistério da Saúde, Belém, p¡,, Bmsil Hospital dos Seryidores do Estado, Secretaria de Estado ate Saúde, Belém 248 do pelo menos 130,000 pessoas foram infecta- das pelo agente em Belém e em outras 15 lo- calidades do Pará. Em 1980, pel¿ primeira vez, surto,s da virose foram assinalados fora desse Estado, no Amazonas4 e no Amapán. o presente, nenhuma epidemia foi registrada fora da Amazônia, sendo Trinidad o único Þaís on- de o vírus foi também isolado, a partir de uma única pessoa, em 1955, e de um grupo de mosquitos, em 1960 2,23.

INTRODUçÃO - imt.usp.br · Febre, cefaléia intensa e tonturas constituiram as manifestaÇões clÍ- nicas mais freqüentes, porém, vômitos, letargia moderada, nistagmo, diplopia

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Rev, Inst. Med, trop. São Paulo24(4):246-251, julho.agosto, 1982

MEN|NGTTE ASSOCTADA ÀS |NFEGçõES pOR VÍRUS OROPOUGHE

Franclsco P. PTNHETRO (1),.arneldo c. RocHA (p), Bonaldo B. FRErras (1), Benjam¡n a. OHANA (z),Amélia P. A. TRAVASSOS DA ROSA (1), Juven&l S. ROGÉRIO (Z) e Alenndre C. LINHARES G)

RESUMO

Manifestações neurológicas associadas com infecções provoca as pelo vírusoropouche foram observadas durante o surto de 1gg0, no Estado do pará. Taismanifestações consistiram em meningite ou meningismo, e foram observad.as em22 casos de felore de Oropouche confirmados em laboratório. Desse total, 12 (4,L'/o)casos foram documentados entre 292 pacientes atendidos em regims ambulatoriale em hospital. Febre, cefaléia intensa e tonturas constituiram as manifestaÇões clÍ-nicas mais freqüentes, porém, vômitos, letargia moderada, nistagmo, diplopia edistúrbio do equilíbrio também estiveram presentes em alguns doentes. A maioriados pacientes apresentou rigidez da nuca, e pleocitose foi d.ocumer¡"tada em todosos 20 casos em que se efetuaranr contagens de células no líquido cefalorraquidiano(LcR). sete a 310 células foram encontradas poï mm3, mas na maioria dos casosas contagens variaram de 11 a 50. Em todas as amostras de LCR observou-se pre-dominância dos neutrófilos sobre as células mononucleares. Em lg dos 22 pa;ien-tes documentou-se aumento das proteÍnas no LcR, porém o nível de glicose per-maneceu dentro dos timites normais. Nenhuma anormalid.ade foi observada noeletroencefalograma de quatro pacientes. obteve=se o isolamento do vírus oropou-che a partir de uma amostra de LCR, inoculad.a em camundongos. Anticorposinibidores da' herna'glutinação para o vÍrus Oropouche, ein títulos oscilando entre1:4 e 1:80, foram demonstrados em tod.as as l0 amostras de LCR testadas. Não sevisualizaram bactérias ou fungos nas 16 amostras cte LCR, examinadas. Todos ospacientes se recuperaram sem seqüelas. Não obstante isto, é óbvio que a meningi-te constitui um componente agravante para o quadro clínico da febre do oropou-che.

cDu 616,988

Do ponto de vista de sa¡ide púbtica, a fe-bre do Orotrrouche (grupo Simbu, família Bu-rtyaviridae) constitui uma das arboviroses demaior importância na Amazônia. Efetivamente,estimativas conservadoras revelaram que pelomenos 165.000 casos dessa virose ocorreramdurante suceSsivas epidemias que atingiraminúrneros núctreos urbanos do Estado do pará,de 1961 a 19807,8,72,73,14,17. O perfodo epidêmicode maior impacto foi o do triênio lgTB-80, quan-

(1)(2)

INTRODUçÃO

Instituto Evandro Chagas, Fundação Serviços de Saúde Pública, Mtnistério da Saúde, Belém, p¡,, BmsilHospital dos Seryidores do Estado, Secretaria de Estado ate Saúde, Belém

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do pelo menos 130,000 pessoas foram infecta-das pelo agente em Belém e em outras 15 lo-calidades do Pará. Em 1980, pel¿ primeira vez,surto,s da virose foram assinalados fora desseEstado, no Amazonas4 e no Amapán. AÉ opresente, nenhuma epidemia foi registrada forada Amazônia, sendo Trinidad o único Þaís on-de o vírus já foi também isolado, a partir deuma única pessoa, em 1955, e de um grupo demosquitos, em 1960 2,23.

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PINHETR'o, F. P.; RocH.t, A. c.; FRErras, R,. B.; oHANA, B. A.; TRAVASSoS DA RosA, A. p. A.; RocÉRro, J. Ë.& LTNHAR'ES' A. c. - Meningite assocÍada às ínfecções por virus oropouche, Rev. Insf, Med. trop. São paulo p4:246"25L, 1982.

O vírus Oropouche ocorre em natureza emdois ciclos distintos: silvestre e urbano. O ci-clo silvestre é silencioso, ,sendo responsável pe-la manutenção do agente. Inúmeros achadosapontam as preguiças e os macacos como sen-do os principais hospedeiros vertebrados domesmo, embora exista.m evidências de que cer-tas espécies de aves silvestres também desem-penhem essa função. Pouco se conhece, entre-tanto, quanto ao transmÍssor desse arbovírusem ambiente silvestre. No ciclo urbanq ele étransmitido de homem a homem através dapicada do maruim Culicoides paraensis 14,1s',ã).

Esse minúsculo inseto, de hábitos diurnos, éencontrado em densidade eleva"da em inúmeraslocalidades da Amazônia, e até mesino em ou-tras áreas do País, como em Salvadof 21. AforaCulicoid'es paraensis, é possível que o mosqui-to Culex p. quinquefasciatus atue na transmis-são do vÍrus, embora na qualidade de vetor se-cundár{o 14,ls.

A infecção pelo ví{us Oropouche no homemé carracterizada por uma doença febril agucla,cujo período de incubaçáo vâria de 4 a B dias.O inlcio é súbito, e além da febre que pode al-cançar 40.'C, os pacientes réferem cefaléia, ca-lafrios, tonturras, a,stenia, mialgias, artralgiase fotofobia. Insônia ê anorexia também podemesfar presentes. Ern menos de bVo dos casosobservase uma erupçáo exantemática do tipomáculopapular, que atinge o tronco, braços e,ooasionalrnente, os membros inferiores. Embo-ra a,lguns pacientes apresentemse bastantedoentes, a ponto de ficarem prostrados, atéagora não se observaram casos faúais, nemcom seqüelas. A fase aguda da enfermidade va-ria de dois a cinco dias; contudo, algumas pes-soas queixam-se de astenia e tonturas por umperíodo prolongado, que chega a alcançar umnxês, Cerca de 60'0/o ,dos doentes exibem uma oumais crises de recorrência, durante uma a duassemana,s após o d,esaparecimento das manifes-tações do episódio inicial. Durante as recorrên-cias podem retornar todas as manifestaçõe,s dafase aguda, ou observar-se aþgnas febre, cefa-léia, astenia e tonturas.

AIém desse quadro clÍnico cl¡íssico da fe-bre do Oropouche, foi verificado, durante aonda epidêmica de 1980, que inúmeros pacien-tes apresentavam manifestações neurológicas.Tais manifestações clinicamente consisüiam emnreningismo, ou mesmo em franca meningite.Ao todo, 22 casos, foram diagnosticados em

bases clfnico-laboratoriais, os quais são objerode descrição no presente relato.

MATERIAL E MÉTODOS

Pacientes - Os casos estudados foramoriundos de Belém, Vigia e Curuçá. Os pacien-tes, em sua grande maioria, foram atendidos noInstituto Evando Chagas (IEC) e no Hospitaldos Servidores do Estado (HSE) do Pará, em-bora alguns tenham sido internados no hospi-tal da Secretaria de Saúde, em Vigia.

Tentativas de isolamento de vírus - Amos-tras de sangue, de lÍquido cefalorraquidiâno(LCR,) e de fezes foram utilizadas nas tenúati-vas de isolamento de vírus. As amostras de'sangue foram inoculadas em camundongos sui-ços albinos de 2-3 dias de idade. As inocula-ções de LCR, e de fezes foram feitas em ca.mundongos e nas linhagens celulares Vero(rimde macaco Cercopiúhecus'aethiops) e HEp 2" Asamostras de LCR, eram inoculad,as sem trara-mento prévio. As de sarigue eram diluídas naproporção aproximada de 1:5, em solução fos-fatada tarnponada com 0J5% de albumina bo-vina, contendo penicilina e estreptomicina;após cqntrifugação a 1.500 rprn por 10 minutos,o sobrenada¡rto era aspirado, desprezando-se osedimento. Os espécimes fecais eram diluidos a2OVo em solução de lfanks conten€to antibióti-cos,e, após repousodurante 30 minutos à tem-peratura ambiente, eram centrifugados a 10.000rpm durante uma hora. Em geral, os espécimeseram inoculados no dia da colheita porém,quando isso qão era possÍvel, eram conserv,a-dos a -6OC (sangue e LCR) ou a -20'C (fezes).Para as inoculagões em camun'dongos, utilizou-se sempre a via intracerebral (0,02 ml por ani-mal).

Identificação das amostras de vírus - To-das as identificações foram feitas através demicrotécnica de fixação do comtr¡lemento (FC),utiliza¡rdo-se fluído ascítico hiperimune anti-Oropouche preparado em camundongos, e ce-rébro de oa,mundo'ngos doentes. como antígeno.Os cérebros foram previamente triturados esuspenso,s em solução de veronal-gelatina, eem seguida centrifugados.

Determinagão de anticorpos - A pesquisade anticorpos no soro e no LCR, das pessoasfoi feita através o uso da técnica de inibiçãoda hemaglutinação (IH). Os métodos emprega,dos para a preparaçã,o do antÍgeno, para o tra-

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PINHEIRO, F. P.; ROCHA, A. G.; FREITAS, R. B.; OIIAN¡I, B. A.; IRAVASSOS DA ROSA, A. P. A.; ROGERIO, J. S.& LINHARES, A. C. - Meningite associada às infecções por vírus Oropouche. Rev. Insú. Med. trop. São Paglo 24:?,46.25t, 1982.

tamento dos soros e para a, realizagáo do testede IH foram, essencialmente, os desenvol,vidospor CLARKE & CASATaS s; os testes de IH,porém, forarn realizados de acordo com amicrotécnica descrita por SHOPE 22. As amos-tras d.e LCII foram tratadas da mesma formaque os soros., o antigeno foi preparado a pat-tir do soro de hamsters infectados com a cepa Be An 19991 do vírus Oropouche.

Exames bioquímicos e citológicos do LCR

- As dosagens d,as proteínas e da glicose, bemcomo as contagens global e específica das cé-lulas foram realizadas de aco.rdo com méto"dos padrões.

Exames bactoriológico e micológico do LCß

- Esses exames foram igualrnente realizadossegundo métodos padrões. Resumidarr¡ente, asamostras de LCR, foram submetidas a er(arnebacterioscópico após coloração pelo Gram etinta da China, bem como semeadas em meiode Löwenstein. Dois espécimes foram tambémsemeâdos em ágar.sangUe,,ágar-chocolate, EMBe Chapman.

RESULTADOS

Ao todo, 22 casos de infecção pelo vírusOropouche exibindo manifestações neurológicasforam diagnosticados através de métod.os la-boratoriais esþecíficos.

Etiologia

Dos 22 casos confirmados em laboratório,em um se conseguiu isolar o, víru,s Oropouchea partif do LCR, em três se dernonstrou con-versão sorológica para o agente, e os restantesapresentaram títulos elevados de anticorposIH, indicativos d,e infecção recente. Assinale-se,ainda, que L0 dos pacientes apresentaram an-ticorpos IH no LC5Ù, cujos titulos oscilaram de1:4 a 1:80.

A amo,stra de LCR da qual se içelou o ví-rus foi obtida de uma paciente que se achavano 7.' dia de doença. Náo se conseguiu detectaro agente na amostra de sangue colþid4 nomesmo dia, nem se encontraram anticorpoFespecÍficos. O so,ro convalescente, porém, apre-sentou. anticorpos IH em títulos d.e l:160 paraOropouche.

Nenhum outro agente viral foi isolad.o dasdemais amostras de LCR examinadas, nem tam-pouco das de sangue. Todavia, d.e um dos 10

248

espécimes fecais testados, conseguiu'se isola¡uma cepa de echovlrus ,soro'tipo 12.

Dezesseis amostras de LCR foram subme-tidas a exarnes microscópicos e bacteriológicos.Não se visualizaram bactérias ou fungos à mi-croscopia, e as culturas resultaram negativas,

Manifestações clínica"s

De início a enferrnidade apresentavâ &s c&:ia0teçístipas haþituais benignas da febre doOro¡rguche, mas após algqns dlas a cefaléia eas tonturas se intensificavam, bem como emalguns'doentps ;surgiam outras manifestaçõesneurológicàs. Os pacientes procuravaflt, então,atendimento médico, o ,que usualmente ocot-ria na segunda semana de doenga. Febre, cefa-léia occipital intensa e tonturas constituiramas principais queixas referidas pelos 22 pa-cientes. Náuseas e vômitos ocorreram em L/3deles. Alguns doentes exibira.m letargia mode-rada. Seis enfermos apresentaram dificuldadesem se manterem na posição ortostática. Trêspacientes referiram visão dupla (diplopia). Co''munænte eles procuravam evitar o,s movimen-tos da cabeça, pois estes provocavam a exa-cerbaçáo das dores. Ao exame físico, a maio-ria clos, enfermos apresentava grau variável derÍgidez da nuea, mas não se detectaram pare-sias ou paralisias. Em três doentes se obs.ervounistagmo. Nenhuma anp,rma,lidade foi encon-trada no encefalograma de quatro pacientes. Aenfermidade evoluiu de forma benigna, e aofim de uma a três semanas todos os doentesse recuperaram integralmente. Treze casosperfenciam ao sexo feminino e os demais aomasculino. As idades oscilaram entre I a 54anos.

Exames complementares do LCR

Pleocitose e aumento da cor¡eær¡tração dasproteínas foram as principais alterações obser-vadas no LCR,. A citometria revelou ? a 810 cé-lulas por mm3 de LCR,, sendo que em oercada metade dos pacientes encontram-se ll a 50células por mm3 (Tabela I). Tanto células seg-rnentàdas como mononucleares foram visuali-zadas ao exame citológico; contudo, observou-se sempre predominância das primeiras. Emum paciente a eontagem de células no LCIIcaiu de 130 para 30 no int€rvalo de uma se-mana, e em outro houve uma queda de ?0 para10 células no intervalo de três semanas. Em18" dos 22 doentes se constatou aumento da

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PTNTTEIR'o, F' P'; R'ocHA, A. c.; FREITAS, R. B.; oHANA, B. A.; TRAVASsos DA RosA, Á. p. A.; RocÉRro, J. s.& LrNH'aIl'Es, A' c' - Meningite associada às infecçôes por virus oropouche. Rev. rnst. **. iron.'"Ji"oro ,n,rnu-251. 1982.

concentração das proteínas (Ta,bela I). Embora,esse aumento fosse geral moderado, em um d.ospacientes o teor das proteínas foi superior a100 mgz'iO0 ml de LC . Os níveis dos açúcaresmantiveram-se sempre dentro dos limites nor-mais.

TABELA ICitometria e dosagem de protefnas no iÍquido cefalorraqui-diano (LCR,) do casos de febre do Oropouche portaalores de

alteruções neurológicas

çitometrie (* )

7a 10

Ua 50

5l a 100

101 a 200

310

Poteínas(mg/100 ml)¿.40

61 = 100

250

pess.oas, com uma letalidade em torno de 5olo e.

Após 19?6, como ante,s de l9?5, o vírus nãomais voltou a ser detectado, sem que s€ tenh&explicação plausível para o fenômeno 10.

E conhecida a existência d.e inúmeros focoçenzoóticos dos vín¡s EEE, EEO e SLE na Arn¿Ì-2'ônia, e até me'smo em outras regiões do Bra"sil Ie. Por outro lado, inquéritos soro,lógicos naspopulações da Amazônia demonstram a ocor-rência de imunidade, embora em baixo grau,para os três agentes em questão. No entanro,sa,lvo dois isolamentos d"ò vírus SLE obtidos apartir de pacientes na Amazônia, por sinal semmanifestações neurológicas 16, não há outros re-gi,stros de infecções por es,ses agentes cornpro-vadas através de isolamento. Esta situação con-trasta com a que se tem observado no,s Es[a-dos Unidos, onde os vÍrus EEE, EEO e, emparticular, o vírus SLE, têm ocasionado inúm,e.ras epidemias 11"

Diante da comprovação de que poele oca-sionar meningite em,seres humanos, é plausívelconsiderarse o virus Oropouche como,um ar-þovírus dotado de ação neurotrópica para ohomem. Dos 22 casos descrito.s neste retra,ro,em pelo m.enos 16 estavam presente,s parâme-tros clÍnico-laboratoriais característicos de umquadro de meningite assética. Em nenhum dos22 pacientes se evidenciou a presenga, no LCRde outros agente,s responsáveis por comprome-timento do sistema nervoso central. Assim, náose cultivaram bactérias ou fungos patogêni-cos a partir do LCR, de 16 casos, e o único vírusisolado de LCR, foi Oropouche. O isolamento deuma cepa de echovírus tipo 12 das fezæs de umdos pacientes, parece.nos constituir achado aci-dental, emþora não se possa afastar a possibi-lidade de uma eventual participação desse agen-te no quadro de meningite do doente. E per-tinente lembrar, contudo, que é incomum aassociação de echovírus tipo 12, na etiologia dameningite assética,

A detecção do vírus Oropouche em apenasI dos 22 LCR examinados, atesta a raridade dóencontro do agente nesse tipo de material. Eoportuno rnencionar que ap,enas 10 outros ar-bovírus (Colorado tick fever, IIYPR, JE, I(ya-sanur forest disease, louping ill, Omsk hemor-rhagic fever, RSSE, Thogoto, EEO e West Nile)já foram isolados de LCR¡.

Não foi possível se determinar a incidên-cia das alüerações neurológicas em telação ao

249

(*) Número de células por mms de LCR. å. citohetria foiefetua.da somente em 20 paciente€.

DISCUSSÁO

Inúmeros arbovírw são capazes de deter-minar alterações neurológicas em seres huma-nos. Dentre eles, os mais importantes são osvírus da encefalite de S. LuÍs (SLE), da ence-fatite Japonesa (JE), da encefalite do vale doI\[urray, das encefalites eqüinas leste (EEE),ôeste (EEO) e venezuelaira (VEE), da encefa-lite verno-estival da Rússia (RSSE), e das en-cefalites pelo vírus La Crosse, powassan &Roqio 18, O grau de envolvimento do sistemanervoso vari,a, marcantemente segundo o tipode vÍrus, ou mesmo de acordo com a respo,stade cada paciente, porém, nos casos mais gra-ves de encefalite, pode ocorrer inclusive oóbito.

Cada um desses agentes apresenta distri-buição geográfica própria, que tanto podeabranger áreas e:<tensas, como restringir"se afocos limitados. No Brasil, salvo um ca,so iso-lado de encefalite atribuído ao vírus EEE,, ocor-rido ,em Salvador l, todos os demar,s diagnosti-cados até o momento foram ocasionados pelovírus Rocio. Este vírus até agora incidiu ex-clusivamente no litoral sul de São paulo e,curiosamenüe, foi detectado nessa área somen-te em 19?5 e em 1976, quando ocasionou umaextensa epidemia que atingiu cerca de 1.000

Número de casos

2

10

a

I

6

10

1

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PINIIEIRO, F. P.; ROCHA, A. G.; FREITAS, R. B'; OIIANA, B. A.; TRdVASSOS DA ROSA, A. P. A.; ROGÉRIO, J. S.

& LINHARES, A. C. - Meningite associada às infecções por vfrus Oropouche. Bev. Inst, Med. trop. São Paulo 24:246'

251, 1982.

número total de infecções causadas pelo vírus.No entanto, entre os 292 residentes de Belémportadores de infecçáo por Oropouche compro-vada em laboratório, que procuraram atendi-mento médico em 1980, L2 (4,10/o) apre'sentarammeningite ou meningismo.

Todos os 22 do'entes exibiram quadro clíni-co que evoluiu de forma benigna, náo sendoconstatado qualquer tipo de lesáo residual. Con-vém citar, no entanto, a ocorrência, durante osurto de 1980, de três casos de meningite (ex-

cluídos os 22 acima) que evoluiram para o óbi-to; todavia, náo se conseguÍram,espécimes apro-pria"dos para exames de laboratório.

De certa forrna, não deixa de constituir sur-presa a ocorrência de manifestações neuroló-gicas associadas corn infecçóes provocadas pe-lo vÍrus Oropouche, conforme se observou em1980. Com efeito, em nenhum dos numerosossurtos da virose ocorridos no passado, foramdocumentados casos de meningite. Isso nos le-va à suposição, portanto, de que possa ter ha-vido'uma exacerbação da virulência do agentepara os tecidos nervosos de seres humanos.Contu.do', não se pode excluir a possibilidade deque a,s citadas alterações já vinha,rn ocorreruÍono passado, sem que fossem diagnosticadascorretamente. Nesse particular, é pertinente ci-tar que casos de meningismo foram assínala-dos durante a epidemia de Oropouche em San-tarém, em 19?5, muito embora não tenha havi-do cornprovaçáo laboratorial de envolvimentoda virose 6. Além disso, na epidemia de SantaIsabel, em 19?9, uma criança corn evidênciasorológica de infecção pelo vírus Oropoucheapresentou, durante alguns dias, nistagmo, tre-mores e sonolência 7.

Seja como for, a capacidade do vÍrus Oro-pouche de induzir meningite em seres huma-nos, constitui um agravante para o quadro clí.nico da virose. Por esse motivo, é importanteque ,se intensifique a vigilância nos perÍodosepidêmicos, com o intuito de se detectar o even,tual aparecimento de alterações neurológicasmais graves,

SUMMARY

Meningitis associaúocl with Oropouche virusinfection

Neurological manif estations a,ssociated \,vithOropouche virus infection were observe'd dur-

250

ing the 1980 outþreak in Pará Stat'e. Such ma'nifestations were clinically defined a's menin-gitis or meningismus and they \¡/ere oþservedin 22 laborator:y proven cases of, Orqpouche in-fection. Of this total, L2 ( ,L'o/o) cases ïveredocumented amoîg 292 Oropouche patientsfrom Belém examined in outpatient clinics.Fever, severe headache and dizziness were themost prominent ctinical manifestations, but vo-miting, mild letargy, diplopia, nistagmus andalteration of the' equilibrium were also,presentin some cases. Nucal rigidity was detected inmost of the 22 patients and an increase of aeilsin the cerebral spinal fluid (CSÐ was demons'trated in each of the 20 cases for which oelleounts '\,vere performed. The cell counts variedfrorn ? to 310 per mm3 but in most cases theyranged from 11 to 50. Neutrophils outnumberedmononucl€ar cells in all instance,s. fn 18 ofthe 22 patients an increase of proteins was do'cumented in the CSF, but the sugar remainedwithin norma,I limits. Electroencephalographywas perfo,rmed on four patients but no abnÒr-

malities were noted. Oropouche virus was i$o-lated from one of the CSF by inoculation intomice. Hemagglutination-inhibition antibodiesto Oropouche with titers ranging from 1:4 to1:80 were demonstrated in the CSF of eachof 10 patients tested. No bacteria or funguswas visualized or cultured from 16 CSF exarnin-ed. All patients recovered rysithout sequelae. Ne'verthless, it is clear that meningitis is an aggra'vating component of the clinical picture ofOropouche fever.

AGRADECIMENTOS

Deseja.¡nos agradecer aos seguintes funcio-nários do Instituto Evandro Chagas pela efi.ciente colaboração que prestavam durante arealiza4 o do presente estudo: Raimund"o Fariasdo Nascimento, José Luís Baía, Antônio de'Moura, Basílio S. Buna, Pedro Paixáo, JoSé M.Rocha e Maria Rute Castro de Freitas. Regis-tramos nossos agradecimentos, também, à Sta.Maria Conceição M. Chagas pelo eficiente ser-viço datilográfico.

REFERÊNCIAS BIBLIOGBÁFICAS

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2. ANDERSON, C. R.; L. SPENCE, w. G. & DOlryNS,T. H. G, AITKEN - OroDouche vÍrus: a new human

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Rscebido para publicação em 16/9/1981.

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