ISCTE_JoanaSilva_2008

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Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da EmpresaOS DESAFIOS DAS ENTIDADES REGULADORAS DO SECTOR FINANCEIRO NO CONTEXTO DA UNIO EUROPEIADEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

Os desafios das entidades reguladoras do sector financeiro no contexto da Unio Europeia

Joana Manuel SilvaJoana Manuel Silva

Dissertao submetida como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Administrao e Polticas Pblicas

Orientador:

Prof. Doutor Antnio Covas

2008, Janeiro

2008

Instituto Superior de Cincias do Trabalho e da EmpresaDEPARTAMENTO DE SOCIOLOGIA

Os desafios das entidades reguladoras do sector financeiro no contexto da Unio Europeia

Joana Manuel Silva

Dissertao submetida como requisito parcial para obteno do grau de Mestre em Administrao e Polticas Pblicas

Orientador:

Prof. Doutor Antnio Covas

2008, Janeiro

AGRADECIMENTOS Existem duas pessoas a quem eu gostaria de agradecer em primeiro lugar por me guiarem neste longo caminho da minha dissertao: os meus pais. Eles foram mais do que bons conselheiros para mim. Os seus comentrios, correces de escrita, interesse e nimo, durante todo o trabalho, foram um pilar essencial. Um muito obrigado tambm ao meu orientador, Professor Antnio Covas que soube, com o seu conhecimento e a sua experincia, perceber os rumos a serem tomados para a finalizao desta dissertao. Um agradecimento igualmente sincero, ao incansvel Professor Juan Mozzicafreddo, por me ter proporcionado ajuda e orientao em todos os aspectos desta dissertao. Tambm agradeo aos professores com quem tive oportunidade de conviver no curso e que conseguiram despertar em mim a ateno pelo tema da regulao e renovar o interesse pelo sector financeiro. No poderia tambm esquecer um agradecimento especial, ao meu colega de mestrado, Joo Rolo, pelo entusiasmo e optimismo que sempre teve neste percurso, que ambos fizemos na construo de uma dissertao. E finalmente a minha gratido, difcil de expressar, ao meu marido, Joo, pelo seu suporte e pelas longas discusses de filosofia, cincia e vida que tivemos juntos.

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New structures do not guarantee better regulation. More appropriate structures may help but, fundamentally, better regulation comes from stronger laws, better-trained staff and better enforcement. Any country that thinks that ti nkering with the structure of agencies will, by itself, find past shortcomings is doomed to relive past crises. (Jeff Carmichael, Australian Prudential Regulation Authority, 2003)1.

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In http://info.worldbank.org.

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Os desafios das entidades reguladoras do sector financeiro no contexto da Unio Europeia

RESUMO A escolha do tema desta dissertao teve a sua origem na problemtica actual que envolve, quer a criao do mercado nico dos servios financeiros, quer os Bancos Centrais da Unio Europeia e as diversas autoridades reguladoras independentes, quer ainda do Banco Central Europeu, no contexto da crescente internacionalizao dos mercados financeiros. O primeiro passo desta dissertao foi analisar a criao de autoridades reguladoras independentes e a sua relao especfica com o sector financeiro, no contexto das transformaes recentes do Estado, que moldaram o aparecimento do Estado Regulador. Investigamos tambm, com base em diversos dados estatsticos do Banco Mundial, as caractersticas principais do sector financeiro, que exigem e justificam a sua regulao. Procuramos ainda, desenrolar a prpria evoluo das medidas da Unio, que tm influenciado este sector, na construo do mercado nico de produtos financeiros, at eventual adopo do modelo de regulador nico. Comparamos algumas experincias internacionais, que podem contribuir para um melhor entendimento do caso portugus, a par de uma anlise comparativa dos textos legais das autoridades reguladoras nacionais: Banco de Portugal, Comisso de Mercado de Valores Mobilirios e Instituto de Seguros. Por fim avaliamos, projectivamente, as mudanas necessrias para a criao de um novo modelo de regulao e conclumos pela adopo do modelo de regulador nico tambm para Portugal. Neste sentido, sou da opinio que apesar de o tema ter grande actualidade e interesse, o mesmo, no tem sido objecto de suficiente debate, especialmente em Portugal. A minha escolha visa apresentar contributos vlidos para a sua discusso, no pretendendo no entanto, esgotar o assunto.

Palavras-Chave: Estado Regulador, Autoridades Reguladoras Independentes, Modelos de Regulao Financeira, Processo Lamfalussy.

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The challenges of the financial regulatory authorities in the context of the European Union

ABSTRACT The choice of the subject of this dissertation had its problematic origin in the current one that involves the creation of the single market for financial services, the Central Banks of the European Union, the diverse Independent Regulatory Authorities, and the European Central Bank, in the context of the growing internationalization of the financial markets. The first step of this dissertation was the analysis of the creation of Independent Regulatory Authorities and its specific relation with the financial sector, in the perspective of the r ecent transformations of the State that had molded the appearance of the Regulatory State. We also investigate, on the basis of diverse statistical data from the World Bank, the main characteristics of the financial sector that demand and justify its regulation. We still explore the evolution of the measures of the European Union that have influenced this sector, in the construction of the single market for financial services, until the eventual adoption of the integrated regulation model. We compare some international experiences that can contribute for one better understanding of the Portuguese case, along with a comparative analysis of the legal texts of the national Regulatory authorities: Banco de Portugal (Portuguese Central Bank), Comisso de Mercado de Valores Mobilirios (Commission of Securities) and Instituto de Seguros (Institute of Insurances). Finally we look forward the necessary changes for the creation of a new model of regulation and conclude for the adoption of the integrated model also for Portugal. In this sense, my opinion is that although this subject has a great opportunity and interest, it has not been source of enough debate, especially in Portugal. The aim of my choice is to present valid contributions for this discussion, not intending however, to deplete the matter.

Keywords: Regulatory State, Independent Regulatory Authorities, Financial Regulatory Models, Lamfalussy Process.

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NDICEIntroduo ...................................................................................................................................1 Capitulo I A emergncia de um novo paradigma: do Estado Providncia ao Estado Regulador ...................7 1.1. Evoluo histrica das teorias do Estado ................................................................................8 1.2. O novo posicionamento do Estado....................................................................................... 10 1.3. O enquadramento regulatrio .............................................................................................. 15 1.4. O aparecimento das Autoridades Reguladoras Independentes ................................................ 20 1.5. Mecanismos de Independncia das ARI ............................................................................... 24 1.6. A Globalizao e a emergncia dos grandes grupos econmicos ............................................ 28 Capitulo II Caracterizao do Sector Financeiro .......................................................................................... 30 2.1. Enquadramento do sector bancrio no Sistema Financeiro..................................................... 31 2.2. Factores que afectam a estrutura do sector bancrio internacional .......................................... 35 2.3. Incidncia das crises bancrias ............................................................................................ 39 2.4. Actividades de superviso bancria ..................................................................................... 45 Captulo III A Superviso do sector financeiro no contexto da Unio Europeia ............................................. 58 3.1. Unio Econmica e Monetria da Unio Europeia (UEM) .................................................... 59 3.2. Banco Central Europeu e SEBC .......................................................................................... 64 3.3. Impacto da UEM no sector financeiro europeu ..................................................................... 67 3.4. Resenha do processo legislativo do sector financeiro na Unio Europeia ................................ 70 3.5. Integrao financeira versus integrao monetria ................................................................ 80 3.6. Superviso bancria e financeira na zona Euro ..................................................................... 81 3.7. Problemas actuais suscitam novas Perspectivas .................................................................... 83 Capitulo IV Os modelos de regulao do sector Financeiro presente e futuro ................................................ 92 4.1. Quadro conceptual da regulao e superviso financeira ....................................................... 93 4.2. Realidade actual das Autoridades Reguladoras Independentes ............................................. 101 4.3. Proposta de reviso do modelo actual ................................................................................ 110 Concluses ............................................................................................................................... 119 Referncias Bibliogrficas ........................................................................................................ 125 Apndice I ................................................................................................................................ 132 Anexo I..................................................................................................................................... 134 Currculo Vitae ........................................................................................................................ 135

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Lista de Figuras e TabelasFigura I Activos dos Bancos relativamente ao Total dos Activos do Sector Financeiro ...................39 Figura II Incidentes e crises Bancrias em todo o Mundo .............................................................40 Figura III As trs fases da UEM .................................................................................................60 Figura IV Comits Europeus do Sector Financeiro.......................................................................79 Figura V Modelo Australiano .....................................................................................................95 Figura VI Margens de Intermediao Financeira (Percentagens) ................................................. 102 Figura VII Esquema da Regulao Financeira em Portugal ........................................................ 110 Figura VIII As melhores prticas internacionais na regulao superviso .................................... 115

Tabela 1 - Dados financeiros da Actividade Bancria ..................................................................... 38 Tabela 2 - Actividades Bancrias permitidas .................................................................................. 47 Tabela 3 - Nvel de independncia das Autoridades de Superviso .................................................. 51 Tabela 4 - Implementao da Superviso Bancria ......................................................................... 52 Tabela 5 - Dados principais sobre Fundos de Garantia de Depsitos ................................................ 54 Tabela 6 - Arquitectura dos Comits de Estabilidade Financeira da EU............................................ 80 Tabela 7 - Matriz da Regulao Financeira .................................................................................... 96 Tabela 8 - Modelos de Superviso do Sector Financeiro nos pases da UE ....................................... 97 Tabela 9 Principais motivos para adoptar uma superviso integrada .............................................. 99 Tabela 10 Problemas no estabelecimento de autoridades de superviso integradas ....................... 101

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IntroduoVivemos numa poca de reviso dos paradigmas, em que os conceitos e os valores antigos, muitos deles resultado da Revoluo Francesa e do modelo centralizado do Estado, embora no abandonados, vo sendo suplantados por novos modelos. pois natural o aparecimento de novos mecanismos de actuao que divergem substancialmente do Estado cujas principais funes assentavam na redistribuio e na prestao de servios pblicos. Esta dissertao descreve e analisa, numa perspectiva histrica e comparada, as actuais polticas pblicas de regulao, organizadas sobre o desenho institucional de autoridades reguladoras independente com especial enfoque no sector financeiro. Estudamos igualmente, as diferenas entre os diversos modelos de regulao deste sector, bem como a gnese das autoridades reguladoras em Portugal, descrevendo as suas atribuies e alguns dos seus resultados. Procuramos, tambm, discernir as possveis consequncias que a mudana do modelo de regulao do sector financeiro portugus podero provocar, com base no estudo comparativo de modelos de outros pases. Da mesma forma, estudamos casos especficos de estruturas reguladoras do sector financeiro, analisando pases com semelhanas histricas e econmicas com Portugal, nomeadamente da Unio Europeia (UE), em que o modelo ingls considerado pela literatura, o modelo de regulao do sector financeiro com maior adeso nos ltimos anos. A anlise terica desta dissertao insere-se num contexto mais amplo das reformas da gesto pblica das ltimas dcadas, em especial pelo crescente recurso criao de autoridades reguladoras independentes. Nesse sentido, necessrio reflectir sobre as razes e os objectivos que levaram o Estado a criar tal mecanismo institucional para a fiscalizao e para o controlo do sector financeiro, o qual foi um dos primeiros a ser objecto de polticas de regulao por entidades independentes. Normalmente criadas aps a concesso de servios essenciais ao sector privado ou aps a privatizao de empresas pblicas, ou, ainda, pelo fim de monoplios estatais, as autoridades reguladoras vincularam-se, numa primeira fase, dimenso reguladora e fiscalizadora de servios de cariz econmico ou ligados a infra-estrutura. A criao destas entidades justificada pela literatura pelo seu intuito de atrair e regular investimentos, reduzir arbitrariedades do sector pblico, defender os consumidores e o interesse geral, fixar preos e tarifas, aumentar a flexibilidade da sua gesto e contribuir para a normalizao, evitar as incertezas polticas, aumentar o controlo social e, principalmente, oferecer credibilidade aos

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investidores privados. Os mecanismos de independncia e estabilidade, que lhes so intrnsecos, reduzem o risco do investimento, sobretudo em actividades em que os montantes de investimento requerido so altos e o tempo necessrio para o respectivo retorno de longo prazo. O objecto de trabalho e a delimitao do tema Analisamos a criao de autoridades reguladoras no contexto das transformaes recentes do Estado. Descrevemos a evoluo histrica do papel do Estado, analisando as transformaes institucionais contemporneas que moldaram o aparecimento das autoridades reguladoras independentes e a sua relao especfica com o sector financeiro. Investigamos com base em vrios dados estatsticos do Banco Mundial, sobre diversos pases desenvolvidos, as caractersticas principais do sector financeiro que exigem a sua regulao. Desenrolamos a prpria evoluo das medidas da UE que tm influenciado este sector, na construo do mercado nico de produtos financeiros, bem como os seus impactos na adopo de um modelo regulador. Comparamos algumas experincias internacionais relativas ao tema da dissertao, que podem contribuir ao entendimento do caso portugus, nomeadamente de pases da UE. Analisamos, comparativamente, os textos legais de criao do BP, da CMVM e do IS, alm do estudo de legislao pertinente ao assunto. Avaliamos, projectivamente, as mudanas a serem implantadas para a criao de um novo modelo de regulao e conclumos pela adopo do modelo de regulador nico em Portugal. Metodologia Esta dissertao tem um enfoque sobretudo analtico e qualitativo. Para isso, foram utilizados os procedimentos seguintes: Reviso bibliogrfica: Foi realizada uma reviso ampla sobre os assuntos relacionados com a criao das autoridades reguladores independentes, contextualizadas no novo papel do Estado regulador, objectivando posteriormente naquelas que estavam ligadas ao sector financeiro. Foram revistos essencialmente os seguintes itens: Evoluo histrica das teorias sobre o Estado que influenciam em ltima anlise a organizao actual do sector publico, nomeadamente as teorias sobre a nova gesto pblica e o aparecimento do Estado Regulador, at

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criao das autoridades reguladoras independentes; Reviso da literatura nacional: apesar da carncia de bibliografia tcnica sobre a reviso do modelo de regulao para o sector financeiro portugus. No contexto especfico da regulao econmica, das referncias nacionais podemos destacar os Professores Maria Manuel Leito Marques e Vital Moreira. De resto, apenas foi possvel encontrar como referncia alguns depoimentos relacionados com o tema em jornais, revistas, congressos e reunies. Estes poucas vezes sugerem mtodos ou formas para a implementao de um novo modelo manifestando-se, na sua grande maioria, a favor ou contra a implementao do regulador nico. Refira-se a referncia ao estudo que o Governo encomendou no final do ano passado ao Conselho Nacional de Supervisores Financeiros, sobre a reviso do modelo de superviso financeira existente em Portugal; Reviso da literatura internacional: a literatura internacional foi analisada para procurar encontrar as diversas experincias sobre modelos de regulao do sector financeiro j implementados noutros pases desenvolvidos. No entanto, dada a existncia de algumas diferenas significativas, quer do enquadramento administrativo portugus, quer do sector financeiro, quer ainda das prprias autoridades reguladoras, a importao de modelos estrangeiros no pode ser feita de forma linear; Reviso da moldura legislativa desenvolvida pela UE para a concretizao do mercado nico de servios financeiros, Banco Central Europeu, Autoridades Reguladoras, Comits especializados do sector financeiro. Pesquisa em sites institucionais de autoridades reguladoras independentes do sector financeiro, para determinar os obstculos, bem como os facilitadores da implementao de um novo modelo de regulao. Assim a pesquisa nestes sites forneceu importantes contributos sobre o que j praticado noutros pases, nomeadamente os ganhos obtidos com a alterao do modelo; Reviso de literatura correlacionada: so feitas vrias referncias a questes tcnicas do sector financeiro, embora sejam de natureza bastante simples, com as quais procuramos caracterizar melhor este sector; Recolha e anlise de dados estatsticos:

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Caracterizao do sector financeiro em diversos pases desenvolvidos disponibilizados pelo Banco Mundial: UE, Estados Unidos da Amrica, Austrlia, Japo, entre outros. Modelos de regulao do sector financeiro nos pases desenvolvidos tidos como de referncia; Caracterizao do sector financeiro portugus num passado recente, com base nos principais indicadores financeiros; Desenvolvimento de um modelo alternativo de regulao do sector financeiro portugus: apontado o modelo que julgamos mais adequado realidade actual do sector financeiro, sendo apontados os passos necessrios sua implementao, alguns constrangimentos e as necessrias adaptaes em consonncia com os resultados alcanados no processo de mudana. Questes levantadas Desta anlise resultaram diversas questes iniciais: As caractersticas sui generis do sector financeiro implicam uma regulao forte da

actividade dos intervenientes deste sector? Dado que a regulao deste sector tem sido adstrita na maioria dos pases a

autoridades reguladoras independentes, estas entidades tm assegurado de forma eficaz a respectiva estabilidade do sector financeiro? Existe um modelo ptimo de regulao do sector financeiro? Se considerarmos que

no existe, haver pelo menos alguma tendncia actual no seio dos pases desenvolvidos e mais concretamente no seio da UE? Poder a UE, no contexto da criao do mercado nico dos servios financeiros, vir a

impor a criao de uma autoridade reguladora nica para o sector financeiro nos Estados-membros? Do trabalho de anlise das questes anteriores, enquadradas no contexto nacional, resultaram ainda as seguintes questes: Porqu trs entidades reguladoras para o sector financeiro? Quais as especificidades do modelo de regulao portugus?

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Quais os padres de aproximao e distanciamento com outras experincias internacionais na rea? Culminando na questo fundamental desta dissertao: Estar o modelo de regulao portugus adaptado crescente integrao dos mercados financeiros? E no estando, qual ser o caminho a seguir? A resposta a esta questo aprofundada a partir do estudo dos diversos modelos de regulao existentes, especialmente nos pases da UE, dado como iremos verificar o modelo que tem colhido mais adeptos nos ltimos anos o modelo de regulador nico. Os dados sobre estes modelos so contextualizados num conjunto de elementos relativos ao sector financeiro de um conjunto de pases desenvolvidos que so representativos das vrias tendncias actuais. A estrutura da dissertao Num primeiro nvel de anlise, iremos destacar e explicar a emergncia do Estudo Regulador na Europa Ocidental e, consequentemente, o aparecimento das autoridades reguladoras independentes. Num segundo nvel de anlise, iremos comparar as caractersticas chave do sistema bancrio, com base em informao do Banco Mundial referente a vrios pases da UE e a outros pases desenvolvidos, na medida em que as comparaes internacionais ajudam a revelar tendncias e normas que podem ser teis ao debate nacional sobre o respectivo modelo conceptual a seguir. Num terceiro nvel, iremos enquadrar este debate no contexto da criao do mercado nico dos servios financeiros na UE, culminando num quarto e ltimo nvel, em que apresentaremos as caractersticas principais do sector regulador financeiro portugus, expondo por fim, as razes da necessidade, da reforma deste modelo regulador. Delimitado que est o objecto do presente trabalho, importa de seguida apresentar a metodologia que iremos prosseguir, tendo-se revelado mais adequado desenvolver a investigao segundo um mtodo predominantemente emprico. Esta escolha resulta de termos constatado que esta ser a melhor forma de entender a gnese, a evoluo e a consolidao dos diferentes modelos de regulao que nos propomos estudar, uma vez que as autoridades reguladoras independentes nasceram por via emprica, e s o conhecimento aprofundado dos vrios modelos de autoridades, especificamente no sector financeiro, nos permitir teorizar sobre o modelo mais adequado para o sector em Portugal. O ponto essencial da nossa investigao incidir desta forma, na anlise do enquadramento dos diferentes modelos de regulao do sector financeiro e que so ao mesmo tempo objecto

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de maior estudo de investigadores de vrios pases. A nossa estratgia assenta no pressuposto que o estudo de instituies e modelos de outros pases so a base para a percepo da necessidade de alterao do modelo existente em Portugal, quando vrios outros domnios da actividade econmica, quer relativa regulao, quer financeira, foram determinados no nosso pas, pela evoluo das experincias estrangeiras, e com mais preponderncia por aquelas que surgiram nos pases da UE. Por outro lado, a anlise dos diferentes modelos com maior relevncia, teve que forosamente assumir um carcter fundamentalmente analtico dado que, e como iremos ver no nosso estudo, estas entidades, e particularmente as do sector financeiro, surgiram sem uma moldura jurdica enquadradora nos diferentes pases, pelo que o seu ordenamento bastante dispare. Com o estudo das diferentes autoridades do sector financeiro portugus, procuramos abordar diversas questes especficas de cada entidade, nomeadamente a sua estrutura e o seu funcionamento, enquadrando a sua actividade de regulao no respectivo sector. A partir desta anlise emprica, temos como propsito apresentar as razes da necessidade de reviso do actual modelo de regulao financeiro portugus, convergindo para a apresentao do modelo que julgamos mais adequado realidade actual. Assim, a escolha do tema desta dissertao teve a sua origem na problemtica actual que envolve, quer a criao do mercado nico dos servios financeiros, quer os Bancos Centrais da UE e as diversas entidades reguladoras, quer ainda do Banco Central Europeu, no contexto da crescente internacionalizao dos mercados financeiros. Alm de ser uma temtica de grande actualidade e interesse, revela-se ainda particularmente aliciante por no ter sido at agora, na minha opinio, objecto de suficiente debate, essencialmente em Portugal. A minha escolha visa, de alguma forma, contribuir para um despertar do interesse geral pelo assunto, no visando no entanto, esgotar o assunto, mas apresentar contributos vlidos para a sua discusso.

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Capitulo I

A emergncia de um novo paradigma: do Estado Providncia ao Estado Regulador

Vivemos hoje uma das maiores revolues que h memria. A revoluo tecnolgica, a modernizao e a prpria globalizao obrigaram a uma mudana substancial do papel do Estado. Como lhe chamou Vital Moreira (2002) estamos perante a revoluo regulatria, traduzida no alargamento do papel regulador do Estado ao mesmo tempo que assistimos sua desinterveno em certos sectores da actividade econmica. Nos processos de reforma desencadeados na maioria dos pases ocidentais, a par de polticas inseridas nos novos paradigmas da gesto pblica surgem novos modelos de repartio dos poderes do Estado, entre eles atravs da criao das autoridades reguladoras independentes. A temtica deste captulo insere-se na investigao de uma justificao terica da regulao, que sustente por sua vez, o aparecimento e o desenvolvimento destas autoridades, traduzidas em novas formas de governana, s quais no pode ficar alheio o processo crescente de accountability das polticas pblicas e dos organismos pblicos.

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1.1. Evoluo histrica das teorias do Estado Na poca do Estado Liberal, havia uma clara dissociao entre a actividade poltica e a actividade econmica, assente na limitao do Estado numa dupla assero: quanto aos poderes, gerando o Estado de Direito, e quanto s suas funes, gerando um Estado mnimo. Um dos autores mais conhecidos do liberalismo econmico, Adam Smith, afirma mesmo que o Estado possua apenas trs deveres: proteger a sociedade da violncia e da invaso de outros povos, estabelecer uma adequada administrao da justia e criar e manter certas instituies pblicas que nunca teriam interesse para qualquer indivduo (ou grupo de indivduos) uma vez que os ganhos das mesmas no cobririam as despesas. Quanto menor fosse a interveno do Estado numa dada sociedade, maior seria a liberdade dos indivduos. No entanto, no se podia esquecer que qualquer regime poltico implicava um mnimo de interveno econmica. O problema da lgica liberal foi que partiu de uma referncia negativa do papel do Estado no domnio econmico, que nem sempre correcto e por vezes fundamental para o desenvolvimento econmico e o perfeito cumprimento dos direitos individuais. Por outro lado, o pressuposto de uma competio equilibrada nunca foi alcanado, e a mo invisvel de Adam Smith no conseguiu ultrapassar a grave crise econmica que surgiu com a Grande Depresso de 1929. Com as novas orientaes econmicas de Keynes, implementadas pelo New Deal de Roosevelt, o Estado passou a poder estabilizar, estimular e dirigir o rumo da economia. Refezse a ideia que a economia e a poltica esto indissoluvelmente ligadas, em que a interveno estatal aparece como forma de restabelecer o equilbrio, procurando-se conciliar esta interveno com a iniciativa privada, na procura do interesse geral. Dum modo geral, considera-se que o keynesianismo apontou o rumo do Estado Providncia ou Estado Interventor. Por um lado, o Estado assumiu responsabilidades pelo bem-estar da sociedade, legislando e criando servios com o intuito de proteger os indivduos e por outro, surge associado um conceito positivo de liberdade, em que a interveno do Estado procura criar as oportunidades para todos. Nesta medida, o Estado Providncia estrutura-se, como um fenmeno geral da modernizao, como um produto, por um lado, devido crescente diferenciao, desenvolvimento e extenso das sociedades e, por outro lado, como um processo de mobilizao social e poltica, de desenvolvimento institucional dos estados de direito, nas suas dimenses de universalizao do sufrgio e de controlo sobre o tipo de estratificao e

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classes sociais, bem como na estruturao da matriz institucional que rege e regulamenta as relaes sociais (Mozzicafreddo, 2000). Tal como refere Mishra (2000), relativamente aos pases centrais e do norte da Europa, depois da 2 Guerra Mundial, os governos podiam e deviam assumir a responsabilidade de manter um mnimo decente de condies de vida para todos os cidados interferindo em trs domnios: Econmico: a regulao da economia de mercado, de forma a manter um nvel de emprego alto e estvel. Pblico: criao de servios pblicos prestadores de servios sociais universais: educao, segurana social, assistncia mdica, (...) e servios para satisfazer as necessidades bsicas dos cidados. Social: prestadores de servios sociais universais: educao, segurana social, assistncia mdica, habitao (...) e servios para satisfazer as necessidades bsicas dos cidados (idem). Neste mbito, o Estado Providncia a institucionalizao da responsabilidade governamental por manter nveis mnimos nacionais (idem), de forma a garantir a universalidade dos direitos. Na verdade os nveis de interveno estatal nas actividades econmicas sempre diferiram conforme o grau de desenvolvimento dos pases. A histria da interveno pblica e a origem da tradio regulatria norte-americana so essencialmente voltadas para os abusos de poder dos monoplios privados. Nesse sentido, a necessidade de supervisionar a concentrao dos cartis (poltica antitrust) funcionou como fundamento interveno estatal, de forma a garantir o interesse geral em determinados sectores em que o abuso de posies dominantes exigia uma vigilncia especial. Neste sentido, nos Estados Unidos, a interveno estatal era justificada na procura de uma maior eficincia e de uma crescente equidade, propondo uma oferta de bens e servios mais diversificada, com custos mais reduzidos. Em contrapartida na Europa a interveno estatal nos servios pblicos pela sua tradio existente, o Estado era responsvel pelo fornecimento destes bens e servios, com o papel de promover do desenvolvimento econmico (Majone, 1994). As dcadas de sessenta e setenta por seu lado so caracterizadas por uma expanso do Estado Providncia, que trouxe uma sobrecarga das respectivas administraes e um aumento dos custos envolvidos. Uma nova vaga de privatizaes percorreu os pases europeus, no com o cariz do Estado abandonar simplesmente o palco econmico, tal como o antigo Estado

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Liberal, mas como Majone (1997a) refere, atravs de uma redefinio dos papis do mercado e do Estado, incitando a uma re-regulao2, em que a par de um novo-liberalismo econmico, so impostas normas aos agentes econmicos. Como refere este autor, a mudana de paradigma centra-se em deixar o Estado Intervencionista que redistribui e estabiliza a economia, atravs da cobrana de impostos ou financiamentos, assente numa estrutura composta pelo parlamento, ministrios, servios pblicos e empresas pblicas, para um Estado Regulador, que atravs da elaborao de regras corrige falhas do mercado, e que desenvolve a sua actividade por meio de comisses parlamentares, agncias, entidades independentes e tribunais. O Estado no perde assim, o seu papel na economia, apenas o redirecciona, essencialmente para a regulao, sendo primordial que delimite as tarefas que podem ser realizadas pelo sector pblico, daquelas que podem ser realizadas em parcerias ou mesmo privatizadas. Como refere Chevalier (citado in Cordellier, 2000): O Estado mantm-se presente na economia, mas sob a forma de um estratega e j no como piloto. Da mesma forma, Majone (1997a), sobre o futuro do stateness, sugere que as novas estratgias de reforma regulatria levadas a cabo pelos pases tendem a limitar o papel do Estado intervencionista ou positivo, especialmente ao restringir o seu poder de tributar e de despender. Todavia, as experincias nomeadamente das entidades reguladoras servem de indicador e apontam para a existncia da possibilidade de que estas reformas permitam ao Estado intervencionista reinventar-se, estabelecendo ao mesmo tempo uma nova forma de relacionamento entre o Estado e a sociedade. 1.2. O novo posicionamento do Estado No contexto actual, vivemos novamente um momento de reforma do Estado, impulsionado por diversos factores, como a globalizao da economia, a sobrecarga das despesas pblicas, a ausncia de condies propcias para o desenvolvimento econmico, a privatizao das empresas pblicas, os quais levaram a uma redefinio das polticas do Estado. Se no generalizada, pelo menos cada vez mais consensual, que o Estado Providncia foi sobrecarregado para alm das suas capacidades, devido essencialmente ao crescimento da proporo da despesa pblica em relao ao produto interno bruto (Pitschas, 2001). Neste sentido, os dinheiros pblicos que so cada vez mais escassos (os quais no so mais que os dinheiros dos cidados contribuintes), tornam evidente que num Estado democrtico e2

Esta expresso tambm utilizada por Vital Moreira (1997).

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responsvel se justifica um acrescido cuidado com a sua gesto. Se durante o sculo passado o Estado foi considerado como a trave mestra de todo o desenvolvimento econ mico, sendo ainda responsvel pela manuteno da estabilidade social, a evoluo das formas polticas dos Estados trouxeram consigo sociedades cada vez mais complexas, que exigiram mais e diferentes respostas por parte do Estado. Vive-se hoje num perodo de transio, caracterizado pela incerteza, pela mudana constante e pelas rpidas transformaes espelhadas em sociedades de risco, teorizadas por Ulrich Beck (1992). Deste modo, o denominado Estado Providncia viu alargada a dimenso da sua estrutura para limiares que hoje se tornaram incomportveis ao nvel das despesas que envolveram. A questo coloca-se assim, em saber-se se, de facto, este modelo o nico caminho para o progresso e para a manuteno da solidariedade social (Rosanvallon, 1984). Em situaes limites, essencialmente em perodos econmicos desfavorveis, o Estado aparece mesmo, no como solucionador, mas como a causa de muitos dos problemas actuais, sendo visto pelos indivduos com reserva e desconfiana. Neste contexto, no pois de estranhar que face s actuais restries oramentais, bem como ao aumento da concorrncia e s exigncias feitas pelos prprios cidados, de servios pblicos mais eficientes, que os Estados se sintam cada vez mais impelidos para modernizarem as suas Administraes (Pitschas, 2001) . Se a Administrao Pblica tem3

como objectivo prioritrio o rigor e controlo dos custos, faz todo o sentido, a criao de modelos que sejam capazes de maximizar a eficincia e minimizar os custos operacionais. Tal como apontado por Rainer Pitschas, so necessrias, cada vez mais, estratgias de delegar parte razovel das responsabilidades, concentrando o sector pblico naquelas que so incontornveis4, podendo falar-se mesmo da transio do Estado concentrado na produo de bens, para o Estado que regula e coordena a sociedade. Como refere Majone (1990), os novos desafios no mbito das funes do Estado, quer a nvel social como econmico so: Redistribuio transferncia de recursos de um grupo social para outro (poltica fiscal); proviso de bens que o governo obriga os indivduos a consumir: educao; sade. Estabilizao satisfao de nveis de crescimento econmico, emprego, preos 3

Mas tal como este autor salienta os processos de reforma em curso () no so de modo algum idnticos, pelo contrrio, so influenciados pela diversidade e pelas caractersticas nacionais especficas (Pitschas, 2001). 4 A Constituio Portuguesa continua a estabelecer, de forma moderada, sectores vedados actividade privada, cuja titularidade e gesto no podem ser transferidas para o sector privado, nos termos do art. n 86, n. 3, seno at 49% do seu capital (art. n 2 da Lei n. 11/90 de 5 de Abril).

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poltica monetria; mercado de trabalho; poltica industrial. Regulao aumentar a eficincia do mercado corrigindo as suas falhas: poderes de monoplio, externalidades negativas, falhas de informao, insuficiente proviso de bens pblicos. Assim, o modelo de modernizao pode seguir duas vias: o modelo anglo-americano denominado Nova Gesto Pblica, centrado no corte dos custos do Estado e no seu emagrecimento ou na denominada Nova Administrao Pblica (Mozzicafreddo, 2001a),5

assente na criao de uma administrao estatal democrtica, descentralizada e funcional, facultando aos funcionrios pblicos princpios de neutralidade poltica e responsabilidade com vista promoo do Estado de direito (Pitschas, 2001). Nesta ltima via, o pensamento deste autor centra-se por um lado, na racionalizao interna da prpria Administrao e por outro, na desregulamentao a nvel externo, ou seja, a modernizao passa pela mudana da relao entre o Estado e o cidado, bem como e fundamentalmente, por alteraes da estrutura interna da Administrao, procurando transpor para os servios pblicos modelos do sector privado .6

Dado que o Estado no conseguiu responder s actuais transformaes da sociedade, nem conseguiu tornar os servios pblicos mais produtivos, nem geradores de mais receitas, as novas teorias procuram ir ao mercado encontrar novas solues (Eugnio Antunes, 2005). No entanto, considerar que o modelo privado o ideal de virtudes, por contrapartida da Administrao Pblica, encarnao de todos os vcios, para que desta forma se justifique a transposio linear dos mtodos utilizados no sector privado em busca da to aclamada eficincia dos servios pblicos, por ventura menosprezar um princpio essencial que separa e norteia a Administrao do sector privado: a gesto para o bem pblico ou comum, sujeita ao sistema jurdico (Pitschas, 2001) .7

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Outras das caractersticas deste modelo so: orientao para a qualidade dos servios oferecidos ao cliente; diferenciao do financiamento, da aquisio e da produo de servios; aceitao da independncia organizativa de unidades administrativas; descentralizao das responsabilidades de direco; introduo da avaliao de desempenho e dos resultados (i.e. benchmarking, indicadores de desempenho); integrao de princpios de concorrncia (i.e. contracting out) e flexibilizao do emprego pblico (Salis Gomes, 2001). 6 Como refere Pitschas (2001) estas so as bases do chamado novo modelo de controlo. Por isso, o governo local [alemo] est a ser modernizado e transformado numa empresa de servios. A orientao para o cliente e a qualidade subjacentes so promovidas organizacionalmente atravs da criao de instituies descentralizadas, eficientes e responsveis. A superviso destes centros administrativos, que tm de ser eficazes respeitando um oramento estabelecido, efectuada com o auxlio do sistema judicial e do seu controlo. Os dados que a informam so determinados calculando os custos em relao produtividade (idem). 7 Rainer Pitschas salienta a natureza peculiar das Administraes Pblicas, uma vez que sujeitas a este princpio, no tm possibilidade de sair do quadro jurdico pr-definido e optar pelas tcnicas de gesto justificando por isso, que no possvel controlar to bem o sector pblico. No entanto, isto no invalida que sejam prosseguidos

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Pelo contrrio, podemos salientar a necessidade de reduzir o peso do endividamento pblico

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e da carga fiscal (face s exigncias de conteno dos dfices oramentais) e de elevar o nvel de benefcios retirados dos servios pblicos, acrescentando valor gesto pblica (Value for Money). H que assinalar ainda, que esta tendncia de modernizao das Administraes Pblicas, intimamente ligada com a alterao de valores nas sociedades (nomeadamente com o aumento do individualismo e da assuno da responsabilidade individual para o desenvolvimento pessoal), assenta segundo o mesmo autor, para a sua implementao, em quatro objectivos basilares (Pitshas, 2004): Uma nova distribuio de responsabilidade entre o Estado e a sociedade; Uma associao responsvel entre a Administrao e os cidados (tanto vistos como cidados individuais, como empresas, no sentido de um co-governo); Uma associao responsvel entre o Governo, as regies e os municpios; Uma reforma responsvel das estruturas internas administrativas. Na mesma linha Peter Aucoin (2000) defende que a resposta aos problemas burocrticos passa pelos Estados irem alm do modelo burocrtico, ao mesmo tempo que melhoram significativamente o desempenho das suas aces enquadradas na nova gesto pblica, assegurando a accountability das aces governamentais. Segundo este autor a gesto pblica deve ultrapassar as limitaes do modelo burocrtico e focalizar as suas aces de modo a incrementar a economia, eficincia e eficcia na conduo das suas actividades. Esta gesto deve transformar-se significativamente em trs dimenses: revendo e criando um novo enquadramento legal, para dar resposta ao ambiente de mudanas; tomando decises polticas que considerem os recursos utilizados na implementao de leis e regulamentos (polticas pblicas); alterando a organizao e os recursos humanos que implementam estas leis e regulamentos, ao quais devem ser conduzidos de forma a puderem assegurar essa implementao. Se consideramos que o cerne governamental a conduo de politicas pblicas, a sua implementao passa, quer pela realizao de normativos, quer pela aco directa das entidades pblicas no fornecimento de bens e servios pblicos (Estado prestador de servios pblicos) ou ainda pela elaborao e aplicao de regulao (Estado regulador) (Majone,pelas Administraes critrios econmicos de racionalizao, tanto mais, que os princpios da economia, eficincia e eficcia, tambm se encontram previstos naquele quadro jurdico (idem). 8 Este peso, medido como uma percentagem do Produto Interno Bruto, leva-nos a repensar o tipo de alternativas a tomar: a reduo cega da despesa pblica (mas que por ser bastante rgida difcil de inverter); o aumento do prprio Produto ou as duas alternativas em simultneo.

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1996). O que est em causa, ento a translao de um modelo clssico de Estado prestador para um verdadeiro Estado regulador onde o valor fundamental garantir os direitos dos cidados (utentes dos servios pblicos e contribuintes para o sistema fiscal) e no os instrumentos utilizados para alcanar este desiderato. Neste sentido a regulao social e a regulao econmica enquadram-se no novo modelo de gesto pblica, no qual a obteno de ganhos de eficincia, e o combate ao desperdcio, implicam uma poltica de rigor na utilizao de recursos. Na verdade, se olharmos para as transformaes ocorridas nos pases Europeus, estas revelam enormes mudanas, quer ao nvel dos modelos de gesto, especialmente ao nvel da reestruturao da Administrao Pblica, quer ao nvel das prprias funes do Estado. As reformas em curso visam estabelecer novas formas de gesto dos servios pblicos que alterem as regras burocrticas vigentes proporcionando aos gestores pblicos autoridade, responsabilidade e accountability sobre os resultados das suas aces. A gesto pblica segundo Peter Aucoin (2000) deve assim ir alm da burocracia, mas no pode elimin-la, uma vez que a burocracia inerente administrao pblica, pois as regras fundamentais do modelo burocrtico constituem a prpria formulao e implementao de polticas pblicas. Nesse contexto, contudo, mesmo entendendo a burocracia como elemento essencial na constituio dos governos, ministrios, pode estabelecer-se uma nova gesto pblica que consiga atingir melhores resultados. Este novo modelo implica a devoluo da do poder decisrio aos gestores pblicos, combinada com a necessidade dos respectivos ministros fornecerem objectivos claros e com sentido operacional concreto (atravs de planos, metas e indicadores de desempenho), para aqueles responsveis pela operacionalizao das politicas do governo, de forma a aumentar o conhecimento pblico sobre a eficcia e os custos de programas governamentais, bem como as limitaes enfrentadas pelos prprios governos em satisfazer todas as necessidades da sociedade. Conclui este autor que a viso da nova gesto pblica especialmente dependente da capacidade do governo de formular polticas pblicas cujos resultados podem ser sujeitos a rigorosos critrios de medio do desempenho, referenciais entre servios (benchmarking), auditorias de desempenho e avaliao de programas. Esta de facto a essncia e o maior desafio dos modelos efectivos de accountability governamental e de accountability do servio pblico.

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1.3. O enquadramento regulatrio As mudanas introduzidas com a reforma do Estado Providncia trouxeram mudanas institucionais, ou seja, novas formas e novos papis do Estado e das empresas que actuam no mercado, bem como novas relaes entre estas organizaes. Na verdade e tal como refere Vogel (1996): The study of regulation illuminates the larger relationship between government and industry, for regulation represents an essential mechanism of public control over private sector behaviour. By studying regulatory reform, we learn more about how political-economic institutions shape policy choices and also about these choices in turn reshape the institutions. A definio do termo regulao, quer na literatura jurdica, quer na econmica nem sempre clara. Destacando a definio de Hancher e Moran (1989) a regulao consiste na promulgao de um conjunto de regras e normas, acompanhado por algum mecanismo, tipicamente por uma entidade pblica que controla e promove a aplicao dessas regras. Desta forma, baseia-se na coordenao entre as empresas, os cidados, os consumidores e os diferentes rgos do Estado, atravs da emisso de normas, cujo objectivo fundamental estimular, inibir e determinar certos comportamentos. A aco regulatria ocorre, ento, por meio de leis, regulamentos e outras regras, emitidas pelo poder poltico atravs das quais so delegados os poderes regulatrios ou normativos. Neste sentido, importante realar, que a maioria dos estudos sobre regulao focou-se essencialmente na relao entre o regulador e o regulado, enfatizando o estudo na existncia de assimetria de informao e na captura do regulador. Relativamente assimetria de informao esta relao pode ser formulada como um problema do tipo principal-agente, no qual o papel do principal (regulador) induzir o agente (empresa regulada) a actuar conforme os seus interesses. Ou de outra forma, a assimetria de informao ocorre dado que a empresa regulada detm informaes que so necessrias ao rgo regulador, no entanto, no do seu interesse disponibiliz-las. Por outro lado, a captura do regulador vista como sendo a captura das instituies reguladoras do Estado por interesses privados, na medida em que no decorrer do tempo a regulao acabaria por servir os interesses de um dos grupos envolvidos no sistema (em geral, o governo ou as empresas), e o regulador seria, assim, capturado, passando a representar os interesses deste grupo especfico (Teoria da Captura). Ou seja, apesar do regulador ter sido criado para defender o interesse pblico, acabaria por agir em

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prol do um interesse privado9, com os prejuzos ao nvel dos recursos da sociedade, uma vez que as entidades privadas incorreriam em despesas improdutivas no esforo de influenciar o regulador. Ainda neste mbito Hancher e Moran (1998), alertam que este debate no considera a importncia do papel das grandes organizaes na regulao econmica dos pases capitalistas, argumentando que quase impossvel economicamente traar uma linha divisria entre as organizaes de natureza privada e aquelas que prosseguem exclusivamente o exerccio do interesse pblico. As grandes empresas no podem assim ser caracterizadas como entidades que actuam segundo a actividade reguladora, uma vez que realizam funes de carcter pblico, nomeadamente ao nvel de decises de investimentos, produo e at de emprego, as quais tm implicaes de extrema importncia nas comunidades onde se inserem. Assim as estratgias empresariais so de facto os factores determinantes da actividade reguladora. Neste sentido compreende-se que o exerccio da actividade reguladora no ocorra no vazio institucional, nem resulte apenas da actuao isolada de uma entidade reguladora especifica, uma vez que oriunda de um ambiente complexo, que engloba essencialmente um conjunto de instituies capazes de influenci-la. Os autores Baldwin e Cave (1999) referem mesmo que a regulao deveria ser exercida de maneira dinmica (e no apenas como um conjunto de leis e regras), mas tambm incorporando um enquadramento institucional, decises polticas e governamentais, procedimentos, cumprimento e monitorizao de estratgias, e

comportamentos dos indivduos e empresas, limiares de recursos, grupos de indivduos com certas preferncias, culturas, disciplinas, ideias, incentivos e expectativas. Assim a regulao deve ser inserida num contexto mais abrangente, distanciando-se da anlise restrita da relao regulador e regulado. Neste contexto e dado que a regulao uma actividade caracterizada por uma interdependncia de organizaes complexas grandes empresas, entidades reguladoras, departamentos do Estado, entre outras necessrio percebermos melhor o ambiente regulador, de forma a possibilitar uma melhor compreenso sobre as reformas ocorridas nos ltimos anos. Os contornos deste ambiente so definidos por Hancher e Moran (1998) como the range of regulatory issues subject to a public decision. Estas interaces exprimem-se assim, atravs de questes, cujo contedo abrange tanto a definio de regras gerais, como a9

Este conceito teve origem na Cincia Poltica, em particular a partir de Bernstein (1955), que props que os reguladores passam por um ciclo de vida, ao longo do qual o interesse pblico se subordina progressivamente aos interesses da indstria regulada.

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criao de instituies responsveis pela sua implementao e monitorizao. Estes autores ressaltam ainda que essas interaces envolvem, quer disputas intensas de poder, quer de recursos, do que resulta bvio, que o jogo do poder o centro deste processo o qual se modifica ao longo do tempo, uma vez que depende do percurso histrico atravs do qual foi desenvolvido. Tal como destacaram Arentsen et all (2004): Regulation is a multidimensional process and regulators are only one (key) element of a much larger system where multiple actors interact. The role of judicial and/or dispute settlement institutions, for instance, must also be carefully considered. In addition, the importance of consultative bodies (administrative or ministerial) and organized lobbies (consumer groups, unions) should be included into the wider analysis of the regulatory process. A natureza do ambiente regulador depende por sua vez de diversas dimenses: social, econmica, poltica e jurdica. Essas dimenses compreendem as instituies especializadas que regem a estrutura das organizaes pblicas e privadas e as formas distintas de acesso destas organizaes ao ambiente regulador. Neste sentido, este ambiente constitui o conjunto de instituies especficas (leis/normas sociais, econmicas, polticas e jurdicas) que condiciona a actuao das organizaes envolvidas na actividade regulatria, restringindo e incentivando todas as suas aces. De forma a sintetizar esta complexidade do ambiente regulador, importante desagreg-lo, de forma hierrquica, em trs nveis analticos distintos de acordo com Levy e Spiller (1996): i) nvel macro; ii) nvel intermedirio e iii) nvel micro. O nvel macro composto pelo Estado, englobando os poderes executivo, legislativo e judicirio. O nvel intermedirio abarca a entidade reguladora e, por fim, o nvel micro engloba as empresas reguladas. No nvel macro, aqueles autores referem que o ambiente regulador compreende os normativos legais que se desenvolvem ao longo da histria poltica do pas e determinam a quem cabe o poder decisrio, as foras de influncia dos diversos actores e os mecanismos adoptados para a formao e a implementao das polticas pblicas. Quanto ao nvel intermedirio, o ambiente regulador abrange a organizao e a autoridade concedidas s entidades responsveis pela regulao, essencialmente, no que diz respeito s questes relativas ao grau de independncia da entidade reguladora em relao s restantes entidades do sector pblico, determinao de mecanismos que reduzam a captura da entidade reguladora pelos grupos de interesses, forma de financiamento das suas actividades e forma como so eleitos os seus dirigentes. Por fim, os autores mencionam que o nvel micro do ambiente regulatrio formado por regras especficas que norteiam a actividade

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reguladora, nomeadamente a forma de obter e processar as informaes, os procedimentos e os modelos que orientam as decises sobre possveis alteraes tarifrias, as normas que orientam o controlo e o processo sancionatrio das empresas reguladas, entre outras. Como referido, a Teoria da Captura das entidades reguladoras ao introduzir a problemtica da assimetria de informao, entre as empresas reguladas e o regulador, centra a sua ateno no nvel micro do ambiente regulatrio. Por outro lado, os nveis macro e intermedirio so fundamentais para a anlise da credibilidade das reformas, uma vez que so directamente influenciadas pelas decises dos entes polticos e jurdicos que actuam num determinado pas. Estes entes so os principais rgos responsveis pela conduo das reformas e, naturalmente, pela trajectria da regulao, uma vez que constituem os agentes detentores do poder decisrio atravs do qual as normas e as regras so formuladas e implementadas. Ou seja, o Estado responsvel pela definio, implementao e interpretao da moldura institucional, incluindo a da regulao. Consequentemente, o exerccio da regulao e das prprias reformas assume dimenses que vo para alm dos aspectos regulatrios strictu sensu, uma vez que a natureza do ambiente onde actuam os actores de um determinado sector incorpora mudanas nas suas prprias dimenses. As reformas no contexto regulatrio foram amplamente implementadas por todo o mundo nas ltimas trs dcadas, cujos desgnios centrais seguiram as teorias liberais, as quais argumentavam que os mecanismos competitivos eram essenciais para se atingir maior eficincia econmica. Nas abordagens existentes at ento, sobre as reformas levadas a cabo em diversos pases, era usual procurar-se alternativas de molduras estruturais ptimas que trouxessem por si s o sucesso. Contudo, na prtica, no h uma clara correlao entre o modo de organizao implementado e o sucesso das reformas, o que tem levantado dvidas no que diz respeito ao argumento sobre a estrutura ptima. Como as reformas normalmente partem dos governos, a sua implementao o resultado de negociaes entre as instncias polticas e jurdicas vigentes num dado pas, as quais so oriundas de diferentes tradies legais e culturais. Logo, a tentativa de replicar as reformas encontra diversas barreiras nas prprias instituies de cada pas, bem como nas caractersticas tcnicas de cada um dos sectores em causa. Assim, por mais que os objectivos das reformas sejam adoptados de forma semelhante entre os pases, a sua conduo e evoluo assumem formas diversas, bem como os resultados alcanados. Relativamente s conexes existentes entre os diversos nveis do ambiente regulatrio destacamos: do nvel macro para o nvel intermedirio, encontramos a articulao entre as leis18

e as normas que iro condicionar a existncia de determinados de formatos institucionais que comporo a estrutura da entidade responsvel pela regulao sectorial. Desta forma, as alteraes que sucedem no nvel macro espelham os caminhos da mudana na estrutura da entidade reguladora e, consequentemente, as mudanas na conduo da regulao, pois o regulador no fundo o responsvel pela governana das reformas. Igualmente, do nvel intermedirio para o nvel micro, a entidade reguladora, ao sujeitar-se s regras impostas pelo nvel macro, repercutir as mesmas nas empresas reguladas. Por fim, estas empresas tambm influenciam os nveis intermedirio e macro, mas sobretudo exercendo a sua fora no nvel intermedirio. Em sntese o Estado (poderes executivo, legislativo e judicirio) condicionado pelo nvel macro do ambiente regulatrio, sendo responsvel pela regulao latu sensu, ou seja, pela definio, implementao e interpretao das regras do jogo. Assumindo a presena de uma entidade reguladora sectorial, o nvel intermedirio coincide com a intermediao do exerccio da regulao, ou seja, esta entidade intermediria a interaco entre o Estado e as empresas reguladas. Por sua vez, a actuao da entidade reguladora condicionada pelas normas definidas pelo Estado, as quais se traduzem na sua forma de actuao, ditada pelo grau de independncia concedido. Finalmente, as empresas reguladas so conduzidas pelo nvel micro, cujo aplicao e controlo das regras cabe entidade reguladora. de referir ainda que no nvel intermedirio do ambiente regulador, nem sempre existe uma entidade reguladora sectorial especfica, pelo que nestas situaes as interaces ocorrem directamente entre as empresas reguladas e o Estado. Por outro lado, considerando que a existncia desta entidade, a sua actuao pode ser completamente independente da articulao com o Estado. Portanto, h diversas molduras institucionais de actuao das entidades reguladoras, ao nvel das suas relaes com o Estado. Majone (1994) salientou mesmo, a existncia de diferenas entre as tradies europeia e norte-americana no que respeita moldura institucional das entidades reguladoras: nos EUA, estas entidades exercem simultaneamente funes legislativas, administrativas e quasi-judiciais, enquanto na tradio europeia a entidade reguladora exerce apenas a segunda dessas funes, deixando as restantes a cargo de outras entidades. Com base nestas explicitaes, importante salientar que as dimenses do ambiente regulador vigente num pas podem inibir ou impedir alguns tipos de ambientes regulatrios em detrimento de outros. Alm disso, como o ambiente regulatrio evolui ao longo do tempo, semelhana a prpria natureza dinmica e evolutiva das suas dimenses, a sua formao e o

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seu desenvolvimento ocorrem de maneira diferente consoante os pases. Esta constatao ajuda a explicar as dificuldades encontradas nas tentativas de replicar difer entes molduras institucionais em pases diferentes daqueles onde foram originalmente desenvolvidas. Recapitulando, definido o momento histrico, o ambiente regulatrio orienta a interaco estratgica das entidades, na forma dos grupos de influncia da sociedade e do prprio Estado, atravs de redes de interdependncia no processo de negociao e compromisso entre as partes envolvidas. 1.4. O aparecimento das Autoridades Reguladoras Independentes Como mencionado anteriormente, sobretudo a partir da Segunda Guerra Mundial, a complexidade crescente da sociedade, imps a adopo de mecanismos administrativos mais geis e especializados. Por outro lado, a transferncia de funes dos servios pblicos para o sector privado, atravs nomeadamente da privatizao e por outro a abertura de monoplios pblicos actividade econmica privada, atribui ao Estado o poder crescente de regulamentao e fiscalizao destes mercados, fruto da nova definio do seu papel na economia. Como refere Majone (1996) a regulao econmica e social passam a ser as novas fronteiras para as autoridades governativas, quer ao nvel dos Estados, quer ainda ao nvel da Europa e at certo ponto existe mesmo uma redistribuio das polticas do Estado Providncia. Neste sentido, observa-se que a retirada do Estado na prestao directa da actividade econmica, no significa uma reduo da sua participao, e pelo contrrio, torna necessrio a criao de entes desprovidos de subordinao, com autonomia perante o poder politico, com funes tcnicas, de modo a que a prestao de servios essenciais s pessoas no fiquem subordinados apenas ao sector privado, protegendo assim os interesses gerais da comunidade. De facto, a concorrncia s implica que a entidade que dita as regras do mercado no possa ser em simultneo destinatria das mesmas. Como refere Vital Moreira (2002) () uma das manifestaes mais visveis deste novo papel do Estado traduziu-se na criao de entidades de regulao (). Este autor (2003a), citando Breuer, considera-as ainda como a resposta necessria do moderno Estado social ao alargamento das suas tarefas. A autonomizao de organismos administrativos , portanto, uma consequncia, em termos de diferenciao e especializao, da ampliao e diversificao das tarefas administrativas. Como referiu tambm Majone (2000) estas entidades so organizaes que desempenham funes de natureza governamental, mas que acabaram por existir fora da moldura

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administrativa do governo. No entanto, isto no significa que toda a administrao pblica ou mesmo todas as reas governativas se possam transformar numa entidade desta natureza ou que estas entidades independentes possam abarcar todas as actividades ou politicas pblicas (Majone, 1997b). Na verdade estas organizaes so mais relevantes em reas onde a experincia, os conhecimentos tcnicos, a flexibilidade e a reputao so factores chave para a eficcia de certas polticas. Polticas redistributivas ou com implicaes significativas nesta rea devero permanecer no controlo directo dos executores polticos. Assim, a responsabilidade da regulao passa a ser atribuda a Autoridades Reguladoras Independentes, termo que pretende reforar a sua independncia do poder poltico . Com este10

estudo procuramos analisar em primeiro lugar, algumas das caractersticas dos modelos de agncias ou entidades reguladoras de diversos pases, de forma a conseguirmos depois alguns parmetros para a posterior configurao do modelo de regulao existente no ordenamento jurdico portugus, especificamente, no sector financeiro. Antes de mais, convm precisar o termo que iremos utilizar no nosso trabalho: autoridades reguladoras independentes. Se bem que os pases que seguem as correntes administrativas tipo continental, designadamente Portugal, substituam este termo no seu ordenamento jurdico, por entidades administrativas independentes, somos do entendimento, que esta expresso talvez mais limitativa e por isso no to abrangente. A expresso autoridades reguladoras independentes abarca, quer as agncias de inspirao anglo-saxnica, quer as entidades administrativas. Como reconhecido por diversos autores, o modelo norte-americano de agncias e comisses reguladoras foram a principal fonte de inspirao para o aparecimento de entidades similares, ou pelo menos com diversas das suas particularidades na Europa Ocidental. De facto, as agncias reguladoras tm sido, um dos pilares da Administrao Pblica dos E.U.A., cujos poderes so conferidos pelo Congresso, sendo no entanto autnomas do Presidente. Este11

modelo de administrao descentralizado, expandiu-se sobretudo a partir dos anos vinte, com o New Deal, em que as respectivas reformas consubstanciaram-se na interveno do Estado, tanto a nvel econmico, como social, de forma indirecta, atravs da criao de agncias independentes, s quais foram sendo delegadas responsabilidades regulatrias. Os principais objectivos da sua criao eram evitar monoplios nos principais sectores da10

A expresso autoridades reguladoras independentes foi baptizada em Frana, tendo-se entretanto generalizado na doutrina e na legislao em vrios outros pases (Vital Moreira, 2002). 11 De referir que a crescente importncia destas entidades e a evoluo do direito americano, levou a que o direito administrativo passasse a denominar-se direito das agncias.

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economia e esbater a tenso que se vivia entre o poder executivo e o poder legislativo. As12

vantagens apontadas so a especializao e a flexibilidade destas agncias, bem como a celeridade das suas aces. Por outro lado, permitem novas formas de participao dos interessados na tomada das decises, evitam o envolvimento directo do poder poltico e conseguem ter autonomia financeira (Vital Moreira, 2003b). Em contrapartida, h, no entanto, o perigo de captura da entidade reguladora pelos prprios regulados e de certa forma uma falta de accountability perante o Congresso e os cidados. Tambm a experincia inglesa trouxe as suas particularidades, onde as entidades denominadas Quangos (Quasi Autonomous non-governmental organizations) foram criadas pelo governo de Margaret Tatcher, no incio da dcada de oitenta, como organismos autnomos dos ministrios (Cardoso, 2002). Estas entidades resultam de uma necessidade, que se associou ao processo de privatizao, reduzindo expressivamente a actuao directa do Estado na prestao de servios, podendo a sua interveno ser bastante alargada, desde reas mais econmicas, a reas sociais e culturais. Em Frana, pela tradio do modelo unitrio e centralizada de Administrao Pblica, com grande subordinao da administrao s orientaes do poder poltico, o aparecimento de autoridades administrativas independentes, que demonstravam grande independncia, gerou alguma polmica sobre os novos aspectos destas entidades. As primeiras experincias ligadas defesa e garantia de certas liberdades remontam a 1976, com a criao da Comisso Nacional de Informtica e Liberdade (Vital Moreira, 2002). Importa ainda referir o caso Alemo, onde surgiram o que se pode denominar por uma administrao margem do controlo governamental, com organismos de direito pblico com personalidade jurdica, com independncia funcional, organizativa e at territorial, constituindo o que na Alemanha se definiu como mbitos livres de direco ministerial (Ministerialfreie Rume). O exemplo mais paradigmtico sem dvida o Bundesbank (Banco Central Alemo), o qual adquiriu bastante cedo autonomia e independncia face ao poder poltico, nomeadamente ao nvel da poltica monetria, e que influenciou fortemente, quer outros bancos centrais, quer mais tarde, a UE na criao do Banco Central Europeu (idem). Em Portugal em concreto, a reforma do Estado decorreu essencialmente pela incapacidade do12

Alguns exemplos destas agncias e comisses so: Federal Reserve Board, Securities and Exchange Commission, Environmental Protection Agency, Federal Communication Commission e Federal Energy Regulatory.

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sector pblico continuar como financiador do desenvolvimento econmico, tendo-se tornado premente a necessidade do exerccio das funes de regulao. Surgiram neste contexto, organismos ou entidades independentes face ao poder poltico, com elevados nveis de especializao tcnica, com autonomia administrativa, capazes de dar respostas s novas necessidades e actividades econmicas e sociais. Deste modo estas entidades apresentaram-se como modelos para instrumentalizar aquela reforma. Teoricamente, estas entidades no poderiam estar vinculadas ao poder poltico, para que as suas decises pudessem ser tomadas de forma imparcial e com a neutralidade necessria para a prossecuo do interesse pblico. No prosseguimento das suas atribuies, os instrumentos de presso dos interesses polticos e econmicos deveriam ser nulos e estas entidades deveriam tambm ter autonomia financeira, de forma a manter a sua independncia efectiva. Entre ns, temos que distinguir trs entidades administrativas independentes de natureza diferentes: As de inspirao anglo-saxnica, que gozam de independncia prevista nos seus estatutos, so entidades de direito pblico, tm personalidade jurdica e autonomia financeira, sendo os seus membros nomeados pelo governo. As primeiras entidades criadas nestes moldes foram a Comisso de Mercado de Valores Mobilirio CMVM (1991) e a Entidade Reguladora do Sector Elctrico, actual Entidade Reguladora dos Servios Energticos - ERSE (1995); Entidades de garantia e defesa de certas liberdades, que no tendo personalidade jurdica, nem autonomia financeira, funcionam junto da Assembleia da Repblica, tais como a Comisso de Proteco de Dados Pessoais e a Comisso de Acessos aos Documentos Administrativos. E o caso especial do Banco de Portugal (BP), que apesar de prximo da primeira categoria, seguiu o modelo de independncia do Bundesbank alemo, cujas funes principais so a conduo da poltica monetria, emanada pelo Banco Central Europeu, e superviso das instituies de crdito. Em termos jurdicos, existe a referncia na prpria Constituio portuguesa, a partir de 1997, possibilidade de a lei criar entidades administrativas independentes, explicitando mes mo dois casos concretos, nas reas da proteco de dados pessoais e a dos meios de comunicao social, as quais seriam conduzidas por uma entidade administrativa independente . No13

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N 2 do art. 35 e n 1 do art. 39 da Constituio da Repblica Portuguesa, respectivamente. Igualmente no

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entanto, reala-se que apesar de estarem previstas constitucionalmente, o legislador ordinrio ainda no criou, at agora, o enquadramento especfico mais apropriado para as entidades administrativas independentes , pelo que as que foram sendo criadas, seguiram modelos14

prprios e de certa forma algo dspares entre si, nomeadamente ao nvel da sua independncia. Efectivamente, quer entidades reguladoras como a CMVM, a ERSE ou mesmo o Banco de Portugal, sendo entidades com personalidade jurdica paralelas ao Estado, esto enquadradas na denominada Administrao Indirecta, cuja figura se materializou nos Institutos Pblicos de regime especial . Assim, podemos dizer que continuamos a seguir o sistema francs de15

unidade administrativa, pelo menos na forma jurdica que foi encontrada para as entidades administrativas independentes. nosso entendimento, que esta figura continua a no se adequar realidade das autoridades reguladoras independentes, no sentido mais lato do termo, na medida em que contraria em primeiro lugar, duas das caractersticas fundamentais que devem estar associada a estes organismos: a independncia e a no sujeio ao poder executivo, qualidades que so definidas para os Institutos Pblicos de forma mais limitada. 1.5. Mecanismos de Independncia das ARI Tal como em Portugal, o aparecimento destas entidades nos restantes pases, no resultou da criao de um referencial jurdico comum, pelo que foram surgindo de forma desordenada e com caractersticas muito heterogneas, tendo suscitado em muitos casos, bastante polmica em torno do seu fundamento constitucional (Vital Moreira, 2003b). A par da onda da privatizao dos servios pblicos, verificados nos ltimos anos em quase todos os pases, este fenmeno foi fortalecido pela criao de novas autoridades reguladoras independentes encarregues da superviso de um sector ou vrios sectores de actividade, que apesar da sua formatao jurdica divergir de pas para pas, mantm o trao comum acerca da sua autonomia face ao poder central do Estado. Podemos assim referir, que estas entidades so no fundo um instrumento que o Estado tem para desenvolver as suas actividades regulatriasn 3 do art. 267 da CRP dedicado estrutura da Administrao Pblica, tambm est previsto que a lei pode criar entidades administrativas independentes. (Stima reviso constitucional - 2005). 14 Apesar de terem j existido diversos projectos neste sentido, nomeadamente o do Professor Vital Moreira (2003). Como referiu o prprio autor os novos estatutos da Autoridade Nacional de Comunicaes (ANACOM) inspiraram a elaborao do projecto da lei-quadro para as autoridades reguladoras, aquando da apresentao do mesmo em 11 de Maro de 2002. A principal inovao desta lei-quadro residiu na importncia atribuda independncia das autoridades reguladoras face ao poder poltico, consagrada nomeadamente no alargamento e na no renovao dos mandatos dos seus dirigentes, que passaram a ser de cinco e j no de trs anos. Ainda segundo Vital Moreira, o projecto de diploma representa o "fim do servio pblico de modelo francs" e inspirado na figura do "Estado regulador", em detrimento dos papis tradicionais de "Estado-proprietrio" e de "Estado-empresrio". No entanto, apesar de decorrido mais cinco anos, as linhas de orientao deste projecto ou mesmo de outro ainda no tiveram acolhimento por parte do poder poltico. 15 Lei n 3/2004 de 15 de Janeiro, alterada pelo DL n 105/2007 de 3 de Abril.

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(Elisabetta Bani, 1998). Uma das principais caractersticas que podemos destacar como comum a todas as Autoridades Reguladoras Independentes, a independncia. Constatada a necessidade de reformulao da interveno do Estado nos vrios sectores de actividade econmica, houve de facto a premissa de no deixar apenas ao sector privado a prossecuo do interesse pblico, assumindo o Estado o papel de guardio na figura de regulador. As antigas estruturas administrativas, morosas e ao sabor dos interesses do poder poltico, revelaram-se inadequadas para o novo paradigma da regulao. Como consequncia necessria, foram atribudos a estas entidades amplos poderes, designadamente de mbito normativo, uma vez que de outra forma no poderiam desempenhar satisfatoriamente as suas atribuies, o que exigia ainda, um quadro com alta competncia tcnica em que os seus dirigentes fossem revestidos de independncia suficiente, que pudesse garantir a impermeabilidade face aos interesses polticos transitivos. Como refere Vital Moreira (1997), podemos falar de independncia orgnica, funcional e perante os operadores do mercado. A independncia orgnica pode ser medida pela composio dos seus dirigentes (v.g. ex-governantes), forma de designao e demisso dos seus rgos e regime de incompatibilidades entre as funes exercidas por estes rgos e outras funes. A nomeao dos titulares dos rgos dirigentes destas entidades deve ser feita com base no mrito e nas capacidades tcnicas e profissionais, e de preferncia no pertencentes Administrao. Esta situao pode ser garantida pelo estabelecimento de um perodo de nojo, quer antes, quer depois de cada mandato dos seus titulares. Relativamente sua demisso, esta s deve acontecer em condies expressamente previstas na lei, garantindo assim a estabilidade dos rgos e evitando a discricionariedade (idem). De referir ainda, que estes rgos so normalmente colegiais o que facilita a pluralidade de opinies e experincias. A independncia orgnica ainda reforada pela durao do mandato, que no deve coincidir com o perodo do mandato do Governo, devendo ser fixo e no renovvel. A forma com mais xito a de entidades independentes atpicos em relao tradicional estrutura administrativa, com acentuada caracterstica de independncia decisria, normalmente colegiais, que estabelecem regras de comportamento aos operadores num determinado sector do mercado, fiscalizam-nos, aplicam-lhes sanes e desenvolvem propostas para o Governo e Parlamento. A independncia funcional reflecte-se deste modo, no desenvolvimento das suas actividades sem sujeio a quaisquer ordens ou instrues e sem qualquer censura ou controlo, por parte dos governos () (salvo os tribunais, bem entendido). (Vital Moreira, 2003b). Finalmente, a independncia perante o mercado, reveste a preocupao j

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mencionada com a captura das autoridades reguladoras independentes pelos prprios interesses sectoriais que integram () a actividade regulada. Deste modo, devero ser impostas normas e garantias para que os titulares dos rgos destas entidades no actuem no interesse de grupos para os quais tenham trabalhado ou para os quais pretendam, directa ou indirectamente, trabalhar depois de deixarem a direco da entidade reguladora. Tambm sobre esta questo deve ser definido um perodo de nojo, que garanta a independncia face aos agentes regulados, mas no s, porque por trs da figura sempre alegada da burocracia, podero estar outros interesses, no oficiais. Certamente, o problema no especfico das autoridades reguladoras, ocorrendo, em maior ou menor grau, em toda a administrao pblica. Todavia, quando o mbito mais restrito, os seus titulares, inclusive pela sua formao tcnica e profissional especializada no sector em causa, tendem a ter um contacto mais estreito e frequente com os agentes econmicos, o que sendo positivo por um lado, se no forem criados os instrumentos apropriados pode criar situaes mais parciais. Sobre esta problemtica tem de haver uma preocupao constante, de dotar as entidades por um lado, com poderes suficientemente fortes para lidarem na maioria das vezes com poderosos grupos econmicos e por outro, com os melhores recursos humanos de forma a diminuir a assimetria de informao entre regulador e regulado (idem). por isso, que atribuio de receitas prprias s autoridades reguladoras independentes constitui a garantia fundamental para que esta independncia seja assegurada. Em sntese como refere Cardoso (2002) o ponto de equilbrio entre democracia e imparcialidade reside no carcter limitado dos mecanismos de controlo poltico sobre as autoridades administrativas independentes e constitui a chave para o enquadramento jurdicoconstitucional da Administrao independente. No fundo a questo politica mais difcil nestas entidades reside na forma de conciliar e tornar eficazes os conceitos aparentemente contraditrios relativos sua independncia e responsabilizao poltica. Tal como apontado por Majone (1996) o problema relativo legitimidade reguladora no o excesso de independncia, mas, pelo contrrio, a constante ameaa de interferncia por razes polticas. Fechando o ciclo deste captulo, importante frisar que as aces desenvolvidas pelas entidades reguladoras substituem no apenas as formas mais antigas de interveno estatal, mas afectam tambm as polticas pblicas do Estado Providncia. No fundo o Estado regulador aparece como um sucessor do Estado Providncia, que aparentemente se tornou incapaz para fazer face aos novos desafios econmicos que emergiram nomeadamente dos avanos tecnolgicos e da globalizao. No entanto, seria errado concluir pelo declnio do

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papel do Estado na sociedade. Pelo contrrio, esta afirmao leva-nos antes a uma nova configurao de governana mais do que um recuo do Estado. Se as reformas ocorridas no Estado implicaram novas formas de actuao na sociedade, atravs nomeadamente da institucionalizao das autoridades reguladoras, que contriburam para aumentar a eficcia e a prpria credibilidade das polticas reguladoras, estas entidades ao reclamarem uma interveno indirectas do Estado, exigiram por sua vez, novos contravalores e um novo papel para a Administrao Pblica, de forma a contrabalanar a referida independncia e legitimar a sua actuao. Como refere Bourgault (1999), esta legitimao pode ser conseguida nomeadamente atravs da prestao de contas, por meio de comisses parlamentares eficazes, que divulguem os resultados do seu desempenho ou atravs de regras ou cdigos ticos de difuso de uma cultura que no incentive a corrupo, a par de uma actuao mais transparente, quer do poder politico, quer do poder judicial. Mas este no autor no esquece uma fonte essencial de legitimar a aco governativa: a participao dos cidados. No entanto, como vimos anteriormente o movimento regulador caracterizado em boa parte pela imitao do modelo anglo-saxnico, que tem levantado vrios problemas, nomeadamente em pases de cultura mais administrativa, onde a interveno da sociedade civil menos activa. Nestes casos, h que desenvolver um papel mais activo e um reforo da independncia das autoridades reguladoras face ao poder poltico e aos regulados (Moreira et all, 1999). Neste ponto o desafio que se coloca vai no sentido de desenvolver novas formas de accountability democrtica em consonncia com a referida independncia destas entidades que apesar de parecerem conceitos antagnicos podem interligar-se, como o demonstram os mecanismos de controlos mltiplos das agncias reguladoras americanas, que sendo controladas no existe ningum que as controla directamente (Majone, 1997b). Assim, so apontados como formas de controlo a definio de regras, procedimentos e objectivos claros e acessveis que permitam a avaliao dos resultados, o elevado profissionalismo e qualidade tcnica dos seus responsveis e tcnicos, a transparncia na divulgao das suas actividades e por fim a submisso ao poder judicial para garantir a proteco dos interessados (Car apeto, 2002). Por fim, retomando a questo da legitimidade, reforamos o papel essencial da participao dos cidados, que no se limita a integrar nas polticas pblicas as suas opinies, mas tem que se basear em mecanismos institucionais, nomeadamente atravs da criao de comisses e conselhos de cidados que acompanhem e participem na aplicao daquelas polticas, no seio

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da administrao pblica (Mozzicafreddo, 2001b), que se podem concretizar no mbito das prprias autoridades reguladoras independentes: por meio da existncia de representantes dos cidados na sua administrao, que permita que os mesmos sejam ouvidos no desenvolvimento da sua actividade; pela criao de associaes de defesa dos direitos dos cidados e ainda pelo controlo e fiscalizao da sua actividade por parte de todos os interessados. 1.6. A Globalizao e a emergncia dos grandes grupos econmicos Com a dcada de setenta, as trocas transnacionais intensificaram-se fortemente, quer com a internacionalizao dos processos produtivos, quer com os movimentos financeiros, quer ainda com a disseminao mundial da informao atravs dos media, ou atravs de movimentos em massa de pessoas (como turistas ou como trabalhadores emigrantes). O alcance extraordinrio destas trocas levaram certos autores a encar-las como uma forma de ruptura face s anteriores formas de interaco entre os pases, e um novo fenmeno emergiu, denominado globalizao (Giddens, 1990; Albrow e King, 1990). O primeiro autor define este fenmeno como: ...the intensification of worldwide social relations which link distant localities in such a way that local happenings are shaped by events occurring many miles away and vice versa. Da Estratgia de Lisboa em 2000, a globalizao a fase que se segue aps a internacionalizao e a multinacionalizao, uma vez que ao contrrio destes fenmenos, anuncia o fim dos sistemas nacionais como ncleos centrais das estratgias e das actividades humanas. A globalizao, longe de ser um fenmeno consensual, de facto uma extensa rea de intensos conflitos entre diferentes grupos sociais, estados e interesses dominantes. Uma das ideias dominantes, que estamos hoje a entrar num perodo em que os desentendimentos polticos esto a desaparecer, em que as rivalidades imperialistas entre pases dominantes que no sculo XX provocaram duas guerras mundiais, desapareceram, dando lugar a uma interdependncia entre poderes superiores. Em termos econmicos, no incio dos anos oitenta que emerge provavelmente uma nova forma de trabalho (Frobel, Heinrichs e Kreye, 1980), baseada na globalizao da produo, acompanhada pelo aparecimento de empresas multinacionais, convertidas gradualmente nos actores principais da nova economia mundial. As caractersticas principais desta nova economia so as seguintes: Domnio dos sistemas financeiros e investimentos escala global; Processos produtivos flexveis e dispersos em diversos locais;28

Baixos custos de transportes; Revoluo a nvel das tecnologias de informao e comunicao; Desregulao das economias nacionais; Superioridade das agncias financeiras multilaterais; Emergncia de trs blocos econmicos: o americano, centrado nos E.U.A e nas relaes deste com o Canad, Mxico e Amrica Latina; o Japons, centrado no Japo e nas relaes especiais com os quatro pequenos tigres asiticos16; e o europeu, centrado na UE e nas suas relaes com a Europa de Leste e o Norte de Africa. Neste quadro, em termos da estrutura institucional, importante mencionar Sassen (1994), que assume que estamos a enfrentar um novo regime internacional, baseado na ascendncia dos servios bancrios e internacionais. 17 As empresas internacionais so hoje um importante elemento da estrutura institucional, em conjunto com os mercados financeiros globais e os blocos comerciais transnacionais. Com efeito, segundo esta investigadora da Universidade de Columbia, todas estas transformaes contriburam para a formao de novas estratgias de localizao na economia mundial: zonas especiais de produo para exportao 18, centros financeiros off-shore e cidades globais. Uma das transformaes mais profundas produzidas pela globalizao econmica neo-liberal, foi a enorme concentrao do poder econmico nas mos destas multinacionais: 70% do comrcio mundial controlado por 500 empresas multinacionais e 1% das empresas multinacionais detm 50% do investimento estrangeiro directo (Clarke, 1996). O extremo desta situao vai ao ponto da hegemonia da lgica financeira sobre a economia real, predominar at nos Estados mais fortes, onde a despesa pblica subiu drasticamente. Estes passaram a estar sujeitos s decises das agncias de rating, ou por outras palavras, certas empresas internacionais passaram a ser os avaliadores da situao financeira dos Estados e a definir o risco associado destes pases, difundindo-o aos investidores internacionais. 1916 17

Coreia do Sul, Taiwan, Hong Kong e Singapura. De facto, enquanto durante os anos cinquenta, os principais fluxos internacionais estavam concentrados em matrias-primas e commodities, a partir dos anos oitenta a diferena entre a taxa de crescimento destas exportaes e a taxa de crescimento dos fluxos financeiros aumentou drasticamente: depois da crise de 1981 -82 at 1990, o investimento directo estrangeiro global aumentou em mdia 29% por ano (idem). 18 Zonas geograficamente delimitadas no territrio de um Estado destinadas instalao de empresas, cuja produo ser total ou em grande parte exportada, beneficiando de condies fiscais e financeiras favorveis e de benefcio em relao ao regime geral. 19 A titulo de exemplo, veja-se o caso dos ratings baixos dados pela Moodys dvida pblica da Sucia e do Canad em meados da dcada de noventa, facto que influenciou fortemente a realizao de cortes nas despesas sociais destes pases (Chossudovsky, 1997).

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Capitulo II

Caracterizao do Sector Financeiro

Se h rea onde a palavra globalizao realmente se aplica nos sistemas financeiros internacionais. A globalizao financeira tornou-se uma caracterstica fundamental da economia mundial nas ltimas dcadas. A principal consequncia foi o aumento na vulnerabilidade do sistema financeiro internacional com o aumento das crises financeiras. H pois uma necessidade crescente de regulao para ajudar os mercados a trabalharem de forma mais eficientemente e a reduzir a possibilidade contgios gerais nos mercados. Neste captulo procuramos identificar as principais caractersticas do sistema financeiro, fazendo sobressair a importncia que este sector tem no desenvolvimento econmico de um pas, motivos que como iremos ver justificam a regulao do sistema, designadamente pela necessidade de corrigir imperfeies e falhas no mercado.

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2.1. Enquadramento do sector bancrio no Sistema Financeiro A expresso Sistema Financeiro pode ser encarada sob duas perspectivas: por um lado, como o conjunto de normas, instituies e mecanismos que regulam a actividade financeira em geral e por outro, como o conjunto de instituies, empresas e organismos com interveno directa ou indirecta na actividade financeira (Nunes Pereira citado por Maria Manuel Marques et all, 2005). Tradicionalmente, o sistema financeiro integra trs subsectores: o sector bancrio (que aceita depsitos e concede emprstimos), o sector segurador (que garante um pagamento em caso de ocorrncia de uma determinada contingncia) e o sector dos valores mobilirios (permite o acesso directo ao mercado). No entanto, como refere Teixeira dos Santos (2002) hoje a fronteira entre os trs sectores tem-se vindo a esbater, devido essencialmente a um processo de integrao tecnolgico, geogrfico e funcional, tal como abordaremos mais frente neste trabalho. De uma forma mais generalista, utiliza-se frequentemente o termo sistema financeiro em vez de sistema bancrio, para englobar, quer os bancos, quer outras instituies de crdito, quer ainda as sociedades financeiras. hoje indiscutvel o papel essencial do sector financeiro no desenvolvimento econmico e social de uma sociedade, nomeadamente a portuguesa. Por meio do sistema bancrio, por via da captao da poupana e consequente concesso de crdito 20, como via do mercado de capitais, para alm da importante funo econmico-social do sector segurador. Como refere Teixeira dos Santos (2002): Ao mobilizar os fundos dos aforradores, canalizando-os para o sector produtivo, o sistema financeiro possibilita a transferncia de recursos econmicos no tempo e no espao, alm fronteiras e entre sectores ().21 A existncia de instituies financeiras competentes e profissionais possui desta forma, uma inigualvel vantagem sistmica, que se traduz na reduo do risco e no aumento da eficincia. Em ambos os casos, existe uma vantagem social para a economia que no seria possvel na ausncia de um sistema financeiro que cumpra o seu papel de intermedirio. O papel central do sistema financeiro na economia significa que uma perturbao no sector

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Por intermediao financeira deve entender-se a actividade de determinados agentes econmicos, a qual consiste em captar a poupana junto daqueles que a realizam para a cederem aos investidores que dela precisam () (Martins Barata, 1998). 21 Ainda segundo o autor, podemos distinguir dois tipos de sistemas financeiros aqueles que assentam essencialmente no sistema bancrio, como os ca