Upload
others
View
0
Download
0
Embed Size (px)
Citation preview
JURISPRUDÊNCIA DA SEXTA TURMA
HABEAS CORPUS Nº 5.948 - RJ
(Registro nº 97.0043485-0)
Relator: O Sr. Ministro William Patterson
Impetrante: Luis Guilherme Martins
Impetrado: Desembargador Relator do Habeas Corpus n. 9702162556 do Tribunal Regional Federal da 2ª Região
Paciente: Ivens Alberto Mendes
EMENTA: Penal. Habeas corpus. Liminar denegada na instância originária. Impossibilidade de concessão nesta Corte.
- A concessão de habeas corpus para deferir liminar negada pelo Tribunal de origem importa em supressão de instância, o que não é possível. Demais disso, o despacho atacado não se reveste com aparência de flagrante ilegalidade ou abuso de poder.
- Habeas corpus denegado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro, Vicente Leal e Anselmo Santiago. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Fernando Gonçalves.
Brasília, 05 de agosto de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro WILLIAM PATTERSON, Relator.
Publicado no DJ de 01-09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON: Adoto como relatório a parte expositiva do parecer do Ministério Público Federal, da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral da Re-
R. sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 417
pública, Dra. Laurita Hilário Vaz (fls. 186/187):
"Pelo que se infere dos autos, o advogado Luís Guilherme Martins Vieira impetrou ordem de habeas corpus, com pedido de liminar (fls. 63/143), junto ao Egrégio Tribunal Regional Federal da 2" Região, em benefício de Ivens Alberto Mendes, objetivando a cassação de ato do MM. Juiz da 13ª Vara Federal da Seção Judiciária do Estado do Rio de Janeiro que determinou a quebra do sigilo bancário do paciente (fls. 57/62), nos autos de medida cautelar preparatória requerida pelo Ministério Público, onde este busca apurar os fatos relacionados às denúncias da imprensa, que por sua vez foram baseados em escuta telefônica.
Indeferida a liminar pleiteada (fls. 144 e 159), o impetrante, irresignado, interpôs Agravo Regimental (fls. 160/166), ao qual Quarta Turma da Corte a quo negou provimento (fls. 168/173).
Daí a impetração do presente habeas corpus originário, onde o bacharel já mencionado, juntamente com o advogado José Gerardo Grossi, insiste na concessão da "medida liminar para impedir seja produzida prova ilícita, por derivação, contra o beneficiado do writ, que não está sendo processado, sequer é indiciado no inquérito policial e corre risco de ver devassada sua conta bancária, de forma inconstitucional, ilícita e inútil, data venia." (fls. 06).
Mais adiante, os impetrantes sustentam que "todos esses procedimentos tiveram, e ainda têm, a sua origem efetivamente ligada àquela reportagem levada ao ar, pela Rede Globo de Televisão, no Jornal Nacional do último dia 7, a qual, por sua vez, está alicerçada no conteúdo daquelas conversações telefônicas criminosamente grampeadas." (fls. 22), concluindo por afirmar que "eventuais elementos de prova que surgissem contra o paciente, em função da quebra de seu sigilo bancário, estariam eivados de ilicitude por derivação, tornando-se imprestáveis para escorar procedimento penal contra o paciente, haja vista estarem umbilicalmente ligadas à gritante prova ilícita, obtida mediante a prática de um delito, qual seja, a arrancada por via da violação de comunicação telefônica do paciente." (fls. 23)
o órgão ministerial opinou no sentido da denegação da ordem (fls. 191).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON (Relator): Como visto, cuida-se de habeas corpus objetivando a reforma da decisão do Tribunal a quo que, em agravo regimental, confirmou despacho do Relator, denegatório de liminar.
Ao relatar o HC 5.574-SP, onde presente idêntica circunstância, tive oportunidade de asserir:
418 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
"Com efeito, esta Colenda 6ª Turma já bem conhece minha posição a respeito da impossibilidade de concessão de ordem de habeas corpus para reformar decisão denegatória de pedido de liminar. Entendo, e continuarei entendendo, que a hipótese envolveria supressão de instância, pois o deferimento nesta jurisdição importaria em concessão da liminar, recusada no Tribunal competente, o que tornaria esta Corte Superior controladora de atos do juízo de primeiro grau, o que não é possível.
É certo que os panegiristas da tese oposta situam-se na corrente defensora da amplitude do alcance de habeas corpus como ação constitucional. Todavia, reconhecem a necessidade de se cuidar de espécie teratológica, onde flagrante a ilegalidade do ato impugnado, isto é, quando a negativa da liminar ofende, de modo frontal, o direito positivo ou princípios básicos do direito à liberdade."
Ora, in casu, a rejeição do pedido de liminar foi fundamentado, de modo suficiente, consoante se infere dos seus termos:
"Trata-se de Habeas Corpus impetrado por Luiz Guilherme Martins Vieira em favor de Yvens Alberto Mendes, objetivando cassar ato do Juiz da 13ª Vara FederallRJ que deferiu a quebra do seu sigilo bancário. Alega que o processo que ensejou tal medida lastreia-se em escuta telefônica,
considerada prova ilícita e portanto ineficaz.
Não há dúvida de que a intercepção de mensagem telefônica constitui meio ilícito de obtenção de prova; condenado inclusive pelo art. 5º, inciso LVI da Constituição Federal. Como dúvida inexiste de que a quebra de sigilo bancário também o é. Porém, não em caráter absoluto, já que ambas as provas podem ser excepcionalmente requisitadas pelo Juiz para fins de instrução criminal.
Relativamente à escuta telefônica, se obtida sem autorização judicial, de fato não pode ser levada na conta de prova conclusiva; sob pena de consagrar-se o uso e prática ilegal para fins de investigação policial ou até sondagens de iniciativa privada. Mas nada impede que o resultado então obtido, ainda que ilegalmente, seja aproveitado como indício de crime por ela revelado. E nesse caso, eventual requisição judicial de dados e elementos factuais, com vistas à confirmação das práticas delituosas delas defluentes, não deve ser suspensa, de plano.
Pelo que, indefiro a liminar; deixando para examinar a questão, com mais profundidade, quando do julgamento do mandamus pelo mérito."
As considerações postas no despacho impugnado merecem meu integral apoio, pois de igual forma concebo a espécie. Aliás, ao mani-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 419
festar-me sobre a legitimidade da prova colhida por meio de interceptação telefônica, declarei que o vício de origem estaria na ausência de autorização judicial. Havendo esta, mesmo antes da vigência da regulamentação específica (Lei n Q
9.296, de 1996), sua legitimidade sempre foi, para mim, incontestável, consoante proclamei ao relatar o HC 5.574-SP.
Como se não bastasse, os autos dão notícia de que a contestada quebra do sigilo bancário não decorreu de convicção assentada em tais elementos. A propósito, vale pôr em destaque esses lances do pronunciamento do MPF (fls. 189/191):
"Por outro lado, no que tange às afirmações de que a quebra do sigilo bancário do paciente configuraria prova ilícita por derivação, melhor sorte não socorre o paciente.
Tal circunstância deve-se ao fato de que o MM. Juiz monocrático, ao deferir a quebra do sigilo bancário do paciente, não o fez com fundamento na escuta telefônica. Esta, aliás, tampouco existia nos autos da medida cautelar, tendo sido, no mesmo despacho que determinou a quebra do sigilo bancário, determinada a "busca e apreensão das fitas de áudio originais, contendo, como divulgado, pelo menos 28 (vinte e oito) horas de gravações telefônicas, em poder da Rede Globo de Televisão e/ou do repórter Marcelo Rezende, autor das reportagens." (fls. 61/62)
A ilustre autoridade coatora de 1 Q grau, ao prestar informações nos autos do habeas corpus impetrado pelo paciente junto ao Tribunal a quo, afasta quaisquer dúvidas, verbis:
"Ora, não poderia este Juízo fundamentar sua decisão no que ainda não existia nos autos. A busca e apreensão determinada visava instruir, em princípio, o inquérito policial instaurado a pedido do próprio paciente, com o escopo de apurar a interceptação e a divulgação de conversas telefônicas.
J á a quebra de sigilo bancário, medida acautelatória distinta, não serviria a instruir tal procedimento, mas outro de competência da Receita Federal, a partir dos sinais exteriores de riqueza demonstrados pelo paciente, e cujo conhecimento não dependeria, exclusivamente, do conteúdo - ainda não divulgado a este magistrado, repita-se - das fitas referidas.
Sinais exteriores de riqueza, como a própria terminologia indica, são exteriores, daí serem de conhecimento público. A peculiaridade do caso concreto fez com que os focos de interesse recaíssem sobre o paciente, e portanto, ressaltando tais sinais, embora, com ou sem a repercussão, pudessem ser constatados prima facie.
Tenho, assim, que a causa da medida acautelatória não
420 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
foi a prova ilícita, já que a ela preexistente e visível. Os indícios de cometimento de crime não surgiram em função da interceptação das conversações telefônicas, cujo conteúdo não era conhecido, mas de repercussão do caso, trazendo a lume o que, embora desnudo, até então ninguém tivera interesse em apurar." (fls. 180)
Vislumbra-se, portanto, que inexiste constrangimento ilegal contra o paciente a ser reparado na via estreita do writ, dado que, além de a quebra de sigilo bancário do mesmo não constituir prova ilícita por derivação, se faz imperiosa e necessária à apuração da prática ou não dos crimes j á referidos e imputados ao paciente."
Ante o exposto, denego a ordem.
HABEAS CORPUS NQ 5.956 - SP
(Registro n Q 97.0044023-0)
Relator: O Sr. Ministro William Patterson
Impetrante: Lírio Gomes
Impetrada: Sexta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Paciente: Vítor Labate (preso)
EMENTA: Penal. Nulidade de processo. Escuta telefônica. Autorização judicial.
- Não merece prosperar o pedido de anulação do processo se a escuta telefônica foi autorizada pela Justiça.
- Habeas Corpus denegado.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, denegar a ordem de habeas corpus, nos ter-
mos do voto do Sr. Ministro-Relator. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro, Vicente Leal e Anselmo Santiago. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Fernando Gonçalves.
Brasília, 5 de agosto de 1997 (data do julgamento).
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 421
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro WILLIAM PATTERSON, Relator.
Publicado no DJ de 01-09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTROWILLIAMPATTERSON: A questão versada nestes autos pode ser amplamente conhecida por meios dos esclarecimentos prestados pela autoridade coatora (fls. 155/156):
"1. O paciente foi denunciado, juntamente com Pedro Soares Modollo e Antônio Rodrigues Antonopoulos, como incurso nas sanções do artigo 159, parágrafo 39 (por duas vezes), e artigos 211 e 210, C.c. os artigos 29 e 69, todos do Código Penal, pelos fatos que teriam praticado no seqüestro com morte do empresário Antônio Alves Barril, nos autos do P. 739/96, da 19ª Vara Criminal Central desta Capital.
2. Aos 07/10/96, foi decretada a prisão provisória do paciente, acolhendo a MMa. Juíza prolatora, representação formulada pela autoridade policial. Nesta, a autoridade noticiava as diligências efetuadas para a identificação do paciente como suspeito da prática do delito, que teriam levado à realização de escutas telefônicas judicialmente autorizadas. Conforme constou do relatório da autoridade policial posteriormente produzido, foram denúncias anônimas que levaram os poli-
ciais a requerer a escuta telefônica, através da qual se teria constatado a identidade das vozes do paciente e do seqüestrador. Com a apresentação do relatório, houve requerimento para a decretação de prisão preventiva, deferida pelo Juízo.
3. Por duas vezes impetrou-se Habeas Corpus em prol da liberdade provisória do paciente. A Colenda Sexta Câmara Criminal deste Tribunal denegou a ordem no writ nº 224.651.3, assentando em seu aresto unânime que o prazo de conclusão da instrução não fora indevidamente excedido, e concluindo pela existência de outros elementos judiciários - como a confissão do paciente -além do laudo de comprovação de voz com base na escuta telefônica para justificar o recebimento da denúncia e a decretação da custódia cautelar, esta devidamente fundamentada.
A mesma Câmara Julgadora, também por decisão unânime, afastou a ilicitude da prova produzida pela interceptação telefônica, com esteio na autorização judicial para sua produção, além da alteração da legislação sobre o tema que a teria precedido (Lei 9.296/96).
4. Ouvidas as testemunhas arroladas, o feito aguarda o desenrolar das diligências requeridas pelas D. Defesas."
O Ministério Público Federal manifestou-se no sentido de denegação do writ (fls. 192/196).
422 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON (Relator): O habeas corpus objetiva a nulidade do processo, a partir do laudo de escuta telefônica, ao fundamento de ilicitude daquela prova.
O tema não é novo na jurisprudência pretoriana, principalmente desta Egrégia 6ª Turma, ondejá foram travados substanciosos debates acerca do princípio invocado.
No RHC n Q 6.178-SP, tive oportunidade de tecer as seguintes considerações:
"A Constituição, a rigor, numa leitura literal do texto, impediria qualquer providência no sentido de acolher uma prova desta ordem, até em favor do inocente.
Gostaria de dar-lhes duas razões para entrar nos pontos bem lembrados pelo Dr. De Bonis em seus jurídicos e relevantes fundamentos e que me convenceram, pois já estavam em minha cabeça: o primeiro, a interpretação literal, se levada para esse caminho do absolutismo, seria ilógica, fora do sistema, o que, a rigor, é contra a própria hermenêutica e seus princípios de aplicação do Direito, o que não se concebe. A interpretação tem que ser do contexto, não do texto. O inciso XI, do art. 5º, da CF, bem lembrado pelo Ministério Público, na sustentação, e agora também re-
forçada pelo Dr. De Bonis, fala de inviolabilidade do lar. Não há coisa mais sagrada que a sua casa. É o seu reino, o seu feudo, e seu mundo, e nem por isso está imune a uma investigação, a uma violação, em dois casos, o do flagrante delito e o do socorro. Quer dizer, até na casa, na residência, abre-se exceção. Como não se fazer exceção para o problema da interceptação telefônica?
O inciso XII, em que se baseia a impetração, para dizer que a sua aplicação está dependendo de regulamento por legislação ordinária, só tem lugar sem a observância do sistema constitucional, e cairia em um outro absurdo, o de que um texto feito em defesa da sociedade, do homem de bem, deve ser utilizado para proteger marginal.
Isso não entra na cabeça de ninguém, nem do Juiz, dentro do seu equilíbrio, da sua isenção, porque Juiz também é ser humano, e percebe as coisas fora do processo. O que diz o inciso XII do art. 5º:
"é inviolável o sigilo da correspondência e das comunicações telegráficas, de dados e das comunicações telefônicas, salvo em último caso, por ordem judicial nas hipóteses e na forma que a lei estabelecer para fins de investigação criminal e instrução processual penal".
Portanto, enquanto não vier essa lei pode-se cometer os mais
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 423
absurdos crimes? Pode-se usar telefones públicos, telefones do sistema penitenciário, para prosseguir na ação delitiva? Claro que não. Se não tivesse sido autorizado por uma autoridade judicial, aí tudo bem, porque a exceção vem com a autorização do Juiz."
In casu, os autos dão notícia de que houve autorização judicial para o procedimento. Todavia, o Impetrante contesta a legitimidade da medida, posto que anterior à vigência da Lei n Q 9.296, de 1996.
Todas as vezes que me manifestei a respeito, deixei claro que a ordem judicial anterior à citada regulamentação não continha o vício ora assinalado. Portanto, também não vejo como, no particular, conferir outro tratamento, mesmo porque, a esta altura, a legislação de regência oferece ampla cobertura à conduta de tal espécie.
Como se não bastasse, as circunstâncias fáticas que envolvem a questão recomendam a recusa da pretensão. A propósito, ponho em destaque essas esclarecedoras considerações contidas no parecer do MPF, da lavra da ilustre Subprocuradora-Geral da República, Dra. Zélia Oliveira Gomes (fls. 194/196):
"No caso sob exame, segundo ressai dos autos, a descoberta do paciente se deu através de comunicações anônimas feitas à família da vítima de que um dos seqüestradores era proprietário do veículo Honda, Civic, de placas BOC 4000-SP. A partir daí é que
se buscou junto ao Detran identificar o proprietário do aludido veículo, chegando-se ao paciente, que foi, ainda, reconhecido por testemunhas (fls. 125).
N as transcrições feitas a partir das gravações das conversas telefônicas autorizadas antes da vigência da Lei de regência, nenhum dado existia que pudesse levar a Polícia até o paciente, tendo servido, apenas, para comparação de voz após a identificação do criminoso, pelos meios regulares.
A interceptação de sua linha telefônica, de cujas gravações se colheu sua voz para comparação, somente foi autorizada em agosto de 1996,já, portanto, na vigência da Lei 9.296/96.
Também não padece, a gravação questionada, do vício de ilicitude que se lhe inculca o recorrente, por falta de autorização legal para a interceptação telefônIca.
Há que se considerar, inicialmente, que a interceptação foi autorizada pelo Juiz, conforme noticiado.
De outro lado, o telefone equipado com gravador pertencia à família da vítima, principal interessada na recuperação de seu ente querido (que não ocorreu, porque foi ele assassinado logo após o seqüestro), seqüestrado pelo réu e seus comparsas para obtenção de resgate.
Nenhum telefone dos seqüestradores foi objeto de intercepta-
424 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
ção, antes da multicitada Lei, mesmo porque suas ligações originavam de aparelhos instalados em vias públicas (orelhões).
As gravações das conversas telefônicas foram feitas através de telefones da família da vítima, com seu conhecimento, o que não torna ilícita a prova, porque equiparadas às gravações feitas por um dos interlocutores, conforme decisão adiante transcrita, proferida por essa Colenda Corte Superior de Justiça, através de sua Quinta Turma, no Habeas Corpus n Q 4.654 - RS (96.0026695-6), em que foi Relator o insigne Ministro José Dantas, cuja ementa tem o seguinte teor:
"Processual Penal. Denúncia. Embasamento em gravação telefônica feita por um dos interlocutores.
- Habeas corpus. Acerto de sua denegação, na origem, posto que não há tachar-se de ilícita a prova resultante da gravação telefônica feita por um dos interlocutores, se à mesma se juntam outros elementos de prova." (Decisão unânime, em 24.06.96, DJ de 16.12.96, pág. 50.891)
Doutra parte, a conexão entre as provas que levaram até o paciente - denúncias anônimas acerca do veículo que usava, reconhecimento testemunhal, sua própria confissão - e a gravação da conversa telefônica questionada é bastante frágil, não se colocando aquelas como conseqüência desta."
Ante o exposto, denego a ordem.
RECURSO EM HABEAS CORPUS NQ 6.784 - SP (Registro n Q 97.0064168-6)
Relator: O Sr. Ministro Fernando Gonçalves
Recorrentes: Yuri Carajelescov e outro
Advogado: Dr. Ricardo Adati
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo Paciente: lrani da Silva Luzia (presa) Sustentação Oral: Drs. Yuri Carajelescov e Márcia Dometila Lima de
Carvalho
EMENTA: RHC. Crime de aborto. Materialidade e autoria. Discussão em sede de habeas corpus. Impossibilidade. Nulidade. Declaração. Hipótese.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 425
1. o habeas corpus, como é de elementar ciência, não comporta dilação probatória tendente a excluir, sem qualquer dúvida ou questionamento, a materialidade e autoria do crime de aborto que, na espécie, inclusive, ficaram devidamente acertadas na sentença de pronúncia, sem impugnação. A eventual falta de idoneidade de prova consistente em exame de corpo de delito indireto não comporta discussão na estrita sede do remédio heróico.
2. De outro lado, o entendimento pretoriano é de que em sede de habeas corpus apenas se declara nulidade quando manifesta, ou seja, visualizada sem exame aprofundado ou valorativo de provas - Cpp - art. 648, VI.
3. RHC improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, negar provimento ao recurso. Participaram do julgamento os Ministros Anselmo Santiago, William Patterson e Luiz Vicente Cernicchiaro. Não participou do julgamento o Ministro Vicente Leal.
Brasília, 24 de novembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Relator.
Publicado no DJ de 30-03-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Cuida-se de recurso ordinário interposto contra acórdão da Quinta Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de São
Paulo por Irani da Silva Luzia que se encontra presa em virtude de condenação a 3 (três) anos e 4 (quatro) meses de reclusão, com início no regime semi-aberto, por infração ao artigo 126, c/c o art. 127, ambos do Código Penal. A par da inexistência de prova da autoria e materialidade do delito, alega a recorrente nulidade no julgamento consistente na não submissão aos jurados de quesitos específicos referentes às atenuantes.
Oferecidas contra-razões pelo Ministério Público do Estado de São Paulo (fls. 116/119), ascenderam os autos a esta Corte, opinando a douta Subprocuradoria Geral da República, através do Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira, pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (Relator): O eminente Desembargador Dante Busana,
426 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
ao relatar a espécie, com inteira propriedade, destacou que a "existência do crime em sua materialidade ficou acertada na pronúncia", decisão não impugnada na ocasião devida, asseverando, em complemento, verbis:
"- De fato, a admissibilidade da acusação perante o Júri supõe convencimento da existência do delito (artigo 408 do Código de Processo Penal), isto é, certeza moral, que só prova segura pode gerar. Na lição de Frederico Marques, para a pronúncia "o crime precisa estar provado e a autoria ser pelo menos provável" (Encerramento da formação da culpa no processo penal do Júri, in Estudos de Direito e Processo Penal em Homenagem a Nélson Hungria, pág. 128, 11! ed., Forense 1962). Como lembra Pietro N~volone, focalizando sentença análoga do direito italiano, "o juiz instrutor manda a julgamento quando está subjetivamente convencido da culpa do acusado, num grau que, segundo o estado do processo, lhe permitirá pronunciar a condenação" (Contributo Alla Teoria Della Sentenza Istruttoria Penale, pág. 111, ed. Cedam, 1969).
- O convencimento do juiz da pronúncia fundou-se em corpo de delito indireto calcado na ficha hospitalar da co-ré, onde se lê que ela deu entrada no Pronto-Socorro do Hospital Alvorada, no dia seguinte ao do crime, com febre e dor abdominal. Apresentava colo uterino pérvio (aberto, dila-
tado), escoriações na parede vaginal e no colo uterino. Laparotomia exploradora revelou abdômen agudo perfurativo (perfuração do útero e da bexiga)" e abortamento incompleto, que obrigou curetagem (fls. 23v.).
- A existência de restos placentários impondo curetagem, as lesões na vagina e colo uterino, a perfuração do útero e da bexiga, revelando a introdução de objeto para provocar o deslocamento da membrana, constituem os chamados sinais de certeza de aborto provocado (C. Simonin, Medicina Legal Judicial, pág. 461, ed. JIMS, 1962, A. Almeida Júnior, Lições de Medicina Legal, págs. 369-370, 21! ed. e Odon Ramos Maranhão, Curso Básico de Medicina Legal, pág. 192, 41! ed., 1989) e convenceram o juiz da pronúncia e o Conselho de Sentença da materialidade do crime.
-A vida do feto não podia, à evidência, ser positivada por perícia posterior à sua morte, devendo resultar de outras provas.
- No que tange à autoria, a palavra da gestante e as declarações da ré, que se confessou abortadeira impenitente, determinaram a necessária certeza.
- O habeas corpus não é a sede própria para discutir a suficiência destas provas, cuja existência basta para afastar a alegação de falta de justa causa para a condenação.
- Cediço que o writ "não constitui meio hábil para a apreciação
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (l05): 415-465, maio 1998. 427
da justiça ou injustiça da decisão condenatória decorrente da aferição da prova" (Recurso em Habeas Corpus n Q 47.866-SP, 1ª Turma do Supremo Tribunal Federal em 14 de julho de 1970, Relator Ministro Djaci Falcão),já que "o destino constitucional do habeas corpus é reparar ilegalidade ou abuso de poder que se reflita na liberdade de locomoção, jamais converter-se em instância revisora, na busca de decisão mais justa, com o exame aprofundado da prova" (Habeas Corpus n Q 49.218-GO, 2ª Turma do Supremo Tribunal Federal em 29 de novembro de 1971, Relator Ministro Thompson Flores, DJU de 3 de março de 1972, pág. 932).
- No apelo interposto pela paciente será possível, mediante o exame aprofundado da prova, saber se o veredicto está com elas em manifesto conflito, como alegado." (fls. 89/90/91)
Não há como se colocar de lado as conclusões do julgado, porquanto, ao contrário do que afirma a recorrente, a matéria em testilha, a toda evidência, não se adapta à via processual adotada. Seu esclarecimento deverá se travar no julgamento da apelação interposta, onde a liberdade no debate e análise do contexto probatório é amplo, geral e irrestrito. ° habeas corpus, como é de elementar ciência, não comporta dilação probatória tendente a excluir, sem qualquer dúvida ou questionamento, a materialidade e a autoria do delito. ° longo período transcorrido entre a aber-
tura do inquérito e a finalização da instrução criminal (10 anos) também está a evidenciar a dificuldade intransponível de, através do remédio heróico, obter-se o trancamento da ação penal.
Quanto à segunda questão, referente à falta de desdobramento do quesito das atenuantes genéricas em específicas, não se verifica a ocorrência de nulidade do julgamento. Em primeiro lugar, como destacado pelo ven. acórdão, não houve descumprimento da lei, porque o magistrado somente estaria obrigado ao questionamento diante de expressa alegação (art. 484, parágrafo único, UI, do CPP). Em segundo lugar, além da comprovação de prejuízo não produzida pela recorrente, "a afirmativa pelos jurados do quesito sobre atenuantes genéricas foi levada em conta na dosimetria da pena, atenuando-a ... " (fls. 91). Preciso o ven. acórdão quando a esse respeito expõe:
"Sem a demonstração cabal de que a prova indicava estarem tipificadas atenuantes específicas suscetíveis de reconhecimento e que sua não indagação ao Júri trouxe prejuízo, impossível declarar a nulidade do julgamento em habeas corpus, que só dá guarida às nulidades manifestas (artigo 648, IV do Código de Processo Penal)." (fls. 91)
De fato, o entendimento pretoriano é de que, em sede de habeas corpus, apenas se declara nulidade quando manifesta, ou seja, visualizada sem um exame aprofundado ou valorativo de provas.
428 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
Ante o exposto, nego provimento ao recurso.
VOTO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Sr. Presidente, após consultar os autos, chego à mesma conclusão do Eminente Mi-
nistro-Relator. Respondido afirmativamente o quesito quanto às circunstâncias atenuantes, embora o Meritíssimo Juiz não haja feito especificações, certo é que levou em conta a causa de diminuição in concreto da pena. Não houve prejuízo para o réu.
Acompanho o Eminente Ministro-Relator.
RECURSO EM HABEAS CORPUS NQ 6.805 - RJ
(Registro n Q 97.0065175-4)
Relator: O Sr. Ministro Anselmo Santiago
Recorrentes: Jair Leite Pereira e outro
Advogados: Drs. Jair Leite Pereira e outro
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Paciente: Darcy da Silva Filho (preso)
EMENTA: Recurso em habeas corpus - Condenação por tráfico de entorpecente - Citação por edital - Endereço inexistente nos autos - Desnecessidade de diligências junto a órgãos públicos e privados - Despacho único mandando citar por mandado e edital - Inexistência de prejuízo.
1. Não constando nos autos, qualquer endereço do citando, correta se entrem ostra a sua citação por edital, sendo desnecessário diligenciar o seu paradeiro junto a órgãos públicos e privados.
2. Se não se demonstra a existência de prejuízo, não se há de ter como nulo despacho único que manda citar, por mandado, os que têm endereço indicado nos autos, e por edital, os que não o têm, que é exatamente o que prevê o nosso diploma processual penal.
3. Recurso improvido.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 429
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em negar provimento ao recurso. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros William Patterson, Luiz Vicente Cernicchiaro, Vicente Leal e Fernando Gonçalves.
Brasília, 1 Q de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 19-12-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO: Trata-se de recurso ordinário em habeas corpus, voltado contra aresto da 3!:! Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, onde se busca a anulação do julgado que condenou o paciente, por tráfico de entorpecente.
Insiste-se na nulidade do processo que levou à condenação, por vício na citação-edital.
O Ministério Público Federal, em parecer elaborado pelo ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Eitel Santiago de Brito Pereira (fls. 180/185), opina pelo improvimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO (Relator): Darcy da Silva Filho, também conhecido como "Cy do Acari", reputado como chefe do tráfico de entorpecentes na Favela do Acari (RJ), foi condenado, em alentada ação penal, decorrente da chamada "Operação Mosaico", a 5 (cinco) anos de reclusão, por infração ao art. 14, da Lei n Q 6.368/ 76, condenação essa em segundo grau, vez que fora absolvido em primeiro (fls. 15/37 e 38/69).
Inconformado, o douto defensor do acusado impetrou um habeas corpus, alegando que não foram feitas diligências para encontrar o paradeiro do réu e que, numa só penada, se determinou a citação por mandado e edital, e tudo para a mesma data de audiência.
O mandamus não foi conhecido nesta Corte (fls. 90), tendo os autos sido enviados ao Pretório Excelso, onde se concluiu, por empate na votação (108/119), pelo não conhecimento do writ, visto que a questão argüida (vício citatório), não havia passado pelo crivo do tribunal local, embora, no mérito, tod()s estivessem de acordo pela denegação.
Retornando ao Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro, decidiu o Eg. Colegiado guanabarino (fls. 132/137), pelo indeferimento do mandamus, não reconhecendo a eiva apontada pelo impetrante, daí o presente apelo.
Também assim entendo, vez que não se reconhece qualquer vício na citação-edital levada a efeito. Assi-
430 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
nalo que há interessante informação da autoridade tida como coatora (fls. 123/124), em sentido contrário ao que se alega na peça vestibular, onde se demonstra o cuidado do magistrado de primeiro grau, que mandou fosse oficiado à Polinter, a qual, no entanto, respondeu negativamente à indagação do paradeiro de "CY".
De qualquer forma, inexistente qualquer endereço do réu, não havia como fazer a sua citação, que não pela forma como foi efetuada: por edital.
Júlio Fabbrini Mirabete, o renomado jurista pátrio, em sua obra "Processo Penal", Atlas, 7ª ed., 1996, pág. 427, acentua:
"Não há qualquer exigência da lei que obrigue o meirinho a outras diligências, como a consulta a repartições públicas ou particulares (Tribunal Regional Eleitoral, Ministério do Trabalho, etc.), ou que o citando seja procurado mais
de uma vez em endereço onde não foi localizado em diligência."
Em abono de seu ponto de vista, indica diversos julgados estampados na "Revista dos Tribunais", entre os quais os publicados nos volumes 531/289, 568/313, ambos do TJSP e 592/353, do Tribunal de Alçada Criminal do Estado de São Paulo.
Também não se reconhece qualquer nulidade, se há determinação, num único despacho, para a citação por mandado, dos que tinham endereço indicado nos autos, e por edital, dos que não o tinham, para que comparecessem ao interrogatório numa única data. Ainda porque, não se demonstra qualquer prejuízo decorrente dessa manifestação judicial, caindo, assim, no inteiro vazio as alegações do recorrente.
Enfim, acolhendo o bem colocado parecer ministerial, nego provimento ao recurso.
É o meu voto.
RECURSO EM HABEAS CORPUS Nº 6.963 - SP
(Registro nº 97.0080221-3)
Relator: O Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
Recorrente: Cristiniano Ferreira da Silva
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado de São Paulo
Paciente: Jairo da Silva Martin (preso)
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 431
EMENTA: RHC - Penal - Processual Penal - Tóxico - Sentença - Fundamentação - Apelação - A sentença condenatória deverá fundamentar se o réu poderá apelar em liberdade (Lei n. 8.072/90, art. 2 Q
, § 2Q). No mesmo sentido, se não puder aguardar
livre o julgamento. Se o acusado responder, preso, ao julgamento, incide outro princípio, ou seja, persistir a prisão provisória. Nesse caso, ressalve-se quando a constrição exaurir sua finalidade com a conclusão do processo em 1 ª instância. Exemplificativamente: necessária para a instrução.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, negar provimento ao recurso, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Vicente Leal, Fernando Gonçalves, Anselmo Santiago e William Patterson.
Brasília, 24 de novembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Relator.
Publicado no DJ de 25-02-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Recurso Ordinário interposto por Cristiniano Ferreira da Silva em favor de Jairo da Silva Martin, réu preso, contra acórdão denegatório de ordem de habeas corpus.
Narram os autos que o paciente foi condenado por infração ao art.
12 da Lei 6.368/76, à pena de 03 (três) anos de reclusão e a cinqüenta dias-multa, sendo fixado regime prisional fechado.
Em seu favor foi impetrada ordem de habeas corpus, contra a decisão que não lhe concedeu o direito de apelar em liberdade. Aduziu ser o réu primário, trabalhador, com residência fixa e radicado no domicílio da culpa, preenchendo, portanto, todos os requisitos para a obtenção do benefício do art. 594 do CPP.
O acórdão recorrido denegou a ordem (fls. 66/67).
O recorrente reedita as razões da impetração, acrescentando que a decisão denegatória do direito de aguardar solto o julgamento da apelação interposta não foi devidamente fundamentada (fls. 84/88).
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO (Relator): Ar. sentença (fls. 8/10), no tocante ao tema objeto do Habeas Corpus, encerra:
432 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (l05): 415-465, maio 1998.
"Deixo de conceder ao réu qualquer benefício, em razão do que dispõe o art. 35 da Lei 6.368/76 e Lei 8.072/90".
Fundamentar é fazer a adequação da norma ao fato. Este, por sua vez, com um mínimo de circunstâncias. Caso contrário, não se especificando de modo a atrair o preceito da lei. A exigência, hoje, é de nível constitucional (art. 93, IX). Não basta, pois, a mera indicação do dispositivo de lei. É o que ocorre, data venia, na espécie.
A orientação aventada éjurisprudência na 3;! Seção do Superior Tribunal de Justiça:
"Penal - Processual Penal -Tóxicos - Crime hediondo -Sentença condenatória - Habeas corpus - Apelação em liberdade - O réu condenado por infração da Lei de Tóxicos, art. 12 ou art. 13, já pode agora apelar em liberdade, desde que o Juiz assim resolva em decisão fundamentada. A lei de tóxicos, em vigor sob o n 2 8.072/90, afasta em seu art. 22 , § 22 , a eficácia da Lei de Tóxicos, em vigor sob o n 2 6.368/76, no que dispõe seu art. 35, quanto ao impedimento absoluto de o réu condenado apelar em liberdade. Recurso parcialmente provido. (STJ - 5ª Turma, Rec. de HC n 2
1.077-MG; reI. Min. Edson Vidigal;j. 08.05.91; v.u., DJU, 27.05.91, pág. 6.972, Seção I - ementa)
Do douto parecer do Ministério Público Federal, subscrito pela E.
Subprocuradora-Geral, Dra. Maria Eliane Menezes de Farias, ressalto esta passagem:
"Observa-se claramente que a decisão encontra-se eivada de vícios graves, o simples fato de o Paciente ter cometido crime considerado hediondo não é, por si só, motivo para ser negado o direito de apelar em liberdade. Não se vislumbram, na decisão judicial, motivos plausíveis que determinem a necessidade da permanência do Paciente na prisão". (fls. 87)
Ocorre, contudo, importante particularidade.
O Paciente respondeu preso ao processo. Foi condenado. Incide, por isso, outra diretriz, qual seja, manter-se o status quo com a superveniência de sentença condenatória.
A nulidade, embora evidente, na espécie, não tem a extensão de relaxar a prisão.
O disposto no art. 22, § 22, verbis: "Em caso de sentença condenatória, o juiz decidirá fundamentadamente se o réu poderá apelar em liberdade" destina-se aos réus que responderam ao processo em liberdade, ou quando a prisão provisória se exaurir com a sentença, de que é exemplo, se decretada porque necessária à instrução.
Não é, insista-se, o caso dos autos.
N ego provimento ao recurso.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 433
RECURSO EM HABEAS CORPUS NQ 7.136 - RJ
(Registro n Q 98.0000517-0)
Relator: O Sr. Ministro Anselmo Santiago
Recorrente: Leoni Proença Rosa
Advogado: Dr. Edison Duarte de Mello
Recorrido: Tribunal de Justiça do Estado do Rio de Janeiro
Paciente: Leoni Proença Rosa (preso)
EMENTA: Recurso em habeas corpus - Roubo de caminhões de carga, por quadrilha armada - Prisão em flagrante - Instrução demorada, mas quejá se acha concluída - Aplicação da Súmula n f1 52/STJ.
1. Embora se reconheça que a instrução teve duração acima do razoável, é de se afastar o alegado constrangimento ilegal, se essa fase já se acha concluída, aguardando-se apenas o término de uma diligência de interesse da defesa, para as alegações finais e sentença. Aplicação, à hipótese, da Súmula n Q 52/STJ.
2. Recurso improvido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, em negar provimento ao recurso. Votaram com o Sr. Ministro-Relator os Srs. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro e Fernando Gonçalves. Ausentes, por motivo de licença, o Sr. Ministro William Patterson e, justificadamente, o Sr. Ministro Vicente Leal.
Brasília, 10 de fevereiro de 1998 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente e Relator.
Publicado no DJ de 30-03-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO: Leoni Proença Rosa está sendo processado por ter, em 01.03.96, juntamente com outras 6 (seis) pessoas, identificadas, com o emprego de armas de fogo, assaltado a empresa "Ita Representações de Produtos Farmacêuticos", dali retirando dois caminhões carregados de medicamentos, sendo preso em flagrante, com outros três componentes do bando, quando descarregava a carga roubada.
Em quatro oportunidades bateu às portas do Tribunal de Justiça guanabarino, alegando excesso de prazo, sem sucesso, contudo.
N esta última vez, a 4ª Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do
434 R. Sup. Trib. Just., Brasílía, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
Estado do Rio de Janeiro (fls. 58/59), denegou-lhe a ordem, posto que, na conformidade das informações do MM. Juiz da Comarca de Itaocara, onde tramita a ação penal (fls. 471 50), a instrução do feito já se acha encerrada, aguardando-se apenas, para que seja proferida a sentença, o cumprimento de uma diligência, requerida por um dos acusados, qual sej a, a expedição de ofício à "Telemig", para que se forneça informação que seria de interesse da defesa, providência essa já tomada em outubro do ano passado.
O Ministério Público Federal, em parecer da ilustre SubprocuradoraGeral da República, Dra. Maria Eliane Menezes de Farias (fls. 96/98), opina pelo improvimento do apelo.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO ANSELMO SANTIAGO (Relator): Sem dúvida que já decorreu um longo período, desde a prisão em flagrante do paciente (em 01.03.96), tempo suficiente para, em situação normal, já
ter sido proferida a decisão de primeiro grau.
É de se crer (pois isso não está devidamente explicado) que o grande número de processados, a oitiva de quantidade expressiva de testemunhas, expedição de precatórias, diligências, etc., tenha contribuído para esse atraso, mas, de qualquer maneira, justificam-se as lamúrias do recorrente.
Ocorre que, presentemente, a instrução está finda, aguardando-se tão-somente a resposta da empresa mineira de telefonia, circunstância de interesse de um dos acusados, para as alegações finais e sentença. Ao caso aplica-se, como bem lembrado pela representante ministerial, o verbete da Súmula nQ 52/STJ, nestes termos:
"Encerrada a instrução criminal, fica superada a alegação de constrangimento ilegal por excesso de prazo."
À vista do exposto, acolho a manifestação do Parquet Federal e nego provimento ao recurso.
É o meu voto.
RECURSO ESPECIAL NQ 80.223 - RS
(Registro n Q 95.0061186-4)
Relator: O Sr. Ministro Fernando Gonçalves
Recorrente: União Federal
Recorridos: Marina Oliveira e outros
Advogado: Dr. Antonio Pedro Carpes Marcon
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 435
EMENTA: Administrativo. Pensão. Companheira. Militar. Retroatividade. Requerimento administrativo. Lei nº 3.765/60.
1. Não pode a União ser compelida a pagar metade do valor da pensão deixada por militar, com efeito retroativo à data do requerimento administrativo formulado pela companheira, quando, à época do pleito, a legislação de regência apenas deferia a vantagem na ordem estabelecida, tendo como primeira beneficiária a viúva. Será, no entanto, devido o estipêndio a contar do falecimento desta, em função da presumida dependência daquele pela existência de seis filhos comuns.
2. Recurso conhecido e provido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento. Participaram do julgamento os Ministros Anselmo Santiago, William Patterson e Vicente Leal. Ausente, ocasionalmente, o Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
Brasília, 01 de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Relator.
Publicado no DJ de 19-12-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Cuida-se de recurso especial interposto pela União, com fulcro nas letras a e c do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo colendo Tribunal Re-
gional Federal da 4ª Região, assim ementado:
"Administrativo. Pensão por morte. Rateio entre esposa e companheira.
1. Se a pensão é deferida à esposa em detrimento da concubina, o direito desta ao benefício, quando reconhecido por sentença, retro age à data em que foi requerido na via administrativa.
2. Embargos infringentes improvidos." (fls. 219)
Aduz a recorrente infringência aos arts. 7Q e 8Q da Lei n Q 3.765/60 e divergência jurisprudencial.
Sem contra-razões e admitido na origem, ascenderam os autos a esta Corte, manifestando-se a douta Subprocuradoria Geral da República pelo provimento do recurso, em parecer que guarda a seguinte ementa:
"Recurso especial. Concubina de militar ex-combatente. Pensão por morte. Lei n Q 3. 765 / 60. Direito após o óbito da viúva do de
436 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
cujus. Parecer pelo provimento do recurso." (fls. 242)
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (Relator): Cuida a espécie de pensão concedida a Marina Oliveira, na qualidade de companheira de militar ex-combatente, a contar de 16/04/80, data do requerimento administrativo, em quantum correspondente à metade daquela destinada à viúva, EstelaAssis dos Santos Rosa, até 30/03/85, data do falecimento desta e, após, ao valor integral.
Insurge-se a recorrente, União Federal, contra a retroatividade da condenação, sob pena de infringência aos arts. 7º e 8º da Lei nº 3.765/ 60.
O recurso merece provimento. Com efeito, à época do requeri
mento administrativo a legislação aplicável permitia o deferimento da pensão em debate desde que fosse observada a ordem de beneficiários, estabelecida pelo art. 7º daquele diploma legal, verbis:
"Art. 7º. A pensão militar deferese na seguinte ordem: I - à viúva; II - aos filhos de qualquer condição, exclusive os maiores do sexo masculino, que não sejam interditos ou inválidos; III - aos netos, órfãos de pai e mãe, nas condições estipuladas para os filhos;
IV - à mãe VlUva, solteira ou desquitada, e ao pai inválido ou interdito;
V - às irmãs germanas e consangüíneas, solteiras, viúvas ou desquitadas, bem como aos irmãos menores mantidos pelo contribuinte, ou maiores interditos ou inválidos;
VI - ao beneficiário instituído, desde que viva na dependência do militar e não seja do sexo masculino e maior de 21 (vinte e um) anos, salvo se for interdito ou inválido permanentemente."
In casu, conquanto tenha o de cujus vivido em companhia da recorrida por mais de 25 (vinte e cinco) anos, resultando da união seis filhos, permaneceu legalmente casado até a data de sua morte, não a indicando como beneficiária, razão por que não há falar em direi to ao benefício antes de 30/03/85, data do falecimento da viúva, ut art. 8º da Lei nº 3.765/60, litteris:
"Art. 8º. O beneficiário a que se refere o item VI do artigo anterior poderá ser instituído a qualquer tempo, mediante declaração na conformidade do Capítulo III desta lei ou testamento feito de acordo com a lei civil, mas só gozará de direito à pensão militar se não houver beneficiário legítimo".
Neste sentido, com inteira adequação, assevera o voto do eminente Juiz Volkmer de Castilho, no desate da controvérsia:
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 437
"A União Federal resiste à pretensão da apelada em receber a pensão especial da FEB com efeitos retroativos à data do pe';;do administrativo sob o argumpnto de que estaria pagando o benefício por duas vezes. Em parte assiste-lhe razão porque enquanto viva a viúva, beneficiária do direito (art. 7Q
- Lei n Q 3.765/60) recebeu-a. No entanto, após o óbito desta, em 30.03.85, não tendo a apelante provado que sua quota-parte houvesse revertido para as filhas da apelada (fls. 106), faz esta jus em recebê-la integralmente desde então, pois demonstrada a dependência dela, concomitante ou não com a viúva, ao de cujus, fato que se presume
pela existência de 6 filhos comuns." (fls. 176)
Aliás, hipótese mais ou menos análoga foi decidida pelo Tribunal Federal de Recursos, conforme acórdão trazido à colação pela recorrente, no qual o Relator, Ministro Costa Lima, destaca a impossibilidade de retro ação do termo a quo do pagamento do benefício, impondo a devolução daquilo que a parte legal e legitimamente designada recebeu (AC 65.793-MG-TRF-2" Turma).
Ante o exposto, conheço do recurso e dou-lhe provimento para que a pensão seja concedida a partir de 30/03/85 (data do falecimento da viúva).
RECURSO ESPECIAL Nº 107.203 - RJ (Registro nº 96.0057033-7)
Relator: O Sr. Ministro Vicente Leal Recorrente: União Federal Recorridos: Marcia Borges Ildefonso Moretzsohn e outros Advogados: Luiz Fernando Faria Macedo e outro Sustentação Oral: Dr. Luiz Fernando Faria Macedo, pelos recorridos
EMENTA: Processual Civil. Sentença condenatória contra a União. Duplo grau de jurisdição obrigatório. CPC, art. 475, 11.
-A remessa ex officio, prevista no art. 475, lI, do Código de Processo Civil, é providência imperativa, sem a qual não ocorre o trânsito em julgado da sentença nos termos da Súmula 423, do Pretório Excelso.
- "A causa em que se discute matéria constitucional não está sujeita à alçada de que trata a Lei n Q 6.825, de 1980". (Súmula n Q
246/TFR). - Recurso especial conhecido.
438 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, conhecer do recurso especial e determinar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para reexame necessário, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Anselmo Santiago e William Patterson. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
Brasília, 1 Q de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro VICENTE LEAL, Relator.
Publicado no DJ de 19-12-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL: Proposta ação ordinária por funcionários da Justiça Federal contra a União Federal objetivando o reajuste dos seus vencimentos com base no IPC de março de 1990 (84,32%), o pedido foi julgado procedente por sentença de fls. 36/38.
Não houve recurso voluntário e o MM. Juiz processante não submeteu o decisum ao reexame necessário pelo Segundo Grau de Jurisdição, certificando-se o trânsito em julgado.
Requerida a execução da sentença e homologados os cálculos (fls.
85), a União Federal requereu que fossem os autos remetidos ao Tribunal Regional Federal, nos termos do art. 475, lI, do CPC, "tornando sem efeito os atos tendentes à execução do julgado, vez que inexistente decisão transitada em julgado" (sic - fls. 110).
Após tumultuada tramitação, subiram os autos ao Tribunal, que em decisão proferida pela Terceira Turma, não conheceu da remessa ex officio, ao fundamento de que "inexiste reexame obrigatório em se tratando de sentença de liquidação, de acordo com a pacífica jurisprudência" (fls. 199).
Irresignada, a União interpõe o presente recurso especial, alegando negativa de vigência ao art. 475, lI, do Código de Processo Civil, sendo inaplicável à espécie a alçada prevista na Lei n Q 6.825/80, à época vigente, por versar o debate sobre matéria constitucional, incidindo o comando expresso na Súmula 246, do extinto T.F.R. (204/211).
Admitido o recurso (fls. 229/230), subiram os autos a esta Corte.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL (Relator): Como acentuado no Relatório, o Juiz Federal prolator da sentença que condenou a União a pagar vencimentos de funcionários com o reajuste pelo IPC de março de 1990 não submeteu o julgamento ao reexame necessário, na forma prevista no art. 475, lI, do Código de Processo Civil.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 439
E, por isso, deu-se início, indevidamente, à fase de execução do julgado.
Encaminhados os autos ao Tribunal a quo, por provocação da União, para que o decisum fosse submetido ao obrigatório duplo grau de jurisdição, a Turma julgadora afastou a remessa necessária na fase de conhecimento, sob a invocação do art. 1 Q da Lei n Q 6.825/80, e entendeu descabida a providência na fase de execução.
Data venia, trata-se de decisão equivocada.
Na hipótese, ressalta, a toda evidência, que a questão debatida na sentença envolve substancialmente matéria constitucional: - a garantia do direito adquirido ao reajuste de vencimentos pelo IPC. Assim, não cabia, em absoluto, a exceção prevista no art. P da antiga Lei n Q
6.825/80.
Assim, era de rigor a submissão da sentença ao reexame necessário, providência imperativa, sem a qual não ocorre o trânsito em julgado do decisum nos termos da Súmula n Q
423, do Excelso Pretório.
Não se cogita, aqui, de remessa ex officio em fase de execução de sentença, como mencionou o acórdão, mas de duplo grau de jurisdição obrigatório na fase de conhecimento, como previsto no art. 475, II, do Código de Processo Civil.
Tenho, portanto, que o acórdão recorrido negou aplicação ao mencionado preceito, impondo-se a sua revisão.
Isto posto, conheço do recurso especial para, desconstituindo o acórdão recorrido, ordenar a baixa dos autos ao Tribunal a quo para o obrigatório reexan::e da sentença de conhecimento.
É o voto.
VOTO (VISTA)
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON: Estou de inteiro acordo com o entendimento expresso no voto do eminente Relator.
N a verdade, não submetida a decisão de mérito, no processo de conhecimento, ao duplo grau de jurisdição, como determina o art. 475, do Código de Processo Civil, não se pode falar em trânsito em julgado, de sorte a possibilitar a execução Aliás, o enunciado da Súmub n~ 423, do Egrégio Supremo Tribunal Federal, é expressiva, no particular, ao proclamar:
"Não transita em julgado a sentença por haver omitido o recurso ex officio, que se considera interposto e ex lege."
Lembre-se, por oportuno, o equívoco do Tribunal a quo em considerar que se cuidava de remessa da sentença de execução. A falha refere-se ao processo de conhecimento, evidentemente.
Ante o exposto, acompanho o Relator.
440 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
RECURSO ESPECIAL NQ 109.559 - RS
(Registro n Q 96.0062027-0)
Relator: O Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
Recorrente: Cláudio Luiz Bianchini Freitas
Recorrido: Ministério Público do Estado do Rio Grande do Sul
Advogados: Drs. Galeno Araújo Pereira e outros
EMENTA: REsp - Penal - Crime continuado - Pena - O crime continuado, notório, expressa favor rei. Aliás, inspirado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 119, Código Penal, estatui: "No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente."
O cálculo da prescrição levará em conta cada delito, sem computar a majorante própria da continuação. A solução deve ser nessa linha. Caso contrário, o princípio nulla poena sine lege será afrontado, ou seja, aplicar-se-á a sanção mais severa, para todas as infrações, sendo que uma delas, por lei, era menor. Dessa forma, a pena básica, porque a mais branda, por força constitucional, prefere à mais grave, será a única a ser levada em consideração. Se assim não for, impor-se-á sanção inexistente à data do crime. A sensibilidade do juiz saberá, na individualização, captar as circunstâncias relevantes e definir o quantum final, aplicando percentual nos limites da majoração.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade, conhecer do recurso e lhe dar provimento para aplicar a pena mais branda, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Anselmo Santiago e William Patterson. Ausente, justificadamente, o Sr. Ministro Vicente Leal.
Brasília, 26 de novembro de 1996 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Relator.
Publicado no DJ de 16-03-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Trata-se de recursos especiais interpostos por Cláudio Luiz Bianchini Freitas, ambos com fundamento nas alíneas a e c do permissivo constitucional.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 441
o primeiro recurso especial fora manejado contra acórdão proferido em apelação condenando o ora recorrente nas penas do art. 12, inciso II da Lei 8.137/90, em continuidade delitiva, fundamentando que o fato, dele haver praticado o delito ou se a fraude foi realizada por pessoa interposta, ser irrelevante, e que, no crime continuado, o agente que persiste na atividade incriminada após a vigência de lei nova, tinha possibilidade de orientar-se pelas disposições destas ao invés de prosseguir na prática de seus crimes. Assim, o recorrente argúi inexistência de prova de autoria e negativa de vigência ao art. 22 do C.P., aduzindo, ainda, dissídio jurisprudencial, sustentando ser imperativa aplicação de lei mais benigna ao réu.
Em sede de Embargos Infringentes, fora mantida a decisão com relação à aplicação da continuidade delitiva com base na lei nova, Lei 8.137/90 e não na Lei 4.729/65, alegando, assim, o recorrente, no segundo recurso especial interposto, violação aos citados dispositivos legais, além de argüir, também, divergência jurisprudencial.
Recursos especiais admitidos por força de agravo de instrumento (fls. 80).
Parecer do Ministério Público Federal às fls. 87/89.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO (Relator):
Não procede, data venia, a impugnação do Ministério Público Federal, argumentando deficiência de composição do instrumento. Ao contrário do afirmado, as contra-razões do Ministério Público estão às fls. 70/75.
O lapso decorreu do seguinte: o Recorrente valera-se do Especial após a apelação; decidida esta por maioria, interpôs os Embargos Infringentes. E, em seguida, novamente o Recurso Especial. A matéria deduzida em ambos foi a mesma e negado provimento aos Infringentes.
Inexiste, pois, o defeito processual.
O tema em debate é o seguinte: caracterizado o crime continuado, havendo pluralidade de leis, qual (ou quais) a aplicável (aplicáveis)?
O crime continuado é unidade jurídica; trata-se de concurso material, todavia, disciplinado como um só crime. Juridicamente, a pluralidade cede espaço à unidade. Daí, repetir-se (apesar de impropriedade técnica) configurar - ficção jurídica. Data venia, melhor falar - realidade normativa. O mundo do Direito não é servil ao mundo da natureza; embora neste, possa haver pluralidade de fatos, nada impede serem, normativamente, tidas como unidade.
No crime continuado, insista-se, há pluralidade de delitos, todavia, unitariamente considerados.
Bettiol, comentando o Código Penal da Itália, afirma: "Per pluralità d'azioni o omissioni si intende
442 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (l05): 415-465, maio 1998.
quindi una pluralità di reati", Diritto Penale, Cedan, Padova, 1976, 9il edizione, pág. 611).
Em sendo assim, cada infração penal atrairá, para o caso concreto, a respectiva cominação de pena. Todavia, em homenagem à unidade, aplicar-se-á a pena de um só dos crimes, se idênticas, ou a mais grave, se diversas, aumentada, em qualquer caso, de um sexto a dois terços.
O mesmo crime pode ser objeto da continuação. E a pena, por seu turno, sofrer modificação com o passar do tempo. Imagine-se. A continuação compreender delitos praticados no espaço de uma semana; todavia, por alteração legislativa, a pena cominada ao primeiro era mais branda do que a definida quando praticados os sucessivos.
Coloca-se a interrogação: qual delas será a pena básica e que servirá de parâmetro para a majoração?
O crime continuado, notório, expressa favor rei. Aliás, inspirado na jurisprudência do Supremo Tribunal Federal, o art. 119, Código Pe-
nal, estatui: "No caso de concurso de crimes, a extinção da punibilidade incidirá sobre a pena de cada um, isoladamente."
O cálculo da prescrição levará em conta cada delito, sem computar a majorante própria da continuação.
A solução deve ser nessa linha. Caso contrário, o princípio nulla poena sine lege será afrontado, ou seja, aplicar-se-á a sanção mais severa, para todas as infrações, sendo que uma delas, por lei, era menor.
Dessa forma, a pena básica, porque a mais branda, por força constitucional, prefere à mais grave, será a única a ser levada em consideração. Se assim não for, imporse-á sanção inexistente à data do crime. A sensibilidade do juiz saberá, na individualização, captar as circunstâncias relevantes e definir o quantum final, aplicando percentual nos limites da majoração.
Conheço do recurso especial a fim de ser aplicada a infração mais branda, considerando o restante da individualização da pena.
RECURSO ESPECIAL NQ 109.765 - GO
(Registro n Q 96.0062483-6)
Relator: O Sr. Ministro Vicente Leal
Recorrente: Ministério Público do Estado de Goiás
Recorrido: João Batista
Advogados: João Bosco Mendes Sales e outro
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 443
EMENTA: Penal. Princípio da individualização da pena. CP, art. 59. Circunstâncias judiciais. Dosimetria. Confissão extrajudicial. Retratação em juízo. Descaracterização.
- Fixada a pena-base com plena observância do princípio da individualização da pena, com decantação de cada uma das circunstâncias judiciais inscritas no art. 59, do Código Penal, impõe-se a confirmação do decreto condenatório em sede de apelação, sendo indevida nessa fase a redução da pena sem demonstração objetiva de erro na fixação da pena pelo Juiz monocrático.
- Recurso especial conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, dar provimento ao recurso para, cassando o acórdão recorrido, restabelecer a decisão de Primeiro Grau, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Anselmo Santiago, William Patterson e Luiz Vicente Cernicchiaro.
Brasília, 18 de novembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro VICENTE LEAL, Relator.
Publicado no DJ de 19-12-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL: João Batista, mineiro, residente em Itapuranga - Goiás, foi denunciado e condenado pela prática do crime de estupro contra sua filha menor de cinco anos, sendo-lhe
imposta a pena de sete anos e seis meses de reclusão (fls. 96/101).
A Segunda Turma da Primeira Câmara Criminal do Tribunal de Justiça do Estado de Goiás, apreciando recurso da defesa, reformou o decisum, reduzindo a pena para três anos e nove meses de reclusão e, em seguida, declarou extinta a punibilidade pela ocorrência da prescrição retroativa da pretensão punitiva (fls. 157/162).
Irresignado o Ministério Público Estadual interpõe o presente recurso especial alegando desrespeito ao art. 59, do Código Penal, bem como ao art. 110, § 1 Q, do mesmo diploma legal.
Alega o recorrente, em essência, que o acórdão recorrido desconsiderou as circunstâncias judiciais assentadas na sentença, reduzindo a pena com a utilização de elementos estranhos ao art. 59, do Código Penal.
Verbera, ainda, ser inaplicável a regra do art. 110, § 1 Q, do mencionado diploma legal, pois o acórdão não transitava em julgado para a acusação (fls. 164/172).
444 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
Admitido o recurso por despacho de fls. 174/175, ascenderam os autos a este Tribunal.
A douta Subprocuradoria Geral da República, em parecer de fls. 181/187, opina pelo conhecimento e provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL (Relator): O Juiz de Direito prolator da sentença condenatória, ao fixar a pena-base em seis anos de reclusão, acima do mínimo legal à época prevista (o fato ocorreu antes da vigência das Leis nllli. 8.069 e 8.072), efetuou com rigor e propriedade o processo de individualização da pena, com absoluta observância das disposições inscritas no art. 59, do Estatuto Penal.
Registre-se o seguinte excerto do dispositivo da sentença:
"Atendendo ao disposto no artigo 59, do Código Penal, fixo a pena-base em 06 (seis) anos de reclusão, pois o Acusado agiu com dolo intenso, de forma premeditada, cínica, e cruel não proporcionado à vítima qualquer chance de defesa; é tecnicamente primário, mas os seus antecedentes não são bons porquanto consta quejá espancou sua ex-mulher e tentou estuprar a sua outra filha; a personalidade e conduta social do Acusado revelaram-se desabonadoras, mesmo porque, apesar das evidências, negou a prática do
crime e não compareceu à audiência; as circunstâncias em que o crime aconteceu foram completamente desfavoráveis e ainda assim, logrou êxito o Acusado em consumá-lo, sobrepondo a todas as dificuldades para satisfazer o bestial instinto; as conseqüências do crime foram gravíssimas. Além de transmitir à vítima uma doença venérea, a traumatizou pelo resto da vida. Tudo que for feito no sentido de tentar eliminar da mente da vítima cenas do crime, não será suficiente para eliminar o trauma. A vítima em nada contribuiu para o crime. Era criança de apenas 05 anos de idade em companhia do pai, pessoa que, por certo, depositava absoluta confiança e de quem contava como toda proteção" (fls. 100/101).
Como visto, o nobre magistrado monocrático efetuou uma precisa decantação de cada uma das circunstâncias judiciais, fazendo projetar os seus efeitos na fixação da reprimenda.
O Tribunal de Justiça, todavia, reduziu a pena para três (3) anos e nove (9) meses, decretando, em conseqüência, a extinção da punibilidade pela prescrição retroativa da pretensão punitiva. E ao fazê-lo, considerou que a prova era frágil e que já transcorrera entre o fato e a decisão quase um decênio. Asseverou, ainda, que tais circunstâncias preponderam favoravelmente ao réu (fls. 161).
Data venia, não vejo como a morosidade no curso do processo pos-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (l05): 415-465, maio 1998. 445
sa consubstanciar circunstância favorável ao réu. E a fragilidade das provas não conduzem à redução da pena, mas à sua absolvição.
Ademais, o acórdão não fez qualquer censura à sentença. Reduziu a pena de forma arbitrária, sem qualquer demonstração objetiva de erro na fixação da pena.
U~ crime de tal gravidade - estupro contra a própria filha de cinco anos de idade - não pode ser esquecido, sem qualquer sanção, por
força de uma decisão flagrantemente equivocada.
Merece, assim, ser conhecido o recurso porque patenteado o desrespeito ao art. 59, do Código Penal, que fora adequadamente aplicado pelo Juízo de Primeiro Grau.
Isto posto, conheço do recurso especial para, cassando o acórdão recorrido, restabelecer a sentença de primeiro grau.
É o voto.
RECURSO ESPECIAL Nº 124.442 - RS (Registro nº 97.0019480-9)
Relator: O Sr. Ministro Fernando Gonçalves
Recorrente: Heloísa Trípoli Goulart Piccinini Advogados: Drs. Hermann Homem de Carvalho Roenick e outro
Recorrido: Aderbal Torres de Amorim Advogados: Drs. Jauro Duarte Gealen e outros
Sustentação Oral: Dr. Lauro Leitão, pela recorrente, Dr. Jauro Duarte Gealen, pelo recorrido
EMENTA: Recurso especial. Mandado de segurança. Prazo para impetração. Art. 18 da Lei n 9 1.533/51. Matéria de fato complexa. Deslinde. Violação ao art. 1 9 da lei em apreço. 1 - Exclui-se a causa extintiva relativa à decadência se o edital homologando o resultado final do concurso público impugnado foi levado a publicação no órgão oficial do dia 27 de agosto de 1993 e o writ impetrado em 27 de dezembro de 1993 (segundafeira). Precedente do STF - RTJ-I08/1.085.
2 - O mandado de segurança não se presta ao deslinde de matéria de fato complexa, exigindo, em contraposição, direito "evidente, acima de toda dúvida razoável", que se percebe de plano, sem "detido exame".
3 - Recurso especial conhecido (letra a).
446 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por maioria, conhecer do recurso (letra a) para denegar a segurança. Vencido o Ministro William Patterson. Votaram com o MinistroRelator os Ministros Anselmo Santiago, Luiz Vicente Cernicchiaro e Vicente Leal.
Brasília, 09 de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro FERNANDO GONÇALVES, Relator.
Publicado no DJ de 23-03-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES: Cuida-se de recurso especial interposto por Heloísa Trípoli Goulart Piccinini, com fulcro nas letras a e c do permissivo constitucional, contra acórdão proferido pelo Segundo Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul em mandado de segurança, em que figura como litisconsorte passivo necessário, assim ementado:
"Mandado de segurança. Carência de ação inexistente. Candidato a concurso público já aposentado.
A anterior aposentadoria de candidato a concurso público não o
torna carecedor de ação de mandado de segurança, por falta de interesse e legitimidade ad causam pela decisão anterior do STF, em outro feito, de que é vedada a acumulação de proventos.
Preclusão inocorrente.
Ajuizado o writ nos 120 dias da data da ciência do ato impugnado, é ele tempestivo.
Erro aritmético.
O erro aritmético, decorrente da equivocada transposição da soma das colunas de pontuação do candidato, fere-lhe direito líquido e certo, ensejando a concessão da segurança.
Preliminares rejeitadas. Segurança concedida. Votos vencidos.)) (fls. 876).
Alega a recorrente violação aos arts. 535, II do Código de Processo Civil e 1 Q, 8Q e 18 da Lei n Q 1.533/ 51, bem como divergênciajurisprudencial.
Apresentadas as contra-razões foi admitido o recurso após provido agravo de instrumento.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO FERNANDO GONÇALVES (Relator): Na hipótese sub examen Aderbal Torres de Amorim impetrou mandado de segurança contra ato do Presidente do Tribunal de Contas do Estado do Rio Grande do Sul, consubstanciado no improvimento de recurso adminis-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 447
trativo interposto de decisão proferida pela Banca Examinadora do concurso público para provimento de cargos de auditor-substituto, negando revisão no somatório das notas obtidas quando da sua aprovação.
O Desembargador Relator, Ramon G. von Berg determinou a citação da litisconsorte passiva necessária, Heloísa Trípoli Goulart Piccinini, ora recorrente, por sua condição de primeira colocada no certame.
Concedida a segurança, por maioria de votos, pelo colendo 29 Grupo de Câmaras Cíveis do Tribunal de Justiça do Estado do Rio Grande do Sul, para elevar a 91 (noventa e um) pontos a nota final do impetrante, foram opostos embargos de declaração para fins de prequestionamento, que rejeitados, ensejaram a interposição do presente recurso especial, o qual foi admitido após provido agravo de instrumento.
O recurso merece ser conhecido apenas pela letra a do permissivo constitucional, eis que não restou demonstrado, de forma analítica, com transcrição de trechos divergentes de acórdãos paradigmas, não se aperfeiçoando pela simples citação de ementas, o verberado dissenso jurisprudencial, desprezadas as recomendações do art. 541, § único c/c o art. 255 e §§ do RISTJ.
O Tribunal recorrido ao julgar os embargos de declaração assim fixou:
"A matéria, data venia, é singela.
Com efeito, estribam-se os embargos de declaração na prefaciaI invocada pela litisconsorte Heloísa Trípoli Goulart Piccinini em sua manifestação, às fls. 643 e seguintes, sob o título: "Da impropriedade da via eleita ante a existência de fatos controversos".
N a realidade, a litisconsorte dedicou mais de dez laudas (fls. 643/ 653) à abordagem da matéria.
Todavia, ao ensejo do julgamento de mérito a discussão restou esvaziada, visto que o colendo Grupo reconheceu a existência de erro aritmético, que causou lesão ao direito do autor, alijando-o da primeira posição no resultado do certame.
Tal decisão fulcrou-se no contido na grade dos resultados obtidos pelos candidatos, onde se verifica que o impetrande Aderbal Torres de Amorim atingiu a soma de noventa e um (91) pontos, sendo, porém, transportado esse somatório para a coluna seguinte (nota final), onde constam apenas oitenta e nove vírgula vinte pontos (89,20).
Sobre esses fatos inexiste controvérsia, sendo, portanto, líquido e certo o direito do impetrante, violado pela autoridade coatora." (fls. 929/930)
Consoante se depreende do excerto transcrito, o acórdão recorrido, ao solucionar a controvérsia, longe de ser omisso, delineou ainda que sucintamente, as questões a ele submetidas, razão pela qual não resta caracterizada a violação ao art. 535, inciso II, do CPC.
448 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
A propósito, transcrevo:
"Processual Civil - Acórdão -Motivação - Omissão -Artigos 282, 458, 11 e 535, II, CPC - Súmula 7/STJ.
1. O órgão judicial para expressar a sua convicção não precisa aduzir comentários sobre todos os argumentos levantados pelas partes. Embora sucinta ou deficiente, a motivação, pronunciando-se sobre as questões de fato e de direito para fundamentar o resultado, exprimindo o sentido geral do julgamento, não se emoldura negativa de vigência aos artigos 458, II e 535, II, CPC, nem se entremostra confronto com o art. 282, do mesmo código.
2. As razões fáticas, custodiadas em demonstração probatória, cujo exame está reservado à soberania das instâncias ordinárias, são desconsideradas na via especial (Súmula 7/STJ).
3. Recurso improvido." (REsp n Q
40.897/SP, DJ 19/06/95, Min. Milton Pereira)
Doutra parte, quanto à violação ao art. 18 da Lei n Q 1.533/51, melhor sorte não socorre a recorrente.
Com efeito, o termo a quo de contagem para a impetração do mandamus é do dia da ciência do ato impugnado.
In casu, conquanto tenha o recorrente interposto recurso administrativo, visando a reforma ou reconsideração do ato considerado lesivo, não tem ele (recurso) o con-
dão de interromper o prazo decadencial de cento e vinte dias, nos exatos termos da Súmula n Q 430 do Excelso Pretório.
N este sentido, j á decidiu esta Turma quando do julgamento do ROMS n Q 6.299/RS, de minha relatoria, in DJ 07/04/97, verbis:
"Administrativo. Pedido de reconsideração. Mandado de segurança. Prazo não interrompido. Decadência.
1-Segundo o Enunciado n Q 430 da Súmula do Colendo STF: "Pedido de reconsideração na via administrativa não interrompe o prazo para o mandado de segurança".
2 - Recurso improvido."
Entretanto, o edital homologando o resultado final do concurso foi publicado no Diário Oficial em 27/ 08/93 (fls. 118) e o writ impetrado em 27/12/93, segunda-feira (fls. 02), não havendo falar em decadência, ut RTJ 108/1.085.
Subsiste contudo a argüição de infringência aos arts. P e 8Q da Lei n Q 1.533/51, dada a existência de franca e aberta controvérsia entre as asseverações do recorrido - Aderbal Torres de Amorim - e a afirmação da autoridade apontada como coatora, ancorada emjulgamento da banca examinadora que, reiteradas vezes, pugnou pela ausência de qualquer erro de soma como decidido no ven. acórdão, consoante o seguinte excerto, extraído do voto do Desembargador-Relator, verbis:
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (l05): 415-465, maio 1998. 449
"Entendo, eminente Presidente, também me valendo de expressão trazida ad tribuna por estarem integrando a banca maiores autoridades do mundo jurídico, não só por isso, mas porque se trata de uma questão de erro, lapso ou equívoco, que evidentemente está a desafiar as leis, não da matemática, mas da aritmética. Venho, eminentes Colegas, confessar a minha perplexidade pelo que consta na grade da fl. 425, que é documento oficial emanado do egrégio Tribunal de Contas, cujas grandezas ali constantes, iguais para os dois candidatos, são diferentes quando transposto o seu somatório da primeira coluna para a coluna nota final. Ambas as séries de notas da candidata colocada em primeiro lugar, são integrados pelos mesmos valores e, conseqüentemente, a soma só poderia ser 91:
Heloísa Piccinini 0,6 - 1,0 - 1,0 -1,0 - 1,0 - 4,5 = 91 91,00
Aderbal Amorim 1,0 - 1,0 - 1,0 -1,0 - 0,8 - 4,3 = 91 89,20
Diante disso, eminente Presidente, simplificando - porque não vejo como fugir a essa realidade -, estou em conceder a segurança na primeira alternativa e julgo prejudicada a segunda porque desapareceu a preocupação em reexame por aquela egrégia Corte do recurso hierárquico." (fls. 887/888)
A litisconsorte passiva e recorrente - Heloísa Trípoli Goulart Piccinini - por via de embargos de
declaração (fls. 896/901) se insurgiu quanto ao não-exame pelo Tribunal da preliminar de inadequação da via eleita devido a existência de fatos controversos na base do alegado direito do impetrante em contraposição à afirmação da banca acerca da inexistência de erro aritmético no somatório das notas.
Ao decidir sobre o busilis o Grupo de Câmaras Cíveis destacou ser o erro aritmético decorrente de equivocada transposição da soma das colunas de pontuação do candidato, ut grade de fls. 425 (fls. 887). Efetivamente, se correta a referida grade, não há como negar o erro aritmético dela constante, quando atribui ao recorrido nota final, 89,20, ao invés de 91,00. O acórdão, como anota o r. despacho de fls. 1.088/1.099, reconhecendo como certa a existência do erro aritmético, afastou a tese da controvérsia acerca dos fatos (preliminar).
No entanto, data venia, o exame detalhado do tema mostra facilmente a ocorrência da terrível controvérsia entre as afirmações do recorrido e as informações prestadas, com amparo nos conceitos emitidos pela banca examinadora, à luz das normas constantes do edital.
O pedido preambular (fls. 08) consigna que ao "lado de cada questão, ou ao pé delas, a Comissão (ou certamente alguém por ela ... ) lançou uma nota a ela correspondente" e que, não obstante a banca afirmar não servir como média as notas consignadas na própria prova, este critério foi utilizado apenas para ele, liberados os demais candidatos, pedindo, em decorrência:
450 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (l05): 415-465, maio 1998.
"Seja-lhe, desde logo, em nome da regra isonômica, em nome da pars conditio concursorum, concedida por esse egrégio Colegiado, segurança consistente na pontuação que a Banca Examinadora se recusou a lhe dar, com o aval- insiste-se - da Presidência do ego Tribunal de Contas, nos termos exatos do que foi feito para todos os demais candidatos aprovados e nos termos exatos dos números (pontos) lançados à margem das respectivas questões das provas anexas." (fls. 13)
Haveria, segundo a hipótese conjecturada na peça vestibular, flagrante erro de soma (material), circunstância repelida pelos examinadores que, no pedido de revisão formulado na esfera administrativa, destacaram (fls. 40):
"Não há erro de soma. O número constante ao lado da resposta não corresponde à nota atribuída pela Banca".
N as informações a autoridade impetrada, firme no mesmo posicionamento, expõe:
"Aqui se denota toda a controvérsia entre o candidato e a Banca e, que, nuclearmente, se resume ao fato de que, enquanto a Banca esclarece que as notas ao lado de cada questão não são a "nota final", o Impetrante afirma (!) que sim. Mas, como se verá, esta é aquela obtida pela média aritmética das notas atribuídas por todos os membros da Banca, lan-
çada na capa da prova, transposta no boletim e publicada. O Impetrante pretende que a soma dos valores lançados ao lado de cada questão na sua primeira prova seja o grau final, ou "nota final". A capa da sua prova está em anexo sob n Q 2." (fls. 240)
Mais à frente, com aumento do nível de perplexidade causado pelo emaranhado dos fatos, acentua a autoridade coatora, mediante transcrição de pronunciamento dos então examinadores (fls. 244/245):
"a) como declarado na decisão da Banca Examinadora que apreciou o recurso administrativo do requerente, não houve erro de soma; os números constantes ao lado das respostas não correspondem à nota atribuída pela Banca. Quer isso significar que anotações lançadas em prova por algum dos integrantes da Banca, não podem ser entendidas como sendo a nota final. Esta, a nota final, no caso, está nitidamente estampada na capa da prova. É ela a resultante da média das notas atribuídas pelos integrantes da Banca, isoladamente.
Não houve assim, quanto a esse ponto, nenhuma irregularidade praticada pela banca. Nem por nenhum integrante isoladamente, uma vez que nenhuma irregularidade há no fato de alguns dos integrantes da Banca ter lançado a sua nota, individual, diretamente, nas provas: nos termos do edital, a nota que vale, isto é, a nota final, resulta do somató-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 451
rio e média das notas, individuais, de cada um dos examinadores, lançada na capa da prova, no campo a ela destinado, e constante do edital de publicação -boletim n Q 198/93, de 30.04.93-inserto no processo n Q 4324-0200/ 92-0." (anexo nº4).
E, por fim, está às fls. 272/273, verbis:
"Em sua inicial, item 18, o Impetrante apresenta um quadro, por ele elaborado, segundo o qual a soma das notas ao lado das questões é 91 e a nota final, no quadro, repise-se, é 89,20.
A alegação, entretanto, é eivada de lapso. A nota final não é soma, mas média aritmética das notas de cada um dos examinadores.
Repisa-se: como decidiu inúmeras vezes a Banca, e somente a ela cabia esclarecer e afirmar sobre as suas anotações nas provas e capas das provas:
- Não houve erro de soma.
- Os números ao lado das res-postas não correspondem à nota final.
- Portanto: anotações de alguns dos integrantes da banca nas provas não significam nota final.
- A nota final é a média aritmética das notas parciais.
- A nota final está afixada no campo próprio da capa da prova.
- É o que determina o item 18 do edital."
Houve, como se ve as fls. 271, anotações numéricas nas provas dos candidatos por alguns membros da banca, mas como esclarecido, não constituíram a nota final. Esta é "a média aritmética das médias subfinais de cada examinador". A nota final, repita-se, não corresponde à soma das "notas individuais averbadas a cada questão" ... mas à "média aritmética do conjunto de notas dos examinadores" (fls. 271/272).
O acórdão-recorrido, com espeque apenas na grade de fls. 425, que afirma ser documento oficial emanado do Tribunal de Contas, fixouse na perspectiva de erro de soma (fls. 887/888), quando a este documento, em nenhum momento, fez referência à autoridade impetrada, cuj as informações revelaram com clareza, que a nota final "foi aposta no campo próprio impresso do lado direito e superior da capa da prova" (fls. 246) que não é um "papel avulso". É, desta forma, flagrante o desencontro entre uma afirmação e outra, tanto assim que o em. Des. José Maria Rosa Tesheiner, em seu voto, ponderou:
"N os termos do edital, as notas correspondiam à média dada pelos examinadores. No caso, as notas apresentadas à margem das questões são individuais, o que por si só mostra que não poderiam representar uma média.
Ainda afastado este raciocínio, não vejo como poderia conceder essa segurança sem ouvir o depoimento dos membros da banca
452 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
para saber como os mesmos trabalharam, como foram lançadas as grades; isso evidentemente não é possível em mandado de segurança." (fls. 925)
É aberta a complexidade da questão, não se prestando, portanto, o mandado de segurança ao seu deslinde. Como dizia o eminente Ministro Carlos Maximiliano, acerca da liquidez e certeza do direito para fins de mandado de segurança, exige-se "direito translúcido, evidente, acima de toda dúvida razoável, apurável de plano sem detido exame, nem laboriosas cogitações", in Mandado de Segurança - Sérgio Ferraz - Malheiros Editores, 3ª ed., pág. 18. A verdade é que dada a Índole do writ, como pondera o Ministro Demócrito Reinaldo (STS - MS n Q 1.244-0) é impraticável "o exame de matéria complexa, para efeito de sua concessão". Ressalte-se ainda, em abono da tese que as informações gozam de relativa presunção de veracidade sobre a matéria de fato (STJ - MS n Q 1.012).
Houve, a meu sentir, violação ao art. P, da Lei n Q 1.533/51, pelo que, conheço do recurso (letra a) para denegar a segurança.
VOTO (VISTA)
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON: Pedi vista dos autos para melhor reflexão sobre os fundamentos que conduziram a conclusão do voto do Senhor Ministro-Relator, no sentido de denegar a segurança, por entender violado o art. 1 Q, da Lei n Q
1.533, de 1951. Assinalo, por oportuno, que, em relação aos demais aspectos suscitados, inclusive a decadência, estou de pleno acordo com as considerações lançadas por S. Exa.
Na verdade, a ação mandamental é instrumento de natureza constitucional para a proteção de direito individual ou coletivo, líquido e certo, consoante se extrai do próprio conceito Ínsito na legislação de regência. Daí a razão pela qual o ilustre Relator, de forma correta, entendeu que a espécie não se comporta nesses estreitos limites. Aduz, a propósito, essas considerações:
"Houve, como se vê às fls. 271, anotações numéricas nas provas dos candidatos por alguns membros da banca, mas como esclarecido, não constituíram a nota final. Esta é "a média aritmética das médias subfinais de cada examinador". Anota final, repita-se, não corresponde à soma das "notas individuais averbadas a cada questão" ... mas à "média aritmética do conjunto de notas do examinadores" (fls. 271/272).
O acórdão-recorrido, com espeque apenas na grade de fl. 425, que afirma ser documento oficial emanado do Tribunal de Contas, fixou-se na perspectiva de erro de soma (fls. 887/888), quando a este documento, em nenhum momento, fez referência à autoridade impetrada, cujas informações revelaram com clareza, que a nota final "foi aposta no campo próprio impresso do lado direito e supe-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 453
rior da capa da prova" (fl. 246) que não é um "papel avulso". E, desta forma, flagrante o desencontro entre uma afirmação e outra, tanto assim que o em. Des. José Maria Rosa Tesheiner, em seu voto, ponderou:
"N os termos do edital, as notas correspondiam à média dada pelos examinadores. No caso, as notas apresentadas à margem das questões são individuais, o que por si só mostra que não poderiam representar uma média.
Ainda afastado este raciocínio, não vejo como poderia conceder essa segurança sem ouvir o depoimento dos membros da banca para saber como os mesmos trabalharam, como foram lançadas as grades; isso evidentemente não é possível em mandado de segurança." (fls. 925)
É aberta a complexidade da questão, não se prestando, portanto, o mandado de segurança ao seu deslinde. Como dizia o eminente Ministro Carlos Maximiliano, acerca da liquidez e certeza do direito para fins de mandado de segurança, exige-se "direito translúcido, evidente, acima de toda dúvida razoável, apurável de plano sem detido exame, nem laboriosas cogitações", in Mandado de Segurança - Sérgio Fer-raz - Malheiros Editores, 3ª ed., pág. 18. A verdade é que dada a índole do writ, como pondera o Ministro Demócrito
Reinaldo (STJ - MS n Q 1.244-0) é impraticável "o exame de matéria complexa, para efeito de sua concessão". Ressalte-se ainda, em abono da tese - que as informações gozam de relativa presunção de veracidade sobre a matéria de fato (STJ - MS n Q 1.012)."
Não teria a menor dúvida em aderir aos lúcidos argumentos postos em destaque, se estivesse na posição de Julgador do mandado de segurança originário. Todavia, cabenos, agora, apreciar a matéria em sede de recurso especial, que, igualmente, repele exame de matéria fática, máxime quando controvertida, como acontece, no particular.
Ora, para se chegar à certeza de que o writ não é cabível, por descarte da certeza e liquidez do direito vindicado, o caminho a trilhar é o da análise dos elementos probatórios que ensejaram a controvérsia. Isso não é possível no recurso especial, a teor do enunciado da Súmula n Q 07-STJ. Se assim não fosse estaríamos incorrendo no mesmo equívoco do Tribunal a quo.
Ante o exposto, não conheço do especial.
VOTO-VISTA
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: O pedido da segurança está às fls. 13; busca obter a "pontuação que a Banca Examinadora se recusou a lhe dar".
O v. acórdão está às fls. 876/892. Realço da ementa o seguinte:
454 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
"O erro aritmético, decorrente da equivocada transposição da soma das colunas de pontuação do candidato, fere-lhe direito líquido e certo, ensejando a concessão da segurança." (fls. 876)
A leitura atenta do aresto deixa evidente a inadequação do mandado de segurança para a matéria posta a julgamento. O Judiciário pode anular o certame, em havendo justa causa. Resultante dos princípios da legalidade e da moralidade administrativa. Não lhe é possível, entretanto, rever as notas atribuídas pela Comissão Examinadora. O Tribunal de Justiça pode impugnar a - motivação do mérito - mas não pode substituir o mérito.
N a espécie sub judice, doutos votos foram ao mérito, a título de promover mera corrigenda aritmética.
O E. Relator concluiu:
"Ambas as séries de notas da candidata colocada em primeiro lugar, são integrados pelos mesmos valores e, conseqüentemente, a soma só poderia ser 91." (fls. 887)
O E. Desembargador Araken de Assis vai além do erro aritmético.
"Talvez, mas em nenhum momento veio aos autos a grade respectiva, que permitiria conferir a exatidão desta soma porque também ela pode ser resultado de algum manifesto erro material. Não o fazendo, e contrariando a nota lançada no espaço próprio à
soma daquelas lançadas na própria prova, a transparência do critério de avaliação adotado pela douta banca restou enormemente prejudicada, para dizer o mínimo." (fls. 888)
O E. Desembargador Tael Selistre menciona:
" ... onde estão as notas individuais cuja média permitiria a concessão do grau lançado na capa? Não existe." (fls. 889)
O E. Desembargador Nelson Oscar de Souza foi cáustico:
"Não sei por que a Corte de Contas não anulou esse lamentável concurso. Digo lamentável porque tudo aquilo que examinei no Mandado de Segurança n Q
594 165 615, em que fora impetrante Sidnei Ruaro,já transparecia, por isso concedi a segurança, no que fui acompanhado pelos meus eminentes pares. Concedi a segurança pelo arbítrio revelado pela Comissão de Concurso. O subjetivismo da Comissão de Concurso se substituiu até mesmo às normas objetivas do edital. Alguém comandou esse processo." (fls. 889/890)
O E. Desembargador Flávio Pâncaro da Silva, acompanhando a douta maioria, fundamentou:
"De mais a mais, Sr. Presidente, erro material não preclui e eu admiro que a banca examinadora desse concurso não tivesse, de
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 455
ofício, corrigido esse equívoco, quanto mais colocado uma nota completamente equivocada." (fls. 891)
Nota-se, o v. acórdão levou em conta muito mais do que mero erro aritmético. Ao contrário, lançou considerações próprias de vícios. Imponha-se, por isso, outra conclusão.
Jamais, substitui-se à Banca Examinadora.
Quanto ao limite normativo do Poder Judiciário, para rever o julgamento da Banca, esta Turma, consoante o RMS nQ 7.674-RS, conclui no sentido da impossibilidade da correção dos conceitos.
Acompanho, data venia, o E. Relator. Denego a segurança.
RECURSO ESPECIAL NQ 127.068 - SP
(Registro nQ 97.0024423-7)
Relator: O Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro
Recorrente: André Luiz Rodrigues
Recorrido: Ministério Público do Estado de São Paulo
Advogado: Dr. Mamar Getúlio Yura
EMENTA: REsp - Penal- Furto - Furto de pequeno valor e furto qualificado - O crime de furto (C.P., art. 155) é disciplinado organicamente. O tipo fundamental de crime coordenado com os tipos derivados. Harmonizam-se. Não há contradição. As normas intercomunicam-se. Não impedem, em conseqüência, o - furto qualificado (art. 155, § 4Q) - compor-se com a causa especial de substituição, ou redução de pena (art. 155, § 2Q). O tratamento normativo traduz a característica jurídica do fato - infração penal. Em evidenciando complexidade (qualificação e substituição, ou redução da pena), evidente, têm que ser considerados. Caso contrário, a pena deixará de projetar a expressão dada pelo Direito. Correto, portanto, o furto qualificado ser também de pequeno valor.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da
Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas constantes dos autos, por unanimidade,
456 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
dar provimento ao recurso para restabelecer a sentença de Primeiro Grau e, em conseqüência julgar extinta a punibilidade pela ocorrência da prescrição, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Fernando Gonçalves e William Patterson. Ausentes, justificadamente, os Srs. Ministros Vicente Leal e Anselmo Santiago.
Brasília, 04 de novembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro FERNANDO GONÇALVES, Presidente. Ministro LUIZ VICENTE CERNICCHIARO, Relator.
Publicado no DJ de 09-02-98.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO: Recurso Especial interposto por André Luiz Rodrigues, com apoio no art. 105, III, c da CF, contra acórdão unânime da Oitava Câmara do Tribunal de Alçada Criminal da Comarca de Ribeirão Preto.
Narram os autos que o recorrente foi condenado ao pagamento de 15 dias-multa por infringência ao art. 155, §§ 2Q e 4Q
, II, c/c o art. 14, II, ambos do Código Penal.
O acórdão recorrido afastou o benefício do § 2Q do art. 155 do CP, para, provendo o recurso do Ministério Público, condenar o réu a 1 ano de reclusão e 5 dias-multa, concedendo-lhe o sursis.
Daí o presente especial, onde se alega divergência jurisprudencial
com acórdão deste ST J, favorável ao reconhecimento da figura privilegiada em furto qualificado ..
Contra-razões às fls. 61/66.
Foram os autos admitidos por força de agravo de instrumento, provido às fls. 86.
O MPF, conforme parecer de fls. 91/98, opina pelo provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO LUIZ VICENTE CERNICCHIARO (Relator): O tema já é repetido nesta Turma. Qual seja, se o furto de pequeno valor é compatível com a respectiva modalidade qualificada.
Tenho entendido que sim. Reporto-me a julgamento anterior:
"REsp - Penal - Furto Furto de pequeno valor e furto qualificado - O crime de furto (C.P., art. 155) é disciplinado organicamente. O tipo fundamental de crime coordenado com os tipos derivados. Harmonizam-se. Não há contradição. As normas intercomunicam-se. Não impedem, em conseqüência, o - furto qualificado (art. 155, § 4 Q
) -
compor-se com a causa especial de substituição, ou redução de pena (art. 155, § 2Q
). O tratamento normativo traduz a característica jurídica do fato - infração penal. Em evidenciando complexidade (qualificação e substituição, ou redução da pena), eviden-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 457
te, têm que ser considerados. Caso contrário, a pena deixará de projetar a expressão dada pelo Direito. Correto, portanto, o furto qualificado ser também de pequeno valor". (REsp 58.915-0-SP)
N essa linha, o douto parecer do ilustre Subprocurador-Geral da República, Dr. Raimundo Francisco Ribeiro de Bonis (fls. 91197).
Conheço do Recurso Especial por ambos os fundamentos e lhe dou provimento para restabelecer a sentença.
O julgado de 1 ª instância fixou a pena de 15 dias-multa (fls. 35). Asentença foi publicada no dia 18 de abril de 1995 (idem). A prescrição, no caso, ocorre em dois anos (CP, art. 114).
Declaro extinta a punibilidade, pela prescrição.
RECURSO ESPECIAL NQ 141.209 - RS
(Registro n Q 97.0051071-9)
Relator: O Sr. Ministro William Patterson
Recorrente: Wilmar Silveira Malaguez
Advogado: Dr. Luiz Halley Krieger
Recorrido: Gaetano Lops - Espólio
Representado por: Lúcia Dell Olio Lops - Inventariante
Advogado: Dr. Frederico Jorge Stahl
EMENTA: Locação. Propositura da ação revisional. Impossibilidade jurídica. Vedação expressa no § 1 52 do art. 68 da Lei 8.245/91.
- Aplicação do preceito da Lei 8.245/91 (art. 68, § 1 Q), às hipóteses que indica (arts. 46, § 2Q e 57), todas no trato de denúncia vazia, com prazo de 30 dias para desocupação, por isso que não extensiva às retomadas baseadas no art. 78, parágrafo único, da mesma Lei do Inquilinato.
- Recurso desprovido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal
de Justiça, na conformidade dos votos e das notas taquigráficas a seguir, por unanimidade, não conhecer do recurso, pela alínea a e, conhecendo-o, pela alínea c, negar-lhe
458 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
provimento, nos termos do voto do Sr. Ministro-Relator. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Luiz Vicente Cernicchiaro, Vicente Leal, Fernando Gonçalves e Anselmo Santiago.
Brasília, 02 de setembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro WILLIAM PATTERSON, Relator.
Publicado no DJ de 29-09-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON: Afastando o decreto de carência da ação revisional (sentença de fls. 30/31), o acórdão do Egrégio Tribunal de Alçada do Rio Grande do Sul, nos termos da ementa seguinte (fI. 53):
"Locação.
Ação revisional. Ajuizamento no curso do prazo para desocupação. Inteligência dos arts. 68, § 1 ~ e 78, parágrafo único, ambos da Lei 8.245.
A restrição ao manejo da ação revisional, insculpida no art. 68, § 1 º, não se estende às retomadas baseadas no art. 78, parágrafo único, que exige concessão prévia de largo lapso temporal de permanência do inquilino no imóveL
Apelação provida para a desconstituição da sentença de carência da ação."
Contrapondo-se ao acórdão, o locatário interpôs o recurso especial,
ao amparo das alíneas a e c da permissão constitucional, valendo registrar a motivação do despacho que o admitiu (fIs. 77178):
"O recurso é incabível pela alínea a, uma vez que sua fundamentação mostra-se deficiente, posto que o recorrente não especifica claramente qual ou quais os dispositivos de lei que porventura o acórdão teria violado, conforme a Súmula 284 do STF."
(. .. )
"Em relação ao permissivo constitucional contido na alínea c, admito o recurso.
O aresto atacado guarda dissídio com a decisão trazida pelo recorrente (Lex 153, pág. 420, JTACSP), cuja ementa é do seguinte teor:
"Locação - Revisional -Despejo - Pendência de prazo para desocupação - Inadmissibilidade (art. 68, IV, § 1 º da Lei 8.245, de 1991).
Inadmissível ação revisional se ajuizada logo após a denúncia de locação residencial antiga, quando ainda no curso do respectivo prazo de desocupação.
Isso posto, admito o recurso pela divergência."
Nesta instância os autos, dispensei a audiência do Ministério Público Federal, em razão da natureza da matéria.
É o relatório.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 459
VOTO
O SR. MINISTRO WILLIAM PATTERSON (Relator): ALei 8.245/ 91, ao dispor sobre os procedimentos da ação revisional, diz no § 1 Q
de seu art. 68: "Não caberá ação revisional na pendência de prazo para desocupação do imóvel (arts. 46, § 2Q e 57), ou quando tenha sido este estipulado amigável ou judicialmente."
Afastando da hipótese em análise a vedação da referida lei, eis os fundamentos do acórdão recorrido:
"O art. 68, § 1 Q, da Lei 8.245, quando restringe o direito ao manejo da ação revisional, expressamente indica, pela referência aos artigos de lei próprios, as situações a que aplicável, daí por que, em se tratando de norma restritiva, não se oferece correta, data venia, interpretação ampliativa, que venha a apanhar situações outras, como a de denúncia de antiga locação, fundada no dispositivo transitório do art. 78, parágrafo único, da Lei do Inquilinato.
Mais, quando obsta a revisão dos aluguéis no curso do prazo para desocupação, não foi por acaso a menção a situações específicas, o que resulta da identificação de relevante ponto em comum entre elas: ambas têm o prazo da notificação prévia de trinta dias. O significado da restrição é intuitivo: a curta permanência do locatário no imóvel retirava sentido econômico da revisão de aluguéis. Ainda, premi-
do, o locatário, pela necessidade de desocupação em reduzido lapso temporal, não convinha ainda onerar-lhe, dificultando-lhe a transferência de moradia, em si mesmo difícil, via de regra, exigindo dispêndio maior do que os efetuados com locação já em vigor, ainda acrescidos de 15astos com a própria mudança. E claro, assim, que nessa situação não se enquadra o locatário a quem, antes mesmo do aforamento da ação de despejo, cujo desate já demanda algum tempo, se assegura o expressivo lapso temporal de um ano para desocupação, isto em locação já antiga. Aí, nessa hipótese, o congelamento da defasagem havida nos aluguéis representaria desmensurada punição ao locador."
Daí a abertura da instância especial, nos termos do juízo primeiro de admissibilidade, onde se pretende ver declarada a impossibilidade jurídica da ação revisional, também, durante o prazo da notificação do art. 78.
Todavia, razão não assiste ao recorrente. No que invoca a alínea a do permissivo constitucional, porque inafastável as considerações do douto despacho de admissão do recurso. Apesar de mencionar tal fundamento, deixou o recorrente de indicar, especificamente, os dispositivos legais porventura violados, circunstância que impõe o óbice da Súmula 284 do Colendo STF. No tocante à alínea c, porque mesmo configurado o dissídio pretoriano, este não lhe aproveita. No sentido
460 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
do acórdão recorrido é a jurisprudência deste Superior Tribunal, sobre ser de aplicação restrita a vedação da Lei inquilinária (art. 68, § 12 ), às hipóteses que indica (arts. 46, § 22 e 57), todas no trato de denúncia vazia, com prazo de 30 dias para desocupação. É ver-se os seguintes precedentes:
"Locação. Revisional. Curso do prazo premonitório de doze meses.
- Ressalva do art. 68, § 12, da Lei 8.245/91. Incensurabilidade da interpretação dos novos dispositivos locatícios, na conclusão de que o prazo superior a 30 dias para desocupação do imóvel não obsta a ação revisional." (REsp
n 2 86.290-SP, ReI. Min. José Dantas, DJ de 30.06.97)
"Inquilinato. Notificação premonitória para desocupação do imóvel. Art. 78, da Lei 8.245191. Revisional.
- Tratando-se de notificação para o inquilino desocupar o imóvel sob a égide do art. 78, da Lei 8.245/91, e não do art. 68, § 22 ,
cabível é a propositura da ação revisional de aluguel.
- Recurso não conhecido." (REsp n 2 111. 176-SP, ReI. Min. José Arnaldo, DJ de 05.05.97).
Ante o exposto, não conheço do recurso pela alínea a. Conheço-o, pela alínea c, mas nego-lhe provimento.
RECURSO ESPECIAL N2 141. 744 - DF
(Registro n 2 97.0052074-9)
Relator: O Sr. Ministro Vicente Leal
Recorrente: Ministério Público do Distrito Federal e Territórios
Recorrido: Márcio de Assis Braz
Advogado: Jorge Antônio de Oliveira - Defensor
EMENTA: Processual Penal. Recurso especial. Homicídio. Júri. Desclassificação. Lesões corporais seguidas de morte. Valoração da prova. Reexame de provas. Súmula n!2 07ISTJ.
- A doutrina nacional e a jurisprudência deste Superior Tribunal consagram a tese da possibilidade de exame do critério legal da valoração de prova em sede de recurso especial, pois tal estudo - valoração da prova - situa-se no campo da questão federal, susceptível de conhecimento no espaço do apelo nobre.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 461
- Decisão proferida pelo Tribunal do Júri firmada em base fática indicativa da hipótese de desclassificação do crime de homicídio para o de lesões corporais seguidas de morte, e que recebeu confirmação pelo Tribunal, que efetuou razoável apreciação do contexto probatório, não pode ser revista em sede de recurso especial, cujo campo não comporta reexame de provas, consoante consolidado na Súmula 07/STJ.
- Recurso especial não conhecido.
ACÓRDÃO
Vistos, relatados e discutidos estes autos, acordam os Ministros da Sexta Turma do Superior Tribunal de Justiça, por unanimidade, não conhecer do recurso especial, na conformidade dos votos e notas taquigráficas a seguir. Participaram do julgamento os Srs. Ministros Fernando Gonçalves, Anselmo Santiago e William Patterson. Ausente, ocasionalmente, o Sr. Ministro Luiz Vicente Cernicchiaro.
Brasília, em 1 Q de dezembro de 1997 (data do julgamento).
Ministro ANSELMO SANTIAGO, Presidente. Ministro VICENTE LEAL, Relator.
Publicado no DJ de 19-12-97.
RELATÓRIO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL: Márcio de Assis Braz, denunciado e pronunciado pela prática dos crimes de homicídio qualificado por motivo torpe e emprego de meio cruel e roubo qualificado, foi submetido a julgamento pelo Tribunal do Júri, tendo o Conselho de Sentença desclassificado a infração penal de ho-
micídio para crime de lesão corporal seguida de morte e o condenado a 14 (quatorze) anos e 06 (seis) meses de reclusão, por entender que o réu pretendeu participar de fato menos grave.
A ego Primeira Turma Criminal do Tribunal de Justiça do Distrito Federal e dos Territórios negou provimento ao apelo do Ministério PÚblico e deu parcial provimento ao recurso da defesa em acórdão condensado em ementa do seguinte teor:
"Apelação. Homicídio. Júri. Desclassificação. Lesões corporais seguidas de morte. Pena. Preliminares: cerceamento. Agravante -Incidência dupla.
- Não constitui cerceamento de defesa o indeferimento de oitiva, em plenário de Júri, da testemunha que se encontrava presente ao interrogatório do réu e aos demais atos anteriores.
- Havendo desclassificação para roubo e não sendo a quesitação deste submetida ao Júri, desnecessário o pedido sobre sua não consideração.
- Não havendo evidência de que o Agente delituoso quis o resul-
462 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
tado morte ou assumiu o risco de produzi-lo ao praticar as lesões advindas da agressão coletiva, com o uso de instrumento em tese inidôneo, mantém-se a desclassificação do homicídio para lesões corporais seguidas de morte.
- Se se constata, na aplicação da pena, a incidência de agravante já compensada com a atenuante, reduz-se a pena do quantum relativo para evitar o bis in idem" (fI. 423).
Irresignado, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios, interpõe o presente recurso especial, com fulcro na alínea a do permissivo constitucional, alegando que o v. acórdão recorrido fez incidir na espécie, equivocadamente, o art. 29, § 2Q
, do Código Penal, ao condenar o réu por crime de lesão corporal seguida de morte quando o recorrido quis e praticou homicídio qualificado por motivo torpe e meio cruel, hipótese que configura coautoria, bem como abonou decisão manifestamente contrária à prova dos autos, o que resulta também em violação ao art. 593, lU, d, do Código de Processo Penal.
Apresentadas as contra-razões (fls. 447/449), o recurso foi admitido na origem, ascendendo os autos a esta Corte.
A douta Subprocuradoria Geral da República, em parecer de fls. 457/464, opina pelo provimento do recurso.
É o relatório.
VOTO
O SR. MINISTRO VICENTE LEAL (Relator): Na peça recursal, o Ministério Público do Distrito Federal e Territórios ataca a decisão que confirmou.) decreto condenatório do ora recorrido, sustentando, nas razões do apelo, que o v. acórdão prestigiou decisão do Conselho de Sentença manifestamente contrária à prova dos autos, bem como negou vigência ao art. 29, § 2Q
, do Código Penal, descaracterizando o concurso de agente, presente no caso, e condenando o réu por crime de lesão corporal seguida de morte.
Em contraposição aos argumentos expendidos no recurso, sustenta-se nas contra-razões que o tema em discussão exige profundo reexame de provas, o que é incompatível com o recurso especial.
Efetivamente, a jurisprudência desta Corte é unissonante em afirmar que "a pretensão de simples reexame de provas não enseja recurso especial" (Súmula n Q 07).
Também é certo e induvidoso que a doutrina nacional e a jurisprudência deste Tribunal consagram a tese da possibilidade de exame do critério legal de valoração das provas em sede de recurso especial, o que não consubstancia questão de fato.
Daí porque não comporta controvérsia o pensamento que situa e qualifica o estudo da valoração da prova no campo da questão federal, susceptível de conhecimento no espaço nobre do recurso especial.
A grande dificuldade reside em estabelecer os precisos limites en-
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 463
tre a questão de fato e a questão de direito, entre o reexame de prova e a valoração da prova. A precisa identificação das duas hipóteses implica difícil investigação, impondo-se sempre a decomposição do que se proclamou na decisão recorrida.
N a hipótese sob apreciação, o venerando acórdão manteve a decisão proferida pelo Tribunal do Júri, efetuando a desclassificação do crime imputado ao réu na pronúncia, qual seja, homicídio qualificado pelo motivo torpe e emprego de meio cruel, para lesões corporais seguidas de morte, ao entender que o réu pretendeu participar de fato menos grave.
Após longa reflexão sobre o thema sub judice, estou em, a despeito das ponderáveis razões deduzidas no recurso, não encontro espaço para situar a questão no campo do recurso especial.
O Tribunal a quo, em sede de apelação, confirmou decisão do Tribunal Popular do Júri, que não pode ser considerada como claramente contrária à prova dos autos. É que o Conselho de Sentença, por decisão majoritária, entendeu que o réu, embora tenha participado das ações de que resultou a morte da vítima, pretendeu participar de fato menos grave, no caso lesões corporais.
E no debate do fato e de suas responsabilidades, consignou o acórdão que a ação delinqüente foi perpetrada por um grupo de 7 pessoas, 4 maiores e três menores, o que dificultou a precisa indicação da responsabilidade de cada agente.
Destaquem-se do acórdão os seguintes excertos:
"Os fatos indicam que a turba, naquela noite, ao deparar com o desafeto conhecido por "Doidão", resolvera enfrentá-lo quando surgira briga generalizada, com os rapazes empreendendo golpes diversos e sucessivos na vítima, levando-a à morte, principalmente porque, após desmaiada, arrastaram-na para dentro de um bueiro onde atiraram pedras e um pedaço de meio fio, contribuindo, desta forma, para as lesões responsáveis pela morte.
O fato de haver todos, conjuntamente, espancado Ailton, a vítima, dificultou a indicação dos atos conducentes à responsabilidade de cada um e, desta forma, às conseqüentes culpabilidades."
"Também, nesses casos, há de se servir da circunstância relativa ao meio empregado pois se idôneo para a causação da morte, pode-se concluir pelo animus necandi. Há pois de se ter presente que socos e pontapés podem causar a morte, mas não é o que habitualmente acontece.
Ora, para tal capitulação do fato é necessário que as circunstâncias do caso concreto evidenciem que o agente não quis o resultado morte e nem assumiu o risco de produzi-lo - art. 129, § 32"
(fls. 426).
E no final, assinala o acórdão em destaque:
464 R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998.
"Com relação ao ora Apelante Márcio de Assis Braz, não há prova suficiente para indicar sua vontade como caracterizadora de fim homicida havendo, ao contrário, indicações de pretender participar de crime menos grave, por isto nego provimento ao apelo do Ministério Público para manter a decisão do Júri.
Em conseqüência, no mérito, nego provimento ao recurso da defesa que pretende ser a decisão dos senhores jurados contrária à prova dos autos.
Exige a lei, para tal, "decisão manifestamente" contrária, e, em sendo discutível o âmago da lide, por falta de maiores elementos sobre as circunstâncias de ordem subjetiva na prática do evento, indica a eqüidade optar o julgador pela mais justa, equânime e
menos prejudicial, sendo esta a condenação viável de lesões corporais seguidas de morte, onde esta adveio mais por imprudência da turba, ao agir da forma já indicada" (fls. 427).
Tenho, portanto, que a decisão proferida pelo Tribunal do Júri e confirmada pelo Tribunal de Justiça do Distrito Federal assenta-se em base fática, insusceptível de revisão em sede de recurso especiaL Para alterar o julgamento não é suficiente mera valoração da prova mencionada no decisum, mas efetivo reexame de todo o quadro probatório, o que não é possível, na forma preconizada na Súmula 07, desta Corte.
Isto posto, não conheço do recurso especial.
É o voto.
R. Sup. Trib. Just., Brasília, a. 10, (105): 415-465, maio 1998. 465