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Revista Hmus - ISSN: 2236-4358 Jan/Fev/Mar/Abr. 2013. N 7.
KIERKEGAARD: DA RELAO ENTRE EXISTNCIA E PENSAMENTO NOPOST-SCRIPTUM CONCLUSIVO NO CIENTFICO
Leonardo Arajo Oliveira1
Jorge Miranda de Almeida2
Resumo: O presente artigo estabelece uma relao entre existncia e pensamento, numainterpretao do Post-Scriptum(1846) de Kierkegaard, em trs seguimentos, a saber: a)abordando peculiaridades desse texto e da oposio de Kierkegaard Hegel; b) criticandoo conceito de verdade, enquanto adequao entre pensamento e ser; c) afirmando o estilodo pensador dinamarqus como um elemento singular e essencial em sua crtica aossistemas filosficos e aos pensadores sistemticos.
Palavras-chave: Existncia; Kierkegaard; Pensamento; Post-Scriptum.
Abstract: This article establishes a relationship between existence and thought into aninterpretation of thePost-Scriptum (1846), by Kierkegaard, in three segments, namely: a)addressing the peculiarities of this text and of Kierkegaards opposition to Hegel; b)criticizing the concept of truth as adequation between thought and being; c) stating thestyle of the danish thinker as a singular and essential element in his criticism ofphilosophical systems and systematic thinkers.
Keywords:Existence. Kierkegaard. Thought. Post-Scriptum.
1Graduando do curso de Filosofia da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia (UESB). Integrante do grupo de pesquisa
tica e educao em Kierkegaard e Paulo Freire. E-mail:[email protected] Ps-doutor em Filosofia pela UNISINOS. Professor Titular do DFCH da Universidade Estadual do Sudoeste da Bahia
(UESB). Coordenador do grupo de pesquisa tica e educao em Kierkegaard e Paulo Freire. E-mail:[email protected].
mailto:[email protected]:[email protected]:[email protected]:[email protected]7/22/2019 Kierkegaard.humus
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INTRODUO
O presente artigo tem como fito trabalhar a relao entre existncia e pensamento,
na filosofia de Soren Kierkegaard (1813-1855). Para isso, nossa anlise se concentrar naobra concluda em 1846, intitulada Post-Scriptum conclusivo no cientfico s Migalhas
filosficas. Aps abordarmos alguns aspectos singulares dessa obra, no contexto geral da
produo kierkergaardiana, e, em particular, da contra-argumentao Hegel (1770-1831)
e filosofia sistemtica, trataremos da crtica kierkegaardiana a um postulado
predominante na histria da filosofia e a definio de verdade que dele deriva: o da
adequao entre pensamento e ser. Por fim, abordaremos o problema do estilo, de acordo
com o conflito entre dois tipos de se fazer filosofia, estabelecido no interior do Post-
Scriptum, entre o pensador subjetivo e o pensador objetivo, levando em considerao,sobretudo, o terceiro captulo da segunda parte da obra, intitulado a subjetividade real, a
subjetividade tica; o pensador subjetivo, especialmente a quarta seo, intitulada "O
pensador subjetivo; sua tarefa, sua forma, isto , seu estilo.
Portanto, procuramos levar em considerao no apenas o correspondente ao
contedo expresso no Post-Scriptum, como as categorias de Indivduo3, interioridade e
paradoxo, mas demonstrar, tambm, como essas categorias se relacionam com sua forma
de expresso filosfica, atravs do uso da comunicao indireta, isto , como o contedo
da filosofia de Kierkegaard reduplicado no estilo e a reduplicao, tambm umacategoria kierkegaardiana, nos serve de reforo para o presente argumento, seguindo uma
coerncia interna entre teoria e prtica de pensamento, segundo a qual se estabelece um
questionamento da ligao direta entre pensamento e ser.
oportuno salientar que Kierkegaard opera com categorias eminentemente
hegelianas, alis, ironicamente, ao lado de Marx, um grande discpulo do mestre, o que,
por si s, j garante a grandeza do discipulado. Porm, Kierkegaard atribui novos
contedos s categorias e ao mtodo da dialtica, pois, na concepo hegeliana, categorias
existenciais como subjetividade, existncia, angstia, salto qualitativo soabsorvidas na universalidade do conceito; alm do mais, a dialtica hegeliana, tal como
Kierkegaard a interpreta, anula Deus, imortalidade, liberdade e f.
3Usaremos a categoria de Indivduo(iniciando com letra maiscula) para designar aquele que se ope, com sua existncia,que ela prpria se acople ao domnio da quantificao, o que Kierkegaard expressa (em sua lngua original) com o termo DenEnkelt;diferente, portanto, de det individ, que expressa a existncia daquele que adequado como mais um nmero namultido, e que expressaremos, por sua vez, com o termo indivduo(iniciando com letra minscula). Essa diferenciao fundamental, tendo em vista a importncia que a categoria de Indviduo tem para o pensamento de Kierkegaard: : Se a
questo de o Indivduo fosse para mim um futilidade, poderia deix-la cair, e at ao faria com prazer e vergonha para mimse no estivesse disposto a isso com toda a ateno possvel. Mas no o caso; para mim, como pensador e nopessoalmente, a questo do Indivduo decisiva entre todas (KIERKEGAARD, 1986, p.105).
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O POST-SCRIPTUM E A CRTICA AO SISTEMA
Kierkegaard, em Temor e tremor(1843), sob o pseudnimo Johannes de Silentio,
anuncia, ironicamente, no ser um filsofo, por no ter compreendido os sistemasespeculativos (Cf. KIERKEGAARD, 2009, p. 52). Concluda trs anos depois, a obra Post-
Scriptum conclusivo no-cientfico s Migalhas filosficas se insere no projeto
kierkegaardiano de crtica aos sistemas filosficos, demonstrando que possvel um
sistema lgico, porm, no possvel um sistema da existncia, porque a existncia no se
deixa resolver em conceitos ou em sistemas estanques. Para o pensador dinamarqus a
ideia do sistema a identidade de sujeito-objeto, a unidade do pensamento e do ser; a
existncia , com efeito, precisamente, a separao (KIERKEGAARD, 1993, p. 325)
Ao estabelecer essa distino, Kierkegaard afirma que ser um pensador autnticoimplica em desenvolver com seriedade e rigor o ato de pensar que conduz,
inevitavelmente, ao limite da razo. Do exposto, fica estabelecido que Kierkegaard no
um pensador anti-sistemtico, o que ele critica a pretenso do sistema em abarcar toda a
realidade, reduzindo Deus, transcendncia, f, amor, imortalidade, paradoxo, salto, s
categorias da mediao lgica. A citao a seguir pedaggica e esclarecedora a respeito
(KIERKEGAARD, 1993, p. 322):
um sistema da existncia (Tilvrelsens System) no pode haver. Ento no existeum tal sistema? De modo algum! Isso no est implicado no que foi dito. Aexistncia mesma um sistema para Deus, mas no pode s-lo para algumesprito existente. Sistema e completude se correspondem mutuamente, masexistncia justamente o contrrio. Visto abstratamente, sistema e existncia nose deixam pensar conjuntamente, porque, para pensar a existncia, o pensamentosistemtico precisa pens-la como superada (ophvet ) e, portanto, no comoexistente. Existncia o que abre espao, que aparta um do outro; o sistemtico a completude, que rene.
No Post-Scriptum e na obra geral de Kierkegaard h vrias crticas ao sistema. A
batalha travada pelo pensador dinamarqus contra os hegelianos profunda, pois o
sistema pretende absorver a realidade e a existncia na dinmica da lgica. A perspectivakierkegaardiana, como estabelecida no Dirio, a de queo sistema o contrrio da vida,
uma fico (KIERKEGAARD, 1980, v. III, p. 98). E por que uma obra de fico? Por
que trata a verdade e a existncia como completas e definidas, esquecendo que a existncia
o concretizar do movimento e que o movimento no pode ser reduzido nem apreendido
em seu concretizar,
lvaro Valls, em artigo intitulado Hegel no Ps-escritode Kierkegaard, hoje no
Brasil, defende a tese de que, com raras excees (como as promessas de sistema de
Heiberg e Nielsen), quando Kierkegaard menciona sistema, est se referindo aohegeliano (Cf. VALLS, 2011, p.73). A nomeao, no ttulo do texto, de conclusivo no
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cientfico, revela o aspecto irnico de sua crtica, que, alm de se opor ao carter cientfico
da obra de Hegel, para quem a filosofia deve se tornar saber efetivo (cincia), arquiteta
dois termos, tidos para o pensamento abstrato-objetivo-sistemtico, como contraditrios
entre si.O Post-Scriptum mais uma obra kierkegaardiana assinada por um pseudnimo, a
saber, Johannes Clmacus, autor tambm de Migalhas filosficas, e personagem de
Johannes Climacus ou preciso duvidar de tudo. Porm, o Post-scriptum comporta a
peculiaridade de ter recebido a assinatura do prprio Kierkegaard como editor, o que nos
faz questionar se no seria uma maneira de aprovar, com maior veemncia, as teses ali
expostas. Nesse contexto, podemos estabelecer a validade da crtica ao sistema e aos
hegelianos, conforme atesta o prprio filsofo (KIERKEGAARD, 1993, p. 289):
aqui, porm, uma nica palavra, para deixar claro, no caso de algumcompreender mal algumas de minhas expresses, que ele que quer me entendermal, enquanto que eu no tenho culpa. Honra e glria especulao, louvado sejatodo aquele que se ocupa de verdade com ela. Negar valor especulao (emborase possa desejar que os cambistas do ptio do templo, etc., sejam afugentadoscomo profanadores) seria, a meus olhos, prostituir a si mesmo, alm de serespecialmente tolo da parte de algum cuja vida, em grande medida, conformesuas humildes condies, est devotada ao servio dela; e especialmente tolo daparte de algum que admira os gregos.
Em uma obra em que Kierkegaard no faz uso de pseudnimos, o Ponto de vista
explicativo de minha obra como escritor, o autor dinamarqus explicita o papel do Post -
Scriptum no combate contra a pretenso totalizante dos sistemas (KIERKEGAARD, 1986,
p. 85):
aqui se situa oPost-Scriptum definitivo, o ponto crtico de toda a obra que pe oproblema e que, por outro lado, graas a uma esgrima indirecta e a uma dialtica socrtica, fere de morte o Sistema, pelas costas, numa luta contra o Sistema e aespeculao.
A experincia existencial no se permite ser ultrapassada pela especulao
sistemtico-filosfica. Kierkegaard no cessa de combater a adequao da vida ao redutobiolgico, do homem definido como ser que nasce, cresce, reproduz, envelhece e morre. A
vida humana , sobretudo, existncia, concretizada no mundo e relacionada ao outro, s
outras existncias, que estaro, por sua vez, concretizadas somente nas escolhas e na
assuno da singularidade de cada uma, na descontinuidade do mundo de possibilidades,
ativado em relao auto-posio da subjetividade. Ao contrrio da determinao
hegeliana, para Kierkegaard o que servir de influncia, sobretudo, Sartre a
necessidade que atinge a existncia somente a da escolha, em meio ao infinito mar de
possibilidades e de projees. A necessidade , assim, tica: a da coragem de assumir aexistncia, seus riscos e dificuldades, onde a tarefa, antes da escolha, consiste na
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responsabilidade de escolher querer, isto , de escolher querer tornar-se a si mesmo, e
para tanto, preciso o desenvolvimento da interioridade.
Vale mencionar, como exemplo que configura a importncia da escolha existencial
em contraposio a diluio do Indivduo na necessidade da mediao hegeliana, o papeldos estdios da existncia (esttico, tico e religioso), que no esto sujeitos sntese,
porque efetivamente, dependem da escolha e da deciso do existente. Os estdios no so
degraus; no se passa de um para o outro como em um processo evolutivo ou como o
movimento da conscincia na superao hegeliana, uma vez que no existe um sistema da
existncia determinando o movimento da vida por intermdio de padres ou de qualquer
sujeio a necessidade. Entre os estgios existem abismos, que, para o movimento lgico
que culmina na mediao, so incontornveis, o que faz com que a passagem de um para o
outro se d somente atravs do Salto.Os dois pargrafos do segundo captulo intitulado Teses possveis e reais de
Lessing e que so denominados como 1 o pensador subjetivo existente atento a
dialtica da comunicao e 2 - O pensador subjetivo existente, em sua relao existencial
com a verdade, to negativo quanto positivo, tem tanto de cmico quanto
essencialmente tem de pathos, e est continuamente em processo de vir-a-ser, isto , est
esforando-se, so fundamentais para compreender a distino entre Kierkegaard e Hegel,
entre o sistema e a existncia.
Para Hegel, como exposto na Fenomenologia do Esprito, a histria e osconceitos seguem, por intermdio do movimento necessrio da conscincia, em direo a
uma mtua unio no Esprito absoluto (Cf. HEGEL, 1992, p.220), possuindo um sentido
universal, no qual as buscas particulares dos indivduos no passam de joguetes para o
cumprimento dos objetivos maiores da Razo. Para Kierkegaard, o homem, ao escolher
tornar-se a si mesmo, possui a potncia de compreenso da singularidade de sua prpria
histria, como um caminho tico de construo da interioridade para tornar-se si mesmo:
Por isso, a tica fita com olhos desconfiados todo o saber histrico universal
(KIERKEGAARD, 2010, p.138).
No existe histria universal, como um lugar de manifestao do absoluto, e sim a
histria singular de cada Indivduo, onde a subjetividade o campo de conhecimento e
construo de si mesmo; ou seja, Deus, enquanto Absoluto s se relaciona com o absoluto
de cada singularidade, do contrrio, no se avanaria muito em colocar o estado no lugar
de Deus, enquanto autoridade ou ser supremo.
Na histria universal, a existncia do Indivduo no ultrapassa a condio de efeito
de superfcie, de uma exaltao insignificante que logo se acalma com a morte, a fim de
permitir que venha a luz o desenvolvimento dialtico do Esprito e dos conceitos na
histria (Cf. HEGEL 1992b, p.220), nos quais os acontecimentos se diluem em um fundo
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homogneo. Por esse ponto de vista, a subjetividade aniquilada, ou definida como no-
saber quando tambm se defende a tese, ironizada por Kierkegaard, de que o interior
deve se tornar exterior (HEGEL, 2007, p.22). Por isso, no captulo sobre a subjetividade
real e tica, Kierkegaard argumenta que a tica foi expulsa do sistema e substituda poruma confuso entre o universal e o singular, entre a necessidade da histria e as demandas
dos Indivduos (Cf. KIERKEGAARD, 2010, p.341). exatamente o que ele define em outro
trecho do Post-scriptum:
qualquer um perceber, decerto, o que h de imoral nisso, e ento qualquer umpor certo tambm perceber como inteiramente em ordem aquilo que um outroautor observou a respeito do sistema hegeliano: que, com ele, ganhamos umsistema, o sistema absoluto, concludo sem ter uma tica (KIERKEGAARD,1993, p. 322).
Em ltima instncia, no sistema se aboliu o que constitui o verdadeiramente
humano, transformando-o em humanidade (KIERKEGAARD, 1993, p. 325).
Para Hegel, permanecer na subjetividade mutilar o real, uma vez que este o
desdobramento do Esprito e reflexo de sua racionalidade dialtica, em um movimento de
contradies que so subsumidas na mediao expresso da viso mais ampla, a do
Saber absoluto, que confere o sentido pleno do real atravs da rememorao (Cf. HEGEL,
1992, p. 220); e onde a subjetividade aparece apenas como uma perspectiva parcial.
Em Kierkegaard, o real est sempre acompanhado do possvel, todo conhecimentoda realidade possibilidade (KIERKEGAARD, 2010, p.313). A relao que o existente
estabelece com o mundo passa, necessariamente, pelo pathos. A auto-posio da
subjetividade dinamiza o mundo do Indivduo, numa relao dialtica apaixonada. O
pathos existencial pretende ser uma transformao da existncia e o que h de mais
elevado na interioridade do existente (Cf. KIERKEGAARD, 2010, p. 200). Toda questo
existencial requer paixo, e o pathos que impede que a existncia se encerre em
quantificaes (Cf. KIERKEGAARD, 2010, p.345). Destarte, enquanto em Hegel, a
dialtica consiste no movimento necessrio que ocorre, em primeiro plano, na conscincia,em Kierkegaard, a dialtica acontece antes, na experincia existencial, de onde podemos
inferir o seu carter de devir. Destarte, a dialtica kierkegaardiana uma dialtica da
descontinuidade e da situao tensionada.
A existncia se compeno constante movimento do tornar-se, e, ao contrrio de
ser definida segundo a pr-eminncia do pensamento, pr-existe a ele (CF.
KIERKEGAARD, 2010, p. 94), fazendo-o pensar, e a pensar, inclusive, o impensado, a
saber, o paradoxo, que descrito por Clmacus, nas Migalhas filosficas, como a grande
paixo do pensamento (Cf. KIERKEGAARD, 2011, p. 59). Contra as teses que pressupema superioridade do pensamento em relao existncia, Kierkegaard se posiciona: a
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verdade no superior ao bem e a beleza, mas a verdade, o bem e a beleza pertencem
essencialmente a toda existncia humana e permanecem unidas para um existente, no
em seu pensar, mas em seu existir (KIERKEGAARD, 2010, p.343).
A dialtica existencial paradoxal, oposta a mediao, na medida em que, aindaque reconhea os termos opostos entre si, no efetua a sntese. Os opostos encontram sua
concretude e se mantm relacionados em uma situao tensionada, que, ao invs de
pretender solucionar os problemas existenciais, coloca-os em evidncia.
Portanto, a disputa entre Kierkegaard e Hegel pode ser configurada como um
conflito entre uma concepo de verdade como subjetividade existencial e uma concepo
de verdade, racionalizada e sistemtica. Porm, esse embate terico no pode ser
identificado com as desgastadas discusses que oscilam entre subjetivismo e objetivismo,
idealismo e realismo, racionalismo e empirismo etc.; na medida em que, quandoKierkegaard anuncia, no Post-Scriptum, que a verdade a subjetividade
(KIERKEGAARD, 2010, p.191), o que entra em jogo no apenas um conjunto de
questes de cunho epistemolgico, mas tambm, implicaes ticas, afianadas com a
tarefa de retirar a verdade do domnio da objetivao retificadora e trabalh-la nas tramas
da existncia e da subjetividade.
A CRTICA A DEFINIO DE VERDADE COMO ADEQUAO ENTREPENSAMENTO E SER
Kierkegaard no se contenta com a definio de verdade como adequao entre
pensamento e ser, uma vez que essa definio vlida apenas em si mesma, o que a torna
louvvel para o pensador abstrato e objetivo, mas no para o pensador subjetivo, na
medida em que a definio, em si mesma, no vale para a existncia do Indivduo e nem
mesmo para a sua relao apaixonada com o outro e com o mundo. Segundo Kierkegaard
(2010, p. 205):
se a subjetividade a verdade, a determinao da verdade deve conter,simultaneamente, em si, uma expresso da anttese com a objetividade, [...] eento essa expresso indica a tenso da interioridade. Tenho aqui uma definiotal da verdade: a verdade a incerteza objetiva sustentada na apropriao dainterioridade mais apaixonada, tal a mais elevada verdade que h para umexistente.
A verdade, para o Scrates dinamarqus, reduplicao, encontrada na existncia
pelo pensamento e retornada a ela; apropriao da subjetividade na interioridade (Cf.
KIERKEGAARD, 2010, p.194), e no simplesmente uma questo conceitual cuja resoluopermita ser encaixada como engrenagem na abstrao de um sistema especulativo, no
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qual se oblitera as vicissitudes da existncia, oferecendo satisfao intelectualidade, mas
no interioridade. De uma outra forma, a filosofia moderna, no podendo afirmar a
verdade do nada, estabelece a identificao entre ser e pensamento como sendo a verdade,
devendo, necessariamente, todas as realidades e verdades dessas realidades seremcontidas nessa mxima. Ora, a verdade sendo afirmada como exatido e como certeza,
torna-se verdade de pensamento, no verdade de fato. A verdade da identificao entre ser
e pensamento limita o alcance da verdade apenas zona do conhecimento. mister que
ocorra um deslocamento ou um salto para se apropriar da verdade como vida, pois,
finalmente, o que importa encontrar uma verdade para si mesmo, uma verdade pela qual
valha a pena viver e morrer, como sentencia Kierkegaard, em mais de uma passagem de
seu Dirio.
A relao do homem com a verdade no se reduz a vias exteriores. O homem noapreende a verdade como apanha um pssaro morto, mas realiza o movimento de tornar-
se a verdade encarnada. Em Kierkegaard, a verdade efetiva aquela que, em devir, se
confunde com a existncia do Indivduo, assumida no temor e no tremor. Nesse sentido,
a verdade na interioridade, concilia-se com a segunda tica, pois fundamenta-se e
identifica-se com a responsabilidade do Indivduo no comprometimento com sua
existncia. No entanto, a verdade no oferece o sentido definitivo e objetivo da vida, mas
somente um sentido para aquele que se insere no movimento de tornar-se a si mesmo,
para a subjetividade do Indivduo que, por meio de suas escolhas e do rduo trabalho dainterioridade, compromete e concretiza sua existncia em meio turbulncia de um
mundo repleto de incertezas. Desse modo, Kierkegaard refora a importncia da
interioridade como condio de construir maturidade existencial e em seu interior
concretizar a escolha diante da vida, transformando-a em existncia.
A conscincia das dificuldades da existncia conscincia da subjetividade, de
onde no somente se deriva a responsabilidade com a construo da personalidade, mas,
tambm, do comprometimento com a verdade existencial. Desse modo, a verdade no se
define como base indissolvel da unidade de um sistema, nem como uma relao
extrnseca entre conhecimento e ser ou uma identificao de adequao interna e isolada.
Ainda que o embate terico com a tradio possa posicionar Kierkegaard em sua
prpria formulao do conflito entre Indivduo e multido4, ele esteve acompanhado, em
seu sculo, de nomes como Marx e Nietzsche, que, em favor de uma nova relao entre
pensamento e existncia, tambm fizeram os mais meritrios e vigorosos esforos contra
aquilo que o mestre da ironia denomina de fantasmagoria do pensamento puro. Porm, a
4A categoria de Indviduo, Kierkegaard ope a noo de multido, como uma abstrao que dilui os Indviduosexistentes: A multido, no esta ou aquela, actual ou de outrora, composta de humildes ou de grandes, de ricos ou depobres, etc..., mas a multido considerada no conceito (KIERKEGAARD, 1986, p.98).
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partir de Kierkegaard, surgem consequncias ontolgicas particulares, como indica Sartre
(2005, p. 16), em conferncia em homenagem aos cento e cinquenta anos do pensador
dinamarqus:
sem dvida, uma das preocupaes constantes do sculo XIX consiste emdistinguir o ser, do conhecimento que dele se tem; dito de outro modo: em rejeitaro idealismo. O que Marx reprova em Hegel no tanto seu ponto de partidaquanto a reduo do ser ao saber. Mas para Kierkegaard e para ns, que hojeconsideramos o escndalo kierkegaardiano se trata de uma certa regioontolgica em que o ser pretende [...] escapar ao saber e alcanar a si mesmo.
A linha que liga pensamento e ser se estende da proposio de Parmnides que diz
pensar ser identificao hegeliana entre realidade e racionalidade. Ao operarem a
destruio dessa unidade, Marx e Nietzsche manejam, respectivamente, a noo de
relaes materiais de produoe o conceito de vontade de potncia; em Kierkegaard, a
existncia o bastante para desqualificar a relao entre pensamento e ser (Cf.
KIERKEGAARD, 2010, p.130) e o conceito de verdade que dela deriva.
A relao que se estabelece entre conhecimento e ser a de que o conhecimento
possui realidade. Mas no terreno da existncia, o ser do saber, enquanto abstrao
especulativa da objetividade, e o ser da existncia, enquanto experincia vivida da
subjetividade, so heterogneos entre si. Quando aplicadas a interioridade, as estruturas
do conhecimento objetivo produzem apenas falsos saberes (Cf. KIERKEGAARD, 2010,p.342-343). So necessrias novas categorias, como a do paradoxo e da paixo, que o
pensamento engendra na existncia.
No mbito da polmica contra Hegel e da crtica definio da verdade como
adequao entre pensamento e ser, surge, no interior do Post-scriptum, a diferenciao
kierkegaardiana entre o pensador subjetivo e o pensador objetivo, bem como o problema
da expresso filosfica e da comunicao, especialmente na seo intitulada O pensador
subjetivo; sua tarefa, sua forma, isto , seu estilo.
O ESTILO DO PENSADOR SUBJETIVO
Se o pensamento puro o que define a qualidade de um pensador, o pensador
subjetivo desqualificado, e, com ele, todos os problemas da existncia que no
encontram espao nas filosofias de sistema, pois o pensador subjetivo um dialtico
existencial (Cf. KIERKEGAARD, 2010, p.345). Tal pensador precisa da imaginao, do
sentimento, da dialtica da interioridade existencial apaixonada. impossvel o
pensamento da existncia sem paixo. A existncia uma imensa contradio, mas o
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pensador subjetivo no foge dela com abstraes, pois possui a tarefa de compreender-se
na existncia e de impedir sua diluio na dialtica da histria universal. Nesse sentido,
Kierkegaard afirma que a tarefa mais elevada para o homem a de chegar a ser subjetivo
(Cf. KIERKEGAARD, 2010, p. 166).Enfrentar a imensa contradio que a existncia se colocar diante da disjuno
absoluta. O pensador subjetivo, com sua paixo pelo pensamento, possui a disjuno
absoluta como parte integrante da existncia, evitando que o pensamento se instale no
domnio do quantitativo. Todos os problemas da existncia so animados de paixo.
Pensar os problemas omitindo a paixo no pensar, esquecer que se um existente;
assim como o nico conhecimento essencial aquele cuja relao com a existncia
essencial (Cf. KIERKEGAARD, 2010, p.199). Nota-se aqui a defesa de uma relao
intrnseca entre pensamento e existncia, que precisa ser diferenciada do postulado quebusca estabelecer uma relao, nas mesmas condies, entre pensamento e ser
(KIERKEGAARD, 2010, p. 199):
que o conhecimento essencial se relaciona essencialmente com a existncia, noobstante, no significa aquela identidade abstrata entre pensamento e sermencionada acima, nem tampouco que o conhecimento se relacioneobjetivamente com algo que exista com seu objeto. O que significa que oconhecimento se relaciona com aquele que conhece, o qual essencialmente umexistente, e que, por tanto, todo conhecimento essencial se relaciona com aexistncia e com o existir.
Essas diferentes relaes devem permanecer inconfundveis, uma vez que
precisamente a existncia, como j indicado, que opera a destruio da unidade entre
pensamento e ser, entre sujeito e objeto. So, portanto, teses opostas, pois a tese que
identifica pensamento e ser, como anuncia Kierkegaard, expressa que o pensamento
tenha abandonado a existncia completamente, que tenha emigrado e encontrado um
sexto continente em que totalmente auto-suficiente, acomodado sob a absoluta
identidade entre pensar e ser (KIERKEGAARD, 2010, p. 327).
Escapar do quantitativo, do pensamento estatutrio, se diferenciar do pensadorobjetivo. Na primeira parte do Post-scriptum (KIERKEGAARD, 2010, p. 82), nas teses
sobre Lessing, j se encontra essa diferenciao:
Enquanto o pensamento objetivo indiferente ao sujeito que pensa e suaexistncia, o pensador subjetivo, enquanto existente, est essencialmenteinteressado pelo seu prprio pensamento, existe nele. Portanto, o seu pensamentopossui outro tipo de reflexo, a saber, a da interioridade, da posse, em virtude daqual pertence ao sujeito pensante e a nenhum outro. Enquanto o pensadorobjetivo estabelece tudo em termos de resultado, e estimula toda a humanidade atrapacear, mediante a transcrio e repetio de resultados e de fatos, o
pensamento subjetivo pe tudo em devir e omite o resultado, em parte,precisamente porque lhe pertence, posto que possui o caminho que conduz a ele;e em parte porque, enquanto existente, se encontra permanentemente em devir.
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O pensador subjetivo, ao invs de compreender o concreto de maneira abstrata,
busca compreender o abstrato de maneira concreta (Cf. KIERKEGAARD, 2010, p.347).
Quando Kierkegaard fala em omisso do resultado pelo pensador subjetivo, no est aindicar uma falta de probidade intelectual. Aqui, mais uma vez surge a oposio a Hegel,
particularmente tese que postula a identificao entre interioridade e exterioridade. Para
o pensador dinamarqus, tal tese no s desqualifica a interioridade, mas, no bojo da
identificao entre pensamento e ser, omite o devir da existncia e do pensamento, isto ,
a dificuldade. Por isso, o pensamento objetivo no comporta enigmas, que s compete ao
pensador subjetivo. Essa diferenciao se reflete diretamente no problema da
comunicao por parte do pensador subjetivo, pois, sua comunicao, enquanto sua
forma, deve ser essencialmente conforme a sua prpria existncia (KIERKEGAARD,2010, p. 89), e o devir e a multiplicidade da existncia devem refletir no estilo, pois quem
o tem de verdade, nunca o tem acabado, mas cada vez que inicia, agita as guas da
linguagem e consegue que a expresso mais cotidiana surja para ele com a originalidade
de um recm nascido (KIERKEGAARD, 2010, p. 94-95).
O pensador subjetivo se esfora para estar atento dialtica da comunicao (Cf.
KIERKEGAARD, 2010, p.82). O esforo do pensador subjetivo caracteriza o seu constante
tornar-se a si mesmo, libertando-se, no interior do devir e da afirmao de si como
pensador existencial; e, assim como o pensador subjetivo se liberta a si mesmo, o enigma,na comunicao, reside precisamente em libertar o outro, da que no se deva comunicar
diretamente (KIERKEGAARD, 2010, p. 83).
Se a verdade subjetividade, trabalho da interioridade na existncia, a
comunicao da verdade no deve se efetuar de maneira objetiva, uma vez que
objetivamente, se acentua o que se diz; subjetivamente, como se diz (KIERKEGAARD,
2010, p. 204). notvel que somente o pensador subjetivo seja quem procura sua prpria
diferena, pois ele quem est atento a forma de sua expresso, devido particularidade
do contedo de seu pensamento e da coerncia que busca seguir. Essa constante ateno
com o estilo faz com que Kierkegaard afirme, inclusive, que o pensador subjetivo no um
cientista, um erudito, mas um artista (Cf. KIERKEGAARD, 2010, p. 346; 88); e que:
o fato de que o conhecimento no possa ser declarado diretamente, por seressencial nele a apropriao, o que faz com que seja um segredo para todoaquele que no por si mesmo duplamente reflexivo. Mas, que essa seja a formaessencial da verdade, faz com que no possa ser enunciada de outra maneira. Porisso, quem pretende comunic-la diretamente um estpido, e se algum tratarade exigi-lo, tambm o . Frente a uma comunicao artstica e enganosa comoesta, a habitual estupidez humana gritaria: Isso egosmo!. Se uma estupidezsemelhante triunfasse e a comunicao fosse direta, o triunfo da estupidez seriatal que o comunicante chegaria a ser igualmente estpido.
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No contexto da crtica objetividade e da reduplicao dessa crtica no estilo de se
fazer filosofia, Kierkegaard moveu componentes da literatura e do teatro para o interior da
filosofia, em um processo criativo singular.
O autor do Post-Scriptum manteve uma relao potica com grande parte de suaobra, fez uso de pseudnimos na maioria de seus escritos filosficos, que comportam a
tonalidade de falas de personagens retiradas do teatro, discursos que partem de lugares
especficos, de interioridades lapidadas que, ainda que, enquanto mscaras literrias,
atuam em funo de um mtodo pedaggico, uma vez que, como apontado no Ponto de
vista explicativo, o efeito esttico da comunicao indireta se insere em uma proposta
tica, religiosa e filosfica, como ttica imprescindvel para tarefa de tornar o homem
atento (Cf. KIERKEGAARD, 1986, p.45).
Enquanto a comunicao pela via direta reflete apenas a objetividade,correspondente ao tipo de discurso cientfico, da adequao entre pensamento e ser; a
comunicao indireta reflete o projeto de ligao intrnseca entre existncia e pensamento,
uma vez que o carter enigmtico da subjetividade diludo no discurso objetivo, o que o
torna imprprio para expressar os problemas filosficos existenciais. Dessa maneira, a
comunicao indireta aparece a Kierkegaard como a mais apropriada para expressar o tipo
de filosofia que se prope a fazer, da filosofia que no se separa da existncia e das
dificuldades que lhe so inerentes, como o movimento real (no-conceitual) e o devir.
Assim como o pensador subjetivo que descreve, Kierkegaard se movimenta natenso de se mostrar e se ocultar, atravs da ironia, do humor e, principalmente, com uma
aguda conscincia do carter imprescindvel da comunicao indireta, como afirma nas
ultimas pginas do Post-scriptum: a pseudonmia no teve um base acidental em minha
pessoa [...], e sim uma base essencial em minha produo (KIERKEGAARD, 2010, p.
602).
Kierkegaard anuncia a impossibilidade de um sistema da existncia. Defendemos
que seu estilo a garantia de que essa ideia no culmine em um irracionalismo fatalista.
Pois, se no possvel um sistema da existncia, como seria possvel uma filosofia da
existncia? A resposta est na assuno da comunicao indireta, que permite a expresso
de um pensamento filosfico acerca da existncia, trabalhando com a verdade enquanto
subjetividade encarnada, a um s tempo em que quebra a unidade entre pensamento e ser,
e afirma a inextricvel relao entre existncia e pensamento.
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CONSIDERAES FINAIS
Se, por um lado, Kierkegaard tensiona o mximo a necessidade e o rigor do
pensamento sistemtico, por outro, se recusa a aceitar que a existncia possa ser contidanum conceito, por isso defende a tese de que um sistema lgico possvel, mas que no
possvel um sistema da existncia. Dessa forma, o pensamento, como postula o pensador
dinamarqus, descontnuo, flexvel, existencial, paradoxal e, sobretudo, apaixonado. a
paixo que faz com que o pensamento possua um tlos infinito e no permita a sua
reduo a um sistema filosfico desinteressado da existncia.
filosofia legada a tarefa de se emaranhar na existncia, no mais se
conformando em iluminar a vida do homem com formulaes especulativas distanciadas
do existir humano, mas buscar tornar-se a prpria existncia do homem. Para tanto, preciso se afastar da pretenso hegeliana de transformar a filosofia em cincia, uma vez
que tal postura tem como pressuposto a ideia de um espectador imparcial, distanciado,
neutro, em suma, de um ideal de no comprometimento; e, segundo Kierkegaard, o
pensamento puro no pode apreender a existncia.
REFERNCIAS
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________.Fenomenologia do Esprito. Petrpolis: Vozes, 1992. (Vol. II).
KIERKEGAARD, Soren.Migalhas filosficas ou um bocadinho de filosofia de Joo Clmacus.
Petrpolis, RJ: Vozes, 2011.
________________.Ponto de vista explicativo de minha obra como escritor. Lisboa: Edies
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________.Post Scriptum no cientfico y definitivo a Migajas filosficas. Salamanca: Ediciones
Sgueme, 2010.
________. Temor e tremor. Lisboa: Relgio Dgua, 2009.________. Opere. Milano: Sansoni Editore, 1993.
________.Diario.Brescia: Morcelliana, (12 volumes) 1980.
SARTRE, Jean-Paul. El universal singular. In:Kierkegaard vivo. Uma reconsideracin. Madrid:
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VALLS, lvaro L. M.. Hegel noPs-escritode Kierkegaard, hoje no Brasil.PensandoRevista de
Filosofia. Vol.2, n4, 2011, p.69-84.