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Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 14 – Práticas escritas na escola: letramento e representação.
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SEMPRE [i], ÀS VEZES <E>, ÀS VEZES <I>: HETEROGENEIDADE NA ESCRITA DAS VOGAIS
Marilia Costa REIS1
RESUMO
Neste artigo trataremos a respeito da convenção ortografia e das hipóteses dos escreventes a respeito desta convenção que resultem em erros ortográficos, partindo da concepção da heterogeneidade da escrita, proposta por Corrêa (2004). A heterogeneidade da escrita pode ser verificada também na ortografia, quando observados os princípios utilizados para o seu estabelecimento: os fonético-fonológicos e os etimológicos. Esta heterogeneidade no estabelecimento de uma convenção ortográfica gera uma não-biunivocidade entre grafema e fonema, de modo que um grafema pode representar vários fonemas ou um mesmo fonema pode ser representado por vários grafemas ou dígrafos. Esta não-biunivocidade pode ser observada também com relação à escrita das vogais. Neste trabalho, estarão em destaque os contextos em que as vogais /e/ e /i/ têm a mesma realização fonética [i], mas que são ortograficamente escritos com <E> ou com <I>. Os dados analisados neste trabalho confirmam que os contextos não-biunívocos tendem a gerar dúvidas aos escreventes e apontam para o fato de que as hipóteses dos escreventes acerca da grafia dessas vogais, ainda que, algumas vezes, resultem em erros em relação à ortografia, demonstram não um desconhecimento da convenção, mas podem, contrariamente, demonstrar seu conhecimento e sua apropriação. PALAVRAS-CHAVE: escrita, ortografia, vogais, letramento, Ensino Fundamental
Introdução
Neste artigo, apresentamos os resultados de uma pesquisa (em andamento) que
tem por objetivo contribuir com os estudos de escrita sobre a relação entre oralidade e
letramento. Essa relação, conforme propõe Corrêa (2004), não deve ser vista como
1 Universidade Estadual Paulista Júlio de Mesquita Filho (UNESP), Instituto de Biociências, Letras e Ciências Exatas, Programa de Pós-graduação em Estudos Linguísticos. Rua Cristóvão Colombo, 2365, 15.054-000, São José do Rio Preto-SP, Brasil, [email protected] / Fundação de Amparo à Pesquisa do Estado de São Paulo (FAPESP, Proc. 2008/07638-2).
Língua portuguesa: ultrapassar fronteiras, juntar culturas (Eds.) Mª João Marçalo & Mª Célia Lima-Hernandes, Elisa Esteves, Mª do Céu Fonseca, Olga Gonçalves, Ana LuísaVilela, Ana Alexandra Silva © Copyright 2010 by Universidade de Évora ISBN: 978-972-99292-4-3 SLG 14 – Práticas escritas na escola: letramento e representação.
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influência de uma oralidade na escrita, mas como uma relação que constitui
heterogeneamente a escrita, com contribuições dos imaginários sociais construídos no
interior das práticas em que estão inseridas a oralidade e a escrita. De modo particular,
partindo da concepção de heterogeneidade da escrita de Corrêa (2004), trataremos neste
trabalho a respeito da convenção ortográfica e das hipóteses a respeito desta convenção
que possivelmente estejam motivando os escreventes a fazerem os chamados erros
ortográficos, quando as vogais /e, i/ – em certos contextos fonológicos – têm a mesma
realização fonética [i], mas devem ser grafadas com a letra <E> ou com a letra <I>, em
posição pretônica na palavra.
A heterogeneidade da ortografia
A ortografia nasce, segundo Cagliari (1999), de uma espécie de escrita fonética,
que “consiste em representar os sons da fala, exatamente como eles foram
pronunciados” (p. 29). Segundo o autor, a escrita alfabética surgiu como um princípio
acrofônico, em que as letras recebiam os nomes de acordo com o som que
representavam na escrita. No entanto, “os usuários deste sistema esbarraram no
problema da ‘variação lingüística’”, tornando-se necessária a criação de uma ortografia,
ou seja, uma única forma de grafar as palavras de uma língua. (CAGLIARI, 1999, p.29,
30). Apesar de cada palavra ter apenas uma grafia, na fala continuou a ter variação, não
havendo, portanto, uma representação direta da fala pela escrita. De acordo com Scliar-
Cabral (2003), na ortografia,
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“uma ou mais letras (os grafemas) representam fonemas e alguns de
seus alofones (variantes de um mesmo fonema), que resultam nas
unidades que distinguem o significado na escrita (a segunda
articulação). Deve-se notar, contudo, que um outro princípio diferente
também ocorre: o etimológico”. (p. 38) (grifo nosso)
Constata-se, portanto, que a ortografia manteve seu princípio fonético-
fonológico, verificado na invenção da escrita; no entanto, foi acrescentado a ele também
o etimológico. O princípio etimológico, diferentemente do princípio fonético-
fonológico, não estabelece relação com a fala, mas com relações de forma e sentido
entre as línguas, tornando as motivações para a escrita de uma dada língua
independentes das características dos enunciados falados.
Neste sentido, partindo da concepção de heterogeneidade da escrita, alertamos,
junto com Corrêa (2004), para uma “heterogeneidade que, sendo constitutiva da própria
língua, afeta também a noção de norma e, em particular, de norma escrita culta”. (p.
XXIV). Segundo o autor, a heterogeneidade da escrita se dá por contribuições de
registros escritos de um imaginário da escrita, que circula por três eixos: 1) a escrita em
sua suposta gênese, como correspondente ao oral; 2) a escrita como código escrito
institucionalizado, como modo autônomo de representação da oralidade e 3) a escrita
em relação ao já falado/escrito, o diálogo que a escrita mantém com textos já lidos ou
ouvidos.
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A heterogeneidade da ortografia se dá, portanto, desde a sua constituição porque
são de duas naturezas os princípios que a orientam. Cada princípio pode ser considerado
como registro de um dos eixos do imaginário social da escrita. No caso do princípio
fonético-fonológico, que prevê uma relação mais direta com a oralidade, ao estabelecer
relação entre grafema e fonema, podemos identificar registros do primeiro eixo de
circulação imaginária da escrita. No caso do princípio etimológico, por sua não relação
com a oralidade e por se tratar de registro característico da escrita, podemos identificar
registros do segundo eixo, na medida em que há uma escolha (convencionalizada) em se
registrar certas características da história da língua e não outras.
Esta heterogeneidade no estabelecimento de uma convenção ortográfica gera,
portanto, uma não-biunivocidade entre grafema e fonema, de modo que, como apontado
por Scliar-Cabral (2003), um grafema pode representar vários fonemas ou um mesmo
fonema pode ser representado por vários grafemas ou dígrafos. Esta não-biunivocidade
pode ser observada, por exemplo, com relação à escrita das vogais. Os grafemas <I> e
<U> recebem seus nomes a partir dos sons que representam: as vogais altas /i, u/,
respectivamente. Os <E> e <O>, também recebem seus nomes a partir dos sons que
geralmente representam na escrita, no entanto, para essas letras há duas possibilidades
de representação na sílaba tônica: as vogais médias-altas /e, o/ (como em ‘dedo’ e
‘doce’), e as vogais médias-baixas /E, O/ (como em ‘reta’ e ‘roda’). De acordo com a
região do Brasil, seus falantes as denominarão por uma ou por outra possibilidade de
representação, de modo geral, na região sul, terão seus nomes a partir das vogais
médias-altas e, na região norte, como vogais médias-baixas. Esta não-biunicidade se
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acentua quando a sílaba em que ocorrerem for pretônica, de modo que os grafemas <E>
e <O> também poderão representar as vogais altas [i, u], respectivamente.
O fato lingüístico relevante a ser observado é que as vogais médias-altas /e, o/,
em posição pretônica, podem ter diferentes realizações fonéticas, de acordo com a
variedade falada em diferentes regiões do Brasil. A realização fonética dessas vogais
pode ser semelhante a uma das vogais altas [i, u], respectivamente, caracterizando o
fenômeno de alçamento, verificado em praticamente todas as regiões brasileiras2, ou
como uma das vogais média-baixas [E, O], respectivamente, caracterizando o fenômeno
abaixamento,3 verificado no norte e nordeste, principalmente. Neste trabalho, interessa-
nos tecer considerações sobre a relação entre os enunciados falados e escritos levando-
se em conta especificamente a vogal média-alta /e/, em posição pretônica, por ser nesta
posição passível de sofrer o processo fonológico de alçamento, um fenômeno observado
na variedade dos escreventes que produziram os textos que tomamos como corpus de
nossa investigação.
De um modo geral, o fenômeno de alçamento tem sido estudado por sua
aplicação variável, uma vez que as vogais médias-altas em posição pretônica, de uma
palavra, ora são alçadas, ora não são alçadas. Desse fato, resulta que, nesse contexto de
sílaba pretônica em variedades faladas no sul do Brasil, o grafema <E>, por exemplo,
poderá representar ora a vogal [e] e ora a vogal [i], caracterizando, portanto, esta não-
biunivocidade entre grafemas e fonemas. O fenômeno de alçamento, no entanto, em
2 O alçamento foi verificado por Viegas (1987), em Minas Gerais; Silva (1991), na Bahia; Bisol (1981) e Schwindt (2002), no Rio Grande do Sul;e Silveira (2008) e Carmo (2009), em São José do Rio Preto (SP), região na qual residem os escreventes dos textos de nossa pesquisa. 3 O abaixamento foi verificado, por exemplo, por Célia (2004), na região de Nova Venécia (ES).
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alguns contextos, pode ter aplicação praticamente categórica4, tendo a vogal /e/ a
realização fonética quase sempre semelhante a [i]. Nestes contextos, o grafema <E>
representará predominantemente a vogal [i], som que, pelo princípio acrofônico, seria
representado por <I>. A ortografia, no entanto, mantém a escrita em <E> para essas
palavras. Neste sentido, podemos dizer que o segundo eixo de circulação imaginária da
escrita, observado na ortografia, se dá também nessa escolha pelo grafema <E> para
esses contextos, verificando-se, assim, o caráter autônomo da escrita em relação à fala.
Considerando os contextos fonológicos indicados das palavras abaixo listadas e
o fato de haver a aplicação praticamente categórica do fenômeno alçamento da vogal
média /e/, em posição pretônica, vislumbra-se que as letras <E> e <I> representarão o
mesmo som na escrita.
Contexto A – Grafemas <E> ou <I> seguidos de um dos grafemas <N, M, S, X> em
sílabas pretônicas.
Exemplos: ‘empolgada’, ‘inteiro’. Realização: ‘[i]mpolgada’, ‘[i]nteiro’.
Contexto B – Grafemas <E> ou <I> nas sílabas pretônicas ‘des’ ou ‘dis’.
Exemplos: ‘desligado’ e ‘distante’. Realização: ‘d[i]sligado’ e ‘d[i]stante’.
Contexto C – Grafemas <E> ou <I> em posição de hiato.5
Exemplos: ‘beata’ e ‘criado’. Realização: ‘b[i]ata’ e ‘cr[i]ado’.
4 São três os contextos: 1) vogal /e/ seguida de /N/ ou /S/, constatado por Naro (1973); 2) vogal /e/ ou /o/ em contexto de hiato, segundo Bisol (1981), foi notado desde o século XVI, por Fernão de Oliveira (1536); 3) prefixo ‘des-’ (ou palavras com a mesma estrutura), verificado por Cavinato, Renck e Morette (2008). Na variedade de São José do Rio Preto (SP), exemplos desses três contextos são, respectivamente: (1) ‘[i]mpresa’, ‘[i]scada’; (2) ‘t[i]atro’, ‘m[u]eda’; (3) ‘d[i]semprego’, ‘d[i]sanimado’, ‘d[i]scobriu’. 5 No caso do contexto C, consideramos somente quando as vogais <E> ou <I> fossem seguidas de uma vogal tônica, para que fosse levados em conta os mesmos contextos dos exemplos ‘cad[i]ado’e ‘t[u]alha’ apresentados por Bisol (1981).
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Partimos da hipótese, em nossa pesquisa, que esses contextos tendem a gerar
dúvidas ortográficas para os escreventes, uma vez que, apesar de, na fala, a realização
fonética ser a mesma, na escrita, a convenção ortográfica seleciona ora <E>, ora <I>.
Abaixo, apresenta-se uma figura da escrita da palavra ‘enfermeira’ (palavra com o
contexto A anteriormente definido), em que se observam os grafemas <E> e <I>, além
de rasura, para representar um mesmo som [i], que é grafado com <E>. Trata-se do
rascunho utilizado pelo escrevente para chegar ao texto final, quando grafa essa palavra
segundo as convenções ortográficas: ‘enfermeira’.
Figura 1
O objetivo deste artigo será, portanto, a partir da consideração da
heterogeneidade da ortografia, observar as hipóteses de estudantes de quinta série do
Ensino Fundamental6 a respeito de como se dão as relações entre enunciados falados e
escritos. Esta observação será feita por meio dos empregos não-convencionais de <E> e
<I>, nos contextos específicos acima definidos.
6O corpus utilizado neste artigo é formado por 682 textos, escritos por 121 sujeitos, alunos de cinco quintas séries de uma escola estadual de São José do Rio Preto. Todos os textos foram produzidos em sala de aula, em atividades realizadas de Abril a Novembro de 2008; dirigidas por integrantes do projeto de extensão universitária (PROEX/UNESP), coordenado pelas Profas Dras. Luciani Tenani e Sanderléia Longhin-Tomasi (IBILCE/UNESP).
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Os dados
No item anterior, apresentamos três contextos em que as letras <E> e <I> quase
sempre corresponderão ao mesmo som na fala. Selecionamos, portanto, para análise,
todas as palavras do corpus com aqueles contextos. Foram excluídos de nossos dados
palavras que, apesar de haver os contextos selecionados, se encontravam em três
situações, a saber:
1) Palavras que podem ser classificadas como um nome próprio.
Esse conjunto de palavras foi excluído porque os nomes próprios não têm uma
forma ortográfica, havendo a possibilidade de mais de uma grafia;
2) Palavras cujas grafias não favoreceram a identificação de uma dada vogal
como sendo <E> ou <I>.
A dificuldade em atribuir uma categorização gráfica é um aspecto importante a
ser observado, uma vez que se tratam de textos manuscritos. Neste trabalho, a
opção por excluí-los visa a garantir uma certa homogeneidade dos dados que
compõem o corpus desta reflexão. No entanto, não desconsideremos esses dados
para uma possível análise qualitativa futuramente.
3) Palavras que pertencem a classes gramaticais distintas de substantivos,
adjetivos e verbos.
Palavras classificadas como conjunções, preposições, numerais, etc., foram
excluídas do corpus deste trabalho por terem comportamento fonético-
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fonológico distinto das demais classes de palavras, notadamente no que diz
respeito à aplicação de processos fonológicos.7
Com relação à grafia das vogais nos contextos selecionados, fizemos um
levantamento quantitativo com relação aos empregos convencionais e não-
convencionais dessas vogais de um modo geral e em cada contexto separadamente. Os
empregos não-convencionais são importantes para este trabalho, na medida em que
podem revelar certas hipóteses desses escreventes. Os empregos convencionais dos
grafemas <E> e <I>, por outro lado, podem nos indicar a “medida” da apropriação da
convenção por parte dos escreventes e a freqüência dessas palavras com esses contextos
na escrita. Além disso, é importante investigar, de modo particular, a relação entre os
empregos convencionais e os não-convencionais, por indicar quais os contextos de
maior dúvida e quais os contextos em que há maior apropriação da convenção por parte
dos escreventes.
Com relação aos dados em que a grafia dos escreventes não condiz com a
prevista pela convenção, foram inicialmente classificados, conforme propõe Cagliari
(1998), em duas categorias: (1) transcrição fonética – para escrita em <I> onde a
ortografia convencionou <E>; (2) hipercorreção – para escrita em <E> onde a
ortografia convencionou <I>. Enfatizamos que nos valemos dessa denominação como
um recurso metodológico na execução de nossa investigação, pois não a assumimos em
nosso trabalho. Partimos da hipótese que o escrevente quando opta ora por <I> e ora por
<E> não se baseia, respectivamente, nos seus conhecimentos a respeito da sua fala e da
7 Uma discussão a respeito dessa distinção entre classes de palavras, do ponto de vista fonológico, pode ser encontrada em Lee (1995).
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sua escrita, mas utiliza-se, nas duas opções, de todo o conhecimento que têm a respeito
das práticas sociais envolvendo essas modalidades. Entendemos, portanto, essas
escolhas, como registro dos imaginários sociais da escrita construídos no interior dessas
práticas.
Observando a escolha por <E> ou por <I>, de um modo geral, sem considerar se
esse emprego segue ou não a convenção ortográfica, obtivemos o seguinte gráfico:
A partir deste gráfico, podemos observar uma tendência com relação à escolha
por <E> nos contextos selecionados, embora, pelo princípio acrofônico, essa vogal
fosse escrita preferencialmente com <I>, nos contextos analisados. Esses primeiros
resultados gerais apontam para o fato de os escreventes saberem que “escrever não é
transcrever a fala”, ou seja, que a ortografia não é baseada somente no princípio
acrofônico, de modo que o nome de uma dada letra nem sempre fará referência ao som
por ela representado.
No que diz respeito à relação entre os erros e acertos, em relação à convenção
ortográfica, obtivemos os resultados apresentados na Tabela 1, onde se especifica o total
de ocorrências de palavras e, entre colchetes angulados, a letra que foi empregada
nessas ocorrências.
<i>24%
<e>76%
Figura 2 - Gráfico referente ao registro de cada vogal
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Tabela 1- Erros e acertos em todos os contextos
Ortografia <E> <I>
Erros 53 <I> 42 <E>
Acertos 1920 <E> 576 <I>
Erros/Total 2,68 % (53/1973) 6, 79 % (42/618)
Com relação às palavras cuja ortografia prevê o emprego de <E>, os alunos
erraram por transcrição fonética – empregando <I> para <E> – em um total de 2,68%
dos dados, enquanto que para as palavras em que a ortografia prevê <I>, os alunos
erraram por hipercorreção – empregando <E> para <I> – em um total de 6,79% dos
dados. Esses resultados mostram, primeiramente, que esses escreventes que estão, de
um modo geral, em seu quinto ano de escolarização, já apropriaram grande parte da
convenção para as vogais nos contextos selecionados. Além disso, as palavras com
ortografia em <I> parecem ser as que mais sugerem dificuldades para os escreventes, de
modo que, em nossos dados, foi encontrado um percentual maior de erros desses casos.
Outra importante consideração a ser feita com relação à Tabela 1, diz respeito ao
total de palavras ortograficamente escritas com <E> e com <I>. Na nossa análise, esse
número pode indicar a preferência da convenção na escrita das palavras mais
recorrentes, revelando uma preferência da ortografia pela escrita de <E>, em vez de <I>
nestes contextos. De um modo geral, podemos dizer que, nestes contextos, os erros dos
escreventes seguem essa tendência da convenção, de modo que os erros pela escrita de
<E>, quando previsto <I>, são maiores percentualmente.
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Cada caso é um caso
Como foi dito anteriormente, os três contextos selecionados se referem a
posições em que o sistema de escrita prevê duas possibilidades de escolha entre os
grafemas <E> ou <I>, mas que, na variedade falada pelos escreventes desses textos, há
praticamente uma única possibilidade, a pronúncia [i], devido à aplicação praticamente
categórica de alçamento de /e/ nesses contextos. No entanto, a análise separada de cada
contexto fonológico nos possibilitou observar certas características da convenção e dos
erros ortográficos, não possíveis de serem vistas com todos os contextos juntos.
Começando pelo contexto A, ou seja, quando <E> ou <I> é seguido de <N>,
<M>, <S> ou <X>, em uma sílaba pretônica, encontramos a mesma tendência
observada nos dados de um modo geral: um percentual maior de palavras grafadas com
<E> do que com <I>, como pode ser observado na Tabela 2, abaixo.
Tabela 2 - Erros e acertos para o contexto A
Ortografia <E> + <M, N, S, X> <I> + <M, N, S, X>
Erros 28 <I> 27 <E>
Acertos 1782 <E> 191 <I>
Erros/Total 1,54% (28/1810) 14,13% (27/218)
No mesmo sentido, vão os tipos de erros: um percentual maior de erros por
hipercorreção (14,13%) do que por transcrição fonética (1,54%). A análise desse
contexto corrobora a análise feita para os dados de um modo geral, na medida em que
os erros dos escreventes indiciam o conhecimento da convenção, preferindo, em suas
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escolhas, a grafia com <E> para a vogal da sílaba pretônica. Além do número alto de
ocorrências de palavras com sílaba pretônica cuja vogal é grafada com <E> (no total,
foram 1813 ocorrências), faz-se interessante observar, em um dos textos do corpus
(Figura 3, abaixo), o quanto esse contexto é recorrentemente grafado corretamente na
escrita dos alunos.
Figura 3
Como podemos constatar, há no texto acima seis palavras com o contexto ora
analisado. Essas ocorrências permitem observar duas tendências: a que os erros seguem
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em relação à norma; e a que o aluno segue em seu próprio texto. No texto acima, todas
as palavras com o contexto em análise – a saber: ‘está, enteira, encontrou, estava,
encontrou, estava’ – foram grafadas com <E> (tendência da norma e tendência do aluno
em grafar a vogal pretônica nesse contexto com <E>). No entanto, na palavra ‘enteira’,
a escolha por <E> resultou em um “erro ortográfico”. Nota-se que a realização fonética
dessa palavra sempre será ‘[i]nteira’. Portanto, a escolha por <E> não foi motivada na
realização fonética da vogal pretônica /i/. Constata-se, dessa forma, que os chamados
erros ortográficos não são motivados, exclusivamente, por uma tentativa dos
escreventes em se representar os enunciados falados pela escrita.
O segundo contexto considerado, o contexto B, se refere às palavras cuja sílaba
inicial pretônica é ‘des’ ou ‘dis’. Inicialmente, cabe observar que grande parte das
palavras escritas com ‘des’ em posição pretônica diz respeito às palavras constituídas
pelo prefixo ‘des-’, o que faz com que essa forma seja bastante recorrente. No texto
apresentado a seguir (Figura 4), verificam-se duas ocorrências dessa forma ‘des’:
‘desispero’ e ‘despistou’.
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Figura 4
Destaca-se do texto acima que o escrevente erra a grafia de uma das vogais da
palavra ‘desespero’, mas não a da vogal na forma ‘des’. Poderíamos dizer que o erro
deste aluno, na escrita de <I> para <E>, em ‘desispero’, se dá por transcrição fonética,
porém, se fosse por simples transcrição fonética, a seqüência ‘des’, nesta ocorrência,
também seria escrita com <I>, uma vez que a pronúncia é a mesma para as duas vogais
pretônicas: ‘d[i]s[i]spero’. No entanto, este dado aponta para o (re)conhecimento da
forma gráfica do prefixo ‘des’, dando indícios da apropriação, por parte do escrevente,
da preferência da convenção pela grafia em <E> para esse prefixo, embora haja uma
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tendência para sua realização fonética com a vogal [i]. Na tabela abaixo, dados
quantitativos para o contexto em discussão corroboram as hipóteses explicativas ora
esboçadas.
Tabela 3 - Erros e acertos para o contexto B
Ortografia “des” “dis”
Erros 12 <I> 07 <E>
Acertos 86 <E> 14 <I>
Erros/Total 12,24% (12/98) 33,33% (7/21)
Assim como o contexto anteriormente analisado, este contexto apresenta
resultados que seguem as tendências apresentadas para todos os contextos de um modo
geral: a) a tendência da ortografia em grafar tais contextos com <E>; b) a tendência em
haver mais erros, percentualmente, por hipercorreção (33,33%) que por transcrição
fonética (12,24%). Destaca-se que, para este contexto em relação ao anteriormente
tratado, o número e o percentual de erros foi ainda maior, tendo destaque o percentual
de erros do tipo hipercorreção com 33,33%, em relação ao total de palavras que
deveriam ser escritas com <I>.
Até este ponto, os resultados apresentados para cada contexto separadamente
mostram as tendências observadas de um modo geral. No entanto, o contexto C, isto é, o
contexto em que o hiato é objeto de estudo, apresenta os resultados distintos em relação
aos demais, conforme pode ser observado na Tabela 4, abaixo.
Tabela 4 - Erros e acertos para o contexto C
Ortografia <E> + V (hiato) <I> + V (hiato)
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Erros 12 <I> 8 <E>
Acertos 52 <E> 371 <I>
Erros/Total 18,75% (12/64) 2,11% (8/379)
Como pode ser observado na Tabela 4, no contexto em que há a vogal média /e/
ou a vogal alta /i/ em hiato, diferentemente dos outros dois contextos que consideramos,
predominam, tanto numericamente, quanto percentualmente, os erros do tipo
transcrição fonética (18,75%), ou seja, escrita de <I> para ortografia em <E>. Além
disso, há um percentual maior de palavras com ortografia em <I>, que em <E>, o que
também diferencia este contexto dos demais.
Miranda (2008) analisou esses mesmos tipos erros ortográficos em escrita inicial
de crianças. Segundo a autora, este tipo de erro relacionado à escolha entre <E> e <I>
teria relação com uma tendência da língua em desfazer o hiato, tornando-o um ditongo.
Essa tendência da fonologia da língua parece ter sido apropriada não apenas pelos
escreventes em suas hipóteses, mas também pela ortografia, de modo que há um número
bem maior de vogais em contexto de hiato escritas ortograficamente com <I>, que com
<E>, conforme verificado por meio dos nossos resultados.
Com relação a esse contexto, observamos que, embora seja distinto dos demais
com relação à preferência, tanto dos erros, quanto da ortografia, pela grafia de <I>, há
evidências que também comprovam as interpretações apresentadas para os demais
contextos: a de que as hipóteses dos escreventes mostram o conhecimento da convenção
ortográfica, na media em que seguem a tendência observada na ortografia.
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Enfim...
A análise e discussão de nossos dados nos levaram a observar não uma relação
entre as modalidades oral e escrita (evidenciadas por meio dos erros na grafia das vogais
pretônicas), mas como se dá de maneira constitutiva essa relação, evidenciando-se,
assim, a heterogeneidade constitutiva da escrita, tanto no que diz respeito às hipóteses
dos escreventes, quanto no que diz respeito à própria convenção ortográfica. No
presente trabalho, observamos apenas a escrita das vogais /e/ e /i/, em posição de sílaba
pretônica em três contextos fonológicos bastante semelhantes, cujas realizações
fonéticas tendem a ser praticamente idênticas (vogal alta [i]). A ortografia prevê, para a
vogal /i/, nos contextos investigados, o grafema <I> e para a vogal /e/, nesses mesmos
contextos, o grafema <E>.
Com relação à ortografia, retomamos a posição segundo a qual há dois
princípios, conforme Scliar (2003): o princípio fonético-fonológico e o princípio
etimológico. Com relação ao princípio fonético-fonológico, mostramos que está
relacionado com o princípio acrofônico, que caracteriza o sistema de escrita alfabético,
segundo o qual cada letra recebe o nome relativo ao som que representa (CAGLIARI,
1999). Neste sentido, nos contextos selecionados, tem-se dois cenários: (i) a vogal é /i/,
a pronúncia é [i] e a grafia também é <I>, a ortografia parece seguir o princípio
acrofônico; (ii) a vogal é /e/, a pronúncia é quase sempre [i] e a grafia é <E>, a
ortografia deixa de representar a fala. Neste sentido, a ortografia se distancia das
características dos enunciados orais/falados, escolhendo as formas de representação por
outros princípios, como o etimológico, por exemplo.
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Com relação aos imaginários sociais da escrita, propostos por Corrêa (2004),
podemos observar o primeiro eixo, quando a ortografia grafa seguindo o princípio
acrofônico e o segundo eixo, quando grafa seguindo outros princípios, como o
etimológico, por exemplo. Esses princípios são, portanto, registros dos imaginários
sociais da escrita, que contribuem não apenas para a heterogeneidade da escrita, como
também da ortografia, de modo particular.
Os dados analisados neste trabalho embasam uma interpretação de que os
escreventes dos textos considerados demonstram ter conhecimento do sistema
ortográfico, na medida em que os erros observados evidenciam hipóteses ancoradas nas
mesmas tendências das convenções ortográficas em grafar as vogais pretônicas. De um
modo geral, a ortografia tende à escolha de <E> na grafia destes contextos, com
exceção do contexto de hiato, em que é demonstrada uma preferência por grafar <I>.
No mesmo sentido vão as hipóteses desses escreventes, que tendem a escolher <E>, na
grafia dos contextos de um modo geral, e <I> na grafia da vogal em contexto de hiato.
Concluímos a presente reflexão, ressaltando o fato de as hipóteses dos
escreventes, ainda que, algumas vezes, resultem em erros em relação à ortografia,
demonstram não um desconhecimento da convenção, mas, contrariamente, seu
conhecimento e sua apropriação. Os registros não-convencionais de algumas palavras
seguem as características da convenção, indiciando, portanto, um processo de apreensão
do sistema ortográfico por parte desses escreventes, que nem sempre escrevem segundo
essas mesmas convenções ortográficas.
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Anexo
Abaixo quadro com todas ocorrências de erros ortográficos relativos à escrita das vogais
nos contextos analisados, encontrados no corpus. Entre colchetes angulados, a grafia
escolhida pelo escrevente.
Quadro 1 - Ocorrências de erros nos contextos A, B e C Contexto A
<E, I> + <M, N, S, X> Contexto B
<E, I> + V (hiato) Contexto C
‘des’ ou ‘dis’ <I> <E> <I> <E> <I> <E>
imbora imbora imbora imbora
enclusive encriveu engles
engrivel,
discansa(r) discobriu dismaiar
diperdador
descubriu desculsão
desfarçadas desparado
baliado paciando pasiamos passiando
veagem veagem veajar
anceoso
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imbora imbora imprego impresas impresas incinou
incontrar indendeou (entendeu) indereso
infrentarei insina insinar insinar insine intendi intendia interrado intreter
isperiência isquisito istadia istatua istátua istoria
istrangeiro
entereçada enterior
enclusive enteiro
enventando emploro
emportantes enfernizar enferno enteiro
enteressante enterrogação
enternete emporte (importe) enclusive
enteira enterecei envisíveis encrivel encrivel
enformatica hestória(?)
enfelizmente
disculpas dispedindo dispertar discupa disfile disfile
dispidir discobri
desfarçado desfarçados
desparar
sortiado sortiado
sortiaram paciar
sortiado sortiados pentiado
tiatro
deante anceoso veajar aveão