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22 6 JAN 2014 comunicação NEGÓCIOS A vanguarda do instinto de sobrevivência Por IGOR PUGA * Polêmicas envolvendo agências digitais não são novas em nos- so mercado. Antes do desfecho atual que questiona a longevi- dade e sua própria razão de existir, passamos por momentos igualmente confusos sobre o protagonismo das ditas digitais, a euforia de suas (supostas) inovadoras realizações, o recorrente questionamento de seu papel meramente tático e, portanto, inviável co- mo ponto focal dos anunciantes. Entre poucas certezas, a única aparente- mente intocável é que as agências digitais acabam sendo mais ágeis e rápidas na trans- formação de seus próprios métodos e estru- turas. Se isso será suficiente para mantê-las como negócios sustentáveis em médio-longo prazo é difícil de afirmar, mas seu DNA be- ta — oriundo da própria história do mundo digital — é uma fonte de referência impor- tante para todo mercado de comunicação. Há quatro pilares muito sólidos da pro- paganda que as agências digitais têm tenta- do mudar gradativamente nos últimos anos. 1. A cultura do awareness. Agência de propaganda é um negócio alicerçado so- bre a lembrança. Pouco se produz aqui e no mundo que não tenha como premissa o cri- tério de sucesso ponderado pelo awareness. Publicitário bom é o que tem a técnica e/ou talento de impactar alguém e proporcionar que essa mensagem perdure. Isso, em par- te, preserva o maior legado da nossa profis- são, que é a criatividade. Justo e funcional, apesar de bastante subjetivo. 2. A cultura do flight. Nada é mais publi- citário que uma campanha. Aquele traba- lho com prazo de validade, data de início e encerramento. Um intervalo de tempo de- terminado, muitas vezes escolhido cirur- gicamente, baseado em critérios sazonais dos mais variados. Existe uma lógica limí- trofe quando se planeja uma campanha, é quase um catalisador artificial para cumprir alguma meta trimestral de anunciante. Não que não possam ser inspiradoras e engaja- doras, mas pensando no consumidor atual e no mercado anunciante mais complexo são no mínimo ineficientes e obsoletas co- mo modelo de empenho de investimento. 3. A cultura da execução terceirizada. Não menos previsível e sintomático é como o mercado publicitário terceirizou o proces- so de produção. Num ambiente onde áudio e vídeo dominam as decisões, nunca faltaram produtoras capazes de materializar textos, roteiros e ideias em produtos finais à altu- ra do que criativos e planejadores recomen- dam aos seus clientes. A parte nociva e oculta desse vencedor hábito de trabalho é que ele blinda boa parte das agências da responsa- bilidade do nível e controle de qualidade do produto final. É como se orçamento e prazo fossem os verdadeiros detentores da capaci- dade de uma entrega qualitativa. Agência de propaganda virou escritório de arquitetura, focado em fazer plantas e croquis. 4. A cultura da remuneração fixa. Oriun- dos de um modelo secular de comissiona- mento, agências de propaganda ainda usam o parâmetro da porcentagem de ganho como referência da saúde de seus próprios balanços. É bem verdade que há uma enorme parcela de empresas com remuneração pautada em hora/homem que permite contratos por fee. Mas o vínculo com a nomenclatura da pala- vra agenciar é profunda, tanto que volume e escala pautam a ponderação do tamanho das estruturas que justificam esses fees. Muda-se o método de valoração, mas tenta-se atingir o mesmo objetivo quantitativo final de receita. E as agências digitais com isso? No mundo digital é recorrente o produto publicitário ser pouco visível e aparentar não ter valor agregado. É tentador o tema da Big Data, mas quando é preciso ilustrar exemplos práticos o desfecho é frustrante. Não há na- da menos sexy que duplicar o índice de aber- tura de um e-mail ou triplicar a clicagem de um banner sem nenhum artifício de criação. Alavancar resultados de geração de cadas- tros ou vendas por mero e inteligente uso de informações de comportamento e hábitos de uma audiência e a consequente clusteriza- ção disso é conversa divertida só para quem gosta de CRM. Performance é um trabalho introspectivo, contínuo e de bastidores. Não ganha prêmios, não chama a atenção, mas é escalável e gera resultados comerciais quase imediatos. O reconhecimento dos anuncian- tes é latente e sustenta boa parte das agências digitais no Brasil e no mundo. Agências 360 têm hábito distorcido quan- do abordadas sobre práticas de performance e controle de ROI. Tendem a achar que esse é trabalho para agências de marketing dire- to ou enxergam a compra programática co- mo algo que deve ser conduzido pelos cargos mais baixos, commoditizando a atividade. O foco continua no awareness: views nos vídeos para internet, números de fãs e seguidores em redes sociais, além de algum engajamento. Mas as agências digitais não sobrevivem apenas do oportunismo de agarrarem esse segmento pouco atraente da comunicação de performance. A consequência direta é que quando se trabalha pela geração de negócios de forma mais direta e imediata, faz menos sentido que o processo se dê por flights sa- zonais. Bancos ofertam seus produtos dia- riamente durante todo o ano, fabricantes de eletrônicos também. Isso desencadeia uma gestão dos meios digitais perene e contínua, que pouco consegue ser alinhada à logística criada em torno das campanhas sazonais de outros meios de comunicação. Daí vem a di- ficuldade evidente de uma agência tradicio- nal otimizar seu fluxo de trabalho em prol de um digital orientado para performance. Num escopo de trabalho voltado a resul- tados mais imediatos e aferíveis, a passagem para remuneração variável é muito mais na- tural. Como há métricas quantitativas dispo- níveis em tempo real, não falta motivo para cumplicidade nos dividendos gerados desses resultados. É um estímulo para as agências e o fortalecimento de uma relação custo bene- fício mais digna para anunciantes. E, por fim, há a inversão da lógica da ter- ceirização — agências digitais entendem que boa parte do processo criativo envolve, e mui- to, a execução. O profissional de tecnologia é parte fundamental no processo criativo, pois domina elementos que são até mais úteis an- tes de uma recomendação do que durante o processo de materialização. O mesmo vale quando se trata de conteúdo, lembrando que na web o especialista na geração de conteú- do precisa e deve estar dentro das estruturas e não ser um consultor esporádico. A rique- za oriunda do trabalho conjunto com esses perfis de engenharia e jornalismo é conta- minante e muitas vezes proporciona aque- la máxima tão desejada: fazer propaganda que nem parece propaganda. * Igor Puga é sócio da ID\, agência digital controlada pelo grupo Omnicom Performance é um trabalho introspectivo, contínuo e de bastidores. Não ganha prêmios, não chama atenção, mas é escalável e gera resultados comerciais quase imediatos DIVULGAÇÃO/CAROLINE BITTENCOURT

M&M - A vanguarda do instinto de sobrevivência

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6 JAN 2014

comunicação

NEGÓCIOS

A vanguarda do instinto de sobrevivênciaPor IGOR PUGA *

Polêmicas envolvendo agências digitais não são novas em nos-so mercado. Antes do desfecho atual que questiona a longevi-

dade e sua própria razão de existir, passamos por momentos igualmente confusos sobre o protagonismo das ditas digitais, a euforia de suas (supostas) inovadoras realizações, o recorrente questionamento de seu papel meramente tático e, portanto, inviável co-mo ponto focal dos anunciantes.

Entre poucas certezas, a única aparente-mente intocável é que as agências digitais acabam sendo mais ágeis e rápidas na trans-formação de seus próprios métodos e estru-turas. Se isso será suficiente para mantê-las como negócios sustentáveis em médio-longo prazo é difícil de afirmar, mas seu DNA be-ta — oriundo da própria história do mundo digital — é uma fonte de referência impor-tante para todo mercado de comunicação.

Há quatro pilares muito sólidos da pro-paganda que as agências digitais têm tenta-do mudar gradativamente nos últimos anos.

1. A cultura do awareness. Agência de propaganda é um negócio alicerçado so-bre a lembrança. Pouco se produz aqui e no mundo que não tenha como premissa o cri-tério de sucesso ponderado pelo awareness. Publicitário bom é o que tem a técnica e/ou talento de impactar alguém e proporcionar que essa mensagem perdure. Isso, em par-te, preserva o maior legado da nossa profis-são, que é a criatividade. Justo e funcional, apesar de bastante subjetivo.

2. A cultura do flight. Nada é mais publi-citário que uma campanha. Aquele traba-lho com prazo de validade, data de início e encerramento. Um intervalo de tempo de-terminado, muitas vezes escolhido cirur-gicamente, baseado em critérios sazonais dos mais variados. Existe uma lógica limí-trofe quando se planeja uma campanha, é quase um catalisador artificial para cumprir alguma meta trimestral de anunciante. Não que não possam ser inspiradoras e engaja-doras, mas pensando no consumidor atual e no mercado anunciante mais complexo são no mínimo ineficientes e obsoletas co-mo modelo de empenho de investimento.

3. A cultura da execução terceirizada. Não menos previsível e sintomático é como o mercado publicitário terceirizou o proces-so de produção. Num ambiente onde áudio e vídeo dominam as decisões, nunca faltaram produtoras capazes de materializar textos, roteiros e ideias em produtos finais à altu-ra do que criativos e planejadores recomen-dam aos seus clientes. A parte nociva e oculta desse vencedor hábito de trabalho é que ele

blinda boa parte das agências da responsa-bilidade do nível e controle de qualidade do produto final. É como se orçamento e prazo fossem os verdadeiros detentores da capaci-dade de uma entrega qualitativa. Agência de propaganda virou escritório de arquitetura, focado em fazer plantas e croquis.

4. A cultura da remuneração fixa. Oriun-dos de um modelo secular de comissiona-mento, agências de propaganda ainda usam o parâmetro da porcentagem de ganho como referência da saúde de seus próprios balanços. É bem verdade que há uma enorme parcela de empresas com remuneração pautada em hora/homem que permite contratos por fee. Mas o vínculo com a nomenclatura da pala-vra agenciar é profunda, tanto que volume e escala pautam a ponderação do tamanho das estruturas que justificam esses fees. Muda-se o método de valoração, mas tenta-se atingir o mesmo objetivo quantitativo final de receita.

E as agências digitais com isso?No mundo digital é recorrente o produto

publicitário ser pouco visível e aparentar não ter valor agregado. É tentador o tema da Big Data, mas quando é preciso ilustrar exemplos práticos o desfecho é frustrante. Não há na-da menos sexy que duplicar o índice de aber-tura de um e-mail ou triplicar a clicagem de um banner sem nenhum artifício de criação.

Alavancar resultados de geração de cadas-tros ou vendas por mero e inteligente uso de informações de comportamento e hábitos de uma audiência e a consequente clusteriza-ção disso é conversa divertida só para quem

gosta de CRM. Performance é um trabalho introspectivo, contínuo e de bastidores. Não ganha prêmios, não chama a atenção, mas é escalável e gera resultados comerciais quase imediatos. O reconhecimento dos anuncian-tes é latente e sustenta boa parte das agências digitais no Brasil e no mundo.

Agências 360 têm hábito distorcido quan-do abordadas sobre práticas de performance e controle de ROI. Tendem a achar que esse é trabalho para agências de marketing dire-to ou enxergam a compra programática co-mo algo que deve ser conduzido pelos cargos mais baixos, commoditizando a atividade. O foco continua no awareness: views nos vídeos para internet, números de fãs e seguidores em redes sociais, além de algum engajamento.

Mas as agências digitais não sobrevivem apenas do oportunismo de agarrarem esse segmento pouco atraente da comunicação de performance. A consequência direta é que quando se trabalha pela geração de negócios de forma mais direta e imediata, faz menos sentido que o processo se dê por flights sa-zonais. Bancos ofertam seus produtos dia-riamente durante todo o ano, fabricantes de eletrônicos também. Isso desencadeia uma gestão dos meios digitais perene e contínua, que pouco consegue ser alinhada à logística criada em torno das campanhas sazonais de outros meios de comunicação. Daí vem a di-ficuldade evidente de uma agência tradicio-nal otimizar seu fluxo de trabalho em prol de um digital orientado para performance.

Num escopo de trabalho voltado a resul-tados mais imediatos e aferíveis, a passagem para remuneração variável é muito mais na-tural. Como há métricas quantitativas dispo-níveis em tempo real, não falta motivo para cumplicidade nos dividendos gerados desses resultados. É um estímulo para as agências e o fortalecimento de uma relação custo bene-fício mais digna para anunciantes.

E, por fim, há a inversão da lógica da ter-ceirização — agências digitais entendem que boa parte do processo criativo envolve, e mui-to, a execução. O profissional de tecnologia é parte fundamental no processo criativo, pois domina elementos que são até mais úteis an-tes de uma recomendação do que durante o processo de materialização. O mesmo vale quando se trata de conteúdo, lembrando que na web o especialista na geração de conteú-do precisa e deve estar dentro das estruturas e não ser um consultor esporádico. A rique-za oriunda do trabalho conjunto com esses perfis de engenharia e jornalismo é conta-minante e muitas vezes proporciona aque-la máxima tão desejada: fazer propaganda que nem parece propaganda.

* Igor Puga é sócio da ID\, agência digital

controlada pelo grupo Omnicom

Performance é um trabalho introspectivo, contínuo e de bastidores. Não ganha prêmios, não chama atenção, mas é escalável e gera resultados comerciais quase imediatos

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