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NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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" V ar ia s v ez es e nc on tr ei e st e l iv ra c it a d o

c o m o 0R e n as c i m en to d a t ra g ed ia a p a rt ir

d o e s p / r i t o d a m u s i c a : os l ei to r es s o

t i v er a m o uv id os p ar a u m a n ov a

I o r r n u l a c i o d a a r t e , d a i n te n~ ao , d a ta re f ad e W a g n e r - p o r i s s o n a o a t e n t a r a r n p a r a

o q u e n o f u n d o a o b r a e nc er ra va d e

. v a l i o s o . H e l e n i s m o e p e s s i m i s m o : es t e t e r i a

s id e u m t i tu lo m e no s a m big uo : c om o

p r i m e i r o esdaredmento s o b r e c o m o o s

g r e g o s d e r a m c o nta d o p e s s im ism o - d e

q ue m o do 0 s u p e r a ro m . .. A t r a g e d a ,

p r e d s a r n e n t e , e a p ro va d e q ue o s g r e go s

n o o f o ra m p e s si m i st a s.

T o m a do c om a lg um a i s en ~a o ,

o n o s ci m e n to d a t ra g e d ia p ar e ce b emex tempo raneo .nhgue rn s on ha ri a q u e

fo i c o m e c a d o e m m e i o a o s e st r on do s d a

b a ta lh a d e W o r th . E u m e d ite i s ob re e ss es

p ro ble m as d ia n te d os m u ro s d e M e tz ,

e m f ri a s n oi t e s d e s et e m br o, q ua nd o

t ra b al ha v a n a a s si st en c ia a o s f er id o s; s e ri a

a n t es d e a cr ed it ar q ue e le f os se c in q i ie n ta

a no s m a is v e l ho . E p o l i t i c a m e n t e

i n di f er e nt e - 'p ou eo a le rn ao , d ir ia m

a go ra - , t er n c he ir o e sc an da lo sa m e nte

h e g e l i a n o , e im p re gn ad o s om e nt e e ma lg um a s f or m ul a s d o a ro m a f un eb re d e

S ch op en ha ue r. U m a ' i d eia ' - a o po si c ao

d io ni s ia co e a po li n eo - t r an sp os ta p ar a

o m e ta fi s ic o ; a p ro p r i a h is t o ri a c om o 0

d e se n vo lv im e n to d e ss a ' i de ia '; n a t ra g ed ia ,

a o p os ic ao s up rim i da , e le v a da a u n i d a d e ;

d es sa o ti c a, c oi s as q ue n un ca s e h av ia m

v is lu m b ra d o, s ub ito c o lo c ad as f re n t e a

f re n t e, i l um i na da s e c o m p r e e n d i d a s u m a

p e l a o u t r a P or e x e m p l o , a o p e r a e a

r e v o l u c i o A s d u as d e ci si va s n o vi da d es

d o l i vr o s ao , p ri m ei ro , a c o r np re en sa o

d o I e n ome n o d i o ni s ia c o n o s g r eg o s

- o fe re ce a p rim e ir a p sic ol o gi a d el e ,e nx er g a n el e a r a iz d e to da a a rt e g re ga .

S e gu nd o , a c o m p r e e n s i o d o s o c ra t is m o :

S o c ra te s p e la p r im e i ra ve z r e c o n h e c i d o

c om o i n st r um e nt o d a d is s olu ci o g re ga ,

c o m o t fp i~ o d e ca d en c e. 'R a c io n al id a de '

c o n t r a i ns ti nt o. A 'r a ci on a li da d e' a t od o

p re co c om o ( or ca p er ig o s a, s ol ap ad o r a

d a v id a' - P ro fu nd o e h o s ti l s i le n c io s o b re

o c ri s ti a ni s m o e m t o d o 0 l iv r o . E l e ni o

e a po lin e o n e m d io n i si a co ; n eg a t od o s

o s v al o re s e su it i c os - o s u ni c os v alo re sq u e 0 N a s ci m en to d a t ra g ed ia r e c o n h e c e . "

F r i e d r ic h N i e t z sc h e

( e x t r a i d o d e E c c e h o m o , 1 8 B 8 )

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,

ICoordcnacao de Paulo Cesar de Souza

Alem do bel]'! e do 177{tl.

Preludio a ulna [iiosofia do futuro

o nascimento da tragedia

au Helenismo e pessimismo

ou

oNASCIMENTO DA T~

GEDIA

Helenismo epessimismo

Traducao, notas e posfacio

J 4 GUINSBURG

2~re impressdo

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Copyright da t raducao, notas e posfacio

© 1992 by J . Guinsburg

Titulo original:

Die Geburt der Tragodie oder Griecbentum und

Pessimismus

Capa:

[oao Baptista da Costa Aguiar

Prepara < ;a 0:

Jose Waldir dos Santos M o r a e s

Revisao.

Marise Leal

M a r c o s Luis Fernandes

~

INDICE

~

i1

Nota de traducao . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 11

Tcntativa de autocritica .... ~.. ~I I • ~ .9 • ~ •• 13

Prefacio para Richard Wagner. . . . . . . . . . . .. 2 5

Dados Internacionais de Catalogacao na Publicacao (elf) )

(Camara Brasileira do Livro, SP~ Bras i l )

ISB~ 85-7164-285-0

1. [Apolo e Dionisio _. Sonho e realidade: 0artis-

ta e 0 fil6sofo 0principium indiuiduationis

- A embriaguez dionisiaca Reconc i l i a c a o en-

tre homern e natureza]. . . . . . . . . . . . . . . . . .. 27

2. [Os impulsos artisticos da natureza Gregos e

barbaros A rnusica dionisfaca 0 ditiram-

bo] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 32

3 . [Os deuses olimpicos A sabedoria de Sileno

- A.. ingenuidade grega Rousseau e Home-

Nietzsche, Friedrich Wilhelm, 1844-1900.

o nascimento da tragedia, au Helenisrno c pessimis-

r no / F ri ed ri ch N ie tz sche ; t ra ducao, not as c pos rac io J,

Guins bu rg . - Sao Paulo: Cornpanhia da s Le t r a s , 1992.

1. Estetica 2+ M i is ic a - Filosofia e estetica 3. Tragedia

grega - H i st or ia e cri tlca ~4~0 tragico I.Cuinsburg, jaco,

1921- n. TItulo. HI. Helenismo e pesslmismo

92-2844 cOD-882 . 0109

r0] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . 3 5,

_.,

Indices para catalogo sistematico:

1, Tr age di a :Hist6ria e critica.: Literatura g re g a antiga

882.0109

1996

4. [0 artista ingenue. Rafael e a Transjiguracdo .-

Apolo, deus da individuacao e da medida 0'" .........,' "ba b "]taruco e 0 ar aro ~. ~ I •••• ~ • t • • • • •

5 . [Homero e Arquiloco· . 0 epico e 0 lirico -

Schopenhauer e a essencia da cancao 0 rnun-

do como fenorneno estetico] .

6, [A cancao popular Palavra e rnusica 0 poe t a

lirico A . musica e a unidade primordial] . . '.

7 . [A origem da tragedia Significacao do coro tCI-gico Schlegel e Schiller 0 consolo rnctafi

sica Hamlet C) sublime e 0 cornico 1 . , .

39

42

. lodos as direi tos desta cdicao reservados aEI)ITC)ltA S<:l-IW/\RCZ l:l'l)A.

Rua Tupi, 5220] 233-000 ~~ S a C ) Paulo Sl)

.lelefonc: (()11 ) 826-1822

17ax: « n n 826~,5523

4 8

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8. [0 satire e 0 pastor Aparencia e coisa ern si -

Os cspcctadores, 0 cora e os atores 0 cora co-

mo unica "realidade" Dionisio, 0 ve rda de i r o

protagonista] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .. 56

9. [A "scrcnojovialidade grega" S6focles e seu Ed i -/

po 0 Prometeu de Esquilo 0 mito prometel-

co e os arianos]. · , .. , , · · · . .. 63

10. [0 sofrimento de Dionisio A doutrina de rniste-

rios Mus i c a e m i t o Euripides]. . . . . . . . . .. 69

11. [Tragico fim da tragedia A Nova Comedia A

serenojovialidade ... Euripides e 0 seu espectador] 72

12. [0 sofrimento de Dionisio N 0 epos dramatizado

...............socratismo estetico 0 pr61ogo de Eur ipides ] 78

13. [S6crates e a tragedia 0 daimon de S6crates]. 84

14. [Platao e a tragedia 0 dialogo platonico 0 oti-

mismo da dialetica ·_ .Papel secundario do cora eda musica] ,....................... 87

15 . [O s gregos e a posteridade · " S6crates, 0 hornem

te6rico A busca da verdade 0 conhecimento

tragi co] . . . . . . . . . . . . . , . , . . . . . . . . . . . . . . . . . .

16 . [Musica e arte plastica - Concepcao de Schope-

nhauer A musica e 0mito t r a g i c o Im agem e

conceito A arte dionisiaca] , . . . .. 9617. [Conflito entre a visao tragica e a te6rica 0 novo

ditirambo Degenerescencia da musica em pin tu-

ra musical 0 deus ex machina] . . . . . . . . . . .. 102

18. [Os tres estagios da ilusao Cultura alexandrina,helenica ou indiana ~-A cultura moderna A vi-

t6ria de Kant e Schopenhauer -~"A nova cultura

tragi ca ] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

19. [A6pera ....0 stilo rappresentativo ._A tendencia

idilica 0 r e de s pe r t a r do espirito dionisiaco - A

rmisica e a filosofia alernas] . , .

20. [0 espirito alernao e a cultura grega ·0 renasci-

illen to da tragedia] . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . .

21. [Importancia da tragedia na vida d e urn po vo -~ 0

mito e 0her6i tragico ". Tristao e Isolda 0 dra-

ma perfeito e sua musica]. ~ .2 2. [A n a li se da emocao tragica 0 espectador esteti-

co· 0 publico conternporaneo]. , . , ... , .....

23. [Necessidade do mito , .. 0 hornem abstrato 0

renascer do mito alemao] , . , . . . .. 134

24. [Transfiguracao da vida pelo mito Prazer tragico

e dissonancia musical Espe r a nc a no despertar do

genio alernao] · · · · · · · .. 13925. [Adissonancia encarnada Sofrimento e beleza dos

greg o s ] . . . . . . -. . . . . . . . . . . . . . . . . . . . . · · · · · .. 143

Natas do tradutor. , .. , , · · · .. 145

Nietzsche no teatro J . Guinsburg....... · .. 15 5

Indice remissivo · · · · · · , , ,. 173

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~ .

NOTA DE TRADUc;AO

Esta tr a d uc ao c orn ec ou a se r feita n o i n i c io dos a n o s 70, quan -

do, c o m o professor d e Estetica Tea tra l , desejei e s tud a r com as meus

a lunos 0 te xto d e Nie tz sche e c o ns ta tc i, C0111 e spa n to , que a s ve r -

soes existcntes en} po r tugue s obcdcciarn a modos de transposicaodcmasiado prc so s aos codigos do "born" vcrn.iculo Ji t e r ar io e a adap

t a c o e s i n t e rp r c t at i va s a s v cze s b as ta nt e fa nta si os as . T ud o 0 que pude

c om p uls ar , n a e po ca , a pr es en ta va delicicncias n o tocante a rcposi-< ; a o conceitual e es t i l f s t i c a d o o r ig i na l, e os cxcenos, ta o benl t r a du-

z i d o s por R ub en s R od ri gu es T or re s Filho pa ra 0 vo lume Nietzsche

ci a colccao ci a Abril, s o apa rc cc ra m rn ais t a rd e , er n 1974. Ass im , no

calor da hora, scm mcdir bernas dificuldadcs do crnprccndimento,

l a n c e i -me a tcntativa Na o e pre c i so d iz e r q ue lo go 0 meu ardor c o -

r n e c ou a arrcfecer. Ao cabo d e vinte e p ou ca s pag ina s ja era quase

ur n fo go m o rto , sab re 0 q ua l v ie ra m d e s ab a r out ras obrigacces e

e nc an ta me nto s, le va nd o-n 1e a a dia r 0 peno so trabalho. 0 vo lum eDie Geburt del" Tragodie" to i, p or ta nt o, r ele ga do a qu ele m e la nc 6li -

co c a n to em q ue c m u rc he c cm , co r n u m a p re s en c a qu e n ao r aro in -

comoda, o s pro j e t os m al resolvidos, s en ao g or ad os . R aza o p ela q ua l,

em c o n v er s as d e s c omp rom i s s a d as sabre "0que vo ce c sta produzin-

do?", vez po r o utr a eu m e s en tia impelido a i nc lu ir c om o e fe ti va a tu a-

li da de a m a lp ar ad a t ra du ca o do e s cr it o n i et zs c hi a no . E foi n um a d es -

sa s co nve r sa s qu e me n c i o n e i 0fa ro a Paulo Ce sa r de Souza , estudioso

d as fa la s d e Za ra tus tra e tra d uto r que ve rn pre s ta n do 0 s eu ze lo e. . . . . .

cornpetencia para uma leitura adequada de Nie tz sche no Brasi l . A,/

m cn ca o (0 lin gua , quem m an dou voc e fa la r?) 0m e u in te rlo cuto r n ao

(*) Friedrich :\ietzsche, \f/erke 1: Di e Geburt der Tragodie oder Grie-

cbentum undPessimismus, p p. 9 -1 34 , e dit ad o p or K ar l Schech t a , Verlag UUs -

t Li 11.

[ · . 1 1. J

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1!~I{ _I F~ IJ R .I c: f-l N.I. _[~~1-~Z S ( : f-l 1~

In c disse n a d a , COl110 cstunulo. Limirousc a perguntar s e e u t i nh a

i st o, m a i s a qu il o outro. E verificando a minha indigcncia, alguns el ias

dcpois mos trouxc. Ell estava no lac;o! E 0 Pa ulo C es ar foi quem

apcrtou 0rneu proprio 11(). Nao pucle 111£1 i s fugi r dele e de 111in1 I l le s -

mo ... Fo i a s s i rn que n o segundo s eme s t r e do ana pa s s ad o m e pus ;c om suo r e ma l d i c o c s , a desfazer a arrnadilha em qu e e u m e mete-

ra. Se, com isso, consegui algo mais do que D1e l i v r a r de minhas voltas

camigo pr6prio, 56 eIc, Paulo Cesar, 0 daimon desta t ra d uc a o , e

o meu leitor poderao dizer. De rninha parte, espero que as s o i u c o e s

por mim adotadas, com a ajuda c o m puta do rizad a d e minba mulhe r

Gita e minha fi lha Ruth, possam dar, em porrugues, alguma carna-

< ; 3 . 0 textual a este poderoso lance de poeticidade e pensarnento que

e 0 nascimento da tragedia.

~

o NASCIMENTO DA TRAGEDIAau

HELENISMOI E PESSIMISMOTENTATIVA DE AUTOCRfTICA

] . G u in s bu rg

abr il de 1992

I.

Seja 0 que fo r aquila que possa e s ta r n a base deste l ivro

proble rn a t i c o , deve ter sido uma qucs tao de primeira ordeme m a xim a a tr a ca o, ademais uma ques tao profundamente pes-

soal testemunho disso e a epoca em que surgiu e a despei-

to d a qual surgiu, ou se ia , a e x c it a n te epoca d a G ue rr a Fr a nco -

Pruss i ana , de 1870-1, Enquanto 0 troar da batalha deWorth

se espalhava por sobre a Europa, 0cismador de ideias e ami-

go d e en igm a s , a quem c oube a paternidade deste livro,

a cha va -se , a lgure s e m urn rec an to dos Alpes, multo cntreti-

d o em c i sm as e en igm as e , po r consequencia, rnuito preocu-

pado e despreocupado ao mesmo tempo, anotando os seus

pensamentos sobre os gre gos nucleo deste livro bizarroe 1 11 ala ce ss fve l a q ue sera dedicado es te tardio pref ac io (au

posfacio). Algumas semanas depois, e e le pr6prio encontrava-

se sob os muros de Metz , ainda nao liberto dos po n t o s de

interrogacao qu e ha via aposto a pretensa "serenojovialida-

de~'2 dos gregos e da arte grega, a te que, por fim, naquele

m es de pro funda tensao ern que se deliberava sobre a paz

de Versa lhe s , t ambe r n ele chegou a paz consigo pr6prio e,

lentamente, enquanto convalescia em casa, de uma enfermi-

dade con t r afda ern campanha, constatou consigo mesmo, de

m a n e ir a d c fi ni ti va , "0 nascitnento c ia tragedia a par t i r do es-

pir i to c ia musica": Da musica? M usic a c tragcdia? Gregos

c musica de tragcdia? Crcgos cobras de arte do pcssimismo?

J _ ! ) , _ mais bcmsuccdida, a mais bela, a mais invcjada cspccic

r .l2 .l r ~ L3]

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l"~R I l~ ]_) _R I c: r- r N lET Z S (~ -H I : ' _ : ..(~) -N' A S ( = J 1 \ 1 " E N- ~ ( ]~ A -.~ l~ A ( "J I~I) I A

de gente ate agora, a que mais seduziu para 0 vivcr, as gre-gas como? Prccisamcntc eles tivcram necessidade da tra-

gcdia? Mais ainda da arte? Para que arte grega? ..

Adivinha-se em que lugar era colocado, COIn i s so , ° gran-de ponto de interrogacao sobre 0 valor da cxistencia. Sera 0

pessimismo necessariamente 0 s i gn o do declinio, da ruina,do fracasso, dos instintos cansados e debilitados - como ele

o fo i entre o s indianos, como ele 0 e , s egun d o todas a s apa-

r en c ia s, e n tr e nos, homens e europeus "modernos"? H a urn

pessimismo dafortitude? Urna propensao intelectual para 0

du r o , 0horrendo, 0mal, 0problcmatico da existcncia, devi-

do ao bem-estar, a uma t r a n sbo r d an t e saude, a umaplenitude

da existencia? Hi talvez urn sofrimento devido a propria su-

pe ra bun da nc ia ? U m a tentadora Intrepidez do o lhar mais agu -

do, que exige 0 t e r r fve l como inimigo, 0 digno inimigo em

qu e pode po r a prova a s ua forcar Em qu e dese ja aprender

o que e "temer"? 0 que s ign i f i c a , justamente entre os gregosda melhor epoca, da mais forte, d a mais valorosa, 0rnito ira-

gico? E 0descomunal fen6meno do d i o n i s f a c o ? 0 que signi-

f i c a , dele n a s c i d a , a tragedia? E, de o ut ra p ar te : aquilo de

que a tragedia morreu, 0 socratismo da moral, a dialctica, a

suficiencia e a serenojovialidade do hornem te6rico como?

Nao po d e r i a ser precisamente esse socratismo urn signa de

declfnio, do cansaco, da doenca, de instintos que se dissol-;I

vern anarquicos? E a "serenojovialidade grega" do helenismo

posterior, tao-somenrc, urn arrebol do c r epusculo? A vonta-

de epiciiria contra 0pessimismo, apenas uma precaucao do

sofredor? E a ciencia mesma, a nossa ciencia sill, 0 que

s ign i f i c a em geral, encarada como sintoma da vida, toda a cien-

cia? Para que, pior ainda, de onde toda a c i e n c i a ? Como?,

E a cientificidade ta lve z a pe na s urn temor e um a escapatoria

an t e 0pcssimismo? Uma sutil legftima defesa contra a ver-dade? E, r n o ra lm en te fa la nd o, a lga c om o covardia e f a l s id a-

_,;

de? E, amoralmente, uma asnicia? 0 S6c ra tes , S6crates, foi es-

te po rven tur a 0teu segredo?, i ro n ls ta m i s te ri o so , foi c s ta , p o r-

ventura, a tua ironia?

[0, po r c e r to . em todo c asu urn novo problema: ho je eu diria

que foi 0problema da ciencia mcsma a cicncia entcndida

pcla primcira vez como problematica, como questionavel. Mas

o livro eln que sc cxtravasava a minha c o r agem e a minha sus-

picacia juven i s que livro impossiuel teria de brotar d e uma

tarefa ta o c o n t r a r i a a juventude! Edificado a partir d e p ur as vi-

vcncias pr6prias prematuras e demasiado verdes, que aflora-

yam todas a soleira d o comunicavel, c o l o c ad o sobre 0 terre-

n o da arte pois 0problema da c i e n c i a nao pode ser reco-

nhecido no terreno da ciencia urn livro talvez para artistas

dotados tambem de capacidades analfticas e retrospectivas

(quer d izc r , urn tipo excepcional de artistas, que e preciso bus-

car e que a s vezes nem sequer se gos ta r i a de p ro c ur a r ... ) , cheio

de inovacoes psicologicas e de segredos de artistas, com uma

m e ta fis ic a d e a rti st a no plano de fundo, uma obra de juventu-

de chela de coragem ju ve ni l e de melancolia juvenil, indepen-dente, obs t i n a d amen t e autonorna, rnesmo hi onde parece

d obra r-s e a U111a autoridade e a um a d evo c ao propria, em su-

rn a , um a o bra d a s primicias, in clu si ve n o mau sentido da pal a-

vra, nao obs t a n t e 0 seu problema senil, acometida de todos

os defeitos da mocidade, sobretudo de sua "demasiada exten-

s a o" , de sua "tempestade e impeto" [Sturm und Drang]:3 de

a ut ra p ar te , dado 0s eu exito (e m e spec ia l junto ao g ra nd e a r-

t ista Richard Wagner~ a quem se dirigia como para urn dialo-

go), urn livro c o mprouado, guer dizer, urn l ivro ta l que, em

todo c a so , s a ti sf ez "os melhores de seu tempo". 4 ja por iS80

somente deveria ser tratado com certa consideracao e discri-

cao: ainda assim, nao quero encobrir de todo 0quanta ele me

parece agora d e s ag r a d avc l , quae estranho seme apre sen t a ago---.-._--\

fa, dezesseis an o s depois ante urn olhar mais velho, cern

vezes ma i s exigente, porern de maneira alguma m a is fr io , nem

mais estranho aquela tarefa de que este livro ternerario ousou

p ela p ri m e ir a v ez a pr ox im a r- se ver a ciencia com a optica

do artista, mas a arte, com a da vida... --'"-•- ,

......

" "

" '

2.3- ...

o que conscgui entao apreender, algo terrivel e perigo-

so, ur n problema com chifres, nao ncccssariamcntc urn tou-Dito mais um a ve z, ho je e lc c pa ra rn im urn livro im po ss i-

vel acho-o mal esc r i to , pesado, penoso, frcnctico e confu-

[ ~14][15]

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FRIED.RIC:H NIETZSCHE () NAS<-:IMEN'.rO DA TRAGE D I A

so nas imagens, sentimental, aqui e ali acucarado ate 0femi-

nino, desigual no tempo [ritmo], sem vontade de limpeza 16-

gica, muito convencido e, por isso, eximindo-se de dar de-

rnonstracoes, desconfiando inclusive da conueniencia do de-

monstrar, como livro para iniciados, como "rnusica" para

aqueles que foram batizados na rnus ica , que desde 0 come-

\ . = 0 das coisas estao ligados por experiencias artfsticas comuns

e raras, como signo de reconhecimento para parentes de san-

gue in artibus [nas artes] urn livro altaneiro e entusiasta,

que de antemao se fecha ao pro/anum vulgus [vulgo profa-

no] dos "homens cultos" mais ainda do que ao "povo", mas

que, como s eu efeito d em on stro u e d em on s tr a , d eve outro s-

sim saber muito bern como procurar seus co-cntusiastas e

atrai-Ios a novas tr ilha s o culta s e locais de danca. Aqui falava

em t o d o caso isto se confessava com curiosidade e, nao

menos, com aversao uma voz estranha, 0discipulo de urn"deus desconhecido" ainda, que por enquanto sc escondia

sob 0 capucho do douto, sob a pesadez c a rabugice dialeti-

ca do alemao, inclusive sob os maus 1110dos do wagneriano:

havia aqui urn espfrito com estranhas, ainda inominadas, ne-

cessidades, uma memoria regurgitante de pcrguntas, expe-

ricncias e coisas ocultas, a cuja margcm estava cscrito 0no-

me de Dionisio rnais como urn ponto de intcrrogacao, aqui

fa la va · assim se d iz ia com desconfianca uma especie de

alma mistica e quase menadica, que, de maneira arbitraria e

com esforco, quase indecisa sa b re se queria comunicar-se ou

esconder-se, como que balbuciava em uma lingua estranha.

El a devia cantar, essa "nova alma" e nao falar! E pena queeu nao me atrevesse a dizer como pocta aquilo que tinha en-

tao a dizer: talvez eu pudesse faze-lot Ou, pelo menos, co-

mo fil6logo pais ainda hoje, para 0fil6logo, neste domi-

n i o , resta tudo a descobrir e a desen t e r r a r ! Acima de tudo

o problema de que aqui ha urn problema e de que as gre-

gos, enquanto nao tivermos uma resposta pa ra a pergunta:

"0que e dionisfaco?", continuam como antes inteiramente

desconhecidos e inimaginaveis ...

4.

Sim, 0 que e dionisfaco? Neste livro ha uma resposta

a essa pergunta urn ((sabedor" fala aqui, 0 iniciado e dis-

cipulo de seu deus. Talvez eu falasse agora com mais precau-

< ; a o e com menos eloquencia acerca de uma questao psico-16gica tao dificil como e a origem da tragedia entre as gre-

gas. Um a q ue sta o fundamental e a relacao dos gregos com

a dor, seu grau de sensibilidade esta relacao permaneceu

igual au se inverteu? ,a que la que sta o de se realmente a

seu cada vez mais forte anseio de heleza, de festas, de diver-

timentos, de novos cultos brotou d a carcncia, da privacao,

da melancolia, d a dor. Estabelecido que precisamente isso

tenha sido verdade · e Pericles (ou Tucidides)? no-Io da a

e n t e n d e r na grande oracao funebre -- de onde haveria de

provir 0anseio contraposto a este, que se apresentou ainda

antes no tempo, 0anseio dojeio, a boa e severa vontade dos

antigos helenos para 0pessimismo, para 0mito tragico, para

a imagem de tudo quanta ha de terrivel, maligno, enigmati-

co, aniquilador e fatidico no fundo da cxistencia de onde

deveria entao originar-se a tragedia? Porventura do prazer,

da forca, da saudc transbordante, de uma plenitude dema-

siado grande? E que significado tern entao, flsiologicamente

falanda, aquela loucura de onde brotou a arte tragica assim

como a comica, a loucura dionisfaca? C om o ? A loucura nao

sera por acaso 0sintoma da degeneracao, do decHnio, de uma

cultura bastantc tardia? Ha porventura uma pe rgun t a paraalienistas neuroses da sanidade? Oa juventude e da juve-

nilidade de urn povo? Para onde aponta aquela sfntese de deus

e bode no sat ire? Em virtude de que vivcncia de si rnesrno,

de que impeto, teve 0grego de irnaginar como urn satiro 0

entusiasta e homem primitivo dionisfaco? E no que se refere

a origem do cora tragico: houve porventura, naqueles sccu-

los em que 0 corpo grego florescia e a alma grega estuava

de vida, arrebatamentos endernicos? Vis6es e alucinacoes que

se comunicavam a comunidades inteiras, a assembleias cul-

tuais inteiras? Como? E se os gregos tivessem, precisamenteem meio a riqueza de sua juventude, a vontade para 0 t r ag i -

co c fossern pessimistas? Se fosse justamente a loucura, para

[16] [17]

i

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(J N A S C: I i"l' 1~N T0 'r> A ,_~ l:t A < ; ( ~ I) I A

ernpregar U1l1a pal avr a de Platao, () que tivcssc tr azic lo a s

maiores bcncaos sobre a Hclade? Ese , por out ro lado e a o./ .

contrario, os gregos, precisamente nos tCll1POS de su a disso-

lucao e fraqueza, tivesscm se tornado cada vez mais otimis-

tas, mais super f i c i a i s , mais teatrais, bern como r n a i s ansiosos

por l6gica e Iogicizacao, isto e, ao mcsmo tempo "rnais sere-

nojoviais" e "rnais cientfficos"? COIllO? Poderia porventu-

ra, a despeito de todas as "ideias modernas" e p re c o n c e it o s

do gosto democritico, a vit6ria do otimismo, a racionali-

dade predominante desde entao, a utilitarismo pratico e te6-

rico, tal como a pr6pria democracia, de que sao conternpo-

ranees ser urn sintoma da f o r c a declinantc, da velhice abe i -

rante, da fadiga fisio16gica? E precisamente nao 0 pess i -

mismo? Foi Epicuro urn otimista precisamente enquanto

sofredori Ve-se que e todo urn feixe de dificeis questoes

que este livro c a r r egou acrescentemos ainda a sua ques-tao mais diffcil: 0 que significa, vista sob a 6ptica davida

~ a ill0r al? . t 4

artista podese denominar arbitraria, ociosa, fantastica ----.()

essencial nisso e que ela ja denuncia urn espfrito que um dia,

qualquer que scja 0 perigo, se pora contra a interpretacao

e a s ig n ifi c ac a o morais da cxistcncia. Aqui se anuncia, quica

pela primcira vez, urn pessimismo "alem do bern e do

ma l " ) 9 aqui recebe palavra e f6rmula aquel a "perversidade

do modo de pensar " contra a qua l Schopenhauer nao se cansa

de arremessar de antemao as suas mais furiosas maldicoes e

re lam pago s um a filosofia que ousa colocar, rebaixar a pro-

p ria m o ra l ao rnundo d a aparencia e nao apenas entre a s "apa-

rencias" ou fen6menos [Erscheinungen]lO (na acepcao do

terminus technicus idea!ista), m as entre os "enganos", c o -

m o a pa re nc ia , ilusao, er r o , interpretacao, acomodamento, a r-

te o Talvez onde se possa medir melhor a profundidade des-

se pendor antimoral se j a no precavido e hostil silencio com

que no livro inteiro se trata 0cristianismo 0cristianismocomo a mais extravagante figuracao do tema moral que a hu-

manidade chegou a te agora a escutar. Na verdade, nao exi s - <;

i ;

te c o n t r apo s i c a o maior a exegese e justificacao puramente ",

cstctica do mundo, tal como e en s i n a d a neste l ivro , do que

a d o ut ri na crista, a qual e e que r se r somente moral, e com

seus pad r6es absolutos, ja com sua veracidade de Deus, por

exemplo, desterra a arte, toda arte, ao reino da mentira ' -

isto e , nega-a, reprova-a, condena-a. Par tras de semelhante

modo de pensar e valorar, 0qual tern de ser adverso a arte,enquanto ela for de alguma man e i r a autentica, sentia eu tam-

bern desde sempre a hostilidade a vida, a rancorosa, vinga-

tiva aversao contra a propria vida: pais toda a vida repousa

sobre a a pa re nc ia , a ar te , a i lusao , a optica, a necessidade d o

perspectivfstico e do crro. 0 cristianismo foi desde 0inicio,

essencial e basicamente, asco e fastio da vida na vida, que

apenas se d i s f a r c ava , apenas se ocultava, apenas se enfeitava

sob a crenca em "outra" ou "rnelhor" vida. 0 6dio ao "mun-

do", a rnaldicao dos afetos, 0medo a beleza e a sensualida-de, um lado-dcla inventado para difamar melhor ° lado-de-ca, no fundo U1 1 1 anseio pelo nada, pelo fim, pelo rcpouso,

para chcgar ao "saba dos sabas" tucio isso, 11aO menos doque a vontade incondicional do cristianismo de dcixar valer

somente valores morais, se me afigurou scmprc como a mais

I

I:I

I,,

5.

I r< " ,- •

] a no prefacio a Richard Wagner e a arte e nao a moral

apresentada como a atividade propriamente metafisica do

homem, no pr6prio Iivro retorna rnul tiplas vezes a sugestiva

proposicao de que a existcncia do mundo 56 se justifica co-

mo fen6meno esretico. De fato, 0 livro todo conhece ape-

n as u r:n s en ti do / de a r tis ta e urn retro-sentido [Hintersinn]7

de artista por tras de todo acontecer um "d eus" , se a s s im

se desc j a , mas decerto 56 urn deus-artista completamente in-

considerado e amoral, que n o construir como no destruir ,

no born COIllO no ruim, quer aperceber-se de seu identico

prazer e autocracia, que, criando mundos, se desembaraca

da necessiaade [Not] da abundancia e superahundancia, do

sofrimento das contraposi\ ;oes nele apinhadas. 0 mundo,' ern

cada instantc a alcancada redencao de deus, 0 n1undo' co-

IDO a etcrnamente carnbiante, eternamente nova visao do serrnais sofredor, mais antitetico, mais contradltorio, que s6 na

aparencia r .Schein ]8 sabe rcdimir-se: toda essa metafisica do

-I[ ~L8]

[ _19]

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FRIEDRIC~:H NIE~~ZSCHE o NA.SCIMENTO DA TRAGEDIA

perigosa e sinistra de todas as f o rma s possiveis de uma "von-

tade de declinio", pelo menos urn sinal da mais profunda

doenca, cansaco, desanimo, exaustao, empobrecimento da

vida pais perante a moral (especialmente a crista, quer di-

zer, incondicional), a vida t e rn que carecer de r azao de rna-

ncira constante e incvitavel, porque e alga essencialmenteamoral a vida, opressa sob 0peso do desdcm e do eterno

nao, tern que ser sentida afinal como indigna de ser deseja-

da, como nao-valida em si. A moral mesma como? A mo-,

ral nao seria uma "vontade de negacao da vida}', urn instin-

to secrete de aniquilamento, urn principio de decadcncia,

apequenamento, difamacao, urn corneco do fim? E } em con-

sequencia, 0perigo dos perigos? .. Contra a moral, por t an-

to, voltou-se entao, com este livro problcm.itico, 0meu ins-

tinto, como urn instinto em prol da vida, c inventou para si ,

fundamentalmente, uma contradoutrinaC

um a contra-valo-racao da vida} puramente artistica, anticrista. Como deno-

mina-la? Na qualidade de fi161ogo c horncrn das palavras eu

a batizei, nao sem alguma Iiberdadc ~.-.poi s quem conhe-ceria

o verdadeiro nome do Anticristo? C0111 () nome de urn deus

grego: eu a chamci dionisiaca.

conduz a resignacao", quao diversamente fa la va D io n is io c o -

migol, quao longe demim se achava justamente entao todo

esse resignacionismol Mas ha algo muito pior no livro, que

agora lamento ainda mais do que ter obscurecido e estraga-

do com f6rmulas schopenhauerianas alguns pressentimentos

dionisfacos: a s aber , que estraguei de modo absoluto 0gran-

dioso problema g r e g o , tal como ele me havia aparecido, pc-

la ingerencia d as c ois as mais modernas! Que apense i espe-

r a n c a s 1 a onde nada hav ia a esperar, onde tudo apontava, com

demasiada c la reza , para urn fim pr6ximo! Que comecei a fa -

bular, com base nas ultimas manifestacoes da musica alema,

a r e s pe i to do "se r alemao", como se ele estivera precisamente

a ponto de descobrir-se e reencontrar-se a si mesma e is-

to em uma epoca em que 0cspirito alernao, que nao muito

tempo antes havia t ido ainda a vontade de dorninio sabre a

Europa, a forca de guiar a Europa, justamente abdicava dis-

so par disposicao testamentaria e de maneira definitiva e, sob

o pomposo pretexto da fundacao de urn Reich [imperio], r e a -

l izava a sua passagem p ar a a m e d i oc r iz ac a o acomodante, pa-

ra a democracia e para as ideias "modernas": De fato, entre-

mentes aprendi a pensar de uma forma bastante desesperan-

cada e dasapiedada acerca desse "ser alemao", assim como

da atual musica a/emil, a qual e romantismo de ponta a pon-

ta e a menos grega de todas a s formas possfveis de a r t e : alern

do mais, uma destrocadora de nervos de primeira classe, du-

plamente perigosa em urn povo que gosta de bebida e honra ;'

a obscuridade como uma virtude, isto e , em sua dupla pro-

priedade de narc6tico inebriante e ao mesmo tempo obnu-

bilante. A parte, esta claro, de todas as esperancas apres-

sadas e de todas as aplicacoes erroncas a s coisas do presen-te, com as quais estraguei 0meu primeiro Iivro, permanece

o grande ponto de in r e r rogacao dionisfaco, tal como nele foi

colocado, tambern no tocante a mus i c a : como deveria ser/' • , . _ o I I ! . •

composta uma r nu si ca qu e nao m a rs n ve ss e uma ongern ro-

mantica, como a musica alcma -"porern d to n is ia ca ?.. ,

[21 ]

6.

Entende-se em que tarefa ousei toear ja corn este livro? ...

Quanta lamento agora que nao tivesse entao a coragem (OU

a imodestta-) de permitir-me, em todos os sentidos, tambern

uma linguagem propria para intuicocs e atrevimentos tao pro-

prios que eu tentasse exprimir penosamente, com f6rmu-

las schopenhauerianas e kantianas, e s t r anha s e novas valora-

coes, que iam desde a base contra 0espfrito de Kant e Scho-

penhauer, assim como contra 0 seu gostol 0 que pensava,

afinal, Schopenhauer sabre a tragcdia? "0 que da a todo 0,

t r ag ico 0empuxo peculiar para a elevacao" diz ele em 0

rnundo como vontade e representacdo, 11 , p. 49 5 11 "e 0

surgir do conhecimento de que 0mundo, a vida nao podem

proporcionar verdadeira satisfacao e portanto ndo sao dig-

nos de n05SO apego: nisto consiste 0 e s pi ri to tragico ele

I

1

7.

Mas , meu caro senhor, 0que e romantico no mundo, se

o v o s s o l ivro nao e ro m an tic o? Se ra que 0 6dio profunda

[20]

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F R lED ·R I C rr N lET Z S c : 1-TF~ ---() ;~ i\_ S C~ I 1\-1 l ~ N· ~.l~ C) nAT l{_A c.;. Jj 1) J .A.

~.

contra 0 "tempo de agora", a "rcalidadc" e as "ideias mo-

dernas' pode ser levado mais a frente do que ocorrcu em

vo s s a metaffsica d o artista, a qu al p re fc re a cr ed ita r a te n o Na -

d a , ate n o demonic, a acrcditar n o "A.. o r a " ? Na o estara z um -

bindo, por baixo de toda a vossa contrapontfstica arte vocal

e seducao dos ouvidos, u rn b aix o profundo de c6l e r a e deprazer destruidor, um a fur io s a d e te r rn in ac ao c on tra tudo 0

qu e e "a go ra " , um a vontade qu e nao esta multo lange d o

niil ismo pratico e qu e pareee dizer "c pr e fe r ive l que n a d a

seja verdadeiro do que v6s terdes r azao , do que uossa ve r -

d a d e ficar c om a razao!"? Escutai v6s mesmos, s en ho r p cs si-

mista e deificador da arte, mas com ouvidos descerrados, uma

unica pa s s agem eseolhida de vosso livro, aquela que fala, nao

sem eloquencia, dos matadores de dragoes, a qual pode ter

o som capcioso do capturador d e ra to s': ' pa ra o uvid os e c o -

racoes jovens. Como? Na o e esta porventura a au t e n t i c a everdadeira profissao de te dos romanticos de 1830, sob a mas -

c a r a do pessimismo d e 1 850? Arras d a qua l ta rn bc m ja se pre-

ludia 0 usualJinale dos rornanticos -- quebra, d e sm o r o n a -

mento, retorno e prosternacao ante urna velha fc, an t e 0ve -

lho Deus ... Como? 0 vosso livro pe ss im i s ta n ao e ele mes-rna uma peca de anti-helenismo e de r o m an ti sm o , e le pro -

prio alga "tao inebriante quanta obnubilante", em todo ca-

so u rn n a rc 6 ti c o, ate m e s m o uma peca d e mus i c a , de rm i s i c a

alemdi Mas , ouca-se:

"Imaginemos uma geracao vindoura c om esse destemord e olhar, c om e s s e he r6 ic o pe n d o r pa r a 0 descomunal, i m a -

ginemos 0 passo arrojado desses matadores de dragoes, a

orgulhosa temeridade com que dao as costas a todas as dou-

trinas da fraqueza pregadas pelo o t i m i sm o , a fim de ' v iver

resolutamente' na completude e na plenitude: nao s e r ia ne-

cessaria qu e 0 h om em tragico dessa cultura, em sua a uto -

educacao para 0 serio e para 0 horror, devessc desejar uma

nova artc, a arte do consolo rnetafisico, a t r a g c d i a como

a Helena a ele dcvida, c t ive s se d e e xc lam ar c om Faus to :

"Nao scria n ec es sa ri a? " ... Nao, ires vezes nao, 6 jovcns

r o r n an t i c o s ' Nao seria neccssariol Mas e muito provavcl qu e

isso finde assim, que v 6s assim findeis, quer dizcr, "conso-

Iados 1 " como csta escrito, apesar de toda a auto-cducacao

par a 0 se r io e 0 horror, "metafisicarncnte consolados", em

s um a, c om o fin d am a s rornanticos c ris ta rn en te ... N ao l V 6sd eve ri e is a pre nd er pr im e ir o a a r te do c o n s o l o deste lado de

ca v6s d e ve r i e i s a pr e n d e r a fir , meus jovens amigos, se

todavia q ue re is c o nt in ua r sendo c om p le ta m e nt e p es si m is ta s;

talvez, em consequencia disso, como r i d e n t e s mandeis urn

dia ao d i abo toda a "consoladoria" metaffsica e a me t a f i -

s i c a , em prim e ir o I ng ar! Ou, para dizc-lo com a l i n guagem

daquele t ra sg o d io n is ia c o, que se chama Zaratustra.

"Levan t a i vossos c o r a c o c s , 6 meus i r rn ao s, a lto , m a is al-

to! E n ao e sque ce i ta m po uc o as pernasI Levantai tambem as

vossas pernas, v6s, bons dancarinos, e rnelhor a in d a: e rg ue i-

vas tambem sabre a cabecal

"Es ta coraa do ridente, esta corea grinalda-dc-rosas: eu

m csm o c o lo que i esta coroa sabre a minha cabeca, e u mes-

rna declarei santo 0meu r i so . Nao encontrei nenhum outro,

ba s t a n t e forte pa ra is to , hoje.

"Zar a tus t r a , 0 d an c a r i n o ; Zaratustra, 0 I eve , que aeena,

COIn as asas , pro n to a voar, a c e n a n d o a todos os passaros,

preparado e pronto, urn bem-aventurado leviano:

"Za ra tus t r a , 0verodizente; Zaratustra, 0verorridente: nao

urn impaciente, nao ur n incondicional, m a s urn que ama os

sa lto s e as saltos laterais: eu me s r n o coloquei esta coroa so-bre a minha cabeca:

"Esta corea do ridente, esta c o r o a gnnalda-de-rosas: a v6s,

m eus ir rn ao s , e u vo s a ti ro esta c o r o a ' 0 riso eu declarei s a n -

to: vos , homens superiores, ensinai-me a rir!" (Assim fa-

lou Zaratustra, guarta parte).

E ndo deuo eu, uiolencia de ansiedade incontida.

De todas, trazer esta unica figura, para a uidar'"

("22] [23 ]

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o NASCIMENTODA TRAGEDIA A PARTIR. . - - ;

DO ESPIRITO DA MUSICA,..;

PREFACIO B RICIIAR1) WAGNER

.

,

A fim d e m a nte r longe de mim t o d o s as possiveis escru-

pulos, lrritacoes e mal-entendidos a que os pensamentos rcu-

nidos neste escrito proporcionarao ense]o, dado 0carater pe-

culiar de nosso publico, e a fim tambem de poder escreveras palavras introdut6rias com igual encanto contemplativo,

cujos signos, como petrificacoes de boas horas enaltecedo-

ras, cle traz em cada folha, represento-me 0instante em que

v6s, meu mui venerado amigo, recebereis este ensaio: co-

mo, talvez ap6s urn passeio vespertine pela neve hibernal ,

v6s haveis de f ita r 0Prometeu desagrilhoado no frontispi-ciO,14 ler 0meu nome e imediatamente ficar convencido de

que, seja 0que for aquila que se encontrar neste escri to, 0

autor tern certamente algo de serio e urgente a dizer, outros-

sim que, em tudo quanta tdeou, conversava convosco co-

mo se estivesseis presente e s6 devesse escrever coisas que

correspondessem a essa presenca, Have is de lembrar-vos com

t sto que eu me concentrei nesses pensamentos ao mesmo .

tempo que surgia 0vosso esplendido Festschrift [Escrito co-

memorativo] sabre Beethoven, isto e , em meio aos terrores

e sublimidades da guerra que acabava de irromper. No en-

tanto, errariam os que pensassem, a prop6sito desta coleta-

nea de refiex6es, no contraste entre cxcitacao patri6tica e

dissipacao estetica, entre seriedade corajosa e jogo jovial: a

estes, se realmente l e e rn este ensaio, taIvez fique claro, para

o seu espanto, com que problema seriamente alernao temosa nos haver, 0 qual e por n6s s i tua d o c om to d a a proprieda-

de no centro das esperancas alernas como v6rtice e ponto de

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[25]

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... ./

viragern. E possivel, porcm, que j u s t amc n t e para eles resul-

te de algum modo escandaloso ver um problema estctico ser

tornado tao a serio, casu nao cstejarn ern condicoes de rcco-

nheccr na arte mais do que urn divertido accssorio, do que

urn tintinar de guizos que se po~e muito bern dispensar ante

a "seriedade da existencia". como se ninguem soubesse 0

que implicava, em face dessa contraposicao, tal ~seriedade

da existencia". A esses homens series sirva-lhes de licao 0

fato de eu estar convencido de que a arte e a tarefa suprema

e a atividade propriamente mctafisica desta vida, no sentido

do homem a quem, como 0meu sublime precursor de luta

nesta via, quero que fique dedicado este e sc r i to . '.

I

"

i,

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). . .

,

,

~1 .

Basileia, firn do ana de 1871

Teremos ganho muito a favor da ciencia estetica se che-

garrnos nao apenas a inteleccao 16gica mas a certeza imedia-

ta da Introvisao " [Anschauung) de que 0 continuodesen-

volvimento da arte esta ligado a duplicidade do apolineo e.. . .

do dionisiaco, da mesma mane ira como a procriacao depen-

de da dualidade dos sexos, em que a luta e incessante e on-

~e intervern peri6dicas reconclliacocs. Tomamos estas de-

norninacoes dos gregos, que tornam perceptiveis a menteperspicaz os profundos ensinamentos secretos de sua visao

da arte, nao, a bem dizer, por meio de conceitos, mas nas

figuras penetrantemente claras de seu mundo dos deuses. A

seus dais deuses da arte, Apolo e Dionisio, vincula-se a nos-

sa cognicao de que no mundo helenico existe uma enorme

contraposicao, quanta a origens e objetivos, entre a arte do

figurador plastico [Bildner), a apolinea, e a arte nao-figurada

[unbildlichen) da musica, a de Dionisio: ambos os impul-

50S,16 ta o diversos, caminham lade a lado, na maioria das ve-

zes ern disc6rdia aberta e incitando-se mutuamente a produ-

coes sempre novas, para perpetuar nelas a luta daquela con-

traposicao sobre a qual a palavra comum "artc" lancava ape-

nas aparentemente a ponte; ate que, por fim, atraves de urn

miraculoso ato metaffsico da "vontade" 17 helenica, aparece-

ram emparelhados um com 0outro, e nesse emparelhamen-

to tanto a obra de arte dionisiaca quanta a apoHnea geraram

a tragcdia atica.Para nos aproxirnarmos mais desses dais impulsos, pen-

semo-los primciro como os universos artisticos, separados

~

[26] [27]

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entre si, do sonho e da embriaguez, entre cujas manifesta-

coes f is i o l6 g ic a s c a b e observar uma contraposicao correspon-

dente a que se apresenta entre 0apolineo e 0dionisiaco. Em

sonho apareceram primeiro, conforme a representacao de Lu-

crecio.I'' diante das almas humanas, as esplendorosas figu- .ras divinas; em sonho foi que 0grande plasmador [Bildner]

viu a fascinante estrutura corporal de seres super-humanos,

e o s poetas gregos, i n d a g a do s sabre o s rn is te rio s d a criacao

poetica, tambern recordariam 0 sonho e seriam de parecer

semelhant:e ao de Hans Sachs em Die Meistersinger (Os mes-

tres cantores):

Meu amigo, e isto precisamente a obra do poeta,

Que seus sonhos ele interpreta e marca,

Creta-me, a mais uerdadeira ilusao do homem

Se the abre no sonbo.

Toda a arte da poesia e todo 0poetar

Nada mais e que interpretacdo de sonhos uerazes.'?

A bela aparencia-" do mundo do sonho, em cuja pro-

ducao cada ser humane e urn artista consumado, constitui

a precondicao de toda arte plastica, mas tambcm, como ve-

remos, de uma importante metade da pocsia. N6s desfruta-

mos de uma compreensao imediata da figuracao, todas as

formas nos falam, nao ha nada que seja indiferente e inutil.

Na mais elevada existencia dessa realidade on f r i c a temos ain-

da, todavia, a transluzente sensacao de sua aparencia. pelo

menos tale a minha experiencia, em cujo favor poderia adu-zir alguns testemunhos e passagens de poetas. 0 hornem

de propensao filos6fica tern mesmo a prernonicao de que

tambern sob essa realidade, na qual vivemos e somas, se

encontra oculta uma outra, inteiramente diversa, que por-

tanto tambern e uma aparencia: e Schopenhauer assinalou

sem rodeios, como caracterfstica da aptidao filos6fica, 0dam

de em certas ocasioes considerar os homens e todas as coi-

sas como puros fantasmas au imagens oniricas. A ss im c o-

mo 0 filosofo procede para com a realidade da existencia

[Dasein], do mesrno modo se comporta a pessoa suscetivel

ao artfstico, em face da realidade do sonho: observa-o pre-

elsa e prazerosamente, pois a partir dessas imagens inter-

i·1fJ

C) N"A SCI MEN T 0 DA T RAG E 0 I AFRIEDRICH NIETZSCHE

preta a vida e com base nessas ocorrencias exercita-se para

a vida. As imagens agradaveis e amistosas nao sao as unicas

que 0 s uje i to e xp er im e n t a dentro de si com aquela onicorn-

preensao, mas outrossim as s e r i a s , sombrias, tristes, escuras,

as subitas inibicocs. as zombarias do acaso, as inquietas ex-

pectativas, em suma, toda a "divina comedia" da vida, c om

o seu Inferno, desfila a sua frente, nao 56 como urn jogo de

sombras pois a pessoa vive e sofre com tais cenas - - mas

tampouco sem aquela fugaz sensacao da aparencia; e talvez

alguns, como eu, se lembrem de que, em meio aos perigos

e sobressaltos dos sonhos, por vezes tomaram-se de cora-/ ~

gem e conseguiram exclamar: "E urn sanho! Quero c o n n -

nuar a sonha-lo!". Assim como tambem me contaram a res-

peito de pessoas que foram capazes de lev~r adiant~ a tr~ma

causal de urn e rnesmo sanho durante tres au ma r s noires

consecutivas: sao fatos que prestam testemunho preciso deque 0 nosso ser mais mtirno, 0 fundo comum a todos nos,

colhe no sonho uma experiencia de profunda prazer e jubi-

losa necessidade.Essa alegre necessidade da experencia onirica foi do mes-

rna modo expressa pelos gregos em Apolo: Apola, na quali-

dade de deus dos poderes configuradores, e ao mesma tem-

po 0deus divinat6rio. Ele, segundo a raiz do nome 0 " re s-

plendente'";" a divindade da luz, reina tambcrn sabre a be-

la aparencia do mundo interior da fantasia. A verdade supe-

rior, a perteicao desses estados, na sua conuaposicao com

a realidade cotidiana tao lacunarmente inteligivel, seguida daprofunda consciencia da natureza reparadora e sanadora do

sono e do sonho, e simultaneamente 0analogo simb6lico da

aptidao divinat6ria e mesma das artes, rnerce das quais a vi-

da se torna possivcl e digna de ser vivida. Mas tampouco de-

ve faltar a imagem de Apolo aquela linha delicada que a ima-

gem onirica nao pode ultrapassar, a fim de nao atuar de urn

modo pato16gico, pais do contrario a aparencia nos engana-

ria como realidade grosseira: isto e , aquela Iimitacao mensu-

rada, aquela liberdade em face das emo\oes mais selvagens,

aquela sapiente tranquilidadc do deus plasmado~. Seu olho

deve ser "solar", em conformidade com a sua origem, mes-

mo quando mira colcrico e mal-humorado, paira sabre ele a

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[28] [29]

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·I~ }{ I 1~ D ~R I C: _H .N I E 1- 1 -r Z S <_ = 1-1 F~

_-( . ~ I . _ ~ ·l) _[ A(.~) N _ l \ _ S c: .I. .1\1. .l~ N ~·~ (~) f) A T l~ A -.-

so as que , POf fa lta d e experiencia au po r Acmbotamento de

cspirito, sc dcsviam de scmclhantcs fenornenos como ~e

"rnolestias popul a re s " e, a po i a d o s no sentimento de sua pr~ -

pr ia s a ud e, fa zc rn -s c s a rc .is tic as o u c om pa ss iva s d ia nte d ~ t~~s

fc no m cn os : e ss a s po bre s criaturas n a o tern, n a vcrdadc, Ide13

d e qua o c ad avc ric a e e spe c tra l fic a e s s a sua "s a n id ad e" , q~a n -

d o d ia nte delas passa bramando a vida c a nd e n t e do entusiasta

dionisiaco.

Sob a mazia do dionisfaco torna a selar-se nao a p e n a s a

1a<;0 d e pes so~ a p e s s o a , mas tam be rn a na tu reza alheada, ~~a-

mis t o s a a u subjuga d a vo lt a a c e le br a r a festa d e r c c o n c i l i a -

c a o c om seu fi lho perdido." 0 hornem. Espontaneamente

oferece a terra as suas didivas e p a ci fl c ar n e nt e se a ch eg am

as feras da montanha e do deserro. 0 carro de Dion i s i o esta

coberto de flores e grinaldas: sob 0seu juga avancam 0 tigre

e a pantera. Se se tr a n sm uta em pin tura 0jubiloso hin ~ be ~-

thoveniano a "Alegria" e se nao se refreia a forca de imag i -~ /

n a c a o , quando mi l h o e s de seres frementes se espojam no po,

e n t a o e pos s ivc l acercar-se do dionisiaco. Ago r a 0 escravo

e horncm livre, agora se rompem t o d a s as r i g i da s e hostis de-

I im i t a c o e s que a necessidade, a arbitrariedade ou a "moda

impudente" estabeleceram entre os homens. A go ra , g ra < ;~ s

a o evangelho da ha rmon i a universal, c a d a qual s e s e n te n a o"" I

s6 unificado, conciliado, fundido com 0 seu proximo, mas

ur n so , c o m o se 0 ve u de Ma ia t iv es se sido ra sga d o e , reduzi-

do a tiras, esvoacasse diante do misterioso Uno-primordial.

Cantando e d an ca nd o, m a n ife sta -s e 0 hornem como m e m -

bra de uma cornunidadc superior: ele desaprendeu a andar

e a falar, e esta a ponto de, dancando, sair voando pelos ares.

De s e us ge sto s fa la 0 e n ca n tam en to . A ss im como a g o ra o s

animais falam e a t e r ra da leite e mel, do interior do hornem

t ambe r n soa algo de sobrena tu ra l : ele se s e n t e como ur n deus,

cle proprio caminha agora tao extasiado e enleva~o, ~om.o

vira e m sonho o s d e us es caminharem. 0 hornem nao e m a r s

a r t i s ta , to rn ou-s e o bra d e a r t c . : a f (~ r< ;aartistica de. toda ~ n~~

tu rc za , pa ra 3 c l e l i c i o s a satisfacao do L J no-pnmor(~L:lI,

r cv cla -s e a qu i sob 0 frem ito d a embriaguez. A a rg il a m a r s 110-

hr e, a m a is pr ec io sa pedra d e m a rm o re c a qui a rn as s a da e m o l-dada e, aos golpcs de cinzel do a r ti st a d i on i sf ac o dos mu n -

consagracao d a bela a p a r e n c i a . E a ss im po c le ria va le r em re-

lacao a Apolo, em urn s e n t i d o exccntrico, aquilo que Sc ho -

penhaue r observou a re spe i to do h0111en1 colhido no vcu de

M ai a,2 2 n a prirncira pa r te de 0mundo como uontade e re-

preseruacdo. "Tal como, em meio ao mar e n fu r e c i d o que,

i l im i t a d o em todos as qua d r a n t e s , ergue e afunda vaga lh6esbramantes, ur n barqueiro es ta s e n ta d o em seu bo te , c on fi a n -

do na fragil embarcacao, da mesma ma n e i r a , em me i o a urn

mundo de t o rmen t a s , 0 h omem individual p e rm a n e c e cal-

mamente sentado, apoiado e confiante no principium indi-

oiduationis [principia de irrdividuacao]' .23 Sim, poder- s e - ia

dizer de Apolo que nele obtiveram a mais sublime expres-

sao a inabalavel confianca nesse princiuium e 0 t r an quilo fi-

car ai sentado de quem nele esta preso, e p od e r-s e-i a i nc lu si -

ve c a r a c t e r i z a r Apolo corn a esplendida i m a g em divina do

principtum individuation is, a partir de c ujo s ge s to s e o lha -

,res nos falam todo 0prazer e toda a sabedoria da "aparen-

c i a " , juntamente com a sua be l eza .

Na mesma pa ss a ge m S cho pe nha ue r n os d es c re ve u 0 i m e n -

so terror que se apodera do ser hum an a qua n do , de r cp e n -

te , e t r ansv i ado pelas f o rma s c ogn it iva s d a a pa re nc ia f e no -

menal, na medida em qu e 0principia d a ra za o, em a l guma s

d e suas c on figura c oe s , pa re c e so fre r um a excccao Se a esse

terror acrescentarmos 0 delicioso extase que, a ruptura do

principium indiuiduationis ascende do fundo mais intima

do homern, Sill, d a n a tu re za , s e t -nos -a d a d o lancar ur n olhar

a essencia do dionisiaco, que e t r a zid o a n6s , 0ma i s de per-to pos s fve l , pela a n alo gia d a embriaguez. Se ja por i n f luen-

c ia d a bebe ra ge m n arc 6tic a, da qua l todos as povos e ho-

mens prirnitivos falam em seus hinos, au com a poderosa

aproximacao da p r imav e r a a impregnar toda a natureza de

alegria, despertam aqueles transportes dionisiacos, por cuja

Intensificacao 0 subje t ivo s e esvanece em completo au to-

e s qu e c imen t o . Tambem n o M ed ie vo a le rn ao c on to rc ia m -se

sob 0 poder da mesma violcncia d i o n i s f a c a multid6es SeITI-

pre crescentes, c a n ta n d o e dancando, de l uga r em Iuga r : nes-

ses dancarinos de Sao Joao c Sao Guido reconhccemos de

novo os coras baquicos dos gregos, com su a prc-historia n a

As i a Menor, ate a Babilonia e as saceas24 org i . i s t i ca s . Hi pes-

. 11

[30][ ~3r ]

j. ~ . r

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F R lED RIC I-_{ N lET Z S C I--I E( ) N A S C: I MEN ~l-'f0 0 A ~I·RAG IiD I A

dos, ressoa 0 chamado dos misterios eleusinos: "Vas vas

prasternais, milh6es de seres? Pressentes tu 0 Criador 6,mundo> " . " ?

lum in o s a e sincera paixao pela c or , n ao e possivel abster-se,

para a vergonha de todos os p6steros, de supor que tambcm

() s s c us sonhos po ssufam um a causalidade 16gica de linhas

(' de contornos, de cores e de grupos, uma sequencia de c e -

n as semelhantes a seus melhores baixos-relevos, cuja perfei-

( ':10 nos a ut o ri za r ia c e rt am e n t e, se ta l c orn pa ra ca o fo ss e pe r-~

mitida a caracterizar os g r e go s sonhadores como Homeros

{' Homero c o m o urn g re go s o nh ad o r: i550 em urn s e n tid o m ais

profundo do que ocorre com 0 homem moderno, quando

clc ou s a , com respeito a seus sonhos, comparar-se a S ha ke -

~))care I

De outra 'parte, nao precisamos falar apenas em termos

('( m jc r ur a is p ar a d e s ve la r 0enorme a b i smo que sepa ra as gre -

vos dionisiacos d o s barbaros d i o n i s f a c o s . De todos o s con-) "

fins d o m un d o a n t igo ' para deixar aqui de lado 0moder-

IlO , de R om a a te a Babilonia, podemos demonstrar a exis-t < . _ \ n c i a de festas d i o n i s f a c a s , cujo tipo, na melhor das hip6te-

SCS, se apresenta em relacao ao tipo da fe s ta g re ga c om o 0

barbudo satire, cujo nome e a t r ibu tos derivam do bode, em

r c l a c a o ao pr6prio Dionisio. Quase par toda pa r t e , 0centro

d c s s a s cclcbracoes consistia numa desenfreada I i c e n c a sexual,«ulas ondas sobrepassavam toda vida f ami l ia r e suas ve n e -

r.mdas convencoes: precisamente as bestas mais selvagens

da natureza eram aqui desacaimadas, ate alcancarern aquela

horrfvel mistura de volupia e c ru eld ad e que a verdadeira "be-

hcrage rn das bruxas" sempre se me afigurou ser. Contra as

l-x ci ta co e s fe br is d e ss as orgias, cujo conhecimento penetrou

;116 OS gregos por todos os caminhos da t e r r a e do mar, eles

I i c rm an e c e ram . a o que pareee, inteiramente assegurados e

protegidos durante algum tempo pela figura, a e rgue r - se aqui

.m toda a sua altivez, de Apolo, 0qual nao podia opor a ca-

IH. 'ca da Medusa a nenhum poder mais ameacador do que es-_ / / ..

.«: clemente dionisfaco brutalmente grotesco. E n a a r te d or i-

<. ':1 que se imortalizou essa majestosa e rejeitadora ati tude de

Apo . 1o .Ma i s perigosa e ate impo s s f v e l tornou-se a r e s i s t e~-

C i : l , quando, par fim, das r afze s m a is pro fun da s do helenis-

II1c) cornccaram a irromper impu l so s parecidos: agora a a<;ao(I() deus delfico restringiu-se a tirar d a s m ao s d e seu pod e r o -

:~()oponcntc as a rm a s destruidoras, mediante uma reconci-

2.

Ate agora examinamos 0 apol fneo e 0 seu oposto, 0dio-I ~

nisiaco, como poderes artisticos que, sem a meaiacao do ar-

tista humano, i r r ompem da propria na tu reza , e nos qua is os

im puls os a rtfs ti c os d es ta se satisfazem imediatamente e por

vi a direta: por urn lado, como 0mundo figural do sonho,

cuja perfeicao independe de qualquer conexao com a alti tu-

de intelectual au a educacao artfst ica do individuo, por OU~

tro, como reaIidade inebr ian t e que novarnente nao le va e m

conta 0individuo, mas procura inclusive destrui-lo e Uoer ra - Io

por meio de urn sentimento mistico de unidade. Em face des-

s e s estados artfsticos imediatos da na tu reza , todo artista e urn"imitador", e isso quer COD10 artista onirico a po lm eo , que r

como artista extatico dionisfaco, ou enfim como par exem-

plo na tragedta grega enquanto artista ao mesma tempo~ • . / II '

On1[lCO e ex t a t lCO: a seu respcito devemos imaginar mais au

menos como e I e , na e lnbr iaguez dionisfaca e na auro-anena. . . . . . . . . . . . ,- .

cao nusnca, prosterna-se, solitario e a parte dos coros entu-siastas, e como cntao, par meio do influxo apolineo do 50-

nho, se th e reveia 0s e u proprio estado, isto e, a sua unidade

com 0fundo ma i s intima do mundo em uma irnagem simi-

liforme de sonboi"Depois dessas pressuposi~6es e c o nt ra po s i< ;o e s g er ai s,

aproximemo-nos agora dos gregos , a fim de reconhecer em

que gra u e ate qu e ponto estavam neles desenvolvidos esses

impulsos artisticos da natureza: 0que nos colocara em con-

dicoes d e c o m pr ee n de r e apreciar mais profundamente a re- '

lacao do artista helenico com as seus arquetipos OU, segun-

do a expressao an s ro t euc a , "a imitacao da natureza". Acer-

ca dos sonhos dos gregos s6 se pode falar em termos de su-

posicao, e ainda assim com escassa certeza, a despeito de to-

da a literatura on f r i c a e das incontavcis anedotas a respeitodos sonhos dada a incrivelmente precisa e segura capacida-

de plastica de que eram dotados as seus olhos, unida a su a

I•

" lI

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L34][35.1

( ) N i\_ SCI" M_ 1~ Nr r 0 I= > A. rr l l . _ A ( ~ E D r A

..

l i a< ;ao concluida no dcvido tempo Essa rcconciliacao e 0 1110-mento mais importantc na hist6ria do culto grego: para 011-

de quer que se olhc, sao visivcis a s revolucoes causadas por

este acontcctmcnto. Era a reconciliacao de dois advcrs a r i os ,

C01n a r i go ros a dctcrrninacao de respeitar doravante a s r es-

pectivas linhas fronteiricas e C01110 peri6dico envio mutuo

de presentes honortficos: no fundo, 0abismo nao fora trans-

posto par ponte nenhuma. Quando vemos porern como, sob

a pressao deste pacta de paz, a potencia dionisiaca se mani-

festou, reconhecemos agora nas orgias dionisiacas dos gre-

gos, e m c orn pa r a c ao a s Saceas babilonicas e s ua r et ro gr ad a -

c ; a o do homem ao tigre e ao macaco, 0significado das festas

de redencao universal e dos dias de t r an s f igur a< ;ao . S6 com

elas alcanca a natureza 0 jubilo ar t i s t i c o , s6 COIn e l as torna-

se 0 rompimento do principium individuationis urn fen6-

meno artfstico. Aquela repugnante beberagem magica de vo-

Ii ipia e crueldade viu-se aqui impotentc: somente a marav i -lhosa mistura e duplicidade d o s afetos do entusiasta dioni-

s fa c o le m br a como urn rerncdio lembra rernedios letais

aquele fe no m en o, s egun do 0qual o s s o fr im e n t o s desper-

tam 0prazer e 0 jubilo arranca do coracao sonidos doloro-

sos. Oa mais elevada alegria soa 0 grito de horror ou ° 1 a -

mento an e l a n t e por uma perda i r r epar avc l . Naqueles festi-

vais gregos prorrompia c om o que urn traco s en t imen t a I 29 da

natu reza , como se eIa so lucasse por se u despcdacamento em

individuos. 0 cantico e a mimica d e s s e s entusiastas de ta o

duplice d i spos i cao eram, para 0 r nundo grcco-homenco, a l-

go de novo e inaudito: a musica dionisfaca, em p a rt ic ul ar ,

excitava nele espantos e pavores. Se a r n u s i c a aparentemen-

te ja era conhecida como uma arte apolfnea, ela 0 era ape-

nas, a rigor, enquanto batida ondulante do ritmo, cuja forca

figuradora foi desenvolvida para a r epr esen tac ; ; ao de estados

apolincos. A rnus i ca de Apolo e ra arqui te tura d6rica em sons,

mas apenas em sons insinuados J como as que sao pr6prios

da cftara. Mantlnha-se c au t e l o s a r n en r c a d i s t a n c i a aquele prc -

eiso elcmento que, nao scndo apolfneo, constitui 0 c a r . i t e r

C ! ~ l rn r i s i c a dionisiaca C, portanto, c ia musica em gcral: a co-

n10 '~ /( - ,( : :_eraVi(~,I(~nciao sorn, a torrente unit. ina da melodiae omundo absolutarnciuc incompar-ive! da ha rmon i a . No di-

u r ambo dionisiaco" 0homem e incitado a maxima i rucn s i -

l ' ica<;;ao de todas as suas capacidades simb6licas; algo jamais

«xpcrimcntado cmpenha-se em exteriorizar-se, a destruicao

(to veu d e Maia , 0 se r uno e nqua nto g en io da cspccie, s i m ,

c ia natureza. Ago ra a essencia d a natureza deve expressar-sc

I)01" via s imb6 l i c a ; urn novo mundo de simbolos se faz ne-ccssario. todo 0 simbolismo corporal, n ao a pe na s 0 s imbo -

I

lisrno d o s Ia bio s , d o s scmblantes, das palavras , mas 0 con-

junto Inteiro, toctos os gestos bailantes dos membros em mo-

vimentos ritmicos. En t ao crescem as outras fo r c a s simb6li-

casla s d a musica, em subita impe tuo s i d a d e , na ritmica, n a

...

dinamica e na harmonia. Para captar esse desencadeamento

s ir nu lt an co d e todas as forcas simb6licas, 0ho r n em ja deve

rc r arribado ao n r ve l de desprendimento d e si pr6prio que

deseja exprimi r-se simbolicamentc naquelas forcas: 0 servi-

dor ditirambico de Dionisio 56 e portanto entendido por seus

iguais! Com que assombro devia mira-lo 0 grego apolf~e~!

Com ur n assombro que era tanto maior quanta em s e u m u-

mo se lhe misturava 0temor d e que, af in a l , aquila tud o n ao

lhe era na realidade ta o estranho, que sua consciencia apoli-

nea apenas lhe cobria como urn veu esse mundo dionisiaco.

3.

Para c on ce be r tud o is so , pre ci s a m os demolir pedra ap6s

pedra, por assim dizer, 0 artistico edif icio da cultura apoii-

flea a te vislumbrarmos as fundamentos nos quais se assen-ta o Advertimos a qui, e m prim e ir o lugar, as magnfficas f igu-

ra s dos d eu s e s olimpicos, qu e se erguem sob 0 f r on tao des-

se ediffcio e cujos feitos, representados em relevos a resplen-

der na distancia, ornam seus frisos. Se entre eles t ambe rn set

a c ha Apolo, como u m a d iv in d ad e individual entre out r as , 0

ra to n ao nos deve desconcertar. 0 mesmo impulso , que se

tnaterializou em Apolo, engendrou todo 0mundo olfmpico

C, o e s t e sentido, Apolo deve ser reputado por nos c o m o urn

pa i desse IllUD90._Qual f oi a p ro d ig io s a necessidade de o n d e

brotou tao luminosa socicdade de seres oHmpicos?

Quem, abrigando outra religiao no peito, se acercar des-ses olimpicos e procurar neles clcvacao moral, sim, santida-

,

7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

http://slidepdf.com/reader/full/nietzsche-f-w-o-nascimento-da-tragedia 19/90

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I l t )S homcns que foi Promcteu, aquclc horrivcl destine do

:;:tgaz Edipo, aquela ma ld i c ao sobre a estirpe dos Atr id as , que

1 )1 ) r iga Orestes ao matricidio, em suma, t oda aquela filosofia

do deus silvano, jun tamcn te com os seus mfticos exemplos,

.1 ( ILIal xucumb i ram os sornbrios etruscos fo i , ar r aves da

( p rclc artfstico mundo intermedio dos Olimpicos. constan-I«mente sobrepujado de novo pelos gregos OU, pelo menos,

l-n co be rto e subtraido ao olhar. Para poderem viver, tiveram

l),)gregos, levados pela mais profunda necessidade, de criar

I : t is deuses, cujo advento devemos assim de fato nos repre-

. '~l·n tar , de 1110do que, da primitiva teogonia titanica dos tcr-

1' ( ires. se clesenvolvesse, ern morosas transicoes, a teogoniaJ

t .limpica do jubilo. por rneio do impulso apolfneo da beleza

.como rosas a desabrochar da moita espinhosa. De que QU-

1 1 ' : 1 maneira poderia aquele povo ta o suscetivel ao sensitivo,

1 : 1 < ) impetuoso no desejo, tao singularrnenre apto ao sofri-

niento, suportar a cxistencia, se esta, banhada de uma gl6ria

lllais alta, nao Ihe fosse mostrada em suas divindades? 0 mes-

ino impulso que chama a arte a vida} como a complementa-

(.':10 e 0perfeito remate da existencia que seduz a continuar

vivcndo, perrnite tambem que se constitua 0mundo olimpi-

('(), no qual a "vontade" helenica colocou d ian te de si urn

('spelho transfigurador. Assim, os deuses legitimam a vida hu-

1 1 1 ; I 1 1 apelo fato de eles pr6prios a v i v e r e m a tcodiceia que

,1( »In ha se basta! A cxistencia de t a i s deuses sob 0 radioso

('Llrao do Sol e sentida como alga em si digno de ser deseja-

(Ie) C a verdadeira dor dos homens hornericos esta em separar-:~('dcssa cxistencia, sobretudo em rapida separacao, de mo-

ll() que agora, invertcndo-se a sabedoria do Sileno, poder-

.« : ia dizer: ". A pior coisa de todas e para eles morrer logo;

~Iscgunda pior e simplcsrnente morrer urn dia", Se 0lamen-

I() soa luna vez, ele ressoa por Aquiles, de tao curta vida, pe-

I () genera humano que muda e pa ss a como a s folhas, pelo

( H';LS() cia idade her6ica. Nao e indigno do maior dos her6is.uular pcla continuacao da vida, ainda que seja como traba-

lh.rdor a jornal. Tao vccmentementc, no estadio apolinco,

.Illscia a "vontadc" POf essa cxistencia, tao unido a cla se sen-

1(" () horncm homcrtco. que ate 0 seu lamcnto sc converte

l'llI hi110 de louvor a vida.

() ~_ A S c: I ~vl I : N ~I~ (_. I~> A ~l~H A < _ . ; . E L) l A

.0-

de, incorp6rea c spi r t rua l izac ao , miscricordiosos olhares de

arnor, quem assim 0 fizcr, tcra logo de lhes dar as costas, de

salentado e dccepcionado. Aqui nada ha que lcmbre a s c e s c ,

espirituaJidacic e dcver, aqui s6 nos fala U111J. opulcn ta e t r iun-

fante cxistcncia, onde tudo 0que sc faz presentc e diviniza

do, nao importando que seja bon} ou mau. E assim e possi-vel que 0 observador fique realmente surpreendido ante es-

sa fantastica cxaltacao da vida e se pergunte com qual filtro

rnagico no corpo puderam tais hornens exuberantes destru-

tar da vida a ponto de se depararen1, para onde quer que

olhassem, com 0 riso de Helena a ilnagem ideal, "pairan-

do ern doce sensualidade", da propr ia existencia cieles. De-

vemos porem bradar a esse observador voltado para tras

"Nao te afastes daqui scm primeiro ouvir 0que a sabedoria

popular dos gregos tern a contar sabre essa mesma vida que

se estende diante de ti com ta o inexplicavcl serenojovialida-

de. Reza a antiga lenda que 0rei Mid a s perseguiu na floresta,

durante longo tempo, sem conseguir c aptur a- l o , 0 sabio 51 -

LENO,31 0 companheiro de Dionisio. Quando, por fim, ele

veio a cair em suas maos, perguntou-Ihe 0 rei qual dentre as

coisas era a melhor e a mais preferfvel para 0hornem. Obsti-

nado e im6vel, 0 dernonio-? calava-se; a te que, forcado pe-

10 rei, prorrompeu finalmente, por entre urn riso amarelo,

nestas palavras: ,-Estirpe miscravel e efemcra, filhos do acaso

e do tormentor Por que me obrigas a dizer-te 0que seria pa-

ra ti rnais salutar nao ouvir? 0 melhor de tudo e para ti intei-

ramcnte inatingfvel: nao ter nascido, nao ser, nada se r. D e-pOis disso, porem, 0 rnelhor para ti e logo rnorrer".

Como se comporta para com esta sabedoria popular 0

mundo dos deuses olfmpicos? Como a visao enlevada do ma r -

tir torturado, para com as seus suplicios

Agora se nos abre, por assim d izer , a montanha mag i c a

do Olimpo enos rnostra as suas raizes. 0 grego conheceu

e sentiu o s t e m o re s e os horrores do existir: para que lhe fosse

passive! de algummodo viver, teve de colocar ali. entre ele...

e a vida, a resplendente criacao onirica dos deuses olirnpi

cos. Aquela inaudita desconfianca ante os pocleres titanico,

da natureza, aquelaMoira [destine] a reinar impiedosa sobre

todos as conhecimentos, aquele abutre a roer 0grande amigo

[36] [ 3~71

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t

Aqui e preciso declarar que c ss a ha rm o nia c on tc rn pla da

tao nostalgicamente p clo s ho m e ns rnodcrnos. s im , e ss a un i-

d a d e do se r humane c om a n a ture za , pa r a a qual Sch i l l e r

cunhou 0 termo artistico naif [ingenue];" nao e de modoalgum urn estado ta o simples, resultante de si I n e S1110, p o r

a s s im dizer inevitavel, que tenbamos de e n c on t r a r a po r tade cada cul tur a , qual urn paraiso da humanidade: russo s6

po d ia c re r um a cpo c a qu e procurava pen s a r 0E m ilio d e Rous-

s e au tambem c om o a rti s ta e julgava have r a c had o e m Ho me ro

s eme l han t e Emilio a rt is ta , e d uc a do no coracao d a n a tu re za .

On d e que r que d e pa r em os c om 0"ingenue' n a arte, cumpre-

n o s reconhecer 0supre mo e fc ito d a c ultur a a po lin e a: a qua l

precisa s em pre d e r ruba r pr im ei ro urn re in o d e T i ta s , m a t a r

m on str o s e , m ed ia nte po de ro s a s a luc in ac o es e jubilo s a s i lu-

s o e s, fa z er -s e vitoriosa s a br e um a horrivel pro fun de za d a c o n -

s i d e r a c a o do mun d o [Weltbetrachtung)34 e sa br e a m ais e x-

c it av el a pt id ao p ar a 0 s o f r imen t o . Mas q ua o r ar am e n te 0naifesse total engolfamento na beleza da apa r e n c i a , e alcancadoQua o indizivelmente sublime e par iS50 HOMERO, 0 q ua l, c o-

mo individuo, e sra para aquela cul tur a apolfnea do povo co-

m o 0artista in div id ua l d o sonho es ta para a aptidao on f r i c a

d o povo e da natureza em ger a l . A "ingenuidade' ho r n e r i c a

s6 se c om pre en d e c om o 0 triunfo completo da i lusao apolf-

nea: e es sa um a ilusao ta l como a que a n ature za , pa ra a tin gir

o s s eu s pr op 6s ito s, ta o frc que nte m en te e m pre ga . A ve r d a -

d e i r a meta e encoberta por um a imagem i l u so r i a : em d i r e -

cao a e sta estendemos as maos e a n a ture za a lc an c a a que la

a t r ave s de nosso engano. Nos grego s a "vontade" queria, n a

t r an s f lgur ac ao do genio e do mundo artfstico, c o n t em -

plar-se- ' a s i rn esm a . para g lo ri fi ca r-s e, s ua s c ria tu ra s p re ci-

s ava r n sentir-se dignas de g lo r ifi c ac a o , p re c is a va m rever-se

n um a esfera supe r io r , s em que e ss e m un d o pe rfe i to d a in -

trovisao atuasse c o m o imperativo au c o m o censura . Ta l e a

e sfe ra d a be le za , em que e le s v iam a s suas i m a g e n s especula-

res, o s Olfmpicos. Com e sse e spe lha me nto d a be le za , a "vo n-

tade" hc l cn i c a lutou contra 0 talento, co r r e l a to ao artistico

em prol do so f r e r c da sabedoria do so f r e r : e como monu-

r n c n to d e sua vitoria, crgue-sc d i a n t e de n 6s Hornero, 0 ar-t 'I A

u st a t ng e nu o.

4.

F R 1 E L) n ..C: }-1 N 1 E ~rz S C H l~ ~

() K A SCI J'VI l~ N J O ] ~ ( - ) 'f) A L~ It A (~, l~ D J A

.A c e r c a dcsse artista i ng en ue , a a na lo gia do so n ho n o s da

~llgunscnsinamcntos Sc imaginar lT IOS ° sonhac lo r quando eIe,

em mcio da i lUS3_O do mundo onirico e s em perturbala, se

poe a c la m a r: "lsto e urn s o n ho , m a s que ro c o nt in ua r s o nhan -

do!", s e da r tivermos d e concluir que h a urn pro fun do pra -

ze r in te r io r n a c o n te rn pla c a o d o sonho, se , d e o ut ro lado,

p ar a p od e rm o s sonhar com e ss e p ra ze r intima d ia nte d a vi-. / .

s a o , t ive rm o s d e e sque ce r inteiramente 0dia e s ua s t cr nv eis

impor tunacoe s . p o d e r em o s entao interpretar todos e s s e s fe -

n om en o s , s o b a direcao de Apolo oniromante, mais au m e-

n o s d a seguinte m a ne ira : T ao certamente quan ta das dua s me-

tades d a vid a , a d e spe r ta e a sonhadora, a primcira se n o s afi-

gu ra in co mpa rave lm en te m ai s preferivel, mais impo r t a n t e ,

m a is d ign a d e s e r vivid a , s im , a un ic a vivida, do rnesmo mo-

d o , por ma i s que pa r e c a urn paradoxo, eu gostaria d e sus-te n ta r , em re la c a o a que lc fundo m is te r io s o d e n o ss o s e r ,

d o qua l n 6s s om a s a aparcncia, pre c is am en te a valoracao

o po s ta n o to ca nte a o so n ho . C om e fe i to , qua n ta m ai s per-

ecbo na na tur eza aqueles onipotentes impulsos a r n s t i c o s

c neles urn poderoso anelo pela aparencia [Sche in ] , pela re -

dcncao a tr a ve s d a apa re n c ia , ta n to mais m e s in to impeli-

do a suposicao me t a f f s i c a de que 0verdadeiramente-existente

[tVahrbajt-Seiende]36 e Uno-primordial, enquanto 0 eterno-

padecente e pleno d e contradicao n e c e s s i t a , para a s ua c on s-

(a nte re de nc ao , ta m be rn d a vis ao e xta si a nte , d a a pa re nc ia pr a -zc rosa aparencia esta que n o s , inteiramente e nv olvi do s n e-

la c dela c o n s i s t e n t e s , somos obrigados a sentir como 0ver-

dadeiramcnte n a o e xi st en te [Nicht se i ende) , isto c, c om o urn

in in te rru pt o v ir-a -s er n o t em p o, espaco e causalidade, e lll o u -

t r o s te rm os , c om o realidade empirica. Se portanto nos abs-" ." ltd d " 37

t r .u rmos po r ur n in st an te de n o s s a propria re a 1 a e , s e

('ollcebcrmos a n o s sa c xis te n c i a em pfr ic a , d o m esm o m od o

qu e a do mundo ern geral, como um a reprcsentacao do Uno-

Iirimordial gerada eln cada memento, nestc easo 0sonho de-

vr : a go ra v ale r para n6s c om o a aparencia da aparencia, po r

( .(}11scguinte~ c om o um a satistacao ma i s elevada d o a pe ti t e/ ~

primcvo pcla apa r e n c i a . E pelo mcsmo motivo que 0 cerne

[39]

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I j , L ) c i a c s fc r a nao-apolinca, por tan to COD10 propricdadcs d a

('1)(.ca preapolinca. da era dos 'Titas e do mundo extra-

:1 polinco, ou scja, do rnundo dos b.irbaros. Dcvido ao seu

, 1 I 11o r t i t a n i co pelos se re s humanos, PrOln eteu teve que scr

(I i laccrado pelos abutrcs: por causa de sua dcsmcsurada sa-

I ) l' c lo r i a , que solucionou 0 e nigm a da Esfinge, Edipo teve deprccip i t a r -se ClIl urn enredante turbilhao de crimes: era as-

_')In que 0 deus dclfico interpretava 0 passado grego.

"Titanico" e "barbara" pareciarn tambem ao grego apo-

III)CO a efeito que 0 dionisiaco provoca: scm corn i550 po-

t ie r d i s s imula r a 5i meS1110 que ele propr io , apesar de tudo,

(. ra ao mesmo tempo aparentado interiorrnente aqueles Ti-

Ll S e her6is aba t idos. S im , ele devia sentir ma i s ainda: toda

;1 su a ex i s t enc i a , com toda beleza e comedimento, repousa-

v .r sabre urn encoberto substrata de sofrimento e conheci-

Incnto, que the era de novo revelado a t raves daquele elemen-

I() clionisfaco. E vcdcl Apolo nao podia viver sem Dionisio:

( ) "titanico" e 0 "barbara" eram, no flm de con t a s , precisa-

mente uma necessidade tal como 0apolfneo! E agora imagi-

IIC1110S como nesse mundo construfdo sobre a aparencia e

()comedimento, e artificialmente r ep re sado , irrompeu 0 tom

«xta t ico do fesrejo dionisfaco em sonancias rnagicas cada vez

ma i s fascinanres, como nestas todo 0desmesurado da natu-

I'l'za em prazer, dor e conhecimento, ate 0grito estridente,

.k.via tornar-se sonoro: imaginemos 0 que podia signif icar

( 'sse demoniaco cantar do povo em face dos artistas salmo-

( l ian tes de Apolo, com a s fa nt as m ai s a rp ejo s de ha rpa l As m u-S;IS das ar tes da "aparencia empalideciam diante de uma ar-

1 \' que em sua embriaguez falava a verdade, a sabedoria do

, I . ) i lcno abradar "Ai delesl A i deles!" , contra os sercnojoviais

( )lfn1picos. 0 individuo, com todos as seus limites e medi-

( L I S , afundava aqui no auto-esquccimcnto do e s t a do dioni-

,~I~ICO e esquecia os preceitos apolfneos. 0 desrnedido reve-

1 :1 \'a-se como a verdade, a contradicao, 0cleleite nascido das

t lorcs, falava pOl' si desde 0 coracao et a natureza. E foi assim

.juc, ern roda parte onde 0 dionisfaco pcnctrou, 0 apolfneo

I'I)i suspenso c a n iq ui la c .i .o . M a s e igualmcntc ce r ro que l aI 1) de ()prirnciro a s s a l to foi suportado, 0prestfgio e a majes

Litle do deus dclfico se cxternaram de mancira ma i s rigida e

mais Intimo c ia natureza sente aqucl c prazer i nde s c r i t iv e l not • /

a rus ta lngenuo e n a obra d e a rt e i ng c nu a, qu e e s i rn i l a r rn r -n

tc apen,as "aparcncia da ap ar en c ia ~ '. RA},,-\[l. ~ c I e pro p r ic ) U111

dcs~es I~n.ortais "ingenu()s", r epr c sen tou-110S em sua pintu-

ra sl~bohca essa dcspotcnciacao d a aparcncia n a apar enc i a ,

que e 0processo primordial do artists ingenue e simulrancaIn en t . e da ,cultura apolinca. Em sua Transj igurru;'ao; j8 n a m e-

tade inferior. COIn 0 rapazinho possesso, os seus carregado-

res desesperados, os discfpulos desamparados, a t c r r o r i z a d o s .

< : I e , nos r n o s t r a a reverbcracao da eterna dor primordial. 0

~nIco fund~mento ~o_~undo: a "aparencia' [Scbein ] e aqui

leflexo [Wzde rsche tnJ39 do eterno contraditorio, pai de to-

das as coisas. Dessa aparencia eleva-se agora, qual ar0111(1de

ambrosia, urn ~ovo mundo como que visional de a p a r c n c i a s ,

dADq~al nada vee~ os q ue fi ca ra m enleados na pr i rne i ra apa-

rcncia urn luminoso pairar no ma i s pura deleite e UIU in-

dorido. contemplar radiante de o lhos bern abertos Aqui te-

mas, diante de nossos olhares, no ma i s elevada s imho l i s r n o

da arte, aquele mundo apolfneo da beleza e seu substra to

a te~r~~el sabedoria~ do Sileno, e percebemos, pela intuic;a~

[Intuztzon], sua rcciproca necessidade. Apolo, porern, mais

u~a v~z s~~os apresenta como 0 endeusamenro do princi-

plum zndtvzduationis, no qual se real iza, e sornente nele, 0

alva ~ternamente visado pelo Uno-pritnordial.lsua libertac;ao

atr:ves da aparencu ele nos mo s t r a , com gestos subl imes .

quao necessario e 0 inteiro mundo do tormento. a fim d~

que, por seu lntermcdio, se j a 0 individual forcado a cnzen-d:ar a visao redentora e entao, submerse em sua contempla-

cao, rcrnanesca tranquilamcntc sentado ell l sua c a n o a balou-

cantc, ern meio ao mar.

,Esse endeusamento da i n di vi d ua < ;a o , q ua n d o pensado 50-

bretudo como imperativo e prescrit ivo, 56 conhece urna lei

, 0individuo, isto e , a observacao das fronteiras do iudividuo

a medida no sen t i do hclenico. Apolo, como divindadc etj~

c a , exige d os scus a r ne d id a c, par a poc lc r obsc rva - l a , 0auto -

conhecimento.E assim corre, ao lado da ncccssidadc cstcu

ca da beleza, a c x ig e n ci a do "Conhece-te a ti 111eS1TIO"e "Nada

em dernasia", 40 ao passo que a auto -c xa lta c ;a o e () desmedi

doerarn cOllsidcrados como os dcmonios propriamente hos

14() ] [ <f 1]

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l~~R I l~ D "R 1 C~ 11 :'J .l E 1 " 1 .1 Z S c: H· .1 ~--() N· A S (~~ I 1 \ : " 1 r: N· T (") I_) A 'T R A (.:1- I~r) I A

a r n e a c ad o r a do que nunca. S6 c on sig o po is explicar 0 Esta-

do d6rico e a arte d6rica como U111 c on tin uo a ca m pa m cn to

de guerra da forca apolinea: 56 ern uma inccssantc r es i s tc n -

cia contra 0 c a r a te r t i ta n i c o -b a r ba r c s c o do dionisfaco po d i a

perdurar uma ar te tao dcsafiadoramentc au s t c r a , circundada

d e ba lua rte s, um a educacao tao be lic os a e aspera, um Esta-do de natureza tao cruel e b14

l1tal t

A te este pon to fo i expo sto c o rn c e rta e xte nsa o a qui lo que

observei no inicio deste c n s a i o : como e que 0 elemento d i o -

n i s f a c o e 0apoHn eo , em criacocs senlpre novas e suces s ivas ,

a r efo rc a re rn -s c m u tu am e n te , dominaram 0 c a r a t e r helcni-

c o , c om o e que d e s d e a Idade d o B ro n ze , c om sua s titano-

maquias e a s ua acre f i losof ia popular, desenvolveu-se 0mUD-

d o ho rn e r ic o s o b 0 gove r n o do im puls o a po lin eo : c om o eque esse esplendor "ingenue" foi, uma vez mais, engolido

pela to rre nte in va so ra do d i o n i s i a c o : e como e qu e perante

e s s e n ovo po d e r se a lc ou a rfg id a ma i e s r a d e d a a rte d 6r ic a

e d a consideracao d6r ic a d o rnundo. Se d e ss a m an e i ra a fa s e

m a is a nti ga d a h is t6 ria h ele ni ca , na luta d aqu ele s d ois pr in c i-

p io s h os ti s, divide-se em quatro g r an d e s estadios ar t i s t i c o s ,

e n ta o som as a go r a fo r c a d o s a n o s pergun ta r qua l 0prop6s i -

to d e rr a d e ir o d e s s e d evi r e desse operar, c as o n ao deva s e r

considerado por n6s 0ul t imo periodo, 0 da arte dorica, co-

m o a c ulrn in a n c ia e 0 desfgnio d aq ue le im p uls o artistico: e

aqui se o fe r e c em ao nOS50 olhar a s s ublim es e enaltecidas

obras de arte da tragedia atica e do d iti ra m bo d ra m at ic o.~

como alvo comum de ambos as impu l s o s , cuja misteriosauniao con jugal , depois de p r o l o n gad a luta previa , se glor if i-

cou em semelhante rebento, que e s t r nul taneamcn tc An t i go -

n e e C ass a nd r a .

,·~t'guida ate c hega r a tragcdia e ao ditirambo d r am a t i c o . A ta l

nspeito, a propria Antigutdadc n o s da uma cxplicacao f igu-

r.rda, quan d o coloca la d o a lado, e m e sc ultura s, pe dra s g ra -

vadas ctc., como p r o gen i t o r e s e porta-archotes da poesia g r e -

ga HO~lERO e ARQuiLoco,41 com 0 sentimento se gura d e que

, l . ) ( .men t e estes d a is d evem s e r c o n s id e r a d o s c om o na tur ezasi nt ei ra m e n te o ri gi na ls , das quais ur n rio d e fo go s e d err am ou

sobre todo 0mundo hclenico pos te r io r . Homero, 0 e n c a n e -

.ido sonhador imerso em 5i mesmo, 0 tipo do artista naif,

.rpolfneo, fi ta a g or a estupefato a cabeca apaixonada d e Ar-

qui lo co , 0belicoso servidor das Musas qu e e s e l v agemen t e

! .m g id o a tr av es da existencia: e a estetica moderna soube ape-

Ilas acrescentar interpretativamente que aqui, ao artista "ob-

jc tivo", se c o n t r ap6e 0primeiro ar t i s ta "subjetivo". A n6s

sc rve-se pouco com e s s a mrcrpretacao, pois s6 conhecemos

( ) a r t is t a s u bj et iv o como m au a r t is ta e exig im os em cada ge -

nero e nivel da arte, primeiro e acima de t ud o , a submissao

do subjetivo, a libertacao das malhas do "eu" e 0 emudeci-

mc n t o de to da a a pe te nc ia e vontade i n d iv idua i s , sim, um a

vc z que sem objetividadc, sem pura conternplacao desintc-

r . . s sada , jamais podemos crer na ma i s ligeira producao ver-

d .r dc ir am e n te a rt is ti ca . Por i s so nossa e s t e t i c a deve r eso lver

.m t e s 0 problema de como 0 poeta "lirico" e possivcl en-qua nto a rt is ta : e le que, segundo a experiencia d e todos as

umpos, sempre diz "eu" e t r au te i a diante de nos t o d a a es-

('~llacrornatica de suas pa i xo e s e de s eu s desejos. Precisamen-

tt' esse Arquiloco nos a s s u s t a , ao l ado de Homero, com 0grito.k : s eu 6dio e d e seu e sc ar nio , pe la ebria explo s a o d e seus

. rpc t i tes: c o rn i s s o , n ao e e le 0 p r ime i r o a r t i s ta a s e r chama-

lI () d e s u bj e ti v o , 0verdadeiro n ao -a rt is ta ? D e o nd e e nta o ve rn

:1 rcvercncia qu e demonstrou p ara c om ta l p oe ta pr ec is am e n te

() o ra c ulo d e Ifi eo , 0 la r da ar te "objetiva", em scntencas d a s

IIl:lis s ingula r es?

.A c e r c a do p r o c e s s o de s eu poetar, SCHILLER o f e r e c eu - n o s

.llgullla lu z atraves d e urn a observacao psicologica, que sc afi

gl rava a ele propr io inexplicavel, m a s nao proble rn a t i c a : ele

l.onfcssou cfctivarnentc te f tido an t e si e em si, c om o c on cli-

l.,':l() prepar a t6r i a do a to d e poetar, nao HIlla scrie de i r nagcns ,

{.(»n ordenada c ausa lid ad c d os pensamcntos, lTIaS antes ur n

Aproximamo-nos ago r a da verdadeira meta de nossa in -

ve st ig ac ao , que visa a o conhecimento do gen i o apo l fneo -

d i o n i s f a c o e d e sua s o bra s d e arte o u, pe lo m e no s, a compte-ensao i n tu i t iva do mi s t c r i o dcssa uniao N es te po nto pe rg un -

tarnos agora, de imcdiato, onde se faz notar primciro, no

rnundo helenico, esse n o vo gc rrn e que se c l esenvo lveu ern

7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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·...

~) N A S c: I 1\·1 :r ~ .N r r ( - ) D i\. ;-J ' ){ i\. (.;. I~ ).) I /\F I{ I I~ D I{ J r: rr .N J l~ T _ I ' Z S c: 1·1 r:

es tado de an imo musical C (0 sentimcnto se 1l1 e apresenta

no cal l1ec;o scm um objeto claro e dcterminado, este s6 se

forma mais tarde. I.ma certa disposicao musical de espirito

vern prlmeiro e somenre depois e que se segue em mim a

ideia poetica '). Se a i550 juntarrnos, agora, 0 mais importan-

te f e n 6men o de toda a lirica antiga, a uniao, sim, a identida-de; ern toda a parte considerada natural, do tirico com 0m u-sica diante da qual a nossa Ifrica modcrna pareee a cstatua

de urn dells sem cabeca ,poderelDos entao, com base ell1

n o s s a me ta f f s i c a estetica an t e r i o rmc n t e exposta, expliear d a

s eg uin te m a ne ir a 0 caso do pocta lirico. Ele se fez primeiro,

enquanto artista d ion i s f aco , totalrncn:e U1n56 com 0Uno-pr i -

mordial, COll1 sua dar e contradicao, e produz a rep l ica des-

se Lno-prirnordial em f o rma de mus i c a , ainda que esta seja,

de outro 1 1 1 0do , dcnorninada COITI just ica de rcpeticao do

mundo e de segunda moldagcrn dcstc: agora porem esta 111(1-

sica se lhc torna vis ivc l , como nU111a imagem similiforme do

sonbo, sob a influencia apolfnca do sonho. Aqucle reflcxo

a figura l e aconceitual c ia d or primordial n a mus i c a , COITI su a

redcncao n a a pa r en c i a, gera agora ur n segundo cspclhamen-

to , C01110 s fn li le ()U CXC111plo isolado. () ar t is ta ja r c n un c i o u

a s ua subjctividadc no processo dionisiaco. a im agcm , que

Ihe m os tra a sua un i d a d c corn 0 coracao do m un d o , C U111d

cena de sonho, que torna scnsivel aquela contradicao e aquela

d o r primordiais, jun ta rn cn te C0111 0 prazer primigento d a a pa -

rencia. (_),;ell" do Iirico soa portan to a partir do abisrno do

ser: sua c 'subjctividadc", no sentido dos estetas'" modcrnos,e uma ilusao. Quando Arqui lo co . 0 primeiro lfrieo dos gre-

g o s, m a n i fe s ta 0 seu a r n o r furioso e, a o IneSI110 tempo, 0 seu

desprezo pelas f i lhas de Li c ambe s , nao e a sua paixao que

danca diante de n6s em torvellnho orgiastico: vemos Dioni-

sio e as i\lenades, vemos 0 embriagado entusiasta Arqufloco

imerso en1 sono profunda tal C01110 Euripides no-lo des-

creve em As bacantes. em alto prado alpestre, ao sol do meio-

dia -: e cntao Apolo se aproxima dele C 0 toea corn a seu

laurel. 0 cncantarnento dionisfaco-musical do dormente lanca

ago r a a sua volta COI110 que centelhas d e imagens, p o em a sIiricos, que elll seu mais elcvado desdobrarncnto se chamam

t ragedies e ditirambos dr a rna r i c os .

( ) artista plastico.:" e simultaneamente 0 epico, seu pa-

I ('Ill c, csta mergulhado na pura contemplacao das imagens

( ) nuisico dionisiaco, intcirarnentc i s en to de toda imagcm,

j ( ' I L ' pr6prio dor primordial e eeo primordial desta. 0 genio

lui.c: sente brotar, da mistica auto -a l i en acao e estado de uni-

II;I( Ie, urn mundo de imagens e de sinliles, que tern colora-I,~I(), causalidade e velocidade completamenre diversas do

1lIIIIHJO do artista plastico e do ep i co . Enquan to este ultimo

\' i v c : no meio dessas imagens, e somente nelas, C0111 jubilosa

' o . t l isf~l\;aO e nao se cansa de con tcmpla- l as amorosamcnte em

',{'liS rnenorcs t r a c e s . enquanto a te n l eS 1110 a i m a g em de Aqui-

II',l; «nraivccido e par a ele apenas um a im age m cuja ra ivo sa

l'\1.rcssao desfruta c om aquele se u prazcr onirico na apa r e n -

{ :1 :~ . - - de tal modo que, gracas a esse espelho da aparencia,

III·;t protcgido c ia un i t i c ac ao c d a fusao C0111 sua s figuras ,

.r, imagens do pocta linco, ao contrario, nada sao exceto ele

IIJ( 'Slll0 e como que rao-somcnte objctivacocs divcrsas de si

I JI ' ( .prio. Por essa r azao , elc, c o m o centro motor daquclc

1 1 1 1 1 1 1 < . . 1 0 , prccisa dizer "eu": s6 que cssa "cudade" [lcbbeit]t}'1

1 1. 1< ) C ' a mesrna que a do horncm cmpi r i c o - r c a l , desperto, mas

. ' , i III a unica "eudadc' vcrdadeiramentc existentc [ se i enc i e l

t l'lerna, ern repouso no fundo das coisas, mediante cujas

1I11: lgcns rcflctidas 0 genio lirico pcnc t r a COITI 0 olhar ate ()

('('rile do ser. Pensernos ago ra COITIO e l e , e ntre e ss :i s repro

(111«-)CS, a vis ta tam be rn a si mesmo C01110 nao-gcnio, isto e ,·.t'll "sujeito" [Subjekt],45 todo 0 tumulto de suas paix6es e

,1:'I)i rucoes subje t ivas dirigidas para urn a d e te r rn in a da c oisa(I'I(' Ihe parece re a l; s e a go r a s e n o s a figura s se c om o se 0 ge -

III( 1 lfrico e 0nao-genio a ele v in cula do s to ss em um s6 e co-

111 ( ) SC 0 p r ime i r o proferisse por s i s6 a q ue l a p a la v ri n ha "eu",

I'II!;IO cssa aparencia nao poderia mais nos transviar, como

,'.('111 duvida transviou aqueles que tacharam de lirico 0poe-

1. 1 s u hjc tivo . Na verdade, .A.rqufloco, 0 h0111en1 apaixonada-

111(' 11 l c ardoroso, no arnor e no 6dio, e apenas uma visao do

jl,('IJiO, qu e ja n ao e Arqui lo co , pore111 0 genic un ive rs al, e

r Iui nu: ximbolicamcntc seu sofrimento primigcnio naquc-

I,' SH 11 i Ie do homem Arquiloco: ao passo que a que le ho m ern

,\rqllilu('() que deseja e quer subjetivamcntc 11aO pode jamais

(' (' I n p~l t l.' ~tlglln1aser pacta, Mas ncrn e . de modo algum nc-

L 4·5]

7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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1~R I E 'D l:t .I . c: ,1-1 :'1 I F~ ' " 1 1 Z S C 1.1 E \_ ,. .. .. _ . , 1 I' -1 I ~ N ".'..(,-,) N.l S (... , JL Y -

-A T l~ ,A, (_i I~) I A

cessario que 0Iirico vcja diante de si apenas 0fcnorncno do

h or ne m A rq ui lo c o como reflexo do etcrno Scr: e a t ra g ed i a

demonstra a te que ponto 0univcrso vis io na rio d o pacta l fri -

co pode distanciar-se desse fcnomcno que c de fato 0 que

lhc esta mais proximo.

SCHOPENHAUER,

que nao ocultou a dificuldade oferecidapelo Iirico para 0exame filos6fico da a r t e , julgou te r desco-

bcrto uma saida, m as eu nao posso a co r npanha - l o nessa sen-

d a , conquanto s6 a eIe, em su a profunda metaffsica da mus i -

ca, foi dado ter em maos 0meio pelo qual 0 referido obice

pode r i a ser definitivamente removido, au se j a , ta l como eu,

segundo 0seu e s pir ito e em sua honra, julguei havc-lo feito

aqui. Ao contrario, ele caracteriza a natureza pr6pr ia d a c an -

cao lirica [L ied] do seguinte modo (V<lelt als ,"Ville una Vors-"tellung I, p. 295): "E 0 sujeito da \Tontade, ou seja, 0 pr6-

prio querer, que enche a consciencia do cantante, amiude

como urn guerer liberto e satisfeito (alegria) , com maior fre-

quen cia po re rn c o mo urn querer inibido (lu to ), m a s sempre

como afeto, paixao, agitado estado de alma. Ao Iado disso,

no entanto, e concomitantemente, atravcs do espe taculo da

natureza circundante, 0cantante toma c o n s c i e n c i a de si c o -

mo sujeito do puro conhecer desprovido de vontade, cuja

inabalavel e bem-aventurada calma apresenta-se agora ern

contraste com a impulsao [Drang] do sempre limitado, e to -

davia sempre indigente que re r : 0sentimento desse contras-

te, desse jogo de alternancia, e prop r i amen t e 0que se expri-

me no conjunto d a c an c ao e 0qu e em geral a condicao l i r i caperfaz. Nesta, como que se acerca de n o s 0 conhecer pure

a fim de nos l ibertar do que re r e de s ua impulsao: seguimo-

10; contudo, 56 por alguns instantes: sempre de novo 0que-

rer, a lcmbranca de nossos fins pessoais, nos arranca da se-

rena inspecao; mas tambem sempre de novo nos t i ra d o que-

rer a primeira bela cercania na qual se nos o f e r e c a 0 puro

conhecimento desprovido de von tac l e . POl' isso, na cancao

c na disposicao lfricas andam em maravilhosa c desordena-

da misrura 0 quercr (0interesse pessoal nos fins) e a pura con-

tcmplacao da arnbiencia ofcree ida: relacocs entre ambos sa o

procuradas e imaginadas; a disposicao subjetiva, a a f e c c a o

da vontade, cornunicam a arnbicncia contcmplada suas co-

. . - . . . /\ .. / . . . . . . . . _

nS e rn reflexo c vice-versa: a cancao au tcn t rca e a expressao

t it ' todo esse estado de alma tao rncsclado c dividido ".

Quem podera d cixa r d e rcconhcccr n e s s a dcscricao que

.1 I irica C ai caracterizada COD10 U1l1a a r t e jamais pcrfcitamen-

j (' realizada, como que scmpre ern saIto e raramente chegan-.. /, ~ ..

lj()

ameta.

simcomo uma scml-arte, cuja

essenctaconsisu-

/ )

l · i : 1 ern que 0querer e a pura contcmplacao. isto e , 0 estado

i n.-ste t i co e 0estetico, estivessem estranhamente mis t u r a do s ?

N(~)s ,de nossa pa r t e , a f i r r n amo s antes que toda essa c o n t r a -

I )()s i~~ao do subjetivo e do objctivo, segundo a qual, como

.'.,('fora Ulna medida de valor , m e s m o Schopenhauer ainda

divide as artes, e ern geral inadequada em estetica, uma vez

t pIC 0 sujeito, 0 individuo que quer e que promove os seus

(',l)COPOS egofs t i cos , s6 pode ser pensado C01110 adve rs a r i o e

I L t C ) c om o o rig em da arte. Mas n a medida em que 0 sujeito

(' U111 ar t i s ta , ele ji esta liberto de sua vontade individual e

1 ornou- s e , por assim dizer, urn medium, atravcs do qual 0un i -

t ' () Sujei to verdadeiratuente existente celebra a sua redencao

1 1 ; 1 apa renc i a . Pois acima de tudo , para a nossa degradacao

( ' ( ' xa l tacao ~um a coisa nos deve ficar clara, a de que toda a

{'(»ncdia da arte nao e absolutamente representada por n o s -

. ' ; ; 1 c ausa , pa ra a n os sa melhoria e educacao, tampouco que

:d )!1105 as eferivos criadores desse mundo da a r t e : mas deve-. _ I .

Ill()S s im , por n o s mesrnos, aceitar que nos )a sornos, para

( ) v c rd a d e ir o criador desse mundo, imagens e projccoes ar-

I!.lil icas, e que a n o s s a suprema dignidade terno-la no n05SO

.',jpl1ificado de obra s d e arte pois 56 comojen6meno este-, " I I

I ; '(-U podem a existencia e 0mundo justiJicar-se eternamen-l . I .

I{' -.',c n qua n to , sem d uvid a , a nossa consciencia a rcspeito

( I t ' s sa 110551 significacao mal se distingue da consciencia qu e

1 ('I 1 1, quanta a batalha representada, os guerreiros pintados

('Ill U111a tela. Parran to , todo 0nosso saber a r t i s t i co e no fun-

\ I t ) intciramente i lus6rio, porque nos, como sabedores, nao

It . rm amo s Ulna 56 e identica c o i s a com aquele ser que, na

( 1 1 1 : 11 idade de unico criador e cspectador dessa comcdia da

. 1 1 " 1 c, prcpa ra para si m esm o urn cterno clesfrute. Sorncntc n a

IIH'( t ida em que 0gcnio, no ato da procriacao a r t f s t i ca , se fun-

( 1 (' l'(llll () artista prim o rd ia l d o mundo, C qLIe elc sabe algo

.1 1 "( 'spci to da perene csscncia da artc: po~s naquele cstado

[46J [471

7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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-~

( .. . . I f I) [ A( ) .~ J\ S c: 1 .LvI J~ N rl~ < . . . f) /\ - - I~ I~ A. :f ~

6.

IA corneta magica do mcnino],"? por exernplo, dcscobrira

i n c o n t a v c i s cxcmplos d e como a mclodia incessantcmente

gcraeJora Janca a sua volta centelhas d e i rnagens , as quais"

C111 sua policromia, em sua ahrupta rnudanca, em sua turbu-

Icnta prccipitacao, revclam uma Iorca selvagen1ente estra-

11 ha a aparcncia ep i c a e ao seu tranquilo fluir. Do ponto devista do e p o s , esse rnundo desigual e irregular da l f r i c a deve

sitnplesmente ser condenado: e fo i 0 que, 110 tempo de Ter-

pandro.:" o s solenes rapsodos epicos das festas apolineas

t 'j z e r am I

Na poesia da c a n c a o popular vemos, portanto, a lingua-

gel11 e i l l penhada ao maximo em irnitar a musica. daf come-

(,.':If COlTI _ A . . rqufloeo urn novo universo da poesia, que contra-

t liz 0 hornerico em sua ra iz rnais profunda. Com i550 assina-

l:t1110S a unica relacao possfvel entre poesia e musica, pala-

vr a e som: a pa l av ra , a imagern, 0 conceito buscam urna ex-

1)fCSSaO ana l oga a m us ic a e sofrern a go ra em si mesmos 0 po -(Ier da rnusica Nesse sentido nos e dado distinguir na hist6-

ri a linguistica d o po vo g r e gG duas correntes p ri nc ip ai s, c o n-

j'( irmc a linguagcm imite 0mundo da aparencia e da imagem

ou 0 da musica. Bast a refletir mais profundamente sobre a

(I i fc ren<; a Iinguistica da cor, d a construcao s i n t a t i ca , do m a -

Irrial verbal eI D Homero e Pfndaro, pa ra se compreender a

importancia desse contraste: sim, com isso se torna palpa-

\,clnlente c l a ro que entre Homero e Pindaro por certo sem-

IHe soaram OS orgiasticos flauteios de OliJnpo,49 as quais,

:t i nda a epoca de Ari s to te l c s , em meio a uma musica infinitamente mais desenvolvida, arrastavam a urn cntusiasmo em-

I l l'iagado e que seguramentc, em seu efei to primordial , inci-

I.ir.uu a imitacao todos os meios expressivos dos homens con-

r . -mporancos . Quero Iembrar aqui U111 conhecido fen6meno

{I( 1105S05 d ia s , que s6 pareee chocante a nossa estetica. Um a

(':\pcricncia pela q ua l p as sa m o s sempre de novo e a de c o -

11 H )U l n a s in fo n ia de Beethoven obriga os ouvintes individual-

nuut« a urn discurso imagistico, 0que talvcz OCOlTa tambern

1 )()rqllc Ulna combinacao dos varios universos d e i m ag en s,

('llgl'lHJrada atravcs de uma p e< ;a d e mus i c a , produz urn efe i-

I() Lllll~lstican1cntc va r i egac l o , deveras, c a te m e S1 1 10 c o n tr a-

II i I()rio: cxvrccr c on tra ta is cornbinacocs a sua pobrc cspiri

asscmclhase, miraculosamentc, J cstranha imagcm do con-

to de tadas, que e capaz de revirar os olhos c contcmplar-sc. . .

a 5i mcsma, agora cle e ao 111CSll10 tempo sujeito e o b je t. o ,

ao lTICS1110 tempo paeta, a to r e espcctador

No tocante a Arqufloco, a investigacao erudita descobriu

que fo i eIe quem introduziu a cancao popular [Volksl iedJ na

literatura e que Ihe cabia, por causa deste feito, aquela posi-

cao unica ao lado de Home r o , na aprcciacao geral dos gre-

gos Mas 0 qu e e a cancao popular en1 c o n t r a p o s i c a o a poe

sia epica [epos] totalmente apolfnea? 0 que mals ha de ser

exceto 0perpetuum uestigium [ves t igio perperuo] de Ulna

uniao do apoHneo e do dionisiaco, sua prodigiosa propaga-

cao, que se estende por todos os povos e cresce sernpre COIn

novo s frutos, nos e testemunha de quao forte e esse duploimpulso da natureza, 0 qual d eixo u a rra s d e s i, d e mane i r a

analoga, 0 seu ra s t ro na cancao popular) assim C0I110 os mo-

vimentos orgiasticos de um po-vo sc c te rn i zam er n sua musi-

ca. Sim, deveria ser tambem historicarnente comprovavcl que

todo perfodo produtivo 110 dominic da poesia popular tarn-

bern foi agitado ao maximo por co r ren t e s dionisiacas, que

nos cumpre scrnpre enca ra r C01110 0 substrata e 0 pressuposto

c la c an c ao popular.

A cancao popular, porem, se nos apresenta, antes de mais

nada, C01110 espeIho musical do m un do , c om o melodia pri-

m ige nia , que procura ago ra um a aparencia onirica paralela

e a exprime 11a pocsia. A me Iod i a e portanto 0que ha de pri-

meiro e rnais universal, podenda por i550 suportar mul r ip l a s

objctivacoes, ern mulriplos textos. El a e t amb c r n de lange 0

que ha de mais impor t an t e e nece ssa r ia na apreciacao inge -

nua do povo. De si r n e s r n a , a me l od i a d a a 1 uz a poesia e vo l-

ta a f a ze -I o sempre de novo; e isso e n a d a m ais que xjorma

estrofica'" cia cancao popular nos quer dizcr: f c n o rn c no

que scmprc c o n s i d c r e i com assombro, atc que finalrnente

achei csta explicacao. Oucm cxaminar a luz de tal t co r ia U1 1 1 d

colctanca de can<;()es populares, Des Knaben l¥'ull(/erhorn

[49]

7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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I. 5o ]

() N A SCI M EN- T () 1) A T H._A (_-; F: [J I AI; .R I l~ I_) It T c: H .~.I. E '-J~ Z S (~ 11 E

tuosidade e deixar de ver 0 fcnorncno vcrdadeiramente dig-

no de cxplicacao est! no c a r a t e r dessa cstctica Mas a tc n1es~

Inano caso em que 0 pocta do 50111 tenha falaclo de uma C0111-

posicao em itnagens f igur adas , como ao atribuir a U1 1 1 d s in -

fonia a des igna< ; ; ao de "pastoral" e c ha r n a r a U111afrase de "cc-

na junto ao arroio", a uma outra de "alcgre r eun i a o de C a l T I -poneses", tambcrn se trata apenas de representacoes s im i l i -

formes, nascidas da rnusica e nao porventura dos objetos

imitados pela musica , representacocs que nao nos podem

instruir em aspecto nenhum sobre 0contcudo dionisiaco da

rmisica, sim, que nao t e r n qualquer valor exclusivo em face

d e outras f igur acoes . Devemos agora transportar esse pro -

cesso de uma dcscarga" da r n u s i c a e m imagens para U l n a

massa popular no vigor da juventude, Iinguisncamentc cria-

tiva, a fi m de c hega rmo s a uma ideia de como se origina a

cancao estr6fica popular e de como todo 0 tesouro verbal

e excitado pelo novo principia de imitacao da rnusica

Se nos e lieito, portanto, considerar a poesia linea como

a fulguracao imitadora da r nus i c a em imagens e conceitos,

neste caso podemos agora perguntar como c que aparece

a rnusica no espelho da imagistica e do conceito? Ela apare-

ce como vontade, tomando-se a pal avr a no sentido de Scho -

penhauer, isto e , como contraposicao ao estado de a n im o

estetico, puramente contemplativo, destituido de vontade

Aqui se distingue agora, tao incisivamente quanta possivel

o conceito da essencia do da aparencia: pais e impossivel que

a musica, segundo a sua essencia, seja vontade, ja que ela,como tal, deveria ser completamente banida do dominic da

arte porquanto a vontade e em si 0 inestetico, porem apa-

r c c e como vontade. Com cfcito, a fi m de exp r im i r a sua apa -

rencia em imagen s , 0 lir ico precisa de todos o s transportes

da paixao, desde 0 sussur r a r da propensao a te 0 trovejar do

delirio; sob esse impulso, para falar da mus i c a em s im i le s a po -

lineos, clc passa a compreender a natureza toda e a si pr6-

prio no seio desta apenas como 0eterno querente, cobican

te, anelante. Mas, na medida em que i n tc rpr c ta a musica e rn

tcrrnos de imagcns, ele rnesmo ja repousa na silenciosa cal-

maria da contcrnplacao apolinea, por mais que tudo quanto

con temple a sua volta, pelo medium da mus i c a , esteja em

movimcnto impetuo so e arrebatador. S im , quando elc mes-

mo divisa a si proprio atraves do mcsrno medium, a sua pro-

pria i m a g cm se lh c apresenta em estado de sentimento insa

tisfeito: ° seu pr6prio querer, anelar, gcmer, exultar e paracle c om o U l11simile c om 0 qual interpreta para sl m cs rn o a

musica Tal e0

fen6meno do lfrico: como genio apolineo,in te rpre ra a musics atraves d a imagcm do querer, enquanto

eic pr6prio, totalmente liberto da avidez da vontade, e puro

< .' imaculado olho solar.

Toda essa discussao se prende firmemente ao fato de que

:1 linea depende tanto do espirito da musica, quanta a pr6-

I .ria musica, em su a completa lhmitacao, nao precisa da i m a -

gen1 e do concerto, mas apenas os tolera junto de si. A poe-

s ia do Iinco nao pode exprimir nada que ja nao se encontre,

rom a mais prodigiosa generalidade e onivalidadc, na rnusi-

(':[ que 0 obrigou ao discurso imagistico. Justamente por is-

so e imposs ivc l , com a linguagem, alcancar par completo 0

<imbolismo universal da musica, porque ela se refere simbo-

licamente a contradicao e a dor primordiais no coracao do

l Jno-pr ir rugcnio , simbolizando em consequcncia uma esfera

que es ta acima e antes de toda aparencia, Diante dela, toda

:1 1 i a r en c i a e antes meramente simile: dai por que a lingua-

.r :e1 n, como orgao e simbolo das aparencias, nunca e em pa r -

1(' nenhuma e capaz de volver para fora 0 imo da musica, masI l tT l l1anece sempre, ta o logo se poe a im i ta - l a , apenas em con-

LIto externo com ela, enquanto 0sentido mais profunda da

nu i s i c a nao pode, mesmo com a maior cloquencia I i r i c a , ser

.iproximado de n6s urn passo sequer.

[511

7.

'lcmos agora de reeorrer a ajuda de todos as principios,Irll'sticos a te aqui discutidos, a fim de nos orientarmos no

1 . 1 1 .irinto, pais e a s s im que devemos designar a origem da tra-

.r : l 'f lir! ( ~ - rega. Cr e i o n ao estar afirmando Ul11a enormidadc

tjll:llldo digo que 0problema dessa origem nao foi ate agora

1 1 1 1 L ! S(') vcz seriamcnte levantado c, por isso mesmo, muito

I I I e ·,)()S solucionado, par mais amiude que os farrapos disper-'d 1"1 ( \ ; l t r~ldi\'aoan t iga tenham sido combinatoriamente cos-

7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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_F .l~ I I_~ 1~) l{. 1 c: I-I f'; l I-~ ~l~ Z S c: I-I _I~

turados urn n o outro e depois d e novo clilacerados. Essa t r a -

dicao nos diz COlll inteira nitidez que a tragcriz'a surgiu d o

coro trdgico e que or ig i na r i amcnrc eia er a s6 coro e n a cI a m a is

que c o r o ; da r n o s vern a obrigacao de vel ' esse d ra m a tra gic o

c o m o vcrdadeiro protodrama n o a rn ag o, scm n o s dcixarrnos

contentar de modo algurn com as frases ret6ricas correntes,

que ele, 0 cora, e 0 espectador i d e a l ou que deve rcpresen-

ta r 0povo em face d a regiao principesca d a c en a. Esta ulti-

m a id €ia explicativa, qu e soa tao sublime par a certos politi-

cos C01TIO se a imu t ave l lei mo r a l fosse representada pelos

dcmocraticos atenienses no c o ra po pula r , a o qual sempre as -

s is ti r i a r aza o po r sabre as apaixonados excessos e d e sr e gr a -

m en to s d o s reis , p od e a in da re co m en da r-s e tanto rnais por

urn dito de Arist6teles:51 mas ela nao tern influcncia sabre

a fo rm a ca o o rig in ar ia d a tra ge dia , pais esta excluida d aque -

las fontes primevas puramente r eli gi os as t od a c o nt ra po si ca o

en t r e povo e principe, a s s im c om o em ge ra l qua lque r e s fe r asocio-polfuca, p or er n g os ta ri am o s de t am a r por blas f cmia ,

tambem do ponto de vista da nossa bern conhecida forma

classica do cora em Esquilo e S6focles, falar-se aqui do pres-

sentimento de uma "represcntacao constitucional do povo': J

b} a s f em i a diante da qual outros nao recuaram ..As antigas C0115-

tituicoes p olft ic a s n ao sabcm inpraxi rn a pr a t i c a] de uma re -

p r e s e n t a c a o popular c on st i tuc io na l e e d e se esperar qu e ja -

rn ais a s tenham "prcsscntido " ta m po uc o e ln sua s t ra ge dia s.

Bern mais celebre do que essa explicacao politica do co -

ro e 0 pensarncnto de A. W. Schlegel.>' 0 qual nos aconse-

lha a enca ra r 0 coro, ern certa medida, C01110 a suma e 0 ex-

trato da rnultidao de espectadores, como 0 "especrador

ideal". Es se m od o d e vc r , confrontado CO IT I a qu ela t ra d ic a o

hist6rica segundo a qual a tragcdia foi originariamente ape -

n a s cora, m os tr a lo go s e r ° que d e fa r o e , um a c rua , DaO c i e n -

tffica, porem brilhante assercao, cujo bri lho proveio SOlnen-

te de sua concentrada torrna de expressao, da prcdisposicao

gcnuinarnerue gcrmanica C1n favor de t ud o qu an to e c h am a -

do "ideal", e de nOS50 1l10mentaneo assornbro. I'icamos de

fate assornbrados ta o logo compararnos 0n0550bern conhc-

cido publico teatral de hojc corn aquele coro enos pergun-tarnos se e possivel extrair como idealizacao. a partir desse

[52]

--( ) I~· A S c: I IV I E N T .1 1 < _ . _ ) 1.)./\ ~[. I{ A (_; E 1.) I .A.

Pllbl ico~ algo anilogo ao cora tr.igico. TelTIOSque ncgar en1

,~ilencio ta l possibilidade e sornos l cvado s agora a nos admi

r .rr CO IT I a a ud a c ia da asscrcao schlegel iana, tanto quanta com

;[ natureza totalmcntc divcrsa do publico grego. Pois havia-

I)}OS SC111prcpensado que 0 cspcctador apropriado, F o ss e e le

(Iua l fosse, prec i sa r i a permanecer semprc consciente de que

r.m diante de si uma obra de arte e nao uma realidade empl

rica; ao pas50 qu e 0 c o r o tragico dos gregos e obrigado a re -

«onhecer n as fi gu ra s d o palco existcncias vivas . 0 cora d a s

( )ceanides acredita v e r e fe t iv a m e n te a s ua fr en te 0 tita Pro -

I llc te u e considera a si pr6prio tao real como 0deus na cena.

I ' : sera que 0ma i s e l evado e puro t ipo de espectador e 0que,

q ua l as Oceanides~ 53 considera Prometeu co rporahnen te

I .rc se nte e re al? E seria 0 signa do espectador ideal correr

I lara 0 palco e livrar 0 deus de seus tormentos? N6s havia-

m os acreditado em ur n publico estetico e tinhamos 0espec-

I:ldor i n d i -v idual pOl' tao mais habilitado quanto Inais estivesseI /

«m condi~6es de aceitar a obra de ar te como a r t e , i s to e, es-

ntlcamentc: e agora a expressao de Schlegel nos da a enten-

. lcr que 0 perfeito espectador i d e a l deixa 0mundo da cena

.uuar sobre ele, nao ao modo estetico, mas sim corp6rea, eill-

pi r i c o . "Oh, e s s e s gregos!", suspiravamos n6s. "Eles nos

I .o c m po r terra a n o ss a e s te ti c a !" M as , um a vez acostuma-

( 1 e ) S a is so , vo ltavam os a repetir a sentcnca schlegeliana, scm-~

1 ) rc que 0 coro vinha a baila.Mas aquela t r ad i c ao tao explicita fala aqui contra Schle-

: , ' , l ' ! : 0cora em 5i , scm 0palco, ou seja , a configuracao primi-

I iva da t r aged i a , e aquele cora do espectador ideal nao sao

( 'l impativeis urn CODl 0 outro. Que especie de genero artisti-

( '( ) s e r i a esse que fosse extrafdo do conceito de espectador

r : do qua l se considerasse 0 "espectador em si" c om o a vcr-

(Lldcira forma? 0 espectador sem espctaculo e urn conceito.1 1».urdo. Ten 1en 10S que 0 nascimento da tragedia na o possa

' ,t '[ ' cxplicado nelTI por uma alta estima da inteligcncia moral

II:I m assa n ern pc l a nocao d o espectador scm cspctaculo, c

I('1l10S 0 problen1 :1 por dcmasiado profundo para s c r sequer

j{ )(.::ldo pOl' consideracoes tao supcrficia is .

1 1 rn a C0111preenS30 mn n i r am c n t c mais valiosa do s ign i fi -t '~lll() do coro ja nos fora revelada par Schiller no farnoso

t

[531

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FRIEDRICH NIETZSCHEJ.

() N A SCI MEN T 0 D A T RAG E D I A

[54]

sus e sob a sancao do mito e do culto. Que c om ele comece

:l tragedia, que de sua boca fale a sabedoria dionisiaca da tra-

gcdia, e para n6s urn fenorneno tao desconcertante como,

ern geral, 0 e a formacao da tragcdia a partir do coro. Talvez

«onquistemos urn pon t o de partida para a nossa indagacao,

sc eu introduzir a afirrnacao de que 0 satiro, esse ser naturalttctfcio, esta para 0hornem civilizado na mesma relacao que

;1 musica dionisfaca esra para a civilizacao. A respeito desta

ultima, diz Richard Wagner que ela e suspensa [aufgeho-

l J e n ] 5 5 pela musica, tal c om o a claridade de um a lampada 0

(-,pela luz do dia. Da mesma maneira, creio eu, 0homem ci-

vilizado grego sente-se suspenso em presenca do cora satiri-

('(); e 0 efeito mais imediato da tragedia dionisiaca e que a

I.stado e a sociedade, sobretudo 0abismo entre urn hornem

r: outro, dao lugar a urn superpotente sentimento de unida-

(Ie que reconduz ao coracao da natureza. 0 consolo metaff-

,'~ico com que, como ja indiquei aqui, toda a verdadeira

Iragedia nos deixa de que a vida, no fundo das coisas, ape-

' -i :II'- de toda a mudanca das aparencias fenomenais, e indes-j rutivelmente poderosa e cheia de alegria, esse consolo apa-

/ ~ .["('ce com n i t i d ez corporea como cora satmco, como cora

( I t , seres naturais, que vivem, par assim dizer indestrutfveis,

I ) ( ) r tras de toda civilizacao, e que, a despeito de toda mu-

.l.mca de geracoes e das vicissitudes da hist6ria dos povos,

1 «rmanccem perenemente os mesmos.

E nesse cora que se reeonforta 0helena com 0 s eu pro-

1IIIlua sentido das coisas, tao singularmente apto ao mais ter-Ih) C ao mais pesado sofrimento, ele que mirou com olhar

('(»tante bern no meio da terrfvel acao destrutiva da assim

l'Il;ttnada hist6ria universal, a s s im como da crueldade da na-

1 1 1 rcza, e que corre a perigo de ansiar por uma negacao bu-

dist~1 do querer. Ele e salvo pela arte, e atraves da arte salva-

~1( n c : le a vida.

() cxtasc do estado dionisiaco, com sua aniquilacao das

II:d l~lisbarreiras e limites da existencia, contem, enquanto du-

1.1, um clemente tetargico no qual imerge toda vivencia pes-

' , , ) ' 1 1 do passado. Ass im se s ep a r am urn do outro, atraves des-

',(' .ibismo do esquecimento, 0mundo da realidade cotidia-

ILl (' () (1:1dionisfaca. M as tao logo a realidade cotidiana torna

prefacio a Noiua deMessina, onde a cora e vista como um a .

muralha viva que a tragedia estende a sua volta a fim d e is ola r-

se do mundo real e de salvaguardar para si 0seu chao idea]e a sua liberdade poctica,

Schiller luta com essa sua arma principal contra 0 con-

ceito cornum do natural, contra a ilusao ordinariamente ext-gida na poesia dramatica. Enquanto 0 pr6prio dia e no tea-tro apenas artificial, a arquitetura somente simb6Iica e a lin-

"' " .guagem metrica apresenta urn carater ideal, continua reinando

o engano no todo. nao basta que se tolere apenas como sim-

ples liberdade poetica 0que constitui, afinal, a essencia de

toda a poesia. A introducao do coro e 0passo decisivo pclo

qual se declara aberta e lealmente guerra a todo e qualquer

naturalismo na arte. E a tal espccie de considera<;ao, quer

m e pareeer, que nossa epoca, que se julga tao superior, apl i -

c a 0d e s d enho so chavao d e "pseudo-idealismo". Receio qu e

no s , em contrapartida, com nossa atual veneracao pelo na-tural e pelo real, tenhamos chegado, nesse sentido, ao p6lo

oposto de todo idealismo, isto e , a rcgiao des museus de fi -

guras de c e r a . Sem duvida, tarnbem nelas existe uma arte ,como em certos romances da atualidade, tao apreciados; mas

que nao venham nos importunar com a pretensao de que es-

teja superado, com essa arte, 0 "pseudo-ideaIismo" de Goe-the e Schill e r .

Trata-se par certo de urn terreno "ideal" sabre 0 qual,

e segundo a justa compreensao de Schiller, ° cora satirico

grego, 0 cora da tragedia primitiva, costumava perambular

urn terreno que se elevava muito acima das sendas reais

do pe rambu la r dos mortais. 0 gregG construiu para esse co-

ro a a r rn a c ao suspensa de urn fingido estado natural e colo-

cou nela fingidos seres naturais, Sobre tais fundamentos a,tragcdia cresceu muito e, na verdade, par causa disso, ficou

desde 0corneco desobrigada de efetuar uma penosa retrata-

c ; a o servil da realidade. No entanto, nao se trata de urn mun-

do arbitrariamente inserido pela fantasia entre 0 ceu e a ter-

ra; mas, antes, de urn mundo dotado da mesma realidade e

credibilidade que 0Olimpo, com os seus habitantes, possuia

para os helenos crentes. 0 satiro, enquanto coreuta>' dio-nisiaeo, vive n um a realidade reconheeida em termos religio-

[55]

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I

a ingressar n a consciencia. ela e sentida COll10 ta l COIn n au- .

sea; uma disposicao ascetica~ ncgadora da vontade, e 0 fruto

de tais es t ados . Nesse sentido, 0 horncm dionisiaco se asse-

m elha a Ham le t: am bo s lan c a ram a lgum a vez urn o lha r vcr

dadeiro a essencia das co i s a s , ambos passaram a conbecer e

a ambos enoja atuar: pais sua atuacao nao pode modificar

em na d a a e te rn a e ss c n c ia das coisas. e e les sentem c om o a 1 -

go ridiculo e humilhante ,que se Ihes exija endireitar de no-

vo 0mundo que esta desconjuntado. 0 conhecimento ma t a

a atuacao, para atuar e preciso e s ta r velada pela ilusao ta l

e 0cnsinamcnto de HaD11et e nao aquela sabedoria barata de

joao, 0Sonhador, que devido ao excesso de rcflexao, como

se fosse por causa de um a demasia de possibilidades, nunea

chega a acao , 1 1 a O e 0 refletir, nao, 111as e 0 verdadeiro co-

nhecimento, 0relance interior na horrenda verdade, que s o -

brepesa todo c qualquer 1110ti\To que po s s a impclir a atuacao,

quer ClIl Haml e r (Iuer no homern dionisfaco. Agora nao hamais consolo qtte adiante, 0 anelo val alcm de UJn mundo

apos a Dlor te, a le rn d o s pr6prios dellscs; a existencia, corn

sell rcflcxo resplendente nos dcuses ou em urn alcm-mundo

irnonal. e denegada. Na consciencia da verdade U111a vez C011-

t en lp l a c l a , 0 h0111enl v c agora , por toda parte, apcnas 0 as-

pccto horroroso e absurdo do SCI, agora clc cornprecndc 0

que h~ide sirnb6lico no dcstino de Ofelia, agora reconhcce

a sabecloria do deus dos bosques, Sileno: iS50 0 enoja.

Aqui, neste supremo perigo da vontade, aproxima-se, qual

fc it ic ci ra d a s a lvac ao e da eura , a arte, s6 e Ia te rn 0poder de

transformar aqueles pensalnentos enojados sobre 0horror e

o absurdo da existencia ern rcpreseruacocs com as quais e pos-

sivcl viver. s ao elas 0sublime, enquanto domesticacao artisti-

ca do horrivcl, e 0comico, enquanto descarga artfstica da nau-

sea do absurdo. 0 cora satfrico do ditirambo e 0ato salvadorda arte grega; no mundo intermcdio desses acompanhantes

dionisiacos esgotanl-se aqueles acessos ha pouco descritos.

8.

Tanto0

s a t i ro quanta0

pas to r idflico de nossos temposlTIodernos sao ambos produtos de LUll anseio voltado para 0

t

lvl I~~~ '-!' ( ) ] _) j\_ ~11 l~. A ("~i .I~: I.) I A) N A S c: I

I lri 111CVO e 0 natural; mas corn que ga r ra desten~ida e firnlc

1 :1 () grego pegar 0 seu homcm dos bosques e quao enverg~-

nliado e frouxo brinca 0 horncm de hoje C01n a imagern li-

, ', ( > 1 1 jc ira d e urn te rn o, flauteante e sensivel pastol~! A nature-

1,;1, na qual ainda nao laborava nenhum conheCl~ne~to, n a

IIll~tlos ferrolhos da cultura ainda continuava~ invioladoscis 0 que 0 grego via no seu s a t i re , que por 1550 rnesrno

ILtt) coincidia ainda c o r n 0D1aCaCQ .A o c o n tr ar io , era a proto-

iiu.tuem do hornern, a expressao de suas mais altas e mais for-

I( 'S cmocoes, enquanto exaltado entusiasta que a proximida-

t i t ' do deus exrasia, enquanto companhciro compadecente

110 qual se repete 0 padecitnento do deus , enquanto anun-

ti:tdor da sabedoria que sai do seio mais profunda da natu-

Ic z a , enquanto simbolo da orupotencia sexual da natureza,

(pIC0grego esta acostumado a considerar corn l~everen.te as-

'd»nbro. 0 sa t i re era algo sublime e divino: aSS1Jl1 dcvia pa-

r ('ccr em especial ao olhar dolorosal llen tc alquehrado d~)ho-

mcrn clionisfaco. El c ficaria ofendido corn 0 110550 enfcitado

(. Ialso pastor: SUd vista passeava C0111 sublime satisfacao so-

I lrc OS tracos grandiosos d a n ature za , a in da nao vclados n e r n

.1 1 rofiados; a qui a i lusao c la cul tura fo ra apagada d a pro to -

uuagcrn do homcm, aqui se dcsvelava 0 verdadeiro .hon l e lTI ,

I) sa.tiro barbudo, que jubilava perantc seu deus. I)la~ltede-

1(1 0 homC111 civilizado se reduzia a nlentirosa caricatura.

~l( 'hiller tern razao tambern enl rclacao a estes infcios da arte

I r.iuica: 0 coro e luna muralha viva c o n tra a realidade assal-~ . / .

L!llte, porque ele 0 coro de satires retrata a existcncia~ 1 ( ' mancira mais vcraz , mais real, r n a i s cornplcta do que 0

II ( »ncm civilizado, que comumente julga ser a unica realida-

Ih' .A esfera da poesia nao se encontra fora do mundo, qual

1:llltistica impossibil idade de urn cercbro de poeta: ela quer

',('I' cxatamente 0oposto, a indisfarcada expressao da verda-

( 1 ( ' , c precisa, justamente por i s s o , despir-se do atavic men-

ILIZ daquela pretensa realidade do homern civilizado. 0c~n-

I r:lstc entre essa aut cn t i c a verdadc da naturezae a mcntira

II;I «ivilizacao a portar-se como a unica realidade e .parecid?

.11) que existe entre 0 eterno cerne das coisas, a coisa em S ! ,r : ( ) conjunto do mundo fenornenal: e assim com~ a trage-(Ii;l, COlD 0 seu consolo mctatisico, aponta para a vida perc-

[571

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FRIEDRICH NIETZSCHE

I

ne daquele cerne da existencia, apesar da incessante destrui-

cao das aparencias, do mesmo modo 0simbolismo do coro./. . ~ .. / .

saurico Ja expnme em urn sfrnile a relacao primordial entre

coisa em sl e fenomeno. Aquele idilico pastor do homem mo-

derno e apenas uma replica da suma das ilus6es culturais que

para este ultimo valem como natureza; 0 grego dionisiaco,ele, quer a verdade e a natureza em sua maxima forca ele

ve a si me smo encantado em satire.

Sob 0 efeito de tais disposicoes de animo e cognicoes

exulta a turba entusiasmada dos servidores de Dionisio; e 0

poder dessas disposicocs e cognicoes as transforma diante

de seus pr6prios olhos, de modo que veem a si mesmos co-

mo se fossern genies da natureza restaurados, como satires.

A constituicao ulterior do coro da tragedia e a imitacao artis-

tica desse fenorneno natural; nela foi entao realmente neces-

saria proceder a uma separacao dos espectadores dionisia-

cos e dos encantados scrvidores dionisiacos. Mas cumpre ter

sempre presente no espirito que a publico da tragedia atica

reencontrava a si mesmo no coro da orquestra'v e que, no

fundo, nao se dava ncnhurna contraposicao entre publico e

coro: pois tudo era somente urn grande e sublime cora de

satiros bailando e cantando au daqueles que se faziam repre-

sentar atraves desses satiros. A sentenca de Schlegel deve aqui

se nos descerrar num sentido mais profunda. 0cora e a "es-pectador [Zuscbauer] ideal", na medida em que e 0 unico

vedor [Schauer) ,57 0 vedor do mundo visionario da cena.

Urn publico de espectadores, tal como n6s 0 conhecemos ,era desconhecido aos gregos: em seus teatros era possivel a

cada urn, g r a c a s ao fato de que a construcao em terrace do

espaco reservado aos espectadores se erguia em arcos con-

centricos, sob re u e r ' " com inteira propriedade 0conjunto do

mundo cultural a sua volta e, na saciada contemplacao do

que se the apresentava a vista, imaginar-se a si mesrno como

urn coreuta. Desse ponto de vista, devemos considerar 0co-

ro, na sua fase primitiva de prototragedia, como 0 auto-

espelhamento do pr6prio hornem dionislaco. fen6meno

[Phanomen] que se torna da maior nitidez no processo do

ator que, se dotado de verdadeiro talento, ve pairar diante

dos olhos, tao pcrceptfvel como se pudesse pega-la, a ima-

[58]

t

o NASCIMENTO DA '1~RAG:EDIA

gem do papel a representar. 0 cora satirico e , acima de tu-

do, uma visao tida pela massa dionisiaca, assim como, por

outrolado, 0mundo do palco e uma visao t ida por esse co-ra de sat ires: a forca dessa visao e bastante vigorosa para dei-

xar insensivcl e embotado 0olhar ante a imprcssao de "rea-

lidade", ante as circulos sucessivos de homens civilizadosinstalados nas fi leiras de assentos. A forma do teatro grego

lernbra urn solitario vale montanhoso: a arquitetura da cena

surge como uma luminosa configuracao de nuvens que as ba-

cantes a enxamear pelos montes avistam das al turas, qual mol-

dura gloriosa em cujo meio a imagem de Dionisio se lhes

r evel a .

Esse fenomeno artistico primordial, que trazemos aqui adiscussao a fim de explicar 0 coro da tragedia, e , dadas as

nossas concepcoes eruditas sabre tal processo artistico cle-

mentar, quase escandaloso; no entanto, nao pode haver na-

da mais inegavel, 0 poeta s6 e poeta porque se ve cercadode figuras que vivem e atuam diante dele e em cujo ser mais

intima seu olhar penetra. Por uma fraqueza peculiar de nos-

sa capacidade moderna, tendemos a complicar 0protofeno-

mcno estetico e a representa-lo de maneira muito complica-

(Ia e abstrata. A metafora e para 0 autentico pocta nao uma

tigura de ret6rica, porern uma imagem substitutiva, que pai-

fa a sua frente em lugar realmente de urn conceito. 0 cara-

re t , para ele, nao e uma reuniao de traces individuais, que

Ioram procurados para compor ur n todo, m as uma pessoa

insistentemcnte viva, perante seus olhos, que se distingue davisao similar do pintor pelo fato de continuar a viver e a agir.

I ()1' que s e pode dizer que Romero descreve as coisas de rna-

u.ira tao mais visual do que todos os poetas? Porque ele as

v isual i za tanto mais. No s falamos da poesia de urn modo tao

. rhstra to porque todos nos costumamos ser maus poetas. No

tundo, 0fen6meno estctico e simples; se se tern apenas a fa-

t '{ ildadc de ver incessantemente urn jogo vivo e de viver con-

t ili u amen t e rodeado de hostes de espfritos, e-se poeta; se a

)~(,Iltc sente apenas 0 impulso de metamorfosear-se e pa s s a r

.1 I.rl.u de dentro de outros corpos e almas, e-se dramaturgo.

A cxcitacao dionisfaca e capaz de comunicar a toda umaruul: id~locssa aptidao artfstica de ver-se cercado por uma tal

[59]

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l (-i(_)]

( ) J~. A. S (~ 1 .l\-j .1~ N ,.. (~ ·I~) A . ~l~ .R .A. (i- J .: .~ ] _~ .I _A .

I

hostc de cspiritos corn a qual cla, mul r idao , sabe uucriormcn

te que C um a 56 coisa. Esse processo d o c o ro t r~ lg ic o C 0pro-

tofcnorncno dramatico. vcrsc a si pr6prio transtormado

d ia nrc d e si tnesmo c c nt ao a tua r COll10 se n a r c a l idade a p es -

soa rivcssc entrada ern outro corpo, ern outra pcrsonagcrn

Tal p r o c e s s o ja se c olo ca n o pr6pr io infcio do dcscnvolvi-

rnenro do d r am a . Aqui ha alga qu e difere do rapsodo, 0qual

n ao se c on fun de COIll as s ua s imag e n s , 111a5 que, semelhante

ao pintor, as v e fora de si, corn olhar escrutante; aqui ja se

trata de Ulna renuncia do i n d iv iduo atravcs do ingresso em

um a natureza estranha. E n a verdade t al r cn o m en o se aprc-

senta e m forma epidemica. toda luna multidao sente-se des-

s a r n an e ir a enfciticada. 0 ditirarnbo distingue-se por i550 d e

qualquer outro canto coral. As virgens que, COIn ramos de

loureiro na mao, se dirigem soIenemente ao templo de Apo-

10 e, no cnsejo, entoam canticos p ro c es si on sr to s. c o nt in ua m

sendo 0 que s a o e conservam os seus nomes civis: 0 coraditirarnbico e urn coro de transformados, para quem 0pas-

sado civil, a posicao social cstao inteiramente esquecidos;

tornaram-se os servidores i n te l npo r a i s de seu deus. v iven d o

fora do tempo e fora de todas a s esfcras soc i a l s . Toda e qual-

quer out ra I i r i c a coral dos helenos e apenas uma extraordi-

na r i a intensificacao do solista apolineo, ao passo que no di-

t i r ambo se ergue diante de n6s uma comunidade de atores

inconscientes que se encararn reciprocameme como t r ans -rnudados.

o cncantarnento e 0pressuposto de to d a a arte d r ama t i -

ca. Nesse encantamento 0entusiasta dionisfaco se ve a s i mes-~ ... , . . . .

1110 como s au ro e como satiro p o r sua vez contempia 0deus,~ / _

i s to e, em sua metan1orfose ele v e fo ra de si Ulna nova visao.)

que e a u l t ima c ao apolfnea de sua coridicao I Com essa nova

visao 0 drama es ta cornpleto.

No s termos dcssc entcndimento devemos cornpreender

a iragcdia grega como sendo 0 cora dionisiaco a descarre-

gar-se sempre de novo ern urn mundo de i m _ a g e n s a p o 1 in c o .

Aquelas partes corais COIn que a t ra gc c li a e st a cntrancada s a o )

e rn certa medida, 0seio materno de todo a s s im charnado d ia -

logo, quer dizcr, do mundo cenico inteiro: do vcrdadciro dr a -

ma. Esse substrata da tragcdia irradia, e rn vanas descargas

consccutivas, a visao do drama, que e no todo umaaparicao

de sonho c, ncssa mcdida, uma natureza cpica, mas que, de

outro la do , c om o objctivacao de cstados dionisiacos, r epr e-

scnta nao a redencao apoifnea na aparcncia, porcm, ao con-

t rario, 0qucbrantarncnto do individuo e sua unificacao com

() Ser primordial. Por conseguinte, ° drama e a encarnacao

. rpo l i nca d e c o gr uc o cs e efeitos dionisfacos, estando dessa m a-

nc i r a separado do e p o s por ur n enorme abismo.

o coro da tragedia g reg a , 0 sfrnbolo do conjunto da mul-

t idao dionisiacamente excitada, encontra nesta nossa inter-

I .rctacao uma cxplicacao c o mple ta . En quan to n 6s antes, ha -

I . i tuado s a po s i c ao d o cora n o palco moderno, especialmente

:1 d e um c o ra d e o pe r a , nem sequer po d f amo s conceber eo-

mo e s s e c o r a d o s gregos havia de ser mais antigo, mais ori-

ginal e a te ma i s impo r t an t e d o qu e a " a c ao ' '59 p r o p r i amen -

Ie dita como nos transmitia com tanta clareza a tradicao

-, enquanto n6s antes nao podiamos, por outro lado, con-« il ia r e s sa suma importancia e esse carater primordial de que

Ii os fa la 0 testernunho transmitido pelo fato de 0cora tc r si-

llo composto apen a s de s e r e s servis e baixos, s i m , de inicio

. ipenas d e s at ir os e a pr in o s, e n qu an to para nos, antes, a or-

ques t r a diante d a cena sempre pe rman e c i a urn enigma, ago-

ra c h e g amo s a c omp r e e n d e r que a cena, junto com a acao,

(Tam pensadas no fundo e originalmente apenas como uisao,

que a unica "realidade" e at precisamente 0cora, 0qual ge-

1 ' : 1 a par t i r de si rnesmo a visao e fala dela c om todo a simbo-

I iSt110 da danca, da rnusica e da palavra. Esse cora contern-

I )ia em sua visao 0seu senhor e mestre Dionisio e e po r iS50

('tcrnamente 0 cora servente: ele ve como este, 0 deus, pa-

I e e e e se glorifica, e por i5S0 ele pr6prio nao atua. Nes s a

I )( ) s i < ; ; a o de absoluto servimento em faee do deus, 0 cora epois, I i te ra lm en te , a mais alta exprcssao d a natureza e pro-

r('n~,como esta, em seu entusiasmo, s en t en c a s de oraculo e

I (' sabedoria; como compadecente ele e ao mesmo tempo

I) sabio que, do coracao do mundo, enuncia a vcrdade. As-

.'lilll surge aquc l a figura fantastica e aparentemente tao escan-

( I: i l l>sado sabio e c ntu si as ti co s ati ro , que c concomitantemen-

1 ('II ()

h0111en1 simples" em c on t r apos i c ao ao deus: imagern(.r.tlcxo da natureza em seus impulses mais fortes, ate mcs-

[61]

~

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[62]

FRIEDRICH NIETZSCHE .) N' A SCI MEN T 0 D A T RAG E D I A

rna sfmbolo desta e simultaneamente pregoeiro de sua sabe-

doria e arte musico, poeta, dancarino, visionario, em umaI)hjetiva, nao sao mais "urn mar perene, urn tecer-se c amb i a n -

I(' I urn viver a rd en te " ,60 como e a rnusica do cora, nao saoIILIis aquelas forcas apenas sentidas, mcondcnsaveis em ima-

!',{ 'til, em que 0 cntusiastico servidor de Dionisio pressente

.1 proximidadc do deus: agora lhe falam, a partir da cena, a

I'!;Ircza e a firmeza da configuracao epica, agora Dionisio nao

l.il.: mais atraves de forcas, mas como her6i epico, quase com

.1 linguagcm de Homero.

I

./

so pes s o a .

DIONISIO, 0 efetivo her6i cenico e ponto central da visao,

nao esta, segundo e s s e conhecimento e s egundo a tradicao,

verdadeiramente presen te , a principio, no perfodo mais an-

tigo da tragedia, mas e ap en a s representado como estando

prescnte. quer dizer, originalmente a tragedia e s6 "cora"e nao "drama". Mais tarde se faz a tentativa de mo s t r a r 0d eu s

como real e de apresentar em cena [darstellen], como visi-

vel aos olhos de cada urn, a figura da visao junto com a mol-

dura transfiguradora: com iS50 corneca 0 "drama" no senti-

do mais estrito. Agora 0 cora ditirarnbico reeebe a incum-

bencia de excitar a animo dos ouvintes a te 0 grau diouisia-

co, para que eles, quando 0her6i tragico aparecer no palco,

nao vejam algum informe hornem mascarado, porem uma fi-

gura C01)10 que nascida da visao extasiada deles pr6prios. Ima-ginemos Admeto lembrando em profunda rneditacao a sua

j ovem esposa ha pouco desapar ec id a , Alceste, e consumin-

do-se inteiramente n a sua contemplacao espiritual e como

de subiro Lhee trazido urn vulto parecido, uma figura parcel-

da, de mulher que caminha envolta em veu, imaginemos 0

seu repentino tremor de inquletacao, a sua impetuosa cornpa-

racao, a sua conviccao instintiva ...teremos assim urn analogo

do sentimento com que 0 espectador dionisiacamente exci-

tado via 0deus ingressar na cena, com cujos sofrirnentos ja

se havia identificado. Involuntariamente ele transferia a ima-

gem toda do deus a tremer magicamente diante de sua alma

para aquela figura mascarada, e como que dissolvia sua' reali-. '

dade em uma irrealidade espectral. Eis 0estado apolfneo de

sonho, no qual 0mund o do dia fica velado, e urn novo mun-

do, mais claro, mais compreensiveI, mais comovedor do que

o outro e, no entanto, mais ensornbrecido, em incessante mu-

danca, nasce de novo aos nossos olhos. Por isso distingui-

mos na tragedia uma radical contradicao estilistica: lingua-

gem, cor, mobilidade, dinamica do discurso entram de urn

lado, na lfrica d i o n i s i a c a do cora e, de outro, no onfrico mun -

do apolineo da cena, como esferas completamente distintas. de expressao, As aparencias apolineas, nas quais Dionfsio se

9.

'l'udo 0 que na parte apoHnea da tragedia grega chega

,I :drpcrf ic ic , no dialogo, pareee simples, transparente, belo.

r " · ~ (' s se sentido, 0 dialogo e a imagem e 0 reflexo dos hele-

Il( ):;1 cuja natureza se revela na danca, porque na danca a

II ) [ ' ( . : a maxima e apenas potencial, traindo-sc porem na fle-

\Ihilidade e na exuberancia do movimento. As s im , a lingua-) ' ,1'111 dos her6is sofoclianos nos surpreende tanto par sua

.Ipolfnea precisao e clareza, que temos a impressao de mirar

II I'llndo mais Intimo de seu ser, com certo e sp an t o pelo fa-

I I ~ dc ser tao curto 0 caminho ate e s s e fundo. Se abstrair-

Ill( )S, todavia, do carater do her6i, tal como aparece a su-I I( 'rficie e se torna visivel 0 qual no fundo nada ma i s e',t ' 11:10 uma imagem luminosa lancada sobre uma parede es-

I 1 1 1 ' ; 1 , isto e, uma aparencia de uma ponta a outra , se pene-

11.1n110S bern ma i s no mito que se projeta nesses espelhamen-

II~. ' I lumincsccntes, perceberemos entao, de repente, urn fe-

I II.nuno que tern uma relacao inversa com urn conhecido

II 11( ' ) t l 1eno6pt i co .Quando , numa tentativa energica de fitar

I II' lr.-nte 0Sol, nos desviamos ofusc ados , surgem diante dos

I d II ( )S, como uma especie de remedio, manchas escuras: in-

\ c ' IS ; I I11cn te , as luminosas aparicoes dos her6is de S6focles,

I III<uma, 0 apoHneo da mascara, sao produtos necessaries

.i. 1 1 1 1 1 olhar no que ha de rnais intimo e horroroso na natu-

II' /,1, ('ot110 que manchas luminosas para curar a vista ferida

I"ll noi«:medonha. S6 nesse sen t ido devemos acreditar que~. . ~

, I,IIpr('cndemos corretamente 0 seno e tmportante cancel-

II' d,1 "scrcnojovialidadc grega"; ao passo que, na realida-II, . .ru [odos os caminhos e sendas do presente, encon-

[63]

.-() r-, _ i \ _ S C: 1 ~l l~ N· ')"' () I) 1-\ ~.I~ . 1 1 _ _l\ (~; I~ l_) [ A

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(_)4·]

t ram o-no s c o rn o conce i t o falsamcnte el l tc11Cl icl (~)C:lCSS~l ser(_~-

nojovialidadc, como sc fosse U1D bemestar 1130 amcacado

A mais dolorosa Iigura do palco grego, 0 desven tu rac lo

EDIPO, foi concebida por S6focles (01110 a c r ia tu ra nobrc que,

apesar de sua sabedoria, csta dcstinada ao erro c a mi s c r i a ,

mas que, no fim, por seus trernendos sofrimentos, exerce asua volta urn pod e r magico abencoado, qu e continua a a tu ar

m c s r n o depois d e sua mor t e . A criatura nobre n a o peca, e

o que 0poeta profundo nos quer dizer: por sua atuacao po-

de if abaixo toda e qualquer lei, toda e qualquer o r d cm na-

tural e ate 0mundo moral, mas exatamente par essa atuacao

e tracado urn cfrculo magico superior de efeitos qu e fundam

urn novo mundo sobre as ruinas do velho mundo que foi,. .

derrubado. E 0que 0poeta, na medida en1 que e ao rncsmotempo urn pensador religiose, nos quer dizer: como poe t a ,

ele nos mostra primeiro urn n6 processual prodigiosamenteatado, que 0juiz Ientamente, 1a<;0por la c o, d e sfa z, para a sua

pr6pria perdicao: a autentica alegria helenica por tal desata-

mento dialetico e tao grande que, por esse meio, urn sopro

de serenojovialidade superior se propaga sabre a obra intei-

fa, 0qual apara par toda a parte as pontas dos horrfvcis pres~./

supostos daquele processo. Em Edipo em Colono nos depa-

ramos com essa mesma serenojovialidade, pore rn elevada a

uma transfiguracao infinita: em face do velho, atingido pelo

excesso de desgraca, que, a tudo quanto Ihe advem, e aban-

donado como puro sofredor ergue-se a serenojovialidadesobreterrena, que baixa das esferas divinas enos da a enten~

der que 0 her6i, ern seu comportamento puramente passi-

VO, a lc a n c a a sua suprema atividade, que se estende muito

alcm de sua vida, enquanto que a sua busea e empenho cons-

cientes apenas 0conduziram a passividade. Assim vao-se de-".

satando lentamente, na tabula de Edipo, os n6s processuais

inextrincavelmente enredados aos olhos dos mor t a l s e a

mais profunda alegria humana nos domina diante dessa divi-

na contraparte da dialetica. Sc com essa explanacao fizemos

justica ao poeta, ainda assim se podera scrnprc perguntar secom isso se esgotou 0 conteudo do mito: c aqui sc eviden-

cia que toda a concepcao do poeta nada ma i s e senao aquc la

imagem luminosa que a natureza sancadora nos antcpoc,

_ . . . , .

,II )(~)Surn olhar nosso ao abismo. Edipo, 0 assassino de seu./

1 1; 1 1 , 0 ma r i d o de sua 111a e ,Edipo, 0 dccifrador do e n i gma da

I , >~r inge !0 que nos diz a mistcrlosa triadc dessas acoes f a t a i s?

f I:i um a antiquissirna cren~a popular, pcrsa, sobretudo, s c -

.\.uudo a qual um sabio rnago 56 podia nascer do incesto, 0,/

( J t l C no s , enl relacao a Edipo, 0decifrador do enigma e des-II( )sante de sua m ae ~devemos in t e rp re t a r imediatamcnte n o

' . ( ° 11 t . ido de que 1 a o n d e , por r n c io d as fo rc a s d i vinat6rias e

11Lig icas, foi quebrada 0 sorulcgio do presente e do futuro,

,I I'lgida lei da individuacao e meStno 0 encanto pr6prio da

1 1 : 1 1 ureza, l a deve ter-se antecipado como causa primordial

1 1 1 1 1 : 1 mons truosa transgressao da natureza como e ra ali 0

IIIt«sto, pois como se poderia forcar a natureza a entregar

.,1'{ IS segreclos, senao resistindo-lhe vitoriosamente, Isro e ,

01 1 r:Ivcs do in a tu ra l? Es t e conhecimento eu 0 ve j 0 cunhado

11.1( Ilieia espantosa trfade do destino edipiano: aquele que de~I i 1 ' 1 " : 1 o enigma da natureza essa esfinge biforrne'" -, ele

11]( ',l)!no tern de romper tambcrn, como assassino do pai e es-

II I >,l;() d a 111ae, a s mais sagradas ordens da natureza. Sim, 0 mito

I l,ln'cc q ue re r m u rm u ra r-n o s ao ouvido que a sabedoria, e

J H( " l ' i s amen te a sabedoria dionisiaca, e ur n horror antinatu-

1 . 1 1 , que aque le que par s eu s abe r precipita a natureza n o abis-

III( )da des truicao hi de experimentar tambem em si proprio,I (h : si nt eg ra < ;a o d a natureza. "0 aguilhao da sabedoria se volta

1 1 Jill ra 0 sabio: a sabedoria e um crime contra a natureza":__ ,o 4.

ru.: sao a s t er ri vc ts sentcncas que 0nuto nos gn t a : 0poetaJII'k'nico, porern, toea qua l urn r a io de s o l a sublime e t e rn f -

, . ( - I «oluna mernnonica= do rnito, de modo que este de su-

I III () c orn e c;a a soar e m m elo dia s sofoclianas!

A g16ria da passividade contraponho agora a gl6ria da atl-~

\ I( l.nlc , que 0Prometeu de Esquilo ilumina. Aquilo que 0

1II"11sador Esquilo tinha a qui a nos dizer, aquila qu e ele c o -

IlH Ipocta apenas nos deixou pressentir atraves de sua ima-

' : ' . 1 · 1 IIalcgorica. e 0 que 0 jovcm Goethe soube nos desven-

1 1 . 1 1 ' I la s a r ro j ac la s palavras de s e u Prometeu.

Aqui sentado, [ormo bomens. . . . . . .

/1 minba imagem,

Uma est irj)e que seja igual a mim,

I( -> 5 ]

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[66]

(.) ~ J-.1\_ SCI ?vI l~ ~N rl~ C _) ]J j - \ _ ' " . I ~ J{ A. <; i~~f) I A

Para sofrer, para cborar,

Para gozar, para alegrar-se

1~'ara ndo te respeitar,C~()1110 cut (;3

llio, Capenas uma luminosa imagcm de nuvem e de ceu que

,';(' cs pe lha s obrc ur n lago negro de tristeza. A Ienda de Pro-

Ill( 'teu e possessao original do conjunto da comunidade dos

I J( .vos a r i a s e documento de sua aptidao para 0 tragico pro-

IllllLi.O, s i m , talvez n a o fosse ate inverossimil qu e esse rnito,

, I t' um mo d o inerente, t ivesse para 0 se r ariano a mesma s ig-IIII ' ica<;ao caracterfstica que 0mito do pecado original tern

1,.lel 0 semitico, e que e n tre o s dais mitos exista um grau d e

p.lrcntesco como entre irmao e irma.64 0 pressuposto des-

'j(' mito prometeico e 0valor incalculavcl que 0 hornem in-

~/11110 atribui ao fogo como verdadeiro palad io65 de toda

jllilura n a s c en t e : mas que 0homem reine irrestritamente so-

IIn ()fogo e que 0 receba nao como um a dadiva do Cell , CO~

III!) ra io incendiano au como ardente queimor do Sol, isto

r : ; IIgo que aqueles contemplativos homens primevos pare-

Iilurn s a c r i l c g i o , urn roubo perpetrado c on tr a a n atur eza di-

\' i 1 1 .r . E a s s im 0pr ime i ro problema filos6fico estabelece i n l e -

t h.u.uncnte uma penosa e insoluvcl contradicao en t r e homem

i_It ·US, e a coloca caD10 urn bloco rochoso a porta de cada

t '1 li t ura . 0me1 1 10 r e 0mais ex c e l s o do qu e e dado a humani--I .u lc pa r t i c ipa r , ela 0consegue g ra c a s a urn sacrilegio, e pre-

t i , l ~ ; t agora aceitar de novo as suas consequencias, isto e , to-

t I( ) o caudal de sofrimentos e pes a r e s com que os of en didos

( : (+cs t e s afligem 0 nobre gen e ro humano qu e asp i ra a o as -

t ('11S0: e ur n a spe ro pe ns a men to que , atravcs da dignidade

( II 1(' confere ao sacrilcgio, contrasta estranhamente com ami-

II IsL'tnitico d o pecado original, em que a curiosidade, a ilu-

',.I! ) mcn t i r o s a , a sedutibilidade, a cobica, em suma, uma s e -t Ie ' (I e afcccocs pa r t i c u l a rmen t e femininas sao vi s tas como a

!IIigCl11 do mal. 0 que a representacao ariana distingue e aIll( 'i~lsublime do pecado ativo como a virtude genuinamen-

lr promcteica: com 0que e encontrado ao rnesmo t emp o

t 1 , · ; 1 1 hstrato ctico da tragedia pessimista, como zjustificacao

t I( ) 111:11 humane e, na verdade, tanto da culpa humana quan-

Ij I( I ( ) sofrimcnto por eia causaclo. A desventura n a e ss e nc ia

ILI.'; ('oisas que a contemplativo ariano nao csta propenso

,1 .1 Lista r capciosamcntc , a contradicao no imago do mun -IIt ISl' lhc revela como uma confusao de mundos diversos,

I I( 11 " «xcmplo, de urn mundo divino e ummundo hurnano,

,

.

, ,

o hornern, a l c an do - s c ao titanico, conqu i s t a po r si a su a

cultura e obriga o s deuses a se aliarem a eIe, porque, em su aau t o no rn a sabedor ia , e le te rn n a m a o a existencia e o s limi-

tes desta. 0 mais maravilhoso, po re rn , nesse poema sabre

Prometeu, que por seu pensamento basico constitui 0 pr6-

prio hino da irnpiedade, e 0profundo pendor esquiliano pa-

ra ajustica. 0incomcnsuravcl sofrimento do "indivfduo" au-

daz, de urn Iado, e, de outro, a indigencia divina, s lm , 0pres-

s en t imen t o de urn crepusculo dos deuses, 0poder que com-

pele as dais mundos do sofrimento a rcconciliacao, a unifi-cacao metaffsica - tudo isso lembra, c orn m a xim a forca, 0

ponto central e a proposicao principal da consideracao es-quiliana do mundo, aquela que v e a Moira tronando, como

eterna justica, sabre deuses e homens Dada a e sp an t o s a au-,. ,

dacia com que Esquilo coloca 0mundo olimpico nos pra tos

da balanca da justica, devemos tcr presente que 0heleno pro-

fundo dispunha, em seus Misterios, d e u rn s ub st ra ta inamo-

vivelmente firrne de pensar metafisico e que podia d e s c a r r e -

gar nos Olfmpicos todos a s seus a c e s so s c e t i c o s . 0 a rt is ta g re ~

go, em especial, experimentava com r e spe i t o as divindadcs

ur n obscuro sentimento d e dependencia reciproca e preci-/"

samente no P r om e t e u de Esquilo tal s e n t im e n t o esta s im bo - .

lizado. 0 artista titanico cncontrava em si a crenca atrevida

de que podia eriar seres humanos e, ao menos, an iqu i lar deu-

ses olimpicos: e isso, gracas a sua super ior sabedoria, que ele)

em verdade, foi obrigado a expiar pelo sofrimento e t e rn o .

o magn i f i c o "poder" do grande genio, que rnesmo ao pre-

<;0 do perene sofrimcnto custa barato, 0 aspero orgulho do

artista, eis 0conteudo e a alma da poesia esquiliana, enquan-. . . . -

to Sofoclcs, ern scu Edipo, cntoa, qual urn prcludio, () hino

triunfal do santo. Mas nao c tampouco COD) a intcrpretacao./

dada por Esquilo ao mito que sc rncdc oeste a assombrosa

profundidade de seu terror: 0 prazer de vir-a-scr do artisra

a alegria da criacao artfstica a desafiar todo e qualquer infortu-

i!

I:

.,"

[67]

l -~ R .1 l~ [> l{ r (_~1~1 .N rET Z S C: 1-1 E

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[68]

dos quais cada urn, C01110 individuo, esta ccrto, 11 1as, como

rnundo singular ao lado de outro, tern de sofrer por sua indi-

viduacao. Na her6ica impulsao do singular para 0 geral, na

tentativa de ultrapassar 0encanto da individuacao e de que-

rer ser ele mcsmo a unica essencia do mundo, pade c e ele em

5i a contradicao pr imo rd i a l oculta n a s coisas, i s to e , cometesacrilegio e sofre. A ssim , o s ar i as entendem 0 s acr i leg io CO~

rno homern e os semitas entendern 0 pecado como rnulher,

do mesmo modo que 0 sacrilegio original e perpetrado pelo

homem e 0pecado original pela mulher. De resto, diz 0 co-

ro das bruxas:

'"Ililt', no profundo pendor pa ra a justica antes mencionado, Es -

t II' i I() trai, ao olho penetrantc, a sua descendcncia pa te rn a d e

:\1)( )10,0 d e us d a individuacao e d os limites c ia jusr ica . E as s im

,I li t ipla csscncia do Prome t eu esquiliano, sua natureza a um s6

I('Ill po dionisfaca e apo l f ne a , poderia se r do seguinte modo ex-

liltssa em uma forrnulacao conceitual: "Tudo 0que existe e111.·~1 e in jus to e em am bo s o s casas e i gua lmen t e justificado".

Isso e 0 te u mundol 1550 se chama urn mundolv/

II

10.

IV6s nao tomamos isso tao a r igor:

COIn mil passes a mulber 0 [az,

Mas, p o r mais que ela se ap resse ,

o bomem 0perjaz C011't U1n pula.66

Quem compreende esse cerne interior da lenda de Pro -

meteu -"quer dizer, a necessidade de sacnlegio imposta ao

individuo que aspira ao titanico devera tambern sentir ao

rnesmo t empo 0 nao-apolmeo dessa concepcao pessimista:

pois Apolo quer conduzir os s e res singulares a tranquilidadcprecisamente tracando Iinhas fronteiricas entre eles e lem-

brando sempre de novo, com suas exigencias de autoconhe-

cimento e comedimento, que tais linhas sao as leis mais sa-

gradas do mundo. Mas , para que a fo rm a, n e s sa tendencia

apolinca, nao se congelasse em rigidez e frieza egipcias, para

que no esforco de prescrever a s ondas s ingula res 0 s eu cur-

so e 0 seu ambito nao fosse extinto 0movimento do lago

inteiro, de tempo em tempo a ma r e alta do d io ni sfa co to rn a

a desfazer todos aqueles pequenos circulos em que a "von-

t a d e " unilateralmente apolfnea procura constranger a hele-

nidade. Essa repentina mare montante do dionisiaco t o m a

cntao sabre 0 seu d o r s a as pequenas vaga s dos individuos,

assim como 0 irmao de Prorneteu, 0 rita Atlas, tomou sobre

o seu dorso a Terra. Esse a fa titanico de ser como que 0Atl a s

de todos o s indivfduos c carrcga-los C01n a larga cspadua ca-

da vez mais alto e cada vez mais longe, e 0 que ha de co-mum entre 0prornctcico e 0dionisiaco 0 Protneteu csqui-

liano e , nessa consideracao, Ulna ma s c a r a dionisiaca, ao passo

,.

r : um a t ra d ic a o incontcstavel que a tragedia grega, e rn sua

1 1 1 . 1 is vetusta configuracao, tinha por objeto apenas as sofri-

IIICtltos de Dionisio, e que por longo tempo 0 unico her6i

~ ( · L ll j (_~ ( ) af existente f o i e x at am e n t e Dionisio. Mas com a m es -

IILl l'crteza c um pre a firm a r que jamais, ate Euripides, deixou

I il( .uis io de ser 0her6i tragico, mas que, ao contrario, todas"

.1'. I 'ig ur as a fa m ad as d o palco g r ego , Prometeu, Ed ipo e a s-

. , 1 1 1 1 por diante J sao tao-somentc mascaras daquele pro-

I l IItT6i, Dionisio. Que por tras de todas essas mascaras se

I ',I'(.nde uma divindadc, eis 0 unico fundamento essencial

1 1 •1 1 ,1 a ta o amiude adrnirada "idealidade' ~tipica daquelas e e -

l, ' 111 ' ( ' . ' 1 figuras. Nao sei quem asseverou que todos os indivi-

( l i l t l,~ «nquanto individuos sao comicos e, portanto, nao tra-

J ' , l t t )s : de onde se deduz que os gregos nao podiam suportar

I III.rhsoluto individuos n a cena t r a gic a. D e fa to , eles pare-

I I III I«r sentido assim, como, a l ia s , aquela distincao e avalia-

i,_.J(, pl .uonica da "ideia" em contraposicao ao "idolo", a re -I Jj t I(1I1,:ao, estava profundamente radicada na natureza hcle-

1 1 1 1 .1 . P ar a q ue possamos, porern, nos s e rv i r da terminologia

IIt I)i:ltjO, dcvcr-se-ia falar mais au rncnos do seguinte modo

11,1 '; ligllras tragicas do palco hclenico. 0 unico Dionisio ver-

I1 . 1 I 1 « i r.uuentc real aparece numa pluralidade de configura-

I t H~.;, t 1: 1 ma s c a r a de um her6i lutador e como que enredado

r t . t : I 1 1 1 ~ ilhas da vontade individual. Pcla maneira como ()deus

II 1 . 1 1 ("t '('n tc fa la e a tua , e le s e assernelha a ur n individuo que

I I 1 ,1 , ;1 1 ula e sofre. e 0 faro de ele aparecer corn tanta preci. - I I It : ni t i(lez epicas e efcito do Apolo oniromante que in t e r -

III (I., I )~tra 0 cora 0sell estado dionisiaco, atravcs daquela apa-

[69]

( ) N· .A. S C J I\ll E N ~r(_) D A r]~. I-. t j\_ G ·E D .I. A

~' R lED l~ I C 1 " · 1 N I .l~ ~.I~ Z S c: H E

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..

rcncia similiformc. Na verdadc, porem aquele hcroi e 0Dio-nisio sofredor, dos :Misterios, aquele deus que cxpcrirncnta

ern si os padecimentos da individuacao, a cujo respcito mi-

tos tnaravilhosos contam que elc, senclo crianca, foi despe-

dacado pelos Titas e que agora, nesse estado, e adorado co-

mo Zagrcus.i" com isso se indica que tal despedacamento,o verdadeiro sofrimento dionisiaco, e como uma transfor-

rnacao em a r, agua, te r r a e fogo, que devernos considerar,

portanto, 0 estado da individuacao, enquanto fante e causa

primordial de todo sofrer, como algo em si rejcitavel. Do 50r-

riso desse Dionisio surgiram os deuses olimpicos: de suas 13.-

grimas, os homens. Nessa cxistencia de deus despcdacado

tern Dionisio a dupIa natureza de urn cruel demonic c r nb ru -

tecido e de urn brando e meigo soberano. A csperanca clos

epoptas''? dirigia-se, po r em , para urn renascimento de Dio-

nisio, que devemos agora conccber, apreensivos, como 0fimda tndividuacao: em honra desse terceiro Dionisio vindouro

ressoava 0 bramante hino de [ubilo dos epoptas. E por essa

simples csperanca espalha-se urn raio de alegria pelo semblan-

te do mundo dilacerado, destrocado em individuos: como

no-Io afigura 0mito atraves da imagem de Demeter imersa

em eterna tristeza, que volta a al egrar - s e pela primeira vez

quando Ihe dizem que podera dar a luz de novo a Dionisio.Nos pontos de vista aduzidos temos ja t o d a s as partes corn-

ponentes de uma profunda e p es si m is ta c o n si de ra c ao do

mundo e ao mcsmo tempo a doutrina misteriosofica da tra-gedta. 0conhecimento basico da unidade de tudo 0que cxis-

te, a consideracao da individuacao como causa primeira do

mal, a arte como a esperanca jubilosa de que possa ser rom-

pido 0feitico da indlviduacao, como prcsscntimcnto de uma

unidade restabelecida.

J a foi sugerido antes que 0 e p o s homerico e a poesia da/ t . I \ .

cultura olimpica, com a qual esta cantou 0 seu propr io can-

tico de vit6ria sobre os terrores da ti tanomaquia.A ..gora, sob

a influcncia preponderante da poesia tragica, os mitos ho-•

mericos voltam a nascer e rnostram ncssa mctcmpsicosc que,entrementes, a cultura olfmpica tambern foi vencida por urna

mundivisao ainda mais profunda. 0 altivo tita Promctcu avi-

sou a seu torturador olfmpico que a sua soberania estava

.nncacada pelo maior dos perigos, a menos que se aliasse a

( 'Ie no devido tempo. Em Esquilo reconheccmos a alianca

(I() atcrrorizado Zeus, temeroso de seu fim, com 0Tita. As~

xim, a antiga era ti tanica e postcriormenrc de novo retirada

(I () T ar ta ro e t r azic l a a luz. A filosofia da natureza nua e selva-

ge't1l contempla os mitos do mundo homerico, que passam

.l.mcando corn 0 semblante desvelado da verdade: eles em-p:ilidecem, tremem d i a n t e dos olhos relampejantes dessa dcu-

, ' 1 : 1 ate que 0poderoso punho do artista dionisiaco os.fo~-

(";1 a entrar no service da nova divindade. A verdade dioni-

:~uca se apossa do domfnio conjunto do mito como simbo-

lismo de s eus conhecimentos e exprime 0 fato, em parte no

«ulto publico da tragedia, em parte nas celcbracoes secret~s

d~IS festividades dramaticas dos Misterios, mas sempre debai-

\() do velho envolt6rio mitico. Qual forca foi essa que liber-. /

t ou Prometeu de seu abutre e transformou 0mito em veicu-

I( ) d a sabedoria dionisfaca? A forca herculea da mu s i c a : e ela(]lIC, chegando na tragedia a sua mais alta lnanife~ta<;;.a~, s:be

uucrprctar 0mito com nova e mais profunda significacao,

(Il' tal modo que ja tivemos antes de caracterizar isso como

;1 mais poderosa faculdade da musica. Pois e 0destine de to-

\ h ) mito arrastar-se pouco a poueo na estreiteza de uma su-

Il( .sta realidade hist6rica e ser tratado por alguma epoca ul-

I .rtor como um fato unico com prctensoes hist6ricas: e as

;'lcgos ja estavam inteiramente em vias de reestampar com

1)(' rspicacia e arbitrio todo 0 seu sonho mitico de juve~tude

('In um a est6ria de [uuentude hist6rico-praglnatica. POlS es-:;;1 C a maneira CQInO as rcligiocs costumam morrer: quando

()s pressupostos miticos de uma religiao passam a ser siste-

.u .u izados . sob os olhos severos e racionais de urn d o gm a -; . ~

I i-mo ortodoxo. como uma suma acabada de eventos histo-~

1 icos, e quando se c om e c a a defender angustiadamente a cre-

.libilidade dos mitos, mas, ao mesmo tempo, a resistir a toda

1 )( )ssibilidade natural de que continuem a viver e a prolif~-

1; Ir. quando, pOl ' conscguinte, 0 sentimento para ~~~l 0 nu-

I() morrc c ern seu Iugar entra a prctcnsao da religiao a ter

iundamentos historicos. Esse mito moribundo e agora cap-1 1 J r.ido pel0 gen io recem-nascido da musica dionisiaca: e ern

• t

'J! LIS maos florcscc cle ma i s uma vez, em cores e 0 01 0 J an l~ I.1 S

[71 1f7()1

_

()N A SCI ,'\1 E N T (") 1) A 'TH- A C; iiD I A

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a p r c s c n t a r a , com ur n a ro m a que excita 0prcsscntimcnto n05-

t a lg ico de urn mundo metaffsico. Ap6s es sa ul t ima f l o r c s c cn -

cia, dcsrnorona, suas flores mur ch a r n , e logo os sard6nicos

Luc i a no s d a Anr igu ida dc apanham a s d e sbo t a d a s e dcvasta

d a s p et al as , arrastadas por todos o s vcntos. Atravc s c la t r agc -

dia 0 rnito chega ao seu m a i s p ro fu nd o conteudo, a sua for-ma mais expressiva; uma vez mais ele se ergue, como urn he-

r6i ferido, e em seus olhos, com derradeiro e poderoso bri-

lho, arde todo 0 excesso de I o r c a , junto com a c a lm a cheia

de sabedoria do moribundo.

o que pretendias tu, sacrflego Eur ip ide s , quando tentas-

te obrigar 0moribundo a pres t a r - t e rnais UD1a vez s c rv i co?

El e morreu sob tuas rnaos bru t a i s : e ago ra precisas d e urn

mito arremedado, mascarado, que, como 0macaco de Her-

cules, 56 saiba cngalanar-se com 0 v elh o fa us to . E a s s im co-

mo0

mito morreu para ti , tarnbern mo r r e u para ti0

genioda rnusica: e mesmo se saqueaste com presas avidas todos

os j a rd ins da rmisica, ainda assim 56 pudeste chegar a uma

arremedada musica mascarada. E porque abandonaste Dio-

nisio, por iS50 Apolo tambern te abandonou: afugenta todas

as paixocs de seu cavil e as conjura em teu c i rculo , afila e

aguca como se deve Ulna d ia le t i ca sofistica para as f a la s de

teus her6is · tambem os teus her6is t ern paix6es arreme-

dadas e mascaradas e proferem apenas falas arremedadas e

mascaradas t

11.

II),l) d e im pa c ic n cia . C orn a 11 10rte c ia tragedia grega, 30con-

II .n i o , s ur gi u Ul11 vazio enorme, por toda pa r t e profundamen-•

II' ,~cntido: ta l COIT10 certa vez acontcccu C0111 marujos gre-

, 1 1 , 1 IS) no tempo de Tiberio, que ouviram em uma ilha solita-

I 1 :1 ( ) brado constemador: "0 grande Pa esta morro!", tam-

1 1 ( ' 1 1 1 ressoava agora como urn doloroso lamento atraves do.uundo he l c n i c o : "A t r agcd ia esti morta!". Com ela perdeu-

',(' ~lpropria poesia! Fora, fora, idevos, raquiticas e definha-

dt)S cpfgonos! Ide para 0 Hades, para que ia possais saciar-\ I}S ao menos com as migalhas dos antigos mestrcsl

A

[V ia squa nd o, a pe sa r d e tudo, desabrochou urn n o vo ge -

Ill'ro, que reverenciava na tragedia a sua predecessora e mes-

I r.i. houve que perceber entao corn pavor que ela apresenta-

\'.1 rcalmcntc as traces de sua mae, porern aqueles que esta,

~IIsua longa luta com a morte, mostrara. Essa luta com a

lilt .rtc da t r agedia foi travada por EURIPEDEs; aquele genero1.1)'( lio de arte e conhecido como nova comedia atica.l" Ne -

L l ('( .n t in uo u a vive r a figura degenerada d a tragedia, urn m o-

1 1 1 1 1 n c n t o a seu penoso e violento passamento.

Ncsse contexto e compreensfvel a apaixonada inclinacao

IIlll' os poetas da Nova Comedia sentiam por Euripides; ta~-

I()qu e n ao mais es t ranha 0 desejo de Filemon, que gostana

Ih ,~cr imediatamente enforcado a fim de visitar Euripides no

ILtics: desde que pudesse estar de algum modo persuadido

I1 (' qu e 0 extinto t ambe r n agora continuava de posse de seu

I III

cnciimento. Se se quiser, porcm, com toda a brevidade,I ~(111 a pr e t c n s a o de dizer algo exaustivo, caracterizar aqui-

I~I([lie Euripides t inha em C01TIUm c om Men an d ro e Filemon

I I) (lllC exercia sobre eles urn efeito ta o excitantemente exem-

1 , [ . 1 r I Ixis t a r a dizer que 0 espectador f01 l evado por Euripides

-I I'('Il~l. Quem tiver compreendido de que materia as trage-

1 II { }~"J , r a fos rome t e icos anteriores a Euripides fo r rnavam os

' , I - l l , ' - ) hcrois e quao longe deles estava 0 prop6sito de trazer

.1 I"j ' 11 :1 a mascara ficl da realidadc, tal pessoa tambcm cs t a ra

I ',I "I:lrccida sobre a tcndcncia intciramente divcrgcnte de Eu -

III li( I('s, Por seu intcnncdio, 0homcrn da vida cotidiana dei-

-,I H I () .lmbito dos cspectadores c abriu caminho ate 0palco,

I I ('~'l ) ( " 1 1 1 0 , em que antes apenas as tracos gran d e s c audazes

I 1 1 i ' j ' , :1 v.nn a cxp r c s s a o , mo s t r o u agora aquela ciesagradavel

A tragedia grega sucumbiu dt.' man e i r a diversa da d e to-

das as outras especies de arte, suas irrnas mais velhas: mor-

reu por suicfdio, em conscquencia de urn conflito insoluvel,

portanto tragicamente, ao passo que todas as outras expira-

ram em i d a d e avancada, com a rnais bela e t r anqu i l a marte.

Se de fato corresponde a urn feliz estado natural separar-se

da vida com Ulna bela dcscendencia e sc m qualquer cspas-

n10 , entao 0 f ir n c l a qu e la s especics d e a rte m ais a n t i ga s n o s

mostra sernelhanre cstado na tu ra l feliz: elas atundarn lenta~

mente e diante de seus olharcs moribundos ja sc erguem os

seus mais belos rcnovos, que alcarn a cabcca COIn breves ges-

[73J

() NASCIMENTC) DA TRAGEDIA

FRIEDRICH NIETZSCHE

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cxatidao que tambern reproduz conscienciosamente a s linhas

mal tracadas na natureza. Odisseu, 0helena tipico da arte an-

tiga, vai agora baixando sob as rnaos dos novos poetas, ate

a figura do graeculus," que doravante, como escravo do-

mestico, bonachao e espertalhao, esta no centro do interes-

se dramatico, 0 merito que Euripides atribui a si mesmo em

,A s ras ar i s to fanescas , 0de tc r libertado com os seus r cm e -

dios caseiros a arte t rag i ca da pompo s a obesidade, isto e al-

go que se pode perceber acima de tudo em seus herois t rag i -

cos. No essencial, 0 cspectador via e ouvia agora 0 seu du~

plo no palco euripidiano e alegrava-se com 0fato de que sou-

besse falar ta o bema Mas 0 caso nao ficou somente nessa ale-

gria: cada pessoa por s i s6 aprendeu a exprimir-se com Eurt-./

pides e, ao competir com Esquilo no concurso, ele pr6prio

se gaba de que agora, por seu intermedio, 0povo aprendeu

a observar, a discutir e a tirar consequencias, segundo as re-g.'as da arte e corn as mais matreiras sofisticacoes. Gracas a

essa transforrnacao da linguagem publica, ele tornou possi-

vel, no todo, a comedia nova. Pais de ora em diante nao exls-

tiu mais segredo nenhum de como e com que sentencas 0

cotidiano podia represcntar-sc no palco. A mediocridade bur-

guesa, sobre a qual Euripides edificou todas as suas esperan-

cas politicas, tomou agora a palavra, quando ate ali 0 semi-

deus na tragedia e 0satire bebado au 0 serni-homem na co-

media haviam determinado 0carater da linguagem. E assim

a Euripides aristofanesco realca em louvor pr6prio 0fato detcr representado a vida e a atividade comuns, de todos co-

nhecidas, diarias, sobre as quais todo 0mundo esti capaci-

tado a dar opiniao. Se agora a massa inteira filosofa, adminis-

tra suas terras e bens e conduz seus processos corn inaudita

sagacidade, isso, diz Euripides, constitui mcrito seu e efcito

da sabedoria por ele inoculada no pavo.

A uma rnultidao desse modo preparada e esclarecida po-

dia agora dirigir-se a nova comedia, para a qual Euripides se

tornou em certa medida 0maestro do coro: 56 que dessa vez

era 0 cora de espectadores que precisava ser ensaiado. Taologo ele foi ensaiado a cantar na tonalidade euripidiana, SUf-

giu aquele genera de espetaculo de tipo enxadristico, a co-

media nova, com 0 seu constante triunfo da esperteza e da

IIulicia. Euripides porern - 0maestro do cora era inces-

: , . 1 1 ucmente louvado: s im , a s pessoas teriam se matado 56 para

.1 1 JI'cnder dele mais ainda, se nao se soubesse que os poetas

j I .uncos estavam tao mortos quan ta a tragedia. C om ela , en-t / •

!ur.mto, 0helena havia renunciado a crenca em sua propria

unortalidade, nao s6 a crenca em urn passado ideal, como

.1 .rcnca em urn futuro ideal. A frase do conhecido epitaf~o,

"quando velho, leviano e excentrico" ,72 aplica-se outrossim

.1 Itclenidade senil. 0 instante. 0chiste, a irrcflexao, 0capri-

I IH) s a o suas deidades supremas; 0 quinto estado, 0 do es-

l'r:lVO ou, pelo menos, a sua mentalidade, chega agora ao po-

del'; e se em geral ainda se pode falar da "serenojovialidade

pr('ua" trata-se da serenojovialidade do escravo, que nao sabej I . l " ,

I'< -sponsablllzar-se por nada de grave, nem aspirar a na~a de

\' r.uide nem valorizar nada do passado e do futuro m a rs do

~ ; I l l ' do presente. Essa aparencia da "serenojovialidade gr~-

}',:l" Ioi 0 que antes revoltou as naturezas profundas e tern-

\;(' is dos primeiros quatrocentos anos do cristianismo: a elas,

I~;sa fuga mulheril diantc do que e scrio e a s su s t ad o r , esse

I( .varde deixar-sc contentar com 0gazo confortavel, parecia-

Illl'S nao somente desprezivel, mas a pr6pria disposicao an-

lit Tista. E cabe atribuir a sua mfluencia 0 fato de a visao da

, '\ntiguidade grega subsistente durante seculos reter com te-

I Lit 'idade quase invencfvel aquela cor rosada da serenojovia-

IIt l. rde - como se nunea tivesse existido 0 seculo VI , com

(I ~.jCUnascimento da tragcdia, com os seus Misterios, com 0

:)('ll Pitagoras e com Heraclito, s i m , comb se nunea tivessem[':\istido as obras de ar te da grande epoca, as quais no entan-

j (. - ,_ cada uma par si nao podem exphcar-se de modo al-

\'11111 como se brotadas do solo de uma tal serenojovialidade.., ~

r : (Ie urn tal prazer de viver senis e de natureza servil, apon-

I.uido para uma consideracao do mundo inteiramente outra

j -( )1110 seu fundamento de existencia,

Sc ha pouco se afirmou que Euripides levou 0 especta-

{ I t ) r ao palco, a fim de com isso habihta-lo d e v~rdad~ e p,ela

I .rimeira vez a fazer juizo sabre 0drama, poderia surgir a nn-

I'l('ssao de que a arte tragica mais antiga n ao saiu de uma re~1.1(.::10 desequilibrada com a espectador: e poder-se-ia estar

I ('Iltado a elogiar, como urn progresso sobre S6focles, a tell-

[75]

() N A SCI MEN· '1' C) D A T H. AGE DIAFRIEDRICI-I NIETZSCHE

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[76]

dencia radical de Euripides no sentido de estabelecer uma

re la<;ao adequada en tre o br a de ar te e publico. Mas 0 easo

e qu e 0 "publico" e a pe n a s um a pa lavra e d e m od o a lgum

u m a g ra nd eza homogenca e em s! persistente. De onde vir ia

a o artista a obrigacao de a co m od ar-se a urn poder cuja forca

reside apenas no mimero? E se ele se sente, por seu talentoe por seus desfgnios, superior a cada urn desses espectado-

res i n d iv i dua lmen t e , por que d eve ria s e nt i r m a is re spe ito pela

expressao COllum de todas e s s a s capacidades a ele subordi-

nadas do que pelo espectador i n di vi d ua l r ela ti va m e n te do-

tado ao maximo? Na verdade, nenhum a r t i s t a grego, no cur-

so de uma longa v ida , tratou 0seu publico com maior auda-

cia e auto-suficiencia do que precisamente Eur ipides ; ele que,

mesmo quando a rnultidao se arrojava a seus pes , em subli-

me arrogancia atirava-lhe abertamente ao rosto a sua pr6pria

tcndencia, aquela mesma tendcncia com a qual havia triun-

fado sobre a massa. Se esse genio houvesse alimentado 0ma i s

ligeiro respeito pelo pandernonio do publico, teria SUCUffi-

bide sob as golpes do insucesso multo antes de chegar a me-tade de sua carreira. Diante dessa ponderacao, vemos que

a nossa afirrnacao, segundo a qual Euripides l evou Q espec-

tador ao palco, a fim de torna-lo verdadeiramente apto ao

a ju iz a r ne n t o , era apenas uma a fi rm a c a o p ro vi s6 ri a, e que de-

vemos procurar uma cornpreensao mais pro funda de sua ten-

dencia. Ao inves, e algo conhecido em toda par te que Esqui-

10 e S6focles, durante toda a vida, e por mui t o tempo de-

pais, go z a r am , com plena posse, do favor popular e que, por-

tanto, com re spe i to a esses predecessores de Euripides, nao

s e p o d er ia fa la r d e m od o a lgum d e um a r e l a c a o desequi l ibrada

entre obra de arte e publico. 0 que foi en t aD que impeliu

o artista ricamente dotado e incessantemente movido a cria-cao a desviar-se de maneira tao violenta do caminho sabre

o qual brilhavam 0 sol dos maiores n om e s poeticos e 0 ceu

desanuviado do favor popular? Que singular consideracao pa-

ra com 0 espectador 0 conduziu contra 0 espectador?

Como poeta, Euripides sentia-se - tal e a s o luc ao do enig-

ma ha pouco apresentado muito a c i m a da massa, mas naoacima de dois de seus espectadores: a massa ele a trouxe acena, a esses dais espectadores eIe respeitava como as uni-

('()S juizcs e mestres de toda a sua arte aptos a emitir senten-

l . , -;t; seguindo suas instrucoes e admoestacoes, transportou 0

. nundo todo de sentimentos, paixoes e expe rH~nc i a s , que ate

('Iltao se apresentava no banco dos espectadores como cora

invis ive l em toda r ep re se n ta c ;a o fe st iv a, para a alma de seus

Ilcr6is cenicos: cedeu a suas cxigencias quando procurou,

I»rra esses novos caracteres, tambem nova palavra e novo

Ilm, somente em suas vozes ouvia as sentencas validas so-

I )re suas crtacoes, assim como 0estimulo promissor de vito-

ria, quando se via outra vez condenado pela justica do pu-

].lico.

Des s e s dois espectadores, ur n e 0pr6prio Euripides, Eu -

dl»des como pensador, nao como poeta. Dele se poderia d i-

1. ( 'r que a cxtraordinaria abundancia de seu talento cri tico,

tic maneira parecida a de Le s s i n g , se nao gerou, pelo rnenos

j" ( .cundou continuamente urn produtivo impulso artistico se-

4 -md a r i o . Com es s e dom, COll1 toda a clareza e agilidade de:,('U pensar enrico, sentara-se Euripides no teatro e se empe-

II I lara por reconhecer, como em uma pintura obscurecida,

11":1(;'0 ap6s traco, linha ap6s linha, a s obras-primas de seus

, ' , r andes antecessores. E at encontrara algo que nao deve ser

.'d Irpresa para 0 iniciado nos arcanos mais profundos da tra-

!',(·'dia esquil iana: percebeu alguma coisa de i n c om c n s u r av e l

rm cada traco e em cada linha, UII la certa pr ec is ao e ng an a-

(I ( )r:t e a o I Tle SmO t em p o uma profundidade enigmatica, s im ,

Ilina i n f i n i t ude do fundo . A ma i s c l a r a figura ainda assim tra-

li;1consigo uma cabeleira de cometa, que parecia apontar para() incerto, 0inclanflcavet. 0 mesmo lusco-fusco estendia-se

'.(}hre a estrutura do drama, particularmente sabre 0signifi-

( ·~Hlo do coro. E quao duvidosa permanecia para ele a solu-

i.,:IO etas problemas eticos' Quao questionavel 0 tratamento

4 I ( ) ~~ mitos' Quao desigual a rcparticao de ventura e desven-

III r:i! Me s m a na linguagem da tragedia antiga havia para ele

1 1 1 1 1 ita c o is a d e ofen s iva, a o m en os cnigmarlca: em especial,

,1 \ 'Itlva haver demasiada pon1pa para relacoes muito comuns,

II ( · t n u s i a d o s t r opo s e monstruosidades pa ra a sitnplicidade dos

( . rr .u te re s. A s si m , cismando, Intranquilo, f icava sentado n o1( ' .111 '0 , e ele, 0 espectador, confessava a si mesmo que nao

(·11Icndia seus grandes predecessores. Mas como 0 entendi-

[77]

(_) N l\_ S c: ] M- l~ N r _ [ ~ 0 0A '-J~.R A. C;· ii I~ I _A

~

III

II:i

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mento s ignif icava para ele a propria ra iz d e todo desfrute e

criacao, precisava indagar e mirar a su a volta para saber sc

alguern mais pensava como clc c confcssava igualmente aque-

la incomensurabilidade. POrClTI, a m a i or ia , C C0111 cles os 111e -

lhorcs , s6 tinha a oferccer-lhe ur n sorriso desconfiado: n i n -

guern conseguiu explicar-Ihe por que, em face de suas duvi-

das e objecoes, os grandes mestres estavam, nao obstante,

certos. E nessa dolorosa situacao ele encontrou 0 outro es-

pectador, que n ao compreendia a t ra ge d ia e po r iS50 n ao a

estimava. Aliando-se-lhe, podc atrcver-sc, saindo de seu iso-

lamento, a encetar a tremenda luta con t ra a s o bra s d e ar te"

de E squ ilo e S 6fo cle s nao c om escritos polemicos, porem

como poeta drarnatico que opoe a sua reprcscntacao da tra-

gedia a representacao tradicional.

12.

Si~ldopodcroso: 0ma i s inteligente advcrs.irio como Pen-

uu e1TIAs bacantes e incspcradamentc cnfeiricado pa r clc

( ' corrc depois COil1 esse feitico para a desgraca. 0 juizo dos

dois anciocs, Cadmo e 'I'ircsias, parcce set tambem 0do poeta

vc lho : a s reflex6es dos r n a i s sagazes individuos n ao derru-

l laDl aquelas antigas t rad i coes populares, aquela veneracao.tcrnamente propagada de Dionisio, sim, que, em face de for-

(, , ';lS ta o ma rav i lho s a s , convcm mostrar ao menos prudente

('(.opcracao diplomatica, e, ainda assim, e sempre possfvel

que 0deus, diante de tao tibia coopcracao, se ofend a e trans-

1 '( .rrne no tim 0 diplomata como aqui Cadmo em dra-

g~-l().1550 nos diz 0 poe t a , que rcs is t iu a Dionisio, com forca

hcroica, d ura n te U ln a longa vida pa ra a o fim dela concluir

:1 su a carreira por uma glorificacao do adversario e em uma

«specie de suicidio, como alguern que, scntindo tonturas, s6

I»ira escapar da t e r r fve l e nao mais suportavel vertigem, se. u i r asse do alto de uma torre. Essa tragedia e urn protesto con-

IL1 a exequibilidade de sua tcndencia, ma s , infelizmente, ela

j;i havia sido realizada! 0 maravilhoso acontccera: quando

() poeta se re tra to u, a sua tendencia ja tinha triunfado. Dio-

nisio j a havia side afugentado do palco t r ag ico e 0 fora atra-

\,(',S de urn poder demoniaco que falava pela boca de Eurfpi-

( Il 's, Tambem Euripides foi, em certo sentido, apenas ma s -

(':1 ra: a divindade, que falava por sua boca, n ao era Dionisio,

i.uupouco ...polo, po re rn un 1 demonic de recentfssimo nas-

I'i Incnto, chamado SOCRATES, Eis a nova contradicao: 0 dio-uisiaco e 0 socratico, e por causa dela a obra de arte da tra-

f i , l ~diagrega foi abaixo Ainda que Euripides procure nos con-

,',t . lar com sua re tra ra ca o, n ao c on sc gue : 0mais esplendido

Il lllPlo jaz e m ruin as : de que nos servem a s lamentacoes do

( I(<truidor e sua confissao de que era 0mais bela de todos

I)~~cmplo s ? E mesmo que Euripides tenha sido condenado

1 lclo juizo a r t i s tic o d e todos os tempos a ser convertido em

tlLgaO a quenl poderia satisfazer essa lamentavcl compen-

..I•l(, - l( ) ?• ,

A pro xim c mo -n os ago ra dessa tcndencia socratica com a( 11 tl Euripides cornbatcu c venceu a tragedia esquiliana.

()ue objetivo devernos agora perguntar-nos pode-

I i: 1 «m gcral, n a 1 1 13 isa lt a idealidade de sua cxe cucao , ter 0

1u

III

,If .

,

~

,/

·1

t j

Antes de chamarmos pelo nome e ss e o utro e spe cta do r,

detenhamo-nos aqui urn instante para reconduzir a memo-ria a imprcssao anteriormente descrita do elemento d i sco r-

dante e incomensuravel na essencia da pr6pria tragedia es-

quiliana. Pensemos em nossa propria estranheza perante 0

cora e perante 0her6i tragico dessa t r a g cd i a , nenhum dos

quais sabiamos combinar com os nossos habitos, t ampouco

com a tradicao a te que tornamos a descobrir aquela du-

plicidade mesma como fante e essencia primordiais da tra-

gedia grega, como expressao dos dois impulsos arus r i cos en-tramados entre si, 0 apolineo e 0 dionisiaco.

Excisar da tragedia aquele elemento dionisiaco origina-

rio e onipotente e voltar a construi-la de novo puramente 50-

bre uma arte, uma moral e uma visao do rnundo nao-dio-

nisiacas tal e a tendencia de Euripides que agora se nos

revela em lu z meridiana.

o proprio Euripides, no entardecer da vida, apresentou

de maneira muito encrgica a seus contemporaneos a ques-

tao do valor edo significado dessa tcndencia, em um mito:

Deve realmente 0 dionisiaco subs i s t i r ? Nao se ra m is te rextirpa-lo a forca do solo helenico? Certamente. nos diz 0

"

poeta, se apenas fosse possivel; mas 0deus Dionisio e derna-

~;.j1~

.

t, !'

,.:,

I

"

.1

l,

I~ I:t 1 .l~ D .R. I c: . I-_{ ·N I E 't Z S C~ 1-1 J.~. 1) N A S ( : 1. M Ii . £ ' 1 " ~r ( > I_) A I I" l{ A (-; E 1~ 1 _A .

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proposito euripidiano de basear 0drama tao-someruc sobre

o nao-dionisiaco? Que forma do drama ainda restava. se este

nao dcvcria nascer do regaco da musica naquele misterioso

lusco-fuseo do dionisfaco? lJnicarnente 0 e J J o s dramatiza-

do: mas neste dominio apolineo da arte 0efeito tragico e ago-

ra, por certo, inalcancavcl. Nao importa no caso 0 conteudo.L

dos acontecimentos representados; sim, eu poderia afirmar

que teria sido impossivel a Goethe, em sua projetada Nausi-

caa, 73 tornar tragicamente comovedor 0 suicidio daquela

idilica criatura, que dcvia preencher 0 quinto ato: ta o inco-

mum e a potencia do epico-apolinco, que as coisas mais ter-

r i f i - an t cs eia as encanta aos nossos olhos corn aquele prazer

pela aparencia e a rcdencao par meio da aparencia. 0 poeta

do e p o s dramatico nao pode, tao pouco quanta 0 rapsodo

epico, amalgamar-se totalmente com as suas imagens: ele con-

tinua sempre sendo tranquila introvisao im6vel a m i r a r comolhos distantes, que ve diante de'si as imagens 0 ator, em

seu e p o s dramatizado, permanece no imo urn rapsodo; a con-

sagracao propria ao sonhar interior paira sobre todas as suas

acoes, de modo que ele jamais e inteiramente ator.

Como se comporta agora esse ideal do drama apolmco

em face da peca euripidiana? Tal como 0 rapsodo solene da. . . . .

, . , . , .epoca annga para com 0 rapsodo mais j overn j ell j0 carater

'"o Ion platonico tarnbern descreve: ·'Quando digo algo de tris-

te, as meus olhas se enchem de I a g ima s , mas se 0 que digo

e horrfvel e tremendo, entao os cabclos de rninha cabcca seericarn de t e r r o r e meu coracao palpita". 74 Aqui ja nao no-

tamos mais nada daquele epico perdcr-se na aparencia, da

frieza sem afetos do verdadeiro ator, 0 qual, precisarnente

em sua suprema atividade, e todo aparencia e prazer pela apa-

rencia. Euripides e 0 ator com 0 c o r a c a o pulsante, C0111 as

cabelos arrepiados: como pensador socratico, projeta 0pla-

no; como ator apaixonado, executa-c. Artista puro ele nao/ I

e nem ao projetar nem ao executar ASSitTl~0 d r am a curipi-

diana e ao IYICSmO tempo uma coisa tria c ignca, capaz de

gelar c de queimar; c-lhe impossrvcl atingir 0efeito apoHncodo e p o s , ao passo que, de outro lado, libcrtou-sc 0mais pos-

sivel do elemento dionisiaco e agora, para produzir cfcito ern

geral, precisa de novos meios de cxcitacao, os quais ja nao

-

,

1) 1 xlcm cncontrar-se dentro dos dois unicos impulses artisti-

I (L), 0apolineo e 0dionisiaco. Tais excitantes sao frios pen-

<tmcntos paradoxais em vez das introvis6es apolineas

r : «[etos arclentes ern lugar dos extases dionisiacos c,

1 LI verdade. sao nensamentos e afetos imitados em termosI ..

. 1 1 1 .unente realistas e de modo algum imersos no eter da arte .Tendo pois reconhecido arnplamente que Euripides nao

1-( .nscguiu fundal' () drama unicamente no apolineo, que sua

II.ndcncia antidionisiaca se perdeu antes em uma via natura-

Ii>ila e inartfstica, devcmos agora nos acercar mais da essen-

( - I : l do socratismo estetico, cuja suprema lei soa mais ou me-

1 1()Sa ss im : ;"I'udo deve scr inteligfvel para ser belo", c om o

' , l ' l l tenc;;:a paralcla a sentenca socratica: "S6 0 sabeclor e vir-

It lOSO". COin tal canone na mao, mcdiu Euripides todos os

(, 1 «mentes singulares e os retificou conforme esse principio:

J l i nguagem, os caracteres, a cs t ru tura dramatica, a rmisica(oral. 0 que no s , ern cornparacao a tragcdia sofocliana, cos-

Illln8.'\-'2J1105 levar tantas vezes a conta de Euripides como de-

I( 'j 10, e principalmente produto desse penetrante processo

1 1 " 1 ' t ' j , C O , dessa atrevida inteleccao. 0 pr6lago euripidiano nos

: l ' _ 'I 've de exernplo da produtividade desse metodo r a c i ona -

I i :-l1;.L Nad.a pode haver de r n a i s contrario a nossa tecnica c e -

Iica do que 0pr6logo no drama de Euripides. Que uma per-

' ; 1 . )11agem individual se apresente no infcio da peca contando

• It «:m cla e , 0que precedeu a acao, 0 que aconteceu ate en-

t . i r i, sun, 0 que no decurso da pcca hi de acontecer iS50

II II au tor teatral modcrno tacharia de rcnuncia propositada

r ' impcrrloavcl ao efeito da tensao. De fato, sabe-se tudo 0

• j ll C vai ocorrer. Quem vai querer esperar que ocorra real-

Illcllte? Me sm o porque, no caso, n a o se verifica absoluta-

Ill('nte a excitante r e l a c ao de urn sonho vaticinador com uma

I l'~d id ad e q ue s e aprcsentara mais tarde. Completamente di-

\ '( TSO era 0modo de Euripides reflctlr. 0 efeito da tragedia

1.llnais repousava sobre a tcnsao epica, sobre a cstimulantc

Illc'crteza acerca do que agora e depois iria sueeder, mas an-

1(':,; sobre aguelas grandes cenas ret6rico-Hricas em que a pai-\;1<) e a dialetica do protagonista se acaudalavam em largo

I 1) ( .deroso 1 ' 1 0 . Tudo preclispunha para 0pathos e nao para

,I :1(','10: c aquilo que nao predispunha ao pathos era consi-,

f

'

•":-••

[8 " I. ]

FRIEDRICH NIETZSCHE

. . . -() NASCIMENTO DA TRAGEDIA

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de r a do reprovavcl. 0 que, p or er n, d ifi cu lt a mais fortemente

a entrega aprazfvel a tais cenas e urn eIo que falta ao ouvinte,uma lacuna no tecido da est6ria precedente; enguanto o ou-

vinte tiver ainda de calcular 0 s ign i f i c a do desta o u d aq ue la

personagem, quais os pressupostos deste au daquele confli-

to dos pendores e intencoes, s ua p le na imersao no sofrer eno agir dos protagonistas, a dor e 0 temor compartilhados

a ponto de se perder 0alento ainda nao sao possiveis. A tra-

gedia sofocliana-esquiliana empregava os mais engenhosos

meios artfsticos para por em rnaos do espectador, nas pri-

meiras cenas, em certa medida de urn modo a c i d e n t a l , to~

dos aqueles fios nccessarios ao entendimento: urn traco em

que se comprova essa nobre mestria artistica que mascara 0

necessariamente formal e, ao mesmo tempo, 0deixa aparc-

cer como acidental. Em todo 0caso, Eur ipides acreditava ter

notado que, durante aquelas primeiras cenas, 0 espectador. era tornado de pecul ia r inquietacan, ao querer resolver 0pro-

blema de ca lcula r a est6ria antecedente, de modo que a be-

leza poetica e 0pathos da exposicao ficavam para ele perdi-

dos. Por i s so i n tr o du zi u 0pr61ogo antes da exposicao e na

boca de uma personagem a quem se devia conceder confian-

ca: um a divindade pr e c i s ava , em certa medida, garantir ao

publico 0 desenrolar da tragedia e tirar toda duvida quanta

a realidade do mito. mais aumenos como Descartes 56 con-

seguiu demonstrar a realidade do mundo ernpfrico apelan-

do para a veracidade de Deus e a sua incapacidade para a men-t i r a . Essa mesma veracidade divina e utilizada p or E ur ip id e s

mais uma vez no encerramento de seu drama, a fi m de s a lva-

guardar perante 0publico 0futuro de seus her6is: e a tarefado farnoso deus ex macbina," Entre a visao epica do antes

e a do depois, encon t r a - s e 0presente lfrico-dramarjco, 0"dra-

ma" propriarnante dito.

Assim, Euripides e acima de tudo, como poeta, 0eco de

seus conhecimentos conscientes, e isso precisamente 0que

Ihe confere uma posicao tao memoravel na his t6r ia d a cul-

tura grega. Com respeito a sua criacao critico-produtiva, e le

deve amiude tcr sentido como se estivesse vivificando para

o drama 0 comeco do escrito de A n axa go ra s, c uja s primei-

ra s palavras rezam: "No principia tudo estava juntado a t veio

, -

;

,I irucligencia e criou o r d em " . E se Anaxigoras, com 0 seu

IIOUS,76 parecia, dentre as f i16sofos , 0primeiro hornem s6-

I)rio em meio a urn banda de pu ro s beberr6es, t ambe rn Eu-

Iq rides pode ter concebido, sob uma imagem parecida, a sua

«lacao com os demais poetas da tragcdia. Enquanto 0unico

ordcnador e fautor do todo, 0nous, permanecia ainda ex-

~ ·1 ufdo da criacao artistica, tudo continuava juntado, em uma

(';I(}tica massa prirneva; as s im devia Euripides julga r ; assim

.kvia ele como primeiro hornem "sobrio", condenar as poe-, /

I~IS "bebados". Aquila que S6focles d i s s e de Esquilo, au se-

i . r , que ele faz ia 0 correto, embora inconscientemente, n a ?I t ) i dito decerto no sentido de Euripides, 0qual, quando mui-

Io, teria admitido que Esquilo, porque ele criava inconscien-

Ictnente, criava 0 incorreto. Tambem 0 divino Platao fala,

quase sempre com ironia, da faculdade criadora do poeta,

ILl medida em que ela nao e discernimento [Elnsicht] cans-

( · icn te , e a equipara a aptidao do adivinho e do in te rpre te d e

:i(mhos: posto que 0poeta nao e capaz de poetar enquanto1 d e ) fi ca r inconsciente e nenhuma Intcligencia residir mais

nclc. Euripides se encarregou, como tambern Platao 0 fize-

r: 1 de mostrar a contraparte do poeta "lrracional", 0s eu prin-

t ' i ; " ) i O estetico, "tudo deve ser c on sc ie nte pa ra ser belo", e ,

l'on10 ja disse, olema paralelo ao principia socratico: "Tu-

(h) deve ser consciente para ser born'}. Em consequencia dis-

,\l(), Euripides deve valer para n6s como 0poeta do socratis-

1110 cstetico. S6crates, porern, foi aquele segundo especta-

(I( ir , que nao compreendia a tragedia antiga e por isso nao;1 c st im ava ; a lia d o a e le , atreveu-se Euripides a se r 0 arauto

(Ie uma nova forma de criacao artistica. Se com isso a velha

Iragedia foi abaixo, 0princfpio assassino esta no socratismo

('stctico: n a medida, porem, em que a luta era dirigida con-

Ira 0 dionisfaco na a rte rn ai s antiga, reconhecemos em S6-

t Tates 0 adversario de Dionisio, 0novo Orfeu, que, embora

j;i destinado a ser dilacerado pelas Menades do tribunal ate-

11 icnse, obriga, contudo, 0deus prepotente a por-se em fu-

.~~~I;e s t e , como no tempo em que fugia de Licurgo, rei.dos

( '<I()nidas,77 refugiou-se nas profundezas do mar, quer dizer,1 1 : 1 ma r e rnfstica de urn cul to secreta qu e deveria recobrir pou-

t ' () a po ue o 0mundo i n t e i r o .

:.

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. . . '~ " " J~-.c:

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[82][83]

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. N· A SCI 1\1 E N· T () 1) A ~rR A <3 l~ r> I A< ". ) A

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Que Socrates estivesse cstreitan1entc rclacionado a tcnden-c ia de Euripides, foi a lg o que nao cscapou a seus contempo-

r

elneos, na Antiguidade: e a cxprcssao mais cloqucntc dessa

percepcao feliz e aquela lenda circulante em .A. . tenas, segundo

a qual S6crates c o stu m av a a ju da r Euripides e rn seu p oc ta r. A n 1-

bas as nomes eram pronunciados nUITl s o hausto pelos part i-

da r t o s dos "bons velhos tempos ", quando se tratava d e en u-

merar os desencarninhadores do povo de entio: de sua in-

flucncia deriva, d iz i a - se , 0 fato de que a a n ti g a, r n a ra to n i an a

e quadrada solidez do corpo e da alma se ja vitima, cada vez

mais, de un 1 duvidoso Ilurninismo, em Ulna progressiva atro-

fi a d a s virtudes tradicionais. Nesse tom, rneio indignado e meio

desdenhoso, s6i a c o r n e d i a aristofanesca falar daqueles dois

homens, para espanto dos modernos, que na verdade r enUl1-

ciam de born grado a Euripides, mas nao podem parar de

ad rn i r a r - se que S6crates a p a r c c a ern A.. ist6fanes c o m o 0 pri-

meiro e 0 supremo sojista, como 0 espelho e 0 resume de

todas asaspiracocs sofisticas: diante disso so lhes resta UIT I con-

solo; 0de colocar 0proprio Aris t6fanes como urn devasso e

mentiroso Alcebiadcs da poe s i a . Sen1 tamar neste ponto a de-

fesa dos profundos instintos de Ar i s t o f a ne s contra semelhan-

te s ataques, sigo adiante para dernonstrar, a partir do sentitnen-

to dos Antigos, a estreita afinidade existente entre Socrates e,

Euripides; neste sentido convern lcmbrar que S6crates, como

adversar io da arte tragica, se 3bstinha de frequentar as repre-

scntacoes da tragedia e s6 se inclufa no ro l dos espectadores

quando uma nova peca de Euripides era apresentada. 0 mais

celebre, POre tT I , e a associacao dos dois nomes na fala do o ra -

culo delfico, que considerou Socrates 0mais sabio dos ho-

m en s , m as , a o m esm o te 1 1 1po , se n te n c io u que Euripides 11 l e -

recia 0 segundo prcmio no certame da sabcdoria

Como terceiro nessa escala de gradacoes foi apontado S6-

focles; ele que podia jactar-se, perantc Esquilo, de fazer 0 cor-

reta e de fazc-lo, na verciade, por saber 0 que era correto,

Evidentemente 0grau de clar idade de ta l saber e precisamen-

te aquele que distinguiu esscs tres homcns ern conjunro co-. (!.. " drno os tres sapicntes e sell tempo.

Todavia, a palavra mais incisiva ern favor dessa nova e

i naud i ta estimacao do saber e da intcligencia foi proferida por

,~ ()c ra te s, qu an d o ve ri fi co u que era 0 un ic o a c on fe s sa r a si

m cs rn o que nao sabia nada, enquanto, em suas andancas

(T i t ica s atra yeS de Atcnas, conversando COIll os ma i o r e s es-

md i s t a s , oradores, poetas e artistas, deparava com a presun-

(:~lodo saber. Com espanto, reconheceu que todas aquelas,,

«clebridades nao possufam uma compreensao certa e s egura

ncm sequer sabre suas profissoes e seguiam-nas apenas por

instinto. "Apena s por instinto": po r e s s a cxpressao tocamos

IH) coracao e no ponto central da tendencia socratica. Com. . . . . . . . . . .

e 1 a 0 s o c r a t i smo condena tanto a arte quanta a etlea vlgen-

1cs; para o n d e quer qu e dirija 0 seu olhar perscrutador, avis -

Ll cle a f al ta de compreensao e 0 poder da i lusao: dessa fal ta,

infere a intima insensatez e a detestabilidade do existente.

A pa rt i r d es se un i co po nto julg ou S6c ra te s que d evi a c or ri -

~~i a ex i s t e n c i a : ele J 56 eIe, entra com ar de menosprezo eL

lk~superioridade, c o m o pr e curso r d e u m a c ult ur a, a rte e m o -

1 ' : 1 1 totalmente disuntas, em urn m un do tal que s e r i a par nos

l-onsiderado a m a io r felicidade agarrar-lhe a f fr n b ri a com to -

do 0 respeito.Eis a extraordinaria perplexidade que a cada vez se apo-

. Ic r a de n6s em face de S6crates, qu e nos incita sempre de

IH)VO a reconhecer 0sentido e 0prop6sito desse fenomeno,

() mais problcmarico da Anuguidade. Quem e es se que ou~a,

(·le so, negar 0ser grego, que, como Homero, Pindaro e Es -

.juilo, Ffdias , Pericles, Pitia e Dionisio, c o m o 0abismo mais

pro fun d o e a ma i s alta e le va c ao , c sta segura de no s s a aSSOffi-

l . rada a do r a c a o : Que forca dernoniaca e essa qu e se atreve

J derramar na poeira a beberagem magica? Que semideus e("sse que 0coro de espiritos dos mais nobres da humanidade

I. r cc is a invocar: "Ail Ail Tu 0des t ru is t e , 0bela mundo, c om

h 1 · d " '? 78um poderoso pun 0; e e c a l , se esmorona. ·

Uma cha\re para 0 car.iter de S6crates se nos oferece na-

tjllcle maravilhoso fcnorneno que e designado C00100"dai-

JJI()n de So cra te s" . Ern situacoes espcciais, quando sua des-

Io ln u n al i ru e li ge n c ia cornecava a vac i la r , conseguia c ie urnI inne apoio, gra<;a s a tuna VOl divina que s e tnanifestava ern

IJis momcntos. Essa VOZ, quando VC111, selnprc dissuade .

. .

1.84 ][85]

~

o NASCIMENJ."O DA TRAGEDIA

FRIEDRICH NIETZSCHE

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A sabedoria instintiva mostra-se, nessa natureza tao inteira-

mente anormal, apenas para contrapor-se, aqui e ali, ao co-

nhecer consciente, obstando-o. Enquanto, em todas as pes-

soas produtivas, 0 instinto e justamente a forca afl r rna t iva-

criativa, e a consciencia se conduz de maneira critica e dis-

suasora, em S6crates e 0instinto que se converte em crttico,

a consciencia em criador uma verdadeira monstruosida-

de p e r defectumi E na verdade percebemos at urn monstruoso

defectus de toda disposicao mfstica, de modo que se pode-

ria considerar S6crates como 0 especffico nao-mistico, no

qual, par superfetacao, a natureza 16g ica se desenvolvesse tao

excessiva quanta no mfstico a sabedoria instintiva. De outro

lado, porem, aquele impulso logico que aparece em S6cra-

tes estava inteiramente proibido de voltar-se contra si pro-

prio; nesse fluir desenfreado mostra ele uma forca da natu-

reza, como s6 encontramos, para 0nosso horrorizado espan-

to, nas maiores de todas as forcas instintivas. Quem, nos es-

critos platonicos, houver percebido urn s6 sopro daquela di-

vina ingenuidade e seguranca da orientacao socratica de vi-

da sentira tambern como a forrnidavel rada motriz do socra-

tismo Iogico acha-se, par assim dizer, em movimento par de-

trds de S6crates, e como isso deve ser olhado atraves de S6-

crates como atraves de uma sombra. Que ele pr6prio, po-

rem, tinha urn certo pressentimento desta circunstancia e al-

go que se exprime na maravilhosa seriedade com que fez va-

ler, e m toda parte e a te perante os seus jufzes, a sua divina

vocacao, Era ta o impossivel, no fundo, rcfuta-lo a esse res-peito quanta dar por boa a sua influencia dissolvente sabre

os instintos. Em face desse conflito insoluvcl impunha-se,

quando afinal 0conduziram ante 0 foro do Estado grego, uma

iinica forma de condenacao, 0banimento: dever-se-ia te-Io

expulso para alern das fronteiras como alga completamente

enigmatico, inclassiflcavel, inexpllcavel, sem que fosse da-

do a nenhuma posteridade 0direito de acusar os atenienses

por urn ato ignominioso. Mas 0fato de tef sido pronunciada

contra ele a sentenca de morte, e nao apenas a de banimen-

to, parece alga que 0pr6prio S6crates levou a cabo, com ple-na lucidez e sem qualquer temor da morte: ele caminhou para

a morte com aquela calma com que, na dcscricao de Platao,

[86] .

dcixa 0simp6sio como 0ultimo dos beberr6es a faze-lo, nos

1rlmctros albores da manha, a fim de comecar urn novo dia:

cnquanto a r r a s dele, nos bancos ou no chao, jazern os seus

.rdorrnecidos comensais a sonhar com S6crates, 0verdadei-

1'0 er6tica. 0S6crates moribundo tornou-se 0novo e jamais

visto ideal da nobre mocidade grega: mais do que todos, 0

npico jovem heleno, Platao, prostrou-se diante dessa imagem

com toda a fervorosa entrega de sua alma apaixonada.

14."

Imaginemos agora 0grande e unico olho cic16pico de S6-

«rates, voltado para a tragedia, aquele olho em que nunca

.udeu 0gracioso delfrio de entusiasmo artistico e pense-

In05 quae interdito lhe estava mirar com agrado para as abis-

11105 dionisiacos: 0 que devia ele realmente divisar na USU~

hlim e e exaltada" arte t r a g i c a , como Platao a denomina? A I-

go verdadeiramente irracional, com causas sem efeitos e com

.feitos que pareciam nao ter causas; e, no todo, urn conjun- "

to ta o variegado e multiforme que teria de repugnar a uma

indole ponderada, constituindo, entretanto, para as almas sen-

s tve is e suscetiveis uma perigosa isca. Sabemos, alias, qual

() unico genero da arte poetica que ele compreendia, a fa-tiula esopica. e isso por certo se dava com aquela sorridente

«omp la c en c i a com a qual 0honrado e born Gellert canta, na

r:ibula da abelha e da galinha, 0 louvor a poesia:

Tu ves em mim para 0 que ela serve,

A quem ndo tem muito entendimento,

Para dizer a verdadepor uma imagem.l?

A S6crates, porem, parecia que a arte tragica nunca "diz

;t verdade": sem considerar 0 fato de que se dirigia aqucle

que "nao tern muito entendimento", portanto nao aos filo-

~;(fos: dai urn duplo motivo para manter-se dela afastado. Co-

1110 P la t a o , ele a inclufa nas artes aduladoras, que nao repre-

,\t'ntam 0util , mas apenas 0 agradavel, "e por isso exigia de

:~tus discipulos a abstinencia e 0rigoroso afastamento de tais

.1 1 racoes, tao poueo filos6ficas; e 0 fez com tanto cxito que

[87]

F~ ~R I E [_) RIC H N I F2 J"-I'tZ S C H E( ) _N A SCI MEN T C',) D A ~l~R A Ci-' f~ I'_) I A

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,0 jovem pacta tragico chamado Platao queimou, 'antes de tu-

do, os seus poernas, a firn de poder tornar-se discfpulo de

S6crates. L a onde, no entanto, predisposicoes invenciveis lu-

tavam contra as maxirnas socraticas, a forca destas, junto com

a pujanca daquele portentoso carater, ainda foi bastante gran-

de para arrastar a propria poesia a novas e ate entao desco-nhecidas posicoes

Urn exemplo disso e 0acima mencionado Platao: ele que,

na condenacao da tragedia e da arte em geral, nao fica certa-

mente atras do ingenue cinismo de seu mestre, precisou, por

necessiclades inteiramente a r t f s t ica s , criar uma forma de arte

que tern parentesco interno justamente com as formas de arte

vigentes e por ele repelidas. A principal objecao que Platao

tinha a fazer contra a arte mais antiga _+ a de s e r imitacao

de uma imagem da aparencia, de pertencer, portanto, a uma

esfera ainda mais baixa que a do mundo empirico .- nao po-deria ser sobretudo dirigida contra a nova obra de arte -

e assim vernos Platao ernpenhado em ul t r apassa r a reaIidade e

representar a idcia subjacente aquela pseudo-realidade. Mas

corn isso ()pensador Platao chegou por urn desvio a te Ii 011-

de, como poeta, scmpre se sentira em casa, e onde S6focles

e toda a arte mais antiga protestavam solenemente contra s e -

rnclhantc obiecao. Se a tragedia havia absorvido em si todos

os gcneros de arte anteriores, cabe dizer 0 rnesmo, por sua

vcz, do dialogo platonico, 0 qual, nascido, por mistura, de

todos os estilos e formas precedentes, paira no meio, entre

narrativa, lfrica e drama, entre prosa e poesia, e com isso in-

fringe igualmente a severa lei antiga da unidade da forma lin-

gufstica, caminho esse por onde as escritores cinicos'" fo-

ram ainda mais longe, atingindo, na maxima variegacao do

estilo, na constante oscilacao entre formas rnetricas e pro-

saicas, tarnbcrn a figura literaria do "Socrates furioso", que

eles costumavam representar ern vida. 0 dialogo platonico

foi, por assim dizer, 0bote em que a velha poesia naufragan-

te se salvou com todos os seus filhos: apinhados em urn c s-

paco estreito e medrosamcntc submissos ao timoneiro So -

crates, conduziam para dentro de urn novo mundo que ja -

mais se saciou de contemplar a fantastica imagem daquele

cortejo. Na realidade, Platao proporcionou a toda a posteri-

,

t'

\lade 0 prot6tipo de uma nova forma de arte, 0 prot6tipo

(10 romance, que e mister considerar como a fabula es6pica

iufinitamente intensificada, onde a poesia vive com a filoso-

f'ia dialetica em uma relacao hierarquica semelhante a que e ssa

mcsma filosofia manteve, durante muitos seculos, com a teo-

logia, isto c, como ancilla [escrava, criada]. Essa foi a nova

I)os i<; ;ao a que, Platao, sob a pressao demoniaca de S6crates,

;1 r ra s to u a poesia.

Aqui 0pensamento filos6Jico sobrepassa a arte e a cans-I

t range a agarrar-se estreitamente ao tranco da dialctica, No

«squematismo 16gico crisalidou-se a tendencia apolinea. co-

nio em Euripides, cumpre notar algo de correspondente e,

lora disso, uma transposicao do dionisiaco em afetos na tu -

ra l i s t a s . S6crates, 0her6i dialetico no drama platonico, nos

krnbra a n ature za a fim d o her6i euripidiano, que precisa de-

fender as suas acocs por meio de razao e con t r a - r a za o , e por

I sso mesmo se ve tao amiude em risco de perder a nossa com-

I»iixao tragica, pais quem pode desconhecer 0 elemento oti-

tnista existente na essencia da dialctica, que celebra em ca-

lla conclusao a sua testa de jubilo e s6 consegue respirar na

tria claridade e consciencia? Esse elemento otimista que, uma

vc z infiltrado na tragedia, hi de recobrir POllCO a pouco to-

(las as suas regioes dionisfacas e impe l i - I a s necessariamente

;1 destruicao ate 0saIto mortal no cspetaculo b ur gu es ? B a st a

im agina r a s consequencias das maximas socraticas: "Virtu-

.Ic e saber; s6 se peca par ignorancia, 0 virtuoso e 0mais

r('liz~; nessas tres f o rmu l a s basicas jaz a morte da tragcdia.Iois agora 0her6i virtuoso tern de ser dialetico: agora tern

de haver e n t r e virtude e saber, crenca e moral, uma ligacao

obrigatoriamente visivel, agora a solucao transcendental da~

iustica de Esquilo e rebaixada ao nivel do raso e insolente

principio da "justica poetica", 81 com seu habitual deus ex

macbinar?

Como se af igura agora e s s e novo mundo cenico socratico-

(.rimista em fa c e do cora e mesmo de t odo 0subs t ra t a musi-

('al-dionisfaco da tragedia? Como alga acidental, como uma

rcminiscencia possivelmente tarnbem dispensavcl da origem(I a tragedia: ao passo qu e n6s ja v imo s , ao invcs, que 0coro

~~(')ode ser entendido como causa primeira da tragedia

,1

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[88][89]

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c do tragico ern geral. .I i em S6focles aparecc tal cmbaraco

com respeito ao coro urn importante s i n a l de que ja CO'111

ele corneca a csmigalhar-se 0 corpo dionisfaco da tragedia

E l e ) a nao sc atreve a confiar ao coro a porcao principal do

cfcito, porem restringe de ta l modo 0seu dominic que 0co-

ro parece ago r a quase coordenado com o s atores. C01110 se

t ivesse sido alcado da orquestra para 0interior da cena: com

o que, sem duvida, a sua essencia fica inteiramente destrui-

d~, embora tambcm Arist6teles possa dar a sua aprovacao pre-

cisamente a essa concepcao do cora. Aquele deslocamento

da posicao do cora que S6focles recomendou atraves de sua./ . .

pra~lca e, segundo a tradicao, a te rnesrno por esc r i to , e 0pri-metro passo para 0aniquilamento do coro, processo cujas

fases se sucedem com assustadora rapidez em Euripides, em

Agatao e na Comedia Nova. A dialctica otimis ta. COIn 0 chi-

cote de seus silogismos, expulsa a musica da t r~ged ia : quer

dizer, destr6i a essencia da tragedia, essencia que cabe inter-pretar unicamente como manifestacao e configuracao de es-

tados dionisiacos, como simbolizacao visfvel da mus i c a . c o -

mo 0mundo onirico de, uma embriaguez dionisiaca. '

Se temos de aceitar mesmo uma tcndencia antidionisfaca

a~ua~te a~tes de Socrates, que so com ele ganha Ull1J expres-

sao inauditamente grandiosa, nem por i5S0 devemos reeuar

assustados diante da questao de saber para onde aponta urn

fenomeno como 0de Socrates; 0qual, em face dos dialogos

platonicos, nao e s t a r n o s em condicao de apreender apenas

CO~O ~n1~oder negativo dissolvente. E e tao certo que 0

cfcito irnediato do impulso socratico visava a dcstruicao da

tragedia dionisfaca que uma profunda cxpcriencia vital do

proprio S6c ra tes nos obriga a perguntar s e d e fato cxistc ne -

cessariamente, entre 0 socratismo e a arte, apenas uma rela-

cao antip6dica e se 0nascimento de um "S6c r a tes arnstico J

nao e em sl algo absolutamente contradit6rio.

Aquele .16g~codesp6tico, cum pre afirmar, tinha aqui e ali,

com rcspcrto a artc, () sentilnento de uma lacuna, de urn va-

zio, de meia censura, de urn dcvcr talvez ncgligenciado. Corn

frcqucncia vinha-lhe, como na pri ,sao contou a seus am i g o s ,urna e a mesma aparicao em sonho, que scmpre lhe dizia 0

111eSn10: "Socrates, fazrnusica!" . 83 Ele s e tr a n qui liza , a te os

~

.'.(liS ultimos dias, corn a opiniao de que 0 seu filosofar e a[I LtlS clcvada arte das Musas, c nao acredita plenarnente qu e

um.; divindade venha Iembra-lo daquela "rmisica popular, Of-

.liuaria". Por fim, na prisao, para aliviar de todo a sua cons-

"j('.ncia, dispoe-sc a praticar ta mbe rn aque la rnus ic a po r ele

LIO mcnosprezada. E nesse estado de espfr i to compoe urnI .roemio a Apolo e poe em versos algumas fibulas es6picas.

( ) que 0 impeliu a t a i s exercicios foi alga parecido a voz ad-III< initoria do daimon, fo i a sua percepcao apolinea de que

ILIO compreendia, qual urn rei barbaro, uma nobre imagem

, 1 ( ' urn deus e corria assim 0perigo de ofender sua divindade

por sua incompreensao. Aquela palavra da socratica apa-

I !(.,'jo onirica e 0 un ico sinal de uma duvida de sua pa r te so -

I II'(' os limites d a natureza 16gica: sera .as s tm devia ele

I'( 'rguntar-se que 0nao compreensivel para mim nao e tam-I«m desde logo, 0 incompreensivel? Sera que nao existe urn

I« ino da sabedor ia, do qua l a logica c s ta proscrita? Sera que

.1 .utc nao e ate urn correlativo neccssario e urn complemen-

t () d a c ie nc ia ?

!Iil1,

1

!

,'

,

i.

I

15·

_ .

No sentido dessas ul t imas perguntas, tao cheias de pre-I _ ~ •

1110111c ;; o es, pr eCISO agora pronunciar-se acerca de com o a

III rI uen c i a de Socrates, ate 0momenta presente, e inclusive

I H H ' todo a porvir afora, se alargou sobr e a posteridade, qual

1111la sombra cada vez maior no sol do poente, como ela mes-

1 1 1 : 1 compeliu sempre a recriacao da arte · e, na verdade,

t!;1 .irtc no sentido mais profunda e lato, ja metafisico e ,

Iom a sua propria infinitude, tambern garantiu a infinitude

t 1 ( ~ L~ t . :1 I

Antes que isso pudesse ser reconhecido, antes que fosse

1'( H 1 vincentemente demonstrada a intimissima dependencia

11( .ada arte para corn os gregos, os gregos desde Homero

.11 r So c r a t e s , devia nos sueeder com csses gregos 0 mesmo

I1 1 ] ( ' sucedeu aos atenicnses com Socrates. Quase toda epoca

I' ('I .rpa da cultura procurou a lguma vcz, c om profunda irri-

1 . 1 I . . ' : l O , l ivrar-sc dos gregos, porque, a vista deles, toda pro-t 1 1 1 ( •. ': io au t o uoma , aparentcmente d e todo original e sincera-

[91]

l.j:

1

1

I

I

FRIEDRICH NIE~"ZSCHE ~

(.) NASC:IMj~NT() D.A TR __AGEDIA

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mente admirada, parecia de subito perder cor e vida e

e nc olhe r-s e e m c6pia malograda e ate mesmo em caricatura.

E por i s so explodia sempre de novo uma furia intima contra

aquele povinho arrogante que se atrevera a tachar de "bar-

baro ", para todo 0sempre, tudo 0que era alienigena: quem

saoesses la , pergunta-se,

que,embora

apresentemapenas urn

efernero brilho hist6rico, apenas instituicoes ridiculamente

limitadas, apenas uma duvidosa qualidade de costumes e que

inclusive se c a r a c t e r i z am por vtcios muito feios reivindicam ,nao obstante, a dignidade e a posicao especial entre os po-

vos, que correspondem ao genic em meio a massa? Infeliz-. / /

mente, runguern teve ate agora a sorte de encontrar a taca

de cicuta corn a qual se pudesse simplesmente liquidar se-

melhante ser: pois t o d o 0 veneno que a inveja, a calunia e

o rancor geraram dentro de si nao bastou para destruir aquela

r n agn t f i c e n c i a contente con s i go pr6pria. E por isso todo mun-

do sente vergonha e medo ante os grcgos, a nao ser que al-

guem estime a verdade acima de tudo e, portanto, ouse tam-

bern encampar esta verdade, a de que os gregos t e rn em rnaos,

c om o o s aurigas, a n os sa e q ua lqu er o utr a cultura, m as que

o c a r ro e 0cavalo s ao , q ua se sempre, d e urn estofo d ema s i a -

do inferior e inadequado para a gl6ria de seus condutores,

a s quais consideram, nesse easo, urn folguedo impe l i r seme-

Ihante atrelagem aa abismo ·' '' ,.que eles pr6prios sobrepas-

s am c om 0 salta de Aqui le s .

Para demonstrar tambern no tocante a S6crates a digni-

d a d e de tal po sic ao d e condutor, basta reconhecer nele 0 ti-

po de uma forma de existencia antes dele inaudita, 0 tipo do

homem te6rico, cuja significacao e cuja meta e nosso dever

agora chegar a compreender. Tarnbcm 0hornem te6rico tern

urn deleite infinito com 0existente, qual 0artista, e, como

eIe, e protegido, por esse contentamento, da etica pratica do

p e s s im i smo e de seus olhos de Linc eu ,84 que s6 brilham na '

escuridao. Se com efeito 0 artista, a cada desvelamento da

verdade, permanece sempre preso, com olhares extaticos,

tac-somcnte ao que agora, ap6s a revelacao, permanece ve-

Iado, 0homem te6rico se compraz e se satisfaz com 0veudesprendido e tern 0 seu mais alto alva de prazer no proces-

so d e urn desvelamento cada vez ma i s feliz, conseguido par

r ( .rca propria. Nao haveria ciencia se ela tivesse aver apenas

~ . ( ) 1 1 1 essa unica deusa nua e com nenhuma outra. Pais cntao

()s seus discipulos deve r i am sentir-se c o m o aqueles que qui-

«ssem escavar urn buraco precisamente atravcs do globo ter-

usrrc, uma vez que cada urn deles percebe que, ele, mesmo

( " ( ) 111 0 ma x i m o csforco durante a vida toda, s6 seria capaz(I(~ escavar urn pequenfssimo pedaco daquela profundidade

uucnsa, parte que e, ante seus pr6prios olhos, recoberta pe-

l() trabalho do seguinte, de m odo que uma terceira pessoa

Iurcce proceder bern se escolher urn novo local para sua ten-

I.uiva de perfuracao. Se agora alguern demonstra de maneira

('onvincente que par essa vi a direta nao e dado alcancar a

meta antipoda, quem hi de qsercr continuar trabalhando nos

vclhos pecos, a nao ser que entrementes se de por satisfeito

(-mencontrar pedras pr e c i o s a s ou em descobrir le is da na tu -

n ' za ? P o r i550 Le s s i ng , 0 mais honrado dos homens te6ricos,

.u reveu-se a declarar que the importava mais a busca da ver-

t I:tdedo que a verdade mesma: com 0qu e ficou descoberto

~)scgredo fundamental da ciencia, para espanto, sim, para

t I csgos to dos cientistas. Agora, junto a esse conhecimento

is()lado ergue-se por certo, com excesso de honradez, se nao

t k _ ' petulancia, Ulna profunda representacdo ilus6ria, qu e veio

J() mundo pela primeira ve z na pe s so a d e S6crates aquela

II iabalavcl fe de que 0pensar, pelo fio condutor da causali-

~lade, atinge ate os abismos mais profundos do ser e que 0

pCl1sar esta em condicoes, n ao 56 de conhcce-lo, m as inclu-

<ivc de corrigi-lo. Essa sublime ilusao metafisica e aditada co-1))0 instinto a ciencia, e a conduz sempre de novo a seus li -

Illites, onde cla tern de transrnutar-sc em arte, que e 0obje-

tiro propriamente visado por esse mecanismo.

Olhemos agora, sob 0 fanal desse pensamento, para S6-

(T~ltes:ele nos aparece como 0primeiro que, pela mao de

Ltl instinto da ciencia, soube nao s6 viver. porem 0 que

t ' muito mais morrer: dai a imagem do Socrates moribun-

. u . , como 0brasso do homem iscnto do temor a morte pelo

:,;Ihcr e pelo fundamentar, encimar a porta de entrada da cien-

( ' j : l ) recordando a c a d a urn a destinacao desta, au se ja , a deLll,cr aparecer a existencia c o m o comprecnsfvel e , portanto,

(', H110 justificada: para 0 que, sem duvida, se as fundamen-

-

lao

,~~

. . . .T

.~

~:

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[92] [93]_

- . : : -

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I l i : iI .I

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nncia e do erro 0 vcrdadciro conhecimento, isso pareccuI

iI

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tacoes nao ba sta rc rn , 1 13 tambcm d e scrvir, n o fim de COl1-

tas, 0mito, 0 qual acabo de designar como a consequencia

necessaria e, rnais ainda, COIno 0 proposito da cicncia.

Quem sc der conta com clareza de C01110 depois de S6-

crates, 0mistagogo da ciencia, uma escola de f11650f05 sucede

a outra, qual onda ap6s onda, de como uma universalidade

jamais pressentida da avidez de saber, no ma i s remoto ambito

do mundo civiIizado, e enquanto efetivo dever para com todo

hornem altamente capacitado, c o nduz iu a cicncia ao alto-mar,

de onde nunca mais, desde entao, e la pode ser inteiramcnte

afugentada, de como atraves dessa universalidade uma rede

conjunta de pensamentos e estendida pela prirneira vez so-

bre 0 conjunto do globo terraquco, com vis t a s mesma ao

estabelecimento de leis para todo unl sistema solar; quem ti -

ver tudo iS50 presente, junto com a a s s o mbro sam en te a lta

piramide do saber hodierno, nao podera deixar de enxergar

em S6crates urn ponto de inflexao e urn vertice da assim cha-

mada hist6ria universal. Pais, se se imaginar que toda essa

incalculavel soma de forca despendida ern favor dessa ten-

dencia mundial fosse aplicada ruio a service do conhecer, po-

rem para fins praticos, isto e , para objetivos ego is t a s dos in-

divfduos e dos povos, entao e ve ro ss im il que , em lutas ge-

rais de aniquilamento e em contfnuas migracocs de povos,

se houvesse de tal modo enfraquecido 0prazer instintivo de

vivcr que, dado 0costume do suicidio, 0 indivlduo teria ta l-

vez de sentir 0 ultimo resto do sentimento do dever, quan-

do, como fazem as hab i t an t e s das i lhas Fidj i , estrangulassecomo filho a seus pa is e c o m o amigo a s e u amigo: um pe ss i-

m i SlT IO pr ati co q ue poderia engendrar ate uma horrenda eti-

ca do genocidio, por compaixao 0 qual, a l ia s , esta e este-

ve presente em todo lugar do mundo onde nao surgiu a arte

em uma forma qualquer, espeeialmente como rcligiao e cien-

cia, para servir de remedio e defesa contra esse bafo de pes-tilcncia.

Em face dcsse pessimismo pratico e Soc r a t e s 0prot6tipo

do otirnista te6rico que, na ja assinalada fe na escrutabilida-

de cianatureza das coisas, atribui ao saber e ao conhecimento a forca de uma medicina universal e perccbe no erro ()

mal em si IneSHlO. Pel1etrar nessas razocs c separar da apa-

' .....

/ . .

,'itT ao homem socratico a mais nobrc e mesmo a urnca ocu-

I):l~~~Iou t c n t i c a r n c n t e humana: tal COITIO aquelc mecaniSl~;)

dos conccitos. jufzos e dcducoes foi considerado, desdc So-

(Ta te s , c om o a ativicladc sup r ema e 0admiravcl don] da na-

i u reza , superior a todas as outras aptidbes. Inclusive o s a~os

mor a l s mais sublimes as emocoes da cornpaixao, do sacrifl-.io, do heroismo e aquela tranquilidade d'alma, tao ~~iCil

(Ic a lc an ca r, que 0 grego apolineo chamava sojrosyne, ) fo -

rim derivados, por S6crates e por seus sequazes simpatizan-

I t'S a te h oje , da d ia le ri ca d o saber c, consequentemente: qu~-

lificados como cnsinaveis. Quem cxperimentou ern S1 pro-

I .rio 0prazer de um conhecimento socratico e pe r . cebe co-

1110 este procura aba rca r , em circulos cada vez ma t s largos,

( ) m u n do inteiro dos Icnomenos, nao sen t i r a dai por diante

n c nhum aguilhao capaz de inc i r a - Io a existencia com maior

unpc to do que 0 desejo de completar essa c~nquista e ~, eI«ccr a rede com firmeza impcnctravel. A alguem que cstcja

('()m tal disposicao d e espfrito 0 S6crates pla ton ico ha de

; Ipa re ce r entao como mestre de uma forma total~e~t~ nova

( 1 : 1 "serenojovialidade gre ga " e fe lic id ad e de existir, f o rma

.juc procura descarregar-se ~m a~6e.s e q~~ v~ i encontrar1 .us descargas sobrctudo em influencias rnaicuticas e educa-

I va s sabre jovens nobres, com 0 fito de produzir finalmen-

!' I.

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It' 0 gen IO. . .

Ago r a porem a c ie n ci a, esporeada por sua vigorosa ilu-

~ ~ : _ t ( _ ) , corte, indetenivel, a te as seus Iimites, nos quais nau~ra-

~~aseu otimisrno oculto na essencia da 16gica. Pois a perife-

ria do circulo da cicncia possui infinitos pontos e, enquanto

n.io for possivcl prever de maneira nenhuma como se pode-

r. i alguma vez medir completarncntc 0circulo. 0home~ ~o-

IH e e dorado, ainda antes de chegar ao rneio de sua cxisten-

( ' la, tropeca, e de modo inevitavel, em tais pontos fronteiri-

( ,, 'OS da periferia, onde fixa 0 olhar no ine sc la re c ive l . q u ~ n -(In divisa ai. para seu susto, corno, nesscs limitcs, a logl~a

I ) : tssa a girar e rn re d o r d e si mcsrna e aeaba por morder ~lpro-

I)ria cauda cntao irrompc a nova forma de conhccimcn

I() 0 conhecimento tragico, que, rnesmo para ser apenas su-

I .ortado. precisa da artc como meio de protccao c remcdio.

,

. Ii .

I

(94]

I :I

1

I

FRll~DRI(_·=H N·IJ~TZS(·:HE

I1

·11

-) N A SCI MEN T 0 D A TRAG E D I A I.i!.

Se agora fitarmos, com olhos fortalecidos enos gregos

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reconfortados, asmais altas esferas desse mundo que nos ba-

nha com suas ondas, vercmos transrnutar-se em resignacao

tragica e em necessidade de arte a avidez de insactavel co-

nhecimento otimista que se apresenta em S6crates sob for-

ma prototfpica: ao passo que, em seus niveis inferiorcs, essa

mesma avidez tern de rnanifestar-se hostil a arte e abominar,no intima, a arte tragico-dionisiaca ern particular, como fi-

COll exposto, por cxcmplo, na luta movida pelo socratismo

contra a tragedia esquiliana.

E aqui, COInanimo agitado, batemos a porta do presente

e do futuro: levara essa "transmutacao" a configuracoes scm-

pre novas do genio e precisamente do Socrates musicantei

Sera que a rede da arte estendida sobre a existencia, quer sob

o nome de religiao ou de ciencia, hi de ser tecida cada vez

mais firme e delicada, OU estara destinada a rasgar-se em far-

rapos, sob a agitacao e 0 torvelinho barbararnente incansa-

vcis que agora se dcnominam "0prescnte"? - Prcocupa-

dos, 1 1 1 a s nao desconsolados, perman.eceremos de lade par

urn brevemomento, como os contemplativos a quem e per-mitido serem teste.munhos desses crnbates e transicocs des-

o

comunais. Ah! 0 sortileglo dessas lutas e que quem as olha

tambem tern de Iura-las'

Por esse exemplo historico aduzido procuramos por a cla-

ro de que modo a tragedia, assim como perece com 0esva-necer do espirito da musica, so pode nascer desse cspirito

unicamente. Para abrandar 0 ins6lito dessa afirrnacao e, por

outro lado, apontar a fonte original de nossa cognicao, pre-

cisamos agora defrontar, com livre olhar, as fen6menos a n a -

logos do presente; prccisamos entrar no meio dessas lutas

que, como eu dizia ha poueo, sao pelejadas, nas mais altas

esferas de nosso rnundo atual, entre 0insaciavel conhecimen-

to otimista e a necessidade t r ag ica da arte. Nao vou conside-

rar aqui todos as outros impulsos adversos que trabalham

contra a arte, e precisamente contra a tragedia, e que tam-bern no presente se expandern de tal maneira seguros de sua

vit6ria que, das artes t ea t ra is , por exemplo, somente a farsa

f1

t : o bale dao suas floradas, talvez nem para todos bern chei-

rosas, com uma proliferacao em certa medida luxuriante.

<}uero falar apen as d a oposicao mais ilustre a consideracaot r.igica do mundo, e com isso me refiro a ciencia, otimista«rn sua essencia mais profunda, com 0seu progenitor S6cra-

tc s a testa. Sera mister tambem, imediatamente, mencionar

Ilela nome as poderes que me parecem garantir urn renasci-.

tucnto da tragedia e algumas outras bem-aventuradas es-

Iurancas para 0 ser alernaol

Antes de nos precipitarmos no meio desses combates, en-

volvamo-nos na couraca dos conhecimentos ate agora por

11(-)5 conquistados. Em oposicao a todos aqueles que se em-

I.cnham em derivar as artes de urn principia unico, tornado

("(HnD fonte vital necessaria de toda obra de arte, detenho 0

t) t ha r naqueJas duas divindades artfsticas dos gregos, Apolo

r : Irionfsio, e reconheco neles os representant.es vivos e evi-

(l.-ntes de dais mundos artfsticos diferentes em sua essenciam.us funda e em suas metas mais altas. Vejo Apolo diante de

IIIim como 0genic transfigurador doprincipium indiuidua-

I it mis, unico atraves do qual se pode alcancar de verdade a

I ' l 'dcnc ;ao na aparencia, ao passo que, sob 0 grito de jubilo

uustico de Dionisio, e rompido 0feitico da individuacao e

li('a franqueado 0caminho para as Maes do Ser , para 0cerne

f t lais intima das coisas. Essa imensa oposicao que se abre abis-

111~tl entre a arte plast ica, como arte apo l fn ea , e a miisica, co-

I l() arte dionisfaca, se tornou manifesta a apenas urn dos gran-

1 _ 1 ( ' s pensadores, na medida em que ele, mesmo sem esse guiado simbolismo dos deuses hclenicos, reconheceu a musicaIIIIl caratcr e uma origem diversos dos de todas as outras ar-

I('S, porque ela nao e , como todas as demais, reflexo [Abbi ld ]

( 1 < ) Ienomcno, porem reflexo imediato da vontade mesma e,

1 )( .rtanto, representa, para tudo 0que e f is ico no mundo, 0

.nctafisico, e para todo 0 fenomeno, a coisa em si (Schope-

Irhauer, 0mundo como rontade e representacdo, I, p. 310).

,l;( .bre esse reconhecimento, 0mais importante de toda a es-

I(· t i c a , com 0qual somente cla corneca em urn sentido mais

~,(rio, Richard Wagner, para corroborar-Ihe a eterna verda-I1 ( · , imprimiu 0seu selo, quando no Beethoven estabelece que

.1 IIIusica deve ser medida segundo principios esteticos cam-

Ii:'!_

JI

1

I

16.

[96][97]

( ) ~"J A S c: I 1VI E N 1 _ - 1 () J~) A ~ " J ~ l~ A (~" E D I A

It' diversa, e esta l i g a da a um a n it id a e c omp l c t a dcrcrmina-p l e t amcn t c difercntes dos de todas a s a r t e s figurativ:is e , desde

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f~,.".~

(~ ::- i o. s sc m c lh as c n is to a s f iguras gcornctricas e aos mime-

I'OS, as quais, enquanto forrnas universals de todos o s possi-

vc i s objetos da cxpcricncia e a todos aplicavcis apriori, nao

~';~IO,ape s a r de tudo, abstratos, porcm intuitivos c inteiramcnte

.lctcrminados. Todas as possiveis aspiracoes, excitacoes e ex-

Icriorizacocs da vontade, t o d o s aqueles processos no inte-rior d o s e r humano, que a raza o a tir a n o am plo conceito ne-

gativo do s en t imen to , podem ser expressos atravcs de urn

I.um e ro in fin ito d e me l o d i a s pos s iv e i s , mas s em pre n a un i-

vc r s a l i d a d e da m e ra fo rm a , sem a materia, sempre un i c am e n t e

~) l 'gundo 0em s i , e n a o se gun d o 0 fenorneno, tal como a a l-

Illama i s intima de s t e , sem c o r p o . A partir dessa relacao inte-

rior que a rm is ic a m an tem c o rn a verdadeira essencia de to-

t la s as coisas expl ica - s e tambem que, ao soar uma rnusica ade-

.juada a qualquer c en a, a ca o , ocorrencia, ambiente, ela pa-

n.:a descerrar-nos 0 s e nt id o m a is secreta destes e se apre-~i( 'n tc c om o 0 se u comentario ma i s justo e clare: d o mesmo

modo que aquele que se entrega por i n t e i r o a impressao de

tuna sinfonia ve como se todos os possiveis sucessos da vida

(.do mundo ja estivessem desfilando diante de si; no entan-

It)) quando reflete, nao consegue indicar nenhuma semclhan-

( 0 ' ; 1 en t r e aquele [ogo s o n o ro e a s coisas que the passaram pe-

LI f a n t a s i a . Pois a musica, como dissemos, difere de todas

.IS ou t r a s a r t e s pelo fato d e n a o ser re f lexo do f e n 6me n o ou,

111:Lisorrctamcnte, da adequada objetidade [Objektitat]87 da

\'(.ntade, porem reflexo imediato da pr6pria vontade e, por-1;111to ,representa 0metafisico para tudo 0 que e ffsico no

iuundo, a c o i s a em si mesma para todo f e n 6me n o . Poder-se-

L I) em consequencia, chamar 0mundo todo tanto de musica

t '( i r po r i f i c a da quanta d e v on ta de corporificada: dai se r tam-

1)("111 cxplicavel por qu e a rm i s i c a faz destacar-se imediata-

mcn r c com majorada significatividade toda pintura, sim, to-

t l. t cena da vida re a l e d o mundo: tanto m ais , n a verdade,

t [u.m to m a is a na lo ga for a suamelodia ao cspfrito interior

t i e) fe no rn en o d ad o. Nisso r epous a 0fato de se pod e r s o t opo r"" . .

.1 11 lUSICaU1111 p ocs ia co mo 0 c a n t o au um a rcprescntacao

u u uitiva como a pantornima ou ambas as coisas como a 6pe-

1 . 1 , Tais imagcns individuals da vida humana, sotopostas a

logo, nao segundo a categoria da bclcza: ainda que Luna cs-

tctica erronea, pela mao de um a a r t c ex t r av ia c1a e c l eg cne r a -

da ,86 tenha se habituado a cxigir c la m usic a, a pa r ti r d aque -

le conceito de bclcza vigcntc no mundo figurativo, um e fe i -

to pa rec ido ao das obras d a a r t e f igurat iva, a sabe r , a excita-

ca o do agrado pelas belasformas ...A.p6s tomar conhecimento

dessa enorme contraposicao, senti uma forte n e c e s s i d a d e de

me a p r ox ima r da c s s c n c i a d a t r a g ed i a grega e c om is s o d a

mais profunda revclacao do genio helenico: pais 56 entao i u l -

gue i dominar a r na gi a requerida pa r a , m ais a le m da fraseolo-

g ia de n o s s a estetica usual, po d e r colocar-me de maneira vi -

va e c o n c r e t a 0 problema primordial d a t ra ge d ia : C01110 que

me foi dado lancar uma olhada ta o estranhamente pe cu l i a r

no helenico que tinha de me pa r e c e r como se a nossa cien-

cia c l a s s i c o -he l e n i c a , ta o orgulhosa e m s eu c o m po rta m e nto ,

no principal haja sabido apascentar-se ate agora somente comjogos de sombras e com exterioridades.

Poderiamos talvez tocar nesse problema p r imo r d i a l com

a s egu in t e pergunta: que efeito es t e r ico surge quan do aque -

les poderes estcticos, em si separados, do apolineo e d o d io -

nisfaco, en t r am lado a lade ern atividade? Ou de uma formaI il .

ma r s s uc i n t a : como s e comporta a musica pa r a C0111 a ima-

gem e 0conceito? Schopenhauer, ern quem Richard \XTag-

n e r enaltece, justamente par causa desse ponto, uma i n s u -

peravcl clareza e t r a n s pa r e nc i a de exposicao, exprime-se a

esse respeito com a maior m im i c i a , que vou reproduzir aquiem toda a sua cxtcnsao. 0mundo C01JZO v on t a de e represen-

tacdo, I, p. 309: "En1 consequencia de tudo isto, podcrnos

considerar 0 mu n d o fenomenal. OU a natureza e a rnusica) ,como duas expressoes diversas da mesma coisa, a qual e porisso a iinica mediadora da analogia de ambas, cujo c o nh e c i -

me n t o e exigido a fim de se compreender tal analogia. A m u-

sica e , por conscguintc, quando encarada como exprcssao

do mundo, uma linguagem universal no ma i s alto grau, qu e

inclusive csta pa ra a universalidacle dos conccitos mais ou

menos corno csscs conceitos estao para as coisas individuals.A sua univcrsalidade nao e de rnodo algum aquela univcrsa-

lidade vazia da abstracao, mas de uma cspccie cornplctamcu

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,( ) N" A S C: I M "1~"N r [ - t ( _ _ D A ~l~ R A (:I- E D I A

Iinguagcm un ive r sa l d a m us ic a, nun c a sc th e unem ou COf-

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respondem COITI necessidacle complcta, BIa s m an te rn C Oll1

c Ia a pe na s luna rclacao de ur n cxernplo qualquer corn ur n

conceito universal: e la s reprcscntam n a d e t c rm in a c a o d a re a-

lidade aquilo que a mus i c a exprimc na universalidadc da

mera forma. Pois as melodias sao ern certa mcdida, C01110

os conceitos universais, uma abstracao cia realidade. Esta,ou seja, 0mundo das coisas individuais, de fato fornece 0

intuitivo, 0 part icular e 0 individual, 0 caso singular, quer

a un i v e r s a l i d ad e dos conceitos, quer a universalidade c l a s

mclodias, embora as duas universalidades ern certo aspecto

se contraponharn uma a ou t ra , urna vez que os conceitos

c o n t e r n tao-so a s primeirissimas fo r rna s abstraidas d a i nt ui -

c a o , C0010, por assim d ize r, a casca externa tirada das c o i -

s a s , sendo, portanto, absrracoes, a mus i c a , ern c o n t r ap a r t i -

da, proporciona 0 nucleo mais intimo. gue precede t o d a

configuracao, ou seja, 0 coracao das c o is a s. P o de -s e expres-sar muito bern essa relacao na linguagem dos escolasticos,

ao se dizcr: os conceitos sao as uniue rsatia p os t r e111[uni-

versais posteriores a coisa], a rnus ica porern da as uniuersa-

lia ante rem [universais antes da coisa] e a realidade d a as

uniuersalia in re [universals na coisa]. Todavia, que seja

possivcl em geral uma relacao entre um a composicao musi-

cal e uma representacao intuitiva, isto se baseia, como foi

dito, no fate de ambas serem expressoes, s6 que totalmente

diversas, d a rncsma essencia i n t e rn a d o mu n d o . Ora , quan-

do no caso singular ta l relacao se apre sen t a realmente, istoe , quando 0 compositor soube enunciar na linguagem uni-

ve rsa l da rnus ica os movimcruos da vontade qu e constituem

o ~hnago de urn a c o n t e c i m e n t o , entao a melodia da cancao,

a melodia da 6pera enchem-se de expressao ..A.analogia en-

tre as duas coisas, descoberta peIo compositor, hi de tel'

surgido, no entanto, do conhecimenro imediato da essen-

cia do mundo, sem 0 conhecimento de sua razao, e nao

deve se r , como intencionalidade consciente, U ln a i m i ta c ao

mediada por conceitos: do contrario. a mus i c a nJO cxpre s-

sa a esscncia intcrna, a vontade mes1113 , mas apenas a r r c rnc -

da de maneira insuficiente 0 scu fenomcno, como faz toda. . . . . . . .. . .. . ,,

111 USIC aproprlam entc unltatlva .

nhaue r , a mus i c a como I inguagcm imediata da vontade, e sen-

l i L TIOS a nossa fantasia incitada a enformar aquele rnundo de

( 'spfr i tos que nos fala, mun d o invisivcl e no entanto tao vi-

vamentc movimentado, e a no-lo corporificar ern urn exern-

1 ) 1 0 analogo. Par outro lado, imagem e conceito chegam, sob

()influxo de uma musica verdacieirarnente correspondente,

;1 um a s i gn i fi c a ti vi d a d e majorada. Duas sao as classes de efei-

to s que a rm i s i c a dionisfaca c os tum a , po r conseguinte, exe r -

( 'cr sobre a f a cu ldade artistica apoHnea: a m u si ca estimula aintrouisao similiforme da universalidade dionisfaca e deixa

.- nt ao q ue a imagem s im i l i fo r rnc emerja com suprema signi-

ticatiuidade. Desses fatos, em si compreensiveis e de modo

:llgum i n a c e s s i v e i s a qualquer observacao rnais profunda, de-

duzo e u a c apa cid ad e d a rm i s i c a para d a r nascimento a o mi-.. .;

If), isto e , 0 exemplo s ign i f i c a t ive , e precisamente 0rruto ira-

J~ico: a mito que fala em s im i le s a c er ca do conhecimento dio-oisiaco. Com base no fenomeno do poeta lirico, expliquei

rorno nele a musica se es fo r c a , em consequencia disso, por

man i f c s t a r em imagens apolfneas a sua essencia pr6pria: se

I .cnsarmos agora que a rmisica, em sua suprema intensifica-

(~:~10,e rn d e procura r a t in g ir t a m b em uma suprema a f i gu ra c ao ,

dcvemos considerar como alga possfvel que ela saiba en-

«on t r a r outrossim a expressao simb6lica para a sua autentica

sabedoria dionisiaca, e onde mais haveremos d e buscar tal

«xpre ssao scnao na tragedia e, em geral, no conceito do tra-

f) leo?. ...

Da essencia d a arte. ta l como ela e c on ce bid a c om um e n-

Ie, segundo a exclusiva c atego ria d a aparencia e da beleza,

11;10 e possivel de r iva r de maneira a lguma , honestamente, 0

Ir.igico, somente a partir do espfrito da rnusica e que corn-

p r c e nd emo s a alegria pelo aniquilamento do indivfduo. Pois

s(-) nos exemplos individuais de tal aniquilamento e que fica

.laro para n6s 0 eterno fen6meno da arte dionisiaca, a qual. . ' •

I( -v a a expre ssao a vo n ta d e em sua onipotencta, po r assim

.Iizcr. por t r a s do principium indiuiduationis, a vida eterna

I lara alem de toda a aparencia e apesar de todo 0 aniquila-mcnto. A alcgria mctafisica com 0 tragico e uma transposi-1:;10 da sabedoria dionisfaca instintivamente inconsciente para

[100][101 ]

,,-

J~ It 1 . 1 . 1 : D R I c: }--1 .N l E ~l~Z S (_~ _[-I l~.-

( ) r-, i'-. S (__ J L'\·'] r: ='J rl~ (._) ]_) /\ ~~ I{ /\ (.. 1:: I) J A

porCl l1 (OD100 uno vivcn t e , co r n cujo gozo procriador c s t a -a linguagetn d as im a ge ns : 0 he ro i , a ma i s e l cv a d a apa r i c a o

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.. ,

Tambern a arte dionisiaca quer nos convencer do eterno

prazer da ex i s t e n c i a : s6 que n ao d eve rn o s pro c ura r e s s e pra -

zer nas aparencias, mas por tras d e la s . C ump re -n o s reconhe-

eer que tudo quanta nasce precisa es t a r pronto para um do-

loroso oeaso; somos forcados a adentrar nOS50 olha r nos hor-

rores da existcncia individual e 113 .0 devernos todavia

cstarrccer-nos: um C011s010 metaffsico nos a rra nc a m o rn en -

taneamente da engrenagem das f iguras mutantcs Nos m es -

mos somos realmente, por breves i n s t a n t c s , 0ser p r imo r d i a l

e sentimos a seu indomavel desejo e prazer de cxistir: a luta,

o tormento, a aniquilacao das a pa re nc ia s s e nos a fi gur am a go -

fa necessaries, dada a pletora d e incontaveis fo rm as d e exis -

tencia a comprimir-se e a cmpur r a r - s e para entrar na v i d a ,

dada a exuberante fccundidadc da vontade do mundo: n6s

somas trespassados pelo espinho raivante desses t o rmen t o s ,

onde quer que nos tenharnos tornado urn so, por assim di-

zc r, c om .e sse incorucnsuravcl a rquipra ze r n a c xis tc nc ia e on-

de quer que pressintamos, ern cxtasc dionisiaco. a indcstru-tibilidadc e a percnidade dcste prazcr. Apc sa r do mcdo c da

cornpaixao, SOl110Sos ditosos vivcn t e s , nao (On10 i n d iv i duo s ,

1 " 1 1 ( ) s fIIn (1ios .

A , hist6ria da genese ciatragcdia grega nos diz agora, com

l um ino s a precisao, que a obra de a r t c tragica dos hclcnos hro-

tou rcalmcnte do espirito da musica: pcnsamcnto pelo qual

cremes fazer just ica , pela primcira vez, ao sentido originario

e ta o assombroso do cora. Ao rnesmo tempo, porcm, CU1 1 1 -

pre-nos acrescentar que 0 significado, acima exposto, do 111itO

tr .ig ic o n un ca se tornou transparente, COITI nitidez conce i t u a l ,

a o s p o et as g r ego s e , ainda m cn os , a o s fil6s ofa s g re go s; s ellS

herois falam, ern certa rncdida, mais superficiahnente do que

a t uam; a mito n a o encontra de maneira a lguma a sua objeti-

va c ao ad equad a n a pa lavra fa la d a. A a r ti c u la c a o d a s c e n a s e

a s i.uagens perspfcuas rcvclam Ulna sabedoria mais profun-

da do que aquela que 0 pr6prio poeta pode apreender ern

palavras e conceitos: 0mesma se observa em Shakespeare,

cujo Haml e t , por exemplo, em un 1 sentido semelhante, fala

ma i s supcrficialmcntc d o que age, de m o d o que n ao e a par-

tir d a s palavras , por em da visao e da rcvisao aprofundadas

do conjunto que se deve inferir aquela doutrina do Hamle t

a n t e s mcncionada. No tocante a tragedia grega, a qual se 1105a prc sc nta . e rn verdadc, apenas como drama falado, dei a en-

tender inc lus ive que essa incongrucncia entre mito e pala-

vr a poderia f a c i l rnen t e nos desencaminhar, se a considerar-

11105 mais superficial e insignificante do qu e e e , como de-

co r r e n c i a , se th e pressupusermos ur n efeito ainda mais su-

perficial do qu e aquele que, segundo testemunho dos Anti-

go s , ela deve tel' t i d o : pais quao facilmente e esquecido que

aquila que 0 poeta da palavra nao a l c a nc ava , a suprema es-

pir i tua l izacao e iclealidade do mito, e le , como musico cria-

dar, podia conseguir a todo instante! N6s temos pOl' certo

q ue r c c on s tr ui r, para n6s, a preponderancia do efeito musi-

c a l quase po r via e rud i ta , a fim de reeeber a lgo daquele con-

s o lo i n c o rn p ar a vc I que deve ser pr6prio da verdadeira tra-

gcc l ia .~/ Ic sn lo c s s a prepondcraucia !1 1 1 1S ic a 1 ,( ) s e f os sc m o s

g re g os t e- la -i a m o s scntido C01110 tal: ao passu que ern todo

()dcscnvotv.mcnto da mu s i c « hclcnica tao i n f i n i t ame n t em .us r i c a e rn fa c e daquela que n o s e conhecida c fam ilia r _-

c r cm o s ou vi r t30-ScS a c a n c a o juven i l do gcnio !1111Sical , e n -

da von t a d c , C , p a ra 0nosso p ra ze r, n e ga d o, porque e apcnasapa rc n c ia , e a vida etcrna c ia vontade n ao c tocada d e 1110cio

ncnhum por seu a n iqu i l amcn t o . < ' _ : \ J 6 s a c r e d i t amo s na vida

ctcrna", assim c xc lam a a tragedia. cnquanto a mu s i c a 2 a I d c i a

imediata de s s a vida. Urn alvo completamentc diverso rem a

a r t e do artista plastico: aqu i 0sofrimcnto do in divid uo s ub-

juga Apolo mediante a glorificacao l u r n i no s a d a eternidade

da aparencia, aqui a beleza triunfa sabre 0 sof r i rnen to ine-

rente a vida, a dor e , em certo sentido, rnentirosamentc apa-

gada dos tracos da natureza. N a a rte dionisfaca e no seu sim-

bolismo tragico, a m e sm a natureza nos in t c rpe la corn sua voz

verdadcira, inalterada: "Sede como eu sou! Sob a troca in-

cessante das aparencias, a mae p r imo r d i a l eternanlente c r ia -

tiva, e te rn an 1e nte a obrigar a e x i s t c n c i a , e t e r n a n1 en t e a sa t is-

fazer-se com e ss a m u d an c a das apa r e nc i a s ! " .

17.

I!

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r 1. (_)2 ] t. · . l ( ) 3]

I~~.l{ .I l·~ ·r) R .I <_ _ fiN I l _ '~ J-l' 71 S c : f - - I l~

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to a d a c o rn urn tinudo scntimcnro de torca. ()s gregos sao) cu ra r 0 e sp i r i t o da c ic nc ia n a senda onde ele cnf r cn t a hostil-

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.,

C0l1l0 dizern os sacerdotcs cgipcios e t e rna s c r i an c a s , e t a rn -

bern na arte t r . igica sao apcnas c r ian c a s que n a o sa bc rn que

subl ime brinqucdo n a s c eu so b sua s maos c ne l a s f01 d e s -

trocado.

E ss a lur a do espirito d a m us ic a po r reve la c ao figura t iva

e mitica, que se intcnsifica desde o s p ri m o rd i os da linea a te

a tragcdia a t i ca , interrompe-se d e s ubi to , depois d e ape na s

atingido urn vicoso desenvolvimcnto, e C01110 qu e desapa-

feee da s upe rffc ie d a a rte helenica. enquanto a consideracao

d i o n i s f a c a do mundo, nascida desta lura , sobrevive nos m i s -

terios C, nas ma i s maravilhosas me t amo r f o s c s e d e g e n e r a c o e s ,

n a o c e s sa d e a tra i r pa ra s i a s n atureza s m ais se ria s. Sera qu e

e la n ao voltara a e le va r-se um dia, como artc, pa ra fo ra d e

sua pro fun deza m is ti c a?

Aqui n o s o c upa a qucstao de saber se a po t c n c i a po r c uja

atuacao contraria a tragedia se rompe, con t a r . i em todos ostempos com forca suf ic ien t e para impedir 0 redespertar a r-

tist ico da rragedia e da consideracao t r ag ica do mundo. Se

a t r agcd ia antiga foi obrigada a sair do trilho pelo impulse

dialetico para 0 saber e 0otimismo da ciencia, e mister de-

duzir desse fato uma lu ta e te r na entre a consideracao teori-

ca e a consideracdo trdgica do mundo, e, 56 depois de C011-

duzido a se u lim ite 0espfrito da c i e n c i a e de a niquilad a a sua

pretcnsao de validade universal mediante a comprovacao d e s -

ses Iimitcs, dever-se-ia nutrir csperanca de um renascimcnto

da tragcdia: para essa forma de cultura cumpriria e s t abe le -cer como simbolo 0 S6crates rnusicante, no sentido an t e s

examinado. Nessa confrontacao, entendo POf e sp i r i t o da c i e n -

c ia aque la c re nc a, surgid a a luz pe la pr im ei ra vc z n a pe s so a

de Socrates, na sondabilidade da natureza e na forca t e r ap i -

c a u ni ve rs al do saber ~

Quem se lembra das consequcncias imediatas desse e sp i -

rito da cicncia a avancar infatigavelmente hi de perceber de

im e d i a r o como, por s eu intcrrncdio, 0 milo foi an iqu i l ado

e como, po r e s s e aniquilamcnto, a pocsia vcio a s er e xpuls a

de seu solo na tu ra l ideal, tornando-sc da r por diante ap.itri-e ta . S e atribuimos c om razao a rnus i ca a forca que Ih e faculta

f aze r nascer de s i novamcntc 0mito, tambcrn t c r cmo s de pro-

i

me n t e essa fo rc a c ria do ra de mitos que a m us ic a tern. I s s o

ocorrc no desenvolvimcnto do novo ditirambo atico, cuja

mus i cs nao mais exprimia 0 scr interno, a vontadc 1 1 1 e S 1113

mas s6 reproduzia a aparencia de modo in suf ic i cn t c , en) UIl13

imitacao mediada por conce r t o s - mus i c a intcriormcntc de-

generada da qual se apa r t avam as naturczas ve r d a d c i r amcn -te m us ic als c om ave r sa o igual a que dedicavam a t e n d e n c i a

assassina da arte, a S6crates. 0 instinto segura e captante de

A ri st6fa ne s s em d uvid a apreendeu 0 c e r r o quando eonjugou,

no rnesmo sentimento de 6dio, 0pr6prio Socrates, a tragc-

d ia d e Euripides e a rn us ic a d o s novos ditirarnbicos. e fa re -

j o u em to c lo s esses t r e s fenomenos os s ig n os c a ra c te rf st ic o s

de uma cultura degenerada. Por mcio desse novo ditirambo

a r m i si c a foi c o nv e r t i d a , de fo rm a h ed io n da , cr» r e t r a t o imi-

tativo da a pa re n cia , po r exemplo, de Ulna ba ta lha , d e uma

tempestade no mar, e corn isso viu-se totalmente despojadad e sua fo rca criadora d e m ito s. Pois se e la procura excitar

n05SO deleite apenas eln nos ob r i g a ndo a buscar analogias

cxternas entre ur n acontecimento d a vida e d a natureza e de-

t c rm i n a d a s f iguras r f tm ica s e determinados sons peculiares

da rnus ica , se ate a nossa inteligencia deve contentar-se com

o conhecimento de tais analogias, entao somas r eba ixados

a urn estado de animo em que uma concepcao do rnitico e

impossivcl, pois 0mito quer ser sentido intuitivamente CO~

mo exemplo unico de uma universalidade e veracidade de

o lhos fitos no infinito adentro. A mus i c a verdadeiramente dio-n i s i a c a se nos apresenta C01110 urn t a l e s pe l ho geral da von-

t ade do mundo: 0 evento intuit ivo que se refrata nesse espe-

lho ampl ia - se desde logo para 0nosso sentimento, ate tornar-

SL imagem reflexa de uma verdade eterna. Ao contrario, tal

cvcn to e imediatamente despido de todo ca ra t e r mitico peIa

I»n tu ra sonora [TonJnaiere i ]88 do novo ditirambo: agora a

mu s i c a se t o r n ou indigente reflexo da aparcncia e por isso

infinitamcntc mais pobre do qu e esta: pobreza pela qua l a

m u si ca r eb ai xa ainda r na is , pa ra 0 nosso scntimcnto, a apa -

rcncia l l1eS111a, de 1110do que agora, po r exemplo, Ulna bata-Iha imitada r nu s i c a lm cn t c dessa mancira sc csgota ern ruido

Ie ma r ch a s , toques de trombetas e tc ., e n o s s a fan tas i a f i ca

1- 1 . ( ) 5")·1()4]

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0" N A SCI MEN T (~) D A r r R A Ci- E D I AFRIEDRICl-'I NIETZSC":HE

tados ou desgastados au uma pintura sonora. Para a primei-detida justamente nessas superficialidades. A pintura sonora

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-,:!:

1...:

I

J

ra, mal importa ainda 0 texto subjacente: ja em Euripides,

quando seus her6is ou coros comecam a cantar, as coisas de-

sandam em efetiva desordem, ate onde se tcra chegado c om

seus insolentes su c e s s o r e s ?

M a s e no desfecbo dos novos dramas que se revela mais

nitidamente 0novo espirito nao-dionisiaco. Na tragedia an-tiga fazia-se sentir no fim 0 consolo metafisico, sem 0 qual

nao ha como explicar de modo algum 0 prazer pela tragc-

dia. talvez seja em Edipo em Colona onde ressoa de maneira

mais pura 0sonido reconciliador de urn outro mundo. Ago-

ra, que 0genic da rrnisica fugiu da tragedia, a tragedia esta,

no sentido mais estrito, marta: pois de onde se podera agora

tirar aquele consolo metaffsico? Procurou-se por isso uma so-

lucao terrena para a dissonancia tragica, 0 heroi, depois de

bastante martirizado pelo destino, colhia uma bern rnereci-

da recompensa em urn magnifico casamento, em algumas ho-menagcns divinas. 0 her6i se tornara urn gladiador, a quem,

. ipos ter sido bastante maltratado e estar coberto de ferimcn-

t o s , era ocasionalmente doada a liberdade. 0 deus ex rna-

china tomou 0 lugar do reconforto metaffsico. Nao quero

d ize r que a consideracao t r ag ica do mundo tenha sido des-

r ru id a , em toda parte e por completo, pelo acossante espiri-

to nao-dionisfaco. sabemos apenas que precisou fugir da ar-

I e p ar a refugiar-se, po r a ss im dizer, no mundo infero, numa

degenerac;ao em culto secreto. Mas sabre a regiao mais ex -

t c n s a da superffcie do ser helenico raivava 0sopro devasta-(lor daquele espfr i t o que se da a conhecer nessa forma da "sc-

rcnojovialidade grega", da qual ja se falou antes como a de

urn senil e improdutivo prazer na existencia, essa serenojo-

vialidade e 0oposto da csplcndida "ingenuidade" dos hele-

1105 antigos, que se deve conceber, segundo a caracteristica

. lada, como a flor a brotar de urn sombrio abismo da cultura

. rpo l inea , como 0 triunfo obtido pela vontade hclenica, atra-

vc s de seu espelhamento da beleza, sobre 0 sofrimento e a

.'l;tbedoria do sofrimento. A forma mais nobre daquela outra

1 '< irma da "serenojovialidade helcnica", a alexandrina, e a se-r.noiovialidade do bomem teorico. ela exibe os mesmos sig-

I I < )S caracterfsticos que acabo de derivar do espfrito do nao-

""I

e, portanto, em' todos os sentidos, 0 inverso da forca criado-

ra de mitos, da verdadeira musica por seu interrnedio, a apa-

rencia se faz ainda mais pobre do qu e e , enquanto, a t r av c s

da rnusica dionisiaca, a a p a r e n c i a singular se enriquece e se

alarga em imagens do mundo. Constituiu uma grandiosa vi-

t6ria do espirito nao-dionisiaco quando ele, no descnvolvi-

menta do novo ditirambo, distanciou a musica de si propria

e a rcduziu a condicao de escrava da aparencia. Euripides,

que, em urn nexo superior, deve ser denominado uma natu-

reza inteiramente nao-rnusical, t,exatamente por esse moti-

YO, urn adepto apaixonado da nova rmisica ditirarnbica e, com

a prodigalidade de urn larapio, emprega todas os seus tru-

ques de efeito e maneirismos.

Por outro lado, vemos em atividade a forca desse espiri-

to nao-dionisiaco, dirigido contra °mito, se voltarmos n05-

sos olhares para a prevalcncia da representacao de caracte-res e do refinamento psico16gico na tragedia a partir de S6-

facIes. 0 caratcr nao se deixara mais ampliar ate 0 tipo eter-

no, scnao que, ao contrario, atraves de matizes artificiais e

sombreamentos, atravcs da finissima determinacao de todas

as Iinhas, atuara individualmente, de modo que 0 especta-

dor ja nao sinta de forma alguma 0mito, mas sim a poderosa

verdade da natureza e a forca instintiva do artista. Tambern

aqui percebemos 0 triunfo da aparencia sabre 0universal e

o prazer no preparado singular, quase anatomico, respiramos

ja 0 ar de urn mundo te6rico, para 0 qual 0conhecimentocientffico vale mais do que a reverberacao artistica de uma

regra do mundo. 0 movimento nas linhas do caracterfstico

avanca com rapidez: enquanto S6focles ainda pinta caracte-

res inteiros e atrela 0mito ao juga de seu desenvolvimento

refinado, Euripides ja nao pinta mais do que grandes t r a cos

isolados de caratcr, que sabem externar-se em paixoes vee-

mentes; na nova comedia atica hi apenas mascaras com uma

56 expressao, velhos Icvianos, rufi6es enganados, escravos

astutos, incansavelmente repetidos. Onde foi parar agora 0

espirito forrnador de mitos, que e 0da musica? 0 que agoraainda resta da musica e ou rnusica de excitacao ou de rccor-

dacao, quer dizer, ou urn estimulante para nervos embo-

[106] [1071

'L

dionisfaco que ela cornbate a sabedoria e a arte dionisia- res. Todos os 110SS05 mcios educativos tern originariamen-

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cas, que eIa trata de d i s s o lve r . 0mito, que c Ia substituiu um a

consolacao metaffsica por uma consonancia terrena, sim, por

urn deus ex macbina proprio, a saber, 0deus das m.iquinas

e cris6is, vale dizer, as Iorcas dos espiritos naturais conheci-

das e empregadas a servico do egoismo s upe r i o r ; que a c r e -

dita em Ulna correcao do mundo pelo saber, em uma vidaguiada pela c ien cia , e que e e f e t i v amen t e capaz de desterrar

o s e r humane individual em urn c frcu lo estreitfssimo d e ta -

refas solucionaveis, dentro do qual eIe d i z s e r e n o jo v i a lr n e n -

te para a vida: "Eu te quero: tu es digna de ser conhecida".

. .,

~

E urn fenorneno eterno: a vontade avida sernpre encon-

tra urn meio, atraves de um a i lu sa o d i st en d id a s ob re a s c ol-

s a s , d e p r e n d e r a vida a s sua s c r i a tu ras , e de obriga-las aprosseguir vivendo. A ur n algema-o 0 p ra ze r s oc ra ti co do

conhecer e a i lu sao de poder cura r po r seu interrnedio a

ferida eterna da existencia, a outro e n r e d a - o , agitando-se se -

dutoramente diante de seus olhos 0veu de beleza da arte.~ J

aqueloutro, por sua vez, 0 consolo metaffsico de que, sob

o turbilhao dos fenomenos, con t i nua fluindo a vida eterna,

para nao falar das ilusoes mais ordinarias e quase mais for-

tes ainda, que a vontade mantem prontas a cada instante .

Es s e s tres graus de ilusao e s t ao reservados em geral t ao-

apenas a s naturezas mais nobremente dotadas, que sentem,em ge ra I c om de spra ze r mais p ro fundo , 0 fardo e 0 peso

da existencia, e que, a t r ave s de estimulantes escolhidos, sao

enganadas pa r si me s m a s . Desses estimulantes comp6e-se

tudo 0 que chamamos cultura: c on fo rm e a pro po rc ao das

mesclas, te re m os um a c ultur a pr efe re nc ia lm e nte socrat ica

o u artistica ou tragica, ou se se deseja pe rm i t i r cxcmplifi-

cacoes historicas. ha ou uma cultura alexandrina, au entaohclenica, ou budista.

Todo 0nosso mundo moderno est« preso na rede da cul-

tura alexandrina c reconhece como ideal 0homem te6rico,equipado com as mais altas Iorcas cognitivas, que t r aba lha

a service da ciencia, cujo pro t6t ipo e troneo an c e s t r a l e S6cra-

r

i.

te esse ideal ern vista: qualqucr outra existencia precisa lu-

ta r pcnosamentc pa ra po r-s e a sua altura, como cxistcncia

perrnitida c nao como existcncia proposta. Ern ur n sentido

quase aterrador, durante longo tempo, 0 homem culto era

encontrado aqui unicarncntc na forma do homcm douto:

mcsrno as nossas artes pocticas tivcram de desenvolver-sc

a partir de imitacoes doutas e, no efeito capital da rima,

re c o n hc c em os a in d a a genese de nossa forma poetica a partir

de experimentos artificiais com uma linguagem nao fami-

liar, propriamente erudita. Quao incornprccnsivel haveria

de pareeer a, urn grego autentico ° em si compreensivel

homcm culto moderno que e FAUSTO, 0 Fausto que se I a n -

ca, insatisfeito, po r meio de t o d a s a s faculdades, entregue,

por sede de saber, a magia e ao diabo, e a quem basta,

para uma c omp a r a c a o , coloear junto a Socrates, a fim de

se reconhecer que 0 hornem moderno comeca a pressentiro s li m ite s daquele prazer socratico de conhecimento e, do

vasto e deserto mar do saber, ele exige uma costa. Quando

Goethe declara c e r t a vez para Eckermann, a pr6posito de

Napoleao "Sim, meu caro, tambem ha uma produtividade

das acoes", 89 lembra corn isso, de maneira graciosamente

i ngenua , que 0 homem nao-teorico e , para 0 hornem mo-

demo, algo inacreditavcl e pasmoso, de modo que se re -

quer de novo a s abe d o r ia d e urn G o e the pa ra s e a ch a r c o n -

cebivel, sim, perdoavel, uma forma de existencia ta o estra-

nh a d o r a .E agora nao vamos ocultar de n6s mesmos 0que se acha

oculto no regaco dessa cultura socrauca: 0 otirnismo que se

presume scm limitcsl Agora e mister nao assustar-se, se os

frutos dcssc otimismo amadurecem, se a sociedade, Ieveda-

c ia a te a s sua s c am ad as ma i s baixas por semelhante cu l tu ra ,

cstremece poueo a pouco sob efervesccncias e desejos exu-

berantes, se a crcnca na felicidade terrena de todos, se a cren-

c a na possibilidadc d e ta l cultura universal d o saber convertc-

s c paula tin a rn e n tc n a arncacadora cxigencia de scmelhantc

felicidade terrena a le xa nd rin a, n o conjuro de um deus ex In-a-cbina curipidiano! Notc-se 0scguintc: a cultura alcxandrina

ncccssita de U111a classe de escravos para cxistir de forma du-

18.

[108]

FRIEDRICH NIETZSCHE_ _ . . .

o N A SCI MEN T I 0 D A T R A Ci- E D I A

radoura; mas ela nega, na sua consideracao otimista da exis- propriamente, serviam apenas para elevar a rnero fenome-

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'1

tencia, a necessidade de uma classe assim, e par isso, uma

vez gasto 0efeito de suas belas palavras transviadoras e tran-

quilizadoras acerca da "dignidade da pessoa humana" e da

"dignidade do trabalho", vai poueo a poueo ao encontro de

uma horripilante destruicao. Nao hi nada mais terrivel do que

uma classe barbara de escravos que aprendeu a considerara sua existencia como uma injustica e se disp6e a tirar vin-

ganca nao apenas por si, mas por todas as geracoes. Quem

ousara, diante de tais tempestades ameacadoras, apelar, com

animo seguro, para as nossas palidas e extenuadas religioes,

as quais degeneraram, em seus fundamentos, em religioes

doutas: de tal modo que 0mito, 0pressuposto obrigat6rio

de qualquer religiao, acha-se paralisado em quase toda par-

te, e a te nesse dorninio conseguiu impor-se aquele espfrito

otimista que ha poueo tachamos de germe da destruicao de

nossa sociedade.

Enquanto 0 inforninio que dormita no seio da cultura teo-

rica corneca paulatinamente a angustiar 0hornem moderno,

e ele, inquieto, reeorre, tirando-os de suas experiencias, a cer-

tos meios a flm de desviar 0perigo, sem que ele mesmo creia

nesses meios: isto e , enquanto esse homem corneca a pres-

sentir as suas pr6prias consequencias, grandes naturezas, com

disposicoes universais, souberam utilizar com incrivel sen-

satez 0 instrumento da pr6pria ciencia, a fim de expor as li-

mites e condicionamentos do conhecer em geraI e, com is-

so, negar definitamente a pretensao da ciencia a validade uni-versal e a metas universals: prova mediante a qual, pela pri-

meira vez, foi reconhecida como tal aquela ideia ilus6ria que,

pela mao da causalidade, se arroga 0poder de sondar 0 ser

rnais intima das coisas. A enorme bravura e sabedoria de

KANT e de SCHOPENHAUER c onqu i s t a r am a vit6ria mais d if f c i l ,

a vitoria sobre 0otimismo oeulto na essencia da 16gica, que

e , por sua vez, 0 substrata de nossa cultura. Se esse otimis-

rno, amparado nas aeternae veritatis [verdades eternas], pa -

ra ele indiscutiveis, acreditou na cognoscibilidade e na son-

dabilidade de todos os enigmas do mundo e tratou 0espa-<;0, 0 tempo e a causalidade como leis totalmente incondi-

cionais de validade universalissima, Kant revelou que elas,

E nao devo eu, [orca de uma ansia incontida,Puxar esta [igura, unica entre todas, para a vida?90

Depois, porem, que a cultura socratica foi abalada de dois

ladas, e a cerro de sua infalibilidade ela s6 consegue segurar

com maos trcrnulas, primeiro por medo de suas proprias con-

scquencias, que poueo a poueo corneca a pressentir, e ade-

Inais porque ela mesma nao esta mais convencida, com a in-

genua confianca anterior, da perene validade de seus funda-

mentos: de modo que e urn triste espeticulo ver como a dan-

c a de seu pensar se precipita, anelante, sempre sabre novas

figuras, a fim de abraca-las, e depois, de subito, volta a solta-

la s horrorizada, como Mefist6foles a s L am i a s tentadoras. 0

sinal caracterfstico dessa "fratura", da qual todo mundo C05-

[ 11.0]

no, obra de Ma i a , a realidade unica e suprema, bern como

para po-Ia no lugar da essencia mais intima e verdadeira das

coisas, e para tornar por esse meio impossivel 0seu efetivo

conhecimento, ou seja, segundo uma cxpressao de Schope-

nhauer, para fazer adormecer ainda mais profundamente 0

s o nh ad o r (0 mundo como vontade e representacao, I,

p. 498). Com esse conhecimento se introduz uma cultura que

me atrevo a denominar tragica: cuja caracterfstica mais im-

portante e que, para 0 lugar da ciencia como alvo supremo,

se empurra a sabedoria, a qual, nao iludida pelos sedutores

desvios das ciencias, volta-se com olhar fixo para a imagem

conjunta do mundo, e com urn sentirnento simpatico de arnor

procura apreender nela 0eterno sofrimento como sofrimento

proprio. Imaginemos uma geracao a creseer com esse deste-

mor do olhar, com esse her6ico pendor para 0descomunal,

imaginemos 0passo arrojado desses matadores de dragoes,

a orgulhosa temeridade com que dao as costas a todas as dou-

trinas da fraqueza pregadas pelo o t im i smo , a fim de "viver

resolutamente" na completude e na plenitude: nao seria ne-

ccssario, porventura, que 0homem tragico dessa cultura, na

sua auto-educacao para 0serio e para 0horror, devesse de-

sejar uma nova arte, a arte do consolo metaffsico, a tragedia,

como a Helena a eIe devida, e tivesse de exclamar com

Fausto:

[111]

__ .

(-) N· A S < = 1" M I~ N ~] (_ IJ A ~l~ R_ A C:i- l~ D I A- I{ .1 I~ l_~ }{ I c: 1-1 N .1 1: Ir z s (: t· .l l~

tuma falar COIno sendo a doenca primordial da cu1 tura mo-

derna, C , isto sim, que 0homcm tc6rico se assusta diantc deimpeto, unicamentc a luxuria, .ivida de distracoes, daqueles

I,I

·1

I

I

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suas conscquencias c , insatisfcito, n ao m ais s e atrevc a c on fia r ~

se a terrfvel corrente de gclo da cxistencia: angustiado, cor-L ...

re pela margern, para cima e para baixo. J a nao quer te r nada

por inteiro, inteiro tambern com toda a crueldade natural das

coisas. A tal ponto 0amoleceu a considcracao otimista ..Alcmdisso, ele sente que uma cultura edificada sabre 0 principio

da ciencia tern de vir abaixo, quando comeca a tornar-se i16-

gica, i s to e , a refugir d e suas con s cquenc i a s . Nossa arte re -

vela esta rniseria universal: e inutil apoiar-se imitatlvamente

em todos as grandes periodos e na turezas produuvos, e i nu-

til reunir ao redor do homern moderno, para 0 seu rccon-

forto, toda a "literatura universal", e coloca-lo no meio, sob

os estilos artisticos e artistas de todos os tempos. para que

ele, como Adao procedeu com os animais, lhes de urn no-

me: ele continua sendo, afinal, 0eterno faminto, 0 "enrico"se m prazer n em fo rc a, 0 alexandrine, qu e c } no fundo, ur n

bibliotecario e urn revisor e que es t a miseravelmente cego

devido a poeira dos livros e aos erros de impressao.

circulos florcntinos. c a vaidadc de seus cantorcs dramati-

I

cos? Que na mesma epoca, sim, no mesma povo, despertas-

se junto ao edificio abobadado das harmonias palestrinianas,

em cuja construcao trabalhara 0 conjunto do Medievo cris-

tao, aquela paixao por urn gcnero semimusical de falar, e al -

ga que 56 consigo explicar atraves de uma tendencia extra-artistica co-atuante na essencia do recitative.

Ao o uvin te que deseja c ap t a r c om nitidez a palavra sob

o canto corresponde 0 cantor, pelo faro de falar mais do que

cantar e de agucar nesse semicanto a expressao patetica da

palavra: por meio desse agucamento do pathos, ele facilita

a compreensao da palavra e subjuga aquela metade da musi-

ca ainda r e s t a n t e . 0 efetivo perigo que agora 0 a r n e a c a e que

alguma vez conceda intempestivamente a preponderancia amusica, de modo que 0pathos do discurso e a clareza da pa-

lavra terao de ir a pique: enquanto, de outra parte, 0 cantorsente sempre 0 impulso para a descarga musical e para a apre-

sentacao virtuosistica de sua voz. Aqui vern em sua ajuda 0

"poeta", que sabe oferecer-lhe oportunidades suficientes para

i n r e r j e i c o e s liricas, para repeticoes d e palavras e sentencas,

etc , :passagens ern que 0cantor pode agora descansar no ele-

mento puramente musical, sem considerar a palavra. Esse a l-

ternar-se do discurso afetivarnente impressive, mas apenas

meio cantado, e da intcrjeicao inteiramente cantada, que es-

ta n a essencia d o stilo rappresentatiuo, esse esforco, rapida-

mente alternante, de agir ora sobre 0 conceito e sabre a rc-presentacao, ora sobre 0 fundo musical do ouvinte, e algota o completamente inatural e tao intciramcntc contrario aos

impulses artisticos tanto do dionisfaco quanta do apoHneo,

de iguaI maneira, que e preciso inferi r uma fonte originaria

do recitative situada fora dos instintos artisticos. Segundo essa

descricao, cumpre definir 0 recitat ivo como a mescla da de-

clamacao epica e Iirica e nunca, na verdade, como uma mis-

t u ra C0111c o n s i st c n c i a intima, que ern coisas tao absolutamen-

tc dfspares nao poderia ser obtida, mas uma conglutinacao

a mais cxtrinseca, ao 1110do de mosaico, algo de que nao ha

ncnhum modclo prcvio e similar no dominic da cxpericncia

e cia natureza .Mas ndo era essa a opiniao daqueles inuen-

I .

I,.i

I.

"

,

;1

.i

=. i:

..

i!1 · 1 .II;I..

19.

Nao se pode caracterizar de forma mais aguda 0conteu-

do intima dessa cultura socratica do que denominando-a cul-

tura da opera. pois, nesse dominic, a cultura pronunc iou -

se sabre 0 se u querer e conhecer, CODl U111a ingenuidade pr6-

pria, para a nossa adrniracao, quando comparamos 0gcnero

da 6pera e 0fato rnesmo do desenvolvimento da 6pera COIn

as perenes verdades do apolineo e do dionisfaco. Lemb r a r e i

primeiro a formacao do stilo rappresentatiuo e do recitati-~

VO. E crivel que essa rnusica de 6pera inteirarncnte exteriori-

zada, incapaz de devocao, pudesse ser recehida e cultivada

com entusiastico fervor, COll1() se fora, por assim dizer, 0rc-

nascimento de toda vcrdadeira mus i c a , po r U111 aepoca er n

que acabava de elevar-sc a r nCi s i c a incfavclmcntc subl ime c

sagrada de Palcstrinar'" E quem, de outro lado, tornaria res-

ponsavel pelo gosto da opera, que se espalhou corn tanto

,

I,I

I

I! i

I 1

! I.

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[112].t,.,. ..

[113]

F R .1 r: l_") It I < = 1··1 N lET Z S c: H· E. . . . .

() N.A SCI ·rvI · I - ~ : N ~I' C_) TJ A_ j_~ R _t\_ C~ I~ IJ I A

tores do recitatiuo, acreditavam antes, eles pr6prios e com

eles os seus contemporancos, que a t r ave s daquele stilo

co em ameacadora e espantosa exigencia que, em face dos

presente,

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rappresentatiuo ficava desvendado 0segredo da rm i s i c a an-

tiga, iinico meio a partir do qual se podia explicar 0enorme

efeito de um Orfeu , de urn Anfion'" e inclusive da tragedia

grega. 0 novo estilo foi considerado como 0ressurgimento

d a mais e f icaz das m usic as , a g re ga antiga: Sill, dada a COil-c epc ao g er al, e inteiramente popular, do mundo homcrico

como mundo primordial, era mister en t regar-se ao sonho

de se haver baixado ao c o rn ec o paradisfaco da humanidade,

onde necessariamcnte a musics tambcm devia ter tido aquc-

la insuperavel pureza, poder e inoccncia, de que os poetas

sabiam falar de maneira ta o tocante em suas cornedias pasto-

r ai s. V e m o s ai, em s eu mais Intimo devil', esse genera artisti-

co de fato propriamcntc modcrno, a opera: uma poderosa

necessidade conquista para s i, a fo rca , urna arte, porem esta

e uma necessidade mcsrctica: a nos t a lg ia do idilio, a crencaem uma existencia a rqu ip r im i t iva do homcm artfstico e born.

o recitativo foi tornado c o r n u a l inguagcm reclescoberta da-

quele horncm primevo, a opera, como a terra reencontrada

daquele s c r i c lf li c o ou hc r o i c a r n c n t c born, que segue ao m c s -

mo tempo, e1n todas as suas acocs, unl impulso artistico na-

tural, que, e rn tudo quanta tern a d izc r , canta ao m o n o s urn

pouco, para, de pronto, a mais ligeira excitacao afetiva, can-

tar a plena V02. P ar a n os , agora , e indiferente que os huma-

nistas de entao, com essa re cr ia da im age m do artista paradi-

siaco, combatesscm a velha idcia eclesiastica a respeito deurn hornem em si corrompido e perdido: de modo que se

deveria entender a 6pera como 0 dogma de oposicao do 110-

m em bo rn , dogma c om que se achou, porern ao mcsrno t em -

po, urn meio de consolacao contra aquele pessimismo a que

eram mais fortemente atraidos, dada a horrenda inseguran-

c a de todas as c i r c un s t an c i a s , precisamente os espiritos s e-

rios daquele tempo. Basta-os haver reconhecido que 0fasci-

n io efetivo e, com eIe, a genese dessa nova forma de arte re-

sidem na sa t i s facao de U111 a necessidade totalmente inesteti-

ca, na glorificacao otimista do ser humane em si, na concep-

cao do h0111ell1prirnitivo como 0hornem born e artfstico par

natureza: esse principia da 6pera se transformou poueo a pou-

~... -

xar de ouvir. 0 "homern born primitivo" quer seus direitos:

que perspectivas paradisfacas!

Aponho a I s s o mais uma confinuacao, ig ua lm e nte c la ra ,

de meu ponto de vista, de que a 6pera e s t a construida sabre

as mesmos principios que a nossa cultura a l ex and r i n a . A ope-ra e 0 fruto do homem te6rico, do leigo critico, nao do ar t i s -

ta : ur n dos fa tos m ais e s tran ho s n a hist6ria d e todas as artes.

Entender a c im a de tudo a paIavra foi uma exigcncia dos ou-

vintes propriamente amusicais: tanto aSSilTIque s6 se pode-

ria esperar urn renascilnento da arte dos sons se se desco-

brisse ur n modo de cantar em que a pa lav ra do texto dorni-

nasse 0 contraponto COIllO 0 senhor domina 0 servo. Pais

as palavras sao ta o mais nobres do que 0acornpanhante sis-

tema harm6nico quanto a a lma e ma i s nobre do que 0 cor-

po. Corn a lciga crueza amu s i c a l desse ponto de vista tratou-se, nos inicios cla6pera, a uniao entre 111(1Sic :1 ,magcm e pa-

lavra; no sentido dessa c s t c t i c a . chegou-se tambem nos cfr-

culos aristocraticos de Flo r c n c a , por meio dos poetas e can-

torcs ai patrocinados, aos primciros experimentos. 0 hornem

artisticamcnte impotcnre produz para 5i uma e spec ie de ar-

tc, precisamcntc pelo fato de ser em si urn homem inartisti-

co. Por nao pressentir a profundeza dionisiaca da musica,

transforma fruic a o m us ic a l em re to r i c a intelectual de pa la -

vras e sons da paixao no stilo rappresentatiuo e em volupia

das artes do canto; par nao ser capaz de contemplar nenhu-r na vi sa o, obriga 0 m aquin ista e 0 c en6grafo a se porem a

seu service, por nao saber apreender a verdadeira esscncia

do artista, conjura diante de si, a seu gosto, 0 "ho m em a rtfs -

tico primitivo", isto e , 0homem que, em paixao, canta e diz

versos. Ele sonha a s i mesmo numa epoca ern que a paixao

basta para produzir cantos e poemas: como se 0afeto r ives -

se sido capaz de eriar algo a r t f s t i co . 0 pressuposto da opera

e uma fa ls a c rc n ca acerca do processo artistico, a saber, a

crenca idilica de que, a bern dizer, todo hornem sensitivo eurn artista. No sentido dessa crenca, a 6pera e a expressao

do laicado n a arte, que dita as suas leis com 0otimismo sere-

nojovial do homern te6rico.

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FRIEDRICH NIE~rZSCHE o NASCIMENTO DA ~_'RAGEDIA

de perfume docemente sedutor, das profundezas da consi-

deracao socratica do rnundo.

Se desejassemos unifiear em urn conceito unico as du a s::: .~

~

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Sobre os traces marcantes da 6pe r a nao se estende, por-

tanto, de modo a l gum , aquela d o r e le g ia c a de uma perda e t e r -

n a, m a s antes a serenojovialidade do eterno r e e n c on t r a r , 0

comedo p r az e r de urn m un d o id flic o afetivo, 0qual se p od e

imaginar a cada momenta como efetivamente r ea l: a cuja vis t aa lguma vez se pressente, quica, que e s s a pretensa realidade

nao e senao urn nescio brincar fantastico, a que todo h om em

c apa z d e m ed i-Io c om a te r r rve l seriedade da verdadeira n a -

tureza e compara-lo com as autenticas cenas p r imeva s dos

prim6rdios d a humanidade deveria bradar c om asco. Fora

c o m 0 fantasma! Nao obstante, enganar-nos-Iamos s e a c re d i-

ta ss em o s que se ria po ss tve l, s im p le sm e nte c om urn g ri to e ne r-

g i c o , afugentar, como a urn espectro, semelhante ser de b r i n -

c ad e ir a, q ue e a o pe ra . Q ue m quis e r aniquilar a opera, t e ra

de empreender a l ut a c o n t ra aquela s er e no jo v ia li d ad e a le xa n -d rin a que nela s e e x pr e ss a tao i n g e nu ame n t e acerca de sua

ideia f avor i t a , sill, cu ja autentica forma d e a r te e la e . Mas 0

que se ha de esperar para a pr6pria arte, da atuacao de uma

forma artistica cujas fontes primordiais nao residern, de rna-

neira nenhuma, no ambito do estetico, que, a bern dizer, se

contrabandeou d e um a e s fe ra m e io m o r a l pa r a 0dominic a r-

ustico e que 56 aqui e acola pode alguma vez iludir sabre es-

sa f o rm a c a o hfbrida? De que seivas se nutre e s s e ser pa r a s i -

t a r to qu e e a opera, se n ao sao as da ve rdade i r a arte? Nao e

de se presumir que, s ob s ua s idflicas s e du c o e s , sob s ua s a le -xa nd rin as a rte s d a lisonja, a s up re m a e, c um p re a ss im c ha m a-

la , ve rd ad ei ra m en te s er ia tarefa d a arte livrar a vista d e

olhar no horror da noite e salvar 0 sujeito, gracas ao balsa-

mo da aparencia, do espasmo dos movimentos do querer _.

degenerara em vazia e dissipadora tcndencia ao divertimen-

to? 0que sera das sempiternas verdades do dionisfaeo e do

apolineo numa tal mistura de es t i los , como eu a expus na es-

s e n c i a do stilo rappresentativo, onde a rmisica e considera-da como serva, a palavra do texto c o m o senhor, onde a m u-

sica e comparada ao corpo e a palavra do t ex to a alma, on-d e , n o m elho r d os casos, 0mais alto de s ign i o estara dirigido

para um a pintura sonora transcritiva, similarmente ao que

representacoes h a POllCO descritas, que atuam na f o rm a c a o

d a o pe r a , s6 n os re s ta r ia fa la r de um a tendencia idilica da

o p e r a : n o que teriamos d e s e rv ir -n o s exclusivamente do m o -

do de expressao e de explicacao de Schiller. Ou bern, diz

eIe, a natureza e 0 ideal sao objetos de luto, quando aquela

e representada como perdida e este como inalcancado; ouamb o s sao objeto d e alegria, n a m ed id a em que sao r ep r e -

sentados como reais. A primeira proporeiona a elegia em

senso estrito, 0 segundo 0 idilio em sensa mais amplo. Aqui

e precise de pronto chamar a a te nc ao pa ra a caracteristica

comum dessas duas representacocs na genese da 6pe r a , au

s e ja , q ue 0i d e a l nao e sentido n ela s c o m o inalcancado, n em

a natureza como perdida. Houve, segundo ta l modo de sen-

tir, uma epoca primordial no ser humane em que este habi-

tava 0 coracao da natureza, e nessa na t u r a l i dadc havia atin-

gido, ao mesmo tempo, 0 ideal da humanidade, numa bon-dade e artisticidade pa r ad i s f a ca s ; desse hornem primevo per-

feito todos n6s descenderfarnos, sim, serfamos ainda s ua co-

pi a fiel: precisarfamos apenas n o s despojar de a lg um a s c o l-

sa s para n os re co nhe ce rm o s n ova m en te como e ss e ho m e m

primitivo, isto e , poder efetuar uma renuncia voluntaria d a

erudicao superf lua , da cultura ex ce s s iv a . 0 hornem culto

da Renascenca deixava-se reconduzir, por sua im i r a c a o ope-

ristica da tragedia grega, a s em e lh a n te consonancia de na t u -

reza e ideal, a uma realidade idflica, u ti li za va e ss a tragedia,

como Dante ut i l izou Virgilio, para ser gu i ado ate as portasdo Paraiso: enquanto, a partir dai, e le s eg ue adiante po r s i

m esm o e pa ss a de um a imitacao d a suprem a fo rm a gre g a

d e arte a um a "restituicao d e todas a s c ois a s " , a um a re pro -

ducao do protomundo artistico d o se r humano. Q ue c o n-

fia n te bo nd ad e d e c ora c ao e a dessas a r r o j ada s aspiracoes,

no seio da cu l tu ra te6rica! a explicar-se u n i c ame n t e pela

crenca c o n s o l a d o r a de que "0 homem em si' e 0 her6i ope-

rfstieo eternamente virtuoso, 0pastor eternamente a t o c a r

flauta ou a eantar, de que no fim ha de sempre reencontrar-

se a si mesmo como tal, easo tenha alguma vez efetivemen-te perdido a si m e s m o , algures, por algum tempo, fruto uni-

co daquele otimisrno que se eleva aqui, qual uma co luna

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[116] [117]

F l~ r E DI{ I (~J-I N lET Z S c: J-I ,l,~--

(_NA S C 1M E N- T () L) A. -' · HAG· I~I)1 A

o genio da musica a revirar-se diante deles com uma forcaocorreu outrora no novo ditirambo atico, onde a musica e

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de vida incomprecnsivcl, sob movimentos que nao querem

ser [ulgados, nern em t e rm o s da beleza eterna nem t ampou -

co do sublime. Ii Dreciso s6 ver alguma vez de perto e em. . . .

pessoa esses protetores da mus i c a , quando ta o infatigavel-

mente exclamam: Beleza! Beleza!) quer se distingam nisso co-

mo os filhos prediletos da natureza, mirnados e formados no

seio do belo, quer procurem, muito mais, uma forma que en-

cubra mentirosamente sua pr6pria crueza, urn pretexto es-

tetico para 0seu proprio prosaismo ta o pobre de sentimen-

tos: e aqui penso, por cxemplo, em Otto Jahn.94

Mas que 0

mentiroso e 0 hipocrua tomen1 cuidado corn a rnusica ale-

r na : p ai s justamente ela e , e rn meia a toda a nossa cultura,

o unico cspirito de fogo limpo, puro e purificador, a partir

do qual e para 0 qual, COD10 na doutrina do grande ITc rac l i to

de Efeso , se movcm en1 dupla 6rbita circular todas as coisas:

tudo 0 que charnamos agora de cultura, cducacao. civiliza-

\ = a o tera algum dia de comparccer perante 0infalivcl juiz Dio

inteiramente alheada de sua ve rd ad e i r a dignidade, a de ser

espelho dionisiaco do rnundo, de tal modo que s6 the festa,

C01110 escrava d a aparencia, arremedar a c s s c n c i a formal desta

e, no jogo das linhas e proport;oes, provocar Ulna diversao

externa? A uma c o n s i d c r a c ao mais severa, essa funesta in-

flucncia da 6pera sobre a musica coincide precisamente com

o conjunto do dcscnvolvimento musical moderno; 0otimis-

rn o espreitante na gen e s e da 6pera e na essencia da cultura

por ela representada logrou, com angustiante rapidez, des-

pir a rnusica de su a destinacao un iversa l dionisfaca e imprimir-

Ihe urn carater divertidor, de jogo de formas: alteracao com

a qual s6 se d e ve ri a c o m pa ra r, porventura, a metamorfose

do homem esquiliano no homem serenojovial alexandrino.

Se todavia relacionarnos COIn r az ao , n a cxempliticacao in-

dicada, 0desaparccimento do espirito dionisfaco a uma trans-

formacao e degcneracao altan1ente chocantcs, mas ate agora

inexplicadas, do homcm grego que csperancas devcm

avivar-se em nos quando os mais seguros auspicios nos afian-

e ar n a o co rr en cia d o p r o ce s s o inuerso, 0 despertar gradual

do espirito dionisiaco ern nosso mundo presente! Nao e pos-sivcl que a forca divina de I~Ieraclesse cntorpeca etcrnamente

na voluptuosa corveia a Onfale. 93 Do fundo dionisfaco do

espfrito alcmao alcou-se urn poder que nada tern ern comum

com as condicoes pri rn igen i as da cultura socratica e que nao

e explicave! nem dcsculpavel, a partir dela, sendo antes sen-

tido por esta como algo terrivelmente inexplicivel, como algoprcpotentcmcnte hostil, a musica alema, tal como nos cum-

pre entende-la sobretudo em seu poderoso curso solar, de

Bach a Beethoven, de Beethoven a \Vagner. 0 que podera

empreender, no melhor dos c a so s , 0 socratismo d e nossosdias, cobicoso de conhecimentos, com esse demonic surgi-

do de profundezas i nexaurfvei s? :.Jem a par t i r dos floreios earabescos da melodia operistica, nelTI com a ajuda da tabua

aritrnetica da fuga e da dialetica contrapontfstica, encontrar-

se-a a formula a cuja luz t res vezes potenciada se conseguis-

se subjugar esse dem6nio e se pudesse obriga-lo a fa lar . Quecspetaculo e 0de nossos estetas, quando agora, com a rede

de uma de suas pr6prias "belezas", tentarn golpear e agarrar

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11.lS1C) t

T.Jenlbrel l lO-110S em seguida c omo , POf meio de Kant e

Schopenhauer, 0 espirito cia[itosofia alema, manando de

fontes idcnticas, viu-sc possibilitado a dcstruir 0 satisfeito pra-

zer de existir do socratismo cientffico, pcla rlcmonstracao de

seus limites, e C01110 atravcs dessa dcmonstracao se introdu

ziu urn modo infinitamente mais profundo e ser i o de consi-

derar a s quest6es eticas e a arte, modo que podemos desig-

nar francamente C01110 a sabedoria dionisiaca expressa emconceitos: para onde aponta 0misterio dessa unidade entre

a musica alcrna e a filosofia alcma, se nao para uma nova for-

ma de existcncia, sabre cujo contcudo s6 podemos informar-

nos pressentindo-o a partir de analogias helenicas? Pois, p~-

fa n6s, que estamos na fronteira divisoria de duas formas di-

ferentes de existencia, 0modela helenico conserva 0 inco-...

men su rav c l valor de que nele tambern se acham impressas,

em uma forma classicamente instrutiva, todas aquelas tran-

sicoes e lutas: s6 que n6s revivemos analogicamente em Of-/' .. .. 1J I •

dem inuersa, por assim dizer, as grandes epocas pnncipaisdo ser helenico, e agora, por excrnplo, parecemos retroce-

der da era alexandrina para 0perlodo da tragcdia, Nissa vi-

[',118]

po , degenerar da mais perigosa forma 0 juizo sobre 0 valo r

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C) .N A S c: I MEN rl~ C) I~) A ~ I . - ' II A < _ _ - ; E D I A

vc em n o s a sensacao de que 0 nascimcnto de uma era t rag i -

ca tivesse significado para 0 espirito alernao apenas urn re-

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dos grcgos para a cultura; a expressao de Ulna c omp a d e c i d a

superioridade f az -s e o u vi r nos ma i s diversos a c amp am en t o s-- .

do espfrito c d o naoespirito; em ou t ras partes, um a retorica

t o t a lmen t e ineficaz brinca com a "harmonia grega", a "be-

leza grcga", a "serenojovialidade grega". E precisamente nos

cfrculos cuja dignidade poderia consistir em tirar agua sem

descanso do Ieito do rio grcgo para a salvacao da cultura a l e -

r n a , no circulo dos professores das instituicocs superiores da

cultura, e onde melhor se aprendeu a ajeitar-se rapida e co-

m od am en te c om o s gre go s , indo-se n ao r a ro ate um a re nun -

cia cetica dos ideals helenicos e ate uma completa inversao

do verdadeiro prop6sito de todos as estudos sobre a Anti-

guidade. Quem naqueles circulos nao se exaur iu por com-

ple to n o a fa de ser u rn r e vi so r confiavel d e velhos textos ou

urn m i c r os c o pi st a h is t6 r ic o -n a tu ra l da linguagem, este talvez

procure apropriar-se "historicamentc", ao lade de outras An-

tiguidades, tambem da Antiguidade grega, mas sempre segun-

do 0metoda e c om o s a r e s de superioridade de n os sa a tua l

h is to r io g ra fi a c u lt a . Se , por conseguinte, a autentica forca edu-

cativa das instituicoes superiores de ensino nunca foi, a bern

dizer, mais baixa e dcbil do que no presente, se 0 "[ornalis-

ta", 0 escravo de papel do dia, levou de vencida, em tudo

o que se refere a cu l tu ra , 0 professor de ensino superior, e

a e ste ultimo nao resta s e n ao a metamorfose, t a n t a s vezes ja

expe r imen t ad a , de agora movimentar-se t ambe rn conforme

o estilo do i o rnal i s ta , com a "leve elegancia" d e s s a esfera,

qual mariposa serenojovial e culta com que penosa per-

tu rbacao semelhantes homens cu l to s de ur n tal presente de-

ve rao fita r e sse fenomeno, a ressurreicao do espirito dioni-

sfaco e 0 renascimcnto da tragedia, que s6 se poderia com-

preender par analogia, a partir do fundamento mais profun-

do do ate aqui incompreendido genic hclenico? Nao hi ne-

nhum outro pc r fo do artfstico em que a assim chamada cu l-

tura e a ge nufn a a rte te nha m sido tao alheadas e tao distan-

ciaclas, uma ern r e l a c ao a outra, como 0 que vernos com as

no s s o s proprios olhos n o prcsente. Entendemos po r que umacultura tao raquitica odcia a verdadeira arte: pois teme que

se de atraves dela 0sell ocaso. Mas sera qu e toda um a espe-

torno a ele mesmo, urn bem-aventurado recncontrar-se a si<

pr6prio, depois que, par longo tempo, cnormes poderes con-

quistadores, vindos de f or a, h av ia rn reduzido a escravidaode sua forma 0 que vivia em desamparada barbaric da for-

ma. Agora, por fim, ap6s 0 regresso a fonte primeira de seuser, pode ele ousar apresentar-se, destemido e livre, diante

de todos os pOVOS, s em a andadeira de uma civilizacao ro-

man i c a . contanto que saiba aprender f i rm em en t e de urn po -

VO, do qual 0 simples fato de poder aprender ja e por 5i umagrande g16ri a e uma r a r a distincao, dos gregos E, desses su-

premos m e st re s, e m que momenta pr ec is arfa m os m a is d o que

agora, quando nos e dado ass i s t i r ao renascimento ci a trage-

dia e estamos em perigo de nao saber nem de onde ela vern

nem de pod e r explicar-nos aonde ela quer if?

i,

20.. .

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Conviria que a lguma vez se pes a s s e , diante dos olhos de

u rn ju iz insubornavel, em que tempo e em que hom en s 0es-

pirito a l e rn ao se esforcou ma i s vigorosamente po r ap rend e r

dos gregos, e se admitirmos com confianca que esse louvor

iinico deveria ser atribufdo a nobilfssima lura de Goethe,

Schiller e Winckelmann pela c ult ur a, h av er ia em to d o c a s o

qu e acrescentar que , d esd e aquele tempo e d epo is d a s in -

f luenc i as imediatas d a qu ela lu ra , tornou-se c a d a vez mais fra-o ca, de maneira incompreensfvel, a aspiracao de chegar por

um a m esm a via a c ultur a e a os gregos. Pa ra n ao precisarmos

duvidar inteiramente do espirito alcmao, nao deveriamos ex-

trair dai a conclusao de que, em algum ponto c api ta l, ta m -

pouco aqueles lutadores conseguiram penetrar no am a g o do

ser helenico nem estabelecer uma duradoura uniao amorosa

entre a cu l tu ra alerna e a helcnica? ..Tanto e ass im que tal-

vez urn reconhecimento inconsciente dessa falta teria susci-

ta d o tam be rn em naturezas m a is s cr ia s a pus ila nim c diivida

de saber se elas, ap6s taispredecessores, ch eg a r i am rnais lon-ge do que estes no rcfcrido caminho da cultura e se chcga-

riam r e a lmen t e a meta. Destarte, vc rn o s , desde aquele t e r n -

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cie de cultura , a saber, aque la cultura soc ra t i co - a lexandr ina ,

nao teria se c on sum id o, d epo is que pede culminar ern alga

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be ra nte me nte vivo , ta o no s t a l g i c amen t e incomensuravel. A

t ragedia esta sentada em rncio a esse transbordamento de vi -

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ta o bonitinho e franzino C01110 e a c u lt ur a do presente? Se

her6is c o m o Schiller e Goethe nao conseguirarn arrombar

aque la porta encantada que c o nduz a montanha rnagica he-

lenica, se, c o m to d o 0empenho decidido, nao chegaram ma i s

longe do que aquela mirada nos t a lg ica que, da Taurida bar -bara, a Ifigcnia goethiana luanda, por sobre 0mar, para a sua

patria, que esperanca restaria aos epigonos de semelhantes

her6is, s e a porta, de repente, nao se lhes abrisse por s i mcs-

Ina, em U1n l ado de todo diferente, nao tocada a te agora por

todos os esforcos d a cultura sob os sonidos mfsticos da

ressuscitada m u sic a t r ag ic a?

Q ue n in guem te n te e n fra que c e r a nossa fe em urn imi-

nente r c n a s c imc n t o da A ntig uid ad e g re ga _: pois s6 nela en-

conrramos nossa espe r a n c a de um a rcnovacao e purificacao

do cspfrito alernao .uravcs do fogo magico da musica. Queoutra coisa s abc r fa rn os n orn ca r que , na dcsolacao c exaus-

tao d a c ult ur a a tual, pudesse despertar a lgurna expectativa

consolaclora pa ra 0 fu tu ro ? D e ba ld c c sp rc ita m o s por uma raiz

v ig o r o s amen t e ramificada por ur n pedaco de terra s a d i a e

fcrtil: por t oc la parte po, a re ia , rigidcz, consuncao. Aqui, ur n

so l i t a r io desconsolado nao poderia cscolher melhor simbo-

10 do que 0 Cavaleiro corn a Morte e 0 Diabo, COIDO Dur e r

o desenhou, 0 cava le i ro arnesado, com 0 olhar duro, bron-

zeo, que sabe t om a r 0 se l l carninho a s su s t a d o r , imperturba-

do por seus hediondos companhciros, e, nao obstante, de-sesperancado, sozinho c om 0 se u c o re e l e 0 s e u c a o . U 1n ta l

cava le i ro durcriano foi 0 nosso Schopenhauer: faltava-Ihe

qualquer esperanca, m as que ria a verdade. Nao ha que m s e

lhe iguale.

Mas como se mod i f i e a de subito esse deserto, hi POllCO

tao sombriamente d e s c r i t o , de nossa extenuada cu l tu ra , quan-

d o a magia d i o n i s f a c a 0 t o e a ! Trn ve n to d e tempestade apa-

n ha tudo 0 qu e e gas to , padre, quebrado , atrofiada, envol -

ve-o no torvelinho de Ulna nuvern rubra de poeira e 0carre-

ga c om o un 1 abutre pelos a r e s , Confuses. o s n osso s o lha re s

bUSC31ll 0 desaparecido: pais 0que eles veem alcou-se como

de urn fo ss a pa ra uma luz de aura, ta o plena c ve rde , ta o cxu-

[122]

d a , s o fr im e n to e pra ze r: e rn exta se sublime, e la e s c uta urn

c a n ta r d i st an te e melanc6lico e um cantar qu e fsla das Ma e s

do Ser , cujos names sao: I lu sa o , V o nt ad c , DOr .95 S im ,

meus amigos, crede camigo na v id a d io n is fa c a e no renasci-

menta da tragedia. 0 tempo do homern socratico passou:c o r o a i - v o s de he ra , tomai 0 tirso na m ao e nao vos admireis

se tigres e panteras se deitarern, acariciantes, a vossos pes.

Agora ousai ser homens tragicos: pois sereis redimidos.~

Acompanhareis, d a India at e a Gre c i a , a pro ci s sa o fe s r iva d e

Dionisio! A rm a i-vo s pa ra um a dura pe le ja , mas crede nas r n a -

rav i lha s de vasso deus!

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Re t o r n a ndo desses tons cxortatorios a disposicao do a n i -m o que convcm a o h0 11 1C n1 contemplativo, repito que so -

mente dos gregos e possivel aprcnclcr 0que scmclhantc des-

pertar rniraculoso e inopinado cIatragcdia deve significar para

o fundo vital mais inrimo de urn povo. () povo dos Misterios

tragicos e 0 qu e trava as batalhas contra o s persas c , por sua

vez , 0 povo que conduziu aquc la guerra tern a tragedia c o -

mo necessaria bebcragcm cura t iva . Quem iria presumir que

precisamente neste povo, depois que ao longo de varias ge-

racoes fora agitado a te 0cerne pelas mais fo r t e s convulsocs

do demonic dionisiaco, o c o r r e r i a uma efusao ta o uniformee vigorosa do mais simples sentimento politico, dos instln-tos mais n atura i s d a patria, do ma i s primitive e varonil pra -

zer do combate? Pois se sernpre se percebe, e rn cada propa-

gacao significativa de excitacoes dionisiacas, como a libera-

c ao dionisfaca das cadeias do individuo se faz scnsivel, antes

de tudo, em prejuizo dos instintos poli ticos, a te a indiferen-

ca , sim, ate a animosidade, e tambem cerro, de outro lado,

qu e 0Apolo formador d e Estados e ou t ross im 0 genio d o

principium indiuiduationis, e que n e r n 0Estado, nem 0sen-

so da patria podem viver sem a afirmacao da personalidade

individual. Para s a ir d o orgiasmo n ao ha , para ur n povo, se -

nao um caminho, 0carninho do budisrno indiano, 0qual, pa-

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ra ser suportavel em seu anseio do nada, neccssita daqueles

raros estados cxtaticos, com sua elevacao acilna do cspaco,

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to, de outra par te , gracas a esse mesmo mito tragico, sabe

libertar-nos, na pessoa do hcr6i tragico, da avida i rnpulsao

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do tempo e do individuo, assim como estes, por seu tu rno ,

e x ig em um a filosofia que ensine a superar, a t r av e s de U111a

rcprcscntacao, 0indescritfvel prazer dos estados intcrmcdia-

rios. De modo igualmente necessario cai urn povo, a partir

da vigencia incondicional dos impulsos politicos, nurna viade rnundanizacao extrema, c uja e xp re s sa o grandiosa, mas

tambcm horrorosa, e 0 imperium romano.,

Co l o c a d o s entre a India e Rom a , e irnpelidos a um a elei-

cao transviadora, conseguiram as gregos inventar, com clas-

sica pureza, uma terceira forma, sem duvida nao para longo

uso proprio, mas por isso m e s m o destinada a imo r t a l i d ad e .

U ma ve z que o s favoritos dos deuses morrem cedo, i5S0 va -

le em todas as coisas, porern nao menos certo e que, depois,eles vivem eternamente com as deuses. Do ma i s nobre nao

se exija pois que possua a duradoura resistencia do c ou ro :a s6lida durabilidade, como a que fo i propria, p or e xe m plo ,

do impulso nacional romano, nao pertence provavelmente

aos predicados necessaries da pe rfe ic ao . M as se perguntar-

mos qual foi 0 remcdio que permitiu aos g r e go s , em suas

grandes epocas, em qu e pese a extraordinaria forca de seus

impulsos dionisiacos e politicos, nao se exaurirem nem em

urn cismar cxtatico, nem em uma consumidora ambicao de

poder e gloria universais, porern alcancar aquela esplendida

mescla, como a tern urn vinho nobre que in fla m a 0 animo

e ao m e s m o tempo 0dispoe a conternplacao, p rec i s a r emo slernbrar-nos da enorme forca da tragedia a exc i ta r , pur if ica r

e descarregar a vida do povo, cu jo valor superno pressen t i -

remos apenas sc, tal como entre os gregos, eia se nos apre-

sentar como suma de todas as potencias curativas prof i la t i -

c a s , como a mediadora imperante entre as qualidades mais

fortes e as ma i s fatidicas do povo.

A tragedia abso rve em seu intima 0 ma i s alto o rg i a smo

musical, de modo que c e Ia que, tanto entre os gregos quan-

to entre n6s, leva diretamente a musica a sua perfcicao; mas,

logo a seguir, coloca a seu lado 0mito tragico e 0 he r6i tra -gico, 0 qual cntao, como urn poderoso Tita, toma sabre 0

dorsa 0mundo dionisiaco inteiro enos alivia dele: enquan-

l•

para esta existencia e, com mao admoestadora, nos lembra

de um outro ser e de um outro prazer superior, para 0qual

o her6i combatente, cheio de prcrnonicocs, se prcpara com

sua derrota e nao C001 suas vit6rias. A tragedia interpoc, en-

tre 0valimento universal de sua rmisica e 0ouvinte dionisia-c a rn e ru e suscetfvel, ur n simile sublime, 0 rn ito , e desperta n a -

quele a aparencia, como se a rnusica fosse unicamente 0ma i s

elevado meio de r ep r e s en t a c ao para vivificar 0mundo plas-

rico do mito. Confiando nessa nobre ilusao, e la pode agora

agitar seus membros na danca ditirambica e entregar-se sem

receio a urn orgiastico sentimento de Iiberdadc, no qual ela,

cnquanto musica em si , 11aO poderia atrever-se, sem aquele

engano, a regalar-se. 0 mito nos protege da rnusica, assim

como, de outro lado, the da a suprema liberdade. Por isso

a m us ic a , c om o urn presente qu e e oferecido em contrapar-tida, confere ao mito t rag i co uma significatividade mc t a f i s i -

ca tao impressiva e c o nv i n c en t e que a palavra e a imagem,

s em aque la a jud a un ic a , jamais conseguiriam atingir: e, em

especial, por seu inrermedio sobrevcm ao espectador t rag i -

co justamente aquele segura pre s se n tim en to d e urn prazer

sup remo , ao qual conduz 0 caminho que passa pela derrui-

c ao e n e g a c a o , de t al f or m a que julga ouvir como se 0 abis-

rno mais iruimo das coisas Ih e falasse perceptivelmente.

Se com estas iiltimas frases consegui proporcionar, talvez,

a e ss a d iffc il conceituacao a pe na s um a exprcssao provis6ria,compreensivel sornente para uns poucos, nao posso deixar,

p rec i s amen t e aqui, de instar m eus am igo s a um a n o va renta-

tiva e d e rogar-lhes que s e preparem, com ur n unico exern-

plo de nossa cxpcriencia cornum, para 0 conhecimento da

proposicao ge ra l. N es te e xe m plo n ao pre ci so referir-me aque-

les que utilizam as imagens dos processamentos cenicos, as

palavras e o s afetos d a s personagens atuantes para, com tal

a ju d a, a p ro x im a r c m - se do sentimento musical, pois nenhum

dcles fala a musica C01110 lingua materna e tampouco chega

m a i s I on gc , a despeito dessa ajuda, do que os p6rticos da per-ccpcao musical, scm que jamais lhe seja dado toear os seus

s an tu a r i o s mais rcconditos: alguns, como Gervinus.i" nao a l-

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cancam por este caminho sequer OS porticos. Ao contr.irio,

hci de me dirigir tao-so aquelcs que, cliretamente aparenta-

dos corn a musica, tern nela an mesmo tempo 0 sell rcgaco

csta 0 mar". E L l onde julgavarnos n o s cxtinguir scm alen-

to, em meio a um cspasmodico estirar-sc de t o d o s os s c n t i -t /

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materna e se vinculam a s coisas quase unicamente a t r avcs

de rclacocs mus i ca l s inconscientes. A.esses rnusicos autcnti

cos endercco a pergunta se podem imaginar urn homem que

seja capaz de aperceber 0 terceiro ato de Tristdo e Isolda

sem 0 auxilio da palavra e da imagem, apenas COll10un1 pro-

digioso movimento sinfonico, e que, sob urn espasmodico

desdobrar de todas as asas da alma, nao venha a expirar? 1. ]111

ho r n em que, c o m o aqui neste caso, haja por a s s im dizer apli-

cado 0 ouvido ao ventriculo cardfaco da vontade universal,

que sinta como 0 furioso desejo da existencia se derrama a

partir dai em todas as veias do mundo, como torrente atroa-

dora au como mansfssimo arroio em gotas pulverizado, tal

hornem nao se destrocara de repente? Deveria ele supor t a r

ouvir, no miscravel involucre vitreo do individuo humano,

o eeo de inumeravcis gritos de prazer e dor do "vasto espa-

< ;0 da noite do mundo" ,9 7 sem r e fug ia r - se incontivclmentc

diante dessa ciranda pastoral da metaffsica, em sua pa t r i a pri-

migenia? Mas se tal obra, apesar de tudo, pode ser apercebi-, ,

da como urn todo, sem negacao da existencia individual, se

semelhante criacao pode ser criada sem destrocar 0 seu cria-

dor, de onde iremos obter a solucao de uma ta l contradicao-

Aqui se infil tram, entre a nossa ma i s alta cxcitacao musi-

cal e aquela rnusica, 0mito r r ag ico e 0her6i tragico no fUI1-

do apenas como similes dos fatos mais universals, de que 56

a rnusica podefalar por via direta. Como simile, porcm, ape-nas 0rnito, se a nosso modo de sentir fosse 0de seres pura-

mente dianisiacos, permaneceria ao nOS50 lado, despercebi-

do e ineficaz, e nao nos desviaria por um instante sequer de

prestarmos ouvido ao eeo das uniuersalia ante rem [univer-

sais anteriores a coisa]. Aqui, no entanto, irrompe a forca apo -linea, dirigida a restauracao do individuo quase despcdaca-

do, COlI}0 balsamo tcrapeutico de um delicioso cngano. de

subito cremos enxergar unicamente Tristao que imovel e su-

focado sc pe rgun t a : 'L A velha melodia, por qu e cla Inc des-

perta?" ,98 0 que antes nos pare cia urn oeo suspiro do cen-tro do ser, agora quer nos dizer apenas quao "crrno e vazio

rncntos, e havermuito pouco a amarrar-nos a csta cxistcn-

cia, agora ouvimos e vemos tao-somente 0 her6i fcrido de

morte, que toda via nao morrc, com seus gritos desespcra-

dos: "A ns ia r: A ns ia r! N o m o rre r ansiar/ a nao r n o r r e r de a n -

siedadc!" .99 E se antes 0 jubilo da trompa, ap6s tal desme-dida e tal excesso de vorazes tormentos, nos partiu 0 cora-

c a o , agora, entre n6s e esse' 'iubilo em si", esta 0 rejubilan-

t e K ur wc n al a bra da r pa ra 0barco que traz Isolda. Po r rnais

violenta que seja a cornpaixao que nos invade, em certo

sentido, no entanro, 0 compadecer-se ante 0 sofrimento pr i -

mordial do mundo, como imagem similiforme, nos salva da

conternplacao imcdiata da suprema idcta do universo, as-

sim como 0 pensamento e a palavra nos salvam da efusao

i r r ep re sada do querer inconsciente. Gracas a essa espH~ndi-/ ~ a

da ilusao apolinea se nos afigura como se 0 propno reino

dos sons viesse ao nosso coracao qual urn mundo plastico,

como se tambcm nele somente 0 destino de Tr is t ao e Is01-

da. feito a mais delicada e expre ss iva materia, fosse cunha-

do e enformado ..

_ A . s s i 1 n , 0apolfneo n o s arranca d a u n i ve r s al id a d e dionisiaca

eno s encanta para os individuos. neles encadeia 0nOS50 s e n -

timento de cornpaixao, a t r ave s deles satisfaz 0nosso sensa

de beleza sedento de grandes e sublimes forrnas: faz desfilar

ante n6s imagens de vida enos incita a apreender com 0pen-

samento 0cerne v it al n e la s contido. Com a forca descomu-

nal da imagem, do conceito, do ensinamento etico, da exci-

t a c ao simpatica, 0apolineo arrasta 0hornem para fora de sua

auto-aniquilacao org ia s t i ca e 0 engana, passando por sobre

a universalidade da ocorrencia dionisiaca, a fim de leva-lo ailusao de que ele ve uma unica imagem do mundo, por exem-

plo , Tristao e Isolda, e que, atraues da rnusica, apenas ba

de ve-la melhor e mais .mimamente. 0 que nao conseguira

a l 11 a gi a tcrapcutica de Apo l o , sc ate dentro de n6s pode sus-

c ita r a i lusao d e que efctivamcnte 0dionisiaco, a service d o

apolineo, c capaz de intensificar os e fe i t o s deste, de que a

musica, llleSI110 cssencialmente, e arte de representacao pa-ra urn conteudo apolfneo?

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o NASCIMENTO DA TRAGEDIA

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FRIEDRICH NIETZSCHE

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C om e ssa ha rm o nia pre es ta be le cid a que impe ra entre 0

. drama pe rfe ito e a s ua m u si ca , alcanca 0drama urn gra u su-

p r emo

vific arm o s e a i lum in ar m os d e d en tro pa ra fo ra , e la c on tin ua ra

s e n d o sem pre ta o -s om en te a a pa re n c ia , d e o n d e n a o ha n e -I l·.. I

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7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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fa la d o . A s s im co mo to d a s a s figura s viva s d a c e n a se s im pli-

ficam diante de n6s n a s l i nhas mel6dicas a moverem-se in-

d ep e n d e n t em e n t e ate a t i n g i r em a c la re za d a li nha ondulada,

assim a contiguidadc dessas linhas ressoa, para n6s, na alter-nancia d e harmonias a simpatizar da m an ei ra m a i s delicada

com 0evento rnovimentado: a t r av e s dessa alternancia, a s re -

lacoes d a s c o is a s se nos tornam i m e di at am e n te p er ce pt iv ei s,

perceptiveis de modo s en sfv el e nunca abstrato, tal c om o re -

c on hec em o s po r s e u In te rm ed io que so m en te n es sa s re la co es

se revela com pureza a essencia de urn carater e d e uma li -

nha me16d i c a . E enquan t o a mus i c a nos obriga aver mais,

e de urn m od o m ais intrinseco do qu e em geral, e a e ste nd er

diante de n o s , qual d e l i c ad a teia, 0evento da cena, para a

nosso olhar espiritualizado a m ira r pa ra 0 Intimo, 0mundo

do palco se amplia infinitamente, a s s im como se ilumina de

d en tro pa ra fo ra . Q ue c ois a a na lo ga po de ri a o fe re ce r 0poe -

ta da palavra , que se esforca em alcancar com urn mecanis-

mo m ui to m a is imperfeito, por urn c am i n h o indireto, a par-

ti r d a palavra e do conceito, aquela ampliacao in te rio r d o

m u n d o visfvel d a c en a e sua iluminacao i n t e rn a? Se ago ra ,

na verdade, a tragedia musical tambern agrega a palavra, po r

i s s o m esm o c la po de c olo ca r a o s e u la do , s im ulta ne am e nte ,

o substrata e 0 lugar de n as cim e nto d es ta e esclarecer-nos,

d e dentro pa ra fo ra , 0 se u devir.

Mas desse e ve nto d es c ri to s e ri a possfvel, n ao o bs ta nte ,d ize r c om igua l c er te za que e le e a pe na s um a esplendida ap a -

r en ci a , o u se ja , a que la ilusao apolineo ha pouco menciona-

do, por cujo efcito devemos ficar aliviados do afluxo e da

d e sm e d i d a dionisfacos. No fun d o , a relacao d a rm is ic a c o m

o d r am a e pr ec isa m en te a invcrsa: a rm i s i c a e a a u te n t i c a Ideia

do mun d o , 0d r am a e so m en te ur n r efle xo , um a s ilhue ta is ola -

d a desta Ideia. Aque la id e n ti d a d e e n tr e a lin ha m el6d ic a e a

figura vivente, en t r e a harmonia e as relacoes de c a r a t e r da-

q ue la f ig ur a , e , em urn se n ti d o o po s to a o que po d e r i a pa re -

cer-nos ao c on te mpla rm o s a tr a ge dia m us ic al) verdadeira.M esm o se m ove rm o s a figura d e m an e ira m ais visivel, se a vi-

n hum po n to que c o n d uza a ve rd ad eir a r e a lid ad e, ao c ora -

c a o d o m un d o . Po rcm , e d es te c ora ca o pa ra fo ra que 0mu n -

do fa la ; e a i n d a que in co nt ave is a pa re nc ia s d aq ue la especie

pud es se m d es fi la r ao s om d a m esm a rnusica, j ama i s esgot~-

r iam a e s s en ci a d e s ta , m as s e r iam ape n a s se us re fle xo s ma r se xte r io r iza d o s . C om a c o n tra po s ic a o po pula r , e d e to d o fa l-

s a , d e a lm a e c o rpo , em ve rd a d e n a d a s e po d e a c la ra r , e tu-

d o s e pode e nr e da r, n a dificil relacao en t r e musica e d ra m a;

en t r e t an t o , a c r ue za a fi lo s 6f ic a d a qu ela contraposicao pa re -

ce ter-se t o rn ado , justamente para as nossos e s t e t a s , quem

s abe po r que ra zo e s , urn a r t igo d e f e pro fe s s a do c om go sto ,

a o pa ss o que eles n a d a a pre n d e r am so bre a o po s ic a o entre

a aparencia e a c o i s a em si o u, po r ra zo es igua lm e nte desco-

n he c id a s , n a d a qu ise r am apre n d e r . .;

Se c om a n o s sa analise r es ult ou que 0 a po Hn eo n a t ra ge -dia o bte ve , rn e rc e d e sua forca de t lus ao , c om p le ta vi t6 ria

sabre a proto-elemento dionisiaco da rmisica, e que ele se

a pro ve ito u d es ta pa ra os seus designlos, a saber, para uma

clucidacao m a x i m a do d ram a, ha ve r ia que ac r e sc e n ta r d e s-

de logo uma restricao muito impo r t an t e : no ponto ma i s es-

s en c i a l de t o d o s , aquele e n g a n o apolinco e rompido e des-. ~ /

truido. 0 d ra ma , que s e e ste nd e diante d e n os , com 0aUX1-

lio d a rmisica, em ta o iluminada c la r e za i n te r io r de todos os. I ~

m o vim e nto s e to da s a s figura s, como s e vis se m os , n o va rvc m

d a lancadeira, 0 te c id o n a s c e r n o te a r ·alcanca, c o m o rota-

lidade urn efe i to que f i c a mais alem de todos os efeitos ar-

tistico~ apolineos. No efeito conjunto d a tragedia, 0 dioni-

s ia co re cupe ra a prepondcrancia, e la se e n c e r ra c om urn tom .

que jamais poderia soar a par t i r do reino da arte apolfne:.

E com i s so 0 e n g an o apo lin e o s e mostra c o m o 0 que e le e ,

como 0veu q ue , e n qu a nt o dura a tragedia, envo lv e 0auten-

tico efeito dionisiacc, 0 qual, todavia, e tao poderoso que,

ao f in a l, i m p e le 0pro pr io d ram a apo lin e o a um a e s fe ra o n d e

ele comeca a falar com sabedoria d i o n i s f a c a e o n d e nega a

si m e sm o e a sua visibilidade apolinea. A ss im , a d ific il r ela -

.c a o e n tr e 0apolineo e 0dionisiaco n a tragedia po de ria r ea l-m en te s e r s im bo liza da a tra ve s d e um a a li an ca fraterna en t r e

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(J N A. S C-: I M E ~. T 0 D A T R A (~. E 1'.) .I. A.

as duas d iv indade s : Dionisio fala a linguagcm de Apolo, 111 a s

Apolo, ao fim, fa la a linguagem d e 1) io111510 ; corn 0 que f i ca

tos que hao de a t ing i r 0he r6 i e, no entanto, pressente neles

urn prazer superior) muito mais preponderante. Ele enxerga

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alcancada a meta suprema da tragedi« e da a r t e em geral.

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mais C C O In m a is profundidade do qu e nunca e , no entanto,

deseja estar cego. De onde havcmos de derivar cstc milagro-

so autodesdobramento, esta quebra do aguilhao apolfneo, se

nao da magia dionisiaca, que, excitando aparentemente ao

max imo a s emocoes apolfneas, e capaz, nao obstante, d e obri-

gar e s s a supcrabundancia da fo rca apoHnea a ficar a seu s c r -

vico. 0 mito tragico 56 deve ser entendido como um a afigu-

racao da sabedoria dionisfaca atraves de meios artfsticos apo-

lineos: ele leva 0mundo da aparencia ao limite em que este

se nega a si mesmo e procura refugiar-se de novo no regaco

das verdadeiras e unicas realidades, onde cntao, como Isol-d a , pareee entoar assim 0 seu canto de cisne mctafisico:

J.Vatorrente arqueante

Do mar do deleite,J\.Tosonido bramante

Das ondas olorosas,

No todo bajejante

Do alento do uniuerso,

Afogar-se, afundar-se,

Inconsciente supremo prazert'S"

22.

Que 0amigo atento se r ep re sen t e , segundo a s suas expe-

riencias, 0 efeito de uma verdadeira t r aged ia musical, pura

e sem imiscao. Penso ter descrito de ta l fo rm a 0 fenorneno

[Phanomen] deste efeito, por ambos os lados, que esse ami-

go sabcra agora explicar-se as suas pr6prias experiencias. El e

hi de lembrar-se, cfctivamcnte, de que, a vis t a do mito

movendo-se a sua frente, sentia-se elevado a uma especie de

onisciencia, como se agora a forca visiva de seus olhos nao

fosse meramente uma forca superficial, porem capaz de pe -

netrar no interior, e como se, a go r a , as cbul icocs da von t a -

de, a luta dos motivos e a corrente engrossante das paix6es

ele as enxergasse diante de si, com a ajuda da musica, t a ng i -

velmente visiveis, por assim dizer, qual uma profusao de li-

nhas e figuras vivamente movidas, e com isso pudesse mer-

gulhar ate os mais delicados misterios das emocoes incons-

cientes. Enquanto se faz assim consciente de que seus im-

pulsos dirigidos a visibilidade e a tr an sfi gur ac ao s ofr er n su-

rna intcnsificacao, sente todavia com igual precisao que essa

longa sequencia de efeitos a r t f s t i cos apolineos nao engen-

droll , apesar de tudo, aquela ditosa persistencia elll Ulna con-

templacao isenta de vontade, que 0criador pla s t i co e 0poe-ta cpico, isto e , as artistas genuinamente apolineos, nele sus-

citam po r meio de suas obras de arte: quer dizer, a [us t i f i ca -

c ; a o do mundo da indiuiduatio alcancada naquela contem-

placao, justificacao que constitui 0cimo e a suma da arte apo-

linea. El e contempla 0 mundo transfigurado da cena e, no

e n t a n t o , 0nega. Ele ve d ia n te d e si, com nitidez e beleza epi-

cas, 0 heroi tr.igico e, no entanto, alegra-se com 0 scu ani-

quilamento. Eic compreendc ate 0mais intimo a o c o r r e n c i a

da cena e, no entanto, rcfugia-se de born grado no incorn-

prccnsivel. Ele sente que as acoes do her6i sao justificadasC, no entanto, sente-se ainda mais enaltecido quando c s s a s

acoes dcstroem 0seu a uto r. Elc estrernece a n t e os sofrimen-

. . . -

E assim que nos representamos, atendo-nos a s experien-cias do ouvintc ve rd ad eir a me nte e sre tic o, ° pr6prio artista

t ra gic o ta l como e I e , qual uma exube ran t e divindade da in-

diuiduatio, cria as suas figuras, sentido em que mal se pode-ri a conceber a su a obra como "imitacao da n a ture za " ta l

como depois, po r e r n , 0 seu imenso impulso dionisfaco en-

gole todo e s s e mundo das aparencias, para deixar pressentir

por tras dele, e a t raves de sua destruicao, uma superna ale-

gria artfstica primordial no seio do Uno-primordial. Por cer-

to, os nossos e s t e t a s nada t e rn a nos i n f o rma r acerca d e s s e

retorno a patria primigenia, da alianca fraterna das duas dei-

c la d e s a r us ti c as da t r age d ia , n em d a excitacao ta nto a po Hn ca

quanto dionisfaca do ouvinte, ao passo que nao se cansam

de earactcr1zar C01110 propriamente tr.igica a luta do her6iCOIn 0dcstino, 0 triunfo da ordcm moral do rnundo, ou uma

d e s c a r g a clos afetos efetuada atraves da tragedia: cssa in f a t i -

I; .R lED ]~ I C I-I N-.I E '"]~ Z S c: EI E

(y N L\_ SCI M E ~ T () D A r J . . ~ R A (i- 13 l~ I A

gabilidade faz pensar que eles nao s ao em absolute homens

esteticamentc cxcitaveis e que, ao ouvir a tragedia, dcvam

Assim, com 0 renascimento da tragedia voltou a nascer

tambcm 0ouuinte estetico, em cujo Ingar costumava sentar-se

ate agora, nas salas de tcatro, urn estranho quidproquo [qui-

7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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ser considerados talvez apcnas como seres morals. Nunca ,

desde Aristoteles, foi dada, a proposito do efeito tragico,

uma explicacao da qual se pudesscm inferir estados artisri-

cos, uma atividade estetica do ouvinte. Ora s a o a compai-

xao e 0medo que devem ser impelidos par serias ocorren-

cias a uma descarga aliviadora, ora devemos sentir-nos exal-

tados e entusiasmados com a vit6ria dos bons e nobres prin-

cfpios, com 0 sacrificto do her6i no sentido de Ulna consi-

deracao mo r a l do mundo, e com a mesma certeza c o n 1 qu e

a c r e d i t o ser, para urn numero incontavel de individuos. pre-

c i s amen t e esse, e somente esse, 0 efeito da tragedia, com

a mesma c la rez a se deduz d a r que todos elcs, junto com

o s estetas que o s interpretam, nada aprenderam da tragedia

c o m o suprema arte. Aquela desearga pa to16g ic a , a kathar-

sis de Arist6teles, que os fil6Jogos nao sabem se devem com-

putar entre o s fenomenos medicos a u morais, lembra urn

notavcl pressentimento de Goethe: "Sem urn vivo interes-

se pa to16g i c o" , d i s s e eIe, "jamais consegui tampouco t r a ta r

de um a situacao tragica, preferindo po r is so evita -I a a if

procura-la' ,101 Nao terti sido ta lvez uma das vantagens dos

Antigos, que , e n t r e e I e s , 0m a is a lto grau d o patetico t a m -

bern fosse apenas urn jogo estetico, enquanto, entre nos,

a verdade natural precisa cooperar a fim de produzir uma

ta l obra? A esta ultima pergunta, tao profunda, compete-nos

agora, ap6s nossas magnfficas experiencias, dar uma resposta

afirmativa, depois que , precisamente na tragcdia musical ,

vivenciamos com e st upo r qua o e fe ti va m en te 0eimo d o pa

tetico pode ser tao-so urn jogo estetico. r azao pela qual nos

e dado erer que un i c amen t e agora 0 protofenomcno do tra-

gie o po d e se r descrito c om a lgum cxito . Quem, a in da a go -

ra , s6 po de falar d a qu ele s e fe it os substitutivos procedentes

de uma esfera extra-estetica e nao se scnte elevado por so-

bre 0processo parologico-moral, a esse s6 rests desesperar

de sua propria natureza cstctica: contra 0 que the re c o-

mendamos, como inocente sucedanco, a intcrprctacao de

Shakespeare a mane ira de Gcrvinus e 0 diligente rastreio

da "justica poetica".

proqu6] com pretensoes mcio morals e rneio doutas, 0 "cri-

tico". Em sua esfera, tudo era ate aqui a r t i f i c i a l e cstava ape-

n as c ai ad o com um a aparencia d e vid a . 0 artista d e s empe -

nhante ja nao sabia de fato por onde comecar com unl ou-.vinte assim, que se dava ares de crftieo, e por iS80 e spre ita va .

i nquie to , junto com 0dramaturgo e 0c ompos i t o r de opera,

seus inspiradores, as ultimos restos de vida desse ser preten-

s i o s amen t e arido e i n c apaz de gozar. Mas e dessa especie de

"criticos' que se compunha ate a go r a 0publico; 0estudan-

te 0 e sc o la r e a te a rnais inofensiva criatura feminina esta-

vam ja , sem 0 saber, preparados peJa educacao e pelos jor-

na i s para um a igua l pe r c e p c a o de um a obra de arte. As natu-

rezas ma i s nobres dentre os artistas contavam, dado urn tal

public o, c om a excitacao d e fo rc as r eli gi os o-m o r ai s, e 0c h a -m a d o a " o r d em mor a l " domundo apre sen t ava - se v i c a r i amen -

te Ii onde, na realidade, urn poderoso feitico dev ia extasiar

o autentico ouvinte. Ou entia uma tendencia grandiosa, ou

ao menos exc i tan te , da atualidade politica au social e ra ex-

posta ta o c l a r amen t e pelodramaturgo, que 0ouvinte pOdi.a

esquecer a sua exaustao c rft ic a e e n tre ga r -s e a a fe to s p ar e ci -

d o s , c om o em momentos pa t r i6 t i c os ou guerreiros, ou pe-

rante a tribuna de oradores do Parlamento au na condena-

c a o d o c r im e e do vic io : e s se e s t ra n ham en to d os prop6sitos

artfsticos genuinos tinha de conduzir ci e l a diretamente aurn culto da tendencia. Todavia, aqui sobreveio 0 que desde

sempre sobrevinha em t o d a s as a r te s artiflcializadas, uma de-

pravacao impe tuo samen t e r ap id a d e ss as tcndcncias, de mo-

do que, por exemplo, a tendencia a empregar 0 teatro como

uma instituicao para a formacao moral do povo, que no tem-

p o de Schiller fo i to m ad a a ser io ,102 ja e contada e nt re a s i~-

c r fve i s antlguidades de uma cultura superada. Enquanto a en-

t ic a c hegava a o d om in io n o te a tro e 110 conc e r t o , 0 jo rna l i s-

ta na escola, a irnprcnsa na so c ied ad e, a arte d egen e rava a

pC· l . to d e t o rn a r- se urn objeto d e en tre te n im en to d a m ais ba i-xa especie, e a critica cstctica era utilizada como meio de aglu-

tinacao de um a s o ci ab ili da d e vaidosa, dissipada, egofsta e ,

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cia, n ao pode dispensar 0milagre. Mas 0provavc l c que , e rn

uma prova severa, quasc todo mundo sinta-sc tao decompos

to pelo espirito hist6rico-critico de nossa cultura, que a cxis

_ademais, miscravelmente despida de o r ig i n a l i d a c l e , cujo sen-

tido nos e dado a entender por aquela parabola schopcnhaue-

riana dos po r co s - e s p inhos ; 103 de rn an ei ra que ern nenhum jl

7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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Quem queira, com todo 0 rigor, p6r-se a si rnesmo a prova, a fim de saber 0quanta e aparentado ao verdadeiro ouI / II" .

vinte cstetico ou se pertence a comunidade dos homens so

cratico-criticos, deve apenas perguntar-se sinceramente qual

o sentimento com que reeebe 0 milagre representado na Ct'

na: se por acaso sente nisso ofen dido 0 seu sentido hist6ri

co, orientado para a causalidade psico16gica rigorosa, au s('

com um a benevolente concessao, por a ss im fa la r, admire (J

milagre como urn fcnomeno comprccnsivcl para a i n f a n c i a .

m as que se tornou pa ra e le estranho, ou se cxperimenta ;1 1

g um a o utra coisa. Nisso, com efe i to , podera mcdir a te ondr

esta em geral capacitado a compreender 0mito, a im ag e r »

concentrada do mundo, a q ua l, como abreviatura da apa r cn

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tencia do m i to o utr or a se nos torne c r iv c l somcnte por vi a

dou t a , atraves de abstracocs med i a c l o r a s . Sem 0mito, porern,

t od a c ult ur a perde su a forca natural sadia e c ria do ra : 56 urn

horizonte cercado de mitos encerra em unidade todo urn mo-vimento cultural. Todas as forcas da fantasia e do sonho apo-

lfneo sao salvas de seu vaguear ao le u somente pelo mito.

As imagens do m i t o te rn que se r as onipresentes e desaper-

cebidos guardi6es dcmoniacos, s ob c uja custodia cresee a a l-

ma jovern e com cujos signos a homern d a a si mesmo uma

intcrpretacao de s ua vi da e de s ua s Ju ra s: e nem sequer 0Es -

tado conhece Ulna lei nao escrita ma i s poderosa do que 0

fundamento mitico, que lhe garante a conexao com a reli-

g i a o , 0 se u crescer a partir d e representacoes mi t i c a s .

Coloque-se agora ao lade desse homem abstrato, guiado

sem mitos, a educacao abstrata, os costumes abstratos, 0di-

r e it o a bs tr a to , 0E st ad o a b sr ra to : represente-se 0 v ag ue ar d es -

regrado, nao refreado por nenhum mito nativo, da fantasia

artistica: imagine-se Ulna cultura que nao possua nenhuma

s ed e o r ig in a ri a, fixa e sagrada, senao que esteja condenada

a esgotar todas as possibilidades e a nutrir-se pobremente de

todas as culturas esse e 0 presente, como resultado da-

quele socratismo d i r i g i do a aniquilacao do mito. E agora 0

h om em sem rn i to encontra-se eternamente famelico, sob to-

dos as pa s sa d os e , cavoucando e revolvendo, procura ra f -

zes, ainda que pre c is e e s c ava -la s n as m a is remotas Antigiii-

dades. Para 0que aponta a enorme necessidade hist6rica da

insatisfeita cul tura moderna, 0 colecionar ao n0550 redor de

ur n sern-numero de outras culturas, 0c o n s um i d o r deseio de

conhecer, senao para a perda d o m ito , para a perda da pa t r ia

mitica, do seio materna mftico? A gente se pergunta se a fe -

br i l e tao sinistra a gi ta ca o d es sa cultura e algo mais do queo a ga rr ar a ns io so C0 esgaravatar do esfomeado, a c a t a de c o -

mida e quem desejaria dar ainda a lg um a c o is a a semelhantc

cultura, que nao consegue saciar-se com tudo quanto engo-

lc e a cujo contato 0mais vigoroso e saudavcl alimento cos-

tum a tra ns fo rrn ar -s c em "Historia e Crftica"?

outro tempo se tagarelou tanto sabre arte c se considerou

tao pouco a arte. Pode - s e , entretanto, ainda tel' trato COIn Ulna

pessoa capaz de conversar sobre Beethoven e Shakespeare?

Que cada urn responda a pergunta segundo 0seu pr6prio sen-timento. em todo caso demonstrara com a resposta 0 que

ele imagina sob 0nome de "cultura", pressupondo-se que

tente de algum modo responder a pergunta e nao permane-

c a emudecido de espanto.

Em contrapartida, a lguem dotado pela natureza de quali-

dades mais nobres e delicadas, mesmo que se tenha conver-

tido paulatinamente, d a maneira descrita, em barbara cr i t i -

co, poderia falar do efe i to tao inesperado quanta total mente

incompreensfvel que sabre ele haja exercido, por exemplo,

um a representacao bem-sucedida de Lobegrin, s6 qu e talvezIhe tenha faltado alguma mao que, advertindo e interpretan-

do, 0 aga r r a s s e , de ta l maneira que t ambem aquele sentimento

inconeebivelmente mul t i f o rme e absolutamente i n c omp a r a -

vel que entao 0sacudiu permaneceu isolado e, como urn as-

tra enigmatico, ap6s haver brilhado brevemente, apagou-se

Foi entao qu e ele pressentiu 0 que 0 ouv in t e estctico e .

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scr alcmao se estc ja estivesse, de igual r n a n c i r a , ta o indisso-

Iuvelmcnte enredado corn a sua cultura, sim, un if i cado , co-

transformacao do carater do povo grego, e que nos convicla

a Ulna scria rcflcxao sabre quao necessaria e estreitamente

cntrclacados cstao, em seus fundamentos, a arte e 0 povo,

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mo podemos observar, para 0 n05SO espanto, na c iv i l izada

Franca: 104 e 0que constituiu durante longo tempo a grande

vantagem da Franca e a causa primordial de sua cxtraordina-

ria preponderancia, justamente aquela unidade de povo e cul-

tura, deveria obrigar-nos, a vista disso, a Iouvar a felicidadede que essa nossa cultura tao problcmatica nada tenha em

comum ate a go r a com 0nobre cerne de nosso carater de pa-

VO. Todas as nossas esperancas tendem, antes, cheias de an-

seio, aquela percepcao de que, sob esta inquieta vida e es-

pasmos culturais a moverem-se convulsivamente para cima

e para baixo, jaz uma forca antiquissima, magnifica, interior-

mente sadia, a qual, sem duvida, s o em momentos excep-

cionais se agita alguma vez com violencia, e depois volta a

entregar-se ao sonho, a espera de urn futuro despertar: em

seu coral ressoou pela primeira vez a melodia do futuro da

rnusica alerna. Tao profunda, corajoso e inspirado, tao trans-

bordantemente born e delieado soou esse coral de Lutero ,como 0prirneiro chamariz dionisfaco que, ao aproximar-se

a primavera, irrompe de uma espessa maita. A ele respon-

deu, em eeo de competicao, aquele corteja festivo, solene-

mente exuberante, de entusiastas dionislacos a quem deve-

mos a musica alema e aos quais deverernos 0 renascimentodo mito alemdoi

Eu sei que tenho de c o nduz i r agora 0am igo que me acorn-

panha com interesse a urn sitio crninente de consideracoessolitarias, onde contara apenas com alguns poucos compa-

nheiros, e, para anima-lo, grito-Ihc que devemos nos ater fir-

memente aos n08805 luminosos guias, os gregos. Deles to -

mamo s p o r emprestimo a te agora, pa ra a purificacao de nos-

so conhecimento estctico, aquelas duas imagens de deuses,

das quais cada uma r ege por si urn reino e s t e t i co separado

e acerca de cujo contato e intcnsificacao rec~)rocos chega-

mas a ter uma idcia gracas a tragedia grega. Eta torcoso que

o ocaso desta nos parecesse originado por uma dissociacao

notavel dos dois impulses artisticos primordiais: ocorrenciacom a qual estava em consonancia um a degcncracao C luna

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,:

o mito e 0 costume, a tragcdia e 0 Estado. Aquele ocaso da

tragcdia era ao mesmo tempo 0ocaso do rnito. Ate entao os

gregos se haviam sentido involuntariamente obrigados a li -

gar de pronto a seus mitos tudo 0que era par eles vivcncia-

do, sim, a c om prec nd e-lo s om en te atraves d e s s a vinculacao:

com 0que tambem 0presente mais proximo havia de se lhes

apresentar desde logo sub spec i e aeterni [sob 0aspecto do

eternal e, em certo s e n t i d o , COITIO intemporal. Nesse flume

do intemporal mergulharam, porem, tanto 0 Estado como

a arte, para nele encontrar repouso do peso e da avidcz do

instante. E urn povo como de rcsto tambern urn hornem

- vale precisamente t a n t o quan t a e capaz de imprimir em

suas vivencias 0selo do eterno: pois com isso fica como que

desmundanizado e mostra a sua conviccao intima e incons-

ciente acerea da relatividade do tempo e do significado vcr-

d a d e i r o , isto t, mctafisico, da vida. 0 contrario disso aeon-

teee quando urn povo comeca a conceber-se de urn modo

hist6rico e a demolir a sua volta as baluartes miticos: com

o que se liga comumente uma decidida mundanizacao, uma

ruptura com a metaffsiea inconsciente de sua existencia an-

terior, em todas as consequencias cticas. A arte grega e, em

especial, a tragcdia grega sustaram, acima de tudo, a aniqui-

lacao do mito: era preciso aniquila-las tambem com cle, pa-

ra que, liberto do solo na t ivo , se pudesse viver sem freios

na vastidao do pensamento, do costume e da acao. Ainda ago-ra aquele impulso metaffsico proeura criar para si uma for-

ma, conquanto enfraquecida, de transfiguracao em urn 50-

cratismo da c i e n c i a que compele a viver: mas nos nfveis mais

baixos esse mesmo impulso conduz somente a uma busca

febril, que se perdeu poueo a poueo em urn pandcmonio de

mitos e supersticoes recolhidos em toda a parte: em cujo

meio, n a o o bs ta n te , sentou 0heleno, com urn c o r a c a o insa-

tisfeit °, ate que soube, como ...raeculos, mascarar e s s a fcbre

com a screnojovialidade grega e com a leviandade grega, ou

entorpecer-se irueiramente em alguma Iobrcga supersticaooriental.

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no scculo xv, ap6s urn longo entreato dificil de descrever,

aproximamo-nos da maneira rnais conspfcua desse estado.

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Entre as efeitos artisticos peculiares da tragedia musical,

tivemos de ressaltar Ulna ilusdo apolinea, atraves da I :

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Nas alturas, a mcsma superabundante ~lnsiade saber, a 1 1 1CS -

Ina i n s a c i a da felieidadc de dc s cob r i r , essa cnorme r nundan i -

zacao, e, a seu lado, urn apatrida vagamunde a r , U111 avido

empurrar-se junto a mesas alheias, urn frivolo endeusamen-to do presente ou afastamento obtuso e atordoado, tudo sub

specie saeculi [sob 0aspecto do seculo], do "tempo de ago-

ra" [Tetztzei t]: 105 sintomas semelhantes que d ao a adivinhar

uma falta equivalente no c o r a c a o dessa cultura, OU s cia , a an i -

quilacao do mito. Nao pareee possfvel transplantar com exi-

to duradouro urn mito estrangeiro sem ferir incuravelmente

com esse transplante a pr6pria arvore: a qual e alguma vez,quica, bastante forte e s a para cxcisar, com uma luta terrfvel,

esse elemento estranho, mas que em geral tern de con-

sumir-se, doentio e atrofiado au em espasm6dica prolifera-

~ao. Temos em tao grande eonta 0 nucleo puro e vigoroso

do ser alemao, que nos atrevemos a espera r precisamente dele

essa expulsao de elementos estranhos implantados a forca econsideramos possfvel que 0cspirito alemao retorne a simes-

rna reconscientizado. Alguern op ina r a talvez qu e esse espin-

to deve encetar 0seu combate com a expulsao do clemente

romanico: para tanto, elc poderia reconhecer uma prepara-

cao e urn estfmulo externos na triunfante bravura e na g16r ia

sangrenta da ultima guerra; 106 porem a necessidade intima

ele tera de busca-la na cmulacao de sempre ser digno dos nos-

sos excelsos paladinos nessa trajet6ria, de Lutero tanto co-mo de· nossos grandes artistas e poetas. Mas que nao creia

nunea que possa t r ava r semelhantes I uta s s em os seus deu-

se s do la r , sem a sua patria m fti ca , s em uma "restituicao" de

todas as coisas alcmas! E se 0 a l e r nao olhar, hesitante, a suavolta, em busca de urn guia que 0 reconduza de novo a pa -

tria ha muito perdida, cujos caminhos e sendas ainda mal co-

nhece que apcnas atente 0ouvido ao chamado deliciosa-

mente sedutor do passaro dionisfaco que sobre ele se balou-

~a e quer indicar-lhe 0 caminho para hi.l07

vcmos ser salvos de uma unificacao imediata corn a rmisica

dionisiaca.. enquanto a nossa cxcitacao musical puder des-

carregar-se em urn terreno apolineo e em urn mundo inter-

mediario visual at intercalado. Nissa acreditavamos haver ob-

servado como, justamente por meio dessa descarga, aquele

mundo intcrmedio da ocorrencia cenica, e em geral 0 dra-

rna, se tornava, de dentro para fora, visivcl e compreensivel

em urn grau inatingfvel em qualquer outra arte apolfnea: de

tal modo que aqui, onde, por assim dizer, essa arte era alada

e alteada pelo espirito da rnusica, foi preciso reconhecer a

suprema intensificacao de suas forcas e por conscguinte na-

quela alianca fraterna de Apolo e Dionisio, 0 cirno dos pro-

positos ar t fs t i cos , quer apolineos quer dionisfacos.,

E certo que, exatamente na i l um ina cao interna pela mu-

sica, a luminosa imagem apoHnea nao a l c ancav a 0efeito pe-

culiar dos graus mais fracos da arte apoHnea; 0 que 0 epos

ou a pedra animada conseguem fazer, forcar 0olho contem-

plante a entregar-se aqucle tranquilo deleite no mundo da

tndiuiduatio. isto nao era dado atingir aqui, a despeito de

U ln a a r rum ac a o e de uma clareza superiores. Miramos 0dra-

rna e penetramos com 0olhar perfurante em seu movimen-

tado mundo interno dos motivos -- c, no entanto, nos sen-/ t ~ o il ..

tiamos como se Junto a nos passasse unicamente uma im a -

gem similiforme, cujo sentido mais profundo criamos quaseadivinhar, e que desejavamos puxar, qual uma cortina, para

divisar par tras dela a proto-imagem. A clarfssima nitidez da

imagem nao nos bastava: pois esta parecia tanto revelar alga

como cncobri-lo, e enquanto, com a sua revelacao similifor-

me, ela pare cia convidar a rasgar 0veu, ao desvelamento do

fundo mis t e r i o s o , precisamente aquela transluminosa onivi-

sibilidade man t i nha outra vez 0 olho enfeiticado e 0 impe-

dia de penetrar ma i s fundo.

Quem nao tcnha vivenciado iS80, au seja, tcr de olhar e

ao mesmo tempo ir alem do olhar, dificilmente imaginaraquao nitidos e c1 a r o s subsistem, lado a l a do , csses dois pro-

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cessos e s a o , lado a lado, sentidos na considcracao do mito

tragico: ao passo que os espectadores verdadciramentc cste-

ticos hao de me confirmar que, entre os efeitos peculiares

em forma de cornpaixao ou de triunfo moral. Quem prcten

desse, todavia, defluir 0efeito tr.igico unicamente dessas Ion

tes morais, como era na verdade costume na cstctica himulto

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da tragedia, 0que h a de mais notavcl e essa co-prcscnca Bas t a

transferir esse fen6meno, do espectaclor esrctico a urn pro-

cesso analogo n o a rt is ta tragico, e ter-se-a entendido a gene-

se do mito tragico. Ele compartilha com a esfera da arte apo-linea 0 inteiro prazer na aparencia e na visao e simultanea-

mente nega tal prazer e sente urn prazer ainda mais alto no

aniquilamento do mundo da aparencia visivel. 0 conteudo

do mito tragico e, em primeiro lugar, urn acontecimento epi-

co, com a gloriftcacao do her6i lutador: de onde, porern, de-

riva esse traco, em si enigmatico, de que 0sofrer no destine

do her6i, as mais dolorosas supcracocs as mais torturantes

contradicoes dos motivos, em suma, a cxcmpliflcacao daque-

la sabedoria de Sileno OU, expresso enl termos e s t e t i cos . 0

feio e0desarmonico s e j am , em ta o incontavels f o rm a s corntanta predilecao, representados sempre de novo, e precisa-

mente na idade mais vicosa e juvenil de urn povo, se iusto

nisso tudo nao se percebesse urn p ra ze r s up er io r ?

Pois 0fato de que na vida as coisas se passern realmente deI -. ,. to

maneira tao tragica scna 0 que menos explicaria a genese

de uma forma artistica, se, ao inves, a arte nao for apenas imi-

t a c a o da realidade natural, mas p r e c i s am cn t e urn suplemen-

to metafisico dessa realidade natural J colocada junto dela a

fim de supera-a. 0 mito tragico, na medida em que pertence

de algum modoaarte, tambern participa plenamente do in-

tento metaffsico de transfiguracao inerente a arte como tal,/ ~ ,

o que e, porem, que ele transfigura, quando apresenta 0mun-

do aparencial sob a imagem do her6i sofredor? Menos do que

tudo a "realidade" desse mundo fenomcnal, pols nos diz:

"Vede! Vede bern! Esta e vossa vida! Este e 0 ponteiro do

rel6gio de vossa existencia!". .

E e esta vida que 0mito mostrava, para com i s so trans-

Figura-la diante de n6s? Mas se nao e assim, em que reside

o prazer estetico com que fazemos desfilar ante nos t a rnbcm

aquelas imagens? Eu pergunto pelo prazer cstctico e sci mui-

to bern que muitas dessas imagens podem, alern do mais,

produzir de vez em quando urn deleitc moral, par exemplo

",

tempo, nao poder.i crer que haja fcito com isso algo pcla ar-

te: a qual, em seu dominic, deve antes de tudo exigir pure-

za. Para aclarar 0mito tragico, 0 primeiro reclamo e justa-mente 0 de procurar 0prazer a clc peculiar na esfera esteti-

camente pura, sem qualquer intrusao no terreno da compai-

xao, do medo, do moralmente sublime, Como e que 0 feioe 0desarrnonico, isto e , 0conteudo do mito tragico, podem

s usc ita r urn pra ze r estetico?

Aqui se faz agora ncccssario, com uma audaz arremetida,

saltar para dentro de uma metafisica da arte, retomando a mi-

nha proposicao anterior, de que a exisrencia e 0mundo apa-

recern justificados somente como fcnorneno estetico: nesse

sentido precisamente 0mito tragico nos deve convencer de

que mcsmo 0feio e 0desarm6nico sao urn jogo artistico quea vontade, na perene plenitude de seu prazer, joga consigo

pr6pria. Diffc i l como e de se apreender, e s s e fenomeno pri-

mordial da arte dionisfaca s6 por urn caminho direto torna-

se singularmente intcligfvel e e imediatamente captado: no

maravilhoso significado da dissonancia musical; do mesmo

modo que somente a musica, colocada junto ao mundo, po-

de dar uma nocao do que se ha de entender par justificacao

do rnundo como fen6meno estetico. 0 prazer que a mito

tra gic o ge ra te rn um a patria identica a sensacao prazerosa da

dissonancia na musica. 0 dionisiaco, com 0 seu prazer pri-mordial percebido inclusive na dor, e a matriz comum da mu-

sica e do mito tragico

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Nao se tera entrementes facilitado essencialmente esse di-

ficil problema do efeito tragico, pelo fato de havermos re-

corrielo a ajuda da relacao musical da dissonancia? Pois ago-

ra entcndcmos 0 que significa na tragedia querer ao mesmo

tempo olhar c desejar-sc para muito alcm do olhar: estado

que, no tocante a dissonancia empregada artisticameruc, pre-t ~

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ClSanalTIOScaractenzar ex a t amen t e assim, i s to e , que que re -

1110S ouvir c desejamos ao mesrno tempo if multo alern do

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ouvir, Esse aspirar ao infinite, 0bater de asas do anclo, no rna-

ximo praze r ante a realidadc claramente percebida, Icrnbram

que em ambos os estados nos cumpre reconhecer um fcno-

Meus amigos, v6s que acreditais na mus i c a clionisfaca, 5a -

beis tambcm 0que a tragcdia s ign i f i ea para nos. Nela temos,

renascido d a musica, 0mito tragico e nel e deveis tudo

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rncno dionisiaco que torna a nos rcvclar scmpre de novo 0

Iudico construir e desconstruir do mundo individual como

cfhivio de urn arquiprazer, de m a n e ir a p ar ec id a a cornparacao

que e ef e tuada por Heraclito, 0Obscuro, entre a Iorca plasma-d o r a d o un ive r so e um a crianca que, b r i n c a n d o , assenta pe-

d ra s a qui e a li e c on st r6 i montes d e a re ia e volta a derruba-los

Para apreciar, portanto, corretamente a aptidao dionisia-

ca d e urn povo , d evem os pe n sa r n a o so n a rnus ica , mas t a m -

be rn , c o m igua l necessidade, n o m ito tragico d e s s e povo ,

como 0 se gun do te ste m un ho daquela aptidao. Pois agora,

dado 0 estrcitissimo parentesco entre musica e m i to , c abe

conjeturar, da mesma maneira, que a dcgcneracao e depra-

vacao de uma ha de estar ligada a atrofia do outro: embora,

d e o utra parte, n o fraquejamento d o rnito v en ha a e xpr es sa r-se 0 enfraquecimento d a capacidade dionisfaca. A respeito

d e ambos, um a vi s ta d 'o lho s so bre 0 desenvolvitnento do

ser alemao n ao deveria, porem, n o s deixar em d iivid a : n a

6pera como no carater abstrato de nossa existcncia sem mi-

tos, em um a arte decafda em me r a d iver sao como em um a

vida guiada pelo conceito, se nos desvelara aque la natureza

do otimismo socratico, tao inartistico quanta corroedor da

v i da . Para 0 n 05 50 c o nso lo , c o n tud o, ha via indicios d e que ,

nao obstante, 0 espirito alcmao intato na sua esplendida sau-

de, pro fun d id a d e e forca dionisfaca, qua l urn cavaleiro pros-trado em sono, r e pousava e sonhava em urn abismo inaces-

sivel. abism o d e o n d e s e e le va ate n 6s a cancao d ion i s f ac a ,

par a nos d a r a en te n d e r que tambcm ago r a esse cavaleiro

alernao ainda sonha 0 seu antiquissimo mito dionisiaco ern

vis6es austeras e beatfficas. Que ninguern creia que 0espiri-

to alcmao haja pe rd id o pa ra s cm pre a s ua patria mftica, pos-

to que continua cornpreendcndo com tanta clarcza as vozes

dos passaros que falam d a qu cJa p at ri a. lJm dia ele sc encon-

trara desperto, c om to d o 0 f r e s c o r ma t i n a l d e urn . sonho

imcnso: cntao rnatara 0dragao, aniquilara os perfidos anoese acordara Brunhilda e nem rnesrno a lanca de \Xlotan

podcra bar r a r 0 s eu carninhol 108

esperar e e sque c e r 0mais dolorosol 0 mais doloroso, po-

rem, e para n6s todos a longa indignidade em que 0ge-

nio alemao, estranhado de s ua c a sa e de s ua pa tr ia , viveu

a service d e pcrfidos an6es. V6s c ompr e en d e i s essas pala-vras. assim como compreendeis tambem, ao f inal , minhas

espe ranc ;a s t

25·

Musica e mito tragico s a o de i gua l m an e ira expre s sa o d a

iptidao dionisfaca deurn povo e inscparavcis uma d o outro.

Am bo s pro c ed em d e urn d om in io artfstico s i tuad o pa r a a lem

Jo apolmco: ambos tr a ns figura m um a regiao em cujos pra-

zenteiros a c o r d e s se perdem encantadoramente tanto a dis-sonancia como a imagem terrfvel do mundo: ambos jogam

com 0espinho do desprazer, confiando em suas artes magi-

c a s s o brem an e ir a po d e ro sa s ; am bo s jus tific am c om ta l jogo

a propria existencia do "pior dos mund o s " . Aqui 0 d io ni s fa - .

co, medido com a apo l i n e o , se mostra como a potencia a r-

tistlca e te rn a e o ri gi na ria que c h a m a a cxistencia em ge ra l 0

mundo todo da aparencia: no centro d o qual se faz necessa-

r ia u m a nova i lu sa o tra ns fi gura do ra pa ra manter f i rme em v i da

o a n i m o da individuacao. Se pudessernos i m a g i n a r uma en-

carnacao da dissonancia e que ou t r a coisa e 0 homem?~ tal dissonancia precisaria, a fim de poder viver, de uma

i lusao magnffica que cobr i s se com urn vcu de beleza a sua

pr6pria essencia. Eis 0verdadeiro d es ig ni o a rt is ti co de Apo-

10: sob 0 se u nome r e u n imo s todas aquelas inumeraveis i lu-•

s o e s d a b ela apa r e nc i a que , a c a d a instante, to r n am d e a 1gum

modo a existencia digna de ser vivida e impelem a viver 0

memento seguintc.

No entanto, daqucle fun c lam en to d e to d a existencia, do

substrata dionisiaco do mundo, s o e dado penctrar na cons-

cicncia d o i n cli vi du o humano cxatamcntc aquele t an to quepode ser de novo subjugado pcla forca transfiguradora apo-

hn ea , d e ta l modo que c s s c s dais impulses ar t i s t i c o s sao ohri

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gados a de s dob r a r suas Iorcas em r igorosa proporcao rcci-

proca, segundo a lei d a c tc rn a jus t i c a . L a onde as podc r e s

dionisfacos se ergucm tao impetuosamente, C01110 nos 0 es-I

7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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tamos vivenciando, Ii tambem Apolo, envolto ern Uln a nu-

vern, ja deve ter descido ate n6s e uma proxima geracao, sem

duvida, conternplara seus s ob erb os e fe ito s de beleza.

Mas que esse efeito e necessario, af es t a algo que, por in -t u i c a o , cada urn 0perceberia, c o n ta n to que a lgum a vez, fo s -

se mesmo em so nho , s e se n t is s e tra n spo r ta d o a um a exis tc n -

cia vctero-helenica. passeando sob altas colunas j o n i c a s , al-

cando 0 olhar para ur n horizonte re c or ta d o po r lin ha s pura s

e nobres, tendo junto a si, em m i rmo r e luminoso, reflexos

de sua figura transfigurada e, em r e d o r de si , homcns mar-

chanda solenemente au movendo-se delicadamentc, com vo-

ze s soando harmonicamente e com ritmada l inguagem ges-

tual .....n ao teria eIe, diante d es sa in in te r rupta a flu ic ao d e be -

leza, de levantar as lUaOS para Apolo, exclamando: "Bern-

aventurado 0 povo dos helenos! Quao grande deve ter sido,

en t r e v6s D io nis io , s e 0deus d e D elo s c on si de ra necessarias

tais magias para c ura r vo ssa fo lia d it ir am b ic a!" . Mas a a l-

guem n e s se e s ta d o d e animo, urn ve lho a te nie nse , e rgue nd o,;

a olhar para ele c om 0 subl ime olhar d e E sq ui lo , replicaria:

"Mas dize t a rnbem isto, 6 singular foras t e i ro , quanta prec i-

so u sofrer es t e povo para po d er to rn ar -s e ta o bela! Agora,

po r em , acompanha-me a t r agedia e s acr i f ica cornigo no t em -

plo de ambas a s divindades!".

NOTASDO TRADUTOR

I .I

(1) Griecbtum e 0 termo usado par Nietzsche nesse subtitulo para a se-

gunda edicao de 0 nascimento da tragedia. Mas, considerando-se que "gre-

cismo" tern sido apIicado de prcferencia para designar 0 idiomatismo gre-

go) recorreu-se ao sin6nimo "helenismo", apesar de ele trazer uma conota-

~a o qu e v ai a le rn da Grec ia concretamente.

(2 ) Heiterleeit, c l a reza , pureza, serenidade, jovialidade, alegria, hilarida-

de sa o as va r i a s acepcoes er n que a palavra e empregada em alernao. Quan-

d o s e tr ata da griecbiscbe Heiterkeit, a traducao mais frequente tern sido "se -

renidade grega ~'IEn t r e t a n t o , a versao parece insuficiente e redutora por su-

p ri mi r a s d em a is remessas do terrno. Por isso optou-se por ur n acoplamento

de dais sentidos principais, uti lizando-se sempre, nesta transposicao do tex-

to de Nietzsche, a fo rm a "serenojovial", "serenojovialldade".

(3) Movirnento pre-romantico a l e r nao , na segunda metade do seculo

XVIII. Integrado por um a geracao de jovens autores, propunha-se a emanci-

par a literatura teuta e constitui a primeira manifestacao coletiva do roman-

tismo eu ropeu . A denominacao proveio de uma peca homonima de F. M.

Klinger, urn dos integrantes do grupo do qua l f izeram parte , ent re out ros,

Goethe ~Herder, Le11z e Schi l l e r .I

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(4) Ref e r e n c i a a Schi l l e r , n o s versos do pr6logo a Wallenstein.

(5 ) Historia da Guerra do Peloponeso, II , 41 .

(6) Pedro, 244a.

(7 ) Apesar de 0prefixo "retro" i n d i c a r em geral urn movimento "para

t ra s" ) tambem consigna 0 e s t ar "arras", nexo em que e utilizado aqui por

c o r r e s ponde r exatamente ao alemao hinter,

(8)Por significar a um s6 tempo aparcncia, brilho c ilusao, Schein convcr

te-se 1111111dos princ ipa i s SCl)1JS 0.0 urdimento fenornenologico e m e t a f fs i c o

do discurso 11 i e tz s c11e~111(Jem () nascimento da tragcdia. Nao havendo em

ponugucs um vocabulo corrcspondcntc, escolhcu-se 0de sentido mais abran-

genre pa ra () caso

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(1 0) A t ra d uc a o tccnica para 0 portugucs s c r ia . :fcnomeno". ~Vlasa ver

balizacao C01TIO "apareucia' e f u nd amen t a l p:lra a car ac t c r i za< ; , : ao do un iv c r -

so de idcias proposto pelo tcxto.

(11) As ciracocs de Nietzsche p rovcm cIaed i c ; :1u de 1875 de J ul iu s F r au c n s-

l i c enc a s e xu al, p cl a i nve r sao dos papc is sexuais en t r e servos c senhores e

pcla coroacao, C01110 no Carnaval romano, de ur n escravo c om o rei, 0 qual

er a sacr i f i ca c io ao fim c ia cclcbracao. A rclacao entre ()povo c a festividacie

nao e estabclccida n a l it c ra t ur a C()11Sl11tad .a ,nern n as v ar ia s cdicocs d.o c sc r i -

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tadt.

(12) Verfanglich-rattesnfii11gerisch, c o n s t ru c a o quase in t ranspon ivel .

Traduzi-la po r "insidioso e enganador", ou par ou t r as f o rm a s equivalentes,

C01110 t e rn sido fciro, nao s6 em portugues, poe a perder a ironia da expres-

sao nietzscheana, qu e se a rt ic ula a partir das palavras "rates' e "capturan-

te l) como referentes metaf6r icos da a c a o do flaut ista de Hame l i n , segundo

a lenda popular alema.

(13) Fausto, versos 7438 - 7439 .

(14) Nietzsche r e f e re -se a figura desenhacia p e lo e s cu lt o r Leopold Rau,

que apareceu n a pag in a d e ro st o d a pr im eira e d ic ao d e sua obra e que m ui to

Ihe agradou L

(15) A traducao corrente desta palavra, ;,intuicao' 1 , perde a refc rcnc ia

visual, embora conserve 0 s ign i f i c ado de conhecimento im ed i a t o . Por ou -

tro Iado, "conternplacao", "visao" tampouco oferccern co r re spondenc i a s

s a t is fa t 6r i as p o r qu e resultam e rn pre juizo s em an tic o in ve rs o a o a cim a m en -

c io nad o. Um a eventual solucao pode estar no n eo l og i smo "introvisao":

Recorreu-se a ele sempre que 0sentido pa r e c eu exigi-lo, mas nao com c o n s -

tancia, devido a possivel confusao com Einsicbt.

(16) Preferiu-se sempre t raduzi r Trieb po r "impulse" e nao por "instin-

to", devido a carga biologizante que este ulrimo vocabulo encerra, a i n d a que

o limite c o n c e i t u a l entre ambos n em sempre s e ja m u it o nitido em Nietzsche.

(17) 0 termo e sempre utilizado por Nietzsche no sentido schopenhaue-

riano, isto t, como centro e nucleo do universe, que assume as formas da

multiplicidade fenomenal no espaco e no t em po , s eu s "principlos d e i n di vi -

duacao", constituindo a antftese do estado de c o n t emp l a c a o es t e t i c a .

(18 ) De rerum natura, vel' versos 1169-1182.

(19) Richard \Vagner, Os mestres cantores deNuremberg, ate Ill: cena 2 .

(20) Schein: ernpregou-se aqui "aparencia" e DaO "ilusao" para evi t a r

[uizo de valor sobre a mundo do 5011ho .(21) 0 nome Apo I o e d e e tim o lo gi a i nc er ta . ::\ietzsche 0 fa z radicar no

fato indubitavel de se t ra tar do deus da Iuz, isto t,com urn poder de erscbe i -

nen, 0qu e 0 t o r n a der Erscbeinende e 0vincul a : em a le rn ao , a Schein e Ers-

cbeinung, que sao operadores basicos d o j og o fi lo s 6fi c o schopenhaueriano

adotado pelo autor de 0 nascimento da tragedia. Cf. no t a s 8 e 10.

(22) Palavra s an sc ri ta , que se I e, e rn geral, COD10 " ilu sa o " .

(23) lnvocado e m m uita s passagcns d a a r gu r n en t a c ao nietzscheana n e s -

tc t c xt o c SC1 1 1 pr e c om 0significado que tern na fllosofiu de Schopenhaucr,

o d o poder de s in gu la riza r e rnultiplicar , atra vt:s do e spa co e do t empo , 0

Uno cssencial e indiviso.

(24) Povo cita, mencionado por Herodoto C outras f on t es g re g as . Ao qu e

parcce, os pcrsas designavam assim todos os c i t as . 111a5na Babi1( )n i a 0 nomeapIicava-se tambcrn a uma festal corn a du r a c a o de cinco dias, ma r c a d a pela

to n ic t zschcano (1 c I ll e s e r ec or rc u ~

(25) Ern alernao: v' e r lo rene Sobn, que e "filho prodigo". Na impossibili-

dade de obter em por tugues 0 jo go d a dupla s tgn i f lca cao , pareceu mais ade-

quado ao con tex to a traducao literal, "filho perdido",

(26) Expressao schopenhaueriana. Ur-Einen: Ao longo do texto, Nietzs-

che r e c o r r e reiteradamente ao termo Ur. Ele nao foi transposto invariaveI-

mente por "primordial", sendo alternado com "primigenio", "original", ' (pri-

rnevo' J alcrn de ser tambern r ep r e s e n t a d o pelos prefixos "arqui" e "pro-

to") os qua i s , em boa parte dos casas, oferecem U111a solucao de fundo e

fo rm a m a is c or np le ta .

( 27 ) C i ta c a o do hino de Schiller, An dieFreude (UA alcgria"), que e en-to ad a e rn forma coral no ulumo movimento da Nona Sinfonia de Beethoven.

(28) Cabe pensar que ver t e r gleicbnis POt "simile" e gleicbnisartig po r

:'simiiiforme" atenda m elho r d o que "simbolo" e "simbolico", respectiva-

mente, a alusao do texto.

(29) No original, sentimerualiscb, um a inflexao que nao e recoberta em

por tugues po r " sen t iment a l " , constituindo um a referencia a sentimentalis-cb e Dichtung ("poesia scntimentalista") de Schiller.

(30) C an to c ult ua l originariamente dedicado apenas a D io n is io e mais

t a rde estendido a outros deuses, sobretudo a Apolo. Er a entoado po r coro

e solis ta, t endo -se c o n ve r t id o , em Co rin to , a pa r t i r d e A rio n , em forma

de c ompo s i c a o l i terar ia, cantada de maneira regular par ur n coral disposto

c i rcul a rment e em torno d o a lt ar , com assunto definido e acompanhamen-

to d e fla ut a.

(31) Sem id eus , preceptor e servidor de Dionisio. Filho de P a OU , segun-

do o u tr a s v er s oe s , de Herme s e Geia, era representado como ur n velho care-

ca, d e nariz c ha to a rr ebi ta do , s em pr e bebado, montado n um a sn o ou a r npa -

r a d o par s at ir os , q ue a co m pa nh av a 0 cortejo do deus por toda parte e de

cuja ebriedade falava sempre a voz mais profunda do saber e da filosofia.(32) 0 te rrn o "d em on ic " c le ve se r e nte nd id o aqui, n ao n a acepcao cor-

rente en t r e nos, isto e, de gcnio do ma l , de d iabo, porem no sent ido grego

de daimon, de uma espccie de espfri to i n t e rm ed i a r t o entre os mortais e os. ,_

d eus e s .

( 3 3 ) A referenda e, mais um a vez, a obra em que Schi ller tenta concei-

tuar 0 "ingenue" em oposicao ao "sentimental" na poesia, Uber naive und

sentimentaliscbe Dicbtung, a que Nietzsche ja havia a lu d id o a n te r io r m en t e;T ' ').)

V. Il()t~l~~.

( 34 ) COnVC111 sa l i c n t a r que se trata de Betracbtung, "considcracio", "cxa-

me", "rcflexao", e nao de Anscbauung, "visao", do mundo.

(55) Esse e urn dos casos em que "in tu ir -sc" nao pareee cor rcsponcier

a "sicb . .. anscbauen' . Po r outro lado, "introvcrsc" soaIorcado e rebarba-t ivo; daf 0 re c urso a "coritcmplar-se".

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(36) In exis te e rn po rtugue s um a fo rm a u su al q ue t r aduza plenarnente 0

Seiende a le rn ao o u a being ingles Ser i a pre ciso re co rre r a "se nd o", pa rti c i-

pio presen te do v erb o, pa ra m a nte r a ir np lic ac ao dinamica d o c on ce i to que

f i ca r i a enfraquecido com 0 emprego da forma do infinito verbal, ser , d a d a

a s ua c ar ga s ubs ta nt iva nte . A ss im , optou-se, c o m o 0 m en o r d o s males, pe la

(48) M us ic o e po eta Ifr ico, n a s c i d o er n L e sb os , p ro v av el m e nt e na pr i -

me i r a metade d o s ecu lo VI I a .C. , tendo vivido CITI Espa r ta . A t ra di ca o l hc COl1-

s igna 0 a c r e s c imo de t r cs cordas a lira de qua t ro cordas entao er n uso e a

in ve n c a o d o s 1 1 10d o s b e6c io e c o li c o n a m us ic a , be rn c om o a composicao

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transcricao de Seiende p o r ( (e x is t e nt c " .

(37) No t ex to , 0 emprego de Realitat e na o de ~t;Iirklichkeit remete adistincao en t re r ea li da de g er al e efetividade particular.

(38) Obra pin tada por Rafae l en t re 1517 e 1520: s e n d o hojc par t e d o a c e r -va da Pinacoteca do Vaticano

./

(39) E impossivcl t r an spo r c o m e xa ti da o Sche in e VV'iedersche in , que n a

verdade significam "brilho aparencia" e "rebrilho-aparencia".

(40) Inscr icoes do ternplo de Apo lo , em Delfo s , tendo sido a pr i rne i ra

at ribuida pelos ant igos a a lgun s d os Se te Sabios

(41) Famoso poe ta do secu lo VI I a.e . , provavclmcnte, que escreveu ele-

gias, satiras, odes e epigramas, tendo introduzido 0 t r.m e tr o i am b ic o e 0 te-

t r ame t r o trocaico. Filho de u m a e sc ra va , parece que nasceu em Paras, s e n -

do forcado, pela e xt re m a p ob rc za ern quevivia a cm i g r a r para Tasos, onde

teria s i d o so Idado mcrcenario e t er ia rnorrido numa batalha entre parios e

naxios. D e sua mestria c o nt a-s c q ue , apa ixonado pela f ilha de L i c ambe s , Nco-

bule , e te nd o sido repelido pe lo pa l c ia moca, vi ng ou-s c c om e str ofe s ta o

sa t f r i ca s que pai e filh a s e cnforcararn.. EI n t odo caso, no pou co que resta

de seus versos, var ios c ele bra m N eo bulc . ..

(42) A pe sa r d e e sta r r na rc ad o pelo uso c o r r e n t e C0111 0 sentido d e a pr c-

ciador de requintes a r t f suco s , de partidario da a r te pela artc ou de degusta-

dor refinado da s coisas "estcta" ~que c a fo rm a d ic io na riza da , t ar nbc m s ig -

nifica euItor e estudioso da c s t e t i c a , acep~ao en] que a palavra e aqui ernpre

gada, em lugar de "csteticisra" que a lguns criticos tern prcfcrido.

(43) Plastiker, lit. "escultor ". Preferiu-se dar um nexo rnais arnplo, 0 de

"a r t i s ta plastico ~~n es ta e n outra s pa ss age ns o nd e 0 vocabulo aparece, para

n a o li m it ar a r efe re nc ia , 0 que a li a s s e coaduna, po r cerro, com as sugestoes

da p ro p ri a p al av ra alema no contexto de i d e i a s desenvolvido por Nietzsche

e assim decodificado por varies t radutores e interpre tes

(44) Pareceu n c ce ss ar io , p ar a manter c la ro 0 s en tid o, d ar uma fo rm a a o

carater do c u, que "eu" s6 t o rn a ri a i m pr e ci so , e par iS50 .optou-se par "eu-

dade' 1 , sem duv ida es t ranho.

(45) E m bo ra m e no s utilizado, "sujeito" e m p o rt ug ue s tambem apresen-

ta a s ign i f i c ac ; ao dos te rm o s c or re spo nd en te s e m a le m ao , I ng le s e frances (Sub-

jekt, subject, sujet), 0que justifica 0 se u us o neste c a s o , o n d e s e t ra ta de con-

f igura r urn sujeito-objeto.

(46) Cabe r epo r ta r -se a raiz g re ga d a p ala vr a strofe, qu e quer d ize r "vol-

ta", "virada" c e n i c a d a e vo luc ao d o cora, pa ra entender-se a i n te rp re ta cao

propos ta .

(47) Antologia do cancioneiro p o pu la r g e rr n an i co editada em tres volu-

m es pa r A rn im vo n Arnim (1781-1831) e s e u cunhado Clemens Brentano

(1778-1842), que exe rc e u pro fun d a in flucn cia d e fo rm a e conteudo na lfricado romantismo alemao

d e in um e ro s n 01 11 05 , c an to s I ir ic os d os quais sub s i s t en t a lg un s f ra g m en to s .

(49) Aule ta semilendar.o de origem t r ig i a , que teria vivido a nte s d a Guerra

de Tr6ia e ser ia discfpulo de Mars i as , s e nd o -l he a tr lb ui d as a .n troducao do

ge n e ro e n a r rn o n ic o n a Grec i a e uma prnducac poetica de q ue c o n st av am.clegias, hinos e cancoes

(50) V ale o bs er va r q ue ~ietzsche e n te n d e e d e s ig n a n es ta o bra a catarse

g re ga po r Entladung, ((d es c ar ga ' , ·

(51 ) "0 cora d ev e se r c o n s i d e r a d o C01110 U111 c los atores" .Arte Poetica,

XVIII, 1456a .

(52) C01TI seu irmao F ri ed ri ch S ch le ge l ( 1 77 2-1 82 9), August-Wilhelm

(1767-1845) fo i urn dos p ri n ci pa i s p ro m o r or e s do movi.nentc rornantico ale-

mao, sendo pa r t i cu la rmen te conhecido por suas magistrais traducocs de

Shakespea re e pela i mp o r t a n c i a de suas c on tr ibu ic oe s c ri t ic as e te6ricas c o r n

rcspeito a cstctica do r oma r u i smo , ern cu jo .lmbito figuran1 as Vorlesungen

uber dramatiscbe Kunst und Literatur (Prelccocs sobrc arte drarnatica c li-

teratura), de onde precede a mcncao fei ta po r Nietzs che.

( 5 3 ) Ninfas d o m ar , filha s de Oceano, de q ue m r cc e bc ra m 0 nome, e

d a d eusa Te ti s . Na peca c le P.squilo Prometeu acorrentado. e la s c o m po em

o c oro que d ia l oga 0 te mpo todo COIn 0 pro tagon i s ta .

(54) Mcmbro do (oro no r c .u . r o grego .

(55) Essa palavra e u s ad a aqui COIll () d up lo n exo de algo a o m esm o t e111-

po alcado e supcrado, sentido qu e a tornou ta o util para a di a l c t i c a hegcl i ana

e qu e e rn por tugucs s( ) C r e s ti t ui d o er n par t e pelo tcrrno " suspenso" ·

(56) 0 tcatro grego pareee tel ' sido conccbido o r i gma lmcn r e para a aprc-

s e n t a c a o d e coros ditirambicos e rn n on ra de Dioni s i o . 0 s e u c en t r o er a J

orkhestra ( ,( Iugar de dancar"), ur n c s p a co circular no meio do qual se erguia

o tbymele au a lt ar d o deus. En 1 vo lta c Ie ma i s da m etad e c ia orlebestra, for-

mando um a espccie de ferradura, ficava 0 tbeatron ('1ugar de ver ") propr i a -

mente dito, constituido d e arquibancadas circularcs, gerallnente e s e a v a d a sna encosta de um a c elin a. .. ~~tra s da orl ebes tra e def rontc da aud iencia

e n co n t r a v a - s c a skene , a p r i nc ip i a um a c s t rutura d e m a de ir a, um a f a chada

com t re s p or ta s, a tr av es da s qua i s , quando 0drama se des envolveu , a partir

do coro di ti rambico, os atores en t ravam em cena iTbe Oxford companion

to classical literature e The Oxford compan ion to tbe theatre).

(57) Ha urn e vid en te jo go n o te xto e n t re Zuscbauer e Schauer, r azao

pe la q ua l s e e le ge u tr ad uzi -lo s re spc cttv am e nt e p or "espectador" e " ve d or ",

que d e urn 1110do a pr ox im a ti vo s ug er em a relacao

(58) Nietzsche, ao utilizar-se da palavra uberseben, tern em vista t an to 0

"ver d e c ir na , ve r 0 c o n ju n t o , .nspecionar" quan to 0 "ver a u p as sa r par a l to ,

omitir" qu e 0 t er m o I ng le s overlook r e c omp6 e . POl' i5S0, n a o se aplicando ao

easo verbos como "supe rv i s iona r" , "circunvcr" au "sobrancear". r e co r reu-sea esse bizarre "sobrever" que pa r e c e ao meno-, conotar os n exo s implicados.

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( 59 ) P ar a a l 11 el1 1 0r c om p rc c ns ao d es sa p as sa ge m , dcve-sc te r ell1 me n t e

que " ac ao " e st a s ig ni fi ca nd o drama, na a c epca o grega .

(60) Fausto. d e G oe the , ve rso s 505-507.

(61 ) C orpo d e le ao e fa ce hurn an a. :\,lasna verdade a e sfin ge n as r epr e-

re s d esse c om ed io gra fo , s om an clo peno d e 5500 ve rso s d e d ife re nte s rex

t o s, s e nd o que somente 0 disc6holo s e a p ro x im a da i n tegra (The Oxford COI1'l-

panion to classical literature e The Oxford companion to the theatre).

(71) Epfte to pe jo ra tive c orn que o s ro rn an os dcsignavarn o s gre g o s e rn

·1

7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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se nta co es greg as e ra tr .fo rm e, po is a pre se nta va a sa s tam be rn .

(62) Memn o n , fi gu ra d a m i ro lo gi a g re ga , filho de Ti tanus e de Eo s (Auro -

ra ), m en c io n a d o po r Ho rn e ro r .a Odisseia e po r o u tro s au to re s a n tig o s . Se -

gundo certa t ra di ca o, um a est.itua colossal erigida per to d e Tebas, celebran-

do na realidade 0 f a ra () Am e n o t c p III~a X \ . 7 1 1 1 d i nas t i a . seria a representacao

de Melnnon e a s am m us ic al qu e se fazia ouvir ao a m an he ce r jun to a e s t a -

tua , a nte s d e e la s er pa rc ia lrn en te d cs t rufd a por urn te rrem o to , e ra tido c o-

m o a s aud ac a o d o filho a sua 111ae.~Aurora

(63) Goe the ; Prometeu, v er so s 5 1- 57 .

(64) No p e n sa r n en t o de Nie tzsche . 0modo de ve r 0 "ariano" e 0 "semi-

rico" ir a evolui r e se ra mais problernarizado.

(65) NOlTIe d a d o a um a es tam a, id e n ti fic ad a pe lo s gregos com A te n a e

pelos r oma n a s COIn Minerva, que r epre sen tava a u na ge m a ut en ti ca de Palas

e que dotada de vi r tudcs m a g ic a s g a r ar u ir i a a s c g ur a n c a cia c i d a d e qu e a guar-

d as sc c a c ultua ss e.

(66) Goe the , Fausto: v e rs o s 3 9 82 -: '3 9 85 .

( 67 ) G o et he , Fausto, verso 409.

(68) Filho de Zeus e P c r s c f o n c , csqua r tc jado e devorado pe lo s Ti ta s , m as

cujo coracao, S~1.1\.T() po r Are n a e I cvado ~l Zeus, l 1l1C ( ) cngo l iu , deu o r igem

ao 110?() Dion i s i o Z~lgrcLl, f i I 1 1 ( ) de St~111(~le. vin cula ca o d cs sa le nd a ~10Smi s -

tc rio s 6rfic os e a sua te o lo gia pa rc ce .n d ubita vc l e n c la tam bem se in sc re -

Yen) elementos d a o r ig em d e sse d e us) po is Zagrcu q ue r d iz cr possivclmen-

te , e rn t ra cio ou f r ig io , "dcsfeito em pcdacos".

(69) Iniciado nos mi s t c r i o s d ion i s la co s .

(70) A evo luc ao d o g en ero c orn ic o. entre a s g re g os , e dividida, e rn t er-

m os d a pro duc ao d ram a turg ic a, e rn tre s f ases consecu t iva s , a saber, a C o rn e -

d ia Antiga, c ujo n om e e xpo ne nc ia l e 0 d e A r i st 6 fa n e s (448-380 a.C.), a Co-

media In te rm ed la na , re pre s en ta da po r A ntffa ne s e A lexi s , e a C orn ed ia N o-

va. Esta cornecou a prevalecer pa r volta de 33 6 a, C .; s e us t ra c e s ca ra c te r i s t i -

cos e n c on tram -s e n a re pre s en ta ~ao d a vid a c on tem po ra n e a po r m eio d e pes-

soas i m ag in ar ia s d ela c xt ra .d as , n o d es en vo lv im e nt o do enredo e da s perso-

nagens, n a subs t i tuic ao d o lan ce d e espfrito pe lo hum or e n a introducao te -

r na tic a d o a r n o r r o m an t ic o . A s se r ne lh a- se a t raged ia d e Eur ip ide s (0 ion, pa rexe rnplo ) mais d o que a c o r n e d i a de Ari s t6 f anes . Do c o r o , 56 r es ta ur n ba n-

da d e m us ic os e d a n c ar in o s cuia s ap r e s e n t a co e s po n tuam o s intervalos da

peca, A C orn ed ia N ova e de I a to urn pro ge n ito r o bvio d o d ram a moderno.

Mas 0 sell pa drao m ora l e s ur pr ee nd en te rn en te ba ixo ... F ile rn on e M en an -

dro foram as pr in c ipa ls poe ta s da Co r n e d i a Nova 0 pr ime i ro (c. 366-263 a .C .)

nasceu em Soloi~ na C nfc ia , I na s veio jovem para A te na s. A lg um a s de suas

pe~as, da s quais n en hum a s e pr es er vQ u, foraln ut i l i zada s por Phuto ... Me-

n a n d r o (c. 3 42 -2 92 a . C .) r or no u- se 0 I n a i s fa m as a a uto r da Conledia Nova .ESC r e \T e l lm a i s lie cen1 r eGas . St1bsistetl1 apell.as fragn1.e.n.t(;s maiores Oll nle11()-

ge ra l e , e rn pa r ti c ula r) a s pe rso na gen s po uc o d ign as e se rvis que a pa re cia rn

e m c erta s pe ca s .

(7 2) D e u rn e pi gr am a d o jo ve rn G oe th e, i nr ir ula do Grabenscbrift (Epitaf io).

(73) D ura n te a sua e s tad a n a I ra lia . Go e the c o me c ou a es c re ve r e s sa t ra -

gedia, da q ua l r es ta rn a lg un s fr ag m en to s.

(74) Pla tao , I on , 535c .

(75) "Deus trazido pe la m aquin a". Expre ss ao n asc id a do emprcgo, no

te atr o g re co -la tin o, d e u rn m e ca ni sm o para f az er b ai xa r do teto da s l eene ur n

a to r a en ca rn a r urn deus qu e i n t e r v i nha n a a ca o pa ra p ro vo ca r 0 desenlace.. -'"

Em bo ra s c pre te nd a que E squi lo 0 te nha in ve nta do . fo i E ur ipi de s quem re -

co r re l l a o a r t iffc io , n a m aio ri a d e s uas pec as , a fim d e ama r r a r 0 en re d o o u

descmbaracar o s p r ot a g on i sr a s de a l guma di.ficuldade de out ro modo i n su-

pe rave l , 0qu e ja susc ita em So cra te s um a a lusa o ir6n i c a ao s : 'fa zed ore s d e

tragcdia que , nos c a so s c m b ar ac o s os , procur.un tun r e curso nas m.iquinas

d e tc a tro e tir am o s s cus d c usc s do ar " (Cratilo, 425(1).

(76) Nous, "noitc " "jntelecto" ~"espirito" "que e n g e n d r a 0 se r e orga-

n iza 0 mund o , sendo c a u s a pr imc i r a c p r in c i pi o ordcnador da s coisas que,

na sua divcrsidadc C mud a n c a , n an passa rn de agrcgaclo s de p cqu cn i s s im a s

particulas s im ila rc s - segundo a explicacao de Anax ago r a s de C la z o r n c n e ,

pensador grego do scculo v a.C. C, co n ' ! Tale s e A na xim cn cs , re rc eiro n om e

d a fi l ()SC) fi a da n a ture 2a d ()s ; ~is i (~()S'~d e M il« to

(77) lssa fig ur a lc nd ar ia , q ue nada t e rn aver C0111 0 sell homonirno his-

t6rico, t e r i a sido rei dos edo r . i d a s n:r Trac i a c tcria i 1nped i c io a passagern de

D io ni si o (i st o e , sc u culto). pe rs eg uin do a s b ac an tc s C o s s a ti ro s que a c o r n -

panhavam 0 deus, tendo s id o p or i s so , C01110 pun i c a o divina, levado a ma t a r

o proprio fi lho e a m ut lla r-s c, pa ra , a o fim , s er m o rto p ar s eus pr 6p ri os s ud ito s.

(78) Fausto, "Coro dos c sp ir it os ". v er so s 1607-1611.

(79) Chr i s t i an Furch tcgo t r G e ll er t ( 17 1 5~ 1 7 69 ), poeta, fabulista, come-

di6grafo e romancista da I lus t ra<;ao a lc m a, d e c uja t en de nc ia s en ti me nta l fo i

urn dos expoen te s . Uma d e s ua s o bra s m ais difundidas fo i a coletanea de

Fabeln und Erzalungen (Fabulas e c on .o s), d e onde pro ve m o s ve rso s cita-

dos no texto ~

(80) Do grego kynikos, de kyon, "cao". E sc ola filo s6fic a fu nd ad a po r

Undiscipulo de S oc ra te s, A n tfs te ne s (4 37 -3 70 a .C .). E provavel que a deno-

r n i n a c a o de "clnicos" se deva, em par t ic ula r, a D io gen cs , c uja a lc un ha ta m-

b er n e ra "0Cao". Como e le , a lim c nta va m to ta l desprezo pelas convencocs

soc i a i s , pelos b en s m a te ria ls e pe la s pra t i ca s c ult ua is . S ua c rft ic a r ad ic al a vi -

d a em so c ied a d e e su a prc ga c ao d e UO ) in divid ua lism o an arquic o em fac e

de tudo e de t o d o s e r ar n c e nt ra d as l1a \.Tirtude e 11~1ntegridade pessoais, ti-

d a s C 01 1 10 (i ni c os v al or e s, e t or na ra n 1- se fan10505 n a A nt ig lli da de s ob re tu do

pe la fo rm a c om o a s ext er io r izavan1, o u s eja i pe la s l ongas barbas, a p a r e n c i a

s uj a e d e sm a z el ad a , sat i sfa<;;:ao pllblica d as n ec e ss id ad es ffs ic a s e i n c iv i l i d ade de

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rnodos ( It le v ie r am ~!co Inpor todo ur n ancdo t.i ri ~do (t II :1 1o de I) 1 ( ~ )genes

a t ra v CSS()l! ()S s c cu l ()S.

( H 1 ) T r ~lt . r -se d e r t~li~J na o1)ra tea t r al :1 j II S ti~~-l d e rt~_~)1111 ) e 11 S a r :1 \ !itu-

de e 1) l.111i o \7 ici()

(95) Die Jlii tter des Seins . lVahu, ~Ville, \Vehe, Frase q ue p ar ee e fundir

um a im a g cm fa ustic a d e Goe the (as" Macs") corn idcias e terrninologia scho-

p en ha u er ia n as , p ro c ur an c Jo sintetizar, nu r n a forrnulacao poetica cscandida

peJa aIitf'ra(ao, 0 t r a g i c i sm c ) filos()f'ko de Nietzsche.

(96) C c o rg G o tt fr ie d Gc rv in u s ( 1 80 5- 1 87 1 ), historiador c polico l ibe ra l ,

7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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(82) (~)otimismo tIlle Nietzsche enxerga C:C) I 11 (J o traco rer)rese nt.. ti \.1 e ) do

estro euripidiano e CC)11radito por Aristoteles, q tie \ · ~ e11() all tc)r de As bacan-

tes "0ma i s tragico do s poetas".'} tPoetica. 1453a) ..

(83) Platao, FedoJ1 , 60e-61 b.

(84·) Ur n do s a rgonaut .a s , cu ja vista er a ta o a guc la q ue e le p od ia e nx er ga r

a tra ve s d a te r ra e d i s t in guir o bje to s s itua d o s a dl s t anc .as incrivcis

(85 ) C on ce it o e ti co grcgo que , aicm d e m o d er ac a o e pn.dencia ~en\701-

ve tarnbem autoconhecimento e au tocontro lc, sendo person i f i cado . 113 saga

ho rn er ic a, pe la fig ura de Ne s t o r .

(86) A rcfcrencia poe ern t e la a "arte dcgenerada ~, labeu sob o qual 0

n a zi sm o C C )1 1 d e1 1 o ue p er se gui u t od a a a r te r n o d c r n a . ~,Jas t a lv e z j us t am e n t e

a e sse pro po sito c aiba le mbra r que N ie tzsc he : a o c on tra r io d o n eo cla ss ic is -

rno kitsch da s "belas I o r rna s ' glorificado pela e s te t i ca do t e r ce i ro Reich, cri~

t ica, nesta e em out ra s passagens, a ideia de qu e 0 be lo a gr ad ave l e ha rr no ni-

co deva se constituir no unico objeto da ar t e .

(87) " Fo rm a so b a qua l a c o i sa em S 1, 0 re a l, a pa re c e c om o o bj eta ~.'"

(Lalande). 0 t e r rno e de usa quase exclusivo de S ch op en ha ue r. E nt re ta nt o,

a ss in al a u m a diferenca c on ce itua I e fi lo s6fi ca que DaO po d e se r re c obe r ta po r

"objetividadc" nero pela "objetualidade" f e n omen o l o g i c a . Da r a op c a o por

"objctidadc" .

(88) T ra ta -s e d a pin tur a s on ora d o cx t r amu s i c a l P9 r m e i o s mus i ca ls , qlle

se t ra d uz , q ua n ta ao sentido, na chamada "mus t c a d es cr it iva " " ou "m i i s i c a

d e p ro gr am a " l pro movid a pa r ti c ula rm en te a parti r d o r om a n ti sr no I

(89)J+ P . E c ke rm a n n , Conuersacoes con? Goethe, 11 d e m a rc o de 1828.

(90) Goethe, Fausto, parte II, verso s 7438-7439 .

(91) Palestr ina e Ulna d a s p r c fc r c n c ia s mus i ca ls d e N i e tz s c he , e e le a m a-

n ifc sta tam bcm po ste r io rm cn te , e rn sc us es c r i tos

(92) Na rrutologta g r cg a , f ilho de A ntio pe e Zeus) Anffor c ult ivo u a poe-

si a e a a rte d a citara, n a qua l te ria s id o tao e xim io que ~sendo re i de Te ba s ~COll1 0 s eu ir rn ao g cm eo Zero, e t en do concebido 0 pro i e to d e cons t ru i r as

m ura lha s d a c id a d e, a t r a fa a s pe d ra s a o sam de s ua lir a . e nqua nto Ze ta er a

obrigado a carregalas nas cos tas , diz a Icnda

(93) M iti c a ra in ha d a L id ia a quem He rac lc s te r ia se rvid o c om o e sc ra vo

duran te U1 n a n a - pe n a que 0 o ra culo d e D elfo s I he impusc r a C01110 cxpia. . . . .

< ;ao pela morte d e Ifi to s - pa ra m os t ra r a d e gra d a c a o que fo ra impo s t a ao

her6i ou ate o n d e 0a r n o r pode leva r , pais um a o ut ra v er sa o 0 d a COl110 apai-

xo na d o pe la a rn a e a le n d a re pre se n ta -o flando n a r o e a ~lOS pe s ci e Onfalc

re ves ti d a d e pclc de 1 C 2 C ) c 1)['111.di11Cl() a c lava de H e r ~ l c l e s .

(94) O tt o j ah n ( 18 13 -1 86 9) , pro f e s so r d e ~ielzsche ern Bonn, foi f i I61o-

go, ~lr(llleo 1 (Jgo, 111·ClSi co, ~lu t o r de 1 1 L l mc r o s a s I)u I J J . iC :1 :( )c s s o l) r e ~t t r~lge C I i~

g rc g a , a l)i11t.l l r;1 ei c \ras()s, ~lescLll tllr:l l1a All r i g - e l i (ja (1 e; ·U111im I)() ftan te 1) i().

g ra fi a d e IVlozart c cnsaios sobrc llluflica, a lguns dos qu ais 1 11 ar ca do s po r for

tc l)()lc.tni C~lC()11ra W:lgnt~r ~

a uto r d e Ul11a historia da Ii tcratura alcma em Cil1C() \ ! C )I I I 1 1 1CS, Di e Gescbicbte

d er poetiscben Nationatliteratur, e de Ulna monografia sobre Shakespeare.

(97) Tristao e Isolda, at o III, c e n a I.

(98) Tristdo e 1__olda, at o III~ena I.

(99) Tristao e Isolda, at o III, c e n a I.,.,

(100) U ltirn as pa la vra s d e Is old a, n a pr im e ira ve rs ao , d ep oi s rn od ific ad a

por \Xlagne r , T ris tao e I so lcla, ate Ill, cena III.

( IC)1) Car t a de Goe the a S ch il le r, d e 9 d e d e z emb r o d e 1 792.

(1 02 ) A fu nc a o m o r a l d o te atro pre oc upa ta nto Diderot quanta Less ing ,

c on sti tuin do n o pr im eiro urn dos eixos de se u "d r ama burgues" e , n o se -

gun do , urn fo co d e se u tra ba lho de dramaturgo e c ri t ic o, m as e c o m S ch il le r

que a que sta o se ra objeto de U111a r e or iz ac a o s is te m a ti c a e de um a tentativa

d e e n qu ad r ar n en t o institucional.

(103 ) A pa r abo l a qu e e m en c io n ad a po r N ie tzsc he e n c on t ra -s e em Pa-

r e rg a e Paralipomena, d e Sc ho pe nha ue r, vo l. II, pa ragra fo 3 96 , o n d e se Ie :

"Em urn ge la d o d ia d e in ve rn o, urn grupo de porcos-espinhos a g l ome r o u - s eo mais e s t r e i t ame n t e que pode a fim de s e r e s gu a rd a r do enregelamento por

se u c a l o r r ec ip ro c o. ,\ 1a 5 l o go c o r n ec a r am a sentir as r nutu os e spin ho s e vo l-

t a ra r n a a p ar ta r -s e . Quando a necessidade de se aquecerem t or no u a a pr ox im a -

lo s, re pe tiu -s e d e n ovo 0 i n co r n odo , d e ta l modo que se v ir am a t ir a do s para

ci e pa ra la e n t re e s te s d a i s tipo s d e sofrimento, ate que d e s c o br iram um a

di s t anc i a mo d e r a d a qu e lhe s e ra s upo rr ave l, A ss im , a n e c e s s i d a d e de c o n v i -

v io , n a sc id a do vazio e d a m o n o to n ia em seu amb i t o , impele os homens a

e s ta rem juntos; m as a s s ua s nume r o s a s qua lid ad es re vo lta nte s e s eus n um e-

r o s o s d efe it os i ns up or ta ve is v olt am a s ep ar a- lo s . A distancia media qu e a c a -

ba m descobrindo e qu e to rn a a coexistencia possivel sa o a po lid e z e o s bons

co stum es . Pa ra que m n ao m an tc m e ss a d is ta nc ia , d iz-se n a In gla te rra : k e e p

your distance C m an te nha a devida distancia'). Na verdade, i s so pe rm i t e ape-

na s u m a s a ti sf ac a o im pe rfe ita d a n e c ess id a d e d e n o s a c a len ta n n os un s a o s

o utro s, m as tarnbem livra a pes so a d e sentir 0 a gui lha o d os espinhos Po -

r em , a que le q ue po ss ui mui to c a l o r proprio i n te rne , p re fe r ir a e vi ta r 0 c o n -

v iv io soci a l , a fim de na o pr od uzir n er n s ofr er inc6modo".

(l0 4) R efle te -s e a i a o po si ca o entre civi l i zacao e cultura, qu e 0 n a c i o n a -

Usmo gerrnanico cu l t ivava n a e po ca . A lia s, to da e ss a pas s agem d e to m a n t i-

gaules e g crr na no fi lo c on tra diz a s opinioes de Nietzsche no r e s tan te de su a

obra, o nd e e le e xpr es sa r epe tid as vezes a dm ir ac ao pe la Franca e n ao poupa

!152] [ 15'-~I

. . . . . ~ .crt t rcas ao s e ll propr io PO\,TO.

(105) A palavra [etzt.zeit aparecc s cmp r c ern Nietzsche corn uma inflc-

xjo {.) lc rn ! c a c d cprc c i~lti :1 .

(106) Trata-sc, por c cr to , d a Guerra Franco-Prussiana, d e 187011.

( " 1 l ; 7 ) ~L\lllS~l(_) ~l L5 ie ( C J ( r ' i e c i , (i.e\V:lgner~

( 1 C )8 ) X CSS~l \~iS~l(),:\ ie lZS(~he inv()ca r)ersonagt~ns dc ) seglll1dc) c tcrceirc)

atc)s de ) L 5 i e ( r s / ~ J · 4 i e { 1 , de \X7~lg11er~

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7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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NIETZSCHE NO TEATRO I ;.,i II .

I I:

I i I :1I II

I

Primeira obra de Nietzsche, 0 nascimento da tragedia

continua suscitando a mais viva atencao dos que fazem arte

e dos que pensam a arte e 0homcm. Em seu rastro de cento

e vinte anos, os fogas da admiracao entusiastica e da pole-

mica critica nao cessam de assinalar a su a passagem pelo pen-

samento e pela sensibilidade modernos. Se se perguntar pe-las raz6es disso, muitas poderao ser as respostas igualmente

validas e que se colocarao nesta ou naquela r e l a c a o com a

reflexao ulterior do fllosofo, com 0debate de ideias no mo-

vimento filosofico e com 0processo das artes em nosso tem-

po, com as crfticas da sociedade e com a s buscas de sentido

e valores da existencia.

Esse poder ferti lizante e renovador e nao apenas 0 de

urn discurso, mas tambern 0 de urn texto. Pols se no foco

de urn e de Dutro esta a irrupcao gen i a l de um a visao que,

pretendendo remontar ao am a g o de urn passado da cultura

e do espirito europeus, iluminou uma dialetica fundamen-

tal na criatividade humana a es te t i c a d o estar-ai ,ecerto que 56 a forca poetica da ma te r i a l i z a c a o verbal dessa

a na l i s e e contemplacao, ou seja, 0 feito do escrito, consti-

tuiu 0 outro fator de permanencia criativa e i n s t i g a do r a da

sintese operada.

Ta lve z po r a t se ja possivel explicar por que, embo r a per-"

tencendo a urn e s tr a to e s ti lfs t ic o criticado e superado pelo~

au to r , que em sua s obras posteriores mostrou ser ur n dosmaiores escritores da lfngua alema, mas com uma forma de

expressao bastante diferente da que registra esse texto de es-

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treia publica, 0 nascimento da tragedin n ao perc lcu a sua

capacidade de fascinar Iiteralmcntc () homcm do seculo xx

C0111 a m u si ca que ve rn do fundo de Ut11 cs t ro ulrraromantico,

111asque lhc fala do possfvel fundo a rque tfpico C on i r i c o de

r ic as d e s ua in tc rprc ta ca o da tragcdia grega, abrc , por seu in -

tcrmcdio, 0 cspaco da i n t c r a c a o concrcta entre 0 visivcl e

o invisivcl e rcstabelece, ao nivcl das culturas de nosso tern-

po, a ncccssidade de sonda-lo como cxpcricncia nao apcnas

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suas vivencias. Na verdadc, prop6e-se-lhe mais U111a cncar -

nacao de Dionisio despedacado na radiante uni f i ca cao for-

lnal de Apolo. Corn a sua sapiente e sibilina Pit ia , Nie tzs che

transforma a su a esteira, 1 1 a i m a g in a c a o do leiter. petrifica-

coes s ign ic as e m pensamento v ivo . Deuca l iao do espirito t r a -

gico, e le 0 fa z reviver n a s ua po te nc ia tr an sfig ur at iva . Morte

e ressurreicao, nao apenas como evocacao filol6gica de uma

Grecia passada ou como exaltacao musico16gica de um a ~i\le-

m a nha futur a. Trata-se efetivamente d e rcimplantar UD1a uni -

dade rnitica refeita em que 0 homern re s surg i r ia C01110 obra

de arte da vida. E 0processo de supe r a c a o de urn logocen-

trismo dogmatico do principio da razao que, sob 0sopra do

daimon socratico e c ie n ti fi ci st a, e xi lo u 0ser humane no fe -

nomenal, desligando-o d e sua relacao C0111 0 seu ou t ro s c r ,/ ,

o das profundezas de sua natureza. E claro que ern 0 nasa-

mento da tragedia 0 que esta ainda ern t e l a , sob esse angu-

lo, e a pr6pria essencia meta ff s i ca e schopenhaueriana da

vontade. Mas , ja a i, t ambe r n , se t e rn em nuclco a des - s ag racao

dessa essencia, a sua r e - human iz a c a o na drarnaticidadc tragi-

ca da existencia

Na G havera exagero, ta lvez, ern pensar que 0 texto de

Nietzsche realiza um a verdadeira t ra du ca o t ra n sc n at iv a, dan-

do a abstracao especulativa do processo da vontade e da re -

prescntacao 0 alento da carnacao poe t i ca . E e s ta figuracao,por certo, nao e meramcntc I i terar ia, sendo moldada sobre-

- tud o pe la dinamica de suas idcias. Co rn a sua imagistica, 0

eixo da ana l i s e .desloca-se e 0 peso dos sentidos e transferi-do d e um a v i s ao m e ta ffs i ca pa ra um a in tr ovi sa o a ntr opo 16 gi -

c a , s em que um a se ja a n ula d a pe la o utra : A c o-prese n ca d e

a m ba s, e n tr e ta n to , pa ss a a s e r vis ta d o interior d o ser hurna-

n o , isto e , t o r n a - s e antropocentrica, 0que constitui uma d a s

condicoes necessarias para a acao efetiva de Dionisio e Apo-

10 e pa ra a o co r r e n c i a do efe i to tragico

Por o utro la do , 0 importante nessa Anschauung e queNietzsche, independentemente das v i n cu l a coe s factuais-his t6-

intclcctual, porcm como vivencia sensfvel, para urn real CO~

nh e c imen t o do humano. E que outra coisa pas s a ram a pro-

c ura r , lo go depois, a antropologia, a ps ic a n a lis e e a s a rte s ,pa r t i cu l a r rncn tc 0 teatro?

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Na o e para a s s i s t i r como simples espectador que Nictzs-

che vai sentar-se no anfiteatro da tragedia grega. Nao que

o espetaculo c om o ta l n a o 0 seduza nelTI th e apraze. Mas

o sentido d e s eu olhar nao se esgota unicamente no jogo

da sucessao de epis6dios e incidentes que forma, como en-

redo e na r r a c a o , a superficie aparencial da encenacao d r a -

r n a t i c a . Tampouco a m era vis a o do mito tragico the basta.

A sua mira es t a alern. Busca dar-se em representacao os atos

or ig i na i s e constitutivos do fenomeno tragico. POl' iS50 mes-

Ina n ao se satisfaz corn a contemplacao passiva e julga in -

dispcnsavel descer a orlebestra para integrar 0coro visiona-

rio. Tenta vel' ai a que este vc, d uran te a sua atuacao ritual

e ccnico-oracular. na medida em que aspira discemir em

sua proto-manifestacao 0 proprio ser daquilo que se fa z vi-

s ao , que se deixa ver.

Rcrne t e ndo 0 seu ponto de vista a unidade de visao que

teria antecedido a di-visao do vedor em ator e cspectador,

Nietzsche reve, c om 0 olhar in te r io riza d o n o transe d o en-

tusiasta s a t f r i co . 0coro ditirambico dos satires represen-

ta ca o d a pr im i tiva multidao rustica d o s celebrantes dionisia-

cos no extase da r cp r c s e n t i f l c a c a o do deus. 0 espetacu-

10 , pais, que se apresenta n e s s a fase do surgimento da trage-

d ia , ta n to aos of i c i an te s quanta a o s participantes do cerimo:

n ia l, t er n realidade visional m a s nao concretude material. E/

ima t e r i a l . * A cena t rag i ca , restrita ainda a expres sao e a evo-lu ca o c o ra l, p ro je ta -s e, na verdade, n o palco i n t e r i o r da vi -

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dencia. Imersao n a s pro fun deza s d a existencia, pa ra a le m do

ilus6rio do cotidiano, ela t r az dos arcanos 0 soma do sofri-

men t a e da dor un iversa ls feito a figura de sua cncarnacao:

Dionisio dilacerado e renascido revela-se como imagem da

alma na alma d a i m ag em , do s c o reuta s . C om o un1 rodo, eles

tniciacocs secretas, os Tiranos tiveram, sen) duvida, a idcia

de associar a multidao toda a mi s t e r i o s celebrados a luz dod i a . As Dionisias po pula re s fo rm a r am 0 s eu n uc le o . 0 cora

ditirambico substituiu 0 sacerd6cio para d a r ao povo 0 frc-

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o sen tem e 0 u e e m . Exultam n e s t a transvisao qu e os une n o

rnesmo querer ~ 0 da vida, no rn is re r io de sua eterna revi-

vencia. A exaltacao dessa vidcncia comum tern de se exte-r io riza r. Ela jo rra c om o c an tic o. Hino, qu e e tambern a vo z

do grupo na sua comunidade esp i r i tual e social, na afirrna-

cao de uma vontade coletiva e na conf iguracao de urn imagi-

n ar io e spe cffic o c u]a potencia criativa a s sume a fo rm a d e um a

mesma divindade que, na experiencia de s ua e pifa nia , id en -

tifica a cornunhao dos entusiastas

Mas, em me i o a em briague z c o ra l n a orkhestra, Nietzs-

che corneca a vislumbrar Ulna imagem na skene que 0 leva

a deter-se, por urn instante, em contemplacao. Segundo mo-

menta do desvelar-se d o teatro t rag i co na representacao, parao olhar do filosofo, ele se consubstancia na materializacao

do deus em figura encarnada. Evidentementc, alguem, com

intcncao previa au n a o , assume 0papel. Quer dizer, 0 ator

como tal surge em cena. Isso, entretanto, nao significa que

o seu investimento se ja vista como urn desempenho de ar-

te o Ele e Dionisio, e nao uma ma s c a r a . A funcao ritual conti-

n ua dominante. Trata-se, m ais um a vez, d e produzir como

vivencia d o aqui-ago ra a imagem rn i s t i c a do deus. E 0 qu e

os coreutas fazern, na sua exal tacao sobretudo I i r i c a e, com

eles, a a s s cmb le i a dos celebrantes. Dionisio n ao esta no pal-

co, mas no espaco real de sua metamorfose.

Na o e pr ec is o s ublin ha r a ir npo rta nc ia da transforrnacao

em termos teatrais. 0 fator que teria conduzido 0processo,

como 0nascimento da tragedia sugere, seria 0da conjuga-

< ; a c J entre os ditirambos entoados no primitivo culto popu-

lar e os ri tuals secretos acessfveis ap en a s a iniciados, supoc-se,

Os efcitos empregados pelos oficiantes dos misterios eleusi-

nos, para impressionar e persuadir os ncofitos, constituiriam

o primeiro usa deliberado de m e io s c en ic os . "Foram os sa -

cerdotes que inventaram 0 teatro, como uma iniciacao, Para

romper 0 ascendente que 0 sacerd6cio adquina par essas

mito dionisiaco. Pisfstrato e nc or ajo u T es pis .' l*

Apolo comeca, pois, a e n f o rma r a s a pa ric oe s d e D io nis io

no palco da Arte Dramatica. Ainda que unico a conf igurar-se ,

o deus despcdacado t,precisamente nessa qualidade e a e la

superpos ta , submeudo a ur n cinzel heroificador. A . divinda-

de permanece como objeto dos canticos e das dancas orgias-

t icas de s eus c re nte s . M as , ao m e sm o t empo , 0 rn i to de su a

p ai xa o e r es sur rc ic a o e n a rr ad o em fo rm a pe rs o n a liza d a pe -

10 a to r que 0 in c o rpo ra . C om urn pathos qu e parece cornu

nicar um a voz vinda das en t r anh a s de urn mundo subterra-

nco, soa 0drama de seu destine ante a mult idao ernbeveci-

da e corn os olhosfitos no fdolo V1VO, 0 intcrpretc que ele

habita. E 3 p r ime i r a moldagem do heroi tragico

A objctivacao da ma s c a r a dionisiaca instala n o espaco ri-

tual a arte do teatro. Efcuvamente. e a parti r dela e com 0

scu alento que se animam as personae her6icas do mito t ra-

gico. Nelas, Zagreu dilacerado r e f igura - se como ern seus ava-

tares. Esta instaurado pais 0princfpio rnultiplicador da per-

sonagem dramatica. De outro lado, por rorca do mesmo efeito

i n s inua-se com mais nitidez a linha divis6ria entre palco e pla-

teia, 0que conduz 0entusiasta e r e c o nduz Nietzsche ao lu-

gar de espectador no tbeatron para a ss i s t i r e rn a represen ta-

cao do hypocrites em seu disfarce como "duplo no espeta-

culo da tragcdia. Nem po r is so , entretanto, se desfaz 0 laco

com a celebracao r e li gi o sa . E st a permanece pulsante na emo-

cao e na imaginacao do entusiasta-espectador e ator, que ago-

ra , porem, c o rn ec am a te r a seu service a s criacoes do poeta-

dramaturgo e de seu poder de diversificar os her6is simboli-

cos. Assim, 0 tragico vai se convertendo em tragcdia e 0cs-

pirito da mus i c a , percutindo as fibra s m a is rcconditas do

trauerspiei do deus-horncm, transfigura-se na plastica teatral

da individuacao representativa.

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A conciliacao pcrfeita entre Apolo e Dio nis io . c Ia qual te ~. . . .

ria rcsultado a tragedia, c n c on t r a ern Esquilo e Soroc le s a su a

expressao canonica. Pelo menos C 0que se afigura ao nosso

cspectador, a go r a apartado d o cora dirirarnbico d os s at ir os

Zeus , discernc-se n a pr ojc ca o e squilia na do r n it o p ro r nc t ci -

c o um a po n ta d e ra za o e o tim ism o fin a l n o jogo c ia cxistcn-

cia. Ma s , SC111 duvida, n o c on jun to do proccssamento dra-. . . .

m atic o em que e e xpo s to , sobressai a cornpacidadc tipifica-

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em t r anse de invocacao e de posse de UD1 s ab er , q ua n ta a sba se s a rq ue tfp ic a s d e sua in t rov isao , qu e l he e n qu ad r a 0olha r

n um a 6pt ic a m ais c ri ti c a e d is ta n c iad a. Em c on sc que n cia , a flo -

ram o s s eus jufzo s d e valor c s tc t ic o em fa c e do repe rt6r io

que 0 teatro grego lhe oferece./

A obra de Esquilo e por certo a que m ais se apro xim a,

em te rm os e s t rutura is e e s t ilfs ti c os , d o que s e r ia m od ela r pa -

ra e ssa apreciacao. Ela assinalaria a c o rn po s ic ao quas e id e a l

d e e lem en to s a que t er ia c he g ad o 0ge ne ro tr ag ic o, n a H ela de ,

com 0primciro dos grandes expoentes da tragedia a t i ca . 15 -

so porque, em sua e la bo ra c ao , te r ia c o ns e guid o un ir 0 d e s -

medido d a dissonancia mitica e 0 ha rmon i c a da consonan-

c ia e s te ti c a e d a r um a fo rm a compativel e e q ui li br a d a a de l i -

c ad a re la c ao d ram a tic a e n tre 0 c o ra l e 0 in divi dua l. e ntre 0...

I i r i co e 0epico, entre 0ditirambico e 0d i a 16g i c o . Com a c o n -

cisao e a precisao apolmcas, de c olun a do ric a, te r ia r c t id o ,

no s eu c ara te r m us ic a l e oficiante, um a pr im o rd ia l i ns pi ra -

~a o d ion i sf a ca . Urn exemplo d es se e st ro criativo n a a rte d o

tragico e s t a r ia em 0Prometeu acorrentado, 0 d r am a do u -

ta que, por roubar aos deuses 0 segredo do fogo e 0 r eve la r

aos h om e n s , e condenado ao e t e rno sofrimento, m as c o n t i -

n ua a questionar e rn nom e d e um a e t ic a c 6sm ic a 0pod e r ti-

r a n i c o de Zeus, e vis to po r n o s so e spe c ta d o r c om o a pcca

que melhor constr6i 0 "pcssirnismo", i s t o t, a tragicidade.No confronto c om 0se u destino, 0her6i r e faz simbolicamen-

te o s s uplfc io s d e Dionisio. Opo n d o a sua pro pria vo n ta d e

a o s decretos da von t a d e suprema, atua c om o s e po la riza ss e

o potencial d e r e a c a o ativa d o huma n e an te a s i mpo s i c o c s

d o sobre-humano, n ao obstante tudo 0que sobre e le s e aba -,/

te o E verdade que 0 tragico em Prometeu e re la tivo , po is 0

p ro ta go n is ta p er tc n ce a csfera do imo r t a l e sabe que n a o po -

de scr an iqu i l ado , nem mesmo por seu implacavcl juiz. Adc-

m ais , n a medida em que acredita e s ta r a jus t ica d e sua c ausa

inscrita na o r d c r n do un ive r so e th e pareee incvitavcl 0 t r iunfodesta no curso do tempo, que t udo podc, inclusive contra

da das pe rs o n a ge n s e a simplicidade cmblcmatica das opo s i -

coes conf l i t iva s a t e ce r 0 cerrado padrao dilematico e agoni-./

co que c ara cte riza a obra de Esquilo e qu e se a c e n t u a de al-gum m odo quan d o c o n tr a po s ta a o s d ram as d e S6focles.

Nao que 0 au to r de Edipo rei I he s eja i nfe rio r em efeito

t ra gic o. N es se scntido, 0seu impacto ate qu e nao e menor.1v1a5, ao ve r de Nie tzsche , ha uma difercnca que n ao e ape-

n a s de estilo. 0 t r ag ico em S6focles sofre Ulna inflcxao que

nao deixa de afetar a na tu reza de sua expressao. D io nis io c s-

t a pre se n te , m as em o utro nivel, n o pla n o da in t e r io r idade

individualizada. E c o m o se, par um a c er ta arte, c le s e s ubje -

tivasse. _ A . f entranhado, manifesta-se n a fo rm a d o suje ito , rn o -

vido por sua dinamica de incomparavel intensidade pessoal.

E e esta c ar ga que ; in fund ida n o mito, lhe modifica a e c o n o -

mia d r a r n a t i c a . Em seu quadro, a mascara mi t i c a c om o que

se flexiona e atenua a r ig idez da configuracao simb6lica. Mais

pe rsona l izado no se rnb lan t c humano das razoes de seus atos

e das ernocoes de sua s vivcncias, embora nao chegue pro-

p r i amen t e a ps ic olo giza r-s e, a figura d o her6i baixa d as altu-

r a s e rn que lhe e ra d a do conhecer, c om certeza teleol6gica,

o s ditames divinos e o s da [us t i ca cosmica. Rela t iv izando- se ,

e a c om etid o d e c e gue i ra , n a o 56 porque a s paix6es e os d e -

se jos lhe o fusc am a vis ao : Na verdade, continua a ve r. e agu-

damcnte. a s e x te r io r i d ad e s , inclusive na complexidade das

a pa rc nc ia s, po re rn fo ge -lhc a vis ta , en qua n to a possu i , 0qu e

es t a por de t r a s , no cerne d a s c o is as , conduzindo-as a s e u des-

tin o. E ss a vidcncia s6 lhc e re sti tui da qua nd o as realldades

externas lhe apunhalam o s o lho s . C om o 0cego 'I 'i re s ia s , t o r-

n a -s e v id en te . Edipo c o n he c e a bso lutam en te o s lim ite s d a"

c o nd i c a o humana En t a o abre-selhe 0caminho da salvacao;

qu e C 0 do apa zigua n 1c nto d as furias pe la c a ta rs c d o so fr i-

mcnto () f ilho de L aio c sta em Colono.

Q ue e rn S6fo c lc s a fo rm a d a rra gc d ia grega cbega ao o u-

tr o pa rad ig rna c la ss ico e ur n dcscortino inclusive d e n ossocntico, ele que, de s e u luga r n a pla tc ia , c o n t in ua a rastrear,

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com olhos wagnerianos fitos em Esqui lo , 0espirito da rnus i -

ca na reprcsentacao do drama. Desde logo) pelo proprio vies

de sua busea, privilegia, no concurso dionisiaco, a "gloria"

promcteica da acao transgressora e do s a cr ile g io r ed e nt or ,

o que nao 0impede de distinguir, a seu lado, a < 'g lo r i a ' edi

nosso f116sofo na plateia, cada vez mais anelante da cena ri-

tual e cada vez mais critico do r i tua l da cena, a tragedia da

decadcncia da forma t r.igica no teatro da Hclade.

o primeiro ato desse drama, que e 0 da perda de con-

teudo dionisiaco coda enervacao da tragedia como genero,

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r 1,63]

plana da santa passividade e da recompensa metaffsica. Esse

reconhecimento e taxativo, apesar d a s r e se r va s que lhe s us -

cita tal especie de tragico, de sensivel contencao apolfnea na

estatura do heroi que sua vi sao projeta, na natureza da l icao

que sua experiencia enseja e na qualidade do discurso que

sua dialetica promove. De outra parte, tampouco deixa de

considerar, em Sofocles, a mestria que orgariiza a operacao

dramatica. Ele a examina em seus principais elementos e pro-

cedimentos, pondo a render quase tudo 0que A poetica ofe-

rece a analise da tragedia e reporta acerca do E d i p o . Mas ele

o fa z a s eu modo, c om urn enfoque bern diverso do a r is to t e -

lico, porquanto 0 construto formal n ao lhe interessa como

ta l, m a s somente como mcdiacao para a essencia do t rag i co .A sua questao es ta em discernir ate onde e em que rnedida

as funcoes e as partes do drama dao lugar e vazao ao fluxo

do dionisfaco. Da r , com efeito, deriva 0 padrao pelo qual a

pcca sofocliana nao reeebe 0 laurel ma x im o , apesar de in-

clufda no canone do genera. Essa exemplar ensambladura

apolfnea s6 e magistral, para Nietzsche, porque nela se ex-

pressa uma sabia composicao entre as possibilidades da re-

presentacao externa, no nivel da poesia t r ag i ca , e as necessi-

dades pulsionais da interioridade, no nivel da experiencia m i s -

tica, que ai atingiriam urn limite ma x im o de ex ter io r izacaoe teatralizacao compatfveis com 0espirito da t r a g ed i a . De fa-

to, 0 que ve rn agora a cena como virtude inigualada na t ra-

gediografia grega e a consciente arte de plasmar 0 invisivel

no visfvel, 0musical no plastico, 0poetico no cenico, 0dra-

matico no teatral, em figuracocs individualizadas e nomea-

das como personagens de desenho inteiramente cstetico e,

no entanto, de pulsacao ainda esscncialmente mitica. 0 pro-

prio cora se fa z p e r s o n a . Su a voz d it ir am h ic a i nt eg ra -s e no

dialogo das intcrlocucoes dramaticas. E 0mistcrio do deus

e agora rcvelacao da poerica do artista. 0 c i c I o de matu ra -

<;ao da forma da tragedia esta concluido e inicia-se, para ()

desenrola-se quando 0seu espectador passa a deparar-se con-

sigo pr6prio no palco,

V in do pa ra assistir a mais ur n espetaculo das me t amo r f o -ses de Zagreu, segundo 0espirito da musics no coral de suas

invocacocs, eis que, para 0seu espanto e agrado, em vez da

divina mascara do mito, a sua face real de homem comum

se lhe apresenta t a l q ua l, como mascara de s i rn esm o . E 0qu e

ma i s 0 i n t r iga e ver-se tao, a vontade n o pape!. Ne m parece

disfarce de ator. E como se desde sempre 0 tivesse desern-

pcnhado. Nunea imaginara que pudesse falar com tanto de-

s ern ba ra co e propriedade. Os argumentos e 0modo de apre-

senti-los n ao pe rd em em inteligencia e sutileza para os m e-

lhores oradores da assernbleia nem para o s mais argutos 50-f i s t a s da agora. Ale rn de tudo, sao pensados c om o e le pensa

e sao ditos como e Ie d iz. Isto t, perderam aquele tom a l t i s -

sonante de oracu lo e aquele furor irracional de desvario. Sua

voz deixou de ser unicamente a d a p ai xa o cega nas i n s en s a -

tas pcnpecias do her6i. Tornaram-se razoaveis. Agora con-

dizem com 0mundo de todo 0dia em que ele, como 0 res-

tante do publico a seu lado, vive. A sua imitacao no palco

e verdadeira e, no entanto, e teatro de verdade. Pela primei-

r a v ez, s en te -s e representado n o drama a t i c o . Orgulha-se d e

sua figura e de sua cidadania teatral. 0 autor da pecae ,sem

duv ida , u rn t ale n to s em pa r . Ninguern a te en ta o , n o agon ,

fora capaz de uma tal obra. Que seja concedida a Euripides,

a coroa do triunfo de Esquilo e S6focles!

No teatro de Euripides, Nietzsche identifica 0 ponto de

inflexao do processo que conduziu ao esvaziamento da tra-

gedia grega e ao advento da Comedia Nova. Muito embora

consigne urn tardio arrependimcnto ao genic criador de As

bacantes, a rr ib ui -lh c, e rn face d a s dramatizacocs tidas como

as mais expressivas do tragicismo hclcnico, pelo menos qua-

tro pecados capitals: _a epica desmitificada, 0 rcalismo mime-

rico. 0 socratismo critico e 0 otimisrno cicnrifista. Ncles se

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con ju ra rn as solucocs qu e Euripides c ia ~lSsuas pcrplcxida-. . . .

des de dramaturgo diante do tcatro de Esquilo c Sofoclcs e

a s rc spo s ta s que c n c o n tr a pa ra a s sua s pe rgun ta s d e pen s a -

dor no debate de idcias de sell tempo vale dizer portanto,

qu e constitucm os fatores mar c an t c s de U 1 11 an ov a ((tcndcn

pcssura interior. Po i s 0 que ainda havia restado do fundo

t r ag ico nas maos d e E ur ip id es csfuma-se COl11 o s s eus cpi-

gc)nc)s I

A ava l ia cao nictzcheana desse p r o c e s s o nao fogc mu i t o ,

aqui t am b c m , c la s c a te go ri za c oc s e das hicrarquizacocs aris-

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c ia " n a o s6 d a a rte te a t ra I , c om o d a propr ia eultura g rega .

COIn a sua in te rve n c a o , a o j U l Z O d e n 0550 c rit ic o. a pa ixa o

d i o n i s i a c a e exe isada d e sua reprcscntacao e 0 n e rv o vital d o

auto d i t i r amb i c o deixa de la te jar . Duplo daimon te rn e sta o pe -

racao: 0 poe t a e aqui porta-voz de s i I 11eSn10 , de suas p r o -

pc n s o c s a r t i s t i c a s , eujo a po lin ism o ra d ic a l e i so la d o d e su a

c on tr apa rti da d io nis ia ca r cc us a-s c a insondabilidade e a o ho r-

ro r tragicos no d ra m a m us ic al, e rn n 01 11 e de U111ae ste ti ca ilu -

m in is ta . e , a o m esm o tem po , fa la por sua boca 0 fi lo so fo ra -

cionalista, que esgota no conceito e na 16g ica 0conhecimento

e a ve rd ad e do ser. Euripides e S6c ra te s sao , po is , n a pe rs -

pectiva d e 0nascimento da tragedia, duas f a ce s da 111eSl l1a

ma s c a r a , que e , no e n t a n t o , primordialmcnte. a do Sofista../

E ele que, "demonlo" dialetico d e um a razao critica, s e a pr e-

s e n t a no a re6pago c o m o demiurgo de Ulna nova conscicn-

c ia estribada n a c ie n c ia e n o po d e r d o in te le c to ; e e le que ,

em nome de suas "luzes", repudia C01no absurdo intimo do

ex is t en t e 0 s e u c a ra tc r i lus6rio e aparente; e e le que , a o so-

pr o ilustrado de "uma cultura, U ln a a rtc e U ln a m o ra l to ta l-

m e n te d is ti nt as ", * precipita 0gc n to tra g ic o d a Grccia e a re -

prescntacao m is te r io s6fic a d e D io nis io n o limbo d o nao-ser

Ma i s do que uma criacao original do espfrito tragico, 0 re -

p er t6 ri o e ur ip id ia n o e um a ge nia l sotistica d r ama t i z a d a c ia

c am pa nha i de ol6g ic a d a ., c orr os iva " l~!eltanscl:Jauung s o c r a -

tica, considera 0 n0550 "cisrnatico' J e spec t ador .

A se u ve r, a rraged ia pe rd e n e ss e te a tro a sua subs ta n c ia

pr6pr ia e pa s sa a subs is ti r a pen a s c om o so rn bra d e s i 11 1e s 11 1a ,

Parecendo c o r r e spond e r ao p re c ei to p la to n ic o acerca d a ar

te , aliena-se n um a CCHllO que a p a r c n c i a de se u genero. Re f1e -

xo de rcflcxo, su a rcprcscntacao, dc ssac r a l ivando -sc , dcstra-

gifica-se e converte-se ern pura visualidacle especular SelTI es-

t o t e l i ca s J s e be rn que, m ais um a vez, 0 ac en to pr in cipa l n ao

incida na forma. Ass im . ern sua d e s c i d a ternatica a s media-

n i a s d a re alid ad e c ot id ia na e s ua s in tr iga s , 0 d ram a grego de~v e b ai xa r r amb em de genero, mesma po rque , pa ra rn im c ti-

z a-la s, n a o pode dispensar a mescla d o c om ic o. Nao se t r a t a

cvidcntemcntc cia Corncdia Antiga em moldc a r i s t o f an e s c o .

Os poetas da Com cd ia Nova n a o te rn m ais cm prego pa ra es~

s a "sublim e ': i rm a o rg ia st ic a n o tripudio dionisiaco, n cm pa ra

o rnito he r6ic o c ia a lta tr ag ed ia . 0 melhor de seus registros

csta no tragicornico, a s vezes, com forte trace rnclodram.iti-

co au farsesco I

Tais conscquencias de genera e estilo d e ri va m , n atur al-

m en te , pa ra 0 no s so critico, do curso degenerativo a que s ev i t am submetidos 0 contcudo e a essencia da t r aged iog ra f ia

classica D es se m od o, 0 n ovo d iti ra m bo atico, obse rva ele,

ja n ao expre s s a em sua musica a i n te r io r i d ad e primordial, m as

nela a pe na s r ep ro d uz , e de maneira insuficiente, a ex t e r io r i -

d a d e f e n omen a l , n um a im ita c ao mediada por c o n c e i t o s . *

Ta rnbcm , n a no va fo rm a d e reprcscntacao, ° epicismo ro -

mancsco, 11101'a1 e didarico unpoe - se ao li r i sm o tra g ic o n o e s -

tro d o te a t ro . A . intriga amorosa, a c r f t i c a dos costumes, as

re la c oe s d e fam ilia , a tipi fi c ac a o d os pape rs , 0 re tra to urba -

no, pintados c om hum o r e laivos d e m ela n c o lia , em tom m e-

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nor, por pe rs on age ns s em pre caractcnsucas, 111 a s c om inci-

s iva s intervcncoes d e peripecias e actantes s e cund a r i o s , sao

as rcverberacoes do e spe lho cenico Nem inteiramente t r a -

g ic a n em in te i ram en te c om ic a , a m olc lagem dramatica c o n -

ccn t r a - sc a n te s n a na tu reza privada d os c a ra c te re s que pla s-

111a. 0 c omp o r t am c n t o pessoal, a posse d e r iq ue za s m a te ri ai s,

() dcsfrutc cgoccntrico dos pra ze re s c lo s sentidos e U11.1.acerta

d i sp o s i c a o hcdonisuca d o cspirito iluminam as motivacocs

hum an as d es se te at ro . Nclc dcsaparccc a aura transcendente

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da tragificacao hcroica. Po r tudo isso, a i' just ica poetica" passa

a arbit.rar os decretos da justica c6smica, a certeza do epilo-

go feliz toma 0 lugar do consolo rnetaffsico e os prodigios

esconder a decepcao e se poe a querer entender, em funcao

de seus paradigmas, 0 novo espetaculo a que assiste. Ali esta

o homcrn tcorico, produtor de construtos abstratos, inartis-

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do deus vivo sao substituidos pelos artificios do deus ex

macbina.

A rnaquina teatral, visivelmente eventrada, exposta em

suas manipulacoes, urdindo os equ fvocos e os e s t r a t a gema sda comedia dos erros e das asnicias , sobreleva-se nas drama-

tizacocs dessa nova arte. Agor a , 0palco e ocupado essencial-

mente pelo aparente. Nao 56 a skene ganha proeminencia em

relacao a orhbestra, destacando mais os desempenhos indi-

viduais na Comedia Nova e no teatro helenistico, c o m o 0CO-

ro, nas pecas de Menandro, por exemplo, deixa de ser 0por-

tador da visao mftica e de seu substrata d ion t s t a co . incum-

bindo-lhc apenas uma funcao ludica e decorativa, a de en-

tretenedor coreografico e Hrico dosentreatos. De out ra par-te, na medida em que a recepcao do espe taculo teatral d e s a -

ta 0seu vinculo com 0entusiasta orgiastico e se desloca pa-

ra um a apreciacao ma i s centrada n o gosto pessoal, 0 nov o

publico s6 tern vistas para uma r ep r e s e n t a c a o feita d e e xte -

r i o r i z a coe s mimeticas e empenhada em s eduz i- lo com 0 jo -

go artistico da aparencia como transparencia e da i lusao co-

mo realidade. A imagem dramatica se Ihe fecha no espaco

do palco. 0 a le rn que lhe caberia revelar como ponto ab is-

mal de introvisao vela-se

oteatro

d a fresultante,

um adas raizes

d o d ram amoder-

no, nao se constitui em urn produto com validade intrinse-

ca, para Nietzsche. A seu ver, falta-lhe impulso passional, mu-

sica do ser e vocacao metafisica. S ua s m a n i fe s ta c o e s pare-

cem-lhe traduzir a evidencia mesma de que, a esta altura, as

generos alimentados pelo tragicismo atico estao mortos e de

que 0pr6prio espfrito ortginario da cul tura helenica se ex-

tinguiu. Em seu lugar, julga, 0genic do socratismo euripi-

diana comeca a art icular os elementos do estilo opcristico.

Embora 56 tenha vindo a luz no Renascimento, ele teria sido

carreado desde aquelas fontes helenfstico-alexandrinas ..As re-

lacoes seriarn flagrantcs, ao menos e 0que se coloca ao n05-

so espectador que, ao t r oca r 0seu Iuga r na arquibancada do

anfiteatro pela poltrona no teatro a italiana, nao sabe C01110

rico em sua forma de expressao, revestido de Ulna requinta-

da pele de sa t i ro , a dialogar na linea do bel-canto com gentis

menades pastoris, no quadro de uma arcadia idilica, promessa

dcliqucsccnte de urn d e se nla ce fe li z e ce r t eza ut6pica de uma

ex is t enc ia ideal para 0 destino terreno da criatura humana.

Esse t e a t ro , im i t a c a o do mundo fenomenal, desprovido de

sopro ditirambico, exercicio do sauoir-faire artificioso e do

saber sem cmocao, que exibe a sua superficialidade imagis-

tica e me16dica na plas t ica pinturesca do recitat ivo, do stito

rappresentativo e da r nu s i c a descritiva, a Tonmalerei d e uma

linguagem desmitificada, de sonancias harmonicas, na qual

nao ha mais lugar para a efetiva dissonancia tragica . Ei s a ope -

ra, a essencia da cultura moderna, na audicao wagneriana deNietzsche.

Tal caracterizacao crit ica e naturalmente a contrapartida

dialetica de urn discurso restaurador que se propoe a recu-

perar, para 0 contexto da vida moderna, as virtudes es t e t t -

co-existenciais da primitiva Helade. IS50 exige, ere 0 filoso-

fo, que se resgate da vacuidade operistica a arte de nosso tem-

po. El a nao pode ficar am e r c e dos produtos decorativos e

desvitalizados que atendem a s preferencias de uma opiniao

publica formada por "criticos' profissionais, da imprensa e./

da academia, e por "amadorcs" diletantes. Emister que, em

repristinada comunhao no sonho e no extase, seus impulsos

mais genu fnos sejam revivificados e suas representacocs mais

intrfnsecas voltem a consagrar a verdadeira metaffsica da vi-

da. Que e possivel faze-lo ja 0 indicavam a s obras de Pales-

trina, de Bach e, mais ainda, as de Beethoven, no plano mu-. . . .

sical. Somadas a s de Shakespeare, no teatro, e las falam da pre-

senca recorrente das antigas potencias do genic criador gre-

go. Mas, para 0nosso germanico invocador dos avatarcs de

Dionisio no engenho de Apolo, 56 uma recncarnacao plena

do tragico e do lirico na csfera simbolica do rnito podera ti -

rar rcalrnen te 0 drama de sua estiolada e banalizada forma

na cultura cia 6pera e dcvolver-lhe 0espirito vital de sua ins-

pirada origem, restabelecendo a rclacao orgiastica e partici-

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dos quase ao fim do ensaio, elc aponta para a adequacao dos

registros musicals e imagisticos na I inguagem lirico-dramatica

dessa opera cia mortc c do amor. A lenda medieval, levada

a U111 aroma n t iza cao extrema de seus sirnbolismos c recicla-

da no filtro do pessimismo schopenhaueriano, teria dado cn-

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pauva com urn autenuco receptor estcuco -. Nessc scnu-

do, seria singular 0papel clestinaclo ao estro alcmao. Po s t o

a ressoar por Nietzsche ja no "coral de Lurcro", primcira 1 1 1C-

lodia do cortejo festivo da musica alcma c penhor do (\e-

nascimento do mito alernao", * a sua vocacao dionisfaca te-

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(*) Cf. p. 136 desta traducao.

sejo a que a essencia do tragico adquirisse representacao COf-

respondente e se concretizasse na proposta rcvolucionaria

da arte wagneriana. 0 "drama musical" realizaria assim a suadestinacao csrctica: ser urn cspetaculo, nao da pura intcrio-

ridade d o s ul el to , c o n t emp l a d a somente c om os olhos do es-

pinto, porcm da visao interiorizada das metaforas simb6li-

eas das Iorcas vitais da existencia humana, presentificada pela

invocacao scnsivcl e pela vivencia itnaginativa dos espccta-

dores .

Ve-se que, ja ern 0nasctmento da tragedia, 0wagneris-

mo de Nietzsche nao poderia ser 0dos deslumbramentos que

iriam prevalecer. poueo tempo depois, em Bayreuth. Ape-

sar de ter apoiado calorosamente 0projeto artistico e a cons-trucao do teatro, de te-los mesmo discutido com Wagner e

sua mulher, nao haveria c o m o inclui-lo 110 rol dos admira-

dores da teatralidade que marcaria 0 estilo desse festival e

levaria ao deliria a multidao de adictos. A expectativa cenica

que reponta em seus cornentarios criticos e de outra nature-za. Para 0 nosso aficionado helenista, ela nao radica apenas

no fato de 0ideal do teatro como arte encenada estar no an-

fiteatro da tragedia grega. 0 novo Musikdrama pode e deve

reatualizar aquela antiga capacidade de representacao ag6ni-

co-musical. E, muito mais do qu e de teatralizacoes grandilo-

qucntes de m i s e - en - s cen e ou de suntuosidades cenograficas

cmbasbacantes, 0 teatro de seu inebriado universe mitopoe-

tico, gerrnanico no caso, deve encenar-se apoiado tambern

em urn renovado espaco interior de rccepcao imaginativa.

Em ul t ima analise, a cena de urn tragicismo recuperado em

sua plena dimensao e potcncia nao e somente uma questao

de cstilo e tendcncia. qucr dizer, de cmissao artfstica, e nao

basta descartar-se da superf icialidade reprcscntativa da mi

mcsc naturalists e c los cfeitos ope r f s t i cos . 0 publico deve,

de algum modo, scr reconduzido ao coral da orhbcstra OU,

no n 1 1 n i 11 1 0, a o podio da imaginacao. Assim, paralelamcn-

ria alcancado uma expressao maior, de natureza I i r i co -d ra rna -

tica, na sfntese wagneriana do Musitsdrama.,/

E verdade que 0nosso jo vem e patri6tico a dm i r a d o r des-te gencro de teatro nao 0 propoe, em terrnos cxplicitos

como r ema t e de urn pe rcu r so historico-estetico, nem 0 ri -

ga, expressamente, a s realizacoes de \xlagner. Mas suas e x-

pectativas sao claras e sua s sugest6es t a m b em . Nao ha d C 1 V i -

da que a analise das condicoes de "nascimcnro da tragedia

tern em vista sobretudo as de seu "rcnascimcnto", uma pa -

1avra que, pelo contexto aqui envolvido, remete inequivo-

camente a proposta do drama musical e a s c r i a c o e s de seu

paladino artistico e ideo16gico. Trata-se de lun ponto de m i r a

nao s6 do estudo sobre 0 drama m u si ca l gr ego , U1n dospequenos escritos preparat6rios, como da pr6pria reflexao

sabre 0 nascimento da tragedia. De ou t ra parte, porcm,

m e sm o na epoca em qu e escreveu e s s e ensaio, quer d ize r .

quando estava no auge da a tr ac ao pe la s propostas do com-

positor, a 6pera wagneriana nao parece suscitar entusiasmo

irrestrito em Nietzsche. Em seu texto, ao menos, ele nao

lhe da nenhum realce particular e em memento ncnhum

se detern para encara-la como tal, de qualquer ponto de vis-

ta. Se bern que mencione, por razoes va r ia s , pecas c o r n o

Os mestres cantores de Nurenberg, Lobengrin, e Siegfriedseja objeto de duas alusoes, s6 demonstra interesse palpa-

vel por Tristdo e Isolda. E como se essa obra se lhe apre-

sentasse de algum modo, dentre toda a producao de \X1ag-

ner ate entao, como a mais proxima de sua visao do Musik-

drama, de uma renascida tragicidade grega.

No entanto, Tristao e Isolda tampouco e mo t i v o de aV3-

Hacao crftica. Nietzsche limitasc a rc tir ar d ar elementos pa ra

ilustrar a sua argumcntacao sobre a interacao entre 0 dioni-

siaeo C0 apolfneo. M as jus ta me nte n css cs excmplos, su rg i -

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FRIEDRICH NIE~"fZSCH.E(y N A SCI ~\1 E .~ - r 0 D.A ' " " r RAG E D I A

te ao intento de restituir, atraves do drama musical, a rna-

gia do sonho e do mito no palco cenico, reconsagrando

em nova forma a a l i a n c a das duas divindades geradoras do

fenomeno teatral, Nietzsche propoe devolver ao e sp ec t a -

dor na plateia 0 cxtase do entusiasta e seu poder de intro-

talizacao utopica da vida pela a r t e , com 0 espetaculo de sua

celebracao e de sua tragedia em cena.

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Em vista do que 0nosso espectador, ta o longamente sen-, .

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]. Guinsburg

tado na sua poltrona, diante do teatro de sua contemplacao,

desperta e abre as olhos ...

1

visao.

Com isso 0 fil6sofo toea, sob roupagens helenicas e wag-

nerianas, em uma das quest6es fundamentals do debate tea-

tral do seculo xx. De fato, ao lado da abertura do palco

a imaginacao criadora e a cxploracao encenante nas Iron-

teiras poeticas do inverossimil, a preocupacao com 0 pu -

blico e a natureza de suas rclacoes com a representacao

dramatics constituiu uma das constantes no temario das su-

cessivas correntes e concepcoes amsticas surgidas na cena

conternporanca. De Appia , Gordon Cra ig , a Meierhold, Ar-

taud e Brecht, e indepcndentcmente do impacto que 0 nas

cimento da tragedia haja exercido no pensamento destes

promotores da renovacao estetica da arte dramatica, a in-

versao do foco tradicional, quase sernprc centrado na emis-

sao, reaparece, em difercntes configuracoes, mas com 0me s -

rno alvo a arnpliacao do espaco imaginativo da audien-

cia para uma efetiva reccpcao pa r t i c ipa t iva da linguagem

de urn nove) teatro.r

E claro que tal participacao nao e s6 urn estado de espf-

ri to, mas tambern de cultura. E e precisamente nessa revo-

lucao dionisiaca da vida moderna que se consubstancia a

pre-visao de Nietzsche. Trata-se, para ele, de instaurar uma

nova cultura tragica onde a arte, retornada a s fontes de seuimpulso metafisico, poderia reassumir 0 seu papel no jogo

estetico da e xis te n cia . D as profundezas hediondas do so -

frimento e da rnorte, voltaria a jorrar, em imagens radian-

tes e sublimes i lu soe s , a t r ag ica musicalidade do homem

a s voltas com 0 seu fado e, na conternplacao prazerosa e

na conciliacao consoladora, ele recobraria 0 poder de

vivenciar-se e mi r a r - s e na plenitude de seu s e r e seu devir.

Nes t a pcrspectiva, a proposta da sintese organica n a Ge-

samtkunstwerk e, de sua projecao como work in progress, a

d a o bra de arte do fu tu ro" adquiririarn 0sentido de uma to -

· ,· I

1 :

1

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i

I.; !

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,

II .

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1. I

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1

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II

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1I I

[170][~l7~1]

7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

http://slidepdf.com/reader/full/nietzsche-f-w-o-nascimento-da-tragedia 87/90

.,#

INDICE REMISSIVO

(_)--'~uniercs se r ~ ~ / e } 4 e 1 7 1 a secoes. nao a j)agirl{l~';·,t· jill designa a

Tel"!tatica de C( u iocr i t ica, [ -' R) ( ) I )J '~610R()a Richard t r: /{ lg r le J '~ .

~-\li~10,18

Admcto, 8

AgataoJ

14

A lc es te ~ 8Alccbiadcs 13

.Ar isr6teles, 2 ~ 6) 7) 14, 22

Arqufloco, 5, 6

a r t e , artis t a ( s ) , 6, 15 j passim, deus-

artista, TA 5; sentido ar t i s t i co d o111l111Co TA.)~·d6rica 2 4' a r e g a

) .L , ' n ,

TA 1; impulses (i~1 natu r eza , 2; i ngc -

Qua , 3, L i; ar t i sta objet ivo, 5; plas-

t i c a , 1, 5, 16,22; relacao e ntre a r-

te e ciencia, T~\2; ar t i s t a "subjcti-

\/01

', 5; ver tambcm apol ineo e

dionisiaco

A l e r n do be111 e d o m~ 11~ ~ r - - \ - )" "

~llelna()(aes) , ' r~\3, PR ~ 7. 1 2~); car . i ter ,

23 , 24; c ultur a , 20: espiri:o, TA6,

10 J O . ) , . / fil f 1(] ., 4 ·1 67" z: l ~q; 1 050 la~ 7; ge l1 1 o , . ;

r ena sc i rn en to e I C ) m i t o . 23 ; Refo r-

r n a ; 2 3; Rei ch~ TA6; c a n c o e s , 24 ;

a lc xa nd rin o ~ 1 7 ~2 0 ~ 2 3

A n ax ag o r as ~ 12

J.~11fl011~19

Ant.c r i s to . T - - ~ 5--

~

Asia Mel1of, 1

Atlas) 9,

Atridas, 3

allt o - ab n eg a c ao , 2 ) 5

~\11tig()11e~ 4

apa r enc i a , 1 ,3-9,1 2, 1 5, 2~: aparcn

c ia d a a pa re nc ia . 4

a po lin co ra ), 1 , 4, ); 6 ) passim, ar t e

(1~1 e .5 C ul t Ll r ~1 . 1; e a 5 ar t c s ~ 1 , 2, 5,

2 2,2 4; c ult ur a, 3 ,4 ; pocs i a epica,

6 ; ilusao 21 : 24; e a r nus i c a , 5;

von.ade 9

_ \ p o l o 1- 5) 8, 9, 1 0, 14, 16, 2 1, 24;

( ) r c s 1) 1e n d c r1t e , 1

. \ · · 1 · 1· ~. . : ~ ~ - · 1 . : ;( _ l . l l c., ~ '_ .. ) ~ _ .

:i r i. aIi S, ~)

. . \ r i s t()fan C s, 1: ')~ ·1 7~ ( ') l ~ ~1ri 1)i_ i ( ~ s ari s-

l C) I: I II C S l~o~ 1. 1 ; ~-l s }~I._\~ 1 1 ~ \T C r (= o~11 1 t~1 ia .

Babilonia, 1

Bac an t e s , 8; c o r o s baquicos, 1

Bach , J()h~11111 Se ba stia n, 1 9

barbaro, 4

Bee t h ov en , Ludwig v an , PR, 1, 6 , 16 )

19 , 22

Beleza, TA4 , T A S , 3,4,12,16,18, 19J

,

21 ~25; "forrnas bel~ls)', 16

Bruni l (l a ~ 2 /1

i) II (1iS 11 1 C) 1 7 ; (~III\ , ,1 ra 1)IIdit i t , 1 H ; 11 C :-

g~1\:~1.()udista ( 1 : 1 vontadc, 7; i n d ia -) ·111()~~

( . . . 1 · 1 . . . J._~:l( 111 O ~ ~

F R lED RIC H N I E r I - o ( Z SCI-I E C) N A S (~~1 . L \ . ' l E -N - ~I~(~) r_ ) A ~r·R A G :f £ I_) I A

c a n c a o / o e s ) , TAl, popular , 4, 6; na -

tur eza d a, 5

C a ss an d ra ~ 4

c a t a r s e , 22

c i e n c i a , cientfflco, TAl} TA 2, TA 4,

14-18, 23

,

iI I

1 I!

I

I !

~ .I,,

10,16) 17;festas, 2, 4; m a s c a r a , 9;

mus ical 1 , 2, 5~7, 16, 17,19,21,

24; poder, 2; espfrito, 20; e a t ra -

gedia, 7, 8, 12, 14, 21, 22

d i t l r ambo, 4, 5) 7,8; novo d i t i r am -

b o a ti co , I7 } 1 9

I I. I

I

i n g enue , mgenuidade, 2 , 3, 4, 6, 9,

1 3, 1 4, 17-19; i ng en ui da de h om e -

r i ca , 3

fogo, 9

F l o r e n c a , 19

Franca , 23 ; Guerra Fr anco -Pruss i ana ,

TA l i rurovi sao , p a s s im .

I so lda , 21 ~ 22I

Geller t, Chris tian Furchtegott. 14

7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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C fc lo pe , 1 4

c f n i c o s , 14

c om e d i a , TA4 , 10, 11; a r i s t o f a n e s c a ,1 3; n o va c o m ed ia a ti ca , 11 ) 1 4, 1 7;

ver tambern Euripides

c on he cim e nt o, 2 -4 , 7, 9, 12 : 1 3) 15 ,

17, 18, 23; autoconhecimento, 4,

9; pure c o nhe c e r , 4; t r ag i co , 1 5;

( ' c o nhe c e - te a ti m e s m o ~) . 4...

contemplacao, 5

c on t r a d i c a o , 5

coro, TA4, 7, 8, 10, 11, 12 ; 14; baqui-

c o , 1; d c s t ru i c a o do, 14; e Euripi-

d e s , 11; c o m o espectador ideal, 7,

8; popular, 7; s a t i r i c o , 7~ 8cristianismo, c r i s t a o s , TAS, 'fA 7, 11

critica, 22

c rue l d a d e , 2~ 7

cultura, 18, 20, 2 2, 2 3; a le xa n dr in a ,

18,19,20; apolinea, 3 ; 4 ; budista,

18; alerna, 20; g r eg a , 20; r n e n t i r a

da, 8; olimpica, 10; da ope r a , 19;

t e 6 r i c a , 18, 19; t r ag i ca , 18

d a n c a , 1) 9

D an te , 19

D elo s, 25Demeter, 10

d e n o um e n t s , 17

Des ca r t e s ; Rene , 1 2

Deus, T A 3 , TA7, 12

deus(es) , TA4, 3, 5, 7 -1 0 } 1 4 ,2 0 ,2 1 ;

del f l co , 2, 4; n e c e s s a r i e s pa ra a vi -

da dos g r eg o s , 3 ; sernideus, 3

deus ex macbina, 17, 18

dialogo, 9

Dion i s i o , T A 3 , TA6, 3-5, 8, 10, 12, 16,

19, 21, 24, 25; sofr imento de, 10

d· 11 0 / ( '1 ~7 1 .J 4 5 7lonlSlaco a , TA (' } _ ~

? ~l ,

pass im, An t i c r i s t o , 'r/\5; e a arte 5~

do r , TA4t 2; r e l a c a o dos gregos com

a, TA4; primordial, 5

d6r ico(a) , a r te , 2, 4; estado, 4 ; v i s ao , 4drama, d rama turgos , 8, 11, 12, 14,

21 , 24

Durer, Albrecht, 20

genic, 5, 6, 8, 15

Gervinus, G.G~,21 , 22

Goethe, johann Wofgang von, 7, 9 ~12, 18) 20~ 22 ; Fausto, TA7~ 18;

Nausfcaa, 12

graeculus, 11,23

Grecia, grego(s), passim; a r t e , TA 1;

c ult ura , 2 0; fil6sofos, 17 ; l fn gu a , 6;

poe t a s , 17; problema: TA6; rcatro,

8; vet tambem sercnojovialidade

Guido, Sao, 1

jahn. Otto, 19

w T o a o ~ Sao : 1

.Ioao, 0 So nhad or , 7Iornal tsta, 2 2 ; e s c r avo d e pape l do

d ia , 20

just ica , esquiliana, 9; eterna, 25; poe -

tica. 22

Kant , I mm a n u e l , T A 6 , 18 , 19

Knaben WunderlJorn} Des, 6

Kurwena l , 21

1'1.I

I

I

i !!

I: !

Ecke rm an n, Jo han n Pe te r, 18

Edipo, 3, 4, 9, 10

eg ipc i o s , 9; s ac erd ot e s, 1 7

eleuslnos, mis tc r io s , 1

cmbr i agucz , 1~2

Epicure . } r i \ ~ 4 ; c p i c u r c o s , ~ri\

epo s , 10; apo l i n e o , 6 ; d r a r n a t i z a d o ,

"1 2

c pop t a s , 1()

e s c r avo s , necessidadc de, 18

Esf i nge , 9 ; e n ig m a da, 4, 9

csopica, fabula , 14

Espana, 4

cspcctador, 12 , 17, 21; i d ea l ) 7,8;no

pa l c o ; 11

Esquilo, 7~9-12, 14, 15, 19,25; Pro-

me t eu . 9

esrc t ica , T A 5 , 1, 5 ) 6, 8, 16, 19,21,

22, 24 ; ouvin te , 22, 23

etruscos, 3

~eu ~}~ 5.

.,,

~, .

Lam ia s , 1 8

Less ing . G ott ho ld E ph ra im , 11, 15

I og ic a, 1 3~1 5

Lohengrin, 22

Luc i :111o ~ 1()

Lurrecio. 1

Lutcro, M artin ho , 23

L i c ambe s , fi lha s d c, 5

Linc cu J 15

lfrico, 5 , 6; v er t ar nb cm pocsia

l oucura , ~r\.4

II

1:1

!

II--I~ldcs, 11

Hamlet, 7, 17; e () hornem dionisia-

co, 7

harmonia, 2

Helena, 3

1 1 c lo nis m o ~ passim

Hc ra c l e s , "1 o , 1 9

Heraclito, 11, 19 , 24

herons), 16 , 17 ; tragico, 1 I , 2 'I, 22, 24

h is ro ri og ra fia , 2 ()

hornem, 25 ,pa~~s irr l ; alexandriuo, 18~

19; betenico, p as si m : h om e ri co , 3;

moderno, 18 ~ primitive, 19,: do Re -

nascimento, reo r i co , 15, 17~18,19

Homero}2}3}5,6)8,10~ 13 , 15 ) 19

Maes do Ser , 16

M aia , 1 ~ 2 ,1 8

mal, 9; mdrvuacao como c au sa d o , 10

mas ca r a , 9 ~ 1 0 ~ 1 2 ; Prorne teu comom a s ca ra d io n is ia c a. 9

medida. 4

f·Ii

Euripides, 5 , 10, 11-14, 17, 1 8; a ri s-

t o f a n e s co , 11; e a comedia, 11; CO~

rno pen s a do r , 11

E u r o p a } e u r o p e u s , TAl, T A 6

exc e s s o , 4

ex i s t e n c i a e r np i r i c a , 4 , 5, 7

ideal, 19; i de ali sr no , 7 ; fil6sofos idea-

I i s ta s , TA5

Ifigenia, 20

i l usao , 1,3,4, 7, 1 5~ 18~ 1 9: apolf-

nea, 21, 24; e spe lho d a, 5 ; t ransf i -

g u r a do r a , 2 5

imagem(ns), 5, 6, 8, 10, 12 , 14, 16 :

21, 24; centelhas d e, 6; p ur a c on -

t emp l a c a o das, 5_.r

India, TA 1, 20; budismo i n d i a n a , 21

Individuacao, 9, 10 , 16 , 22, 24 ) 25;

vel' t ambe rn principium indiuuda-tio J 1 . . . is

Medusa , c a be c a d e , 2

Mef i s to f e le s , 18

r ne lo di a, 1 6r 1 9 ~ 21 ; pr im a ria e un i -

vc rsa l , 6

!v lemnon) c olun a d e, 9

Men a d c s , 5

Menandro, 11

m e ta f1s ic a , T i\5 l T A 7, 4 ~9 ) 16 ~2 I, 2 3 ;

e arte PR, 24; de artlsta, TA 7; C011-

so lo m e ta ffs ic o " 7, 8, 17 ~ 18; da

I

I I

, I

II

I :.

, :

F au st o, v er G oe th e

F fdia s, 1 3

Fi lemon, 11

f i l o l og ia , TA3

filosofia, 1 4, a le m a, 19; f i l os6f icosi d c a l i s t a s , T~-\5

!

II

r 1741 [ J_ 75]

,

l

iII

I '. I

,

F l~ I I.~ ] _) R .l c: .I . 1 ~ . ] I ~ ~J . Z s c: I1 I ~

me t a f o r a , 8

m ic ro sc opis ta lin gu is ta , 20

Mida s , 3

mito(s), 9,10,15,16,17,18, 22,pas-

sim; como imagem, r c n a s c imc n t o

do m ito a lem ao , 23; r ra gic o , 1 6,

Pc n tc u, 1 2

Per i c l es , T~\ ~ 13

P er si a) p er sa s , 9,21

p e s s im i smo , TAl, T A 4 , T.\5, TA7, 9,

1 O ~ 15

P i n d a r o , 6; 1 3

S ha ke spe are , 2 ) 1 7, 22; H am le r. 7

S i leno , 3, 4, 7 , 24

Sofocles. 7 ) 9, 11-14, 17; E dipo em

Colono, 9 } 17

s o f r imen t o , 3 , 4 , 7 -9 ~ 10, 18~ 2 l 1 , ; de

Dionisio, 10

T ris ta o. 21

Uno-pr.rnordial, 4, 5) 6

i . t i l i t a r i smo , 1;\4

I

I !

v e r dad e ~ 1'}\ 1, 1, 7,~ 8 ~ 1 0 ) 12, 14, 15,I

i ,

7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

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2 1} 2 2, 24, 25

Moira} 3, 9

mor a l , an t imo r a l , T~\4, Tj\5~ 3 , 1 3J

14 ~23

J24

mu s i c a , TAl, TA3! TA6: 1,2 ,5 : 6,10,

12 , 1 4-1 7, 1 9- 2 5 ;

a l e m a o, 1'1\ 1 ~ T~~6, ~rO \7 ~ 19, 2 3 ; co r a 1 ~

1 2; c o m o I in gu ag er n da v on t a d e ,

1 6; d is s o n an cia m usic al, 24~ 25;

m e ta fi si ca d a , 5 ; ope ra r i ca , 1 9; pa -

la vra s e m, 6 , 19 , 21 : de \X l agner ,

J 6; vc r t a r n be rn a po lfn eo e

dio n i s ia c o

nau vcr illgellll()J -

N31)().Ic:Ic), 18

n atu r~ 11s mo , 7

natureza, 1 -4 ,6 -1 0, 1 5-1 7, 1 9; ant ' co-

rn o s u p l c m c n t o metaf i - i c o e l ; 1 . : 2'1

n au s e a , 7 , 1 9

11 II roses da S ; 1 1 1 . 1 C i ~ · l(1(1~ "[.\ ;:fJ

11ov o d iiar n 1)o i ti(_~~ "1 7 ~ 1 . ~ )

r{)111~L1(~t~14

11 0 tt5;, 12

Oc c an i d e s , cora lia s, ~

Odisseu, 11

O fe lia ) 7• ~ t 7·J) 2

Oll\7111te estcnco ~..._, z.. J: . . . . .

Olimpo, o l imp i c o s , 3, 6) = , 9~ 10

Onfale , 19

opera , 8, 16, 19

orques t r a , 8

Ores t e s , 3

O rfc u, 1 2, 19

o t im i s r n o , r r l \ 4 , 1~\7~ 4~ 15 , 18 , 19,~

24; otimista t e o r i c o , 15

Pa l 11..

Pales t i na , 19

paixocs, 5pe: cado, o r ige 111 (j()~9: 1( )

Pit ag or as , 1 1

Pftia~ 13

Platao , TA4, 10, 1 2-1 4; S oc ra te s pla -t on i c o . 1 5

p oe sla , p oe ta s, T A 3 , 1, 5-9, 12 , 14 ,

17 , 1 9 ; pocta cpico, 5 ) 22 ; poetas

g r e gos , 17; po e si a li ri ca , 5 , 6, 8

porcos- espinhos , parabola dos, 22

principium indiuiduationis, 1,2,4)

1 6 _ 2 1 _ 2 2

P r ome t eu , l)R~ 3 , 4, 7 , 9-11

1 )U 1) 1i(~, \.T t~ (_)v i11te, eS I) e(~: l d () r

s o f r o s yne , 15

Socrates, rx l , 12~20, 23, 24; homem

socratico, 20 , 23 ; s o c r a t i smo , TJ\l,12-15 ,19) 23; a r t i s n c o , 14; mus i -

cante, 1 5, 17

sonho, 1~6, 8, 10, 12 , 14

stilo rappresentatiuo ~ 19

i"

19; e xc es so c om o , 4

vida, T : \ 5 , 'L-\6; 3, 7, 18, 20, 23 ; e rm i -

s i c a " 16; perspec t iva da, TA2, TA4;se rie da de d a. PR

)

\Tirgil io , 19

vontade, 3~5 ) 6~ 16~ 17, 18 , 19~21 )

22 ; ap o l i n e a , 9; h e l en i c a , 1, 3 J 17;

musica como linguagem da, 16;

l1ega~ao da, 7; vontade de decli-

ni0, · ~ r ~ A _5. . .

I

·1 .I

III

Tar tar e , 10

Terpandro, 6

t ea tr o g re go , 8

terror, 1, 2 , 3

11 i1) e ri , 1 1T ir e si ~t s, 1 2

~ 1 1 . ~ ( ) 2. / (9 ·1 O . 2 ·11. ta s , ~), /+ 1 . J . . .

t r agcd i a , TAl, '1';\'1, ' 1 ' : \ 6 , 2 , 5 , 7 - 1 7 )

.[9~2; a po 1i1C~l, 8, 9~ "1 2 " 22 ; a t i-c a , "1 , /1 , 8; [11o r t: ee l a 1 1; 14 , 2~);

~ I 2 'I ') . .. ' ) / . 1n ll.1 S.I (_~ ) ,~ ~ } s: 4.; ()rIgen s (a~

"r1\ L 1 ~ 5 , 7, H , 12 ; r e 11 ~t sc i 111 C 11 t. o d:1,

1 6, 19-22; p c r s o n ag c n s na 17;

Schille r sobre, 7, H

:

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\x~ I)· 1 i '1 3 ~-r./~l ·T t·1 · - - " ' 1 " ~ C 1/ 1 J " , - ' rI'I....) 'I1\ ' I~\t ". _ . c , .\ J, (. .l.~ :"\.:..:....~ f _, /-) , !,

16.~ 1~),

\X li1 C: kelm : 1 11 1 1~ J o 1 1 : 1 1 1 n ~ Toachirn, 2 ()

\ \/ ( ) rrh_ l)~lalh a d e ~ rvlJ

r a c i o 11~11i(i~e. ' f . L - \ 4

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Sacbs , Ha11s, 1

s a t i r o , T/)_4~ 2~ 7,8; c o r o satirico, 7, 8

Schi ller , Fncdr t ch . 3 , ),7 ,8,19,20,

22; Noii:a de Messina, 7

Sch legel , A, \Xl,, 7,~ 8

S cho pe nha ue r, A rth ur , TA5 ) TA6, 1,

5. 6 ) 1 6~ 18 , 19) 20,22

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7/12/2019 NIETZSCHE, F. W. - O Nascimento da Tragédia

http://slidepdf.com/reader/full/nietzsche-f-w-o-nascimento-da-tragedia 90/90

o Al>'TOR

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Friedrich Wilhelm Nietzsche n a s c e u na pequena cidade de Rocken, per-

to de Leipzig, na Alemanha, em 15 de outubro de 1844. Perdeu 0pai, urn

pastor luterano, aOS cinco anos de idade. Estudou letras c l ass ic as na celebre

Esco l a de Pforta e na Universidade de Leipzig. COIn 24 anos fo i convidado

a lecionar filologia c la s si c a n a Univcrsidade de Bas i le i a (Sui c a ) . Em 1870, par-

ticipou d a Guerra Franco-Prussiana c om o enfermeiro. No periodo de Basi-

le i a , foi am i g o de Richard Wagner e escreveu 0 nascimento da tragedia(1872), Consideracoes extemporaneas (1873-6) e parte de Humano, dema-

siado humano. Em 1879 recebcu aposen tador ia da universidade, devido asaiide fragil. De 1879 a 1888 levou Ulna vida errante, em pcquenas localida-

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des d a Suica, Italia e Franca. Dessa epoca sa o Aurora, A gaia ciencia, Assim

[alou Zaratustra, Alem do benz e ao mal, Geneaiogia da morat, 0caso Wag-

ner, Crepusculo dos idolos. 0Anti-Cristo e Ecce homo, sua autobiografia.

Nie tzsche perdeu a razao no inicto de 1889 e viveu ern estado de demencia...

("vegetou~') po r mais onzc a n o s , so b as cu idados da m ae e d a i rma . Nessa

ult ima decada suas ob r a s c om e c a r a r n a se r l i d a s e ele se tornou c onhec i do .

Morreu em Weimar, em 25 d e a go sto de 1900; de um a i n fe c c ao p ul m o n a r.

Alern das o br as q ue publicou, deixou milhares de pag i n a s de esbocos e a n o -

ta co es , c ha m ad os d e "fragrnentos pos tumos" :

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o TRADUTORI,

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,I a c o Guinsburg e p ro f e s so r titular de Est e t i c a Teatral da Escola de Co-

m un ic ac oe s e Artes d a Universidade de Sa o Paulo. Publicou Stanislaosei e

o Teatro de Arte de Moscou e Leone de 'Sommi. urn juaeu no teatro da Re-

nascenca italiana, traduziu Diderot, Sar t re , Lessing e H ei ne , e n tr e outros.

Em 1965 fundou a Editora Perspec t iva , na qual o rg an i zou a c o l e c ao ]udaica

e dirige as colecoes Es tudo s e Debates .

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