Paris maio de 68 - SOLIDARITY - COLEÇÃO BADERNA

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    SOLIDARITY

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    BCONRAD EDITORA DO BRASIL LTDA.

    DIREOAndr ForastieriCristiane Monti

    Rogrio de CamposGERENTE DE PRODUTOSAndr Martins

    CONRAD LIVROS

    DIRETOR EDITORIALRogrio de Campos

    COORDENADORA EDITORIALPriscila Ursula dos Santos

    ASSISTENTE EDITORIAL

    Frederico DentelloASSISTENTE DE ARTEMarcelo Ramos

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    CONRAD LIVROSRua Maraca 185 Aclimao

    So Paulo-SP 01534-030Fone: 11 3346.6088 / Fax: 11 3346.6078

    e-mail: [email protected]: www.conradeditora.com.br

    CAPA Giseli Vasconcelos & Marcelo RamosTRADUO Leo Vinicius

    EDIODETEXTO Coletivo Baderna

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    COLEO BADERNA

    TAZ Zona Autnoma TemporriaHakim Bey

    Distrbio EletrnicoCritical Art Ensemble

    Provos Amsterdam e o Nascimento da ContraculturaMatteo Guarnaccia

    Guerrilha PsquicaLuther Blissett

    Situacionista Teoria e Prtica da RevoluoInternacional Situacionista

    Urgncia das Ruas Black Block, Reclaim the Streetse os Dias de Ao Global

    Ned Ludd (org.)

    Texto indito da Coleo Baderna na internet:

    Paris: Maio de 68Solidarity

    (www.baderna.org/maio68)

    Organizao e edioCOLETIVO BADERNA

    Eu vos digo: preciso ter ainda caos den-tro de si, para poder dar luz uma es-trela danarina. Eu vos digo: ainda hcaos dentro de vs.

    Z

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    Introduo.....................................................................

    Rua Gay-Lussac

    Domingo, 12 de maio..................................................

    O 13 de maio da Renault para as ruas de ParisSegunda-feira, 13 de maio.........................................

    O Soviet da Sorbonne..............................................

    Os revolucionrios do Censier...................................

    Unindo foras..............................................................

    Attention Aux Provocateurs...................................

    Frana, 1968................................................................

    SUMRIOSUMRIOSUMRIOSUMRIOSUMRIO

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    37

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    55

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    ESTE UM RELATO DE UMA TESTEMUNHA OCULAR que pas-sou duas semanas em Paris durante o ms de maio de 1968. Eleexpressa o que uma pessoa viu, ouviu e descobriu durante essecurto perodo. O relato no pretende ser extenso. Ele foi escritocom pressa, sendo sua proposta informar mais do que analisar einformar rapidamente.

    Os eventos ocorridos na Frana possuem uma importnciaque vai alm das fronteiras da Frana moderna. Eles deixaro suamarca na histria da segunda metade do sculo XX. As funda-es da sociedade burguesa francesa acabaram de ser sacudidas.Qualquer que seja a conseqncia da luta em curso, devemos tran-qilamente nos darmos conta de que o mapa poltico da socieda-de capitalista ocidental nunca ser o mesmo novamente. Uma erainteira se encerrou: a era durante a qual as pessoas no podiamdizer, com uma cara de verossimilhana, que no poderia acon-tecer aqui. Uma outra era est comeando: na qual as pessoassabemque a revoluo possvel sob as condies do capitalismoburocrtico moderno.

    Para o stalinismo, tambm uma era inteira est terminando: aera na qual os partidos comunistas na Europa Ocidental podiamafirmar (certamente com decrescente credibilidade) que ainda eram

    INTRODUINTRODUINTRODUINTRODUINTRODUOOOOO

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    organizaes revolucionrias, mas que as ocasies revolucion-rias nunca apareciam. Essa idia foi agora irrevogavelmente var-rida para a proverbial lata de lixo da histria. Quando as cartasesto na mesa, o Partido Comunista Francs e os trabalhadoressob sua influncia provaram ser o ltimo e mais efetivo freio dodesenvolvimento da atividade revolucionria autnoma da classetrabalhadora.

    Uma anlise completa dos eventos na Frana ter eventual-

    mente que ser empreendida, uma vez que sem um entendimentoda sociedade moderna, nunca ser possvel mud-la consciente-mente. Mas essa anlise ter de esperar at a poeira baixar. O quepode ser dito agora que, se honestamente levada a cabo, talanlise obrigar muitos revolucionrios ortodoxos a descartargrande nmero de idias ultrapassadas, slogans e mitos, de modoa reavaliarem a realidade contempornea, particularmente a rea-lidade do capitalismo burocrtico moderno, sua dinmica, seusmtodos de controle e manipulao, as razes de seu poder derecuperao e de sua fragilidade e o mais importante a natu-reza de suas crises. Conceitos e organizaes que forem insufi-cientes devero ser descartados. O novo fenmeno (novo em si

    mesmo ou para a teoria revolucionria tradicional) ter de serreconhecido pelo que e dever ser interpretado em todas as suasconseqncias. Osverdadeiroseventos de 1968 tero ento de serintegrados em um novo arcabouo de idias. Sem esse desenvol-vimento da teoria revolucionria, no pode haver desenvolvimentoda prtica revolucionria e, ao longo do tempo, uma transfor-mao da sociedade atravs de aes conscientesdos homens.

    Inglaterra, junho de 1968

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    A RUA GAY-LUSSAC AINDA TRAZ AS MARCAS DA noite dasbarricadas. Carros destrudos pelo fogo cobrem o cho, com suascarcaas sem tinta, sujas e cinzentas. As pedras do calamento,removidas do meio da rua, encontram-se em grandes montanhasnos dois lados. Um vago cheiro de gs lacrimogneo ainda per-manece no ar.

    Na juno com a rua Ursulines h um canteiro de obras cujacerca de arame foi esburacada em vrios lugares. Daqui foi leva-do material para pelo menos uma dzia de barricadas: tapumes,carrinhos de mo, cilindros de metal, vigas de ao, betoneiras,blocos de pedra. O local tambm forneceu uma broca pneumti-ca. Os estudantes no puderam us-la, claro no, at que umoperrio da construo que passava mostrou como us-la; talvezo primeiro trabalhador a apoiar ativamente a revolta estudantil.Uma vez quebrada, a superfcie da rua forneceu paraleleppedos,que logo foram utilizados de vrias formas.

    Tudo isso j histria.Pessoas andam para cima e para baixo na rua, como se tentas-

    sem se convencer de que aquilo realmente havia acontecido. Elasno so estudantes. Os estudantes sabem o que aconteceu e o por-qu de ter acontecido. Elas tambm no so moradores locais. Os

    RUA GAY-LUSSACRUA GAY-LUSSACRUA GAY-LUSSACRUA GAY-LUSSACRUA GAY-LUSSAC

    DOMINGO, 12 DE MAIODOMINGO, 12 DE MAIODOMINGO, 12 DE MAIODOMINGO, 12 DE MAIODOMINGO, 12 DE MAIO

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    moradores locais viram o que aconteceu, a violncia dos ataquesda CRS1, as investidas contra os feridos, os ataques contra pessoasque s observavam, a fria solta da mquina do Estado contraaqueles que o desafiaram. Aqueles que esto nas ruas so as pes-soas comuns de Paris, pessoas de distritos vizinhos, horrorizadascom o que ouviram no rdio ou leram nos jornais, e que vieramcaminhar em uma bela manh de domingo para ver tudo com seusprprios olhos. Elas esto conversando em pequenos grupos com

    os moradores da rua Gay-Lussac. A Revoluo, tendo por uma se-mana tomado conta da universidade e das ruas do Quartier Latin,est comeando a tomar conta da cabea das pessoas.

    No dia 3 de maio, sexta-feira, a CRS fez sua visita Sorbonne.Eles foram convidados por Paul Roche, reitor da Universidade deParis. quase certo que o reitor tenha agido com a conivncia deAlain Peyrefitte, ministro da Educao, se no com a do prprioElyse2. Muitos estudantes foram presos, espancados, e muitosforam sumariamente condenados.

    A inacreditvel embora inteiramente previsvel incompe-tncia desta soluo burocrtica para o problema do descon-tentamento estudantil precipitou uma reao em cadeia. Ela ar-

    mazenou a raiva, o ressentimento e a frustrao de dezenas demilhares de jovens que possuam agora um motivo para uma aofutura, alm de um objetivo alcanvel. Os estudantes, despeja-dos da universidade, tomaram as ruas, reivindicando a libertaode seus companheiros, a reabertura de suas faculdades, a remo-o dos policiais.

    Levas e levas de novas pessoas logo entraram na luta. O sin-dicato estudantil (UNEF) e o sindicato dos professores da univer-sidade (SNESup) convocaram uma greve por tempo indeterminado.Durante uma semana os estudantes defenderam suas idias emmanifestaes de rua cada vez maiores e mais militantes. No dia7 de maio, tera-feira, 50 mil estudantes e professores marcharam

    pelas ruas, atrs de uma nica bandeira: Vive La Commune, ecantaram a Internationaleno Tmulo do Soldado Desconhecido,no Arco do Triunfo. Na sexta-feira, dia 10, estudantes e professo-

    1 Corps Rpublicain de Securit, uma das corporaes policiais da Frana. (N.T.)2 Nome do palcio que sede do governo francs. (N.T.)

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    res decidiram ocupar em massa o Quartier Latin. Eles achavamque tinham mais direito de estarem l do que a polcia, visto quequartis j haviam sido construdos para ela em outros lugares. Acoeso e a clareza do objetivo dos manifestantes apavorou ospoderes estabelecidos. No se poderia permitir que o poder dor-misse com essa plebe, que tinha tido at mesmo a audcia delevantar barricadas.

    Outro gesto inapropriado foi necessrio. Outro reflexo admi-

    nistrativo convenientemente materializado. Fouchet (ministro doInterior) e J oxe (primeiro-ministro Interino) ordenaram queGrimaud (superintendente da Polcia de Paris) limpasse as ruas. Aordem foi confirmada por escrito, sem dvida para ser guardadapara a posteridade como um exemplo do que no se deve fazerem certas situaes. A CRS avanou... limpando a rua Gay-Lussace abrindo as portas da segunda fase da Revoluo.

    Na rua Gay-Lussac e ruas adjuntas, os muros marcados pelabatalha trazem uma mensagem dual. Eles do testemunho da incr-vel coragem daqueles que tomaram conta da regio por vrias ho-ras em meio a um dilvio de gs lacrimogneo, bombas de fsforoe intensos ataques de golpes de cassetete da CRS. Mas eles tambm

    mostram um pouco daquilo pelo qual os guerreiros lutavam...A propaganda atravs de inscries e desenhos em muros e

    paredes uma parte integrante da Paris revolucionria de Maiode 1968. Ela se tornou uma atividade de massa, parte e parcela domtodo de auto-expresso da Revoluo. Os muros do QuartierLatin so os depositrios de uma nova racionalidade, no maisconfinada nos livros, mas sim democraticamente exposta no n-vel da rua e tornada disponvel a todos. O trivial e o profundo, otradicional e o extico, o convvio ntimo nessa nova fraternidade,quebrando rapidamente as rgidas barreiras e divises na cabeadas pessoas.

    Dsobir dabord: alors cris sur les murs (Loi du 10 Mai

    1968)3 se l em uma obviamente recente inscrio que d o tomde forma clara. Si tout le peuple faisait comme nous4 ansiosa-

    3 Desobedea primeiro antes de escrever nos muros (Lei de 10 de maio de 1968).(N.T.)4 Se todo mundo fizesse como ns... (N.T.)

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    mente sonha outra, em uma jovial intuio, penso eu, mais doque em um esprito de substitucionismo vindo de uma auto-saciao. A maioria dos slogans so diretos, precisos e completa-mente ortodoxos: Liberez nos camarades, Fouchet, Grimaud,demisson, A bas ltat policier, Greve Gnrale Lundi,Travailleurs, tudiants, solidaires, Vive les Conseils Ouvrirs5.Outros slogans refletem novas preocupaes: La publicit temanipule, Examens =hirarchie, Lart est mort, ne consommez

    pas son cadavre, A bas la societ de consommation, Deboutles damns de Nanterre6. O slogan Baisses-toi et broute7 ob-viamente direcionado quelas pessoas mais conservadoras.

    Contre la fermentation groupusculaire8 queixa-se uma gran-de inscrio escarlate. E est realmente fora de compasso. Emtodos os lugares h uma profuso de cartazes e peridicos cola-dos: Voix Ouvrire, Avant-GardeeRvoltes(dos trotskistas), Ser-vir le PeupleeHumanit Nouvelle(dos devotos do lder Mao), LeLibertaire (dos anarquistas),Tribune Socialiste (do PSU PartiSocialiste Unifi, Partido Socialista Unificado). At mesmo estra-nhas edies de lHumanit9 esto coladas. difcil l-las, de tocobertas que esto por comentrios crticos.

    Em um tapume, eu vi um grande anncio de um novo quei-jo: uma criana mordendo um enorme sanduche. O jargo diziaCest bon le fromage Soand-So10. Algum cobriu as ltimaspalavras com tinta vermelha. No cartaz ficou escrito Cest bonla Rvolution11. As pessoas passam, olham e sorriem.

    Eu converso com meu acompanhante, um homem de cerca de45 anos, um velho revolucionrio. Discutimos as tremendas pos-

    5 Liberte nossos camaradas, Fouchet, Grimaud, renncia, Abaixo o Estado poli-cial, Greve Geral Segunda-Feira, Trabalhadores, estudantes, solidrios, Viva osConselhos Operrios. (N.T.)6 A publicidade te manipula, Exames =hierarquia, A arte est morta, no consu-

    ma seu cadver, Abaixo a sociedade de consumo, De p os condenados de Nanterre.(N.T.)7 Se abaixe e paste. (N.T.)8 Contra a agitao de pequenos grupos. (N.T.)9 Jornal oficial do Partido Comunista Francs.10 bom o queijo Soand-So. (N.T.)11 boa a Revoluo. (N.T.)

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    sibilidades que agora se abrem. Ele subitamente se volta na mi-nha direo e aparece com uma frase memorvel: Pensar quetivemos de ter filhos e esperar vinte anos para ver isso...

    Falamos com outros na rua, com jovens e velhos, com politi-zados e apolticos, com pessoas de todos os nveis de entendi-mento e comprometimento. Todos esto predispostos a falar naverdade todos querem falar. Todos parecem extraordinariamentearticulados. No achamos ningum predisposto a defender as aes

    do governo. As crticas se dividem em duas vertentes principais:

    Os professores universitrios progressistas, os comunistas, e umaquantidade de estudantes vem a principal raiz da crise estudantilno atraso da Universidade em relao s necessidades sociais atuais,no ensino bastante inadequado que fornecido, na atitude semifeudalde alguns professores, e na insuficincia geral da oportunidade deempregos. Para eles, a Universidade est desadaptada ao mundo mo-derno. O remdio pra eles a adaptao: uma reforma modernizanteque arrancasse as teias de aranha, aumentasse o quadro de professo-res, construsse melhores auditrios, aumentasse o oramento para aeducao, quem sabe um costume mais liberal no campus e, por fim,um emprego assegurado.

    Para os rebeldes (o que inclua alguns, mas de forma alguma to-

    dos os velhos revolucionrios), esta preocupao em adaptar a Uni-versidade sociedade moderna uma piada. Para eles, a prpria socie-dade moderna que deve ser rejeitada. Eles consideram a vida burguesatrivial e medocre, repressiva e reprimida. No possuem nenhum anseio(somente desprezo) pelas carreiras administrativas e diretivas que elareserva a eles. Eles no buscam se integrar na sociedade adulta. Pelocontrrio, esto procurando uma oportunidade para contestar radical-mente sua adulterao. A fora motriz da sua revolta a sua prpriaalienao, a falta de significado da vida no capitalismo burocrticomoderno. No certamente uma simples deteriorao econmica dosseus padres de vida.

    No acidental que a revoluo tenha comeado nas facul-

    dades de Sociologia e Psicologia de Nanterre. Os estudantes vi-ram que a sociologia que lhes era ensinada era um meio de con-trole e manipulao da sociedade, e no um meio de compreend-lade modo a transform-la. No decorrer, eles descobriram a socio-logia revolucionria. Rejeitaram o nicho reservado para eles nagrande pirmide da burocracia, o de especialistas a servio dopoder tecnocrtico, especialistas do fator humano na equao

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    industrial moderna. Descobriram tambm a importncia da classetrabalhadora. O impressionante que, pelo menos entre os estu-dantes ativos, estes sectrios subitamente pareceram ter se tor-nado a maioria: seguramente esta a melhor definio de qual-quer revoluo.

    As duas vertentes de crtica do sistema educacional francsmoderno no se neutralizam uma outra. Pelo contrrio, cadauma cria seu prprio gnero de problemas para as autoridades da

    Universidade e para os funcionrios do Ministrio da Educao.A verdadeira questo que uma das vertentes de crtica a quealgum poderia chamar de quantitativa poderia ser enfrentadae incorporada com sucesso pela sociedade burguesa moderna. Aoutra a qualitativa jamais. E era isto o que gerava seu poten-cial revolucionrio. O problema que a Universidade apresenta,para os poderes estabelecidos, no reside em no se poder encon-trar dinheiro para pagar mais professores. Na verdade o dinheiropode ser encontrado. O problema que a Universidade est cheiade estudantes e que as cabeas dos estudantes esto cheias deidias revolucionrias.

    Entre aqueles com os quais falamos, havia uma profunda cons-

    cincia de que o problema no poderia ser resolvido no QuartierLatin, que o isolamento da revolta em um gueto estudantil (mes-mo que em um gueto autnomo) significaria a derrota. Elescompreendem que a salvao do movimento reside na sua exten-so a outros setores populares. Porm, aqui grandes diferenasaparecem. Quando alguns falam da importncia da classe traba-lhadora, tratam como se ela fosse uma substituta para o engaja-mento deles na luta, uma desculpa para denegrir a luta estudantilchamando-a de aventureira. No entanto, exatamente por cau-sa da sua incomparvel militncia que a ao dos estudantes es-tabeleceu todas aquelas atividades de ao direta, que comea-ram a influenciar os jovens trabalhadores, e incomodar as

    organizaes estabelecidas. Alguns estudantes compreendem orelacionamento dessas lutas mais claramente. Encontraremos elesmais tarde, no Censier, animando os comits de ao de traba-lhadores e estudantes.

    o suficiente, por enquanto, sobre o Quartier Latin. O movi-mento j se espalhou para alm de seus restritos confins.

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    SO 6:15 HORAS DA MANH NA AVENIDA Yves Kermen. Umdia claro e com cu limpo. Uma multido comea a se reunir forados portes da gigantesca fbrica da Renault em BoulogneBillancourt. As principais centrais sindicais (CGT Confedera-o Geral do Trabalho, CFDT Confederao Francesa Democr-tica do Trabalho, e FO Fora Operria) convocaram um dia degreve geral. Elas esto protestando contra a violncia policial noQuartier Latin e pelas reivindicaes salariais, de jornada de tra-balho, de idade de aposentadoria e pelos direitos dos sindicatosnas fbricas, todas h muito tempo negligenciadas.

    Os portes da fbrica esto escancarados. Nenhum guarda ousupervisor vista. Os trabalhadores fluem para o interior da f-brica. Um megafone orienta para que sigam para seus respectivoslocais de trabalho, para que no comecem a trabalhar e para se-guirem, s 8 horas, ao tradicional local de reunio, uma enormeespcie de barraco no meio da Ile Seguin (uma ilha no Senatotalmente coberta pelas instalaes da Renault).

    Cada trabalhador que passa pelos portes recebe um panfletodos grevistas, conjuntamente produzido pelos trs sindicatos. Pan-fletos em espanhol so tambm distribudos (mais de 2 mil traba-lhadores espanhis so empregados da Renault). Oradores fran-

    O 13 DE MAIOO 13 DE MAIOO 13 DE MAIOO 13 DE MAIOO 13 DE MAIODA RENAULT PARA AS RUAS DE PARISDA RENAULT PARA AS RUAS DE PARISDA RENAULT PARA AS RUAS DE PARISDA RENAULT PARA AS RUAS DE PARISDA RENAULT PARA AS RUAS DE PARIS

    SEGUNDA-FEIRA, 13 DE MAIOSEGUNDA-FEIRA, 13 DE MAIOSEGUNDA-FEIRA, 13 DE MAIOSEGUNDA-FEIRA, 13 DE MAIOSEGUNDA-FEIRA, 13 DE MAIO

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    ceses e espanhis se revezaram no microfone fazendo pequenospronunciamentos. Embora todos os sindicatos estejam apoiandoa greve de um dia, todos os oradores parecem pertencer CGT. Oalto-falante deles...

    So 6:45 horas da manh. Centenas de trabalhadores estoentrando agora. Muitos parecem ter vindo para trabalhar, e nopara participar de reunies de greve na fbrica. A deciso de con-vocar a greve foi tomada somente no sbado a tarde, aps os

    trabalhadores j terem se dispersado no fim de semana. Muitosparecem no saber do que se trata. Estou impressionado com onmero de argelinos e trabalhadores negros.

    H apenas poucos cartazes no porto, mais uma vez a maio-ria da CGT. Alguns grevistas carregam cartazes da CFDT. No hsequer um nico cartaz da FO vista. A rua e os muros fora dafbrica foram quase totalmente cobertos com slogans: Greve deum dia na Segunda, Unidade em defesa de nossas reivindica-es, No aos monoplios.

    O pequeno bar prximo ao porto est lotado. As pessoasparecem extraordinariamente conscientes e comunicativas parauma hora to cedo como aquela. Uma banca de revistas estvendendo cerca de trs exemplares de lHumanitde cada qua-tro exemplares de qualquer ttulo que vendem. A seo local doPartido Comunista est distribuindo um panfleto pedindo de-terminao, calma, ateno e unidade e alertando sobre pro-vocadores.

    Os grevistas no tentam convencer aqueles que passam. Nin-gum parece saber se eles obedeceram convocatria de greve ouno. Menos de 25% dos trabalhadores da Renault pertencem aalgum sindicato. Esta a maior fbrica de carros da Europa.

    O megafone torna pblica sua mensagem:

    A CRS recentemente atacou agricultores em Quimper, e trabalha-dores em Caen, Rhodiaceta (Lyon) e Dassault. Agora eles esto se vol-

    tando contra os estudantes. O regime no tolerar oposio. No mo-dernizar o pas. No nos garantir nossas reivindicaes salariais bsicas.Nossa greve de um dia mostrar ao governo e aos patres nossa deter-minao. Devemos for-los a recuar.

    A mensagem repetida diversas vezes, como se fosse um discoquebrado. Eu gostaria de saber se ao menos o orador acredita no

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    que est falando, ou se ele sequer percebe o que est por vir. s 7horas da manh, cerca de uma dzia de trotskistas da FER (Federa-o de Estudantes Revolucionrios) aparecem para vender seu jor-nal, Rvoltes. Eles usam grandes broches vermelho e branco quedeclaram suas identidades polticas. Um pouco mais tarde, um ou-tro grupo chega para vender o Voix Ouvrire. O alto-falante ime-diatamente pra de atacar o governo gaullista e sua CRS, para ata-car os provocadores e os elementos destrutivos, estranhos classe

    trabalhadora. O orador stalinista d a entender que aqueles quevendem os jornais esto a servio do governo. Se eles esto aqui, apolcia deve estar na vizinhana, de olho.... Uma discusso exalta-da comea entre os que vendem e os dirigentes da CGT. Aos grevis-tas da CFDT negado o uso dos alto-falantes. Eles gritam dmocratieouvrire12 e defendem o direito dos elementos destrutivos ven-derem seus materiais. Um direito um tanto abstrato, uma vez quesequer um folheto vendido. A primeira pgina do Rvoltes trazum artigo extico sobre a Europa Oriental.

    Muitas injrias foram trocadas, mas sem agresses fsicas.Durante uma argumentao eu ouo Bro. Trigon (delegado dosegundo colgio eleitoral da Renault) descrever Danny Cohn-

    Bendit13 como un agent du pouvoir14. Um estudante adere a elenessa altura. Os trotskistas no. Pouco depois das 8 horas ostrotskistas vo embora: o ato de apario deles j estava con-cludo e devidamente gravado para a posteridade.

    Aproximadamente na mesma hora, centenas de trabalhado-res que entraram na fbrica deixam seus locais de trabalho e serenem sob o sol em um espao aberto a algumas centenas demetros do porto principal, dentro da fbrica. Dali eles caminhamem direo Ile Seguin, atravessando um brao do rio Sena nocaminho. Outros grupos de trabalhadores saem de outros pontosda fbrica e convergem para o mesmo local. O teto metlico esta quase cem metros sobre nossas cabeas. Enormes estoques de

    componentes esto empilhados at o alto em ambos os lados. Ao

    12 Democracia operria. (N.T.)13 Estudante anarquista de origem alem da Universidade de Nanterre, membro doMovimento 22 de Maro. (N.T.)14 Um agente do poder. (N.T.)

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    longe, do lado direito, uma linha de montagem ainda est fun-cionando, erguendo do cho ao nvel do primeiro andar o queparece ser o assento de bancos de carros com as molas fixadas.

    Cerca de 10 mil trabalhadores logo j se encontram no galpo.Os oradores falam a eles atravs de um alto-falante, de cima deum pequeno palanque de aproximadamente 10 metros de altura.O palanque fica em frente do que parece ser um posto de inspeoelevado, porm me disseram que trata-se de um escritrio do sin-

    dicato dentro da fbrica.O orador da CGT fala de vrias reivindicaes salariaissetoriais. Ele denuncia que a oposio que o governo faz a elasest nas mos dos monoplios. Ele apresenta fatos e persona-gens relacionados com a estrutura salarial. Muitos trabalhado-res altamente qualificados no esto ganhando o que devem.Um orador da CFDT o prximo. Ele trata do constante aumen-to da velocidade da produo, do deterioramento das condiesde trabalho, dos acidentes e do destino do homem na produo.Que tipo de vida esta? Teremos que ser marionetes at o fim,executando todos os caprichos da direo? Ele defende aumen-tos salariais uniformes para todos (augmentations non-hi-

    rarchises). Na seqncia vem um orador da FO. Ele o maiscompetente tecnicamente, mas diz muito pouco. Numa retricafloreada, ele fala de 1936, mas omite qualquer referncia a LonBlum15. A reputao da FO ruim na fbrica, e o orador inco-modado com perguntas vrias vezes.

    Os oradores da CGT pedem ento que os trabalhadores parti-cipem en masse de uma grande manifestao planejada para atarde. Assim que o ltimo orador termina, a multido espontanea-mente irrompe em uma estimulante Internationale. Os mais ve-lhos parecem saber a maior parte da letra. Os mais jovens apenassabem o refro. Um amigo ao lado me assegura que em vinteanos esta a primeira vez que ele ouviu o hino da Internationale

    cantado dentro da Renault (ele esteve em dezenas de reunies demassa na Ile Seguin). H uma atmosfera de excitao, particular-mente entre os trabalhadores mais jovens.

    15 Lon Blum (1872-1950), foi o primeiro premier socialista da Frana, estando afrente do governo da Frente Popular em 1936-37. (N.T.)

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    A multido ento se dispersa em vrios grupos. Alguns cami-nham de volta sobre a ponte indo para fora da fbrica. Outrosprosseguem sistematicamente atravs dos locais de trabalho, ondealgumas centenas de homens ainda esto trabalhando. Algunsdesses homens discutem, mas a maioria, na verdade, parece queest simplesmente satisfeita demais para que tenham uma descul-pa para parar e juntar-se passeata. Grupos de grevistas cortam ocaminho deles, fazendo piada e cantando em meio a prensas gi-

    gantes e tanques. Aqueles que permanecem no trabalho so iro-nicamente ovacionados, aplaudidos ou exortados a porem o pna tbua, ou a trabalharem mais duro. Os eventuais chefes deseo so meros espectadores impotentes, na medida que umalinha de produo aps a outra parada.

    Figuras coloridas esto coladas sobre vrios tornos mecni-cos: mulheres e campos verdes, sexo e sol. Todos que ainda traba-lham so encorajados a sair luz do dia, de modo que no fiquemapenas sonhando com ela. Na instalao principal, a cerca de umquilmetro de distncia, doze homens, se muito, permanecem comseus macaces. Nenhuma voz zangada ouvida. O que h sobrincadeiras muito bem humoradas. s 11 horas, milhares de tra-

    balhadores haviam sado para uma quente manh de maio. Avenda de cerveja e sanduche ao ar livre, do lado de fora do porto,est sendo um tremendo negcio.

    1:15 horas da tarde, as ruas esto cheias. A resposta con-vocao da greve geral de 24 horas superou as expectativas maisotimistas dos sindicatos. Apesar da pequena divulgao, Paris estparalisada. A greve foi decidida apenas 48 horas atrs, aps anoite das barricadas. Ela , alm do mais, ilegal. A lei localexige um aviso prvio de cinco dias na convocao de uma greveoficial. Foi pouqussimo tempo para a lei.

    Uma compacta falange de jovens est andando pelo Boulevardde Sebastopol na direo de Gare de lEst. Eles esto seguindo

    para o ponto de concentrao dos estudantes da gigantesca ma-nifestao convocada conjuntamente pelos sindicatos, pela orga-nizao dos estudantes (UNEF) e pelas associaes de professores(FER e SNESup).

    No h nenhum nibus ou carro vista. As ruas de Parispertencem hoje aos manifestantes. Milhares deles j esto na pra-

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    a em frente estao. E outros milhares se deslocam para lvindos de todas as direes. Pelo que foi decidido pelas organiza-es, as diferentes categorias devem se reunir separadamente, eento convergirem na Place de la Republique, da onde a passeataprosseguir cortando Paris, via Quartier Latin, Place DenfertRochereau. Esto todos como sardinhas em lata desde to longequanto os olhos podem enxergar, no entanto ainda falta mais deuma hora para o horrio estabelecido para a partida. O sol brilhou

    durante todo o dia. As garotas esto usando vestidos de vero. Osrapazes esto de manga curta. Uma bandeira vermelha tremulasobre a estao de trem. No meio da multido existem muitasbandeiras vermelhas, e vrias pretas tambm.

    Um homem de repente aparece carregando uma mala cheiade cpias de panfletos. Pertence a algum grupsculo. Ele abresua mala e distribui cerca de uma dzia de panfletos. Mas noprecisa mais continuar sozinho nessa empreitada. H uma insa-civel sede de informao, idias, literatura, discusso, polmica.O homem apenas fica parado e as pessoas o cercam e pedem ospanfletos. Dezenas de manifestantes, sem sequer lerem o panfle-to, ajudam o rapaz a distribu-los. Cerca de 6 mil cpias so dis-

    tribudas em apenas poucos minutos. Todas parecem ser atenta-mente lidas. As pessoas discutem, riem, fazem piada. Eu presencieitais cenas vrias vezes.

    Vendedores de literatura revolucionria esto vendendo bem.Um edital, assinado pelos organizadores da manifestao, no qualest escrito que a nica literatura permitida seria a das organiza-es responsveis pela manifestao (vejalHumanit, 13 de maiode 1968), est sendo entusiasticamente desprezado. Essa restrioburocrtica (muito criticada na noite anterior quando foi anun-ciada no Censier pelos estudantes delegados do Comit de Coor-denao) obviamente impraticvel em uma multido desse ta-manho. A revoluo maior que qualquer organizao, mais

    tolerante do que qualquer instituio representando as massas,mais realista do que qualquer edital de qualquer Comit Central.

    Manifestantes subiram em muros, nos tetos das paradas denibus, nas grades em frente estao. Alguns possuem megafonese pronunciam curtos discursos. Todos os politizados parecemestar em um lugar ou outro no meio da multido. Eu posso ver a

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    bandeira da Jeunesse Communiste Rvolutionnaire, fotos de Cas-tro e Che Guevara, a bandeira da FER, vrias bandeiras do Servirle Peuple (um grupo maosta) e a bandeira da UJCML (Union de laJ eunesse Communiste Marxiste-Leniniste), outra tendnciamaosta. H tambm bandeiras de muitos estabelecimentos edu-cacionais que esto ocupados pelos trabalhadores que trabalhamneles. Grandes grupos de estudantes de liceus (jovens secundaristas)misturam-se com os estudantes universitrios, assim como mi-

    lhares de professores.Cerca de 2 horas da tarde a seo estudantil parte cantando aInternationale. Andamos de vinte a trinta pessoas lado a lado ecom os braos entrelaados. H uma fileira de bandeiras verme-lhas na nossa frente e uma faixa de 15 metros de largura trazen-do quatro simples palavras: tudiants, Enseignants, Travailleurs,Solidaires16. uma viso comovente.

    O Boulevard de Magenta inteiro uma compacta massa hu-mana agitada. No podemos entrar na Place de la Republique, jlotada de manifestantes. No possvel sequer se mover pelascaladas ou atravs das ruas adjacentes. No h mais nada almde pessoas, to longe quanto os olhos podem alcanar.

    Na medida que lentamente prosseguimos pelo Boulevard deMagenta, notamos em uma sacada no terceiro andar, do nossolado direito, um escritrio do SFIO (Partido Socialista). A sacadaest enfeitada com algumas velhas bandeiras vermelhas e umafaixa pedindo Solidariedade com os estudantes. Alguns indiv-duos com idade avanada acenam pra gente, um pouco constran-gidos. Algum na multido comea a cantar O-pur-tu-nistes17.O slogan seguido, ritmicamente gritado por milhares de pes-soas, para transtorno daqueles na sacada, que acabam batendoem rpida retirada. As pessoas no esqueceram o uso da CRScontra a greve dos mineiros em 1958 pelo ministro do Interiorsocialista Jules Moch. Eles lembram do primeiro-ministro so-

    cialista Guy Mollet e seu papel durante a guerra na Arglia.Impiedosamente, a multido mostra seu desprezo pelos desacre-ditados polticos, que agora tentam apenas ser oportunistas. Guy

    16 Estudantes, Professores, Trabalhadores, Solidrios. (N.T.)17 O-por-tu-nis-tas. (N.T.)

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    Mollet, au muse18, eles gritam, entre risadas. verdadeiramenteo fim de uma era.

    L pelas 3 horas da tarde finalmente alcanamos a Place de laRepublique, nosso ponto de partida. A multido aqui to densaque vrias pessoas desmaiam e tm que ser carregadas aos baresprximos. Nos bares as pessoas esto quase to apertadas quantona rua, mas podem pelo menos evitar serem machucadas. A jane-la de um bar cede sob a presso da multido l fora. H um ver-

    dadeiro medo, em vrias partes na multido, de se morrer esma-gado. O primeiro contingente sindical felizmente comea a deixara praa. No h um policial sequer vista.

    Embora a manifestao tenha sido declarada uma manifesta-o conjunta, os lderes da CGT ainda esto se empenhando de-sesperadamente para evitar uma mistura, nas ruas, de estudantese trabalhadores. Eles tm um relativo sucesso nessa tentativa. Cercade 4:30 horas da tarde, os professores e estudantes, talvez soman-do 80 mil, finalmente deixam a Place de la Republique. Centenasde milhares de manifestantes os precederam, centenas de milha-res de manifestantes os seguiram, porm o contingente de es-querda, de fato e eficazmente, encurralou a manifestao. V-

    rios grupos, entendendo enfim a manobra da CGT, se desprendemquando samos da praa. Eles pegam atalhos por vrias ruas late-rais, nas esquinas, e conseguem infiltrar grupos de cerca de cempessoas em partes da passeata que passam pela frente ou por trsdeles. Os organizadores stalinistas, andando de mos dadas e cer-cando a passeata dos dois lados, so impotentes para impedirestes sbitos influxos. Os estudantes se dispersam como peixes nagua to logo tenham entrado no meio de um determinado gru-po. Os prprios manifestantes da CGT so muito amigveis e pron-tamente incorporam os recm-chegados, mesmo sem terem certe-za do que se trata. A aparncia, as roupas e o modo de falar dosestudantes no permite que sejam identificados to facilmente

    como seriam na Gr-Bretanha.O principal contingente de estudantes prossegue como um

    corpo compacto. Agora que passamos o gargalo da Place de laRepublique o passo est bem rpido. O grupo dos estudantes, en-

    18 Guy Mollet, para o museu. (N.T.)

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    tretanto, leva pelo menos meia hora para passar por um determi-nado ponto. Os slogans dos estudantes contrastam de formachamativa com os da CGT. Os estudantes gritam Le Pouvoir auxOuvrirs, Le Pouvoir est dans le rue, Liberez nos camarades19.Os membros da CGT gritam Pompidou, dmission20. Os estu-dantes cantam De Gaulle, assassin21, ou CRS-SS. A CGT: Dessous, pas de matraques, ou Defence du pouvoir dachat22. Osestudantes dizem Non a lUniversit de classe23. A CGT e os

    estudantes stalinistas, reunidos em volta da faixa de seu jornalClart, respondem Universit Dmocratique24. Profundas dife-renas polticas esto por trs da diferena de nfase. Algunsslogans so seguidos por todos, slogans como Dix ans, cest assez,A bas ltat policier, ou Bon anniversaire, mon Gnral25. Gru-pos inteiros cantam, em tom de tristeza, o conhecido refro: Adieu,De Gaulle26. Eles abanam seus lenos, para a alegria dos queapenas observam.

    Assim que o contingente principal de estudantes atravessa aPont St. Michel para entrar no Quartier Latin, ele pra rapidamentepara uma homenagem silenciosa aos feridos. Todos os pensamen-tos so por um instante voltados para aqueles que esto no hospi-

    tal, com seus olhos sob perigo devido ao gs lacrimogneo ou comseus crnios ou costelas fraturados pelos cassetetes da CRS. O re-pentino e nervoso silncio da parte mais barulhenta da manifesta-o transmite uma profunda impresso de fora e determinao.Sente-se que muitas contas esto para serem ajustadas.

    No alto do Boulevard St. Michel eu saio da passeata e subonum parapeito que cerca o Jardim de Luxembourg. Permaneo l

    19 Todo Poder aos Trabalhadores, O Poder est nas ruas, Libertem nossos compa-nheiros. (N.T.)20 Pompidou, renuncie. (N.T.)21

    De Gaulle, assassino. (N.T.)22 Dinheiro, no cassetetes, Defesa do poder aquisitivo. (N.T.)23 No Universidade de classe. (N.T.)24 Universidade Democrtica. (N.T.)25 Dez anos, o bastante, Abaixo o Estado policial, Feliz aniversrio, meu General.(N.T.)26 Adeus, De Gaulle. (N.T.)

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    por duas horas enquanto filas e filas de manifestantes passam,com trinta ou mais lado a lado, um mar de pessoas de um tama-nho fantstico, inconcebvel. Quantos eles so? Seiscentos mil?Oitocentos mil? Um milho? Um milho e quinhentos mil? Nin-gum pode dizer ao certo. O primeiro manifestante chegou aoponto final de disperso horas antes dos ltimos grupos teremdeixado a Place de la Republique, s 7 horas da noite.

    Haviam faixas e bandeiras de todo tipo: de sindicatos, de es-

    tudantes, polticas, no-polticas, reformistas, revolucionrias, doMouvement contre lArmement Atomique27, de vrios Conseilsde Parents dlves28, de todos os tamanhos e formas imaginveis,manifestando uma averso comum ao ocorrido e um desejo co-mum de lutar contra aquilo. Algumas faixas foram muito aplau-didas, como a que dizia Liberons linformation29, carregada porum grupo de empregados da ORTF30. Algumas faixas utilizavamum vvido simbolismo, como o caso de uma repulsiva faixa queera carregada por um grupo de artistas. Nela foram pintadas mos,cabeas e olhos humanos, cada um com a sua etiqueta de preo eexibidos nos ganchos e tabuleiros de um aougue.

    Continuamente elas desfilavam prximas. Haviam blocos in-

    teiros de funcionrios de hospitais, com guarda-ps brancos, al-guns carregando cartazes dizendo O sont les disparus deshopitaux?31 Todas as fbricas e maiores locais de trabalho pare-ciam estar representados. Haviam numerosos grupos de ferrovi-rios, carteiros, grficos, metrovirios, metalrgicos, aeroporturios,feirantes, eletricitrios, advogados, trabalhadores da rede sanit-ria, bancrios, trabalhadores da construo civil, trabalhadoresda indstria qumica e de vidro, garons, funcionrios munici-pais, pintores, trabalhadores das empresas de combustveis, bal-conistas, vendedores de seguro, garis, operadores de estdio, mo-toristas de nibus, professores, trabalhadores da nova indstria

    27 Movimento Contra as Armas Nucleares. (N.T.)28 Conselhos de Pais de Alunos. (N.T.)29Libertemos a informao. (N.T.)30Office de la Radiodiffusion-Tlvision Franaise, rede de rdio e TV estatal francesa.(N.T.)31 Onde esto os desaparecidos dos hospitais? (N.T.)

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    de plstico, filas e filas e filas deles, a carne e o sangue da socie-dade capitalista moderna, uma massa sem fim, um poder que po-deria varrer tudoque estivesse na sua frente, se ele, porm, deci-disse faz-lo.

    Pensei naqueles que dizem que os trabalhadores somente es-to interessados em futebol, no tierce (corrida de cavalos), emassistir televiso, e em seuscongs (feriados) anuais, e que dizemque a classe trabalhadora no pode enxergar alm dos problemas

    da sua vida cotidiana. Isso era uma inverdade muito clara. Tam-bm pensei naqueles que dizem que apenas uma restrita e podredireo separam as massas de uma total transformao da socie-dade. Igualmente no verdade. Hoje a classe trabalhadora estse tornando consciente da sua fora. Ser que ela decidir us-laamanh?

    Eu me junto novamente passeata e ento prosseguimos nadireo da Denfert Rochereau. Passamos por vrias esttuas deserenos cavalheiros, agora enfeitados com bandeiras vermelhasou carregando slogans como Liberez nos camarades32. Assimque passamos por um hospital, o silncio ganha a multido infi-nita. Algum comea a assobiar a Internationale. Outros aderem.

    Como uma brisa roando um enorme campo de trigo, a melodiaassobiada ondula em todas as direes. Das janelas do hospitalalgumas enfermeiras acenam pra gente.

    Em vrios cruzamentos passamos por semforos, que por al-guma estranha inrcia ainda esto funcionando. Vermelho e ver-de se alternam, em intervalos fixos to sem significado quanto aeducao burguesa, quanto o trabalho na sociedade moderna,quanto as vidas daquelas pessoas que passam ao nosso lado. Arealidade de hoje, por algumas horas, suprimiu todos os padres emodelos de ontem.

    A parte da passeata na qual eu me encontro est agora rapi-damente se aproximando do local onde os organizadores decidi-

    ram que deveria ser o ponto de disperso. A CGT est vida quesuas centenas de milhares de partidrios dispersem pacificamen-te. Ela os teme quando eles esto juntos. Ela quer que eles voltema ser tomos sem nome dispersos nos quatro cantos de Paris,

    32Libertem nossos camaradas. (N.T.)

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    impotentes no quadro de suas preocupaes individuais. A CGTv a si mesma como a nica ligao possvel entre eles, como oveculo divinamente determinado para expressar o desejo coleti-vo deles. O Movimento 22 de Maro33, por outro lado, emitiuuma chamada aos estudantes e trabalhadores, pedindo que se man-tivessem juntos e prosseguissem para os gramados do Champs deMars (no p da Torre Eiffel) para uma grande discusso coletivasobre as experincias daquele dia e sobre os problemas que os

    esperam adiante.Nessa altura eu atesto pela primeira vez o que um servicedordre organizado por stalinistas realmente significa. Durantetodo o dia, os organizadores obviamente previam este momentoparticular. Eles esto muito tensos, visivelmente esperando pro-blemas. Acima de tudo, eles temem o que chamamdbordement34,isto , serem flanqueados pela esquerda. Durante o ltimo quil-metro da passeata, cinco ou seis filas compactas formadas pelosorganizadores alinharam-se nos dois lados da passeata. Com osbraos entrelaados, eles formam uma macia cerca em volta dosmanifestantes. Os dirigentes da CGT falam aos manifestantes con-tidos por esta cerca atravs de dois potentes alto-falantes monta-

    dos sobre dois carros, e os instruem a dispersarem calmamenteatravs do Boulevard Arago, isto , seguir na direo exatamenteoposta que leva ao Champs de Mars. As outras sadas da PlaceDenfert Rochereau esto bloqueadas por linhas de organizadorescom os braos entrelaados.

    Ouvi dizer que em ocasies como esta, o Partido Comunistaconvoca milhares de membros da regio de Paris. E tambm con-voca membros de lugares mais distantes, trazendo-os de nibusde lugares como Rennes, Orleans, Sens, Lille e Limoges. As pre-feituras sob posse do Partido Comunista fornecem ainda centenasdesses organizadores, os quais no so necessariamente mem-bros do Partido, mas sim pessoas dependentes da boa vontade do

    Partido para manterem seus empregos e seu futuro. Desde seuauge na participao no governo (1945-47), o Partido tem tido

    33 Grupo formado por libertrios e anarquistas na Universidade de Nanterre, cujosmais notrios membros foram Daniel Cohn-Bendit e Jean-Pierre Duteuile. (N.T.)34 No francs no original.Transbordamento. (N.T.)

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    este tipo de base de massa nos arredores de Paris. E eles invaria-velmente a usaram em circunstncias como a de hoje. Nesta ma-nifestao deve haver pelo menos 10 mil organizadores desse tipo,e possivelmente o dobro.

    Os pedidos dos organizadores no encontram somente um tipode resposta. O sucesso de conseguirem que um grupo disperse peloBoulevard Arago depende, claro, da caracterstica de cada grupo.A maioria dos grupos nos quais os estudantes no conseguiram se

    infiltrar obedece, embora mesmo nesses alguns dos militantes maisjovens protestem: Ns somos um milho nas ruas. Por que deve-ramos ir para casa? Outros grupos hesitam, vacilam, comeam adiscutir. Alguns estudantes sobem nos muros e gritam: Todos quequerem voltar a ver televiso, se direcionem ao Boulevard Arago.Aqueles que querem se juntar ao debate de trabalhadores e estu-dantes e querem fazer a luta crescer, se direcionem ao BoulevardRaspail e prossigam ao Champs de Mars.

    Os que protestam contra as ordens de disperso so imediata-mente repreendidos e denunciados como provocadores pelosorganizadores, que muitas vezes tambm empregam a fora fsicacontra estes. Eu vi vrios companheiros do Movimento 22 de Maro

    serem agredidos fisicamente, seus megafones portteis serem ar-rancados de suas mos e seus panfletos serem jogados no cho.Em algumas partes pareciam haver dezenas, em outras centenas,em outras milhares de provocadores. Algumas pequenas brigasocorrem na medida que estes contingentes no do bola aosorganizadores. Surgem discusses acaloradas, os manifestantesdenunciando os stalinistas como policiais e como sendo a lti-ma trincheira da burguesia.

    O respeito pelos fatos me obriga a admitir que muitos gruposseguiram as ordens da burocracia sindical. As repetidas calniasditas pelos lderes da CGT e do Partido Comunista produziram seuefeito. Os estudantes eram chamados de agitadores, aventurei-

    ros, elementos suspeitos. A ao proposta por eles levaria ape-nas a uma interveno violenta da CRS (que se manteve total-mente fora de vista durante toda a tarde). Isso era apenas umamanifestao, no um preldio Revoluo. Agindo cruelmentena parte mais ao fundo da multido, e atacando fisicamente aparte mais frente, os ajudantes de burocratas da CGT conse-

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    guem fazer com que a maior parte dos manifestantes dispersem,muitas vezes sob protesto. Milhares foram ao Champs de Mars.Mas centenas de milhares foram pra casa. Os stalinistas ganha-ram, mas as discusses iniciadas certamente iro repercutir nosmeses seguintes.

    Cerca de 8 horas da noite ocorreu um episdio que mudou ohumor das ltimas sees da passeata, que a essa altura se aproxi-mavam do ponto de disperso. Um carro da polcia subitamente

    subiu uma das ruas que levam Place Denfert Rochereau. Ele deveter se desviado do caminho planejado, ou talvez o motorista tenhaachado que os manifestantes j tivessem dispersado. Vendo a mul-tido frente, os dois policiais uniformizados sentados nos bancosda frente se apavoraram. Impossibilitado de dar r de modo a sair,o motorista deve ter julgado que sua vida dependia de forar apassagem pela parte mais estreita da multido. O veculo acelerou,arremessando-se contra os manifestantes a aproximadamente 80quilmetros por hora. As pessoas correram freneticamente em to-das as direes. Vrias pessoas foram atiradas ao cho, duas foramgravemente feridas e muitas mais escaparam por pouco. O carro foifinalmente cercado. Um dos policiais que estava na frente foi reti-

    rado do carro sendo vrias vezes socado pela multido enfurecida edeterminada a linch-lo. O policial foi finalmente salvo, na horaag, pelos organizadores. Eles meio que o carregaram, semiconscien-te, para uma rua lateral onde o atravessaram horizontalmente poruma janela, como se fosse uma linguia.

    Para salv-lo, os organizadores tiveram que lutar contra v-rias centenas de furiosos manifestantes. A multido comeou en-to a balanar o carro de polcia que estava preso. O policial quepermanecia no carro sacou seu revlver e atirou. As pessoas seabaixaram. Por milagre ningum foi atingido. Cem metros adian-te a bala fez um buraco, a cerca de um metro acima do nvel dosolo, em uma janela da Le Belfort, um grande caf no nmero

    297 do Boulevard Raspail. Os organizadores correram novamentepara o salvamento, formando uma barreira entre a multido e ocarro da polcia, o qual foi permitido escapar por uma rua lateral,dirigido pelo policial que atirou na multido.

    Centenas de manifestantes se aglomeraram em volta do bura-co na janela do caf. Fotgrafos da imprensa foram chamados,

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    35 Eles atiraram na gente no Denfert. (N.T.)

    chegaram e tiraram suas fotos devidamente nenhuma delas, claro, foi publicada. (Dois dias depois, o lHumanittrouxe algu-mas linhas sobre o episdio, no fim de uma coluna da pginacinco.) Como conseqncia do episdio, vrios milhares de mani-festantes decidiram no dispersar. Eles viraram e marcharam ato Champs de Mars, gritando Ils ont tire a Denfert35. Se o inci-dente tivesse ocorrido uma hora antes, a noite de 13 de maiopoderia ter tido uma cara muito diferente.

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    NO SBADO, 21 DE MAIO, POUCO ANTES DA MEIA-noite, oprimeiro-ministro da Frana, Pompidou, passou por cima do mi-nistro do Interior e do ministro da Educao e emitiu ordens aoindependente Poder J udicirio. Ele declarou que a polcia seriaretirada do Quartier Latin, que as faculdades reabririam na se-gunda-feira, dia 13 de maio, e que a lei reconsideraria o casodos estudantes presos na semana anterior. Este foi o maior recuopoltico de sua carreira. Para os estudantes, e para muitos outros,era a prova viva da eficincia da ao direta. As concesses ti-nham sido conquistadas atravs da luta, e no teriam sidoconseguidas por nenhum outro meio.

    Segunda-feira de manh cedo, os pelotes da CRS que guar-davam a entrada da Sorbonne foram discretamente retirados. Osestudantes entraram, primeiro em pequenos grupos, depois emcentenas, depois em milhares. L pelo meio-dia a ocupao foiconcluda. Cadatricolore36 foi prontamente trazida abaixo, todosos auditrios foram ocupados. Bandeiras vermelhas foramhasteadas nos mastros oficiais e em mastros improvisados emvrias janelas, algumas tremulando sobre as ruas, outras tremu-

    36 Aluso bandeira francesa, que possui trs cores: branco, azul e vermelho. (N.T.)

    O SOVIET DA SORBONNEO SOVIET DA SORBONNEO SOVIET DA SORBONNEO SOVIET DA SORBONNEO SOVIET DA SORBONNE

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    lando sobre o grande ptio interno. Dezenas de metros acima doburburinho de estudantes, enormes bandeiras vermelhas e pretasse agitavam lado a lado na cpula da capela.

    O que aconteceu nos dias que se seguiram deixar uma marcapermanente no sistema educacional francs, na estrutura da so-ciedade francesa e mais importante de tudo na cabea daspessoas que viveram e fizeram histria durante os agitados pri-meiros quinze dias. A Sorbonne foi repentinamente transformada

    de um antiquado recinto onde o capitalismo francs selecionavae moldava seus hierarcas, seus tecnocratas e sua burocracia ad-ministrativa, em um vulco revolucionrio em plena erupo, cujalava se espalharia longe e amplamente, cauterizando a estruturasocial da Frana moderna.

    A ocupao fsica da Sorbonne foi seguida por uma explosointelectual de violncia sem precedentes. Tudo, literalmente tudo,foi repentinamente e simultaneamente posto em discusso, emquestionamento, em objeo. No haviam tabus. fcil criticar acatica irrupo de pensamentos, idias e propostas desencadeadassob tais circunstncias. Pessoas eram criticadas e rotuladas derevolucionrios profissionais ou pequeno-burgueses, de acordo

    com a preferncia. Mas agindo dessa forma, esses crticos apenasrevelavam o quanto ainda estavam aprisionados na ideologia deuma poca anterior, assim como deixavam claro a sua incapaci-dade de transcend-la. Eles no conseguiram reconhecer a tre-menda importncia do novo, de tudo que no pudesse ser apreen-dido dentro das suas prprias e preestabelecidas categoriasintelectuais. Este tipo de fenmeno j foi testemunhado diversasvezes, j que sem dvida ele aparece em todas as grandes insur-reies da histria.

    De dia e de noite todos os auditrios ficavam lotados. Eramlocais de contnuos e apaixonados debates sobre todos os temasque inquietassem o pensamento humano. Nenhum palestrante for-

    mal jamais havia conseguido um pblico to grande, jamais ha-via sido ouvido com to profunda ateno ou se teria perdidoto pouco tempo com ele se falasse baboseira.

    Uma certa ordem rapidamente apareceu. No segundo dia ummural foi posto prximo da entrada da frente, divulgando os te-mas de discusso e o local onde seriam discutidos. Eu anotei os

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    seguintes temas: Organizao da luta, Direitos polticos e sin-dicais na Universidade, Crise da Universidade ou crise social?,Dossi da represso policial, Autogesto, No-seleo (oucomo abrir as portas da Universidade para todos), Mtodos deensino, Exames etc. Outros auditrios foram reservados paraos comits de aliana estudantes-trabalhadores, que logo assumi-riam grande importncia. Em outros locais haviam ainda discus-ses sobre represso sexual, questo colonial e ideologia e

    mistificao. Qualquer grupo de pessoas que desejasse discutirqualquer coisa que fosse, teria apenas de entrar em um dos audi-trios ou numa sala. Felizmente haviam dezenas de auditrios.

    A primeira impresso era de que se tratava de uma gigantescapanela de presso com pensamentos e aspiraes retidos quefora repentinamente aberta, fazendo com que explodisse e seucontedo fosse assim lanado do domnio dos sonhos para o do-mnio do real e do possvel. Atravs da transformao do meioambiente, as prprias pessoas se transformaram. Aqueles que nuncase atreveram a dizer nada, de repente sentiam como se seus pen-samentos fossem os mais importantes do mundo e ento osexpressavam. O tmido tornou-se comunicativo. O desamparado

    e isolado de repente descobriu que a fora coletiva se encontraem suas mos. O tradicionalmente aptico de repente se engajouintensamente. Uma tremenda onda de comunidade e coeso apa-nhou aqueles que anteriormente se achavam impotentes e isola-dos como se fossem marionetes dominadas por instituies queeles no poderiam compreender nem controlar. As pessoas sim-plesmente apareceram e comearam a conversar umas com asoutras sem o menor sinal de constrangimento. Este estado de eu-foria permaneceu durante a primeira quinzena em que eu estivel. Uma frase rabiscada no muro resumia isso perfeitamente: Djdix jours de bonheur37.

    No jardim da Sorbonne, a poltica (vista com maus olhos du-

    rante toda uma gerao) foi desforra. Barracas com literaturabrotaram ao longo de todo o permetro interno, enormes retratosapareceram nos muros internos: Marx, Lenin, Trotsky, Mao, Cas-tro, Guevara, uma ressurreio revolucionria quebrando as fron-

    37 J so dez dias de felicidade. (N.T.)

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    teiras do tempo e do espao. Inclusive Stalin apareceu tempora-riamente (sobre uma barraca maosta), at ter sido sugerido comdiscernimento aos companheiros que ele no se sentia realmenteem casa com tal companhia.

    Nas barracas todo tipo de literatura florescia repentinamentediante do sol de vero: panfletos e brochuras anarquistas,stalinistas, maostas, trotskistas (de trs tipos), do PSU e dos inde-pendentes. O jardim da Sorbonne tornou-se uma gigantesca feira,

    na qual os produtos mais exticos no precisavam mais ficarembaixo do balco, podendo agora serem expostos vista. Edi-es antigas de revistas, amareladas pelos anos, foram desenter-radas, e muitas vezes saam to bem quanto os materiais maisrecentes. Em todos os lugares haviam grupos de dez ou vintepessoas discutindo acaloradamente, conversando sobre barrica-das, sobre a CRS, sobre suas experincias, mas tambm sobre aComuna de 1871, sobre 1905 e 1917, sobre a esquerda italiana em1921 e sobre a Frana em 1936. Uma fuso estava ocorrendoentre a conscincia das minorias revolucionrias e a conscinciada enorme quantidade de novos grupos de pessoas arrastados diaaps dia pelo redemoinho da controvrsia poltica. Os estudantes

    estavam aprendendo em dias o que outros levaram uma vida in-teira para aprender. Muitos estudantes secundaristas vieram ob-servar o que estava acontecendo. Eles tambm foram sugadospelo turbilho. Lembro-me de um garoto de catorze anos expli-cando para um incrdulo homem de sessenta anos o porqu dosestudantes deverem ter o direito de depor os professores.

    No foi s isso que aconteceu. Um grande piano apareceu deuma hora pra outra no grande jardim central e permaneceu l porvrios dias. As pessoas chegavam e o tocavam, cercadas por ou-tras que as incentivavam com entusiasmo. Enquanto as pessoasfalavam nos auditrios sobre o neocapitalismo e suas tcnicas demanipulao, Chopin, compassos de jazz, trechos deLa Carmagnole

    e composies atonais se espalhavam no ar. De noite houve umrecital de percusso, e depois alguns clarinetistas apareceram. Essasdiverses podem ter enfurecido alguns dos mais decididos re-volucionrios, mas elas eram uma parte to significativa da com-pleta transformao da Sorbonne quanto as doutrinas revolucio-nrias que eram apregoadas nos auditrios e salas.

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    Uma exposio de imensas fotografias da noite das barrica-das (em lindos semitons) apareceu de manh, montada em pai-nis. Ningum sabia quem a havia montado. Todos concordavamque ela sucintamente resumia o horror e o glamour, a raiva e aesperana daquela fatdica noite. At mesmo as portas da capelaque davam para o jardim foram logo cobertas com frases: Abramessa porta Finis, les tabernacles, A religio a ltima mistifi-cao. Ou mais radicalmente: Queremos um lugar para mijar,

    no para rezar.A maioria dos muros externos da Sorbonne tambm foramlogo enchidos de cartazes cartazes anunciando as primeiras gre-ves de ocupao, cartazes descrevendo os ndices salariais de se-tores inteiros de trabalhadores de Paris, cartazes anunciando asprximas manifestaes, cartazes descrevendo as passeatas desolidariedade em Pequim, cartazes denunciando a represso poli-cial e o uso de gs CS (o tipo mais comum de gs lacrimogneo)contra os manifestantes. Haviam dezenas de cartazes advertindoos estudantes contra as tticas oportunistas do Partido Comunis-ta, contando como o Partido havia atacado o movimento e comoele procurava agora assumir a sua liderana. Haviam cartazes

    polticos aos montes. Mas tambm haviam outros, conclamandoum novo ethos. Um grande cartaz, por exemplo, prximo da en-trada principal, ousadamente afirmava Defence dinterdire38.Alm de outros, similares nesse sentido: Somente a verdade revolucionria, Nossa revoluo maior do que ns mesmos,Recusamos o papel que nos foi designado, no seremos treina-dos como ces policiais. As preocupaes das pessoas variavammas convergiam. Os cartazes refletiam a filosofia profundamentelibertria que prevalecia: A humanidade s ser livre quando oltimo capitalista for enforcado com as tripas do ltimo burocra-ta, A cultura est se desintegrando, Crie!, Eu fao dos meusdesejos a realidade por eu acreditar na realidade dos meus dese-

    jos, ou simplesmente, Criatividade, espontaneidade, vida.L fora, na rua, centenas de transeuntes paravam para ler

    esses papis de parede improvisados. Alguns olhavam de bocaaberta. Outros riam com escrnio. Outros concordavam balan-

    38 proibido proibir. (N.T.)

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    ando a cabea. Alguns discutiam. Alguns, criando coragem, en-travam realmente no recinto antes sacrossanto da Sorbonne, sen-do encorajados pelos inmeros cartazes que afirmavam ele estaragora aberto a todos. J ovens trabalhadores que no seriam vis-tos neste lugar um ms atrs, agora entravam em grupos. Noincio no entravam muito vontade, mas depois como se fossemdonos do lugar, o que na verdade eram, claro.

    Conforme os dias passaram, outro tipo de invaso ocorreu: a

    invaso do cptico e do descrente, ou mais benevolentemente daqueles que vieram apenas para ver. Essa invaso gradual-mente ganhou fora. Em certos momentos ela ameaou paralisaro trabalho que estava sendo feito, parte do qual teve de ser trans-ferido para a Faculdade de Letras, no Censier, tambm ocupadapelos estudantes. Contudo, fez-se necessrio que as portas ficas-sem abertas 24 horas por dia. E essa mensagem com certeza seespalhou. Delegaes de outras universidades foram as primeirasa vir, depois as de colgios, mais tarde as de fbricas e escritrios,com o intuito de verem, questionarem, discutirem, estudarem.

    No entanto, o sinal mais revelador do novo e inebriante climaera visto nas paredes dos corredores da Sorbonne. Em torno dos

    auditrios principais h um labirinto de tais corredores: escuros,empoeirados, depressivos, e at ento despercebidos corredoresque levam de lugar nenhum a nenhum lugar. De repente estescorredores voltaram a ter vida atravs de uma chuva de brilhan-tes e sbios murais muitos dos quais de inspirao situacionista.Centenas de pessoas paravam para ler prolas como: No consu-ma Marx. Viva-o, O futuro s conter o que pusermos nelehoje, Quando perguntados, responderemos com perguntas, Pro-fessores, vocs fazem nos sentirmos velhos, No possvel in-tegrar uma sociedade em desintegrao, Devemos continuarsendo os desadaptados, Trabalhadores do mundo inteiro, divir-tam-se, Aqueles que fazem uma meia-revoluo apenas cavam

    sua prpria sepultura (Saint-Just39), Por favor, deixe o PC (Par-tido Comunista) to limpo ao sair quanto voc gostaria de encon-

    39Louis Antoine Saint-Just (1767-1794) foi um jacobino atuante e de grande influn-cia na revoluo francesa. Autor de O Esprito da Revoluo e da Constituio naFrana (So Paulo: UNESP, 1998). (N.T.)

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    trar ao entrar, As lgrimas da burguesia so o nctar dos deu-ses, Longa vida comunicao, abaixo a telecomunicao, Omasoquismo hoje se veste como reformismo, No reclamare-mos nada. No pediremos nada. Tomaremos. Ocuparemos, Anica profanao ao Tmulo do Soldado Desconhecido foi a pro-fanao que o colocou l, No, no seremos pegos pelo GrandePartido da Classe Trabalhadora. E uma grande frase, bem expos-ta: Desde 1936 eu tenho lutado por aumentos salariais. Meu pai,

    antes de mim, tambm lutou por aumentos salariais. Agora eutenho uma TV, uma geladeira, um Volkswagen. Porm, apesar detudo, minha vida continua sendo uma vida de cachorro. No dis-cuta com os patres. Elimine-os.

    Dia aps dia o ptio e os corredores permanecem abarrotados,num fluxo bidirecional para todas as partes imaginveis do enor-me prdio. Pode parecer o caos, mas o caos da colmia ou de umformigueiro. Uma nova estrutura est gradualmente sendoconstruda. Uma cantina foi transformada em um grande salo.As pessoas pagam o que podem pagar por um copo de suco delaranja, menthe, ou grenadine e por pezinhos de presunto ousalsicha. Eu averigei se os custos eram cobertos e me disseram

    que a receita e os custos estavam sendo mais ou menos iguais. Emoutra parte do prdio uma creche para crianas foi organizada,em outro lugar um posto de primeiros socorros, em outro umdormitrio. Regularmente so organizados roteiros para varredu-ras. As salas so distribudas para o Comit de Ocupao, para oComit de Imprensa, para o Comit de Propaganda, para os comi-ts de aliana estudantes/trabalhadores, para os comits que tra-tam de estudantes estrangeiros, para os comits de ao dossecundaristas, para o comit que trata da distribuio do espaofsico, e para as inmeras comisses que se encarregam de proje-tos tais como a produo de um dossi sobre as atrocidades poli-ciais, o estudo das implicaes da autonomia, do sistema de ava-

    liao etc. Qualquer um procurando com o que se ocupar podeprontamente encontrar algo para fazer.

    A composio dos comits era muito varivel. Muitas vezesmudava de um dia para o outro, na medida que os comits torna-vam-se independentes. Para aqueles que pressionavam exigindosolues instantneas para os problemas, era respondido: Pacin-

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    cia, companheiro. Nos d uma chance de construir uma alternati-va. A burguesia controlou esta universidade por quase dois scu-los. Ela no resolveu nada. Ns estamos construindo da estacazero. Precisamos de um ms ou dois...

    Defrontado com essa tremenda exploso, que no havia sidoprevista e nem era capaz de ser controlada, o Partido Comunistatentou desesperadamente salvar o que podia de sua abalada re-putao. Entre os dias 3 e 13 de maio, todas as edies de

    lHumanittraziam pargrafos atacando os estudantes ou fazen-do repugnantes insinuaes sobre eles. Agora a linha repentina-mente mudou.

    O Partido enviou dezenas de seus melhores agitadores Sorbonne para esclarecer o caso. O caso era simples. O Partidoapoiava os estudantes mesmo se houvessem alguns elemen-tos suspeitos na liderana. Ele sempre havia apoiado e sempreapoiaria.

    Cenas impressionantes se seguiram. Cada agitador stalinistafoi imediatamente cercado por um grande grupo de jovens beminformados, que denunciavam o papel contra-revolucionrio doPartido. Um mural foi elaborado pelos companheiros do Voix

    Ouvrireno qual foi colocado, dia aps dia, cada afirmao quehavia aparecido no lHumanitou em algum panfleto do Partido,atacando os estudantes. Os agitadores nem conseguiam falardireito. Eles foram massacrados (no-violentamente). A provaest l, companheiro. Os companheiros do Partido gostariam dese aproximar e ler exatamente o que o Partido disse menos deuma semana atrs? Talvez o lHumanitqueira conceder aos es-tudantes um espao para responder algumas acusaes feitas contraeles? Outros estudantes comearam a lembrar o papel do Partidodurante a guerra da Arglia, durante a greve dos mineiros de1958, durante os anos de tripartismo (1945-1947). Apesar detentarem se esquivar, os agitadores no puderam escapar dessa

    lio imediata. Era interessante notar que o Partido no pdeconfiar esta operao de salvamento aos seus membros maisjovens, estudantes. Somente os companheiros antigos poderiamse aventurar nesse ninho de cobra. Tanto assim que as pessoasiriam dizer que qualquer um na Sorbonne acima dos quarentaanos era um informante da polcia, ou um capataz stalinista.

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    Os perodos mais dramticos da ocupao foram sem dvidaas Assembles Gnrales40, ou sesses plenrias, realizadas todasas noites no maior anfiteatro. Este era o soviete, o local de origemsupremo de todas as decises, a fonte e a origem da democraciadireta. No anfiteatro cabiam 5 mil pessoas sentadas em seu enor-me semicrculo e em trs sries de galerias sobre ele. Visto quefreqentemente nem todos os assentos eram ocupados, a multi-do podia circular entre eles e ir at o palco. Uma bandeira preta

    e uma vermelha pairavam sobre uma singela mesa de madeira naqual ficava sentado quem presidia a sesso. Tendo visto reuniesde cinqenta pessoas virarem um caos, foi uma experincia sur-preendente ver uma reunio com 5 mil pessoas conseguir tratarde assuntos prticos. Os acontecimentos reais determinavam ostemas e asseguravam que a maioria das discusses tivessem osps no cho.

    Uma vez que os tpicos eram decididos, todos tinham direitode falar. A maioria das falas eram feitas do palco, mas algumaseram feitas do meio do pblico ou das galerias. O equipamento desom normalmente funcionava, mas s vezes no. Alguns orado-res prendiam imediatamente a ateno sem precisarem falar alto.

    Outros provocavam uma reao hostil por causa de sua voz estri-dente, de sua falta de sinceridade, ou de sua mais ou menos bviatentativa de manipular a Assemblia. Qualquer um que enchesselingia, ficasse falando do passado, viesse recitar uma obra, oufalasse com palavras de ordem, logo era posto para correr pelopblico, que era, politicamente, o mais sofisticado que eu j haviavisto. Todos que apresentavam idias prticas eram ouvidos aten-ciosamente. E da mesma forma aqueles que procuravam interpre-tar o movimento atravs de suas experincias pessoais, ou queprocuravam mostrar o caminho a seguir.

    maioria dos oradores foram concedidos trs minutos. Al-guns foram deixados falar durante muito mais tempo devido

    aclamao popular. A prpria multido exercia um controle tre-mendo sobre a plataforma poltica e os oradores. Uma relao demo dupla emergiu muito rapidamente. A maturidade poltica daAssemblia foi mostrada de forma ainda mais impressionante:

    40 Em francs no original. Assemblias Gerais. (N.T.)

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    ela rapidamente percebeu que vaias e aplausos durante as falasatrapalhavam o rpido andamento das decises da Assemblia.Boas falas era muito aplaudidas no final. Discursos demaggi-cos ou desnecessrios eram imediatamente postos de lado. Asconscientes minorias revolucionrias desempenharam um impor-tante papel cataltico nessas deliberaes, mas nunca procura-vam pelo menos as mais inteligentes impor suas vontades massa. Embora nos seus primeiros estgios a Assemblia tivesse

    uma boa quantidade de exibicionistas, provocadores e loucos, opreo da democracia direta no era to pesado quanto se poderiaesperar.

    Ocorreram momentos de empolgao e momentos de esvazia-mento. Na noite de 13 de maio, aps uma grande passeata pelasruas de Paris, Daniel Cohn-Bendit se defrontou com J .M. Catala,secretrio-geral da Unio dos Estudantes Comunistas, na frentedo auditrio lotado. A cena permanece gravada na minha mente.

    Explique-nos, disse Cohn-Bendit, por que o Partido Comu-nista e a CGT instruram seus militantes para que dispersassem naDenfert Rochereau?, por que os impediram que se juntassem ans no debate no Champs de Mars?

    muito simples, disse Catala desdenhosamente. O que ha-via sido acordado entre a CGT, a CFDT, a UNEF e as outras insti-tuies que organizavam a manifestao estipulava que a disper-so seria feita em determinado lugar. O Comit Organizador nohavia sancionado nenhuma atividade posterior...

    Uma resposta reveladora, replicou Cohn-Bendit. As orga-nizaes no tinham previsto que seramos 1 milho nas ruas.Mas a vida maior que as organizaes. Com 1 milho de pessoasquase tudo possvel. Voc diz que o Comit no havia sanciona-do nada a mais. No dia da Revoluo, companheiro, voc semdvida nos dir para no nos misturarmos a ela j que ela no foisancionada pelo comit organizador apropriado...

    Esta rplica trouxe a casa abaixo. Os nicos que no se levan-taram para ovacionar foram as poucas dezenas de stalinistas, etambm, de forma reveladora, aqueles trotskistas que tacitamenteaceitavam as concepes stalinistas e cuja nica querela com oPartido Comunista vem do fato de terem sido excludos da orga-nizao.

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    41 Prdio onde se instalava o Comit Central do partido bolchevique em 1917. (N.T.)

    Naquela mesma noite a Assemblia tomou trs importantesdecises. De agora em diante, a Sorbonne se constituir numaespcie de quartel-general revolucionrio (Smolny41, algum gri-tou). Aqueles que participaram na Sorbonne no devotaram seusesforos para uma mera reorganizao do sistema educacional,mas a uma total subverso da sociedade burguesa. De agora emdiante, a universidade estaria aberta a todos aqueles que concor-davam com esses objetivos. Quando essas propostas foram acei-

    tas, o pblico se ps de p e cantou a mais alta e apaixonadaInternationaleque eu ouvi at hoje. Ela deve ter sido ouvida at olyse Palace, no outro lado do rio Sena...

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    AO MESMO TEMPO QUE OS ESTUDANTES ocupavam a Sorbonne,eles tambm tomavam o Centre Censier (a nova Faculdade deLetras da Universidade de Paris).

    Censier uma construo enorme e ultramoderna feita deao, concreto e vidro, situada na regio sudeste do Quartier Latin.A ocupao do Censier atraiu menos ateno do que a da Sorbonne.Entretanto, ela provou ter sido to significativa quanto aquela.Enquanto a Sorbonne era a vitrine da Paris revolucionria comtudo que isso implica em termos de glamour Censier era seudnamo, o lugar onde as coisas eram realmente feitas.

    Para muitos, os dias de maio de Paris devem ter sido um acon-tecimento essencialmente noturno: batalhas noturnas com a CRS,barricadas noturnas, debates noturnos nos grandes anfiteatros.Mas este era apenas um lado da moeda. Enquanto alguns discu-tiam at tarde da noite na Sorbonne, outros iam cedo pra cama,para poderem distribuir panfletos pela manh nos portes de f-brica e na periferia. Panfletos esses que tinham que ser planeja-dos, datilografados, reproduzidos, e cuja distribuio tinha queser cuidadosamente organizada. Esse trabalho paciente e metdi-co era feito no Censier, e no foi pequena a sua contribuio paradar uma forma articulada nova conscincia revolucionria.

    OS REVOLUCIONRIOS DO CENSIEROS REVOLUCIONRIOS DO CENSIEROS REVOLUCIONRIOS DO CENSIEROS REVOLUCIONRIOS DO CENSIEROS REVOLUCIONRIOS DO CENSIER

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    Logo aps o Censier ser ocupado, um grupo de ativistas con-trolou uma grande parte do terceiro piso. Esse espao seria asede dos ento propostos comits de ao trabalhador-estu-dante. A idia geral era estabelecer laos com grupos de traba-lhadores, por menores que fossem, que compartilhassem a visorevolucionria-libertria desse grupo de estudantes. Aps esta-belecido contato, trabalhadores e estudantes cooperaram na for-mulao conjunta dos panfletos. Os panfletos discutiam os pro-

    blemas imediatos de grupos especficos de trabalhadores luzdo que os estudantes mostraram ser possvel. Produzido um pan-fleto, ele seria ento distribudo conjuntamente pelos trabalha-dores e estudantes do lado de fora da fbrica ou do escritrioaos quais ele se referia. Em algumas ocasies os estudantes tive-ram que fazer a distribuio sozinhos, em outras no foi precisosequer um nico estudante.

    O que uniu os companheiros do Censier foi a ntida percepodas potencialidades revolucionrias da situao e o entendimen-to de que no tinham tempo a perder. Todos sentiram a necessi-dade imperiosa de que fosse feita propaganda da ao direta, eque a urgncia da situao exigia que eles transcendessem as

    diferenas de doutrina que pudessem existir entre eles. Eles eramtodos pessoas intensamente engajadas politicamente. Na maiorparte, suas idias polticas eram as mesmas que caracterizavam onovo agente poltico que tem crescido em importncia histrica:os ex-membros de organizaes revolucionrias.

    Quais eram suas idias? Basicamente, elas se concentraramem algumas poucas proposies. O que era preciso, nesse exatomomento, era um rpido e autnomo desenvolvimento da luta daclasse trabalhadora, a organizao de comits de greve eleitosque fizessem a ligao entre os sindicalizados e no-sindicaliza-dos em todas as empresas e indstrias em greve, reunies regula-res dos grevistas de modo que as decises fundamentais perma-

    necessem nas mos do trabalhador comum, comits de defesa dostrabalhadores para defender os piquetes das intimidaes da pol-cia, um dilogo constante com os estudantes revolucionrios como objetivo de restituir classe trabalhadora sua prpria tradiode democracia direta e sua prpria aspirao autogesto, quefoi usurpada pelos burocratas dos sindicatos e partidos polticos.

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    Durante uma semana inteira, vrias faces trotskistas emaostas nem sequer perceberam o que ocorria no Censier. Elespassavam o tempo todo em debates pblicos na Sorbonne, muitasvezes cidos, sobre quem deles seria uma melhor liderana. En-quanto isso, os companheiros no Censier estavam levando firme-mente o trabalho adiante. A maioria deles havia sado de organi-zaes stalinistas ou trotskistas aps terem rompido com asmesmas. Eles haviam se livrado da concepo que via no recruta-

    mento de membros para o prprio grupo a coisa mais importanteem uma interveno. Todos reconheciam a necessidade de ummovimento revolucionrio de ampla base e razoavelmenteestruturado, mas nenhum deles via a construo de tal movimen-to como a tarefa mais importante e imediata, na qual a propagan-da deveria se concentrar imediatamente.

    Fotocopiadores que faziam parte dos elementos subversivosforam trazidos. E fotocopiadores da universidade ficaram sob ocomando dos estudantes. Estoques de papel e tinta foram obtidosde vrias fontes e por vrios meios. Os panfletos comearam asair, primeiramente s centenas, depois aos milhares, depois sdezenas de milhares, na medida que os laos foram sendo estabe-

    lecidos com os grupos de trabalhadores de base. Somente no pri-meiro dia foram feitos contatos na Renault, na Citron, na AirFrance, na Boussac, na Nouvelles Messageries de Presse, na Rhone-Poulenc e na RATP (metr). A partir da o movimento se tornouuma bola de neve.

    Toda noite no Censier os comits de ao davam os informes auma Assemble Gnrale, criada exclusivamente para esta tarefa.As reaes s distribuies eram avaliadas, e os contedos dos pr-ximos panfletos, discutidos. Essas discusses normalmente se ini-ciavam com uma descrio, feita por um trabalhador do qual seestava em contato, sobre o impacto dos panfletos em seus colegasde trabalho. A discusso mais acalorada foi sobre se deveriam fazer

    ataques diretos aos lderes da CGT, ou se simples insinuaes sobreo que era preciso para se ganhar seria o suficiente para expor tudoo que os lderes sindicais haviam (ou no haviam) feito, e tudo oque eles representavam. O segundo ponto de vista prevaleceu.

    Os panfletos eram normalmente bem curtos, nunca com maisde duzentas ou trezentas palavras. Quase todos comeavam

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    listando as reivindicaes dos trabalhadores ou apenas descre-vendo as condies de trabalho. Eles terminavam com um convi-te aos trabalhadores para que viessem ao Censier ou Sorbonne.Esses espaos agora so seus. V at l para discutir com osoutros os seus problemas. Se dem as mos e contem seus proble-mas queles a sua volta. Entre a introduo e o convite, a maio-ria dos panfletos explicavam uma ou duas idias polticas chave.

    A resposta era instantnea. Cada vez mais trabalhadores se

    juntavam aos estudantes para formularem os panfletos. Em pou-co tempo no havia mais auditrio grande o suficiente para adiriaAssemble Gnrale. Os estudantes aprenderam muito coma autodisciplina dos trabalhadores e com o modo ordenado queeles apresentavam seus informes. Eram muito diferentes das bri-gas que se davam entre as faces polticas estudantis. Havia umconsenso de que estas foram as melhores palestras feitas no Censier!

    Entre os trechos mais significativos desses panfletos, eu anotei:

    Panfleto da Air FranceRecusamos aceitar uma modernizao degradante que significa

    sermos constantemente vigiados e sermos submetidos a condies queso nocivas nossa sade, ao nosso sistema nervoso, e que so uminsulto nossa condio de seres humanos... Recusamos a continuarconfiando nossas reivindicaes a dirigentes sindicais profissionais. Comoos estudantes, devemos tomar em nossas mos o controle de nossasatividades.

    Panfleto da RenaultSe quisermos nosso aumento salarial e condies de trabalho se-

    guras, se no quisermos que elas sejam constantemente ameaadas, de-vemos lutar agora por uma mudana fundamental na sociedade... Sen-do trabalhadores, deveramos procurar controlar o funcionamento denossa empresa. Nossos objetivos so similares aos dos estudantes. Agesto da indstria e a gesto da universidade deveria ser realizadademocraticamente por aqueles que l trabalham...

    Panfleto da Rhone-PoulencAt agora tentamos resolver nossos problemas atravs de peties,

    de lutas parciais e da eleio de melhores lderes. Isso no nos levou alugar algum. A ao dos estudantes nos mostrou que somente a aodos que esto subordinados pode fazer as autoridades recuarem... osestudantes esto se opondo totalmente s finalidades da educao bur-guesa. Eles querem que eles mesmos tomem as principais decises. Ns

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    tambm deveramos. Deveramos decidir a finalidade da produo, esobre quem recairiam os custos da produo.

    Panfleto do Distrito (distribudo nas ruas de Boulogne Billancourt)O governo teme a ampliao do movimento. Ele teme a unidade

    que se desenvolve entre estudantes e trabalhadores. Pompidou anun-ciou que o governo defender a Repblica. O exrcito e a polcia estosendo preparados. De Gaulle falar no dia 24. Ser que ele enviar aCRS para retirar os piquetes das empresas em greve? Esteja preparado.Em oficinas e faculdades, pense sobre a autodefesa...

    A cada dia, dezenas desses panfletos eram discutidos, datilo-grafados, copiados, distribudos. Todas as noites ouvamos coisasdo tipo como seguem, sobre a repercusso dos panfletos: Eles oacharam extraordinrio. exatamente o que eles pensam. O pes-soal dos sindicatos nunca disse algo do gnero como est escritonos panfletos. Eles gostaram do panfleto. Eles esto cpticosquanto aos 12%. Dizem que os preos subiro e que perderemostudo em alguns meses. Alguns dizem que devemos todos pressio-nar agora e ver no que d. O panfleto certamente os fizeramfalar. Eles nunca tiveram tanto a dizer. Os funcionrios tinham

    at que esperar sua vez de falar...Eu lembro nitidamente de um jovem trabalhador grfico quedisse uma noite que esses encontros eram o acontecimento maisexcitante ocorrido na vida dele. Durante toda a sua vida ele haviasonhado em encontrar pessoas que tivessem e expressassem essasidias. Mas todas as vezes que encontrava algum assim, ele per-cebia que essa pessoa s estava interessada no que poderia conse-guir dele. Esta era a primeira vez que haviam oferecido a ele umaajuda desinteressada.

    Eu no sei o que aconteceu no Censier desde o final de maio.Quando eu sa de l, vrios trotskistas estavam comeando a en-trar, para politizar os panfletos (eu presumo que eles queriam

    dizer que os panfletos deveriam falar agora sobre a necessidadede se construir um Partido revolucionrio). Se eles tiverem su-cesso o que eu duvido, conhecendo a capacidade dos compa-nheiros do Censier ser uma tragdia.

    De fato, os panfletos eram polticos. Durante todo o tempo daminha curta passagem pela Frana eu no vi nada mais profundae relevantemente poltico (no melhor sentido do termo) do que a

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    campanha levada adiante a partir do Censier, uma campanha peloconstante controle da luta de baixo para cima, pela autodefesa,pela gesto operria da produo, pela popularizao da concep-o de conselhos operrios, e que explicava a todos a enormeimportncia, em uma situao revolucionria, das exigncias re-volucionrias, da atividade auto-organizada, da autoconfianacoletiva.

    Quando sa do Censier eu no pude deixar de pensar no modo

    como aquele lugar representava perfeitamente a crise do capita-lismo burocrtico moderno. O Censier no um cortio educa-cional. uma construo ultramoderna, uma das obras exempla-res do grandeur42gaullista. Ele possui circuito fechado de TV nosauditrios, modernas redes de encanamentos, e mquinas auto-mticas que vendem 24 tipos diferentes de comidas em recipi-entes esterelizados e 10 tipos diferentes de bebidas. Mais de90% dos estudantes do Censier vm de famlias pequeno-burgue-sas ou burguesas. No entanto, a rejeio deles pela sociedade queos criou to grande que eles chegam a pr 24 horas por dia asfotocopiadoras em funcionamento, produzindo um fluxo de lite-ratura revolucionria de uma forma que nenhuma cidade moder-

    na tinha sido acometida anteriormente. Esse tipo de atividadetransformou esses estudantes e contribuiu para transformar oambiente em volta deles. Eles estavam simultaneamente abalan-do a estrutura social e tendo o grande momento das suas vidas.Nas palavras do slogan rabiscado no muro: On nest pas la poursemmerder43.

    42 Em francs no original. Grandeza, autoridade, poder. (N.T.)43 No se est l para cagar. (N.T.)

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