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Pé, tornozelo e joelho 2014

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CAPÍTULO 1PÉ PLANO VALGO NA CRIANÇA

Roberto ZambelliRodrigo Simões Castilho

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CAPÍTULO 1 - PÉ PLANO VALGO NA CRIANÇA

Introdução O pé plano se caracteriza pela diminuição ou perda do arco longitudinal medial do pé durante o apoio por uma série de alterações ósseas, ligamentares e tendinosas estáticas e/ou dinâmicas. Podem ser flexíveis ou rígidos, assintomáticos ou dolorosos, associados ou não a outras condições clínicas. Podem ser divididos em rígidos ou flexíveis, sendo que os rígidos podem ser congênitos, como coalizão tarsal e o tálus vertica-lis, ou adquiridos, como artrite reumatoide e/ou lesões traumáticas. Os pés planos flexíveis podem ser fisiológicos; decorrentes da hiper-frouxidão ligamentar, que pode ser familiar, Marfan, Ehlers Danlos ou síndrome de Down; ao desequilíbrio muscular, presente na paralisia cerebral, lesão de nervos periféricos, afecções da medula e poliomie-lite; podem ter origem muscular, como na contratura dos fibulares ou do tríceps sural; e nas anomalias ósseas, como na hipoplasia do tálus ou do sustentáculo do tálus.

Epidemiologia

O pé plano valgo flexível ocorre em todos os recém-nasci-dos, no início da marcha, o que pode causar grande preocupação nos pais. Durante o desenvolvimento, aproximadamente 20% dos pés per-manecem planos, e desses, cerca de 2/3 permanecem assintomáticos ou oligossintomáticos por toda a vida. É mais comum em negros, po-rém sem uma porcentagem definida.

Etiologia

Além da diminuição do arco longitudinal, ocorre o valgismo do retropé, a abdução do mediopé e a pronação do antepé, mas que pode estar supinado em relação ao retropé nos casos mais graves. Po-rém essas deformidades não são rígidas, ou seja, podem ser revertidas com manobras ou testes. De etiologia desconhecida e multifatorial, pode estar asso-ciada a caráter familiar. É considerada uma variação anatômica, e o arco plantar geralmente aparece quando não há carga. Na maioria dos casos o arco longitudinal se desenvolve na primeira década de vida. Na infância, o pé plano ocorre pelo excesso de gordura sub-cutânea no arco longitudinal, pela frouxidão ligamentar característica da idade e quando a criança começa a andar os ligamentos alongam-se e o arco achata-se pelo peso corporal. À medida que a criança se desenvolve, os ligamentos tornam-se tensos e a gordura diminui, for-mando o arco longitudinal até por volta dos seis anos.

Biomecânica

A deformidade básica é a depressão do arco medial e a cabe-ça do tálus “mergulhada” medialmente (Figura 1). O calcâneo prona abaixo do tálus, sua porção anterior desloca-se lateral e dorsalmente, com afrouxamento do ligamento interósseo talocalcâneo e alonga-mento do ligamento mola, e o navicular abduz em relação à cabeça do tálus, acompanhando o antepé. Há uma rotação interna compensa-tória da tíbia, e a coluna medial do pé se torna alongada em relação à coluna lateral. A articulação cuneiforme-metatarsal não é acometida, pois é estável e possui pouca mobilidade.

Figura 1 - Radiografia em perfil demonstrando a cabeça do tálus “mergulhada”.

Diagnóstico

Quadro clínico

Em crianças o pé plano flexível é assintomático. No adoles-cente, principalmente o obeso ou aqueles muito ativos fisicamente, pode haver dor no arco medial devido à sobrecarga. Quando há con-tratura do tríceps sural pode haver dor na panturrilha. Em caso de dor ou rigidez, deve-se procurar outras causas para o pé plano, como a coalizão tarsal, artrite reumatoide, osteoma osteoide, entre outras. Na avaliação clínica, deve-se observar a mobilidade e flexi-bilidade do pé e a formação do arco plantar sem o apoio, o valgismo do calcâneo e a abdução do mediopé, identificar a presença de hiper-frouxidão ligamentar, avaliar a força muscular. Os testes clínicos são o “teste das pontas dos pés” (Figura 2), no qual pede-se ao paciente para ficar nas pontas dos pés, observando-se a varização do retropé, ou seja, se o pé plano for rígido, não haverá inversão do retropé.

Figura 2 - Teste da ponta dos pés.

O “Jack Test” (Figura 3) é realizado com o paciente de pé, fazendo-se a extensão passiva do hálux e observando-se a formação do arco plantar através da inversão da subtalar provocada pela tração exercida pela fáscia plantar, mecanismo esse conhecido como “win-dlass” ou guindaste. Esse teste é ineficaz em caso de contratura do tríceps sural, pois torna o FLH ineficiente. Nesta etapa, deve-se ainda realizar o teste de Gowers se houver suspeita de distrofia muscular.

Figura 3 - Jack Test.

Classificação

O pé plano flexível pode ser dividido em leve, quando em ortostatismo o arco é diminuído, mas ainda visível; moderado, quando o arco não é visível em ortostatismo; e grave, quando o arco é ausente e a borda medial do pé é convexa pela protusão da cabeça do tálus plantarmente em ortostatismo.

Propedêutica

A avaliação radiográfica deve ser feita sempre em AP e perfil com apoio. Em AP, o ângulo talo-calcâneo (ângulo de Kite), está au-mentado, sendo o valor normal de 20 a 35º, (Figura 4A); há uma sublu-xação lateral do navicular, medida pelo aumento do ângulo talonavi-cular de Giannestras (Figura 4B), medido através de uma linha paralela

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a articulação talonavicular proximal e outra através do eixo do tálus, em que o valor normal vai de 60 a 80º. Se o ângulo for menor que 60º há desvio lateral do navicular em relação ao tálus.

Figura 4 - Avaliação radiográfica em antero-posterior do pé plano. Em A obser-va-se o ângulo de Kite; em B o ângulo de Giannestras.

Em perfil, deve-se medir o ângulo de inclinação do calcâneo, ou pitch calcâneano, que é formado por uma linha ao longo da borda plantar do calcâneo e outra paralela ao solo. Se este ângulo for menor que 15º, indica um pé plano (valor normal: 15 – 30º) (Figura 5A). O ângulo de flexão plantar do tálus, também observado no perfil, é formado por uma linha paralela ao solo e outra pelo centro do eixo longitudinal do tálus, com valor normal de 26º; se aumentado indica flexão plantar do tálus (Figura 5B). Outro ângulo importante no perfil é o talocalcâneo, que deve ser medido pelas linhas que passam pelos centros dos eixos lon-gitudinais do tálus e do calcâneo, com valor normal de 35 a 50º (Figura 5C).

Figura 5 - Avaliação angular do pé plano em perfil. Em A o pitch calcaneano, em B o ângul ode flexão plantar do tálus e em C, o ângulo talo-calcaneano.

E finalmente o ângulo de Meary, onde, no pé normal, forma-se uma linha reta entre o eixo longitudinal tálus – navicular – cunei-forme medial – 1º metatarso, mas ela pode variar de -10º a + 10º. No pé plano esta linha varia de acordo com a articulação acometida, pois pode desviar na talonavicular, na naviculocuneiforme, ou em ambas. Em pés rígidos ou dolorosos, deve-se pedir a radiografia obli-qua do pé e axial de calcâneo, para ajudar a identificar uma possível coalizão tarsal.

Tratamento

Pé plano flexível assintomático

É a grande maioria dos casos e a conduta é expectante. São pés indolores e perfeitamente funcionais e tendem a involuir com o crescimento. Deve-se afastar a possibilidade de anteversão femoral e torção interna da tíbia. Geralmente os casos leves e moderados se en-quadram neste padrão. A observação da evolução e principalmente a orientação aos pais deve ser sempre reforçada, pois um exame radiográfico de uma criança com pé plano aos 4 anos pode corrigir posteriormente aos 14 anos (Figura 6). A ortetização não muda a história natural, e não deve ser indicada.

Figura 6 - Radiografias de um mesmo paciente com 4 e 14 anos de idade, mos-trando a correção de um pé plano flexível.

Pé plano flexível sintomático

São pouco frequentes na infância, mas podem provocar calosidades plantares, problemas com calçados e pode haver encur-tamento do tendão calcâneo. Na adolescência, deve-se pesquisar co-alizão tarsal ou navicular acessório, que serão abordados em outro tópico nesta mesma aula. Nesses casos, pode-se lançar mão do tratamento sintomáti-co com órteses de suporte do arco medial ou órteses para retropé (Fi-gura 7). Pode-se ainda utilizar bota gessada por 4 semanas com apoio, e se necessário repetir o procedimento.

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Figura 7 - Órtese com suporte de arco medial.

Se não houver melhora com o tratamento conservador, o tratamento cirúrgico deve ser indicado, preferencialmente em crian-ças maiores de 10 anos de idade, sendo as principais modalidades de tratamento cirúrgico o alongamento do tendão calcâneo, a osteo-tomia de varização do calcâneo, conhecida como Koutsougiannis, o alongamento da coluna lateral no calcâneo, conhecida como técnica de Mosca, a artrorrise subtalar de Villadot e a artrodese tríplice.

QUESTÕES EXEMPLO

1. TARO - 2002- A “quebra” do arco longitudinal nos pés planos fle-xíveis localiza-se na articulação cuneiforme-metatarsal.

( ) Certo ( ) Errado ( ) Não sei

2. TARO - 2003 - Em crianças entre os 2 e 6 anos de idade com pé plano valgo, o uso de palmilhas ortopédicas para elevar o arco longitudinal medial e varizar o calcâneo é efetivo para correção.

( ) Certo ( ) Errado ( ) Não sei

1. NAVICULAR ACESSÓRIO

Introdução O navicular acessório é o termo aplicado ao crescimento plantar e medial do osso navicular do tarso. Pode se tratar de um ossí-culo separado, unido ao corpo do navicular por tecido fibroso ou car-tilagem, ou pode ser uma hipertrofia óssea sólida da borda medial do navicular, e pode ser causa de pé plano secundário na criança. Outros epônimos são: os tibiale externum, navicular secun-dum e pré-hálux.

Epidemiologia

É o osso acessório mais comum do pé, ocorrendo em cerca de 4% a 14% da população, mais comum em mulheres, frequentemente bilateral.

Patogênese

Apesar de estar associado ao pé plano valgo, não há evidên-cia conclusiva de uma relação de causa e efeito entre as duas condi-ções.

Diagnóstico

Quadro clínico

Encontra-se uma proeminência firme no aspecto plantar me-dial do mediopé e pode coexistir o pé plano valgo flexível. A proemi-nência situa-se bem próxima à cabeça do tálus, que pode ser saliente. O paciente pode procurar atendimento pela presença da própria proeminência, mas é mais comum a queixa de dor local. O paciente típico é uma menina de entre 13 e 15 anos, ativa, com história de trauma leve local, com dor, formação de calo, rubor, sensibilidade e ocasionalmente edema locais. A dor em geral é causa-

da por inflamação na pele, tendão ou na cartilagem da sincondrose. Apesar da frequência dessa variação anatômica, devem ser considerados os diagnósticos diferenciais, como fratura do navicular, lesão do tendão tibial posterior, entre outras.

Propedêutica e Classificação

As radiografias em ânteroposterior e perfil com apoio, além da oblíqua do pé (Figura 8), devem ser sempre realizadas e é com base nessas radiografias que o navicular acessório pode ser classifi-cado como do Tipo I, onde o osso sesamoide é pequeno, raramente sintomático e localizado no centro da parte mais distal do tendão tibial posterior; do Tipo II, que é o tipo mais frequentemente sintomático, com um ossículo em forma de bala, unido à tuberosidade do navicular por uma sindesmose ou sincondrose; e o Tipo III, que é um navicular grande, chamado “cornudo”, que provavelmente resulta da fusão de um navicular do tipo II com o corpo do navicular.

Figura 8 - Classificação do navicular acessório.

Tratamento

A maioria dos naviculares acessórios é assintomática. Quan-do há sintomas, normalmente o tratamento conservador é efetivo. As medidas de alívio podem ser a restrição de atividades físicas vigorosas, aliviar áreas de contato do calçado com a proeminência, o uso de pal-milhas de suporte de arco longitudinal, pois podem reduzir o estresse sobre o tibial posterior e reduzir a tendinite e dor aguda e persistente. Nos casos mais refratários, o uso de bota gessada por 4 a 6 semanas pode ser eficaz. Em caso de falha na tentativa prolongada de tratamento conservador, o tratamento cirúrgico deve ser realizado. O procedimento de Kidner consiste na remoção do ossículo e restabelecimento da sustentação do arco pelo avanço distal e plan-tar do tibial posterior. Atualmente, a teoria de que a altura do arco longitudinal está relacionada a seu apoio muscular foi refutada, não se acreditando que o avanço tendíneo seja necessário. A simples excisão do ossículo e raspagem do crescimento medial do corpo do navicular via transten-dinosa apresentam resultados bons e excelentes em mais de 90% dos casos.

QUESTÕES EXEMPLO3. TARO - 2005 - No pé plano com a presença de navicular acessório,

o sintoma mais comum é a dor plantar ocasionada pela obliquida-de acentuada do tálus.

( ) Certo ( ) Errado ( ) Não sei

4. TARO - 2004 - O tratamento cirúrgico do navicular acessório con-siste em sua retirada e na reconstrução do arco longitudinal me-dial do pé.

( ) Certo ( ) Errado ( ) Não sei

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2. COALIZÃO TARSAL

Introdução

A coalizão tarsal (ou barra óssea) consiste em uma conexão fibrosa, cartilaginosa ou óssea entre dois ou mais ossos do tarso, re-sultante de um defeito congênito de diferenciação e segmentação do mesênquima primitivo (Figura 9). Assim, produz um pé plano valgo rígido e é a causa mais comum de dor no pé plano da criança. Apresen-ta como sinônimos o pé plano peroneiro espástico, o pé plano valgo fibular e o pé espástico rígido. A fusão pode ser fibrosa (sindesmose), cartilaginosa (sincon-drose) ou óssea (sinostose). Podem ser completas ou incompletas, sendo estas últimas mais sintomáticas.

Figura 9 - Imagem histológica de uma coalizão tarsal.

Etiologia e epidemiologia

Ocorre por falha de clivagem do mesênquima quando o feto se encontra entre 27 e 72 mm, com herança autossômica dominante de penetrância quase completa. É bilateral em até 60% dos casos e ocorre em pouco menos de 1% da população. As localizações mais co-muns são a faceta média da articulação talocalcânea e na porção cal-câneonavicular, que compreendem mais de 90% das coalizões. Entre as duas não há prevalência. Tem origem como uma sindesmose que não se une em 99% dos casos. Pode evoluir para sincondrose e poste-riormente sinostose.

Diagnóstico

Inicialmente, a fusão é cartilaginosa até a infância, ou seja, existe movimento entre as articulações. À medida que a ossificação vai ocorrendo, ocorre o achatamento progressivo do arco longitudi-nal, acompanhado de valgo fixo do retropé (Figura 10), com diminui-ção da mobilidade da subtalar, o que geralmente precede os sintomas. A tríade DOR + DEFORMIDADE + RIGIDEZ é característica dessa pato-logia e se iniciam no período de ossificação da coalizão.

Figura 10 - Quadro clínico de coalizão tarsal.

A dor é insidiosa, progressiva, referida no seio do tarso, no trajeto dos fibulares, na borda medial do mediopé e/ou no retropé, principalmente ao nível do sustentáculo do tálus e piora com atividade física e alivia com repouso. Podem ocorrer entorses recorrentes e dor na região dorsal da articulação talonavicular, por sobrecarga. O grau de perda de movimento do retropé depende da localização da barra óssea, por exemplo, as calcâneo-cuboides tem uma menor limitação do que as talocalcâneanas. As deformidades encontradas no exame clínico são a retifi-cação do arco longitudinal do pé, que também precede os sintomas, mas não gera queixas do paciente, valgismo do retropé e espasmo dos fibulares. A rigidez é identificada pela falta de varismo do retropé quando nas pontas dos pés. A época de início da dor geralmente indica o tipo de coalizão, ou seja, até os 7 anos as coalizões são geralmente assintomáticas; dos 8 aos 12 anos, a principal causa de dor é a coalizão calcâneo-navicular; já dos 12 aos 16 anos, a principal causa de dor é a barra talocalcâneana. Devemos considerar os seguintes diagnósticos diferenciais quando falamos de coalizão tarsal: trauma, artrose, infecção e tumor.

Classificação

As coalizões podem ser divididas em 2 grande grupos: as iso-ladas e as associadas. As isoladas são aquelas onde não se encontra outra malformação associada e estas podem ser separadas em fusões simples, múltiplas e maciças. As fusões simples podem ser completas, incompletas ou rudimentares (Figura 11). São exemplos de fusões sim-ples as calcâneonavicular e talocalcânea, que são as mais comuns; a talonavicular que é muito rara; a calcâneo-cuboide, que normalmente é assintomática; e a naviculo-cuneiforme.

Figura 11 - Classificação das fusões simples.

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As principais malformações congênitas associadas às coali-zões tarsais são as coalizões cárpicas, o sinfalangismo, a hemimelia fibular, a focomelia, a ausência de artelhos, a síndrome de Apert e a síndrome de Nilvergelt-Pearlman.

Coalizão Calcâneo-Navicular

A coalizão calcâneonavicular é aquela que ocorre entre o processo anterior do calcâneo e a borda dorsolateral do navicular. Ela ossifica-se entre 8 e 12 anos, época essa em que coincide com o início dos sintomas. Normalmente causa pouca deformidade e, quando cau-sa, são mais leves, além de menos rígidas, pois não cruzam uma arti-culação verdadeira entre dois ossos do tarso e por isso são menos sin-tomáticas. As fusões incompletas são as mais sintomáticas. A retração dos fibulares ocorre como resultado de uma tentativa de mobilizar a subtalar e não como causa da deformidade. A avaliação radiográfica em anteroposterior, perfil e oblíqua mostram, principalmente na incidência oblíqua, a fusão ou indícios da coalizão, suspeitados pela proximidade da extremidade ânteromedial do calcâneo com o navicular, associada ao achatamento das superfí-cies corticais contíguas (Figura 12A). Em perfil devemos observar os sinais de Cowell que são o focinho do tamanduá, o bico do tálus e a inclinação da subtalar (Figura 12B). Em caso de dúvidas, pode-se utilizar a tomografia computadori-zada, ressonância magnética ou cintilografia para se confirmar o diag-nóstico.

Figura 12 - Avaliação radiográfica da barra calcaneonavicular. Em A uma inci-dência oblíqua demonstrando uma sincondrose; em B uma imagem em perfil revelando o focinho do tamanduá.

Tratamento

O tratamento das coalizões em geral varia de acordo com a idade, o tipo de coalizão, grau de deformidade e incapacidade gerada pela dor. Os pacientes assintomáticos devem ser apenas acompanha-dos. As coalizões calcâneonaviculares não respondem bem ao tratamento conservador, mas pode-se utilizar imobilização com bota gessada por 4 semanas, modificação de atividade e palmilhas ou órte-ses de suporte do arco medial. Na falha do tratamento conservador, indica-se a ressecção cirúrgica com interposição de gordura ou músculo, habitualmente o músculo extensor curto dos dedos, pois alguns autores afirmam que há aumento da recidiva quando esta transposição não é realizada (Fi-gura 13).

Figura 13 - Ressecção da barra calcaneonavicular.

Em caso de artrose, as artrodeses devem ser indicadas e de-pendem de quais articulações estão acometidas. Se houver compro-metimento da articulação talonavicular, está indicada a tríplice artro-dese.

Coalizão Talocalcâneana

A coalizão talocalcâneana é a coalizão entre o sustentáculo do tálus e a borda medial do tálus, sendo a faceta subtalar média a mais comumente acometida. Ossifica-se mais tardiamente, entre 12 e 16 anos, e culmina com a perda de mobilidade da subtalar, sendo a mais sintomática. Os achados radiográficos são mais sutis. Em perfil (Figura 14), pode ser visto o esporão dorsal do tálus, um alargamento do pro-cesso lateral do tálus, estreitamento do espaço subtalar posterior e a perda da articulação subtalar média, que é o sinal do “C” de Lefleur, que é observado na incidência em perfil ou lateral.

Figura 14 - Radiografia em perfil do tornozelo, demonstrando com a seta preta o esporão dorsal do tálus, com a ponta de seta vazada o alargamento do pro-cesso lateral do tálus e com as setas curvas o C de Lefleur.

Nos casos de suspeita ou confirmação de coalizão talocal-cânea, a TC deve ser realizada com o objetivo de se definir melhor a localização e de se avaliar o restante da subtalar (Figura 15).

Figura 15 - Avaliação tomográfica da barra subtalar.

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Tratamento

O tratamento conservador desse tipo de coalizão pode ser realizado através de órteses, palmilhas ou ainda com imobilização com bota gessada por 4 a 6 semanas. Na falha deste, o tratamento cirúrgico se impõe. A barra talocalcâneana da faceta medial é a que apresenta melhor prognóstico após a sua ressecção. A ressecção da barra está indicada em indivíduos esqueleti-camente imaturos, não obesos, que não apresentam alterações dege-nerativas articulares e quando a barra acometer menos de 50% da su-perfície subtalar. Pode ser realizada a artrorrise concomitantemente. Artrose degenerativa é uma contraindicação à ressecção da barra. O esporão dorsal do tálus não é contraindicação à ressecção de barras, pois é causado por tração e desaparece após a ressecção. A artrodese subtalar isolada é indicada se houver união com-pleta do talonavicular medial com valgo do retropé menor que 15º, em indivíduos esqueleticamente maduros com boa mobilidade na articu-lação de Chopart. Se a união for incompleta com valgo maior que 15º (pé plano grave), ou se houver artrose talonavicular ou calcâneo-cuboide, a ar-trodese tríplice deve ser indicada.

QUESTÕES EXEMPLO

5. 2003 - As coalizões tarsais se tornam assintomáticas com a ossifi-cação da barra e consequente rigidez do pé.

( ) Certo ( ) Errado ( ) Não sei

6. TARO -2002 - Nas coalizões tarsais o grau de perda de movimento da articulação subtalar depende da localização da barra óssea.

( ) Certo ( ) Errado ( ) Não sei

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RESPOSTAS QUESTÕES EXEMPLO

RESPOSTA 1: ErradoCOMENTÁRIO: A articulação cuneiforme-metatarsal não é acometida, pois é estável e possui pouca mobilidade.

RESPOSTA 2: ErradoCOMENTÁRIO: Em crianças entre os 2 e 6 anos de idade com pé plano valgo, o uso de palmilhas ortopédicas para elevar o arco longitudinal medial e varizar o calcâneo é efetivo para alívio dos sintomas, mas não auxilia na correção da deformidade.

RESPOSTA 3: Errado COMENTÁRIO: A dor é provocada pela inflamação da pele, tendão ou cartilagem da sincondrose e não pela obliquidade acentuada do tálus.

RESPOSTA 4: ErradoCOMENTÁRIO: No tratamento cirúrgico, o arco longitudinal não é re-construído cirurgicamente com nenhum procedimento ósseo, é rea-lizada apenas a ressecção do ossículo e raspagem do leito. O avanço preconizado por Kidner parece não ser necessário para alívio dos sin-tomas.

RESPOSTA 5: ErradoCOMENTÁRIO: As coalizões tarsais podem ser sintomáticas no perío-do não ossificado, mas se tornam sintomáticas com a ossificação da barra e consequente rigidez do pé.

RESPOSTA 6: CertoCOMENTÁRIO: Realmente, nas coalizões tarsais o grau de perda de movimento da articulação subtalar depende da localização da barra óssea, e dependendo da sua localização, como por exemplo, as talo-naviculares ou calcâneo-cuboides, a limitação é pequena.

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BIBLIOGRAFIA

1. Vincent S. Mosca. Deformidades e Malformações Congênitas. Orto-pedia Pediátrica de Lovell e Winter – Vol. 2; 5ª Ed. Cap 29:1255.

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Ortopédica de Campbell – Vol 4; 10ª Ed. Cap 83:4140.