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Redes e Comunidades

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Ensino Aprendizagem pela Internet

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    acervo.paulofreire.org

  • Redes e Comunidades

    Ensino-aprendizagem pela Internet

    Jaciara de S Carvalho

  • A srie Cidadania Planetria faz refern-cia ao sonho de uma comunidade humana una e diversa, tendo por base uma viso da Terra como uma nica nao. Ela implica en-tender a interdependncia, a interconexo, o trabalho em redes e movimentos. , por ex-celncia, uma cidadania integral, portanto, uma cidadania ativa e plena, no apenas em relao aos direitos humanos, mas tambm em relao aos direitos do planeta Terra como um ser vivo e em evoluo.

    SrieCidadaniaPlanetria4

  • So Paulo, 2011

    Redes e Comunidades

    Ensino-aprendizagem pela Internet

    Jaciara de S Carvalho

  • Creative CommonsEditora e Livraria Instituto Paulo Freire - 2011

    Editora e Livraria Instituto Paulo FreireRua Cerro Cor, 550 | Lj. 01 | 05061-100 | So Paulo | SP | Brasil | T: 11 3024-3636

    [email protected] | [email protected] | www.paulofreire.org

    Dados Internacionais de Catalogao na Publicao (CIP)(Cmara Brasileira do Livro, SP, Brasil)

    ndices para catlogo sistemtico:1. Ambientes virtuais de ensino-aprendizagem :Educao 371.334

    Moacir Gadotti Presidente do Conselho Deliberativo Alexandre Munck Diretor Administrativo-Financeiro ngela Antunes Diretora de Gesto do Conhecimento Francisca Pini Diretora PedaggicaPaulo Roberto Padilha Diretor de Desenvolvimento Institucional

    Janaina Abreu Coordenadora Grfico-Editorial Lina Rosa Preparadora de Originais Carlos Coelho Revisor Mrcia Leite Capa Ana Muriel Projeto Grfico Renato Pires Diagramao e Arte-final Eliza Mania Produo Grfico-Editorial Cromosete Impresso

    InSTITuTO PAuLO FREIRE

    Carvalho, Jaciara de SRedes e comunidades : ensino-aprendizagem pela Internet / Jaciara de S

    Carvalho. -- So Paulo : Editora e Livraria Instituto Paulo Freire, 2011. -- (Srie cidadania planetria ; 4)

    Bibliografia.ISBn: 978-85-61910-71-6

    1. Aprendizagem 2. Ciberespao 3. Comunidade virtual 4. Cooperao 5. Educao 6. Educao a distncia 7. Ensino 8. Interao social 9. Internet na educao 10. Redes de informao I. Ttulo. II. Srie.

    10-13197 CDD-371.334

  • Dedicatria

    Aos ns robustosda comunidade mais querida

    homens de minha vidaHenrique e Joo

  • Este livro est licenciado sob Creative Commons Atribuio-uso no-Comercial-

    Compartilhamento pela mesma Licena 3.0 Brasil. Para ver uma cpia desta licena,

    visite http://creativecommons.org/licenses/by-nc-sa/3.0/br.

  • O estudo que apresentamos, agora em forma de livro, foi possvel graas s redes e

    comunidades das quais fao parte. So muitos os ns destas tramas, mas alguns

    deles foram imprescindveis para este trabalho. Por isso, fao um agradecimento

    especial aos queridos professores doutores nlson Jos Machado (orientador), Vani

    Moreira Kenski (coorientadora) e Moacir Gadotti (viabilizador da publicao

    deste trabalho); equipe do Programa EducaRede; s redes Blogs Educativos e POIEs do Butant e s comunidades

    Ensinando em Ambientes Virtuais I (2008) e Grupo ns;

    equipe da Editora e Livraria Instituto Paulo Freire (Ed,L);

    aos meus familiares e a Deus.

    A autora

    Agradecimentos

  • Este livro uma sntese da pesquisa de mestrado Redes e comunida-des virtuais de aprendizagem: elementos para uma distino, realizada pela autora no mbito do Programa de Ps-Graduao da Faculdade de Educao da Universidade de So Paulo (Feusp), sob orientao do prof. dr. Nlson Jos Machado. O trabalho foi apresentado Banca Examinado-ra constituda, tambm, pelos professores doutores Gilson Schwartz e Vani Moreira Kenski, em 2009.

    inteno da autora retomar oportunamente o estudo, voltando-se mais para a docncia online, em sua pesquisa de doutorado iniciada em meados de 2010 na mesma Feusp. A dissertao original pode ser consul-tada no site http://www.paulofreire.org/Crpf/WebHome

  • Sumrio11 Prefcio11 Preldio s redes e s comunidades virtuais

    de aprendizagem

    15 Parte 115 1 Culturas e valores do ciberespao27 2 Comunidade virtual35 3 Rede social x comunidade virtual

    41 Parte 241 1 Redes de aprendizagem online45 2 Rede e conhecimento50 3 Educador: o n robusto57 4 Cursos online como redes de aprendizagem61 5 O desafio da interao

    71 Parte 371 1 Comunidades virtuais de aprendizagem76 2 Indicadores de formao de comunidade virtual de aprendizagem87 3 Arremate desta costura

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    Preldio s redes e s comunidades virtuais de aprendizagem

    Em menos de duas dcadas, as redes informticas inva-diram nossa praia. Ocuparam todos os espaos, dos caixas eletrnicos s LANs (Local Area Networks), dos cibercafs aos aeroportos, dos shopping centers s bibliotecas. Os computa-dores pessoais rapidamente responderam demanda e os net-books multiplicam-se e artefatos ainda menores e mais geis, como os celulares e os ipodws so parceiros fiis e onipresentes de um nmero cada vez maior de jovens e adultos.

    O interesse pelo fenmeno amplamente reconhe-cido e autores relevantes tm se debruado sobre ele, explorando-o em mltiplas perspectivas. So notveis as contribuies de Pierre Lvy entusiasmadas, mas l-cidas , reinterpretando e ampliando a prpria ideia de tecnologia, e constituindo um referencial terico mnimo para uma explorao consistente dos espaos virtuais. As densas reflexes de lvaro Vieira Pinto sobre o tema, uma publicao pstuma extremamente oportuna, ilumina um grande nmero de questes cruciais com uma percucin-cia comparvel ao discernimento e fecundidade da an-lise levada a efeito por Ortega Y Gasset em sua Meditao sobre a tcnica (1939). As consideraes de Manuel Castells sobre as dimenses sociolgicas do fenmeno em questo, que afetam de modo significativo as relaes interpessoais e redesenham a vida em comunidade, esto impregnadas de insights reveladores, repercutindo em ampla gama de leitores. O comedimento e as precaues de neil Postman

    Prefcio

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    em relao ao elogio desequilibrado dos instrumentos tecno-lgicos, presentes aqui e ali, podem ser caracterizados como verdadeiros anticorpos para nos munir de resistncia a uma doena que no especfica, nem inerente tecnologia, mas que comumente associada a ela: a absolutamente indesejvel inverso de perspectivas que a transmuta de meio em fim.

    A disseminao das redes, tanto como forma concreta de interao social, por meio das nets da vida, quanto como po-derosa ideia metafrica para organizar, orientar e imaginar o mundo, traz tona inmeras questes complexas. A pequena lista acima mero exemplrio, e quase todas so merecedoras de ateno por parte dos educadores, nos diversos nveis de en-sino. Muitos trabalhos acadmicos e reunies cientficas tm abordado a temtica sob mltiplas perspectivas, mas a riqueza e a complexidade da mesma chama a ateno de um nmero cada vez maior de pesquisadores envolvidos com a atividade educacional. nesta seara que se insere o presente trabalho.

    De fato, h algum tempo, as tecnologias informticas esto na ordem do dia, quando se pensa o planejamento de aes educacionais mais abrangentes. A Educao pressu-pe a proximidade entre os participantes, de modo que, em sentido estrito, educao a distncia no existe. Mas tam-bm verdade que as tecnologias amplificaram o significa-do de estar prximo, de modo tal que podemos nos sentir mais prximos de um amigo chins com quem trocamos e-mails diariamente do que de um vizinho chato, que mal cumprimentamos. Iniciativas diversificadas de aes com foco no ensino e na aprendizagem, com o recurso aos mais variados instrumentos tecnolgicos, e a explorao de no-vas e cada vez mais ousadas formas de interao entre os envolvidos, situam-se, atualmente, no cerne dos projetos educacionais, nos mais diversos nveis.

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    Como si acontecer em territrios novos, ainda insufi-cientemente colonizados, ou cultivados, certa nebulosidade conceitual dificulta a atualizao de aes potencialmente interessantes. Redes sociais, comunidades virtuais, re-des de aprendizagem, cursos online, comunidades de aprendizagem, redes de aprendizagem online, comuni-dades virtuais de aprendizagem so expresses cujo uso pressupe algumas distines mnimas, respeitando certas caractersticas bsicas dos termos. Sem isso, as aes mais bem intencionadas podem derivar para um sincretismo que mitiga sua potencialidade.

    precisamente nesse sentido que o presente trabalho se constitui uma contribuio fundamental. Apoiada na vivncia e na prtica efetiva de aes em tais ambientes, a autora situa, no centro das atenes, as ideias de redes virtuais de aprendizagem e de comunidades virtuais de aprendizagem, esclarecendo alguns aspectos cruciais das questes educacionais envolvidas e possibilitando o enri-quecimento da prtica pedaggica. Recorrendo a um refe-rencial terico atualizado e abrangente, em que convergem autores como Paulo Freire, Vieira Pinto, Castells e Lvy, entre outros, e tendo por base sua prtica efetiva, como aluna e como professora, a autora caracteriza com nitidez as redes de aprendizagem online, lanando uma luz sobre as mltiplas relaes e distines entre as diversas expresses anteriormente citadas.

    Se uma utilizao adequada da linguagem, com simpli-cidade, mas com especificidade e coerncia, condio de possibilidade de uma ao consciente, ento podemos afir-mar com segurana que este trabalho constitui uma contri-buio efetiva para o sucesso das iniciativas educacionais que envolvem o recurso s tecnologias. Em um universo

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    como o das redes informticas, com as caractersticas de um verdadeiro multiverso, que se expande exponencial-mente a cada dia, reflexes como a da autora nos ajudam a encontrar balizas sem as quais a perdio em meio ao cipoal terminolgico quase inevitvel.

    Parabns autora e Editora pela iniciativa da dispo-nibilizao deste trabalho para um pblico mais amplo do que o do circuito acadmico.

    So Paulo, outubro de 2010.

    Nlson Jos MachadoProfessor Titular da Faculdade de Educao

    da universidade de So Paulo

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    Parte 1

    1 Culturas e valoresdo ciberespao

    Qualquer anlise histrica revelaria o homem imerso em sucessivas inovaes que transformam o seu modo de se comunicar, pensar e existir ao longo do tempo. Para isso, produz os meios que instrumentam sua ao, ou seja, a tc-nica, e sua irm mais nova, a tecnologia, que surgiu apenas no sculo 18 com a Revoluo Industrial, e seus significados abarcam a cincia, a simples tcnica, o conjunto de todas as tcnicas e ainda sua ideologizao (VIEIRA PInTO, 2005).

    O filsofo Pierre Lvy (1993) um dos autores que em-pregam tecnologia de modo abrangente como faremos aqui , destacando o que chama de tecnologias da intelign-cia entre as mais importantes. Classifica como tecnologia a frequente repetio em voz alta das proposies que geria a memria das culturas orais. Tempos depois, a tecnologia escrita alterou essa gesto e o prprio pensamento, sem ex-tinguir todos os mtodos mnemnicos caractersticos das culturas orais. A informtica, por sua vez, provoca novas alteraes no pensamento e na memria humana, incorpo-rando e transformando as outras duas tecnologias.

    A informtica proporcionou a interconexo mundial dos computadores e de suas memrias criando um novo espao de comunicao. A perspectiva de digitalizao geral das informa-es provavelmente tornar o ciberespao o principal canal de comunicao e suporte de memria da humanidade a partir do incio do prximo sculo (LVY, 1999, p. 93), ou melhor, neste em que vivemos. O ciberespao (confira p. 27) o local onde

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    habitam as redes e comunidades virtuais de aprendizagem, tema deste livro. Para alguns autores, seu surgimento resulta de uma das mais importantes inovaes dos ltimos sculos; para outros, o ciberespao seria apenas mais uma nova tecno-logia que coloca em xeque nossas tradies e instituies.

    Este livro trata do ciberespao como uma tecnologia que pode ampliar a comunicao humana e estimular a adoo do paradigma educacional defendido h muito tempo, mas to pouco praticado: o da aprendizagem colaborativa. Trata-se de redes de pessoas, seus projetos, valores, atitudes e, nesse sentido, se reconhece o desenvolvimento de uma nova cultura provocada pelas Tecnologias de Informao e Comunicao (TICs). Mas, antes de tudo, tenta-se no se submeter a um dis-curso que coloca a tecnologia acima do homem.

    Refere-se s abordagens que alertam para a incorpora-o das tecnologias sem crtica. Autores como Paulo Frei-re (1921-1997), Vieira Pinto e Postman apontam o fato de que a crescente velocidade das inovaes tem deixado os homens cada vez mais encantados e ansiosos com as possi-bilidades que ainda viro. A ausncia de tecnologias acaba sendo associada pobreza, ao atraso, tornando-se quase obrigatria sua adoo. Muitas vezes, elas so incorpora-das sem que se reflita a respeito, sem que se questione a servio de quem esto, j que o uso das diversas tecnolo-gias sempre se d a partir de um vis ideolgico.

    A relao com as tecnologias levou Postman (1994) a apontar trs tipos de cultura presentes na humanidade. na cultura que usa ferramentas, a tecnologia no invasora; integra-se ao sistema de crenas e ideologia, sem impor contradies significativas s pessoas. Incorporadas aos paradigmas medievais, por exemplo, as ferramentas no determinavam o que homem deveria fazer ou pensar; ele

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    era guiado pelos ensinamentos de Deus. Embora ainda exista, essa cultura comea a desaparecer.

    J a tecnocracia uma sociedade vagamente controla-da pelos costumes sociais e pela tradio religiosa e esti-mulada pelo impulso para inventar (POSTMAn, 1994, p. 47). Refere-se mentalidade do mundo moderno, no qual se acredita que conhecimento poder.

    ns aprendemos como inventar coisas, e a questo de por que inventamos coisas perdeu importncia. A ideia de que se alguma coisa podia ser feita, nasceu no sculo 19. E junto com ela desenvolveu-se uma profunda crena em todos os princpios com os quais acontece a inveno: objetividade, eficincia, habilidade, padronizao, medio e progresso. Tambm passou-se a acreditar que a mquina do progresso tecnolgico trabalhava com mais eficincia quando as pesso-as eram concebidas no como filhos de Deus ou mesmo cida-dos, mas como consumidores quer dizer, como mercados. (POSTMAn, 1994, p. 51).

    Por fim, a cultura tecnoplio redefine o que entende-mos por religio, por arte, por famlia, por poltica, por histria, por verdade, por privacidade, por inteligncia, de tal modo que nossas definies se adaptem s suas novas exigncias [] a tecnocracia totalitria, resume Postman (1994, p. 57, grifo nosso), cuja reflexo contribui no ape-nas para caracterizar as culturas, mas tambm para levar o homem a examinar sua relao com as tecnologias.

    Seguindo abordagem semelhante, no campo ao qual se situa esta pesquisa, da Educao, Paulo Freire incorporava tecnologias como projetor de slide, rdio, TV e outros meios eletrnicos de seu tempo para difundir suas ideias. Enten-dia que a Educao sempre empregou tcnicas para educar,

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    como a Didtica, da qual depende. Mas alertava para o fato de que as inovaes, assim como as antigas tecnologias, devem ser utilizadas pensando-se sob qual perspectiva as pessoas sero formadas.

    [...] para mim, a questo que se coloca : a servio de quem as mquinas e a tecnologia avanada esto? Quero saber a fa-vor de quem, ou contra quem as mquinas esto sendo pos-tas em uso [...] Para mim os computadores so um negcio extraordinrio. O problema saber a servio de quem eles entram na escola. (FREIRE, 1984, p. 6).

    Paulo Freire, Vieira Pinto e Postman destacam o huma-no frente da tecnologia, no subjugando sua ao ao dis-curso tecnolgico inquestionvel, que o torna maravilhado com suas prprias criaes, mas esquecido da natureza e da importncia do outro. Se este livro trata de grupos de pessoas reunidas por meio da Internet, deve-se comear por entender a origem desta tecnologia.

    A Internet

    A histria da Internet uma rara mistura de estratgia militar, grande cooperao cientfica e inovao contracul-tural, como resume um dos maiores estudiosos das trans-formaes sociais e econmicas da atualidade, o socilogo Manuel Castells (1999, p. 375). Entre todos os grandes de-senvolvimentos tecnolgicos das ltimas dcadas, a origem da Internet ajuda a compreender em que contexto, com que valores e a partir de quais caractersticas estruturais nascem e se desenvolvem as redes e comunidades virtuais de aprendizagem. Elas so fruto de um novo paradigma tecnolgico que se dissemina a partir da dcada de 1970, organizado com base na tecnologia da informao.

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    Surgido em um segmento especfico da sociedade norte-americana, o novo paradigma constituiu-se em in-terao com a economia global e a geopoltica mundial, concretizando um novo estilo de produo, comunicao, gerenciamento e vida (CASTELLS, 1999, p. 43). Enfatiza, nos processos tecnolgicos, a interatividade, a formao de redes, os dispositivos personalizados e os investimentos e esforos em novas descobertas que, muitas vezes, no tm finalidade comercial. Este paradigma relaciona-se cultura de liberdade, ao empreendedorismo e criatividade indi-vidual da dcada anterior, encontrada nos campi dos EuA, principalmente no Vale do Silcio (Califrnia).

    A cultura da Internet a cultura dos criadores da Inter-net, diz Castells (2003, p. 34), que apresenta um panorama dos valores e dos usos sociais subjacentes estruturao da Internet. Ela se caracteriza por uma estrutura em quatro camadas hierarquicamente dispostas: a cultura tecnomeri-tocrtica, a hacker, a comunitria virtual e a empresarial, que formam a ideologia de liberdade disseminada no mun-do da Internet.

    [...] a cultura tecnomeritocrtica especifica-se como uma cultura hacker ao incorporar normas e costumes a redes de cooperao voltadas para projetos tecnolgicos. A cultura comunitria virtual acrescenta uma dimenso social ao com-partilhamento tecnolgico, fazendo da Internet um meio de interao social seletiva e de integrao simblica. A cultura empresarial trabalha, ao lado da cultura hacker e da cultura comunitria, para difundir prticas da Internet em todos os domnios da sociedade como meio de ganhar dinheiro. Sem a cultura tecnomeritocrtica, os hackers no passariam de uma comunidade contracultural especfica de geeks e nerds. Sem a cultura hacker, as redes comunitrias na Internet no

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    se distinguiriam de muitas outras comunidades alternativas. Assim como, sem a cultura hacker e os valores comunitrios, a cultura empresarial no se pode caracterizar especfica Internet (CASTELLS, 2003, p. 34).

    A Internet que se conhece resultado do trabalho de grupos de pesquisadores, de annimos, de jovens univer-sitrios e empresrios com objetivos e projetos especficos, espalhados por diferentes locais do planeta, mas principal-mente nos Estados unidos. A abertura e gratuidade da Internet, por exemplo, foram determinadas pela cultura tecnomeritocrtica, enraizada na academia e na cincia, que tinha como valor o desenvolvimento cientfico e tec-nolgico para o progresso da humanidade. O mrito nessa cultura est na contribuio tecnolgica que proporcio-na um bem comum comunidade. O valor supremo a prpria descoberta tecnolgica (ligada programao de computadores em rede), cuja relevncia depende da con-tribuio para o campo como um todo.

    nessa comunidade, h autoridades que coordenam as tarefas e os projetos controlam os recursos e contam com o respeito e a confiana tica dos demais integrantes ca-ractersticas que, veremos, tambm aparecem nas redes e comunidades virtuais de aprendizagem. O respeito aos mem-bros da comunidade demanda de seu comportamento, que deve estar de acordo com normas formais e informais da comunidade, no usando os conhecimentos ali constru-dos em benefcio exclusivo, partilhando os avanos tecno-lgicos entre os demais.

    As bases da Internet foram criadas por essa cultura advinda da cincia institucionalizada. Mas paralelamen-te aos esforos do Pentgono e da Grande Cincia para estabelecer uma rede universal de computadores com

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    acesso pblico dentro das normas aceitveis, uma contra-cultura computacional sempre crescente surgia nos EuA (CASTELLS, 1999, p. 377). Os hackers so os atores que aparecem na transio de um ambiente institucionalmente construdo para um que escapa do controle organizacional: o das redes auto-organizadas, responsveis pela atualiza-o tecnolgica a partir da cultura anterior.

    A cultura hacker diz respeito ao conjunto de valores e crenas que emergiu das redes de programadores de com-putador que interagiam online em torno de sua colabora-o em projetos autonomamente definidos de programao criativa (CASTELLS, 2003, p. 38). Ela opera como eixo na construo da Internet, segundo o autor, por duas razes: torna-se o ambiente fomentador de inovaes tecnolgi-cas capitais mediante a comunicao livre e a cooperao; a ligao entre o conhecimento que emergiu da cultura tecnomeritocrtica e os subprodutos comerciais que levam a Internet sociedade em geral. no conjunto de valores dessa cultura, a liberdade o valor supremo: para criar, para se apropriar de todo o conhecimento disponvel e redistribu-lo sob qualquer forma ou canal. Mas nem todas as pessoas desse grupo tm a liberdade como nico valor: a inovao tecnolgica e o prazer que advm da criatividade seriam ainda mais importantes. Paradoxalmente, em nome da liberdade, muitos hackers reivindicam o direito de co-mercializar suas aplicaes, mantendo, no entanto, acesso aberto ao programa e permisso para que seja modifica-do. Os hackers podem trabalhar em empresas e centros de pesquisa, ou fora deles, mas dependem de sua comunidade para continuarem existindo. Alicerada na Internet, essa cultura , em geral, global, informal e virtual. As pessoas se conhecem pelo nome que usam, raramente se encontram

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    no mesmo espao fsico e as divises fundamentais no so pessoais ou ideolgicas, mas tecnolgicas.

    A liberdade combina-se com a cooperao atravs da prtica da cultura do dom, que acaba por levar a uma eco-nomia do dom (CASTELLS, 2003, p. 42), uma vez que estas pessoas divulgam sua contribuio esperando reciprocidade. Mas essa cultura do dom se distingue de outras semelhantes: prestgio, reputao e estima social ligam-se doao feita comunidade. no se trata de pura generosidade, mas de satisfao em exibir a descoberta, alm da gratificao en-volvida no prprio objeto. E, assim, o valor no est apenas na troca, mas tambm no uso de um produto inovador.

    A diversidade na cultura hacker inclui, ainda, os crackers: pessoas que tentam provar sua percia, misturam a habilida-de tcnica com estratgias de sabotagem poltica para vigiar quem os vigia e/ou formam redes cooperativas para difun-dir cdigos de criptografia que permitiriam a formao de redes fora dos olhos das agncias de vigilncia. Apesar dos diferentes comportamentos pessoais, hackers e crackers tm em comum a crena na interconexo de computadores e os esforos para mant-la como um bem comum.

    no entanto, as fontes culturais da Internet no advm apenas dos valores daqueles que inovaram tecnologica-mente. Rheingold (1996) e os primeiros usurios de redes de computadores agregaram-se em comunidades virtuais, desenvolvendo e difundindo valores e formas de usos que estruturaram a Internet e ainda hoje permanecem.

    As comunidades online tiveram origens muito semelhantes s dos movimentos contraculturais e dos modos de vida alter-nativos da dcada de 1960. Mas as conexes com a contracultura enfraqueciam medida que as comunidades online se multi-plicavam. Castells, assim como Rheingold, no acredita em

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    uma cultura comunitria unificada nos dias atuais, como a hacker. A diversidade de valores e normas sociais nas comunidades to grande quanto na prpria sociedade. Apesar disto, Castells (2003) identifica dois grandes valores em torno dos quais as comunidades virtuais trabalham: a comunicao livre, horizontal, ligada prtica da livre ex-presso global advinda do incio da criao da Internet; e o valor compartilhado a que o autor chama de formao autnoma das redes, ou seja, qualquer pessoa pode formar um agrupamento e divulgar sua prpria informao. Mais adiante se voltar a tratar das comunidades virtuais.

    Por fim, a cultura empresarial a ltima apontada nesta estruturao hierrquica da Internet. Foram os empres-rios que levaram a rede mundial de computadores para alm dos cientistas e militares, hackers e demais pessoas organizadas em comunidades virtuais. Ela se dissemina na dcada de 1990 e em tal velocidade que tornou a Internet uma das tecnologias que mais rapidamente foram incorpo-radas pelas populaes. Mas, como a cultura empresarial teve por base formas e processos inventados pela cultura comunitria, os hackers e as elites tecnolgicas, o resultado real que a Internet no mais determinada pelos neg-cios que outros domnios da vida em nossa sociedade. nem mais, nem menos tambm (CASTELLS, 2003, p. 49).

    Os valores supremos dessa cultura so a soma de dinheiro a ganhar e a velocidade em que isso ocorre o que vai alm da cobia humana usual. Valores de pessoas que sonhavam e cria-vam novos produtos e processos que dessem muito dinheiro a si mesmas, em um mundo que no tinham imaginado nem inventado. Diferentemente das culturas tecnomeritocrtica e hacker, para elas, a liberdade e o reconhecimento entre os pa-res eram atrelados ao capital que podiam ganhar.

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    A Internet reflete todos esses valores advindos daqueles que a construram, dos que a usam e a modificam. Afinal, tal como viver em sociedade, no seria possvel dissociar aes e valores e, assim, o mundo virtual torna-se espe-lho do real. Os teceles da rede mundial de computadores compartilhavam a liberdade de comunicao e criao, a cooperao, o prestgio, o reconhecimento e a interco-nexo. Mas outros valores que prejudicam os internautas tambm so encontrados no ciberespao.

    As comunidades virtuais, por exemplo, podem poten-cializar suicdios, incentivar a anorexia, o racismo, disse-minar a pedofilia e outros crimes. Antes da Internet era mais difcil para suicidas potenciais encontrarem uns aos outros, mais difcil ainda para indivduos desenvolverem culturas suicidas nas quais uns encorajam os outros a se matarem, diz Will Reader, professor de psicologia da uni-versidade de Sheffield Halam (Reino unido) em reporta-gem (TIRABOSCHI, 2008) sobre dois jovens (um brasilei-ro) que cometeram suicdios incentivados por amigos, ou seja, pessoas que se beneficiam do anonimato, da facilidade de encontrar internautas com interesses comuns aos deles e do alto grau de interao online. As comunidades virtuais aumentam exponencialmente os efeitos benficos dessas redes, mas em compensao explodem de usos conden-veis, ressalta o psiquiatra Benilton Bezerra Junior.

    Em outra reportagem (nETTO, 2007) que se encontra na Web uma das funes da Internet mais utilizadas nos dias atuais , o belga Robert Caillau que, junto com o in-gls Tim Berners-Lee, criou a World Wide Web (WWW ou simplesmente Web), critica o uso excessivamente comercial da rede mundial de computadores. Paradoxalmente, a pr-pria Web, inventada por eles em 1993 como uma ferramenta

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    para pesquisadores, foi a responsvel por chamar a ateno do comrcio e das empresas de telecomunicao quanto aos potenciais da rede, que, naquela poca, j tinha 25 anos.

    Apesar de valorizar os espaos de compartilhamento encontrados na web. Caillau critica as empresas e produ-tos que concentram informaes da vida privada de seus usurios e desviam o foco da realidade e dos problemas sociais e econmicos. O inventor decepciona-se com a lentido em se compreender que a rede mundial uma construo coletiva. Empresrios, polticos e frequente-mente jornalistas no compreendem isso. ns podera-mos avanar mais rpido se tivssemos colaborado mais em vez de promover a competio em um tema no qual a competio muitas vezes nefasta (nETTO, 2007). Mas, por outro lado, diz Caillau, a Web no se deixa manipu-lar demais: a democracia parece estar imbricada na rede mundial. isto que, alis, irrita os espertos que querem se apropriar dela e tambm os ditadores e os chefes de regimes opressivos (nETTO, 2007).

    Rheingold (1996), um dos pioneiros das comunidades virtuais, tambm ajuda a pensar na complexidade de va-lores e usos da Internet. O autor enfatiza a possibilidade aberta pela Internet de uma comunicao de muitos para muitos, que permitiria a criao de novos espaos pbli-cos, constituindo-se em uma alternativa para o poder hie-rrquico dos media comerciais. O ciberespao, como se refere, pode estimular o convvio e a compreenso entre pessoas, auxiliando na revitalizao da esfera pblica. A viso de uma rede de telecomunicaes delineada e con-trolada pelos cidados do mundo uma verso da utopia tecnolgica que pode ser apelidada de viso da gora ele-trnica (RHEInGOLD, 1996, p. 28). A gora, na Atenas

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    democrtica, era um local onde os cidados se encontra-vam para conversar, contar mexericos, discutir poltica etc. no entanto, h riscos nas oportunidades abertas pelo ciberespao. Rheingold destaca a crtica feita por Foucault de que a rede de telecomunicaes mundial se constituiria em um gnero camuflado de Panptico: por meio dela, os cidados poderiam ser observados pelo Estado.

    Os efeitos da interconexo que a Internet proporciona entre as pessoas tambm se mostram complexos. Algumas pesquisas indicam que a Internet pode conduzir ao isola-mento social, afastando os internautas do convvio com a famlia e amigos em ambientes reais, j que prefeririam se relacionar aleatoriamente com pessoas desconhecidas e, muitas vezes, sem identidade, na rede. Outras investigaes, como de Cole et al. (apud CASTELLS, 2003), revelaram que o uso do e-mail e das salas de chat tinham um impac-to positivo na capacidade dos internautas pesquisados de fazer amigos e se comunicar com os familiares. Wellman e equipe (2000 apud CASTELLS, 2003), aps entrevistar 40 mil usurios na Amrica do norte, constataram que o uso do e-mail principal ferramenta usada na Internet con-tribua para a interao face a face, por telefone e por carta, sem substituir outros tipos de interao social.

    Esses novos padres de interao social, contradies e valores que, muitas vezes, no esto alinhados com as culturas originais na Internet contribuem para se compre-ender as redes e comunidades virtuais de aprendizagem. De forma semelhante, as culturas que estruturaram a rede mundial de computadores ajudam a enxergar os usos e valores iniciais que at hoje norteiam muitos comporta-mentos na Internet. Tambm mostram que sua histria , fundamentalmente, uma histria de comunidades.

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    2 Comunidade virtualAs comunidades virtuais surgiram h cerca de 30 anos, mas

    s nos ltimos anos a cultura de colaborao online comeou a se expandir. Rheingold (1996) compara as comunidades virtu-ais do ciberespao a colnias de microorganismos diversos que por ele se alastram. O usenet, primeiro grande frum online, um dos principais exemplos de comunidade virtual de grande abrangncia, surgida em 1979. Tambm ganham destaque os Sistemas de Boletins Informativos (BBS), que, em 1989, foram usados por estudantes chineses para protestar contra os aconte-cimentos da Praa da Paz Celestial, em uma grande manifesta-o do potencial dos novos dispositivos de comunicao.

    A interseco entre diferentes comunidades est no fato de seus membros se corresponderem no ciberespao, um espao para alm da Internet, como Rheingold (1996, p. 18) explica: o espao conceptual onde se manifestam pala-vras, relaes humanas, dados, riquezas e poder da tecno-logia Comunicao Mediada por Computadores (CMC).

    A palavra ciberespao foi inventada em 1984 por William Gibson para seu romance de fico cientfica Neu-romancer e espalhou-se por usurios e criadores de redes digitais. Lvy (1999) outro autor que adota a expresso, entendendo-a como:

    [...] o espao de comunicao aberto pela interconexo mun-dial dos computadores e das memrias dos computadores. Essa definio inclui o conjunto de sistemas de comunicao eletr-nicos (a includos os conjuntos de redes hertzianas e telefnicas clssicas), na medida em que transmitem informaes prove-nientes de fontes digitais ou destinadas digitalizao. Insisto na codificao digital, pois ela condiciona o carter plstico, fluido,

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    calculvel com preciso e tratvel em tempo real, hipertextual, interativo e, resumindo, virtual da informao que , parece-me, a marca distintiva do ciberespao. (p. 92).

    Ciberespao possui diversas definies que variam de acordo com os autores. O mesmo acontece com a ex-presso comunidades virtuais. Aps reviso bibliogrfica sobre o conceito de comunidade, que inclui autores como Durkheim, Tnnies, Shumar e Renninger, entre outros, Rodrguez Illera (2007) afirma:

    As comunidades, virtuais ou no, so sempre organizaes temporais, coesas, mas multi-nvel, tanto pelos interesses in-dividuais (o tema em torno do qual gira a comunidade), como pelo enquadramento institucional e social em que ocorrem. Em qualquer caso, tudo depende de considerarmos que uma comunidade uma entidade que pode ser descrita, com ca-ractersticas reconhecveis e em que o seu aspecto estrutural determinante, ou, ento, como uma entidade com valor fun-damentalmente simblico, de estabelecimento de limites, e por isso intencional, devendo ser descrita tambm a partir de dentro da experincia dos seus participantes. (p. 118).

    A definio acima pode ser atribuda tanto s comunida-des do ciberespao como s geograficamente encontradas digamos assim , o que revela a dificuldade em conceitu-las. Rheingold (1996, p. 18), por exemplo, refere-se s comunidades virtuais como agregados sociais surgidos na Rede, quando os intervenientes de um debate o levam por diante em nmero e sentimento suficientes para formarem teias de relaes pessoais no ciberespao. J para Lvy (1999, p. 27), uma comunidade virtual um grupo de pessoas se correspondendo mutuamen-te por meio de computadores interconectados que se constri sobre afinidades de interesses, de conhecimentos, sobre

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    projetos mtuos, por meio de cooperao ou de troca, inde-pendentemente das proximidades geogrficas e das filiaes institucionais. (LVY, 1999, p. 127).

    Ainda que Rheingold circunscreva comunidades virtuais como as que se situam no ciberespao, a diferena entre elas e as encontradas geograficamente no parece muito explcita. Lvy contribui para um melhor entendimento quando explica que

    [...] apenas as particularidades tcnicas do ciberespao permi-tem que os membros de um grupo [...] se coordenem, coope-rem, alimentem e consultem uma memria comum, e isto quase em tempo real, apesar da distribuio geogrfica e da diferena de horrios (1999, p. 49, grifo nosso).

    A memria seria um dos fatores mais importantes em uma comunidade virtual, uma vez que a identidade do grupo tem estreita relao com sua memria coletiva. Para Lvy, a cons-truo, o armazenamento e o acesso memria distinguiriam as comunidades virtuais das comunidades do passado.

    Hoje, acho que uma comunidade precisa organizar-se em torno de uma memria comum, e uma das funes princi-pais de cada membro de uma comunidade da Era Cibern-tica participar para ajudar o crescimento de uma memria comum e preencher com a fonte de memria. Dou e retiro algo desta memria comum, e ns todos estamos fazendo isso. De certa forma, todos estamos cultivando este valor co-mum. A comunidade o crculo, e no centro h a memria comum, o conhecimento comum e cada um de ns est cultivando o que comum a ns. Voc d e voc retira. E quanto mais voc d, e quanto mais as pessoas do, melhor a qualidade do conhecimento que voc retira de volta. Ento essa a nova regra, digamos. (IDEIAS..., 2007, grifo nosso)

  • Jaciara de S Carvalho

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    Como os movimentos sociais, as comunidades virtuais precisam de um sentimento compartilhado, pois se trata de uma criao cultural, social. naturalmente, os que vivem em uma sociedade que conta com um suporte tcnico como o ciberespao l acabam criando novas formas de organi-zao. O ciberespao teria o poder de realizar uma atuali-zao das pessoas, potencializando o seu agrupamento e, assim, o surgimento de comunidades. A esse entendimento se chega aps buscar o significado da palavra virtual que compe a expresso que tanto se quer compreender.

    Quando se pensa em virtual, inserido em um contexto que remete ao ciberespao, lembra-se das informaes sob cdigo binrio, pensa-se em digital. Mas fora desse contex-to, geralmente o que vem mente o significado corrente de irreal, uma oposio ao que seria a realidade concreta. Longe de s-lo, o virtual pode ser entendido numa acepo filosfica, em que significa uma atualizao do real, aquilo que pode vir a ser. O virtual seria uma dimenso da reali-dade, o que existe em potncia e no em ato: uma semente que contm potencialmente uma rvore, por exemplo.

    Assim, o virtual no se ope ao real, mas ao atual. Da a importncia das comunidades virtuais: elas realizam de fato uma verdadeira atualizao [...] dos grupos humanos que eram apenas potenciais antes do surgimento do ciberespao (LVY, 1999, p. 130). O mais sensato, ento, seria referir-se a comunidades atuais, mas emprega-se a expresso comuni-dades virtuais porque a que se utiliza no dia a dia.

    O meio passa a absorver a experincia humana e, assim, constitui-se como um terreno frtil para o surgi-mento de comunidades atuais. Tendo acompanhado a emergncia dessas comunidades, Rheingold percebeu que onde a tecnologia da CMC se torna acessvel surgem

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    agregados virtuais, tal como micro-organismos inevi-tavelmente se constituem em colnias (1996, p. 19). O autor suspeita que a explicao para esse fenmeno seja o desejo dos indivduos de viver em comunidade, ao passo em que cada vez mais desaparecem espaos pblicos para sua constituio. Alm disso, a tecnologia permitir-lhes-ia interagir de forma inovadora.

    novas relaes pessoais se constituiriam no ciberespao por meio das comunidades virtuais, constituindo padres que so estudados por diversos pesquisadores. De modo ge-ral, tais relaes se desenvolvem a partir da troca contnua de mensagens entre os participantes, cujo fluxo seria manti-do em consonncia com os interesses e motivaes dos inte-grantes, na maioria das vezes, de maneira no sistemtica.

    Ainda que no haja um padro definido para explicar a dinmica das comunidades virtuais do ciberespao, Beltrn Llera (2007) identifica alguns traos comuns: so comu-nidades flexveis tanto do ponto de vista temporal quanto do espacial; h intercmbio de informao; seus membros compartilham linguagens e interesses afins; a comunicao se estabelece com o uso de diferentes instrumentos tecno-lgicos: correio eletrnico, bate-papo etc.; uma comuni-cao multidirecional e mais regular que a do cara a cara.

    Sem elementos no verbais da comunicao face a face, que contribuem para o significado de uma mensagem, o valor simblico do pertencimento a uma comunidade aca-ba por ser reforado. Como a comunicao principal-mente baseada na linguagem escrita, em geral, os limites que definem uma comunidade so sempre explcitos.

    A escrita e o registro permanente das interaes anularam a dupla viso, externa e interna, emic e etic, que se poderia ter ao observar uma comunidade, pois tudo nas comunidades

  • Jaciara de S Carvalho

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    virtuais exterioridade e falta de complexidade na definio das fronteiras. (RODRGuEZ ILLERA, 2007, p. 119).

    um dos motivos que levaria uma pessoa a participar de uma comunidade virtual seria, alm dos interesses que agrupam os membros do grupo, o mesmo de per-tencer a uma comunidade no virtual. Refere-se aos sentimentos bons impregnados palavra: segurana, prazer, tranquilidade, ausncia de estranhos... O cibe-respao tambm atrairia homens e mulheres que procu-ram por grupos a que poderiam pertencer, com certeza e para sempre, num mundo em que tudo se move e se desloca, em que nada certo, como escreveu Hobsbawn (apud BAuMAn, 2003).

    A definio de comunidade remete aos gregos dos s-culos 7 e 6 e a Atenas entre os sculos 5 e 4 antes de Cristo, que criaram a polis como uma comunidade: o lugar onde o homem era ele mesmo (KALInA; KOVADLOFF, 1978). Para os gregos, a polis era mais do que o espao do trabalho, era o campo do dilogo, do encontro interpesso-al, das celebraes.

    A esfera da polis era poltica e se constitua por uma vida entre pares. Mas o conceito de igualdade, na poca, em nada tem a ver com o conceito dos dias atuais que ve-remos adiante por pressupor a existncia de desigualdade fora da polis. Mas era a igualdade, segundo Arendt (2005), o elemento diferenciador da esfera familiar, onde reinava a desigualdade pelo poder do chefe da famlia. Fazer parte da polis era ser livre, justamente pela convivncia entre iguais. Ser livre significava ao mesmo tempo no estar sujeito s necessidades da vida nem ao comando do outro e tambm no comandar (AREnDT, 2005, p. 41). A igualdade era, assim, a essncia da liberdade.

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    Aristteles (apud AREnDT, 2005) considerava duas atividades (bios politikos) polticas entre as demais atividades na comunidade: a ao (prxis) e o discurso (lexis). Segun-do Arendt, possvel que essas duas aes polticas tenham surgido antes da polis, e, embora a cidade-estado tenha per-mitido ao homem viver em ao e discurso, essas atividades tornavam-se cada vez mais independentes da polis.

    Com o passar do tempo, o discurso ganhava mais nfase do que a ao e se tornava persuaso, princi-pal caracterizao do ser poltico, que tudo decidia por meio de palavras.

    A rigor, a polis no a cidade-estado em sua localizao fsica; a organizao da comunidade que resulta do agir e falar em conjun-to, e seu verdadeiro espao situa-se entre as pessoas que vivem juntas com tal propsito, no importa onde estejam. Onde quer que vs, sers uma polis: estas famosas palavras no s vieram a ser a senha da colonizao grega, mas exprimiam a convico de que a ao e o discurso criam entre as partes um espao capaz de situar-se adequadamente em qualquer tempo e lugar. Trata-se do espao da aparncia, no mais amplo sentido da palavra, ou seja, o espao no qual eu apareo aos outros e os outros a mim; onde os homens assumem uma aparncia explcita, ao invs de se con-tentar em existir meramente como coisas vivas ou inanimadas. (AREnDT, 2005, p. 211, grifo nosso).

    Ao longo dos sculos, o sentido de comunidade que se refere a polis se transforma, mas a identidade e o interesse coletivo podem ser encontrados em algumas concepes de comunidades que apareceram no sculo 20, embora, por conta dos condicionamentos scio-histricos das so-ciedades, que alteraram o contexto urbano e rural, a defi-nio de comunidade algo complexo.

  • Jaciara de S Carvalho

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    Alguns autores procuram pela essncia social de co-munidades no tomando por base a localidade nem a so-lidariedade, mas por meio dos modos pelos quais as redes de relaes informais encaixam pessoas e famlias/neg-cios em estruturas sociais. Concentram-se nas caracters-ticas dos laos de comunidade ligaes informais de companheirismo e ajuda entre indivduos e no arranjo formado por essas ligaes.

    A abordagem tem dado aos autores a flexibilidade para descobrir solidariedades locais e extensas, ramifica-das em comunidades (WELLMAn; BERKOWITZ, 1988, p. 131). Mais ainda: tem possibilitado enxergar que atri-butos de laos e redes melhor promovem relaes sociais, assistncia interpessoal, controle social informal e um senso de identidade pessoal.

    A partir de Wellman e Berkowitz (1988), Costa (2005) defende que houve uma transmutao do conceito de comunidade em rede social e do princpio de que esta-mos associados em redes, mas por meio de comunidades pessoais. As pessoas teriam conscincia dessa rede de relacionamentos, tendo com alguns laos mais fortes do que com outros. Independente da intensidade seriam la-os importantes e que acabariam dando um novo carter noo de comunidade.

    De fato, se focarmos diretamente os laos sociais e sistemas informais de troca de recursos, ao invs de focarmos as pesso-as vivendo em vizinhanas e pequenas cidades, teremos uma imagem das relaes interpessoais bem diferente daquela com a qual nos habituamos. Isso nos remete a uma transmutao do conceito de comunidade em rede social. Se solidariedade, vi-zinhana e parentesco eram aspectos predominantes quando se procurava definir uma comunidade, hoje eles so apenas alguns

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    dentre os muitos padres possveis das redes sociais. Atualmen-te, o que os analistas estruturais procuram avaliar so as formas nas quais padres estruturais alternativos afetam o fluxo de re-cursos entre os membros de uma rede social. Estamos diante de novas formas de associao, imersos numa complexidade cha-mada rede social, com muitas dimenses, e que mobiliza o flu-xo de recursos entre inmeros indivduos distribudos segundo padres variveis. (COSTA, 2005, grifo nosso).

    Concorda-se com Costa quanto necessidade de focar as relaes e os laos entre as pessoas nesse contexto, as-sim como a ideia de networks as personal communities (redes como comunidades pessoais, traduo nossa), de Wellman e Berkowitz (1988). no entanto, manter-se-ia o uso das expresses redes e comunidades, entendendo a primeira como uma ampliao da segunda. nas redes, as pessoas teriam laos mais fracos entre si do que nas co-munidades, onde encontraramos mais proximidade. Em comunidade, as pessoas teriam mais comprometimento umas com as outras, por conta do estreitamento de laos. nas redes, no entanto, os laos seriam mais frouxos pela prpria caracterstica das redes que a abertura, a fluidez com que as pessoas se agregam e se desligam, havendo, as-sim, um comprometimento menor entre os participantes. Observe-se abaixo esta distino.

    3 Rede social x comunidade virtualA nossa poca ser marcada pelo fenmeno rede.

    Como todos os fenmenos morfolgicos profundos, de carter universal, o fenmeno rede pertence no s cin-cia como vida social (ROSEnSTHIEL, 1988, p. 228). As

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    frases que iniciam o captulo Rede, da Enciclopdia italia-na Einaudi, anunciam a importncia de compreendermos esse fenmeno, principalmente tratando-se aqui de redes e comunidades de aprendizagem no ciberespao. na atual sociedade, as funes e os processos dominantes estariam organizados em redes.

    Ao recuperar a gnese da palavra rede, Musso (2004) descobriu que ela j existia na mitologia atravs do labirin-to. na Antiguidade, Hipcrates associou a noo de rede definitivamente metfora do organismo, a partir da co-municao entre as veias. Musso (2004) explica ainda que a palavra (rseau) s apareceu na lngua francesa no sculo 12 para designar redes de caa ou de pesca, cestas, tecidos e malhas que esto em torno do corpo. no sculo 16, o termo em francs significava os vus e rendas que cobriam a cabea das mulheres. no sculo 17, a rede passou para dentro do corpo humano. O naturalista e mdico italiano Marcelo Malpighi (1628-1694) levou o vocbulo para a ci-ncia para descrever o corpo reticular da pele.

    A gnese descrita por Musso (2004) relata que h uma grande ruptura na virada do sculo 18 para o 19, quando a rede passa a se distinguir do corpo humano. no est mais apenas sobre o corpo (feita pelos teceles) ou observada dentro dele (pelos mdicos). A rede torna-se artefato e tc-nica autnoma e, assim, construda (pelos engenheiros). na distino do corpo, a rede pode ser construda porque ela se torna objeto pensado em sua relao com o espao (MuSSO, 2004, p. 20).

    Antes de tudo, uma rede constituda por ns que po-dem ser quaisquer objetos: memrias, lugares etc.; depois por ligaes de duas a duas: uma ligao incidente a dois ns e, dependendo do caso, orientada de um n para o

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    outro ou no, segundo Rosensthiel. Aos ns e ligaes po-dem ser associadas variveis e para qualquer tipo de rede h leis especficas que ligam as variveis de qualquer n e as ligaes que lhe so incidentes (ROSEnSTHIEL, 1988, p. 228). Os ns podem ser dependentes por meio de ou-tros ns se no tiverem ligao incidente comum. Em uma rede, as transformaes do conjunto so impactadas por transformaes locais.

    Hoje, o mais comum seria associar-se a palavra rede ao ciberespao, tecnologia e s relaes sociais. Rede in-dicaria a infraestrutura tecnolgica, a interconexo entre computadores, enfim, os aspectos fsicos que permitem s pessoas se encontrarem e se relacionarem no espao online. A descentralidade, o carter distributivo, a expanso ilimi-tada e a multidirecionalidade so elementos de rede que caracterizam o ciberespao. Por outro lado, rede tambm pode ser atribuda a grupos de pessoas, interconectadas.

    A partir da ideia de ns e interconexes, Marteleto (2001) define rede social como um conjunto de partici-pantes autnomos, unindo ideias e recursos em torno de valores e interesses compartilhados. Em detrimento s es-truturas hierrquicas, as pessoas em rede valorizam os elos informais e as relaes entre elas. E, assim, os indivduos, dotados de recursos e capacidades propositivas, organizam suas aes nos prprios espaos polticos, em funo de socializaes e mobilizaes suscitadas pelo prprio desenvolvimento das redes. As pessoas em rede trocam e compartilham ideias de forma fluda e aberta, enquanto seus interesses forem os mesmos do conjunto.

    Recuero (2005) parte da anlise de Redes Sociais, base-ada na Sociometria e na Teoria dos Grafos (DEGEnnE; FORS, 1999) que, por sua vez, tm suas bases nas dcadas

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    de 1960 e 1970 (WELLMAnn, 1988), para caracterizar rede social como um conjunto de dois elementos: atores (pesso-as, instituies ou grupos) e suas conexes [...]. Essas cone-xes so entendidas como os laos e relaes sociais que li-gam as pessoas atravs da interao social, uma interseco entre os modelos matemticos e os estruturais-funcionalis-tas. Ela apresenta uma proposta de estudo das comunidades virtuais (compreendendo-as como redes sociais) a partir de dilogos entre as teorias sistmicas, cibernticas, a cincia das redes e os estudos sociais.

    A estrutura, a organizao e a dinmica dos processos da rede social so levantadas como elementos fundamen-tais para o estudo dos sistemas. Segundo Recuero (2005), a estrutura o que um grupo tem de mais permanente nos modos de agir e nas relaes sociais. A organizao traba-lha com as relaes, o conjunto de elementos que faz parte da estrutura, constituindo a substncia do extrato social. J a dinmica diz respeito s adaptaes e modificaes pelas quais as redes passam ao longo do tempo, das quais se po-dem destacar seis: ruptura e agregao; comportamentos emergentes; adaptao e auto-organizao; sincronia; clus-terizao e processos de cooperao; competio e conflito. Cooperao seria o principal elemento distintivo entre as redes sociais online e as comunidades.

    A interao que cooperativa pode gerar a sedimentao das relaes sociais, proporcionando o surgimento de uma es-trutura. Quanto mais interaes cooperativas, mais forte se torna o lao social desta estrutura, podendo gerar um grupo coeso e organizado. na organizao da comunidade virtual, portanto, necessrio que exista uma predominncia de inte-raes cooperativas, no sentido de gerar e manter sua estrutu-ra de comunidade. (RECuERO, 2005, grifo nosso).

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    Assim, no que diz respeito organizao, verifica-se a formao de uma comunidade em redes sociais cuja estrutu-ra apresenta laos fortes, que a mantm. Ao redor deles, exis-tiriam laos fracos, compostos de integrantes que poderiam fazer parte do grupo ou no. Tem-se observado nas redes sociais e comunidades virtuais pesquisadas a organizao sugerida por Recuero. V-se que uma comunidade virtual pode situar-se dentro de uma rede social no ciberespao, mas tambm constituir-se comunidade como um todo, o que poderia ser encontrado em agrupamentos com nmero reduzido de participantes, mas no se restringindo a ele.

    Parece, ao chegar neste ponto, que a distino entre rede social online e comunidade virtual estaria na inten-sidade dos elementos fundamentais das redes. Dir-se-ia que nas comunidades virtuais encontram-se: laos for-tes que formam um grupo slido; cooperao constante entre os integrantes; alto grau de adaptao, auto-orga-nizao e sincronismo.

    As interaes nas redes sociais online, por sua vez, apre-sentariam caractersticas mais ligadas ao prprio conceito de rede, fludas, multidirecionais, ilimitadas. O que no significa que no se possa encontrar cooperao entre as pessoas das redes sociais, mas que a cooperao apareceria de forma esparsa, por conta dos laos fracos que os unem.

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    Parte 2

    1 Redes deaprendizagem online

    Redes sociais, de relacionamento, comunidades virtuais... Muitos so os nomes para classificar os agrupamentos do ciberespao. Sabe-se que grande parte deles rene pessoas interessadas em novas aprendizagens, por meio da troca de informaes. Participantes que tm em comum o gosto pela pesca, por exemplo, compartilham dicas sobre a melhor isca e uso de ferramentas para capturar peixes. Os educado-res-blogueiros da lista de discusso Blogs Educativos (2008) dialogam sobre como inserir em seus blogs um vdeo, como usar o computador em sala de aula etc. A aprendizagem um processo inerente existncia humana e pode surgir das mais diversas situaes e contextos, como nas redes sociais online.

    no entanto, tambm se pode encontrar no ciberespao agrupamentos criados com fins educacionais, vinculados ou no a instituies educativas, mas que apresentam um objetivo educativo explcito. nessas redes, possvel perce-ber que h um planejamento, um ou mais responsveis por estimular e provocar a aprendizagem do grupo, algumas discusses e atividades que visam alcanar as finalidades inicialmente expostas e a abertura do grupo para novas proposies dos participantes ao longo do processo.

    Encontram-se esses elementos nas chamadas redes e comunidades virtuais de aprendizagem: agrupamentos do cibe-respao organizados para um processo de ensino-aprendiza-gem. Embora essas caractersticas possam ser mapeadas em ambas, as redes e comunidades de aprendizagem se distinguem

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    pelo fato de que a comunidade apresenta laos fortes e com-promisso entre os participantes, alm da cooperao mais frequente do que nas redes, como visto anteriormente.

    Os elementos mapeados levam a perceber que, nas redes de aprendizagem online, encontra-se um processo de ensino-aprendizagem, mesmo que ele seja diferente do escolar, com relaes mais horizontais, dinmicas e fluidas caracters-ticas das redes como sistema. Trata-se de ensino porque esse conceito est relacionado a um esforo intencional e orientado de pessoas, grupos ou instituies para formar ou informar os indivduos (FILATRO, 2007, p. 46). Quando o ensino alia-se Comunicao Mediada por Computador, tem-se redes de aprendizagem (HARASIn, 2005).

    no processo de ensino, encontram-se situaes did-ticas, ou seja, um conjunto de circunstncias com ativi-dades particulares, nas quais as pessoas se encontram em determinado momento e se relacionam com outras pesso-as, objetos e aspectos da realidade (FILATRO, 2007, p. 46) nas redes de aprendizagem online, essas circunstncias podem ser encontradas.

    Ao tratar do processo de ensino neste contexto, as autoras contribuem para o mapeamento de elementos que possam distinguir os agrupamentos do ciberespa-o que costumam ser chamados de aprendizagem. no entanto, ressalta-se que o processo de ensino tambm de aprendizagem porque ensinar inexiste sem apren-der e vice-versa (FREIRE, 1996, p. 23).

    O processo de ensino-aprendizagem nas redes e comu-nidades virtuais seria bastante flexvel, uma vez que elas se caracterizam pela dinamicidade e fluidez. Rigidez e autori-tarismo no teriam espao em uma rede de pessoas, j que ela dependeria do envolvimento e participao de todos

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    para existir. Partindo desse pressuposto, o planejamento da aprendizagem visaria dar incio s aes da rede, apontan-do alguns caminhos para que o grupo atinja seus objetivos. Espera-se uma postura dialgica por parte do educador.

    Para o educador-educando, dialgico, problematizador, o con-tedo programtico no uma doao ou uma imposio um conjunto de informes a ser depositado nos educandos , mas a devoluo organizada daqueles elementos que este lhe entregou de forma desestruturada (FREIRE, 2005, p. 96).

    A qualquer momento, os participantes poderiam in-fluir nas propostas didticas apresentadas e na forma como o projeto est sendo desenvolvido, apresentando sugestes. Se a maioria concordar, haveria at mesmo uma mudan-a de rumo, de objetivo a ser alcanado. As pessoas so a estrutura e a organizao do sistema de redes sociais. Se no houvesse participao nas decises, no se poderia fa-lar em rede, mas em teia, onde h um ncleo: algum que pensa e decide pelos demais.

    Embora existam ambientes virtuais mais voltados para o desenvolvimento de redes de aprendizagem, elas podem existir por meio das mais variadas ferramentas disponveis no ciberespao. uma lista de discusso, um blog, e-mails e outras ferramentas de comunicao e armazenamento so meios para o desenvolvimento dessas redes e no pode-riam ser considerados elementos distintivos.

    Assim, as redes de aprendizagem online no se de-senvolvem apenas em ambientes virtuais criados para fins educacionais. Dependendo do uso, a rede social Orkut pode abrigar uma rede ou comunidade de apren-dizagem, por exemplo. As caractersticas distintivas, portanto, seriam:

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    yy objetivo educativo explcito;yy planejamento;yy um ou mais educadores entre os participantes da rede.

    Durante palestra em So Paulo, Pierre Lvy (apud CAR-VALHO, 2007) defendeu a presena do educador nas redes virtuais de aprendizagem, embora no se referisse a ele por esse nome. no acredito que haja uma pura espontaneida-de em aprendizagens escolares. Ela precisa ser organizada. As nicas redes que funcionam sem mediador so as de en-tretenimento. Outra razo para chamar os agrupamentos com as caractersticas levantadas de redes de aprendizagem online deve-se ao fato de que estas ofereceriam melhores condies para que seus participantes construam conheci-mento, visto que apresentam um processo de ensino. Para Machado (2000, p. 133), na construo de conhecimento, sempre so necessrios disciplina, ordenao, procedi-mentos algortmicos, ainda que tais elementos no bastem, isoladamente ou em conjunto, para compor uma imagem dos processos cognitivos. A aprendizagem pressupe a elaborao de conhecimento por parte do sujeito, um nvel acima da simples troca de informaes, do compartilha-mento entre os integrantes.

    no entanto, os agrupamentos do ciberespao desti-nados aprendizagem so sistemas complexos e seria pretensioso de nossa parte afirmar que todas as redes de aprendizagem online, sem exceo, possuiriam as caracte-rsticas aqui apontadas. necessrio considerar, ainda, que o ciberespao est em permanente construo e alterao pelas pessoas que o ocupam. O que se apresenta como ele-mento das redes de aprendizagem pode no ser encontra-do daqui a algum tempo.

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    Tendo como objetivo apresentar uma distino em re-lao s demais redes no ciberespao, assim se definiriam as redes de aprendizagem:

    As redes de aprendizagem online so agrupamentos localiza-dos no ciberespao que apresentam caractersticas de um pro-cesso de ensino-aprendizagem: objetivo educativo explcito, planejamento e um ou mais educadores entre os integrantes da rede, que s existe e se mantm se houver interao e abertura para novas propostas dos integrantes.

    Pretende-se relacionar as redes (e comunidades) de aprendizagem online ao que explcito, intencional, ima-gem da narrativa e do filme, em contraposio s cenas iso-ladas e aos fragmentos, informao e ao tcito nas demais redes sociais do ciberespao.

    2 Rede e conhecimentoAs redes de aprendizagem online so sistemas comple-

    xos porque assim a relao entre as pessoas e delas com o contexto e o objeto de aprendizagem. So complexos por-que h incertezas, ordem, desordem, snteses, resistncias, interferncias, mltiplos significados. Assim tambm o conhecimento: uma construo que articula fragmentos, que depende de desconstruo, reconstruo, interpreta-o do objeto e da realidade, e exige processos de auto-organizao e reorganizao mental.

    Em uma poca marcada pelo fenmeno rede (ROSEnS-THIEL, 1988), as ideias de conhecimento e de rede mos-tram confluncias. Alguns autores, como Machado (2004), passam a adotar a metfora do conhecimento como rede de significaes, revelando suas similaridades:

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    De fato, a ideia de conhecer encontra-se cada vez mais asso-ciada a conhecer o significado, sendo o significado de algo ca-racterizado por meio das relaes que podem ser estabelecidas entre esse algo e o resto do mundo. Construir conhecimento seria, pois, construir uma grande rede de significaes, em que os ns seriam os conceitos, as noes, as ideias, em outras pa-lavras, os significados; e os fios que compem os ns seriam as relaes que estabelecemos entre algo em que concentramos nossa ateno e as demais ideias, noes ou conceitos; tais re-laes condensam-se em feixes, que, por sua vez, se articulam em uma grande rede. (MACHADO, 2004, p. 89).

    Para Machado, o hipertexto1 talvez uma metfora vlida para todas as esferas da realidade em que significaes este-jam em jogo (2004, p. 25). Lvy (1993) aponta as seguintes caractersticas do hipertexto: metamorfose, heterogeneidade, multiplicidade e de encaixe das escalas, exterioridade, topolo-gia e mobilidade dos centros. Elas ajudam a mapear algumas dinmicas que ocorrem nas redes de aprendizagem online.

    Metamorfose

    A rede hipertextual est em constante construo e renego-ciao. Ela pode permanecer estvel durante certo tempo, mas esta estabilidade em si mesma fruto de um trabalho. Sua ex-tenso, sua composio e seu desenho esto permanentemente em jogo para os atores envolvidos, sejam eles humanos, pala-vras, imagens, traos de imagens ou de contexto, objetos tcni-cos, componentes destes objetos etc. (LVY, 1993, p. 25).

    1 uma forma no-linear de apresentar e consultar informaes. um hipertexto vin-cula as informaes contidas em seus documentos (ou hiperdocumentos, como preferem alguns) criando uma rede de associaes complexas atravs de hyper-links ou, mais simplesmente, links (COSTA, 1999, p. 254).

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    Os participantes de uma rede de aprendizagem online esto permanentemente em negociao, sem a qual no seria possvel conviver e aprender com os demais. A estabi-lidade seria fruto das negociaes e das dinmicas da rede para manter e/ou acolher novos integrantes. Alm disso, nas redes de aprendizagem online, cada contribuio com-partilhada pode transformar o sentido e o entendimento do outro, apresentando relaes que contribuam para o co-nhecimento que est em construo.

    Heterogeneidade

    Os ns e as conexes de uma rede hipertextual so heterog-neos. na memria sero encontradas imagens, sons, palavras, diversas sensaes, modelos etc, e as conexes sero lgicas, afetivas etc. na comunicao, as mensagens sero multimdias, multimodais, analgicas, digitais etc. (LVY, 1993, p. 25).

    O ciberespao oferece s redes de aprendizagem possibili-dades de trabalhar com diversos formatos: imagens, sons, v-deos, entre outros, reunindo-os em um s lugar, embora as interaes entre os participantes, elemento fundamental de uma rede online, acontea, basicamente, pela "palavra digitada". A heterogeneidade tambm pode ser relacionada s pessoas que compem a rede de aprendizagem. Cada n seria repre-sentado por uma pessoa diferente e nica. A singularidade de cada integrante torna a rede rica em diversidade, contribuin-do com a aprendizagem para alm do objetivo explcito.

    Multiplicidade de encaixe de escalas

    O hipertexto se organiza de modo fractal, ou seja, qual-quer n ou conexo, quando analisado, pode revelar-se

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    como sendo composto por toda uma rede, e assim por diante, indefinidamente, ao longo da escala dos graus de preciso (LVY, 1993, p. 25).

    Pode-se pensar os ns a que Lvy se refere como as fa-las dos participantes na rede. Cada uma delas pode ser uma porta de entrada para debates e novas construes. Alm disso, os contedos elaborados pelos participantes de uma rede de aprendizagem online, se permitidos para visua-lizao de qualquer pessoa no ciberespao, podem contribuir para aprendizagem de quem acess-la o que poderamos entender como um efeito de propagao. Cita-se, como exemplo, a Comunidade de Pesquisa sobre Aprendizagem Colaborativa e Tecnologias (COLEARn, 2008), cujo con-tedo pode ser acessado por qualquer internauta.

    Exterioridade

    A rede no possui unidade orgnica, nem motor interno. Seu crescimento e sua diminuio, sua composio e sua recompo-sio permanente dependem de um exterior indeterminado: adi-o de novos elementos, conexes com outras redes, excitao de elementos terminais (captadores) etc. (LVY, 1993, p. 26).

    O princpio de exterioridade transporta para o fato de que as redes de aprendizagem online podem crescer ou di-minuir em nmero de participantes com muita rapidez. H redes de aprendizagem que so abertas e aceitam par-ticipantes a qualquer momento. A cada novo integrante, novas contribuies, caracterizando o conhecimento em construo. Outras redes, como cursos de graduao ofe-recidos a distncia, tm um nmero limite e ainda podem diminuir com o abandono de alguns participantes. A marca

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    de volatilidade da rede de aprendizagem online est intrin-secamente ligada manuteno do interesse pela aprendi-zagem, assim como o seu despertar (no caso do ingresso).

    Topologia

    nos hipertextos, tudo funciona por proximidade, por vizi-nhana. neles, o curso dos acontecimentos uma questo de topologia, de caminhos. (LVY, 1993, p. 26).

    Quanto menor a distncia entre os participantes de uma rede de aprendizagem online, maior as chances de construo de conhecimento, uma vez que na aprendiza-gem em rede online no bastam informaes, mas tambm relaes de proximidade, que envolvam ateno, compa-nheirismo, afeto. A significao, principalmente em meio virtual, onde nem sempre possvel ver expresses faciais, passa pelos sentimentos, manifestados, por exemplo, por meio de emoticons, sequncia de caracteres tipogrficos usados para transmitir emoes.

    Mobilidade dos centros

    A rede no tem centro, ou melhor, possui permanentemen-te diversos centros que so como pontas luminosas perpe-tuamente mveis, saltando de um n ao outro, trazendo ao redor de si uma ramificao infinita de pequenas razes, de rizomas, finas linhas brancas esboando por um instante um mapa qualquer com detalhes delicados, e depois cor-rendo para desenhar mais frente outras paisagens de sen-tido. (LVY, 1993, p. 26).

    Cada participante da rede um centro e todos eles so fun-damentais para o conhecimento dos outros integrantes, uma

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    vez que a aprendizagem em rede baseia-se na interao. A ateno dada a cada centro pode variar ao longo do pro-cesso uma vez que as pessoas so mais do que algum na rede: ao se manifestarem diante do grupo representam contedos/ideias a serem discutidos.

    Ainda quanto mobilidade dos centros, seria interes-sante pensar tambm que uma rede de aprendizagem on-line pode ser a porta de entrada para a Internet. E, nesse sentido, ela integra o desenho contra-hegemnico do ciberespao. Segundo Bento Silva (2008), contra-hegem-nico porque cada um entra e configura a rede como bem entender (SILVA apud CARVALHO, 2008a).

    Silva explicou que a pgina da escola, do educador e/ou do educando pode ser o centro do ciberespao, medida que as pessoas utilizam essas pginas para nele entrarem. Se na Internet a escola tem um bom projeto, um bom site, neste site tem materiais e projetos atrativos, essa escola pode assumir a centralidade. Essa escola pode ser desejada, visitada, parti-lhada por pessoas de qualquer parte do mundo (SILVA apud CARVALHO, 2008a). Por isso que se fala cada vez mais de redes localizadas, o cruzamento do local com o global.

    Por mais distante que uma escola possa estar em re-lao sua situao territorial fsica , e apresente um po-tencial de ao reduzido, na rede, o limite o interesse dos projetos. A possibilidade de ser o centro do ciberespao valoriza o trabalho do educador, do educando e da escola.

    3 Educador: o n robustonas redes sociais online, as pessoas so os ns; os fios

    so as relaes entre elas. As redes no possuem ncleo seno seriam teias e dependem de todos os ns para no

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    apresentarem buracos e se desfazerem. Alguns desses ns apre-sentam um nmero maior de ligaes, so ns extremamente conectados, pessoas com mais conexes do que a mdia do grupo. nas redes de aprendizagem, elas no s teriam um n-mero grande de ligaes, como seriam ns robustos em senti-do metafrico , graas a algumas competncias que possuem. Fala-se aqui dos educadores que, no espao virtual, aparecem com diversos nomes: professor, tutor, mediador, gestor etc.

    Sabe-se que, nas redes de aprendizagem online, as pes-soas ensinam e aprendem umas com as outras at porque se trata de rede de pessoas em um processo educativo. Mas, entre elas, destaca-se quem possui a capacidade de tecer significaes, mediar relaes, mapear relevncias, construir narrativas fabulosas, praticar a tolerncia e exercer a au-toridade. Essas so competncias apontadas por Machado (2004, 2009) ao educador que concebe o conhecimento como uma rede de significaes, e no como algo a ser dado ao outro (que no sabe) ou decomposto em partes simples para ser apresentado em uma sequncia lgica. As competncias so atribudas ao educador que atua tanto no ciberespao como fora dele. Mas sabe-se tambm que nem todos as possuem e, muitas vezes, o que se encontra ape-nas a repetio de uma prtica educativa transmissora de contedos, que no condiz com a ideia de rede de aprendi-zagem, seja ela desenvolvida no ciberespao ou no.

    As seis competncias bsicas podem constituir trs ei-xos, em pares complementares: tecer significaes/mapear relevncias, mediar relaes/construir narrativas fabulo-sas, exercer a autoridade/praticar a tolerncia (MACHA-DO, 2009). A organizao em feixes refere-se posio do educador em relao aos demais participantes. Em alguns momentos, o educador estabelece uma relao simtrica

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    com os integrantes da rede, mas, em outros, precisa estar assimetricamente para ajudar a rede a avanar. Trs des-ses verbos representam aes simtricas, niveladas: tolerar, mediar e tecer; os outros, a assimetria necessria em um processo educativo: exercer autoridade, fabular e mapear.

    Exercer a autoridade/praticar a tolerncia

    Em uma rede de aprendizagem online, o educador se destaca por sua autoridade diante do grupo, atribuda aos conhecimentos que possui a respeito do objeto de apren-dizagem e da responsabilidade que toma para si acerca do processo de ensino a ser desenvolvido.

    O educador recorda a autoridade encontrada na cultura tecnomeritocrtica, primeira camada de confeco do cibe-respao, como tratado no incio deste livro. naquele contex-to, a autoridade estava enraizada na academia e na cincia, na coordenao de projetos e na confiana dos demais. O respeito autoridade demandava de seu comportamento, que estava de acordo com as normas da comunidade/rede e do valor de compartilhamento de seus conhecimentos com os demais. Em outra camada do ciberespao, a de algumas comunidades da cultura hacker, a presena dessa autoridade tambm era encontrada, embora os agrupamentos fossem mais auto-organizados por no terem vnculo institucional.

    O educador das redes de aprendizagem online revela cerca semelhana com essas autoridades que contriburam para a construo do ciberespao. Entre os participantes da rede, ele se faz presente para acalorar, alimentar e orientar o grupo. Mas sua autoridade no pode ser exercida sem tolerncia. A competncia do educador revela-se pela conscincia da necessidade de respeito pelos outros, uma prtica essencialmente educativa. Com a suavidade da lua,

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    ele aproveita as diferenas entre os participantes da rede para expandir a compreenso sobre o objeto e a relao entre os prprios integrantes, ajudando o grupo a crescer. Ao colocar-se em simetria com os participantes, equilibra a relao na qual tambm precisa exercer a autoridade.

    Mapear relevncias/tecer significaes

    As redes de aprendizagem online existem e se sustentam graas s interaes entre seus membros. Elas permitem aos integrantes trocarem informaes que podem lev-los tambm com a contribuio de contedos disponibiliza-dos no ambiente onde se encontram a construrem uma viso do que est sendo tratado, empregando-a em outras situaes dentro e/ou fora do ciberespao.

    As interaes, no entanto, geram um volume grande de informaes e todas elas se relacionam. no emaranhado de significados criados pela rede, o educador age como um mapeador de relevncias, a partir do objetivo a que o agru-pamento se props. certo que tudo pode ser relacionado a quase tudo, mas discernir o que verdadeiramente impor-ta , cada vez mais, a grande questo, diz Machado (2004, p. 92), para quem as noes de rede e mapa nunca estive-ram to ligadas. Para no se perder na rede, o navegador utiliza-se de um mapa de relevncias.

    nesse contexto, o educador toma para si a responsabili-dade de apontar e estimular a explorao de centros de in-teresse que esto de acordo com a proposta educativa. Ele tambm organiza atividades e apresenta um planejamento, sempre em concordncia com os participantes. Ao mapear relevncias, coloca-se em assimetria diante dos demais.

    Por outro lado, o educador est ao lado dos partici-pantes o tempo todo para reconfigurar e expandir a rede de significados de cada um. Ele entende o conhecimento

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    como rede de significaes, onde os ns so os conceitos, as ideias; e os fios que compem os ns so as relaes esta-belecidas entre as noes (MACHADO, 2004). Colocando-se em simetria perante os demais integrantes, o educador comunica-se, sem coao. Ao destacar a palavra do outro, ajuda-o a tecer e atualizar a rede de significados que pos-suem antes mesmo de fazer parte do grupo.

    Construir narrativas fabulosas/mediar relaes

    Se forem ampliadas, com uma lente, as aes do edu-cador na rede de aprendizagem online se ver que elas aca-bam por construir uma narrativa cujo final seria alcanar o objetivo educativo definido no incio da narrao. O edu-cador/narrador contribui para que os participantes no se percam na fragmentao que caracteriza o ciberespao.

    Mas a narrativa construda em conjunto, embora o edu-cador possa estar frente da ao. E o faz por ser um media-dor de relaes relevantes. nem sempre as pessoas conseguem vislumbrar relaes entre os significados, que contribuem para novas aprendizagens. O educador atua, ento, para des-tacar e at mesmo apresentar essas relaes, negociando com os outros a sua relevncia. Coloca-se na perspectiva do outro para levar em conta seus pontos de vista e ajud-lo a construir conhecimento. Ao mediar, est no mesmo nvel dos demais participantes, intervindo com suavidade.

    Ao apresentar as seis competncias anteriores, o edu-cador se destaca na rede de aprendizagem online por ser um n robusto, capaz de estabelecer um nmero grande de ligaes com os demais participantes, no os deixando se perder e nem se sentirem perdidos em meio aos outros ns. Apresenta-se como um provocador da aprendizagem, algum que enxerga o todo e promove oportunidades.

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    De modo algum a presena do educador retira dos de-mais a responsabilidade pela prpria aprendizagem e a dos colegas. Em rede, construir conhecimento est intrinseca-mente relacionado interao, alm do estudo de contedos disponibilizados no ambiente, no apenas pelo educador, mas por todos. Trata-se, portanto, de uma relao mais ho-rizontal, mas que no prescinde de assimetria em alguns momentos por visar a um objetivo educativo.

    H de se considerar, ainda, que para tolerar/exercer au-toridade, mediar/fabular e tecer/mapear no ciberespao, o educador precisa compreender as particularidades tcni-cas e culturais em transformao. Sua ao, a partir des-sas competncias, depende de enxergar o ciberespao para alm do uso instrumental, do emprego de novas ferramen-tas para animar o processo educacional, sem reconfigur-lo. Seria preciso apropriar-se do ciberespao a partir de uma perspectiva cultural, entendendo as transformaes educacionais que se desenvolvem junto com ele.

    A articulao entre a cultura digital e a educao se con-cretiza a partir das possibilidades de organizao em rede, apropriao criativa dos meios tecnolgicos de produo de informao, acompanhado de um forte repensar dos va-lores, prticas e modos de ser, pensar e agir da sociedade, o que implica na efetiva possibilidade de transformao so-cial. (PRETTO; ASSIS, 2008, p. 82, grifo nosso).

    A ao do educador no ciberespao est diretamente relacionada ao carter de autoria que a profisso exige. Ele no deve ser apenas um ator no ciberespao, mas tambm um autor, junto com os participantes da rede de aprendiza-gem. Para Pretto (2007), os professores precisam recuperar a perspectiva artes de seu trabalho, com auxlio de polti-cas pblicas que a estimulem.

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    Se na escola o educador criativo e desenvolve tra-balhos interessantes com seus educandos, utiliza-se de vrios recursos como vdeo, computador, gravador, e age como mediador da aprendizagem, concebendo o co-nhecimento como tratamos aqui, tambm vai encontrar no ciberespao o seu lugar. O online potencializa esta energia que o professor j tem, disse Marco Silva em entrevista (CARVALHO, 2008b). Ao conhecer as ferra-mentas e recursos do ciberespao, o educador desenvol-ver formas de utiliz-los no ensino para promover a aprendizagem de forma interativa, em rede, da mesma forma que poder desenvolver um relacionamento mais personalizado com seus educandos.

    Mas se o educador adepto ao ensino baseado na oratria de um para muitos, ficaria difcil desenvolver um trabalho dialgico, que contemple debate e cola-borao em ambiente online. Esse educador acabaria subutilizando os recursos que a Internet disponibiliza, por exemplo, apenas publicando textos para leitura e pedindo entrega de trabalhos. nesse caso, segundo Silva, migra-se para o virtual,

    [...] mas levando um rano, baseado no texto chapado e nas respostas a perguntas feitas, quando o online extre-mamente rico, vivo, permite convergncia de mdias [...]. Para o professor no subutilizar o ambiente virtual, preciso que antes saiba o que ser um docente (CAR-VALHO, 2008b).

    O educador das redes de aprendizagem online o pro-fissional que possui as competncias destacadas neste cap-tulo e, por meio de sua autoria, promove a aprendizagem colaborativa e transformadora.

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    4 Cursos online como redesde aprendizagem

    Qual a relao entre redes de aprendizagem e cursos online? As redes de aprendizagem pertencem ao universo da Educao a Distncia? Para responder a essas questes, foram buscados alguns conceitos e orientaes, como a do Ministrio da Educao (MEC):

    [...] educao a distncia deve ser compreendida como a atividade pedaggica que caracterizada por um processo de ensino-aprendizagem realizado com mediao docente e a utilizao de recursos didticos sistematicamente organi-zados, apresentados em diferentes suportes tecnolgicos de informao e comunicao, os quais podem ser utilizados de forma isolada ou combinadamente, sem a frequncia obrigatria de alunos e professores. (BRASIL, 2002).

    O trao distintivo dessa modalidade de Educao seria a midiatizao das relaes entre professores e educandos, substituindo a assistncia regular aula por uma nova pro-posta, na qual o tempo e o espao no so necessariamente compartilhados (LITWIn, 2001). As Tecnologias de Infor-mao e Comunicao (TICs), assim como apostilas impres-sas, programas de TV e gravaes em udio, so algumas das tecnologias incorporadas Educao a Distncia como suporte e tornam-se grandes desafios nos anos de 1990 para a modalidade. H quem diga, no entanto, que elas resolvem o problema da falta de interatividade a que a EaD se ressentia.

    no ciberespao, a troca de opinies e a orientao do edu-cador so rpidas, podendo ser mais claras e fceis do que via papel e correios. O acesso e as informaes constantemente

  • Jaciara de S Carvalho

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    atualizadas surgem como valor agregado a essa modalida-de de ensino que pode ser desenvolvida por meio das redes de aprendizagem online caso haja interao entre os parti-cipantes, planejamento, um ou mais educadores e objetivo educativo explcito.

    A interao entre educandos e educadores ressaltada como um dos pilares para garantir a qualidade de um curso a distn-cia no relatrio final da Comisso Assessora para a Educao Superior (BRASIL, 2002, p. 14). O documento destaca o papel das TICs para atender s exigncias de qualidade do proces-so pedaggico atual, devendo ser oferecidas e contempladas, prioritariamente, as condies de telecomunicao (telefone, fax, correio eletrnico, teleconferncia, frum de debate em rede etc. ...) e interao que permitam uma maior integrao entre professores e alunos, assim como entre os estudantes.

    Apesar de conhecida a importncia da interao para o processo de ensino e aprendizagem, Valente (2003, 1999) detecta na Educao a Distncia via Internet a existncia de diferentes abordagens: a broadcast, a virtualizao da sala de aula tradicional e o estar junto virtual. O que as diferencia o grau de interao entre educadores e educandos:yy A abordagem broadcast. A informao enviada ao aluno

    pela Internet, mas no existe interao entre eles. Trata-se de uma relao um para todos, na qual difcil saber se o aluno transformou a informao em conhecimento.

    yy A virtualizao da escola tradicional. H um pouco de interao: o professor passa uma atividade, o aluno a faz e devolve ao professor para avaliao. neste caso, a interao resume-se em fazer uma pergunta e rece-ber uma resposta. Certamente, isso insuficiente para entender se o aprendiz foi capaz de atribuir significado informao disponvel (VALEnTE, 2003, p. 31).

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    yy O estar junto virtual. H mltiplas interaes para acompanhar e assessorar permanentemente o aluno, propondo desafios que o auxiliem a atribuir significa-do ao que est desenvolvendo. Essas interaes criam meios para o aprendiz aplicar, transformar e buscar outras informaes e, assim, construir novos conhe-cimentos (VALEnTE, 2003, p. 31). Esta abordagem, portanto, no tem como objetivo s tornar a informa-o disponvel e verificar se o aluno aprendeu.Embora o ciberespao tenha condies de oferecer uma

    Educao a Distncia que valoriza o estar junto virtual, ainda podemos encontrar cursos online que virtualizam a escola tradicional e oferecem uma abordagem broadcasting, restringindo o potencial interativo entre educadores e edu-candos, e entre os educandos.

    Parte da responsabilidade poderia ser atribuda a al-guns ambientes virtuais desenvolvidos para a Educao, que reproduzem as paredes das salas de aula presenciais ao se mostrarem pouco flexveis (e inflexveis), apresentando ape-nas espaos para serem preenchidos. no entanto, um bom educador seria capaz de burlar as dificuldades impostas pela tecnologia, encontrando meios para promover a interao.

    Independente da abordagem, quando esses cursos uti-lizam a conexo em rede, poderamos falar em Educao online, expresso que seria mais adequada do que Educa-o a Distncia (EaD), essa mais abrangente.

    Educao online uma ao sistemtica de uso de tecnolo-gias, abrangendo hipertexto e redes de comunicao intera-tiva, para distribuio de contedo educacional e promoo da aprendizagem, sem limitao de tempo ou lugar (anytime, anyplace). Sua principal caracterstica a mediao tecnolgica pela conexo em rede. (FILATRO, 2007, p. 47, grifo nosso).

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    Educao online, portanto, se diferencia da Educao a Distncia por depender exclusivamente da comunicao online (FILATRO, 2007, p. 48). A autora tambm contribui para distinguir a Educao online do chamado e-learning, cuja mediao eletrnica pode ou no incluir conexo de rede (2007, p. 48); como exemplo, os pacotes multimdia para uso individual que independe de conexo em rede.

    Assim como os cursos, poderiam ser includas as redes de aprendizagem desenvolvidas no ciberespao ao universo da Educao online, uma vez que ambas apresentam um processo de ensino com mediao pedaggica pela conexo em rede.

    Respondendo pergunta inicial, os cursos online podem ser chamados de redes de aprendizagem quando estimula-rem a interao entre educadores e educandos e entre os es-tudantes, estando abertos a propostas dos participantes.

    H cursos com propostas mais abertas. O professor cria alguns materiais, atividades, questes e os alunos se orga-nizam na escolha dos tpicos, dos materiais, das pesqui-sas, da produo. So cursos mais centrados na colaborao dos alunos do que no professor e pressupem alunos com muita maturidade, motivao e capacidade de aprender juntos. (MORAn, 2008).

    Mas, no ciberespao, possvel encontrar cursos que no funcionam na estrutura de rede; ao no apresentarem dinamismo e fluidez, no poderiam ser chamados de redes de aprendizagem. Empresas que oferecem treinamentos e atualizaes a seus funcionrios, por exemplo, nem sempre privilegiam a interao e alcanam os objetivos definidos previamente. O que se pretende aqui no atribuir valor, mas apontar que h diferenas na dinmica educacional encontrada no ciberespao.

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    5 O desafio da interaonossa experincia no acompanhamento de redes de

    aprendizagem online e a reviso de literatura indicam que no fcil encontrar interao a partir de uma proposta de aprendizagem. Muitas vezes, algum deseja dar incio a uma rede, mas no consegue lev-la adiante porque no h dilogo, muito menos colaborao. Pode parecer contra-ditrio, mas a interao em uma rede de aprendizagem j pode ser considerada uma vitria em se tratando de Edu-cao online. Presenciar a colaborao entre os membros seria ainda mais difcil. A explicao para essas dificulda-des seria a ausncia de uma cultura de aprendizagem no ciberespao, entre a maioria dos educandos, e de ensino, naquele espao, entre os educadores. Faltaria, tambm, a colaborao como valor nas relaes, a pouca familiaridade de ambos com ferramentas interativas e os problemas tc-nicos que os participantes enfrentam durante um processo de ensino, que pode lev-los a desistir e pouco interagir.

    Mas como entender interao? Assume-se aqui como a ao entre duas ou mais pessoas, uma vez que inter um prefixo palavra ao. Ao, por sua vez, um fazer cons-ciente, significado, a caracterstica mais fundamental