Upload
fernandalexandra
View
61
Download
0
Embed Size (px)
1
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIENCIAS DE EDUCAO
CONFLITOS INTERPESSOAIS NO JARDIM-DE-INFNCIA
A representao das educadoras de uma IPSS do distrito de Coimbra
DISSERTAO PARA A OBTENO DO GRAU DE MESTRE
EM CINCIAS DE EDUCAO
rea de especializao:
Superviso pedaggica e formao de formadores
Apresentada por
Dlia Maria Maia Fernandes
Sob orientao de
Prof. Doutor Joo Amado
Coimbra, 2009
2
3
UNIVERSIDADE DE COIMBRA
FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIENCIAS DE EDUCAO
CONFLITOS INTERPESSOAIS NO JARDIM-DE-INFNCIA
A representao das educadoras de uma IPSS do distrito de Coimbra
DISSERTAO PARA A OBTENO DO GRAU DE MESTRE
EM CINCIAS DE EDUCAO
rea de especializao:
Superviso pedaggica e formao de formadores
Apresentada por
Dlia Maria Maia Fernandes
Sob orientao de
Prof. Doutor Joo Amado
Coimbra, 2009
4
5
Dedico
Aos Homens da minha Vida
6
7
Agradeo...
Ao professor Doutor Joo Amado por toda a orientao e disponibilidade oferecida
na orientao e concretizao desta pesquisa.
Ao Lus que com os seus sete anos foi capaz de compreender as ausncias da me.
Ao Lus pela calma, pela liberdade e por acreditar em mim.
Aos meus pais por toda a disponibilidade, pelo seu apoio incondicional, e por
sempre acreditarem em mim.
Agradeo Alda, Isabel, ao Lus por me ajudarem nas transcries das
entrevistas.
s educadoras entrevistadas, cuja identificao acordei no divulgar, pela sua
colaborao e disponibilidade.
Isabel pela ajuda que me deu na formatao de tabelas, na troca de ideias e
sugestes.
Cristina pelas dicas, sugestes, desabafos.
minha cunhada pela traduo do resumo.
A todos os professores do mestrado, aos colegas de turma, pelos ensinamentos que
me proporcionaram.
Ao presidente da instituio por me ter autorizado a fazer esta investigao.
8
s minhas colegas de trabalho, com quem partilhei as angstias e incertezas deste
processo de investigao e com quem aprendi que a persistncia imprescindvel
na construo do conhecimento.
9
Resumo
O presente estudo, de natureza qualitativa, corresponde nossa pretenso
de descrever e interpretar as representaes de seis educadoras de infncia de uma
IPSS do distrito de Coimbra sobre os conflitos interpessoais vivenciados pelas
crianas nas salas de jardim-de-infncia. Tentmos perceber, segundo as
perspectivas das educadoras, a natureza destes conflitos e se eles apresentavam
diferenas destacveis nas crianas dos meios rurais versus crianas dos meios
urbanos.
O nosso estudo baseou-se em dados empricos recolhidos atravs de seis
entrevistas semi-estruturadas, realizadas em contexto profissional. Seguimos,
portanto, uma linha metodolgica que adoptou como estratgia geral o estudo de
caso.
Da anlise de contedo dos dados foi possvel verificar que s as educadoras
que exerciam funes na Zona Rural destacaram algumas diferenas no
comportamento das crianas, tais como, dificuldade em aceitar as regras e falta de
estruturas sociais de apoio nessas zonas.
Em termos gerais, todas assumiram que os conflitos so algo inerente e
imprescindvel ao desenvolvimento humano. Que existe uma grande variedade de
factores (de ordem social, familiar, pessoal, escolar) que devem ser vistos de uma
forma sistmica e interdependente. Relativamente s estratgias usadas para lidar
com o conflito, destacaram algumas medidas preventivas quer ao nvel da sala quer
ao nvel da instituio. Por ltimo, consideraram o tema da investigao muito til,
dado que se fala muito desta temtica nos outros graus de ensino, mas ainda muito
pouco na realidade do pr-escolar.
Palavras-chave: conflitos, relaes interpessoais, pr-escolar, urbano, rural,
estratgias.
10
11
Abstract
The present study, of a qualitative nature, relates to our intention of describing
and interpreting the considerations six early childhood educators from a P.I.S.S.
(Private Institution of Social Solidarity) from Coimbra district have about the
interpersonal conflicts experienced by small children in preschool rooms. We tried to
understand, taking into account the point of view of the educators, the nature of those
conflicts, at the same time trying to perceive if there were significant differences
between children from rural settings versus children from urban surroundings.
Our work was based on empirical data, all of which were assembled by means
of semi-structured interviews, performed in professional settings. Thus, we followed a
methodological orientation, which adopted the study of case as a general strategy.
From the analysis of the content of the data we were able to verify that only the early
childhood educators from rural areas underlined the existence of differences in the
behavior of children, such as the difficulty to accept rules and the lack of social
support structures in those areas.
In general terms, all of the educators have accepted that conflicts are
something that is inherent and indispensable to human development. That there is a
great variety of factors (of social, familiar, personal and school-related origin) which
must be studied in an interdependent and systemic way. In terms of the strategies
used to deal with the conflict, they have chosen some preventive measures to be
used not only inside the preschool rooms but also by the whole institution. Finally,
they have considered the topic of this investigation as being very useful, since there
is much work already done in other school degrees, but not in the preschools.
Key-words: conflicts, interpersonal relationships, preschooler, urban, rural,
strategies.
12
13
NDICE
INTRODUO ......................................................................................................... 17
PARTE I ENQUADRAMENTO TERICO ............................................................ 21
CAPITULO I............................................................................................................. 23
CLARIFICAO DE CONCEITOS .......................................................................... 23
1 - LEVANTAMENTO DE ESTUDOS .............................................................................. 23
2 - OS CONCEITOS DE INDISCIPLINA, VIOLNCIA E AGRESSIVIDADE ................................ 25
3 - O CONCEITO DE CONFLITO .................................................................................. 27
4 - INTERVENO NA GESTO DE CONFLITOS ............................................................ 36
CAPITULO II............................................................................................................ 45
RELAES INTERPESSOAIS NO JARDIM-DE-INFNCIA .................................. 45
1 - PROCESSO DAS RELAES INTERPESSOAIS ......................................................... 45
2 - O RELACIONAMENTO INTERPESSOAL: TEORIA DE ROBERT SELMAN ......................... 47
3 - O DESENVOLVIMENTO MORAL ............................................................................. 51
CAPITULO III ........................................................................................................... 59
DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOS EDUCADORES DE INFNCIA ....... 59
1 - A FORMAO DE PROFESSORES ......................................................................... 59
2 - A EDUCAO DE INFNCIA EM PORTUGAL ............................................................. 59
3 - A FORMAO EM PORTUGAL ............................................................................... 62
PARTE II ESTUDO EMPRICO ............................................................................. 67
CAPITULO IV .......................................................................................................... 69
METODOLOGIA DO ESTUDO EMPRICO ............................................................. 69
1- CONCEPTUALIZAO E QUESTES DO ESTUDO ....................................................... 69
2 - ESTRATGIA USADA O ESTUDO DE CASO ............................................................ 70
3 - CARACTERIZAO DO CONTEXTO DA INVESTIGAO .............................................. 70
4 - TCNICA DE RECOLHA DE DADOS AS ENTREVISTAS ............................................ 75
5 - TCNICA DA ANLISE DE DADOS A ANLISE DE CONTEDO ................................. 77
14
CAPITULO V ........................................................................................................... 79
APRESENTAO E INTERPRETAO DOS DADOS .......................................... 79
1- CARACTERIZAO DO MEIO E DAS CRIANAS.......................................................... 79
2- AS EDUCADORAS E A SUA REPRESENTAO DO CONFLITO ....................................... 82
A) ASPECTOS GERAIS CARACTERIZADORES DA PROBLEMTICA DO CONFLITO ................ 82
B) OS FACTORES DOS CONFLITOS NA PERSPECTIVA DAS EDUCADORAS ........................ 87
C) AS ESTRATGIAS USADAS PELAS EDUCADORAS PARA LIDAR COM O CONFLITO ........... 96
D) POSICIONAMENTO CRTICO ACERCA DA FORMAO SOBRE OS CONFLITOS .............. 105
CONSIDERAES E CONCLUSES FINAIS ...................................................... 109
BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................... 113
ANEXOS ................................................................................................................ 121
ANEXO 1 GUIO DA ENTREVISTA .................................................................. 123
ANEXO 2 ENTREVISTA ..................................................................................... 127
ANEXO 3 MATRIZ VILA ..................................................................................... 153
ANEXO 4 MATRIZ RURAL ................................................................................ 185
15
NDICE DOS QUADROS
Quadro 1: Dimenses da Moralidade Heternema e Autnoma .............................. 52
Quadro 2: Nveis e Estdios de Desenvolvimento Moral .......................................... 53
Quadro 3: Paralelismo entre Desenvolvimento Cognitivo, Tomada de Perspectiva
Social e Estdio Moral ............................................................................................. 55
Quadro 4: Identificao das Educadoras .................................................................. 74
16
17
INTRODUO
A Lei Quadro da Educao Pr-Escolar estabelece como princpio geral
que a educao pr-escolar a primeira etapa da educao bsica no processo de
educao ao longo da vida (...) favorecendo a formao e o desenvolvimento
equilibrado da criana tendo em vista a sua plena insero na sociedade, como ser
autnomo, livre e solidrio (Orientaes Curriculares). Ao educador de infncia
pede-se que ajude a desenvolver as competncias sociais, emocionais e motoras,
para que as crianas se socializem e possam integrar uma sociedade, como
cidados plenos.
Contudo, o que a experincia do dia-a-dia nos tem demonstrado que cada
ano que passa parece existir um maior nmero de crianas com problemas de
comportamento e emocionais que dificultam, em muito, o trabalho desenvolvido
pelas educadoras nas salas de Jardim-de-infncia. Existem vrias investigaes que
corroboram a nossa experincia. Segundo Rutter e Smith (1995, citado por
Buchanan, 2000; Webster-Stratton, 1997) existe um fenmeno de escalada dos
problemas de comportamento e emocionais [...] que [...] ocorrem em idades cada
vez mais precoces (Gaspar, 2004:255).
Alm disso, alguns estudos realizados1 concluram que as crianas que
demonstram um comportamento agressivo na infncia se podem tornar adultos
problemticos.
Para tentar combater esta problemtica, e dado que a investigao
educacional tem vindo a demonstrar que os primeiros anos de vida so cruciais
para o desenvolvimento harmonioso do ser humano (Formosinho, 2001). Parece-nos
evidente que a frequncia de um programa de educao pr-escolar de qualidade
1 Num estudo longitudinal, conduzido em Dunedin, Nova Zelndia, que abrangeu uma coorte de
indivduos, dos trs aos vinte e um anos de idade, verificou-se que os indivduos que, aos trs anos, haviam sido considerados como tendo falta de controlo sobre si prprios, tornaram-se impulsivos, instveis, agressivos e apresentaram maior taxa de criminalidade, e mais conflitos com os membros das suas esferas social e profissional (Caspi, 2000:21). Com base nos resultados de vrios estudos chegou-se concluso de que os comportamentos agressivos na infncia so um dos melhores preditores do comportamento agressivo na adolescncia e na vida adulta (Tremblay,Japel, Perusse et al., 2000:102).
18
pode ser usada como uma estratgia de preveno, ao ajudar as crianas a
aumentar as suas competncias sociais e emocionais. Os educadores devem,
assim, estar sensibilizados para a utilidade das competncias sociais e interpessoais
como condio essencial para uma boa acomodao da criana, tanto no presente
como no seu desenvolvimento futuro (Vale & Gaspar, 2004).
Essas competncias incluem auto-conscincia, o controlo dos impulsos, a
empatia, a capacidade de escolha, a cooperao e a resoluo de conflitos e
tornam-se ferramentas-chave quando a criana, na adolescncia, tem que fazer face
ao consumo de substncias (lcool, tabaco, drogas...) violncia (Vale & Gaspar,
2004: 338).
Sendo a criana um ser socivel que se desenvolve na interaco com os
seus pares, essencial que os diferentes contextos tenham qualidade (escola, casa,
grupo de pares), isto porque, se assim for, a criana sai beneficiada em termos de
desenvolvimento (Gaspar, 2004).
Vrias teorias que se debruam sobre as razes da existncia de problemas
de comportamento na criana mencionam como causa: as relaes parentais
inadequadas; conflitos conjugais; depresso, abuso de drogas ou criminalidade dos
pais; factores de risco biolgico e de desenvolvimento da criana como dfices de
ateno e atrasos de linguagem; factores de risco escolar, como o uso pelos
professores de estratgias pobres de gesto na sala e baixo envolvimento dos
professores com os pais; e ainda factores de risco na comunidade, como a pobreza
ou existncia de bandos delinquentes (Webster-Stratton, 2002, citado por Vale &
Gaspar, 2004:338).
Nesta linha de pensamento e a fim de que a qualidade dos contextos onde a
criana se desenvolva seja garantida, julgamos ser imprescindvel melhorar a
formao dos profissionais de educao, de modo a que adquiram competncia
para resolver e estabelecer estratgias adequadas preveno dos
comportamentos menos adequados que surgem nas suas salas.
Tornar as famlias parceiras neste processo , tambm, fundamental dado
que a educao dos pais uma das estratgias possveis de envolver os pais no
jardim-de-infncia, numa perspectiva de parceria entre as duas instituies
educativas (Gaspar, 2004:259).
19
Assim, considermos de extrema importncia abordar esta problemtica dos
conflitos interpessoais, para conhecer a realidade nos jardins-de-infncia, perceber
como que se vivenciam essas interaces e quais as estratgias que as
educadoras usam para os prevenir e/ou resolver.
Formulmos, nessa perspectiva, algumas questes internas ao tema:
Conhecer a realidade dos jardins-de-infncia, relativamente aos conflitos
interpessoais segundo a representao das educadoras de infncia;
Identificar diferenas comportamentais entre as crianas do meio urbano/
meio rural segundo a percepo das educadoras de infncia;
Identificar os factores que, na perspectiva das educadoras, desencadeiam os
conflitos;
Descrever as estratgias usadas pelas educadoras para combater/prevenir os
conflitos;
Confrontar e discutir essas estratgias luz das referncias tericas.
Neste sentido, a frequncia de um programa de educao pr-escolar de
qualidade exerce a sua influncia nas trajectrias de desenvolvimento atravs do
aumento do desenvolvimento cognitivo e intelectual na infncia, melhorando a
prontido para as aprendizagens, a que se vem juntar o acrscimo da competncia
social e das aptides de interaco social o que, combinando com os resultados
escolares positivos ajuda a reduzir comportamentos de risco sociais e de sade
(fsica e mental) (Gaspar, 2007:94).
O presente trabalho consolida-se em duas partes essenciais. A primeira parte
relativa reviso da literatura e pretende constituir o enquadramento terico-
conceptual que serve de referncia ao estudo emprico; este, por sua vez ser
objecto de descrio e discusso na segunda parte do trabalho.
Assim, a primeira parte dividida em trs captulos que passamos a expor.
No primeiro captulo fazemos um levantamento de estudos que fundamentam a
pertinncia desta investigao. Clarificmos alguns conceitos relacionados com a
problemtica em estudo: conflitos interpessoais, agresso, violncia,
comportamentos anti-sociais, indisciplina. Desenvolvemos o conceito de conflitos
interpessoais, os tipos de conflitos e os factores que esto na origem dos mesmos.
20
Descrevemos algumas medidas preventivas (fruto de vrias investigaes) para
combater a problemtica dos conflitos. Por fim, especificmos algumas estratgias
gerais de ensino, usadas para prevenir ou resolver os conflitos nas salas.
No segundo captulo, analismos o processo das relaes interpessoais
realizadas pelas crianas no jardim-de-infncia, fazendo uma breve aluso Teoria
de Robert Selman: Relacionamento Interpessoal.
No terceiro captulo fazemos uma breve resenha histrica sobre a formao
de professores em Portugal, centrando-nos mais na educao de infncia.
A segunda parte deste trabalho centra-se, como j dissemos, no estudo
emprico. Assim, iniciamos esta parte, fundamentando a seleco do contexto da
investigao e descrevendo os objectivos da mesma. De seguida, expomos e
justificamos as opes metodolgicas, nomeadamente, os instrumentos de recolha
de dados: a preparao e o guio da entrevista.
Antes de entrarmos, propriamente, na apresentao e discusso dos dados,
explicamos pormenorizadamente os procedimentos seguidos na sua anlise de
contedo. Segue-se a apresentao e interpretao dos dados, partindo da ideia de
que se deve interpretar nas entrelinhas o que as entrevistadas expressam. Foi,
portanto atravs de inferncias que tentmos descortinar e alcanar as percepes
das entrevistadas. No final desta segunda parte procurmos fazer algumas
consideraes e formular algumas concluses sobre a temtica estudada. Cabe, no
entanto, referir que sendo este trabalho um estudo de caso, no possvel, nem
nunca foi o nosso propsito chegar a concluses generalizveis a outros contextos.
21
PARTE I ENQUADRAMENTO TERICO
22
23
CAPITULO I
CLARIFICAO DE CONCEITOS
1 - Levantamento de Estudos
A escolha desta temtica mostrou-se adequada aos nossos interesses visto
que muitos outras investigaes confirmam que:
A) A literatura prova que os comportamentos anti-sociais nas escolas so
cada vez mais frequentes e em idades mais precoces
Vrios estudos tm revelado que os comportamentos anti-sociais so
descobertos cada vez mais precocemente, e que normalmente, as crianas que
desenvolvem esses comportamentos na infncia, tendem a prolong-los na vida
adulta. Evidncias empricas sugerem que as primeiras manifestaes do
comportamento anti-social podem ser detectadas precocemente, aproximadamente
aos 18 meses (Keenan e Shaw, 1998, citado por Pacheco, et. al., 2005:59).
Nessa idade a criana j apresentaria comportamentos como agredir os pais e
destruir objectos. [...] Estudos longitudinais que acompanham crianas entre o
perodo pr-escolar e o final da infncia oferecem evidncias bastante consistentes
da estabilidade do comportamento anti-social.
B) Os primeiros anos de vida so essenciais na construo da personalidade
da criana
A ideia de que as experincias dos primeiros anos de vida so
determinantes para futuro desenvolvimento do indivduo no nova e encontra-se
muito generalizada. Em seu apoio h, para alm da sabedoria popular, os resultados
de numerosos estudos cientficos, alguns deles j bastante antigos. So de recordar,
a este propsito, os trabalhos de Itard (1807, 1964), de Spitz (1968), de Bowlby
(18944, 1969, 1973) ou de Freud (1905/1996), que constituem referncias
obrigatrias para os estudiosos da psicologia da criana (Fonseca, 2007:129).
24
C) A frequncia, por parte das crianas, de uma educao pr-escolar de
qualidade uma mais-valia para o desenvolvimento das mesmas
Segundo Anderson et al. (2003, citado por Gaspar, 2007:394) [...] e com
base numa meta-anlise de intervenes experimentais ou quase-experimentais em
educao pr-escolar (3 aos 5 anos), a frequncia de um programa de educao
pr-escolar de qualidade exerce a sua influncia nas trajectrias de desenvolvimento
atravs do aumento do desenvolvimento cognitivo e intelectual na infncia,
melhorando a prontido para as aprendizagens, a que se vem juntar o acrscimo da
competncia social e das aptides de interaco social o que combinado com os
resultados escolares positivos, ajuda a reduzir comportamentos de riscos sociais e
de sade (fsica e mental).
D) O educador, como observador e interventor privilegiado, tem um papel
fundamental na promoo das competncias sociais nas crianas
no jardim-de-infncia que as crianas comeam a moldar as competncias
e habilidades sociais, inserindo-se ou no em grupos de pares, desenvolvendo toda
uma gama de comportamentos que a levaro a nveis de desenvolvimento
superiores. nesse espao feito de comunicaes interpessoais que se vivenciam
as primeiras transies, os primeiros conflitos e os primeiros confrontos com uma
realidade no to protegida como a familiar. O educador surge, assim, no s no
importante papel interventor, como assume, de facto a personagem principal de
observador privilegiado (Silva, Verssimo, Santos, 2004:109).
E) A formao inicial dos professores fica aqum do desejado, relativamente,
ao tema conflitos interpessoais
Segundo Vinha e Assis [...] quando se observa o quotidiano das escolas e
tambm em contacto directo com os professores e especialistas em cursos e
reunies de estudo, constata-se que uma das dificuldades que esses profissionais
em educao encontram e que gera muita insegurana, reside justamente em lidar
com os conflitos que ocorrem no quotidiano da vida escolar. Raramente os cursos
de formao estudam essas questes preparando o futuro profissional em educao
para lidar com segurana ao defrontar-se com situaes que ocorrem em qualquer
instituio educativa (2003:7).
25
Em jeito de concluso, a deciso de levar a cabo este estudo foi, pois, pelo
facto de presenciamos actualmente, com preocupao, o crescimento alarmante da
violncia, que segundo, a Organizao Mundial de Sade, ocasionou 1,7 milhes de
bitos em 2000 (Yunes, 2002, citado por Leme, 2004:367). Este dado torna-se ainda
mais preocupante quando se verifica, segundo a mesma fonte, que as principais
vtimas e perpetradores da violncia interpessoal so adolescentes e jovens adultos
(Leme, 2004:367). certo que o nosso estudo se debrua sobre uma idade inferior,
crianas de jardim-de-infncia, mas estamos convictos, conforme a investigao
tambm o revela, que muitos dos problemas das idades mais avanadas comeam
a ter o seu ponto de partida precisamente na primeira infncia.
Por esse facto, caber escola, neste caso especfico, ao jardim-de-infncia,
meio favorecido para a observao e despistagem de problemas comportamentais e
outros, trabalhar e desenvolver as reas de competncia pr-social, cabendo ao
educador um papel fundamental.
2 - Os conceitos de indisciplina, violncia e agressividade
Numa sociedade em que cada vez mais surgem crianas com problemas de
comportamento (situaes de conflito interpessoais, violncia entre pares e
indisciplina na escola) considermos essencial esclarecer alguns conceitos, como:
comportamento anti-social, agresso, violncia, indisciplina.
Diariamente ouvimos e observamos nas escolas, pais, educadores,
professores relatarem que determinada criana agressiva, violenta, conflituosa,
indisciplinada, no cumpre regras nenhumas, est sempre a provocar....
O uso abusivo de termos para rotular este tipo de problemas e situaes tem
causado uma certa confuso na designao correcta dos fenmenos que ocorrem,
tanto a nvel escolar, como a nvel social. Da, sentirmos necessidade de aclarar
alguns conceitos, sabendo que essa definio no simples, nem pacfica.
Kazdin e Buela -Casal (1998) consideram que o comportamento anti-social
se refere a todo o comportamento que infringe regras sociais, ou que seja uma
aco contra os outros, como condutas agressivas, furtos, vandalismo, piromania,
mentira, ausncia escolar e/ou fugas de casa [...] essencial que o indivduo
26
apresente um conjunto de aces anti-sociais que se repitam por um perodo
duradouro (citado por, Guequelin & Carvalho, 2007:133). Tambm Fonseca (2000:
9) define comportamento anti-social como um padro estvel de desrespeito pelos
direitos dos outros ou de violaes das normas sociais prprias de uma determinada
comunidade.
Outros conceitos que so usados na literatura e associados ao que acabamos
de expor so o conceito de agresso e violncia.
O conceito de agresso refere-se a um conjunto muito heterogneo de
comportamentos (v.g, bater, insultar, ser cruel, ameaar ou ferir as outras pessoas,
destruir ou danificar os seus bens) que tm em comum o facto de intencionalmente
causarem sofrimento ou danos a outrem (Fonseca, 2007:137).
Por sua vez, o conceito de violncia designa comportamentos agressivos de
grande intensidade (fsica ou psicolgica) exercidos sobre outrem (Fonseca, 2000:
11). Similarmente (Costa, 1996, citado por Luz & Gonalves, 2008:66) advoga que a
violncia o emprego desejado de agressividade com fins destrutivos. Desse
modo, agresses fsicas, brigas e conflitos podem ser expresses de agressividade
humana, mas no necessariamente de violncia. [] A violncia ocorre, ento,
quando h o desejo de destruio.
Um outro conceito muito associado aos anteriores o de indisciplina. Falar de
indisciplina falar de um comportamento que pode ser ocasional ou persistente, de
iniciativa de um indivduo, de um pequeno grupo, de toda uma turma ou ainda, de
um grande nmero de alunos de uma escola; e que pode ter manifestaes
variadssimas que vo da perturbao do trabalho s agresses a colegas e
professores (Amado, 2001:417).
Assim, o conceito de indisciplina no deve ser entendido como um fenmeno
redutvel ao seu lado aparente, visvel, externo (e por isso tambm descritvel e
mensurvel); esse o lado externo da transgresso de princpios, regulamentos,
contratos e ordens, em discordncia com os objectivos do grupo ou instituio e
provocando sempre situaes de perturbao das relaes sociais [...] deve ser
entendida como um fenmeno fortemente determinado por dimenses subjectivas
da responsabilidade de todos os actores em presena (Amado, 2007:2).
27
Por tudo isto que foi dito, entendemos que a problemtica da indisciplina um
fenmeno complexo que deve ser distinguida conforme os contextos relacionais em
que ocorre (Amado, 2007).
Quando optamos por utilizar um destes conceitos devemos ter em ateno os
agentes, as vtimas, as causas, os efeitos e os contextos (Amado & Estrela, 2007:
336) para que se possa compreender e designar melhor o fenmeno observado.
indispensvel que se entenda que a delinquncia, a indisciplina e violncia
so fenmenos distintos. Isto , a delinquncia um acto criminoso cometido por
algum menor de idade; por sua vez, indisciplina algum que infringiu as regras
estipuladas; por fim, a violncia um acto praticado sobre algum que pe em
causa a integridade fsica e /ou mental da pessoa (Amado & Estrela, 2007).
Dito isto, a anlise deste tipo de comportamentos exige um estudo
pormenorizado de cada situao, envolvendo quadros de referncia
multidisciplinares, ngulos diversos atravs dos quais estes fenmenos podem ser
perspectivados (Amado & Estrela, 2007:2).
3 - O conceito de Conflito
Continuando a preocupao anterior por esclarecer conceitos, atentemos
agora no conceito de conflito. Tradicionalmente, os conflitos eram vistos como uma
situao a evitar. Esta ideia poder surgir da gnese latina da palavra conflictu
que significa literalmente choque, embate, luta. A ausncia de conflitos no seio dos
grupos e das organizaes era encarada como um indicador inquestionvel da sua
eficcia. A principal aposta centrava-se no desenvolvimento de competncias que
permitissem sistematicamente evitar o surgimento do conflito. Nesta viso tradicional
a nica forma aceite de gerir e resolver conflitos era a que se sustentava na
autoridade e poder.
Olhar para os conflitos desta forma negativa assume-se como algo limitativo e
superficial. Se verdade que muitos dos conflitos tm efeitos prejudiciais, tambm
verdade que a partir do conflito e de pontos de vista diferentes que nascem as
grandes ideias e decises (Fachada, 1993).
28
Na segunda metade do sculo XX passou-se, ento, a valorizar a existncia
de conflitos dentro de uma organizao, de um grupo e mesmo para as relaes
interpessoais. De acordo com esta viso, o conflito um processo transversal
responsvel pela mudana em todos os nveis da vida social quer em termos
macrossociais quer em termos micro: pessoal, interpessoal e familiar. Ele inerente
nossa condio humana enquanto sujeitos de relao e, portanto, inevitavelmente
omnipresente e necessrio como ingrediente fundamental de complexificao do
sujeito psicolgico na sua relao com o mundo (Gonalves, 2003:114).
Assim sendo o conflito uma propriedade de interaco que cria, tanto
como destri, que se distingue de indisciplina e violncia (mas que as integra), [...]
desmistificando assim a ideia de situao a evitar ou, na sua impossibilidade, a
erradicar. Definido deste modo, a um conflito resolvido sucedem-se novas situaes
conflituais, cabendo aos actores conscientizar esta dialctica e buscar as formas
organizativas adequadas para o (as) enfrentar (Silva, 2003:88-89).
Episdios de conflito tm lugar em qualquer escola, famlia, grupo de amigos,
sala de aula; o importante saber olhar para o conflito como uma varivel
relacional, inerente interaco humana, que, embora, no imediato possa ter um
efeito disruptivo a nvel das relaes interpessoais e possa at afectar
negativamente o clima scio-afectivo da turma ou da escola se reveste de
funcionalidade psicolgica. Significa isso, que o conflito uma condio importante
do desenvolvimento social dos indivduos (Nascimento, 2003:197).
3.1 - Os diferentes tipos de conflitos
Do que se disse anteriormente podemos considerar o conceito de conflito
como polissmico e ao mesmo tempo ter em conta diversos tipos de conflitos:
desde o conflito intra-pessoal at ao conflito entre as naes e governos (McIntyre,
2007:298). Passamos a considerar quatro tipos de conflitos: conflitos intra-pessoais,
conflitos interpessoais, conflitos organizacionais e interorganizacioanais.
Os conflitos intrapessoais so aqueles que surgem no ntimo do indivduo
quando este tem necessidade de dar uma s resposta entre duas, que se excluem
mutuamente (Fachada, 2003). Dentro deste grupo podemos identificar:
29
O conflito atraco-atraco: este conflito surge quando a pessoa se encontra
dividida entre duas situaes atraentes.
O conflito repulso-repulso: este conflito surge quando a pessoa est
perante duas situaes desagradveis.
O conflito atraco-repulso: este conflito surge quando a pessoa est
perante uma situao que possui aspectos positivos e negativos. Este tipo de
conflito o mais usual.
Os conflitos interpessoais podem ser descritos como situaes de
interaco social de confronto, desacordo, frustrao, etc., e que so, portanto,
desencadeadores de afecto negativo, podem ser resolvidos de maneira violenta ou
pacfica, dependendo, justamente, dos recursos cognitivos e afectivos dos
envolvidos, e dos contextos sociais em que ocorrem (Leme, 2004:367). Ou como
afirma Coimbra (1990, citado por Gonalves, 2003:114) o conflito interpessoal pode
ser definido como uma percepo divergente de interesses, crenas, valores,
expectativas entre dois interlocutores.
Os conflitos organizacionais so os conflitos de grupos ou indivduos no
interior de uma mesma organizao.
Os conflitos interorganizacionais so os conflitos que surgem entre
organizaes ou grupos (Silva, 2003:81).
Em cada tipo de conflito a pessoa, o grupo, ou a parte assume uma estratgia
perante a situao. Essa forma de agir perante o conflito varia de pessoa para
pessoa. De acordo, com a estratgia adoptada existe quatro resultados possveis:
1. Uma parte ganha, outra perde;
2. O rival que ganha, e a outra parte perde;
3. Chega-se a um compromisso e ambas as partes perdem at certo ponto
para ganhar noutros;
4. Ambas as partes procuram uma soluo integrativa em que cada parte
acaba por ganhar (Caetano & Vela, 2002; Rahim 1991, citado por
McIntryre, 2007:298).
30
3.2 - Os Factores desencadeadores dos Conflitos
Como j foi referido, o conflito existe nas organizaes. Alis h certas
condies que favorecem o aparecimento de conflitos (McIntryre, 2007). Segundo
Jares (2002:47) podemos enquadrar a origem dos conflitos na instituio escolar em
quatro categorias, inter-ligadas entre si, e por vezes, dificilmente separveis.
A. Ideolgico cientficas:
Opes pedaggicas diferentes.
Opes ideolgicas (definio de escola) diferentes.
Opes organizativas diferentes.
Tipo de cultura ou culturas escolares que convivem na escola.
B. Relacionadas com o poder:
Controlo da organizao.
Promoo profissional.
Acesso aos recursos.
Tomada de decises.
C. Relacionadas com a estrutura:
Ambiguidade de metas e funes.
Celularismo (corporativismo).
Debilidade organizativa.
Contextos e variveis organizativas.
D. Relacionadas com questes pessoais e de relao interpessoal:
Auto-estima /afirmao.
Segurana.
Insatisfao laboral.
Comunicao deficiente e/ou desigual.
Relativamente aos conflitos interpessoais eles podem ter origem em situaes
diferentes, tais como:
Diferenas individuais: diferenas de idade, sexo, atitudes, crenas, valores e
experincias contribuem para que as pessoas vejam e interpretem as situaes de
maneira diversa. Homens e mulheres, filhos e pais, amigos e conhecidos, velhos e
31
novos, colegas de profisso, criam situaes onde a diferena de opinies
inevitvel.
Como afirmam Dimas, Loureno e Miguez os grupos so constitudos por
pessoas com diferentes competncias, conhecimentos e capacidades, com
perspectivas, atitudes e valores diferenciados, com distintas formas de pensar, sentir
e agir, o que os torna um espao privilegiado para a emergncia de conflitos
(2008:10).
Limitaes dos recursos. Nenhuma estrutura, grupo ou famlia possui todos
os recursos de que necessita. Os recursos financeiros, tcnicos e humanos so, por
seu lado, limitados. Partilhar os recursos por todos os indivduos, no tarefa fcil,
para no dizer quase impossvel. Da que, seja necessrio tomar decises sobre o
uso dos recursos. Essa tomada de deciso, feita, normalmente, por quem tem
mais poder dentro da organizao, gerando-se algumas vezes situaes de conflito,
porque as opinies nem sempre so bem aceites por todos.
Como declara Jares (2002) o poder est presente em todas as relaes
humanas. E tal, como o conflito ele no negativo em si mesmo. Ser negativo ou
positivo conforme o uso que se faa dele.
Diferenciao de papis. Os conflitos interpessoais podem tambm surgir da
dificuldade em determinar quem pode dar a ordem ao outro. Se a autoridade de uma
pessoa no aceite pelo outro, surge o conflito (Fachada, 2003).
Todos ns assumimos diferentes papis na sociedade e na famlia; as
pessoas so pais e filhos, na escola so educadores e alunos, noutros ambientes
representam outros papis: colega, amigo, namorado, empregado, patro, cidado.
Por outras palavras, as relaes diferem de contexto para contexto e no podem ser
dissociadas dos papis que cada um assume em determinada situao (Coimbra,
1990).
Vrios estudos apontam o mesmo tipo de causas para o surgimento de
conflitos entre pares. Estes podem ter origem em vrios aspectos de ordem social,
familiar, escolar, pessoal (Amado & Estrela, 2007). Passaremos de seguida a
exemplificar alguns desses factores.
32
Os Factores Individuais Todos ns somos diferentes, portanto agimos e
reagimos s situaes de forma distinta. Quando uma criana entra pela primeira
vez para o jardim-de-infncia vive variadssimas contrariedades sociais. Se por um
lado, umas ainda no conseguem controlar os seus impulsos quando esto a tentar
resolver os conflitos entre pares, outras dependem exclusivamente do adulto para
tudo o que fazem, outras h, que so tmidas por natureza e no interagem com os
colegas (Katz & McClellan, 2001).
Todas estas situaes podem influenciar o comportamento da criana na
forma de agir, quando so solicitadas para realizar uma qualquer tarefa proposta
pelo educador, ou mesmo quando esto em actividades livres, em interaco com o
outro.
Assim, o educador deve olhar para a criana como um ser nico e individual e
tentar perceber o motivo do comportamento. Uma vez que, comportamentos
disruptivos podem ser uma expresso de perturbao emocional, com origem
exterior sala de aula (Katz & McClellan, 2001:14).
Os Factores Familiares A famlia o pilar da socializao. na famlia que
assimilamos os primeiros hbitos de convivncia. Isto faz com que seja muito
marcante, e s vezes fundamental, nos exemplos de convivncia que aprendemos.
Os modelos de convivncia que aprendemos variam em funo de distintas
variveis, como so o ideal de convivncia e de educao dos pais; o tipo de relao
entre eles e com os filhos, e destes entre si; os valores que se fomentam e impem
em muitos casos [...]; o compromisso social dos pais, a situao laboral dos
mesmos; a qualidade das relaes afectivas; os hbitos culturais; a forma mais ou
menos consciente de assumir a paternidade ou maternidade; etc. (Jares, 2007:28).
Todas estas variveis condicionam o comportamento das crianas e a sua maneira
de agir. Apesar do que afirmamos anteriormente ser uma verdade indiscutvel
tambm temos conscincia plena que a instituio famlia est em crise.
A famlia, bem como o resto das instituies, sofreram transformaes
inerentes s mudanas sociais que esto a acontecer em toda a sociedade. A
existncia de factores perturbadores e desestabilizadores na sociedade, provenham
eles da (des) orientao poltica ou das dinmicas econmicas e culturais a elas,
alis, associadas (o aumento exponencial, escala global e local, do fosso entre
33
ricos e pobres, gerador de ressentimentos e quebras de solidariedade, o
desemprego e suas consequncias a todos os nveis, o trfego e consumo de droga,
o comrcio de bebidas alcolicas, os conflitos raciais e ideolgicos, a violncia
oferecida como espectculo nos meios de comunicao, a carncia de estruturas
sociais de apoio aos jovens e susceptveis de prevenir e contrariar a influncia de
companhias com valores no conformistas e desviantes, s quais estes jovens se
juntam por uma necessidade de pertena e de proteco) constitui-se, por certo,
em factor de risco para a queda da marginalidade e, consequentemente, constitui-se
como elemento determinante dos problemas de indisciplina existentes na escola
(Amado, 2007).
Estas mudanas sociais incidem na nova configurao e no novo papel da
famlia incitando uma preocupante desorientao relativamente educao dos
filhos. Muitos pais sentem-se perdidos, impotentes sem saber o que fazer (Jares,
2007). Educar tambm significa dizer no, as famlias tambm devem ensinar aos
seus filhos que nem tudo permitido. Como afirma Freire (2001, citado por Jares,
2007:220) lamento e fico preocupado quando convivo com famlias que sofrem a
tirania da liberdade, em que tudo permitido s crianas: gritam, riscam as
paredes, ameaam as visitas, tudo na presena da autoridade complacente dos
pais, que se julgam os campees da liberdade.
A inexistncia de regras ligada ao facto de se lhes dar tudo leva ao
desenvolvimento de comportamentos consumistas, caprichosos de mnimo esforo
e pouca resistncia frustrao. So crianas e adolescentes que no sabem dar
valor s coisas, nem ao esforo que os pais fazem para que eles as possam ter,
porque para eles foi muito fcil consegui-las (Jares, 2007:222).
Da que, cabe famlia, e s escolas incentivar as crianas a serem
responsveis por determinadas tarefas que vo desde cuidar dos seus objectos
pessoais, dos brinquedos, arrumar o seu quarto etc., at partilhar responsabilidades
comuns, por exemplo pr e levantar a mesa, etc. Temos que educar para o esprito
de reciprocidade (Jares, 2007:23).
34
Os Factores Sociais Segundo Lucini (2005) existem cinco aspectos nas
sociedades actuais que dificultam a concretizao das finalidades educativas.
1- As sociedades actuais so caracterizadas por um dfice de socializao,
ou seja, a famlia e a escola sentem-se incapazes de cumprir com a sua funo
socializadora.
2- O surgimento de novos agentes de socializao como os meios de
comunicao, em especial a televiso que actua sem qualquer tipo de controlo por
parte dos agentes educativos.
3- A crise de autoridade vivida na nossa sociedade e a valorizao do
individualismo to veiculada, sobretudo nas geraes mais novas.
4- Ligada a esta crise de autoridade e valorizao do individualismo, existe
uma crise de valores, de modelos a seguir.
5- Por fim, o facto de vivermos na era da informao e num mundo em
progressiva globalizao isto sem limites, nem fronteiras que torna a vivncia
social, mais difcil.
Este conjunto de aspectos que caracterizam a nossa sociedade actual afecta
grandemente a instituio escolar, os professores, as crianas, como afirma Amado
(2007:4) a escola e a turma no funcionam margem da vida e da estrutura social.
Os elos so muitos e de variada natureza.
Estando ambas as instituies em crise, escola e famlia acabam por se
acusar mutuamente das responsabilidades no diagnstico da perda de valores
bsicos, deteriorao da convivncia, aumento da violncia nas relaes sociais,
etc. (Jares, 2007:208).
Um outro aspecto que torna evidente esta ruptura o facto de que, no
passado, quando uma criana era castigada na escola, no lhe passava pela cabea
ir para casa fazer queixa, porque sabia que seria ainda mais castigada. Ou seja, a
famlia acreditava nos professores, no seu trabalho, na sua autoridade, de tal forma
que havia um consenso social, se o professor castigava alguma razo tinha para o
fazer. Agora, a situao completamente oposta, a famlia questiona e condena a
posio do professor, acabando muitas vezes por desautorizar o seu papel, frente
das crianas (Jares, 2007).
Como afirmou Lucini (2005) os media assumem hoje um papel preponderante
na socializao das crianas, acabando por os afectar negativamente. Vrias
35
investigaes afirmam, segundo Clements (1985), que as crianas passam mais
tempo a ver televiso do que em qualquer outra actividade durante o tempo que
esto acordadas [...] os maiores consumidores so as crianas em idade pr-
escolar, que vem em mdia 25 a 35 horas por semana (citado por Clements &
Nastasi, 2002:562).
Alm das horas que as crianas passam frente da televiso, vrias
investigaes comprovaram a existncia de uma relao causal entre o
visionamento de violncia nos media e o comportamento agressivo subsequente,
com estudos de campo e laboratoriais a apresentarem provas de efeitos a curto
prazo, e a investigao longitudinal (p. ex. estudo ao longo do tempo e estudos
naturalistas) a confirmar efeitos a longo prazo (Turner, Hesse & Peterson-Lewis,
1986, citado por Clemnets & Nastasi, 2002:584).
Factores Escolares e Pedaggicos Estrela (1992:42) refere que o espao
pedaggico simultaneamente o lugar fsico em que se processa a transmisso
intencional do saber e a estrutura de origem cultural que suporta e organiza a
relao pedaggica. Partilhar um espao fechado e limitado com um grupo
numeroso, circunscrever-se ao espao [...] controlar os movimentos e reduzir as
deslocaes constitui a primeira e mais difcil aprendizagem do aluno que entra na
escola. Aprendizagem penosa, que no se faz sem resistncia e sem libertao de
agressividade. Pelas suas dimenses, configurao, densidade de ocupao,
possibilidades de utilizao e condies de apropriao, o espao facilita ou inibe a
relao do professor e dos alunos entre si, marca-lhes limites, assinala papis e
consagra estatutos, veicula normas e valores.
Apesar desta abordagem focar a realidade de outros graus de ensino
pareceu-nos adequado ao pr-escolar dado que o trabalho desenvolvido por uma
profissional de educao do pr-escolar tambm se situa num espao pedaggico
que nem sempre o mais adequado para o exerccio da sua funo.
Estrela (1992:54) afirma, tambm, que a dinmica criada dentro de um grupo
no se constitui de forma voluntria isto , no seio de um grupo, nascem grupos
informais motivados por razes de proximidade ou por semelhanas variadas e entre
esses grupos acontecem fenmenos relacionais como luta pela liderana,
emergncia de lderes informais, presso para a conformidade, procura de fins
36
comuns que asseguram a coeso e a moral do grupo, existncia de bodes
expiatrios sobre os quais se descarrega a frustrao e agressividade do grupo,
rivalidade entre os grupos.
Um outro aspecto que se experiencie dentro da dinmica de um grupo as
diversas disposies comportamentais nos meninos e nas meninas, quer nas suas
interaces com os pais, quer nas relaes que estabelecem nos grupos de pares
(Vieira, 2004:64). A este propsito e segundo Maccoby (2000, citado por Vieira,
2004:64).
a. Os temas que aparecem nas fantasias dos rapazes, nas histrias que eles
inventam, nos cenrios que constroem, quando esto a brincar com outros
rapazes, e o material de fico que preferem (nos livros e na televiso) envolvem
perigo, conflito, destruio, aces hericas e demonstraes de fora fsica
(...).
b. Em comparao com as raparigas, a interaco entre os rapazes cria espao
para jogos relativamente desorganizados, para a competio, para o conflito,
para a exibio do ego, para assuno de riscos e para a luta pela
dominncia (...).
Todos estes factores afectam grandemente o comportamento das crianas
dentro e fora da instituio escolar. Da ser imperativo tomar medidas de preveno.
Faremos referncia a elas no ponto seguinte.
4 - Interveno na Gesto de Conflitos
da opinio pblica que h uma forte tendncia das crianas para adoptarem
comportamentos agressivos e violentos de interaco com os pares e outros; de
algum modo a investigao vem corroborando esta opinio geral demonstrando um
acrscimo de situaes de conflitos violentos mesmo nos espaos educativos
(Tremblay et al., 2000).
Por esse facto, julgamos que a escola deve tomar medidas preventivas para
tentar contrariar essas situaes, no se devendo pensar que so aces
prescritas ou receitas de aplicao universal [...] as iniciativas concretas podem ser
37
(e, digamos mesmo, que tm sido, felizmente em alguns casos), ricas variadas,
voltadas para diferentes nveis a considerar, articuladas e coerentes entre si de
modo sistmico, pois o que acontece na aula no independente do que acontece
na escola em geral e vice-versa (Amado & Estrela, 2007:347).
Segundo Amado e Estrela (2007:347e sg.) existem trs medidas preventivas
fundamentais para gerir a problemtica dos conflitos no contexto da sala de aula, e
que pensamos igualmente adequadas ao jardim-de-infncia, tendo em conta a
necessria adaptao.
1. Construir um clima de aula assente em normas e regras. Ao professor
cabe definir as regras dentro da sala. Para isso essencial, que o professor detenha
competncias a nvel das relaes interpessoais, saiba liderar, saiba impor a sua
autoridade, mas nunca esquecendo que deve respeitar os alunos.
2- Construir um clima de aula aberto ao aluno. O professor deve
desenvolver um espao na aula, onde os alunos possam expressar os seus
problemas, desejos, gostos, sem receio de serem criticados. A aula no se deve
cingir a um espao onde se aprende, nica e exclusivamente, os contedos
programticos de cada disciplina, mas se aprenda a ser e a estar.
3- Actuar com competncia tcnico-pedaggica. O professor deve ter as
aptides necessrias para ensinar dentro da sua rea especfica, bem como ter
conhecimentos pedaggicos, para responder a eventuais problemas que lhe surgem
no dia-a-dia.
De seguida, e continuando na linha de pensamento dos autores supracitados
apresentaremos trs aspectos que se enquadram mais ao nvel da organizao da
escola.
4- Implementar uma gesto democrtica e participada onde todos os seus
membros participem de forma democrtica, garantindo o exerccio dos seus direitos,
enquanto cidados plenos. Isto traduz-se na possibilidade de todos os intervenientes
educativos (pais, alunos, professores, directores, pessoal no docente) se
implicarem na organizao e gesto da escola.
38
5- Promover formao permanente baseada na anlise e resoluo dos
problemas. Todos os profissionais de educao devem ter acesso a formao que
lhes permita gerir da melhor forma, os problemas relacionados com conflitos,
indisciplina, violncia, agressividade das crianas, dentro e fora das salas.
Perceber e contextualizar cada situao permite no estigmatizar as crianas.
Os agentes educativos devem ser sensveis a cada situao e devem actuar de
modo a resolver os conflitos, estimulando a cooperao e promovendo valores
cvicos e pr-sociais. Esta formao, centrada nas problemticas da escola e
orientada por princpios de preveno, deve incorporar as experincias de todos e
cada um, criar instrumentos conceptuais que permitam a cada professor ser sensvel
ao seu prprio comportamento, ser capaz de observar e problematizar as suas
prticas e as consequncias delas, ter um olhar crtico que lhe d uma viso
correcta do jogo de foras que tem lugar no interior da instituio e dos
condicionalismos da aco colectiva (Amado & Estrela, 2007:351).
6- Promover iniciativas de interveno da comunidade. indispensvel
cultivar uma poltica de cooperao entre a famlia, a escola, a comunidade
envolvente, os outros graus de ensino, na construo dos projectos educativos. Bem
como, fomentar a comunicao regular com os encarregados de educao.Com
esta medidas preventivas pretendemos que as escolas experienciem situaes de
convivncia harmoniosa, sabendo partida que os conflitos existem, mas que
podem ser ultrapassados de uma forma cvica.
Concomitantemente a estas medidas, outros autores, como o caso de
Osopow (1991, citado por Nascimento, 2003:226) fazem referncia a programas
escolares de resoluo de conflitos que podem ser orientados:
Para as competncias, isto , os alunos so estimulados a desenvolver
competncias sociais e interpessoais, indispensveis para a resoluo
construtiva dos conflitos interpessoais. Engloba duas categorias de
programas: os que se baseiam em currculos especficos e os programas de
mediao por pares.
Academicamente, ou seja, os alunos so treinados a desenvolver
competncias cognitivas, atravs do pensamento crtico.
39
Mudanas estruturais, que se centram na alterao estrutural da escola,
enquanto organizao.
As situaes de conflito so frequentes no dia-a-dia da vida escolar, da
existirem vrias circunstncias para se tentar resolver e/ou prevenir os conflitos.
Em termos curriculares o que se pretende incluir no curriculum conceitos e
competncias relacionadas com a resoluo de conflitos. O que se deseja que no
currculo do aluno faam parte sesses especficas de formao de resoluo de
conflitos. Alm de se ensinar a ler, escrever indispensvel ensinar competncias
sociais, de empatia, de assertividade, de gesto e/expresso emocional, de
comunicao, etc. (Coleman & Deustche, 2000, citado por Nascimento, 2003:234).
Nesta perspectiva, mas centrando-nos no grau de ensino que nos interessa
(pr-escolar) as abordagens curriculares de promoo de competncias scio-
emocionais, cognitivas e de resoluo de conflitos procuram, essencialmente, tirar
partido da grande plasticidade e da capacidade de aprendizagem das crianas desta
idade (Nascimento, 2003:234). Assim torna-se importante salientar o exemplo de
uma estratgia de resoluo de conflitos no pr-escolar.
Os programas de resoluo de conflitos no pr-escolar acontecem de uma
forma espontnea em funo dos acontecimentos ocorridos na sala. Muitas vezes,
os conflitos interpessoais surgem em actividades que se inspiram nas rotinas
normais de uma sala do pr-escolar. Quantas vezes, uma criana no quer dar a
mo a outra, no quer fazer um comboio, no empresta um brinquedo...
Existem programas2 que consistem em sesses em crculo que podem
repetir-se at 15 vezes por semana durante um perodo de cinco a seis meses nas
quais as crianas realizam actividades em crculo que promovem diversas
competncias de resoluo de conflito.
Estas sesses centram-se em quatro domnios de competncia: 1)
sentimentos (reconhecer sentimentos em si e nos outros, verbalizar sentimentos e
empatia); 2) cooperao (trabalho de equipa, sentido de comunicao e auto-
controle); 3) comunicao (assertividade, competncias de entrada num grupo,
competncias de escuta e auto-expresso); 4) resoluo de problemas
2 Ex. Peaceful Kids Conflict Resolution Program, Sandy & Boardman, 2000
40
(pensamento crtico, criatividade, tomada de perspectiva social) (Nascimento, 2003:
235).
De facto, esta modalidade de interveno importante, mas tem algumas
limitaes. uma abordagem que visa melhorar a competncia interpessoal dos
indivduos pela via de aprendizagem de contedos cognitivos ou comportamentais
especficos mais do que atravs da produo de mudanas ou alteraes positivas
nos mecanismos que permitiriam aos alunos tornar-se pessoas competentes,
capazes de pensar e agir mais funcionalmente quer em situaes de conflito quer
sobre a realidade interpessoal em geral (Coimbra, 1991, citado por Nascimento,
2003:236).
Tendo em conta esta limitao, indispensvel que o educador invista na
promoo do desenvolvimento interpessoal, favorecendo a colaborao e o trabalho
em grupo (Nascimento, 2003).
Continuando nesta linha de pensamento e com o intuito de enriquecer as
prticas pedaggicas dos profissionais de educao do pr-escolar apresentaremos
alguns princpios e estratgias relacionadas com a promoo do desenvolvimento
das crianas (Katz & McClellan, 2001:22). Estes exemplos so fruto de uma
extensa investigao sobre o desenvolvimento social da criana (Katz &
McClellan, 2001:22).
Na opinio de Katz e MacClellan (2001) quando uma criana brinca e
trabalha em grupo, facilmente surgem problemas, cabendo ao educador um papel
fundamental para fomentar o desenvolvimento social da criana. Com isto queremos
dizer que o educador deve ter uma atitude de superviso, s intervindo quando
verificar que as crianas no so capazes de o fazer de uma forma positiva; o
educador deve optimizar a sua interveno.
Algumas vezes os educadores notam que certas crianas tentam resistir s
regras e s rotinas impostas na sala. Estes momentos devem ser aproveitados para
ensinar s crianas outras formas de agir; no entanto, esse momento deve ser feito
num contexto individualizado, para que as crianas aprendam a lidar como os seus
impulsos.
O contexto da sala deve promover o crescimento social das crianas, por isso
o respeito pelos seus sentimentos deve ser privilegiado. O papel que o educador
41
deve adoptar respeitar a vontade da criana. Assim, deve verbalizar a ideia que
est pronto a receber a criana quando ela assim o desejar, podendo dar sugestes
de outras actividades que a criana possa realizar. Esta estratgia respeita o
sentimento da criana e diminui a resistncia de participar nas actividades
promovidas pelo educador.
O contexto de uma sala deve ser marcado por uma comunicao verdadeira
e clara sobre as regras, normas e expectativas relativamente vida do grupo.
Nunca esquecendo que as regras so para todas as crianas, sem excepo.
Dito isto, o educador deve estabelecer uma relao de confiana e
credibilidade com as crianas. A criana deve acreditar no adulto. A credibilidade
consolidada quando o educador expe as suas expectativas de forma simples e
directa. Por exemplo, quando uma criana acaba de atirar areia para cima de um
colega, o educador deve dizer a areia no para atirar, s para brincar com as
ps e os baldes em vez de dizer no se atira areia, quando isso j aconteceu,
porque essa atitude ambgua.
Quando uma criana viola uma norma, a atitude mais habitual dos
educadores e dos pais punir a criana, mas o ideal discutir a situao com a
criana em vez de adoptar logo uma atitude punitiva. Tambm Luz e Gonalves
(2008:92-93) reconhecem o valor da conversa como aco diante de
comportamentos agressivos, acreditando que essa atitude reflecte o respeito pelas
crianas como pessoas dignas de serem consideradas, que merecem explicaes.
Continuando nesta linha de pensamento, outra estratgia muito usada pelos
educadores e pais, o mtodo de reflexo ou thinking chair. Contudo, segundo a
opinio dos tericos o uso da cadeira para pensar considerado uma estratgia
pouco eficaz. A observao informal indica que o mtodo de reflexo ou thinking
chair3 constitui uma estratgia comum que os professores usam com crianas que
violam as normas da sala de aula, especialmente quando so agressivas (Katz &
McClellan, 2001:29). Contudo, vrias investigaes demonstraram que o resultado
dessa estratgia no tem os efeitos desejados, uma vez que, no se consegue
saber se a criana quando est sentada na cadeira reflecte no seu acto indesejvel.
A sugesto dada pelos tericos que se deve retirar a criana perturbadora do fluxo
3 A criana fica sentada numa cadeira a reflectir sobre o seu acto.
42
da aco que elas parecem ser incapazes de gerir, de tal modo que se acalmem e
recuperam controlo sobre os seus mpetos. Esta retirada no deve ser entendida
como uma aco punitiva. Mas sim, uma aco de controlo de aco.
Depois de explicitarmos alguns exemplos de como agir no dia-a-dia,
queremos frisar que nem tudo funciona para todas as crianas; da ser importante
olhar para todas as possveis causas do problema e reflectir sobre a dimenso da
sala, o tipo de espao usado, a variedade e tipos de equipamento disponveis, o
plano de actividades, os ratios professor-aluno, a faixa etria das crianas e o
contedo do currculo (Katz & McClellan, 2001:43).
Para concluir, apresentamos segundo o modelo de High/Scope4 dois tipos
de estratgias que permitem diminuir a frequncia de situaes que envolvam
comportamentos de agresso fsica e/ou verbal. Estas estratgias so:
a. estratgias de preveno de conflitos,
b. estratgias de resoluo de conflitos. (Lino, 2001:84).
Assim, em termos de preveno, consideramos que a organizao do
ambiente fsico da sala de actividades, com reas bem diferenciadas, com material
adequado a cada rea e faixa etria das crianas, possibilita que estas se
integrem no espao, nos jogos e nas brincadeiras sem necessitarem de lutar pelos
espaos ou materiais; a estruturao de uma rotina diria consistente, em que os
momentos se repetem todos os dias possibilitando que a criana faa escolhas,
permite diminuir a ansiedade e a insegurana; o papel do apoio do adulto que
clarifica as normas, as regras, que intervm quando necessrio, que procura
conhecer e respeitar cada criana, como ser nico e individual, possibilitando a
aprendizagem pela observao (Lino, 2001).
Relativamente, s estratgias de resoluo de conflitos e segundo Graves,
Strubank (1991, citado por Lino, 2001:85) os educadores devem:
a. intervir imediatamente para parar um comportamento que seja destrutivo
ou que ponha em perigo a segurana da criana;
4 O Modelo High/Scope um modelo interaccionista/construtivista que se baseia na resoluo de
problemas por parte das crianas. atravs da aco, interagindo com pessoas, materiais e ideias, que a criana constri o seu conhecimento acerca do mundo que a rodeia (Lino, 2001).
43
b. usar linguagem verbal para identificar os sentimentos e as preocupaes
das crianas;
c. pedir s crianas que exprimam por palavras os seus desejos;
d. pedir s crianas que apresentem as suas prprias solues para a
resoluo de um problema;
e. dar s crianas escolhas para a resoluo de um problema apenas
quando elas se apresentem como opes possveis de concretizar;
f. evitar o uso de linguagem punitiva ou que expresse um julgamento;
g. quando se pra um comportamento que inaceitvel, deve-se explicar as
razes s crianas;
h. antes de parar uma situao de conflito, verificar se as crianas
conseguem resolv-las sem o apoio do adulto.
44
45
CAPITULO II
RELAES INTERPESSOAIS NO JARDIM-DE-INFNCIA
1 - Processo das Relaes Interpessoais
H poucas coisas importantes na nossa vida quotidiana que no envolvam
interaco com os outros. Quase todas as actividades e experincias significativas e
importantes vida em famlia, trabalho e passatempos incluem ou at dependem
das relaes com os outros. Sendo as relaes interpessoais a mais importante
fonte de gratificao, companheirismo e prazer para a maioria das pessoas de todas
as idades, a incapacidade para iniciar e manter relaes a causa de angstia e
solido mesmo na infncia (Ladd, 1990, citado por Katz & McClellan, 2001:12).
Nesta linha de pensamento, e sabendo que na infncia que se inicia o
processo de socializao e de interaco com o outro, faz todo o sentido perceber
como se processam essas primeiras relaes interpessoais entre as crianas e os
adultos que interagem com elas (pais, professores, irmos). A capacidade de iniciar
e estabelecer relaes sociais comea na infncia, quando a criana forma relaes
fortes de vinculao com os pais e com as pessoas que tomam conta dela. Esta
capacidade designada por Katz e McClellan (2001) de competncia social5 vai-se
desenvolvendo de uma forma progressiva. Assim, cabe famlia, aos colegas, aos
professores um papel preponderante no desenvolvimento das competncias sociais.
Uma das influncias mais importantes no desenvolvimento social da criana
corresponde experincia dentro da famlia (Katz & McClellan, 2001:16). Porm,
dado que as crianas vivenciam cada vez mais experincias em contexto de grupo,
os professores e os seus pares desempenham um papel importante na modulao
das experincias das crianas (Katz & McClellan, 2001).
O desenvolvimento da criana um processo global, nico contnuo e
dinmico no qual se pode reconhecer uma sequncia caracterstica que comum
5 Competncia Social a capacidade de iniciar e manter relaes sociais, recprocas e gratificantes
com os colegas. Esta capacidade depende de muitas competncias de compreenso social e de skills (capacidade) de interaco (Katz & McClellan, 2001:13).
46
maioria das crianas. Deve ser visto numa perspectiva sistmica, segundo a qual a
criana e o meio que a rodeia interagem contnua e reciprocamente.
Assim, por volta dos trs anos aparece o eu marcando o princpio de uma
nova fase. A criana toma decididamente percepo de si prpria, separada do
outro, e com capacidades interpessoais. A criana nesta fase muito egocntrica,
possessiva, no compartilha brinquedos, reagindo com choro e agressividade
quando contrariada. Brinca muitas vezes no chamado jogo paralelo, ou seja,
brinca ao lado de, mas no estabelece qualquer contacto relacional.
A partir dos quatro anos comea a perceber melhor o porqu das coisas e
torna-se cada vez menos fantasiosa e mais realista. medida que se aproxima dos
cinco anos, a criana comea, aos poucos, a aceitar as opinies dos outros,
revelando-se mais disponvel para brincar e jogar com eles, assimilando e
praticando as regras do jogo social.
Pelos cinco anos o jogo j abertamente cooperativo. As crianas alcanam
o gosto de se juntar para brincar, criando regras prprias de coabitao e
entendimento (Av, 1996). Com isto queremos dizer que apesar de termos feito uma
brevssima caracterizao de cada faixa etria, no podemos esquecer que o
desenvolvimento de cada criana nico e prprio.
Segundo Bandura uma parte daquilo que o indivduo aprende ocorre atravs
da imitao ou da modelagem. Este autor referido como um tcnico da
aprendizagem social, na medida em que se preocupa com a aprendizagem que
ocorre no contexto de uma situao social. A criana imita o que v, e isso ficou
provado no estudo que o autor fez, sujeitou crianas dos trs aos seis anos a ver um
espectculo improvvel de modelos adultos a darem murros a um boneco insuflvel.
Quando a seguir deixavam as crianas a brincarem com o boneco, estas
apresentavam duas vezes mais respostas agressivas do que as crianas do grupo
de controlo (Sprinthall & Sprinthall, 1993).
Se aprendizagem da criana passa muito pela imitao de modelos, os
adultos que lidam com as crianas tm um papel primordial nas aquisies das
aptides sociais.
A aprendizagem de competncias sociais s se concretiza em contextos
reais, em actividades de grupo, em interaco com o outro. No podemos pensar
que as competncias sociais se aprendem lendo, memorizando. A aprendizagem de
47
competncias sociais experienciam-se e vivenciam-se. E para que essas
experincias sejam bem sucedidas, cabe ao educador proporcionar experincias
que permitam s crianas desenvolver essas competncias (Formosinho, 2001).
2 - O Relacionamento Interpessoal: Teoria de Robert Selman
Ao longo dos anos pr-escolares, a criana vai desenvolvendo capacidades
de falar e de formar imagens mentais que lhe permitem desenvolver as suas
competncias sociais. A criana comea a ser capaz de distinguir os seus
sentimentos e necessidades dos sentimentos e necessidades dos outros com quem
interage (Hohmann, WeiKart, 1995, citado por Lino, 2001:80).
O desenvolvimento da criana faz-se em todos os domnios (sociais,
afectivos, motores, cognitivos). o desenvolvimento social que afecta o modo como
a criana capaz de se relacionar com o outro. Assim, tal como a capacidade
lgica de uma criana de trs anos difere de uma de 4-5 anos, tambm os seus
comportamentos ao nvel do relacionamento interpessoal, quer com pares, quer com
adultos, so diferentes (Lino, 2001:81).
Robert Selman e seus colaboradores, baseando-se nas ideias de Piaget,
estudaram as relaes entre as pessoas e tentaram perceber o seu comportamento.
Constataram que as crianas se desenvolvem em interaco com o outro, de uma
forma gradual (Coimbra, 1990).
Os diferentes comportamentos que a criana vai apresentando ao longo da
infncia no seu relacionamento com os outros esto interligados com os diferentes
nveis de capacidade para identificar e coordenar pontos de vista sociais. Estes
padres foram ordenados por Selman numa sequncia de desenvolvimento
hierrquica e invariante, qual chamou Tomada de Perspectiva Social TPS
(Coimbra, 1990:20).
48
2.1 - A Tomada de Perspectiva Social
A Tomada de Perspectiva Social , essencialmente, a estrutura cognitiva de
compreenso da realidade interpessoal/social [...] o culo de leitura da realidade
interpessoal: atravs dela que conhecemos as coisas (pessoas, relao entre as
pessoas) que existem (Coimbra, 1990:24).
Perceber este conceito e a sua sequncia uma mais-valia para os
profissionais de educao, dado que lhes possibilita aceder lgica interna do
pensamento e o raciocnio interpessoais dos seus alunos, situ-los num ponto do
contnuo desenvolvimental mais prximo deste ou daquele nvel de T.P.S. e actuar
com vista promoo do seu desenvolvimento (Coimbra, 1990:24).
Apresentamos de seguida, os Nveis de Tomada de Perspectiva Social, que
so cinco. Contudo e tal como fez Lino (2001:82) iremos retratar apenas os trs
primeiros, por serem os que podem corresponder s crianas em idade pr-escolar.
Iremos ter em conta as suas duas dimenses: a concepo de pessoas e a
concepo das relaes. De salientar, que cada nvel faz referncia a uma idade,
contudo esta assume um carcter meramente indicativo (Coimbra, 1990).
Nvel 0: TPS Indiferenciada e Egocntrica (3-6 anos)
(Ausncia de distino entre perspectivas)
a) Concepes de pessoas: A criana no diferencia entre as caractersticas
fsicas e psicolgicas das pessoas. A confuso entre fsico e psicolgico
leva a criana a confundir entre aces e sentimentos.
b) Concepes de relaes: A criana no reconhece que uma dada pessoa
possa interpretar uma situao de um modo diferente do seu.
49
Nvel 1:TPS Diferenciada e subjectiva (5-9 anos)
(Tomada da perspectiva prpria - 1 Pessoa)
a) Concepes de pessoas: Existe capacidade de diferenciao de
caractersticas fsicas e psicolgicas das pessoas. Distingue-se entre
comportamento intencional e no intencional.
b) Concepes de relaes: H um reconhecimento claro da prpria
perspectiva como diferente da do outro. Apenas atribuda relevncia
sua perspectiva e ao efeito desta no outro. A relao entre perspectivas
feita apenas no sentido nico-bilateral.
Nvel 2:TPS Auto Reflexiva e Recproca (7-12 anos)
(Tomada de perspectiva do outro -2 Pessoa)
a) Concepes de pessoas: a capacidade para assumir a perspectiva do
outro e de reflectir sobre os prprios pensamentos e sentimentos.
b) Concepes de relaes: As pessoas so vistas como tendo duas
dimenses: a aparncia visvel e uma realidade escondida. H uma
compreenso relativista das relaes e uma incapacidade de
coordenao de perspectivas.
Lino (2001:83) acrescenta, porm, que a Tomada da Perspectiva Social no
nos demonstra a capacidade que a criana tem em situaes reais do dia-a-dia.
atravs das Estratgias de Negociao Interpessoal que podemos identificar os
diferentes modos de Agir no relacionamento interpessoal. Isto , o sujeito tem que
dar uma srie de passos, ou, por outras palavras, tem que seguir um percurso
cognitivo, para solucionar as situaes do quotidiano que impliquem interaco com
os outros. Assim, as estratgias de negociao interpessoal centram-se nos
processos cognitivos/emocionais de planificao e organizao da aco
interpessoal estrutura do agir humano que permite ao sujeito saber as coisas
que se podem fazer (Coimbra, 1990).
50
2.2- As Estratgias de Negociao Interpessoal
Os nveis de desenvolvimento das Estratgias de Negociao Interpessoais,
segundo Selman (1980) citado por Nascimento (2003:217) so quatro, e passamos
a descrev-los:
Nvel 0 Denominado de impulsivo; neste nvel, o indivduo no tem em
conta os diferentes pontos de vista e de perspectivas. O seu raciocnio tende a
estabelecer estratgias impulsivas e fsicas de confronto ou tambm de fuga da
situao conflitual.
Nvel 1 Denominado unilateral; neste nvel, o indivduo reconhece a
diferena entre o seu ponto de vista e o ponto de vista do outro numa determinada
situao mas no coordena as duas perspectivas, no as percepciona
separadamente. Estes indivduos desenvolvem estratgias de sentido nico,
havendo normalmente uma tendncia acomodao passiva em relao s
necessidades e pedidos dos outros.
Nvel 2 Denominado recproco; neste nvel, o sujeito reconhece os
diferentes pontos de vista que, quer ele quer o outro tm; v que tm a mesma
capacidade para se influenciarem mutuamente. possvel partir da perspectiva da
segunda pessoa utilizando estratgias de persuaso com o intuito de convencer o
outro.
Nvel 3 Denominado colaborativo; neste nvel, o sujeito apercebe-se que
existem estratgias para a resoluo dos problemas na qual intervm todas as
partes. Passa a ter-se em considerao os pontos de vista do prprio e do outro,
envolvendo compromissos, negociaes e desenvolvimento de objectivos comuns.
Seguindo esta linha de pensamento, considera-se que o indivduo usa
determinada estratgia de negociao na resoluo de conflito consoante a sua
estrutura cognitiva de compreenso da realidade social e interpessoal. Essa
estrutura cognitiva tambm influenciada pelo desenvolvimento do raciocnio moral.
51
3 - O Desenvolvimento Moral
Viver em sociedade exige que as pessoas respeitem as normas e valores
vigentes. Contudo, para que isso acontea os indivduos precisam de desenvolver a
suas capacidades interpessoais, sociais e morais. A este propsito afirma Coimbra:
O desenvolvimento do raciocnio moral6 depende do desenvolvimento interpessoal
e do desenvolvimento cognitivo, isto , no possvel atingir um determinado
estdio de desenvolvimento moral sem ter ocorrido a aquisio dos estdios
correspondentes do desenvolvimento interpessoal e cognitivo, os quais so a
condio necessria, embora no suficiente, para que se verifique um determinado
nvel de complexidade de funcionamento moral (Coimbra, 1990:30-31).
De seguida explicitaremos a forma como a criana desenvolve o seu
raciocnio moral baseando-nos em estudos realizados por Piaget e Kohlberg.
3.1- Desenvolvimento do raciocnio moral: Piaget
Piaget defendeu que o desenvolvimento do pensamento moral tem muito a
ver com o respeito das normas e regras, por parte do indivduo. Da ter distinguido
dois tipos de pensamento moral nas crianas (Coimbra, 1990). Por um lado, a
moralidade heternema, que se baseia na obedincia cega s regras emanadas
pelos adultos. A criana respeita unilateralmente o adulto, dado que a nica
perspectiva que deve ser tida em conta [...] a perspectiva da autoridade, correcta
e no pode ser desobedecida. Portanto, o respeito unilateral da moralidade
heternema consistente com o egocentrismo intelectual e moral da criana que
tem dificuldade em distinguir o ponto de vista prprio e o ponto de vista do outro, o
pessoal e o social, o objectivo e psicolgico (Piaget, 1923, citado por Loureno,
1992:75).
Por outro lado, a moralidade autnoma, normalmente, observa-se a partir dos
6/7 anos de idade e baseia-se na igualdade, na reciprocidade e no acordo. Da
criana autnoma pode dizer-se que j assimilou as normas e as convenes
sociais (Loureno, 1992).
6 Termo utilizado para designar as consideraes de carcter tico produzidas por um sujeito
quando tem que justificar tomadas de deciso moral, quer ao nvel do pensamento, quer ao nvel da aco (Loureno, 1992:231).
52
De seguida, apresentaremos um quadro, que de uma forma esquemtica,
diferencia as duas dimenses morais, preconizadas por Piaget.
Quadro 1: Dimenses da Moralidade Heternema e Autnoma
Dimenses Heteronomia Moral Autonomia Moral
Concepes das regras e normas
Fixas e imutveis Modificveis por acordo
Diferenciao de perspectivas
Egocentrismo e centrao Perspectivismo e descentrao
Avaliao dos transgressores
Responsabilidade objectiva e realismo moral
Responsabilidade subjectiva e ateno s intenes
O que imoral O que leva ao castigo ou o que proibido
O que viola o esprito da cooperao e da igualdade
Castigo para o transgressor
Sanes expiatrias e arbitrrias Sanes baseadas na reciprocidade
Orientao moral Orientao para a obedincia, castigo e respeito unilateral
Orientao para a cooperao e para o respeito mtuo
Sentido de justia: distributiva e retribuitiva
Autoridade e medo do castigo. Retaliao e justia imanente
Igualdade, cooperao e equidade. Restituio e reciprocidade
Concepo do dever Externo e obedincia autoridade
Interno e preocupao com o bem-estar dos outros
Fonte: (Adaptado de Lickona, 1976, citado por Loureno, 1992:71)
3.2 Estdios de desenvolvimento do raciocnio moral: Kohlberg
Dando continuidade aos estudos de Piaget, Kolhberg7 concluiu que o
desenvolvimento moral do indivduo acontece de acordo com uma sucesso de
estdios, independentemente da cultura, continente ou pas em que a criana
cresa. O desenvolvimento, tal como em Piaget e em Selman, conceptualizado
como um movimento de menos para o mais complexo, do egocentrismo para a
descentrao, sendo a sequncia invariante (Coimbra, 1990:32).
7 Lawrence Kohlberg, nascido em 1927, revolucionou a nossa compreenso sobre o desenvolvimento
moral da criana (Sprinthall & Sprinthall, 1990:170).
53
Kohlberg, realizando vrios estudos, props a pessoas de diferentes idades e
de diferentes meios sociais, a resoluo de dilemas morais. Concluiu que as suas
respostas se enquadravam em trs grandes nveis do pensamento moral, cada um
composto por dois estdios. Cada um destes trs nveis representa trs formas
diferentes de relao do sujeito com as regras e normas sociais o que se reflecte em
modos diferentes de definir o que justo ou injusto (Coimbra, 1990:33).
Assim, apresentamos no quadro uma sntese dos nveis e estdios de
desenvolvimento moral.
Quadro 2: Nveis e Estdios de Desenvolvimento Moral
Nvel
Estdio Orientao Moral Perspectivao Moral
Pr- Convencional (I)
1
Orientao para a punio e para a obedincia
No distingue nem coordena perspectivas. S h uma correcta, a da autoridade
2
Orientao calculista e instrumental; pura troca, hedonismo e pragmatismo
Distingue perspectivas, coordena-as e hierarquiza-as do ponto de vista dos interesses individuais (do selfe dos outros)
Convencional (II)
3
Orientao para o bom menino e para uma moralidade de aprovao social e interpessoal
Distingue perspectivas, coordena-as e hierarquiza-as do ponto de vista de uma terceira pessoa afectiva e relacional
4
Orientao para a manuteno da lei, da ordem e do progresso social
Distingue perspectivas, coordena-as e hierarquiza-as do ponto de vista de uma terceira pessoa imparcial, institucional e legal
Ps Convencional (III)
5
Orientao para o contrato social, para o relativismo da lei e para o maior bem para o maior nmero
Distingue perspectivas, coordena-as e comea-as a hierarquiza-las de um ponto do vista de uma terceira pessoa moral, racional e universal
6
Orientao calculista e instrumental; pura troca, hedonismo e pragmatismo
Distingue perspectivas, coordena-as de um ponto de vista ideal e hierarquiza-as segundo uma perspectiva moral, racional e universal
(Fonte: Adaptado de Colby & Kohlberg, 1987a, citado por Loureno, 1992:89)
A moralidade pr-convencional harmoniza-se, em termos gerais, moralidade
heternoma, descrita por Piaget. Este nvel moral enquadra-se nos sujeitos que
obedecem s regras, para evitar os castigos, ou para satisfazerem os seus desejos
individuais.
Na moralidade convencional, ao invs, os sujeitos j interiorizaram as regras
sociais, e cumprem-nas para serem aceites socialmente, ou seja, para serem
54
reconhecidos como bons meninos, pode ser entendida na linha de pensamento de
Piaget, moralidade autnoma.
Por ltimo, a moralidade ps-convencional geralmente atingida depois dos
vinte anos, e o sujeito distancia-se das regras e defina os valores em termos de
princpios universais, livremente escolhidos (Coimbra, 1990:35).
Enuncimos que o desenvolvimento interpessoal e moral so duas dimenses
fundamentais para o desenvolvimento pessoal e social das crianas e adolescentes
(Coimbra, 1990).
Pelo facto de, o desenvolvimento interpessoal e moral serem influenciados
pelo desenvolvimento cognitivo8 do indivduo, pareceu-nos imprescindvel fazer o
paralelismo entre essas trs dimenses.
Usmos para o efeito um quadro retirado de Loureno (1992), onde
esquematicamente obtemos uma viso simplificada, da capacidade que cada
indivduo detm, nos respectivos estdios.
8 mbito de estudo que se refere ao modo como evolui a inteligncia da pessoa em relao aos
problemas do chamado mundo fsico e lgico-matemtico (Loureno, 1992: 210).
55
Quadro 3: Paralelismo entre Desenvolvimento Cognitivo, Tomada de Perspectiva Social e Estdio Moral
Estdio Cognitivo Estdio de Tomada de Perspectiva Social
Estdio Moral
Pr-operatrio: Irreversibilidade e centrao
Estdio 1: Perspectiva egocntrica
Estdio 1: Orientao para a obedincia e para o castigo
Operaes concretas: Reversibilidade e compensao
Estdio 2: Perspectivas de segunda pessoa
Estdio 2: Orientao para a troca entre interesses e desejos
Operaes formais emergentes: Comeo da lgica interproposicional
Estdio 3: Perspectivas de terceira pessoa
Estdio 3: Orientao para a aprovao social e para o bom menino
Primeiras operaes formais: Raciocnio hipottico -dedutivo
Estdio 4: Perspectivas do sistema social e convencional
Estdio 4: Orientao para a manuteno da lei, ordem e da imparcialidade
Operaes formais elaboradas, exaustivas e sistemticas
Estdio 5: Perspectivas do outro para alm da sociedade
Estdio 5: Orientao para o contrato social e para o ponto de vista moral
(Fonte: Adaptado de Walker, 1986a citado por, Loureno, 1992:172)
Com este esquema, pretendemos demonstrar que a forma como a criana
pensa os objectos (desenvolvimento cognitivo), como v a relao com os outros
(TPS) e como interioriza as regras e normas morais (desenvolvimento moral) se vai
modificando conforme a sua evoluo gradual.
Consoante o estdio de desenvolvimento do indivduo (cognitivos, sociais,
morais), e perante uma determinada situao, e adoptando o modelo de Estratgias
de Negociao Interpessoal9, o indivduo deve:
1- Definir o problema O sujeito analisa o problema relacional em causa. A
anlise feita depende do grau de desenvolvimento cognitivo do sujeito.
Evolui de uma concentrao nas necessidades prprias (nvel zero) at
depreenso que o problema mtuo (nvel trs).
9 O modelo de Estratgias de Negociao Interpessoal um modelo funcional que pressupe a
existncia de determinadas etapas/passos para a resoluo de problemas.
56
2- Seleccionar a estratgia da aco O sujeito deve optar por uma
estratgia de negociao interpessoal podendo decidir-se por uma aco
mais impulsiva (nvel zero) ou mais colaborativa (nvel trs).
3- Justificar a Estratgia e avaliar as consequncias O sujeito reflecte e
justifica a sua escolha tendo em conta, as consequncias do seu acto
(consequncias para si, para o outro, para a relao). Pode achar que as
consequncias so meramente individuais (nvel zero), para ter em conta
ambos os intervenientes e as consequncias relaciona