relacionamento interpessoal no jardim de infância

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    UNIVERSIDADE DE COIMBRA

    FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIENCIAS DE EDUCAO

    CONFLITOS INTERPESSOAIS NO JARDIM-DE-INFNCIA

    A representao das educadoras de uma IPSS do distrito de Coimbra

    DISSERTAO PARA A OBTENO DO GRAU DE MESTRE

    EM CINCIAS DE EDUCAO

    rea de especializao:

    Superviso pedaggica e formao de formadores

    Apresentada por

    Dlia Maria Maia Fernandes

    Sob orientao de

    Prof. Doutor Joo Amado

    Coimbra, 2009

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    UNIVERSIDADE DE COIMBRA

    FACULDADE DE PSICOLOGIA E DE CIENCIAS DE EDUCAO

    CONFLITOS INTERPESSOAIS NO JARDIM-DE-INFNCIA

    A representao das educadoras de uma IPSS do distrito de Coimbra

    DISSERTAO PARA A OBTENO DO GRAU DE MESTRE

    EM CINCIAS DE EDUCAO

    rea de especializao:

    Superviso pedaggica e formao de formadores

    Apresentada por

    Dlia Maria Maia Fernandes

    Sob orientao de

    Prof. Doutor Joo Amado

    Coimbra, 2009

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    Dedico

    Aos Homens da minha Vida

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    Agradeo...

    Ao professor Doutor Joo Amado por toda a orientao e disponibilidade oferecida

    na orientao e concretizao desta pesquisa.

    Ao Lus que com os seus sete anos foi capaz de compreender as ausncias da me.

    Ao Lus pela calma, pela liberdade e por acreditar em mim.

    Aos meus pais por toda a disponibilidade, pelo seu apoio incondicional, e por

    sempre acreditarem em mim.

    Agradeo Alda, Isabel, ao Lus por me ajudarem nas transcries das

    entrevistas.

    s educadoras entrevistadas, cuja identificao acordei no divulgar, pela sua

    colaborao e disponibilidade.

    Isabel pela ajuda que me deu na formatao de tabelas, na troca de ideias e

    sugestes.

    Cristina pelas dicas, sugestes, desabafos.

    minha cunhada pela traduo do resumo.

    A todos os professores do mestrado, aos colegas de turma, pelos ensinamentos que

    me proporcionaram.

    Ao presidente da instituio por me ter autorizado a fazer esta investigao.

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    s minhas colegas de trabalho, com quem partilhei as angstias e incertezas deste

    processo de investigao e com quem aprendi que a persistncia imprescindvel

    na construo do conhecimento.

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    Resumo

    O presente estudo, de natureza qualitativa, corresponde nossa pretenso

    de descrever e interpretar as representaes de seis educadoras de infncia de uma

    IPSS do distrito de Coimbra sobre os conflitos interpessoais vivenciados pelas

    crianas nas salas de jardim-de-infncia. Tentmos perceber, segundo as

    perspectivas das educadoras, a natureza destes conflitos e se eles apresentavam

    diferenas destacveis nas crianas dos meios rurais versus crianas dos meios

    urbanos.

    O nosso estudo baseou-se em dados empricos recolhidos atravs de seis

    entrevistas semi-estruturadas, realizadas em contexto profissional. Seguimos,

    portanto, uma linha metodolgica que adoptou como estratgia geral o estudo de

    caso.

    Da anlise de contedo dos dados foi possvel verificar que s as educadoras

    que exerciam funes na Zona Rural destacaram algumas diferenas no

    comportamento das crianas, tais como, dificuldade em aceitar as regras e falta de

    estruturas sociais de apoio nessas zonas.

    Em termos gerais, todas assumiram que os conflitos so algo inerente e

    imprescindvel ao desenvolvimento humano. Que existe uma grande variedade de

    factores (de ordem social, familiar, pessoal, escolar) que devem ser vistos de uma

    forma sistmica e interdependente. Relativamente s estratgias usadas para lidar

    com o conflito, destacaram algumas medidas preventivas quer ao nvel da sala quer

    ao nvel da instituio. Por ltimo, consideraram o tema da investigao muito til,

    dado que se fala muito desta temtica nos outros graus de ensino, mas ainda muito

    pouco na realidade do pr-escolar.

    Palavras-chave: conflitos, relaes interpessoais, pr-escolar, urbano, rural,

    estratgias.

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    Abstract

    The present study, of a qualitative nature, relates to our intention of describing

    and interpreting the considerations six early childhood educators from a P.I.S.S.

    (Private Institution of Social Solidarity) from Coimbra district have about the

    interpersonal conflicts experienced by small children in preschool rooms. We tried to

    understand, taking into account the point of view of the educators, the nature of those

    conflicts, at the same time trying to perceive if there were significant differences

    between children from rural settings versus children from urban surroundings.

    Our work was based on empirical data, all of which were assembled by means

    of semi-structured interviews, performed in professional settings. Thus, we followed a

    methodological orientation, which adopted the study of case as a general strategy.

    From the analysis of the content of the data we were able to verify that only the early

    childhood educators from rural areas underlined the existence of differences in the

    behavior of children, such as the difficulty to accept rules and the lack of social

    support structures in those areas.

    In general terms, all of the educators have accepted that conflicts are

    something that is inherent and indispensable to human development. That there is a

    great variety of factors (of social, familiar, personal and school-related origin) which

    must be studied in an interdependent and systemic way. In terms of the strategies

    used to deal with the conflict, they have chosen some preventive measures to be

    used not only inside the preschool rooms but also by the whole institution. Finally,

    they have considered the topic of this investigation as being very useful, since there

    is much work already done in other school degrees, but not in the preschools.

    Key-words: conflicts, interpersonal relationships, preschooler, urban, rural,

    strategies.

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    NDICE

    INTRODUO ......................................................................................................... 17

    PARTE I ENQUADRAMENTO TERICO ............................................................ 21

    CAPITULO I............................................................................................................. 23

    CLARIFICAO DE CONCEITOS .......................................................................... 23

    1 - LEVANTAMENTO DE ESTUDOS .............................................................................. 23

    2 - OS CONCEITOS DE INDISCIPLINA, VIOLNCIA E AGRESSIVIDADE ................................ 25

    3 - O CONCEITO DE CONFLITO .................................................................................. 27

    4 - INTERVENO NA GESTO DE CONFLITOS ............................................................ 36

    CAPITULO II............................................................................................................ 45

    RELAES INTERPESSOAIS NO JARDIM-DE-INFNCIA .................................. 45

    1 - PROCESSO DAS RELAES INTERPESSOAIS ......................................................... 45

    2 - O RELACIONAMENTO INTERPESSOAL: TEORIA DE ROBERT SELMAN ......................... 47

    3 - O DESENVOLVIMENTO MORAL ............................................................................. 51

    CAPITULO III ........................................................................................................... 59

    DESENVOLVIMENTO PROFISSIONAL DOS EDUCADORES DE INFNCIA ....... 59

    1 - A FORMAO DE PROFESSORES ......................................................................... 59

    2 - A EDUCAO DE INFNCIA EM PORTUGAL ............................................................. 59

    3 - A FORMAO EM PORTUGAL ............................................................................... 62

    PARTE II ESTUDO EMPRICO ............................................................................. 67

    CAPITULO IV .......................................................................................................... 69

    METODOLOGIA DO ESTUDO EMPRICO ............................................................. 69

    1- CONCEPTUALIZAO E QUESTES DO ESTUDO ....................................................... 69

    2 - ESTRATGIA USADA O ESTUDO DE CASO ............................................................ 70

    3 - CARACTERIZAO DO CONTEXTO DA INVESTIGAO .............................................. 70

    4 - TCNICA DE RECOLHA DE DADOS AS ENTREVISTAS ............................................ 75

    5 - TCNICA DA ANLISE DE DADOS A ANLISE DE CONTEDO ................................. 77

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    CAPITULO V ........................................................................................................... 79

    APRESENTAO E INTERPRETAO DOS DADOS .......................................... 79

    1- CARACTERIZAO DO MEIO E DAS CRIANAS.......................................................... 79

    2- AS EDUCADORAS E A SUA REPRESENTAO DO CONFLITO ....................................... 82

    A) ASPECTOS GERAIS CARACTERIZADORES DA PROBLEMTICA DO CONFLITO ................ 82

    B) OS FACTORES DOS CONFLITOS NA PERSPECTIVA DAS EDUCADORAS ........................ 87

    C) AS ESTRATGIAS USADAS PELAS EDUCADORAS PARA LIDAR COM O CONFLITO ........... 96

    D) POSICIONAMENTO CRTICO ACERCA DA FORMAO SOBRE OS CONFLITOS .............. 105

    CONSIDERAES E CONCLUSES FINAIS ...................................................... 109

    BIBLIOGRAFIA ..................................................................................................... 113

    ANEXOS ................................................................................................................ 121

    ANEXO 1 GUIO DA ENTREVISTA .................................................................. 123

    ANEXO 2 ENTREVISTA ..................................................................................... 127

    ANEXO 3 MATRIZ VILA ..................................................................................... 153

    ANEXO 4 MATRIZ RURAL ................................................................................ 185

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    NDICE DOS QUADROS

    Quadro 1: Dimenses da Moralidade Heternema e Autnoma .............................. 52

    Quadro 2: Nveis e Estdios de Desenvolvimento Moral .......................................... 53

    Quadro 3: Paralelismo entre Desenvolvimento Cognitivo, Tomada de Perspectiva

    Social e Estdio Moral ............................................................................................. 55

    Quadro 4: Identificao das Educadoras .................................................................. 74

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    INTRODUO

    A Lei Quadro da Educao Pr-Escolar estabelece como princpio geral

    que a educao pr-escolar a primeira etapa da educao bsica no processo de

    educao ao longo da vida (...) favorecendo a formao e o desenvolvimento

    equilibrado da criana tendo em vista a sua plena insero na sociedade, como ser

    autnomo, livre e solidrio (Orientaes Curriculares). Ao educador de infncia

    pede-se que ajude a desenvolver as competncias sociais, emocionais e motoras,

    para que as crianas se socializem e possam integrar uma sociedade, como

    cidados plenos.

    Contudo, o que a experincia do dia-a-dia nos tem demonstrado que cada

    ano que passa parece existir um maior nmero de crianas com problemas de

    comportamento e emocionais que dificultam, em muito, o trabalho desenvolvido

    pelas educadoras nas salas de Jardim-de-infncia. Existem vrias investigaes que

    corroboram a nossa experincia. Segundo Rutter e Smith (1995, citado por

    Buchanan, 2000; Webster-Stratton, 1997) existe um fenmeno de escalada dos

    problemas de comportamento e emocionais [...] que [...] ocorrem em idades cada

    vez mais precoces (Gaspar, 2004:255).

    Alm disso, alguns estudos realizados1 concluram que as crianas que

    demonstram um comportamento agressivo na infncia se podem tornar adultos

    problemticos.

    Para tentar combater esta problemtica, e dado que a investigao

    educacional tem vindo a demonstrar que os primeiros anos de vida so cruciais

    para o desenvolvimento harmonioso do ser humano (Formosinho, 2001). Parece-nos

    evidente que a frequncia de um programa de educao pr-escolar de qualidade

    1 Num estudo longitudinal, conduzido em Dunedin, Nova Zelndia, que abrangeu uma coorte de

    indivduos, dos trs aos vinte e um anos de idade, verificou-se que os indivduos que, aos trs anos, haviam sido considerados como tendo falta de controlo sobre si prprios, tornaram-se impulsivos, instveis, agressivos e apresentaram maior taxa de criminalidade, e mais conflitos com os membros das suas esferas social e profissional (Caspi, 2000:21). Com base nos resultados de vrios estudos chegou-se concluso de que os comportamentos agressivos na infncia so um dos melhores preditores do comportamento agressivo na adolescncia e na vida adulta (Tremblay,Japel, Perusse et al., 2000:102).

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    pode ser usada como uma estratgia de preveno, ao ajudar as crianas a

    aumentar as suas competncias sociais e emocionais. Os educadores devem,

    assim, estar sensibilizados para a utilidade das competncias sociais e interpessoais

    como condio essencial para uma boa acomodao da criana, tanto no presente

    como no seu desenvolvimento futuro (Vale & Gaspar, 2004).

    Essas competncias incluem auto-conscincia, o controlo dos impulsos, a

    empatia, a capacidade de escolha, a cooperao e a resoluo de conflitos e

    tornam-se ferramentas-chave quando a criana, na adolescncia, tem que fazer face

    ao consumo de substncias (lcool, tabaco, drogas...) violncia (Vale & Gaspar,

    2004: 338).

    Sendo a criana um ser socivel que se desenvolve na interaco com os

    seus pares, essencial que os diferentes contextos tenham qualidade (escola, casa,

    grupo de pares), isto porque, se assim for, a criana sai beneficiada em termos de

    desenvolvimento (Gaspar, 2004).

    Vrias teorias que se debruam sobre as razes da existncia de problemas

    de comportamento na criana mencionam como causa: as relaes parentais

    inadequadas; conflitos conjugais; depresso, abuso de drogas ou criminalidade dos

    pais; factores de risco biolgico e de desenvolvimento da criana como dfices de

    ateno e atrasos de linguagem; factores de risco escolar, como o uso pelos

    professores de estratgias pobres de gesto na sala e baixo envolvimento dos

    professores com os pais; e ainda factores de risco na comunidade, como a pobreza

    ou existncia de bandos delinquentes (Webster-Stratton, 2002, citado por Vale &

    Gaspar, 2004:338).

    Nesta linha de pensamento e a fim de que a qualidade dos contextos onde a

    criana se desenvolva seja garantida, julgamos ser imprescindvel melhorar a

    formao dos profissionais de educao, de modo a que adquiram competncia

    para resolver e estabelecer estratgias adequadas preveno dos

    comportamentos menos adequados que surgem nas suas salas.

    Tornar as famlias parceiras neste processo , tambm, fundamental dado

    que a educao dos pais uma das estratgias possveis de envolver os pais no

    jardim-de-infncia, numa perspectiva de parceria entre as duas instituies

    educativas (Gaspar, 2004:259).

  • 19

    Assim, considermos de extrema importncia abordar esta problemtica dos

    conflitos interpessoais, para conhecer a realidade nos jardins-de-infncia, perceber

    como que se vivenciam essas interaces e quais as estratgias que as

    educadoras usam para os prevenir e/ou resolver.

    Formulmos, nessa perspectiva, algumas questes internas ao tema:

    Conhecer a realidade dos jardins-de-infncia, relativamente aos conflitos

    interpessoais segundo a representao das educadoras de infncia;

    Identificar diferenas comportamentais entre as crianas do meio urbano/

    meio rural segundo a percepo das educadoras de infncia;

    Identificar os factores que, na perspectiva das educadoras, desencadeiam os

    conflitos;

    Descrever as estratgias usadas pelas educadoras para combater/prevenir os

    conflitos;

    Confrontar e discutir essas estratgias luz das referncias tericas.

    Neste sentido, a frequncia de um programa de educao pr-escolar de

    qualidade exerce a sua influncia nas trajectrias de desenvolvimento atravs do

    aumento do desenvolvimento cognitivo e intelectual na infncia, melhorando a

    prontido para as aprendizagens, a que se vem juntar o acrscimo da competncia

    social e das aptides de interaco social o que, combinando com os resultados

    escolares positivos ajuda a reduzir comportamentos de risco sociais e de sade

    (fsica e mental) (Gaspar, 2007:94).

    O presente trabalho consolida-se em duas partes essenciais. A primeira parte

    relativa reviso da literatura e pretende constituir o enquadramento terico-

    conceptual que serve de referncia ao estudo emprico; este, por sua vez ser

    objecto de descrio e discusso na segunda parte do trabalho.

    Assim, a primeira parte dividida em trs captulos que passamos a expor.

    No primeiro captulo fazemos um levantamento de estudos que fundamentam a

    pertinncia desta investigao. Clarificmos alguns conceitos relacionados com a

    problemtica em estudo: conflitos interpessoais, agresso, violncia,

    comportamentos anti-sociais, indisciplina. Desenvolvemos o conceito de conflitos

    interpessoais, os tipos de conflitos e os factores que esto na origem dos mesmos.

  • 20

    Descrevemos algumas medidas preventivas (fruto de vrias investigaes) para

    combater a problemtica dos conflitos. Por fim, especificmos algumas estratgias

    gerais de ensino, usadas para prevenir ou resolver os conflitos nas salas.

    No segundo captulo, analismos o processo das relaes interpessoais

    realizadas pelas crianas no jardim-de-infncia, fazendo uma breve aluso Teoria

    de Robert Selman: Relacionamento Interpessoal.

    No terceiro captulo fazemos uma breve resenha histrica sobre a formao

    de professores em Portugal, centrando-nos mais na educao de infncia.

    A segunda parte deste trabalho centra-se, como j dissemos, no estudo

    emprico. Assim, iniciamos esta parte, fundamentando a seleco do contexto da

    investigao e descrevendo os objectivos da mesma. De seguida, expomos e

    justificamos as opes metodolgicas, nomeadamente, os instrumentos de recolha

    de dados: a preparao e o guio da entrevista.

    Antes de entrarmos, propriamente, na apresentao e discusso dos dados,

    explicamos pormenorizadamente os procedimentos seguidos na sua anlise de

    contedo. Segue-se a apresentao e interpretao dos dados, partindo da ideia de

    que se deve interpretar nas entrelinhas o que as entrevistadas expressam. Foi,

    portanto atravs de inferncias que tentmos descortinar e alcanar as percepes

    das entrevistadas. No final desta segunda parte procurmos fazer algumas

    consideraes e formular algumas concluses sobre a temtica estudada. Cabe, no

    entanto, referir que sendo este trabalho um estudo de caso, no possvel, nem

    nunca foi o nosso propsito chegar a concluses generalizveis a outros contextos.

  • 21

    PARTE I ENQUADRAMENTO TERICO

  • 22

  • 23

    CAPITULO I

    CLARIFICAO DE CONCEITOS

    1 - Levantamento de Estudos

    A escolha desta temtica mostrou-se adequada aos nossos interesses visto

    que muitos outras investigaes confirmam que:

    A) A literatura prova que os comportamentos anti-sociais nas escolas so

    cada vez mais frequentes e em idades mais precoces

    Vrios estudos tm revelado que os comportamentos anti-sociais so

    descobertos cada vez mais precocemente, e que normalmente, as crianas que

    desenvolvem esses comportamentos na infncia, tendem a prolong-los na vida

    adulta. Evidncias empricas sugerem que as primeiras manifestaes do

    comportamento anti-social podem ser detectadas precocemente, aproximadamente

    aos 18 meses (Keenan e Shaw, 1998, citado por Pacheco, et. al., 2005:59).

    Nessa idade a criana j apresentaria comportamentos como agredir os pais e

    destruir objectos. [...] Estudos longitudinais que acompanham crianas entre o

    perodo pr-escolar e o final da infncia oferecem evidncias bastante consistentes

    da estabilidade do comportamento anti-social.

    B) Os primeiros anos de vida so essenciais na construo da personalidade

    da criana

    A ideia de que as experincias dos primeiros anos de vida so

    determinantes para futuro desenvolvimento do indivduo no nova e encontra-se

    muito generalizada. Em seu apoio h, para alm da sabedoria popular, os resultados

    de numerosos estudos cientficos, alguns deles j bastante antigos. So de recordar,

    a este propsito, os trabalhos de Itard (1807, 1964), de Spitz (1968), de Bowlby

    (18944, 1969, 1973) ou de Freud (1905/1996), que constituem referncias

    obrigatrias para os estudiosos da psicologia da criana (Fonseca, 2007:129).

  • 24

    C) A frequncia, por parte das crianas, de uma educao pr-escolar de

    qualidade uma mais-valia para o desenvolvimento das mesmas

    Segundo Anderson et al. (2003, citado por Gaspar, 2007:394) [...] e com

    base numa meta-anlise de intervenes experimentais ou quase-experimentais em

    educao pr-escolar (3 aos 5 anos), a frequncia de um programa de educao

    pr-escolar de qualidade exerce a sua influncia nas trajectrias de desenvolvimento

    atravs do aumento do desenvolvimento cognitivo e intelectual na infncia,

    melhorando a prontido para as aprendizagens, a que se vem juntar o acrscimo da

    competncia social e das aptides de interaco social o que combinado com os

    resultados escolares positivos, ajuda a reduzir comportamentos de riscos sociais e

    de sade (fsica e mental).

    D) O educador, como observador e interventor privilegiado, tem um papel

    fundamental na promoo das competncias sociais nas crianas

    no jardim-de-infncia que as crianas comeam a moldar as competncias

    e habilidades sociais, inserindo-se ou no em grupos de pares, desenvolvendo toda

    uma gama de comportamentos que a levaro a nveis de desenvolvimento

    superiores. nesse espao feito de comunicaes interpessoais que se vivenciam

    as primeiras transies, os primeiros conflitos e os primeiros confrontos com uma

    realidade no to protegida como a familiar. O educador surge, assim, no s no

    importante papel interventor, como assume, de facto a personagem principal de

    observador privilegiado (Silva, Verssimo, Santos, 2004:109).

    E) A formao inicial dos professores fica aqum do desejado, relativamente,

    ao tema conflitos interpessoais

    Segundo Vinha e Assis [...] quando se observa o quotidiano das escolas e

    tambm em contacto directo com os professores e especialistas em cursos e

    reunies de estudo, constata-se que uma das dificuldades que esses profissionais

    em educao encontram e que gera muita insegurana, reside justamente em lidar

    com os conflitos que ocorrem no quotidiano da vida escolar. Raramente os cursos

    de formao estudam essas questes preparando o futuro profissional em educao

    para lidar com segurana ao defrontar-se com situaes que ocorrem em qualquer

    instituio educativa (2003:7).

  • 25

    Em jeito de concluso, a deciso de levar a cabo este estudo foi, pois, pelo

    facto de presenciamos actualmente, com preocupao, o crescimento alarmante da

    violncia, que segundo, a Organizao Mundial de Sade, ocasionou 1,7 milhes de

    bitos em 2000 (Yunes, 2002, citado por Leme, 2004:367). Este dado torna-se ainda

    mais preocupante quando se verifica, segundo a mesma fonte, que as principais

    vtimas e perpetradores da violncia interpessoal so adolescentes e jovens adultos

    (Leme, 2004:367). certo que o nosso estudo se debrua sobre uma idade inferior,

    crianas de jardim-de-infncia, mas estamos convictos, conforme a investigao

    tambm o revela, que muitos dos problemas das idades mais avanadas comeam

    a ter o seu ponto de partida precisamente na primeira infncia.

    Por esse facto, caber escola, neste caso especfico, ao jardim-de-infncia,

    meio favorecido para a observao e despistagem de problemas comportamentais e

    outros, trabalhar e desenvolver as reas de competncia pr-social, cabendo ao

    educador um papel fundamental.

    2 - Os conceitos de indisciplina, violncia e agressividade

    Numa sociedade em que cada vez mais surgem crianas com problemas de

    comportamento (situaes de conflito interpessoais, violncia entre pares e

    indisciplina na escola) considermos essencial esclarecer alguns conceitos, como:

    comportamento anti-social, agresso, violncia, indisciplina.

    Diariamente ouvimos e observamos nas escolas, pais, educadores,

    professores relatarem que determinada criana agressiva, violenta, conflituosa,

    indisciplinada, no cumpre regras nenhumas, est sempre a provocar....

    O uso abusivo de termos para rotular este tipo de problemas e situaes tem

    causado uma certa confuso na designao correcta dos fenmenos que ocorrem,

    tanto a nvel escolar, como a nvel social. Da, sentirmos necessidade de aclarar

    alguns conceitos, sabendo que essa definio no simples, nem pacfica.

    Kazdin e Buela -Casal (1998) consideram que o comportamento anti-social

    se refere a todo o comportamento que infringe regras sociais, ou que seja uma

    aco contra os outros, como condutas agressivas, furtos, vandalismo, piromania,

    mentira, ausncia escolar e/ou fugas de casa [...] essencial que o indivduo

  • 26

    apresente um conjunto de aces anti-sociais que se repitam por um perodo

    duradouro (citado por, Guequelin & Carvalho, 2007:133). Tambm Fonseca (2000:

    9) define comportamento anti-social como um padro estvel de desrespeito pelos

    direitos dos outros ou de violaes das normas sociais prprias de uma determinada

    comunidade.

    Outros conceitos que so usados na literatura e associados ao que acabamos

    de expor so o conceito de agresso e violncia.

    O conceito de agresso refere-se a um conjunto muito heterogneo de

    comportamentos (v.g, bater, insultar, ser cruel, ameaar ou ferir as outras pessoas,

    destruir ou danificar os seus bens) que tm em comum o facto de intencionalmente

    causarem sofrimento ou danos a outrem (Fonseca, 2007:137).

    Por sua vez, o conceito de violncia designa comportamentos agressivos de

    grande intensidade (fsica ou psicolgica) exercidos sobre outrem (Fonseca, 2000:

    11). Similarmente (Costa, 1996, citado por Luz & Gonalves, 2008:66) advoga que a

    violncia o emprego desejado de agressividade com fins destrutivos. Desse

    modo, agresses fsicas, brigas e conflitos podem ser expresses de agressividade

    humana, mas no necessariamente de violncia. [] A violncia ocorre, ento,

    quando h o desejo de destruio.

    Um outro conceito muito associado aos anteriores o de indisciplina. Falar de

    indisciplina falar de um comportamento que pode ser ocasional ou persistente, de

    iniciativa de um indivduo, de um pequeno grupo, de toda uma turma ou ainda, de

    um grande nmero de alunos de uma escola; e que pode ter manifestaes

    variadssimas que vo da perturbao do trabalho s agresses a colegas e

    professores (Amado, 2001:417).

    Assim, o conceito de indisciplina no deve ser entendido como um fenmeno

    redutvel ao seu lado aparente, visvel, externo (e por isso tambm descritvel e

    mensurvel); esse o lado externo da transgresso de princpios, regulamentos,

    contratos e ordens, em discordncia com os objectivos do grupo ou instituio e

    provocando sempre situaes de perturbao das relaes sociais [...] deve ser

    entendida como um fenmeno fortemente determinado por dimenses subjectivas

    da responsabilidade de todos os actores em presena (Amado, 2007:2).

  • 27

    Por tudo isto que foi dito, entendemos que a problemtica da indisciplina um

    fenmeno complexo que deve ser distinguida conforme os contextos relacionais em

    que ocorre (Amado, 2007).

    Quando optamos por utilizar um destes conceitos devemos ter em ateno os

    agentes, as vtimas, as causas, os efeitos e os contextos (Amado & Estrela, 2007:

    336) para que se possa compreender e designar melhor o fenmeno observado.

    indispensvel que se entenda que a delinquncia, a indisciplina e violncia

    so fenmenos distintos. Isto , a delinquncia um acto criminoso cometido por

    algum menor de idade; por sua vez, indisciplina algum que infringiu as regras

    estipuladas; por fim, a violncia um acto praticado sobre algum que pe em

    causa a integridade fsica e /ou mental da pessoa (Amado & Estrela, 2007).

    Dito isto, a anlise deste tipo de comportamentos exige um estudo

    pormenorizado de cada situao, envolvendo quadros de referncia

    multidisciplinares, ngulos diversos atravs dos quais estes fenmenos podem ser

    perspectivados (Amado & Estrela, 2007:2).

    3 - O conceito de Conflito

    Continuando a preocupao anterior por esclarecer conceitos, atentemos

    agora no conceito de conflito. Tradicionalmente, os conflitos eram vistos como uma

    situao a evitar. Esta ideia poder surgir da gnese latina da palavra conflictu

    que significa literalmente choque, embate, luta. A ausncia de conflitos no seio dos

    grupos e das organizaes era encarada como um indicador inquestionvel da sua

    eficcia. A principal aposta centrava-se no desenvolvimento de competncias que

    permitissem sistematicamente evitar o surgimento do conflito. Nesta viso tradicional

    a nica forma aceite de gerir e resolver conflitos era a que se sustentava na

    autoridade e poder.

    Olhar para os conflitos desta forma negativa assume-se como algo limitativo e

    superficial. Se verdade que muitos dos conflitos tm efeitos prejudiciais, tambm

    verdade que a partir do conflito e de pontos de vista diferentes que nascem as

    grandes ideias e decises (Fachada, 1993).

  • 28

    Na segunda metade do sculo XX passou-se, ento, a valorizar a existncia

    de conflitos dentro de uma organizao, de um grupo e mesmo para as relaes

    interpessoais. De acordo com esta viso, o conflito um processo transversal

    responsvel pela mudana em todos os nveis da vida social quer em termos

    macrossociais quer em termos micro: pessoal, interpessoal e familiar. Ele inerente

    nossa condio humana enquanto sujeitos de relao e, portanto, inevitavelmente

    omnipresente e necessrio como ingrediente fundamental de complexificao do

    sujeito psicolgico na sua relao com o mundo (Gonalves, 2003:114).

    Assim sendo o conflito uma propriedade de interaco que cria, tanto

    como destri, que se distingue de indisciplina e violncia (mas que as integra), [...]

    desmistificando assim a ideia de situao a evitar ou, na sua impossibilidade, a

    erradicar. Definido deste modo, a um conflito resolvido sucedem-se novas situaes

    conflituais, cabendo aos actores conscientizar esta dialctica e buscar as formas

    organizativas adequadas para o (as) enfrentar (Silva, 2003:88-89).

    Episdios de conflito tm lugar em qualquer escola, famlia, grupo de amigos,

    sala de aula; o importante saber olhar para o conflito como uma varivel

    relacional, inerente interaco humana, que, embora, no imediato possa ter um

    efeito disruptivo a nvel das relaes interpessoais e possa at afectar

    negativamente o clima scio-afectivo da turma ou da escola se reveste de

    funcionalidade psicolgica. Significa isso, que o conflito uma condio importante

    do desenvolvimento social dos indivduos (Nascimento, 2003:197).

    3.1 - Os diferentes tipos de conflitos

    Do que se disse anteriormente podemos considerar o conceito de conflito

    como polissmico e ao mesmo tempo ter em conta diversos tipos de conflitos:

    desde o conflito intra-pessoal at ao conflito entre as naes e governos (McIntyre,

    2007:298). Passamos a considerar quatro tipos de conflitos: conflitos intra-pessoais,

    conflitos interpessoais, conflitos organizacionais e interorganizacioanais.

    Os conflitos intrapessoais so aqueles que surgem no ntimo do indivduo

    quando este tem necessidade de dar uma s resposta entre duas, que se excluem

    mutuamente (Fachada, 2003). Dentro deste grupo podemos identificar:

  • 29

    O conflito atraco-atraco: este conflito surge quando a pessoa se encontra

    dividida entre duas situaes atraentes.

    O conflito repulso-repulso: este conflito surge quando a pessoa est

    perante duas situaes desagradveis.

    O conflito atraco-repulso: este conflito surge quando a pessoa est

    perante uma situao que possui aspectos positivos e negativos. Este tipo de

    conflito o mais usual.

    Os conflitos interpessoais podem ser descritos como situaes de

    interaco social de confronto, desacordo, frustrao, etc., e que so, portanto,

    desencadeadores de afecto negativo, podem ser resolvidos de maneira violenta ou

    pacfica, dependendo, justamente, dos recursos cognitivos e afectivos dos

    envolvidos, e dos contextos sociais em que ocorrem (Leme, 2004:367). Ou como

    afirma Coimbra (1990, citado por Gonalves, 2003:114) o conflito interpessoal pode

    ser definido como uma percepo divergente de interesses, crenas, valores,

    expectativas entre dois interlocutores.

    Os conflitos organizacionais so os conflitos de grupos ou indivduos no

    interior de uma mesma organizao.

    Os conflitos interorganizacionais so os conflitos que surgem entre

    organizaes ou grupos (Silva, 2003:81).

    Em cada tipo de conflito a pessoa, o grupo, ou a parte assume uma estratgia

    perante a situao. Essa forma de agir perante o conflito varia de pessoa para

    pessoa. De acordo, com a estratgia adoptada existe quatro resultados possveis:

    1. Uma parte ganha, outra perde;

    2. O rival que ganha, e a outra parte perde;

    3. Chega-se a um compromisso e ambas as partes perdem at certo ponto

    para ganhar noutros;

    4. Ambas as partes procuram uma soluo integrativa em que cada parte

    acaba por ganhar (Caetano & Vela, 2002; Rahim 1991, citado por

    McIntryre, 2007:298).

  • 30

    3.2 - Os Factores desencadeadores dos Conflitos

    Como j foi referido, o conflito existe nas organizaes. Alis h certas

    condies que favorecem o aparecimento de conflitos (McIntryre, 2007). Segundo

    Jares (2002:47) podemos enquadrar a origem dos conflitos na instituio escolar em

    quatro categorias, inter-ligadas entre si, e por vezes, dificilmente separveis.

    A. Ideolgico cientficas:

    Opes pedaggicas diferentes.

    Opes ideolgicas (definio de escola) diferentes.

    Opes organizativas diferentes.

    Tipo de cultura ou culturas escolares que convivem na escola.

    B. Relacionadas com o poder:

    Controlo da organizao.

    Promoo profissional.

    Acesso aos recursos.

    Tomada de decises.

    C. Relacionadas com a estrutura:

    Ambiguidade de metas e funes.

    Celularismo (corporativismo).

    Debilidade organizativa.

    Contextos e variveis organizativas.

    D. Relacionadas com questes pessoais e de relao interpessoal:

    Auto-estima /afirmao.

    Segurana.

    Insatisfao laboral.

    Comunicao deficiente e/ou desigual.

    Relativamente aos conflitos interpessoais eles podem ter origem em situaes

    diferentes, tais como:

    Diferenas individuais: diferenas de idade, sexo, atitudes, crenas, valores e

    experincias contribuem para que as pessoas vejam e interpretem as situaes de

    maneira diversa. Homens e mulheres, filhos e pais, amigos e conhecidos, velhos e

  • 31

    novos, colegas de profisso, criam situaes onde a diferena de opinies

    inevitvel.

    Como afirmam Dimas, Loureno e Miguez os grupos so constitudos por

    pessoas com diferentes competncias, conhecimentos e capacidades, com

    perspectivas, atitudes e valores diferenciados, com distintas formas de pensar, sentir

    e agir, o que os torna um espao privilegiado para a emergncia de conflitos

    (2008:10).

    Limitaes dos recursos. Nenhuma estrutura, grupo ou famlia possui todos

    os recursos de que necessita. Os recursos financeiros, tcnicos e humanos so, por

    seu lado, limitados. Partilhar os recursos por todos os indivduos, no tarefa fcil,

    para no dizer quase impossvel. Da que, seja necessrio tomar decises sobre o

    uso dos recursos. Essa tomada de deciso, feita, normalmente, por quem tem

    mais poder dentro da organizao, gerando-se algumas vezes situaes de conflito,

    porque as opinies nem sempre so bem aceites por todos.

    Como declara Jares (2002) o poder est presente em todas as relaes

    humanas. E tal, como o conflito ele no negativo em si mesmo. Ser negativo ou

    positivo conforme o uso que se faa dele.

    Diferenciao de papis. Os conflitos interpessoais podem tambm surgir da

    dificuldade em determinar quem pode dar a ordem ao outro. Se a autoridade de uma

    pessoa no aceite pelo outro, surge o conflito (Fachada, 2003).

    Todos ns assumimos diferentes papis na sociedade e na famlia; as

    pessoas so pais e filhos, na escola so educadores e alunos, noutros ambientes

    representam outros papis: colega, amigo, namorado, empregado, patro, cidado.

    Por outras palavras, as relaes diferem de contexto para contexto e no podem ser

    dissociadas dos papis que cada um assume em determinada situao (Coimbra,

    1990).

    Vrios estudos apontam o mesmo tipo de causas para o surgimento de

    conflitos entre pares. Estes podem ter origem em vrios aspectos de ordem social,

    familiar, escolar, pessoal (Amado & Estrela, 2007). Passaremos de seguida a

    exemplificar alguns desses factores.

  • 32

    Os Factores Individuais Todos ns somos diferentes, portanto agimos e

    reagimos s situaes de forma distinta. Quando uma criana entra pela primeira

    vez para o jardim-de-infncia vive variadssimas contrariedades sociais. Se por um

    lado, umas ainda no conseguem controlar os seus impulsos quando esto a tentar

    resolver os conflitos entre pares, outras dependem exclusivamente do adulto para

    tudo o que fazem, outras h, que so tmidas por natureza e no interagem com os

    colegas (Katz & McClellan, 2001).

    Todas estas situaes podem influenciar o comportamento da criana na

    forma de agir, quando so solicitadas para realizar uma qualquer tarefa proposta

    pelo educador, ou mesmo quando esto em actividades livres, em interaco com o

    outro.

    Assim, o educador deve olhar para a criana como um ser nico e individual e

    tentar perceber o motivo do comportamento. Uma vez que, comportamentos

    disruptivos podem ser uma expresso de perturbao emocional, com origem

    exterior sala de aula (Katz & McClellan, 2001:14).

    Os Factores Familiares A famlia o pilar da socializao. na famlia que

    assimilamos os primeiros hbitos de convivncia. Isto faz com que seja muito

    marcante, e s vezes fundamental, nos exemplos de convivncia que aprendemos.

    Os modelos de convivncia que aprendemos variam em funo de distintas

    variveis, como so o ideal de convivncia e de educao dos pais; o tipo de relao

    entre eles e com os filhos, e destes entre si; os valores que se fomentam e impem

    em muitos casos [...]; o compromisso social dos pais, a situao laboral dos

    mesmos; a qualidade das relaes afectivas; os hbitos culturais; a forma mais ou

    menos consciente de assumir a paternidade ou maternidade; etc. (Jares, 2007:28).

    Todas estas variveis condicionam o comportamento das crianas e a sua maneira

    de agir. Apesar do que afirmamos anteriormente ser uma verdade indiscutvel

    tambm temos conscincia plena que a instituio famlia est em crise.

    A famlia, bem como o resto das instituies, sofreram transformaes

    inerentes s mudanas sociais que esto a acontecer em toda a sociedade. A

    existncia de factores perturbadores e desestabilizadores na sociedade, provenham

    eles da (des) orientao poltica ou das dinmicas econmicas e culturais a elas,

    alis, associadas (o aumento exponencial, escala global e local, do fosso entre

  • 33

    ricos e pobres, gerador de ressentimentos e quebras de solidariedade, o

    desemprego e suas consequncias a todos os nveis, o trfego e consumo de droga,

    o comrcio de bebidas alcolicas, os conflitos raciais e ideolgicos, a violncia

    oferecida como espectculo nos meios de comunicao, a carncia de estruturas

    sociais de apoio aos jovens e susceptveis de prevenir e contrariar a influncia de

    companhias com valores no conformistas e desviantes, s quais estes jovens se

    juntam por uma necessidade de pertena e de proteco) constitui-se, por certo,

    em factor de risco para a queda da marginalidade e, consequentemente, constitui-se

    como elemento determinante dos problemas de indisciplina existentes na escola

    (Amado, 2007).

    Estas mudanas sociais incidem na nova configurao e no novo papel da

    famlia incitando uma preocupante desorientao relativamente educao dos

    filhos. Muitos pais sentem-se perdidos, impotentes sem saber o que fazer (Jares,

    2007). Educar tambm significa dizer no, as famlias tambm devem ensinar aos

    seus filhos que nem tudo permitido. Como afirma Freire (2001, citado por Jares,

    2007:220) lamento e fico preocupado quando convivo com famlias que sofrem a

    tirania da liberdade, em que tudo permitido s crianas: gritam, riscam as

    paredes, ameaam as visitas, tudo na presena da autoridade complacente dos

    pais, que se julgam os campees da liberdade.

    A inexistncia de regras ligada ao facto de se lhes dar tudo leva ao

    desenvolvimento de comportamentos consumistas, caprichosos de mnimo esforo

    e pouca resistncia frustrao. So crianas e adolescentes que no sabem dar

    valor s coisas, nem ao esforo que os pais fazem para que eles as possam ter,

    porque para eles foi muito fcil consegui-las (Jares, 2007:222).

    Da que, cabe famlia, e s escolas incentivar as crianas a serem

    responsveis por determinadas tarefas que vo desde cuidar dos seus objectos

    pessoais, dos brinquedos, arrumar o seu quarto etc., at partilhar responsabilidades

    comuns, por exemplo pr e levantar a mesa, etc. Temos que educar para o esprito

    de reciprocidade (Jares, 2007:23).

  • 34

    Os Factores Sociais Segundo Lucini (2005) existem cinco aspectos nas

    sociedades actuais que dificultam a concretizao das finalidades educativas.

    1- As sociedades actuais so caracterizadas por um dfice de socializao,

    ou seja, a famlia e a escola sentem-se incapazes de cumprir com a sua funo

    socializadora.

    2- O surgimento de novos agentes de socializao como os meios de

    comunicao, em especial a televiso que actua sem qualquer tipo de controlo por

    parte dos agentes educativos.

    3- A crise de autoridade vivida na nossa sociedade e a valorizao do

    individualismo to veiculada, sobretudo nas geraes mais novas.

    4- Ligada a esta crise de autoridade e valorizao do individualismo, existe

    uma crise de valores, de modelos a seguir.

    5- Por fim, o facto de vivermos na era da informao e num mundo em

    progressiva globalizao isto sem limites, nem fronteiras que torna a vivncia

    social, mais difcil.

    Este conjunto de aspectos que caracterizam a nossa sociedade actual afecta

    grandemente a instituio escolar, os professores, as crianas, como afirma Amado

    (2007:4) a escola e a turma no funcionam margem da vida e da estrutura social.

    Os elos so muitos e de variada natureza.

    Estando ambas as instituies em crise, escola e famlia acabam por se

    acusar mutuamente das responsabilidades no diagnstico da perda de valores

    bsicos, deteriorao da convivncia, aumento da violncia nas relaes sociais,

    etc. (Jares, 2007:208).

    Um outro aspecto que torna evidente esta ruptura o facto de que, no

    passado, quando uma criana era castigada na escola, no lhe passava pela cabea

    ir para casa fazer queixa, porque sabia que seria ainda mais castigada. Ou seja, a

    famlia acreditava nos professores, no seu trabalho, na sua autoridade, de tal forma

    que havia um consenso social, se o professor castigava alguma razo tinha para o

    fazer. Agora, a situao completamente oposta, a famlia questiona e condena a

    posio do professor, acabando muitas vezes por desautorizar o seu papel, frente

    das crianas (Jares, 2007).

    Como afirmou Lucini (2005) os media assumem hoje um papel preponderante

    na socializao das crianas, acabando por os afectar negativamente. Vrias

  • 35

    investigaes afirmam, segundo Clements (1985), que as crianas passam mais

    tempo a ver televiso do que em qualquer outra actividade durante o tempo que

    esto acordadas [...] os maiores consumidores so as crianas em idade pr-

    escolar, que vem em mdia 25 a 35 horas por semana (citado por Clements &

    Nastasi, 2002:562).

    Alm das horas que as crianas passam frente da televiso, vrias

    investigaes comprovaram a existncia de uma relao causal entre o

    visionamento de violncia nos media e o comportamento agressivo subsequente,

    com estudos de campo e laboratoriais a apresentarem provas de efeitos a curto

    prazo, e a investigao longitudinal (p. ex. estudo ao longo do tempo e estudos

    naturalistas) a confirmar efeitos a longo prazo (Turner, Hesse & Peterson-Lewis,

    1986, citado por Clemnets & Nastasi, 2002:584).

    Factores Escolares e Pedaggicos Estrela (1992:42) refere que o espao

    pedaggico simultaneamente o lugar fsico em que se processa a transmisso

    intencional do saber e a estrutura de origem cultural que suporta e organiza a

    relao pedaggica. Partilhar um espao fechado e limitado com um grupo

    numeroso, circunscrever-se ao espao [...] controlar os movimentos e reduzir as

    deslocaes constitui a primeira e mais difcil aprendizagem do aluno que entra na

    escola. Aprendizagem penosa, que no se faz sem resistncia e sem libertao de

    agressividade. Pelas suas dimenses, configurao, densidade de ocupao,

    possibilidades de utilizao e condies de apropriao, o espao facilita ou inibe a

    relao do professor e dos alunos entre si, marca-lhes limites, assinala papis e

    consagra estatutos, veicula normas e valores.

    Apesar desta abordagem focar a realidade de outros graus de ensino

    pareceu-nos adequado ao pr-escolar dado que o trabalho desenvolvido por uma

    profissional de educao do pr-escolar tambm se situa num espao pedaggico

    que nem sempre o mais adequado para o exerccio da sua funo.

    Estrela (1992:54) afirma, tambm, que a dinmica criada dentro de um grupo

    no se constitui de forma voluntria isto , no seio de um grupo, nascem grupos

    informais motivados por razes de proximidade ou por semelhanas variadas e entre

    esses grupos acontecem fenmenos relacionais como luta pela liderana,

    emergncia de lderes informais, presso para a conformidade, procura de fins

  • 36

    comuns que asseguram a coeso e a moral do grupo, existncia de bodes

    expiatrios sobre os quais se descarrega a frustrao e agressividade do grupo,

    rivalidade entre os grupos.

    Um outro aspecto que se experiencie dentro da dinmica de um grupo as

    diversas disposies comportamentais nos meninos e nas meninas, quer nas suas

    interaces com os pais, quer nas relaes que estabelecem nos grupos de pares

    (Vieira, 2004:64). A este propsito e segundo Maccoby (2000, citado por Vieira,

    2004:64).

    a. Os temas que aparecem nas fantasias dos rapazes, nas histrias que eles

    inventam, nos cenrios que constroem, quando esto a brincar com outros

    rapazes, e o material de fico que preferem (nos livros e na televiso) envolvem

    perigo, conflito, destruio, aces hericas e demonstraes de fora fsica

    (...).

    b. Em comparao com as raparigas, a interaco entre os rapazes cria espao

    para jogos relativamente desorganizados, para a competio, para o conflito,

    para a exibio do ego, para assuno de riscos e para a luta pela

    dominncia (...).

    Todos estes factores afectam grandemente o comportamento das crianas

    dentro e fora da instituio escolar. Da ser imperativo tomar medidas de preveno.

    Faremos referncia a elas no ponto seguinte.

    4 - Interveno na Gesto de Conflitos

    da opinio pblica que h uma forte tendncia das crianas para adoptarem

    comportamentos agressivos e violentos de interaco com os pares e outros; de

    algum modo a investigao vem corroborando esta opinio geral demonstrando um

    acrscimo de situaes de conflitos violentos mesmo nos espaos educativos

    (Tremblay et al., 2000).

    Por esse facto, julgamos que a escola deve tomar medidas preventivas para

    tentar contrariar essas situaes, no se devendo pensar que so aces

    prescritas ou receitas de aplicao universal [...] as iniciativas concretas podem ser

  • 37

    (e, digamos mesmo, que tm sido, felizmente em alguns casos), ricas variadas,

    voltadas para diferentes nveis a considerar, articuladas e coerentes entre si de

    modo sistmico, pois o que acontece na aula no independente do que acontece

    na escola em geral e vice-versa (Amado & Estrela, 2007:347).

    Segundo Amado e Estrela (2007:347e sg.) existem trs medidas preventivas

    fundamentais para gerir a problemtica dos conflitos no contexto da sala de aula, e

    que pensamos igualmente adequadas ao jardim-de-infncia, tendo em conta a

    necessria adaptao.

    1. Construir um clima de aula assente em normas e regras. Ao professor

    cabe definir as regras dentro da sala. Para isso essencial, que o professor detenha

    competncias a nvel das relaes interpessoais, saiba liderar, saiba impor a sua

    autoridade, mas nunca esquecendo que deve respeitar os alunos.

    2- Construir um clima de aula aberto ao aluno. O professor deve

    desenvolver um espao na aula, onde os alunos possam expressar os seus

    problemas, desejos, gostos, sem receio de serem criticados. A aula no se deve

    cingir a um espao onde se aprende, nica e exclusivamente, os contedos

    programticos de cada disciplina, mas se aprenda a ser e a estar.

    3- Actuar com competncia tcnico-pedaggica. O professor deve ter as

    aptides necessrias para ensinar dentro da sua rea especfica, bem como ter

    conhecimentos pedaggicos, para responder a eventuais problemas que lhe surgem

    no dia-a-dia.

    De seguida, e continuando na linha de pensamento dos autores supracitados

    apresentaremos trs aspectos que se enquadram mais ao nvel da organizao da

    escola.

    4- Implementar uma gesto democrtica e participada onde todos os seus

    membros participem de forma democrtica, garantindo o exerccio dos seus direitos,

    enquanto cidados plenos. Isto traduz-se na possibilidade de todos os intervenientes

    educativos (pais, alunos, professores, directores, pessoal no docente) se

    implicarem na organizao e gesto da escola.

  • 38

    5- Promover formao permanente baseada na anlise e resoluo dos

    problemas. Todos os profissionais de educao devem ter acesso a formao que

    lhes permita gerir da melhor forma, os problemas relacionados com conflitos,

    indisciplina, violncia, agressividade das crianas, dentro e fora das salas.

    Perceber e contextualizar cada situao permite no estigmatizar as crianas.

    Os agentes educativos devem ser sensveis a cada situao e devem actuar de

    modo a resolver os conflitos, estimulando a cooperao e promovendo valores

    cvicos e pr-sociais. Esta formao, centrada nas problemticas da escola e

    orientada por princpios de preveno, deve incorporar as experincias de todos e

    cada um, criar instrumentos conceptuais que permitam a cada professor ser sensvel

    ao seu prprio comportamento, ser capaz de observar e problematizar as suas

    prticas e as consequncias delas, ter um olhar crtico que lhe d uma viso

    correcta do jogo de foras que tem lugar no interior da instituio e dos

    condicionalismos da aco colectiva (Amado & Estrela, 2007:351).

    6- Promover iniciativas de interveno da comunidade. indispensvel

    cultivar uma poltica de cooperao entre a famlia, a escola, a comunidade

    envolvente, os outros graus de ensino, na construo dos projectos educativos. Bem

    como, fomentar a comunicao regular com os encarregados de educao.Com

    esta medidas preventivas pretendemos que as escolas experienciem situaes de

    convivncia harmoniosa, sabendo partida que os conflitos existem, mas que

    podem ser ultrapassados de uma forma cvica.

    Concomitantemente a estas medidas, outros autores, como o caso de

    Osopow (1991, citado por Nascimento, 2003:226) fazem referncia a programas

    escolares de resoluo de conflitos que podem ser orientados:

    Para as competncias, isto , os alunos so estimulados a desenvolver

    competncias sociais e interpessoais, indispensveis para a resoluo

    construtiva dos conflitos interpessoais. Engloba duas categorias de

    programas: os que se baseiam em currculos especficos e os programas de

    mediao por pares.

    Academicamente, ou seja, os alunos so treinados a desenvolver

    competncias cognitivas, atravs do pensamento crtico.

  • 39

    Mudanas estruturais, que se centram na alterao estrutural da escola,

    enquanto organizao.

    As situaes de conflito so frequentes no dia-a-dia da vida escolar, da

    existirem vrias circunstncias para se tentar resolver e/ou prevenir os conflitos.

    Em termos curriculares o que se pretende incluir no curriculum conceitos e

    competncias relacionadas com a resoluo de conflitos. O que se deseja que no

    currculo do aluno faam parte sesses especficas de formao de resoluo de

    conflitos. Alm de se ensinar a ler, escrever indispensvel ensinar competncias

    sociais, de empatia, de assertividade, de gesto e/expresso emocional, de

    comunicao, etc. (Coleman & Deustche, 2000, citado por Nascimento, 2003:234).

    Nesta perspectiva, mas centrando-nos no grau de ensino que nos interessa

    (pr-escolar) as abordagens curriculares de promoo de competncias scio-

    emocionais, cognitivas e de resoluo de conflitos procuram, essencialmente, tirar

    partido da grande plasticidade e da capacidade de aprendizagem das crianas desta

    idade (Nascimento, 2003:234). Assim torna-se importante salientar o exemplo de

    uma estratgia de resoluo de conflitos no pr-escolar.

    Os programas de resoluo de conflitos no pr-escolar acontecem de uma

    forma espontnea em funo dos acontecimentos ocorridos na sala. Muitas vezes,

    os conflitos interpessoais surgem em actividades que se inspiram nas rotinas

    normais de uma sala do pr-escolar. Quantas vezes, uma criana no quer dar a

    mo a outra, no quer fazer um comboio, no empresta um brinquedo...

    Existem programas2 que consistem em sesses em crculo que podem

    repetir-se at 15 vezes por semana durante um perodo de cinco a seis meses nas

    quais as crianas realizam actividades em crculo que promovem diversas

    competncias de resoluo de conflito.

    Estas sesses centram-se em quatro domnios de competncia: 1)

    sentimentos (reconhecer sentimentos em si e nos outros, verbalizar sentimentos e

    empatia); 2) cooperao (trabalho de equipa, sentido de comunicao e auto-

    controle); 3) comunicao (assertividade, competncias de entrada num grupo,

    competncias de escuta e auto-expresso); 4) resoluo de problemas

    2 Ex. Peaceful Kids Conflict Resolution Program, Sandy & Boardman, 2000

  • 40

    (pensamento crtico, criatividade, tomada de perspectiva social) (Nascimento, 2003:

    235).

    De facto, esta modalidade de interveno importante, mas tem algumas

    limitaes. uma abordagem que visa melhorar a competncia interpessoal dos

    indivduos pela via de aprendizagem de contedos cognitivos ou comportamentais

    especficos mais do que atravs da produo de mudanas ou alteraes positivas

    nos mecanismos que permitiriam aos alunos tornar-se pessoas competentes,

    capazes de pensar e agir mais funcionalmente quer em situaes de conflito quer

    sobre a realidade interpessoal em geral (Coimbra, 1991, citado por Nascimento,

    2003:236).

    Tendo em conta esta limitao, indispensvel que o educador invista na

    promoo do desenvolvimento interpessoal, favorecendo a colaborao e o trabalho

    em grupo (Nascimento, 2003).

    Continuando nesta linha de pensamento e com o intuito de enriquecer as

    prticas pedaggicas dos profissionais de educao do pr-escolar apresentaremos

    alguns princpios e estratgias relacionadas com a promoo do desenvolvimento

    das crianas (Katz & McClellan, 2001:22). Estes exemplos so fruto de uma

    extensa investigao sobre o desenvolvimento social da criana (Katz &

    McClellan, 2001:22).

    Na opinio de Katz e MacClellan (2001) quando uma criana brinca e

    trabalha em grupo, facilmente surgem problemas, cabendo ao educador um papel

    fundamental para fomentar o desenvolvimento social da criana. Com isto queremos

    dizer que o educador deve ter uma atitude de superviso, s intervindo quando

    verificar que as crianas no so capazes de o fazer de uma forma positiva; o

    educador deve optimizar a sua interveno.

    Algumas vezes os educadores notam que certas crianas tentam resistir s

    regras e s rotinas impostas na sala. Estes momentos devem ser aproveitados para

    ensinar s crianas outras formas de agir; no entanto, esse momento deve ser feito

    num contexto individualizado, para que as crianas aprendam a lidar como os seus

    impulsos.

    O contexto da sala deve promover o crescimento social das crianas, por isso

    o respeito pelos seus sentimentos deve ser privilegiado. O papel que o educador

  • 41

    deve adoptar respeitar a vontade da criana. Assim, deve verbalizar a ideia que

    est pronto a receber a criana quando ela assim o desejar, podendo dar sugestes

    de outras actividades que a criana possa realizar. Esta estratgia respeita o

    sentimento da criana e diminui a resistncia de participar nas actividades

    promovidas pelo educador.

    O contexto de uma sala deve ser marcado por uma comunicao verdadeira

    e clara sobre as regras, normas e expectativas relativamente vida do grupo.

    Nunca esquecendo que as regras so para todas as crianas, sem excepo.

    Dito isto, o educador deve estabelecer uma relao de confiana e

    credibilidade com as crianas. A criana deve acreditar no adulto. A credibilidade

    consolidada quando o educador expe as suas expectativas de forma simples e

    directa. Por exemplo, quando uma criana acaba de atirar areia para cima de um

    colega, o educador deve dizer a areia no para atirar, s para brincar com as

    ps e os baldes em vez de dizer no se atira areia, quando isso j aconteceu,

    porque essa atitude ambgua.

    Quando uma criana viola uma norma, a atitude mais habitual dos

    educadores e dos pais punir a criana, mas o ideal discutir a situao com a

    criana em vez de adoptar logo uma atitude punitiva. Tambm Luz e Gonalves

    (2008:92-93) reconhecem o valor da conversa como aco diante de

    comportamentos agressivos, acreditando que essa atitude reflecte o respeito pelas

    crianas como pessoas dignas de serem consideradas, que merecem explicaes.

    Continuando nesta linha de pensamento, outra estratgia muito usada pelos

    educadores e pais, o mtodo de reflexo ou thinking chair. Contudo, segundo a

    opinio dos tericos o uso da cadeira para pensar considerado uma estratgia

    pouco eficaz. A observao informal indica que o mtodo de reflexo ou thinking

    chair3 constitui uma estratgia comum que os professores usam com crianas que

    violam as normas da sala de aula, especialmente quando so agressivas (Katz &

    McClellan, 2001:29). Contudo, vrias investigaes demonstraram que o resultado

    dessa estratgia no tem os efeitos desejados, uma vez que, no se consegue

    saber se a criana quando est sentada na cadeira reflecte no seu acto indesejvel.

    A sugesto dada pelos tericos que se deve retirar a criana perturbadora do fluxo

    3 A criana fica sentada numa cadeira a reflectir sobre o seu acto.

  • 42

    da aco que elas parecem ser incapazes de gerir, de tal modo que se acalmem e

    recuperam controlo sobre os seus mpetos. Esta retirada no deve ser entendida

    como uma aco punitiva. Mas sim, uma aco de controlo de aco.

    Depois de explicitarmos alguns exemplos de como agir no dia-a-dia,

    queremos frisar que nem tudo funciona para todas as crianas; da ser importante

    olhar para todas as possveis causas do problema e reflectir sobre a dimenso da

    sala, o tipo de espao usado, a variedade e tipos de equipamento disponveis, o

    plano de actividades, os ratios professor-aluno, a faixa etria das crianas e o

    contedo do currculo (Katz & McClellan, 2001:43).

    Para concluir, apresentamos segundo o modelo de High/Scope4 dois tipos

    de estratgias que permitem diminuir a frequncia de situaes que envolvam

    comportamentos de agresso fsica e/ou verbal. Estas estratgias so:

    a. estratgias de preveno de conflitos,

    b. estratgias de resoluo de conflitos. (Lino, 2001:84).

    Assim, em termos de preveno, consideramos que a organizao do

    ambiente fsico da sala de actividades, com reas bem diferenciadas, com material

    adequado a cada rea e faixa etria das crianas, possibilita que estas se

    integrem no espao, nos jogos e nas brincadeiras sem necessitarem de lutar pelos

    espaos ou materiais; a estruturao de uma rotina diria consistente, em que os

    momentos se repetem todos os dias possibilitando que a criana faa escolhas,

    permite diminuir a ansiedade e a insegurana; o papel do apoio do adulto que

    clarifica as normas, as regras, que intervm quando necessrio, que procura

    conhecer e respeitar cada criana, como ser nico e individual, possibilitando a

    aprendizagem pela observao (Lino, 2001).

    Relativamente, s estratgias de resoluo de conflitos e segundo Graves,

    Strubank (1991, citado por Lino, 2001:85) os educadores devem:

    a. intervir imediatamente para parar um comportamento que seja destrutivo

    ou que ponha em perigo a segurana da criana;

    4 O Modelo High/Scope um modelo interaccionista/construtivista que se baseia na resoluo de

    problemas por parte das crianas. atravs da aco, interagindo com pessoas, materiais e ideias, que a criana constri o seu conhecimento acerca do mundo que a rodeia (Lino, 2001).

  • 43

    b. usar linguagem verbal para identificar os sentimentos e as preocupaes

    das crianas;

    c. pedir s crianas que exprimam por palavras os seus desejos;

    d. pedir s crianas que apresentem as suas prprias solues para a

    resoluo de um problema;

    e. dar s crianas escolhas para a resoluo de um problema apenas

    quando elas se apresentem como opes possveis de concretizar;

    f. evitar o uso de linguagem punitiva ou que expresse um julgamento;

    g. quando se pra um comportamento que inaceitvel, deve-se explicar as

    razes s crianas;

    h. antes de parar uma situao de conflito, verificar se as crianas

    conseguem resolv-las sem o apoio do adulto.

  • 44

  • 45

    CAPITULO II

    RELAES INTERPESSOAIS NO JARDIM-DE-INFNCIA

    1 - Processo das Relaes Interpessoais

    H poucas coisas importantes na nossa vida quotidiana que no envolvam

    interaco com os outros. Quase todas as actividades e experincias significativas e

    importantes vida em famlia, trabalho e passatempos incluem ou at dependem

    das relaes com os outros. Sendo as relaes interpessoais a mais importante

    fonte de gratificao, companheirismo e prazer para a maioria das pessoas de todas

    as idades, a incapacidade para iniciar e manter relaes a causa de angstia e

    solido mesmo na infncia (Ladd, 1990, citado por Katz & McClellan, 2001:12).

    Nesta linha de pensamento, e sabendo que na infncia que se inicia o

    processo de socializao e de interaco com o outro, faz todo o sentido perceber

    como se processam essas primeiras relaes interpessoais entre as crianas e os

    adultos que interagem com elas (pais, professores, irmos). A capacidade de iniciar

    e estabelecer relaes sociais comea na infncia, quando a criana forma relaes

    fortes de vinculao com os pais e com as pessoas que tomam conta dela. Esta

    capacidade designada por Katz e McClellan (2001) de competncia social5 vai-se

    desenvolvendo de uma forma progressiva. Assim, cabe famlia, aos colegas, aos

    professores um papel preponderante no desenvolvimento das competncias sociais.

    Uma das influncias mais importantes no desenvolvimento social da criana

    corresponde experincia dentro da famlia (Katz & McClellan, 2001:16). Porm,

    dado que as crianas vivenciam cada vez mais experincias em contexto de grupo,

    os professores e os seus pares desempenham um papel importante na modulao

    das experincias das crianas (Katz & McClellan, 2001).

    O desenvolvimento da criana um processo global, nico contnuo e

    dinmico no qual se pode reconhecer uma sequncia caracterstica que comum

    5 Competncia Social a capacidade de iniciar e manter relaes sociais, recprocas e gratificantes

    com os colegas. Esta capacidade depende de muitas competncias de compreenso social e de skills (capacidade) de interaco (Katz & McClellan, 2001:13).

  • 46

    maioria das crianas. Deve ser visto numa perspectiva sistmica, segundo a qual a

    criana e o meio que a rodeia interagem contnua e reciprocamente.

    Assim, por volta dos trs anos aparece o eu marcando o princpio de uma

    nova fase. A criana toma decididamente percepo de si prpria, separada do

    outro, e com capacidades interpessoais. A criana nesta fase muito egocntrica,

    possessiva, no compartilha brinquedos, reagindo com choro e agressividade

    quando contrariada. Brinca muitas vezes no chamado jogo paralelo, ou seja,

    brinca ao lado de, mas no estabelece qualquer contacto relacional.

    A partir dos quatro anos comea a perceber melhor o porqu das coisas e

    torna-se cada vez menos fantasiosa e mais realista. medida que se aproxima dos

    cinco anos, a criana comea, aos poucos, a aceitar as opinies dos outros,

    revelando-se mais disponvel para brincar e jogar com eles, assimilando e

    praticando as regras do jogo social.

    Pelos cinco anos o jogo j abertamente cooperativo. As crianas alcanam

    o gosto de se juntar para brincar, criando regras prprias de coabitao e

    entendimento (Av, 1996). Com isto queremos dizer que apesar de termos feito uma

    brevssima caracterizao de cada faixa etria, no podemos esquecer que o

    desenvolvimento de cada criana nico e prprio.

    Segundo Bandura uma parte daquilo que o indivduo aprende ocorre atravs

    da imitao ou da modelagem. Este autor referido como um tcnico da

    aprendizagem social, na medida em que se preocupa com a aprendizagem que

    ocorre no contexto de uma situao social. A criana imita o que v, e isso ficou

    provado no estudo que o autor fez, sujeitou crianas dos trs aos seis anos a ver um

    espectculo improvvel de modelos adultos a darem murros a um boneco insuflvel.

    Quando a seguir deixavam as crianas a brincarem com o boneco, estas

    apresentavam duas vezes mais respostas agressivas do que as crianas do grupo

    de controlo (Sprinthall & Sprinthall, 1993).

    Se aprendizagem da criana passa muito pela imitao de modelos, os

    adultos que lidam com as crianas tm um papel primordial nas aquisies das

    aptides sociais.

    A aprendizagem de competncias sociais s se concretiza em contextos

    reais, em actividades de grupo, em interaco com o outro. No podemos pensar

    que as competncias sociais se aprendem lendo, memorizando. A aprendizagem de

  • 47

    competncias sociais experienciam-se e vivenciam-se. E para que essas

    experincias sejam bem sucedidas, cabe ao educador proporcionar experincias

    que permitam s crianas desenvolver essas competncias (Formosinho, 2001).

    2 - O Relacionamento Interpessoal: Teoria de Robert Selman

    Ao longo dos anos pr-escolares, a criana vai desenvolvendo capacidades

    de falar e de formar imagens mentais que lhe permitem desenvolver as suas

    competncias sociais. A criana comea a ser capaz de distinguir os seus

    sentimentos e necessidades dos sentimentos e necessidades dos outros com quem

    interage (Hohmann, WeiKart, 1995, citado por Lino, 2001:80).

    O desenvolvimento da criana faz-se em todos os domnios (sociais,

    afectivos, motores, cognitivos). o desenvolvimento social que afecta o modo como

    a criana capaz de se relacionar com o outro. Assim, tal como a capacidade

    lgica de uma criana de trs anos difere de uma de 4-5 anos, tambm os seus

    comportamentos ao nvel do relacionamento interpessoal, quer com pares, quer com

    adultos, so diferentes (Lino, 2001:81).

    Robert Selman e seus colaboradores, baseando-se nas ideias de Piaget,

    estudaram as relaes entre as pessoas e tentaram perceber o seu comportamento.

    Constataram que as crianas se desenvolvem em interaco com o outro, de uma

    forma gradual (Coimbra, 1990).

    Os diferentes comportamentos que a criana vai apresentando ao longo da

    infncia no seu relacionamento com os outros esto interligados com os diferentes

    nveis de capacidade para identificar e coordenar pontos de vista sociais. Estes

    padres foram ordenados por Selman numa sequncia de desenvolvimento

    hierrquica e invariante, qual chamou Tomada de Perspectiva Social TPS

    (Coimbra, 1990:20).

  • 48

    2.1 - A Tomada de Perspectiva Social

    A Tomada de Perspectiva Social , essencialmente, a estrutura cognitiva de

    compreenso da realidade interpessoal/social [...] o culo de leitura da realidade

    interpessoal: atravs dela que conhecemos as coisas (pessoas, relao entre as

    pessoas) que existem (Coimbra, 1990:24).

    Perceber este conceito e a sua sequncia uma mais-valia para os

    profissionais de educao, dado que lhes possibilita aceder lgica interna do

    pensamento e o raciocnio interpessoais dos seus alunos, situ-los num ponto do

    contnuo desenvolvimental mais prximo deste ou daquele nvel de T.P.S. e actuar

    com vista promoo do seu desenvolvimento (Coimbra, 1990:24).

    Apresentamos de seguida, os Nveis de Tomada de Perspectiva Social, que

    so cinco. Contudo e tal como fez Lino (2001:82) iremos retratar apenas os trs

    primeiros, por serem os que podem corresponder s crianas em idade pr-escolar.

    Iremos ter em conta as suas duas dimenses: a concepo de pessoas e a

    concepo das relaes. De salientar, que cada nvel faz referncia a uma idade,

    contudo esta assume um carcter meramente indicativo (Coimbra, 1990).

    Nvel 0: TPS Indiferenciada e Egocntrica (3-6 anos)

    (Ausncia de distino entre perspectivas)

    a) Concepes de pessoas: A criana no diferencia entre as caractersticas

    fsicas e psicolgicas das pessoas. A confuso entre fsico e psicolgico

    leva a criana a confundir entre aces e sentimentos.

    b) Concepes de relaes: A criana no reconhece que uma dada pessoa

    possa interpretar uma situao de um modo diferente do seu.

  • 49

    Nvel 1:TPS Diferenciada e subjectiva (5-9 anos)

    (Tomada da perspectiva prpria - 1 Pessoa)

    a) Concepes de pessoas: Existe capacidade de diferenciao de

    caractersticas fsicas e psicolgicas das pessoas. Distingue-se entre

    comportamento intencional e no intencional.

    b) Concepes de relaes: H um reconhecimento claro da prpria

    perspectiva como diferente da do outro. Apenas atribuda relevncia

    sua perspectiva e ao efeito desta no outro. A relao entre perspectivas

    feita apenas no sentido nico-bilateral.

    Nvel 2:TPS Auto Reflexiva e Recproca (7-12 anos)

    (Tomada de perspectiva do outro -2 Pessoa)

    a) Concepes de pessoas: a capacidade para assumir a perspectiva do

    outro e de reflectir sobre os prprios pensamentos e sentimentos.

    b) Concepes de relaes: As pessoas so vistas como tendo duas

    dimenses: a aparncia visvel e uma realidade escondida. H uma

    compreenso relativista das relaes e uma incapacidade de

    coordenao de perspectivas.

    Lino (2001:83) acrescenta, porm, que a Tomada da Perspectiva Social no

    nos demonstra a capacidade que a criana tem em situaes reais do dia-a-dia.

    atravs das Estratgias de Negociao Interpessoal que podemos identificar os

    diferentes modos de Agir no relacionamento interpessoal. Isto , o sujeito tem que

    dar uma srie de passos, ou, por outras palavras, tem que seguir um percurso

    cognitivo, para solucionar as situaes do quotidiano que impliquem interaco com

    os outros. Assim, as estratgias de negociao interpessoal centram-se nos

    processos cognitivos/emocionais de planificao e organizao da aco

    interpessoal estrutura do agir humano que permite ao sujeito saber as coisas

    que se podem fazer (Coimbra, 1990).

  • 50

    2.2- As Estratgias de Negociao Interpessoal

    Os nveis de desenvolvimento das Estratgias de Negociao Interpessoais,

    segundo Selman (1980) citado por Nascimento (2003:217) so quatro, e passamos

    a descrev-los:

    Nvel 0 Denominado de impulsivo; neste nvel, o indivduo no tem em

    conta os diferentes pontos de vista e de perspectivas. O seu raciocnio tende a

    estabelecer estratgias impulsivas e fsicas de confronto ou tambm de fuga da

    situao conflitual.

    Nvel 1 Denominado unilateral; neste nvel, o indivduo reconhece a

    diferena entre o seu ponto de vista e o ponto de vista do outro numa determinada

    situao mas no coordena as duas perspectivas, no as percepciona

    separadamente. Estes indivduos desenvolvem estratgias de sentido nico,

    havendo normalmente uma tendncia acomodao passiva em relao s

    necessidades e pedidos dos outros.

    Nvel 2 Denominado recproco; neste nvel, o sujeito reconhece os

    diferentes pontos de vista que, quer ele quer o outro tm; v que tm a mesma

    capacidade para se influenciarem mutuamente. possvel partir da perspectiva da

    segunda pessoa utilizando estratgias de persuaso com o intuito de convencer o

    outro.

    Nvel 3 Denominado colaborativo; neste nvel, o sujeito apercebe-se que

    existem estratgias para a resoluo dos problemas na qual intervm todas as

    partes. Passa a ter-se em considerao os pontos de vista do prprio e do outro,

    envolvendo compromissos, negociaes e desenvolvimento de objectivos comuns.

    Seguindo esta linha de pensamento, considera-se que o indivduo usa

    determinada estratgia de negociao na resoluo de conflito consoante a sua

    estrutura cognitiva de compreenso da realidade social e interpessoal. Essa

    estrutura cognitiva tambm influenciada pelo desenvolvimento do raciocnio moral.

  • 51

    3 - O Desenvolvimento Moral

    Viver em sociedade exige que as pessoas respeitem as normas e valores

    vigentes. Contudo, para que isso acontea os indivduos precisam de desenvolver a

    suas capacidades interpessoais, sociais e morais. A este propsito afirma Coimbra:

    O desenvolvimento do raciocnio moral6 depende do desenvolvimento interpessoal

    e do desenvolvimento cognitivo, isto , no possvel atingir um determinado

    estdio de desenvolvimento moral sem ter ocorrido a aquisio dos estdios

    correspondentes do desenvolvimento interpessoal e cognitivo, os quais so a

    condio necessria, embora no suficiente, para que se verifique um determinado

    nvel de complexidade de funcionamento moral (Coimbra, 1990:30-31).

    De seguida explicitaremos a forma como a criana desenvolve o seu

    raciocnio moral baseando-nos em estudos realizados por Piaget e Kohlberg.

    3.1- Desenvolvimento do raciocnio moral: Piaget

    Piaget defendeu que o desenvolvimento do pensamento moral tem muito a

    ver com o respeito das normas e regras, por parte do indivduo. Da ter distinguido

    dois tipos de pensamento moral nas crianas (Coimbra, 1990). Por um lado, a

    moralidade heternema, que se baseia na obedincia cega s regras emanadas

    pelos adultos. A criana respeita unilateralmente o adulto, dado que a nica

    perspectiva que deve ser tida em conta [...] a perspectiva da autoridade, correcta

    e no pode ser desobedecida. Portanto, o respeito unilateral da moralidade

    heternema consistente com o egocentrismo intelectual e moral da criana que

    tem dificuldade em distinguir o ponto de vista prprio e o ponto de vista do outro, o

    pessoal e o social, o objectivo e psicolgico (Piaget, 1923, citado por Loureno,

    1992:75).

    Por outro lado, a moralidade autnoma, normalmente, observa-se a partir dos

    6/7 anos de idade e baseia-se na igualdade, na reciprocidade e no acordo. Da

    criana autnoma pode dizer-se que j assimilou as normas e as convenes

    sociais (Loureno, 1992).

    6 Termo utilizado para designar as consideraes de carcter tico produzidas por um sujeito

    quando tem que justificar tomadas de deciso moral, quer ao nvel do pensamento, quer ao nvel da aco (Loureno, 1992:231).

  • 52

    De seguida, apresentaremos um quadro, que de uma forma esquemtica,

    diferencia as duas dimenses morais, preconizadas por Piaget.

    Quadro 1: Dimenses da Moralidade Heternema e Autnoma

    Dimenses Heteronomia Moral Autonomia Moral

    Concepes das regras e normas

    Fixas e imutveis Modificveis por acordo

    Diferenciao de perspectivas

    Egocentrismo e centrao Perspectivismo e descentrao

    Avaliao dos transgressores

    Responsabilidade objectiva e realismo moral

    Responsabilidade subjectiva e ateno s intenes

    O que imoral O que leva ao castigo ou o que proibido

    O que viola o esprito da cooperao e da igualdade

    Castigo para o transgressor

    Sanes expiatrias e arbitrrias Sanes baseadas na reciprocidade

    Orientao moral Orientao para a obedincia, castigo e respeito unilateral

    Orientao para a cooperao e para o respeito mtuo

    Sentido de justia: distributiva e retribuitiva

    Autoridade e medo do castigo. Retaliao e justia imanente

    Igualdade, cooperao e equidade. Restituio e reciprocidade

    Concepo do dever Externo e obedincia autoridade

    Interno e preocupao com o bem-estar dos outros

    Fonte: (Adaptado de Lickona, 1976, citado por Loureno, 1992:71)

    3.2 Estdios de desenvolvimento do raciocnio moral: Kohlberg

    Dando continuidade aos estudos de Piaget, Kolhberg7 concluiu que o

    desenvolvimento moral do indivduo acontece de acordo com uma sucesso de

    estdios, independentemente da cultura, continente ou pas em que a criana

    cresa. O desenvolvimento, tal como em Piaget e em Selman, conceptualizado

    como um movimento de menos para o mais complexo, do egocentrismo para a

    descentrao, sendo a sequncia invariante (Coimbra, 1990:32).

    7 Lawrence Kohlberg, nascido em 1927, revolucionou a nossa compreenso sobre o desenvolvimento

    moral da criana (Sprinthall & Sprinthall, 1990:170).

  • 53

    Kohlberg, realizando vrios estudos, props a pessoas de diferentes idades e

    de diferentes meios sociais, a resoluo de dilemas morais. Concluiu que as suas

    respostas se enquadravam em trs grandes nveis do pensamento moral, cada um

    composto por dois estdios. Cada um destes trs nveis representa trs formas

    diferentes de relao do sujeito com as regras e normas sociais o que se reflecte em

    modos diferentes de definir o que justo ou injusto (Coimbra, 1990:33).

    Assim, apresentamos no quadro uma sntese dos nveis e estdios de

    desenvolvimento moral.

    Quadro 2: Nveis e Estdios de Desenvolvimento Moral

    Nvel

    Estdio Orientao Moral Perspectivao Moral

    Pr- Convencional (I)

    1

    Orientao para a punio e para a obedincia

    No distingue nem coordena perspectivas. S h uma correcta, a da autoridade

    2

    Orientao calculista e instrumental; pura troca, hedonismo e pragmatismo

    Distingue perspectivas, coordena-as e hierarquiza-as do ponto de vista dos interesses individuais (do selfe dos outros)

    Convencional (II)

    3

    Orientao para o bom menino e para uma moralidade de aprovao social e interpessoal

    Distingue perspectivas, coordena-as e hierarquiza-as do ponto de vista de uma terceira pessoa afectiva e relacional

    4

    Orientao para a manuteno da lei, da ordem e do progresso social

    Distingue perspectivas, coordena-as e hierarquiza-as do ponto de vista de uma terceira pessoa imparcial, institucional e legal

    Ps Convencional (III)

    5

    Orientao para o contrato social, para o relativismo da lei e para o maior bem para o maior nmero

    Distingue perspectivas, coordena-as e comea-as a hierarquiza-las de um ponto do vista de uma terceira pessoa moral, racional e universal

    6

    Orientao calculista e instrumental; pura troca, hedonismo e pragmatismo

    Distingue perspectivas, coordena-as de um ponto de vista ideal e hierarquiza-as segundo uma perspectiva moral, racional e universal

    (Fonte: Adaptado de Colby & Kohlberg, 1987a, citado por Loureno, 1992:89)

    A moralidade pr-convencional harmoniza-se, em termos gerais, moralidade

    heternoma, descrita por Piaget. Este nvel moral enquadra-se nos sujeitos que

    obedecem s regras, para evitar os castigos, ou para satisfazerem os seus desejos

    individuais.

    Na moralidade convencional, ao invs, os sujeitos j interiorizaram as regras

    sociais, e cumprem-nas para serem aceites socialmente, ou seja, para serem

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    reconhecidos como bons meninos, pode ser entendida na linha de pensamento de

    Piaget, moralidade autnoma.

    Por ltimo, a moralidade ps-convencional geralmente atingida depois dos

    vinte anos, e o sujeito distancia-se das regras e defina os valores em termos de

    princpios universais, livremente escolhidos (Coimbra, 1990:35).

    Enuncimos que o desenvolvimento interpessoal e moral so duas dimenses

    fundamentais para o desenvolvimento pessoal e social das crianas e adolescentes

    (Coimbra, 1990).

    Pelo facto de, o desenvolvimento interpessoal e moral serem influenciados

    pelo desenvolvimento cognitivo8 do indivduo, pareceu-nos imprescindvel fazer o

    paralelismo entre essas trs dimenses.

    Usmos para o efeito um quadro retirado de Loureno (1992), onde

    esquematicamente obtemos uma viso simplificada, da capacidade que cada

    indivduo detm, nos respectivos estdios.

    8 mbito de estudo que se refere ao modo como evolui a inteligncia da pessoa em relao aos

    problemas do chamado mundo fsico e lgico-matemtico (Loureno, 1992: 210).

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    Quadro 3: Paralelismo entre Desenvolvimento Cognitivo, Tomada de Perspectiva Social e Estdio Moral

    Estdio Cognitivo Estdio de Tomada de Perspectiva Social

    Estdio Moral

    Pr-operatrio: Irreversibilidade e centrao

    Estdio 1: Perspectiva egocntrica

    Estdio 1: Orientao para a obedincia e para o castigo

    Operaes concretas: Reversibilidade e compensao

    Estdio 2: Perspectivas de segunda pessoa

    Estdio 2: Orientao para a troca entre interesses e desejos

    Operaes formais emergentes: Comeo da lgica interproposicional

    Estdio 3: Perspectivas de terceira pessoa

    Estdio 3: Orientao para a aprovao social e para o bom menino

    Primeiras operaes formais: Raciocnio hipottico -dedutivo

    Estdio 4: Perspectivas do sistema social e convencional

    Estdio 4: Orientao para a manuteno da lei, ordem e da imparcialidade

    Operaes formais elaboradas, exaustivas e sistemticas

    Estdio 5: Perspectivas do outro para alm da sociedade

    Estdio 5: Orientao para o contrato social e para o ponto de vista moral

    (Fonte: Adaptado de Walker, 1986a citado por, Loureno, 1992:172)

    Com este esquema, pretendemos demonstrar que a forma como a criana

    pensa os objectos (desenvolvimento cognitivo), como v a relao com os outros

    (TPS) e como interioriza as regras e normas morais (desenvolvimento moral) se vai

    modificando conforme a sua evoluo gradual.

    Consoante o estdio de desenvolvimento do indivduo (cognitivos, sociais,

    morais), e perante uma determinada situao, e adoptando o modelo de Estratgias

    de Negociao Interpessoal9, o indivduo deve:

    1- Definir o problema O sujeito analisa o problema relacional em causa. A

    anlise feita depende do grau de desenvolvimento cognitivo do sujeito.

    Evolui de uma concentrao nas necessidades prprias (nvel zero) at

    depreenso que o problema mtuo (nvel trs).

    9 O modelo de Estratgias de Negociao Interpessoal um modelo funcional que pressupe a

    existncia de determinadas etapas/passos para a resoluo de problemas.

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    2- Seleccionar a estratgia da aco O sujeito deve optar por uma

    estratgia de negociao interpessoal podendo decidir-se por uma aco

    mais impulsiva (nvel zero) ou mais colaborativa (nvel trs).

    3- Justificar a Estratgia e avaliar as consequncias O sujeito reflecte e

    justifica a sua escolha tendo em conta, as consequncias do seu acto

    (consequncias para si, para o outro, para a relao). Pode achar que as

    consequncias so meramente individuais (nvel zero), para ter em conta

    ambos os intervenientes e as consequncias relaciona