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163 Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. especial, p. 165-184, 2010 Bons professores em um terreno perigoso: rumo a uma nova visão da qualidade e do profissionalismo* Raewyn Connell** Universidade de Sydney Resumo Ideias sobre o que caracteriza um “bom professor” são importan- tes para se possa refletir a respeito da reforma educacional, e elas têm ganhado destaque recentemente. Essas ideias são controver- sas e estão abertas a mudanças. A primeira parte deste artigo examina modelos do que é considerado um “bom professor” na Austrália, desde os bons servidores da era colonial, passando pelo ideal do professor erudito autônomo, até as atuais listas de com- petências dos docentes. A segunda parte examina mais detalhadamente o modo pelo qual as autoridades responsáveis pelo registro e credenciamento de professores, em governos neoliberais, definem um “bom professor”. A terceira parte oferece propostas para uma nova compreensão do conceito de “bom pro- fessor”, baseadas no entendimento do processo de trabalho e da dinâmica ocupacional do ensino, na estrutura intelectual dos es- tudos sobre a Educação e na própria lógica da educação como um todo. Palavras-chave Trabalho docente — Ensino de qualidade — Profissionalismo — Po- líticas neoliberais. Correspondência: Raewyn Connell Faculty of Education & Social Work University of Sydney NSW 2006 Australia e-mail: [email protected] **Agradecimentos: Utilizei-me das ideias oferecidas em muitas contribuições aos seminários “Good teacher” de 2008. Sou particularmente grata às apresentações de Craig Campbell, Susan Groundwater-Smith, Jo-Anne Reid, Lesley Scanlon, Terri Seddon e Tony Welch, em cujas ideias este artigo se baseia. Embora a responsabilidade final pelo texto seja totalmente minha, este artigo é uma tentativa de sintetizar uma discussão multifacetada, e agradeço a todos que dela participaram. Meu agradecimento especial ao grupo organizador que, ao longo do último ano, incluiu Di Bloomfield, Robyn Ewing, Kelly Freebody, Debra Hayes, Lesley Scanlon, Geoff Sherington, Louisa Smith, Richard Walker e Deborah Young. Sou também grata pela colaboração dada por meu assistente de pesquisa, John Fisher. *Traduzido por Carlos Malferrari do ori- ginal em inglês fornecido pela autora, a ser publicado em Critical Studies in Education, Sidney, Austrália.

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163Educação e Pesquisa, São Paulo, v. 36, n. especial, p. 165-184, 2010

Bons professores em um terreno perigoso: rumo auma nova visão da qualidade e do profissionalismo*

Raewyn Connell**Universidade de Sydney

Resumo

Ideias sobre o que caracteriza um “bom professor” são importan-tes para se possa refletir a respeito da reforma educacional, e elastêm ganhado destaque recentemente. Essas ideias são controver-sas e estão abertas a mudanças. A primeira parte deste artigoexamina modelos do que é considerado um “bom professor” naAustrália, desde os bons servidores da era colonial, passando peloideal do professor erudito autônomo, até as atuais listas de com-petências dos docentes. A segunda parte examina maisdetalhadamente o modo pelo qual as autoridades responsáveispelo registro e credenciamento de professores, em governosneoliberais, definem um “bom professor”. A terceira parte oferecepropostas para uma nova compreensão do conceito de “bom pro-fessor”, baseadas no entendimento do processo de trabalho e dadinâmica ocupacional do ensino, na estrutura intelectual dos es-tudos sobre a Educação e na própria lógica da educação comoum todo.

Palavras-chave

Trabalho docente — Ensino de qualidade — Profissionalismo — Po-líticas neoliberais.

Correspondência:Raewyn ConnellFaculty of Education & Social WorkUniversity of SydneyNSW 2006 Australiae-mail: [email protected]

**Agradecimentos: Utilizei-me das ideias oferecidas em muitas contribuições aos seminários “Goodteacher” de 2008. Sou particularmente grata às apresentações de Craig Campbell, SusanGroundwater-Smith, Jo-Anne Reid, Lesley Scanlon, Terri Seddon e Tony Welch, em cujas ideias esteartigo se baseia. Embora a responsabilidade final pelo texto seja totalmente minha, este artigo é umatentativa de sintetizar uma discussão multifacetada, e agradeço a todos que dela participaram. Meuagradecimento especial ao grupo organizador que, ao longo do último ano, incluiu Di Bloomfield, RobynEwing, Kelly Freebody, Debra Hayes, Lesley Scanlon, Geoff Sherington, Louisa Smith, Richard Walker eDeborah Young. Sou também grata pela colaboração dada por meu assistente de pesquisa, John Fisher.

*Traduzido por Carlos Malferrari do ori-ginal em inglês fornecido pela autora,a ser publicado em Critical Studies inEducation, Sidney, Austrália.

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Good teachers on dangerous ground: towards anew view of teacher quality and professionalism*

Raewyn Connell**Universidade de Sydney

Contact:Raewyn ConnellFaculty of Education & Social WorkUniversity of SydneyNSW 2006 Australiae-mail: [email protected]

Abstract

Ideas about what makes a good teacher are important in thinkingabout educational reform, and have come into focus recently.These ideas are contested and open to change. The first part of thispaper traces models of the good teacher in Australia from the co-lonial-era good servant, through an ideal of the autonomousscholar-teacher, to contemporary lists of teacher competencies. Thesecond part looks more closely at the incoherent but insistent waythe good teacher is now defined under neoliberal governance byteacher registration authorities. The third part of the paper makesproposals for a new understanding of good teachers: based onunderstanding the labour process and occupational dynamics ofteaching, the intellectual structure of Education studies, and theoverall logic of education itself.

Keywords

Teachers work — Good teaching — Professionalism — Neoliberal poli-cies.

*Traduzido pelo Sr. Carlos AfonsoMalferrari e revisado pelo prof. dr. LuisG. Fragoso, do original em inglês forne-cido pela autora a ser publicado emCritical Studies in Education, Sidney,Austrália.

**Acknowledgments: I have used the ideas offered in many contributions to the seminar “Goodteacher” in 2008. I am particularly grateful to the presentations of Craig Campbell, SusanGroundwater-Smith, Jo-Anne Reid, Lesley Scanlon, Terri Seddon and Tony Welch, whose ideas inthis article is based. Although the ultimate responsibility for the text is entirely mine, this articleis an attempt to synthesize a multi-thread, and I thank all who participated. My special thanks tothe organizing group that over the last year, added Di Bloomfield, Robyn Ewing, Kelly Freebody,Debra Hayes, Lesley Scanlon, Geoff Sherington, Louisa Smith, Richard Walker and Deborah Young.I am also grateful for the cooperation given by my research assistant, John Fisher.

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O bom professor e a novaregulamentação

Nos últimos anos, os professores e a qua-lidade da prática docente tornaram-se o foco deum amplo debate sobre políticas de ensino. Em2002, a OECD1 deu início a um grande projetosobre políticas de ensino, que acabou envolven-do 25 países e cujos resultados foram publicadosem um volume intitulado Teachers matter2 (OECD2005). O debate acadêmico sobre profissionalismo,padrões de ensino e impacto da globalização nomagistério acontece em nível internacional comomostra o recente Handbook of teacher educationde Townsend e Bates (2007).

Na Austrália, o foco deste artigo, todosos estados e territórios começaram recentemen-te a se preocupar com a avaliação, as respon-sabilidades e a prestação de contas dos profes-sores, como observam Kleinhenz e Ingvarson(2004) — autores que defendem um sistemanacional de certificação e avaliação do magis-tério. Em 2003, um conselho australiano, com-posto de secretários estaduais da educação3,divulgou um documento que esboçava um pro-grama nacional de “padrões de qualidade pro-fissional”, que regulamentaria a certificação e aavaliação de professores. Quando o Departa-mento de Educação e Treinamento de NovaGales do Sul iniciou um processo de consultassobre as direções futuras da educação pública,deu início a um debate sobre mudanças naeducação, parte do qual se voltou à discussãode um “ensino de qualidade” (good teaching,DET, 2005). O Parlamento Nacional realizourecentemente uma investigação sobre a forma-ção de professores (House of Representatives,2007). No âmbito federal, o Departamento deEducação, Emprego e Relações no Local de Tra-balho empreendeu uma nova tentativa de ava-liar o trabalho dos professores (Owen et al.,2008). Até mesmo o Business Council, umaorganização capitalista que não se caracterizaexatamente pela preocupação com o interessepúblico, divulgou um relatório sobre a qualida-de do ensino chamado Teaching talent (Business

Council of Australia, 2008).Todas essas discussões partem do pressu-

posto de que — como foi afirmado, de modo tãoincisivo, pela OECD (2005) — “os professores sãoimportantes”. O relatório da OECD fez um resu-mo da vasta pesquisa sobre os fatoresdeterminantes do aprendizado, afirmando que,embora as maiores variações de resultados decor-ram da origem socioeconômica e das habilidadesdos alunos, o fator mais importante e “potenci-almente suscetível à influência de políticas públi-cas” é o ensino e, em particular, a “qualidade dosprofessores” (p. 26). (Note-se o pressuposto deque a origem socio-econômica e as habilidadesnão são suscetíveis à influência de políticaspúblicas. Voltarei a essa questão). Existe umamplo consenso. Pesquisadores que se opõemfrontalmente à postura tecnocrática da OECDargumentaram em termos bastante similaresrecentemente:

Além da origem familiar, são os bons profes-sores que fazem uma grande diferença nosresultados do aprendizado dos alunos. (Hayeset al., 2006, p. 1)

Tal consenso poderia sugerir que gover-nos com a intenção de aperfeiçoar a educaçãoalocariam uma enorme quantidade de recursospara a formação de professores. No entanto,isso não aconteceu.

O que de fato ocorreu, na Austrália eem outros países ricos, foi a criação de umnovo e grandioso aparato de certificação e re-gulamentação do magistério. Institutosestatutários foram montados e incumbidos dedefinir padrões mínimos para o ingresso nacarreira; e a maneira como vêm fazendo isso já

1. N.T. Organization for Economic Cooperation and Development ouOrganização para a Cooperação e Desenvolvimento Econômico.2. N.T. Versão em português de Portugal: Os professores são impor-tantes: atraindo, desenvolvendo e retendo professores eficazes.3. Conhecido como MCEETYA (Ministerial Council on Employment,Education, Training and Youth Affairs – Conselho Ministerial de Em-prego, Educação, Treinamento e Assuntos para a Juventude). Após aabolição da Schools Commission [Comissão das Escolas], um órgãode grande representatividade, este conselho se tornou o principal fórumpara a elaboração de políticas educacionais australianas nas últimasdécadas.

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exerce um impacto nos programas universitá-rios de formação de professores. Cabe tambéma esses institutos a tarefa de definir graus maisavançados de qualidade docente — o ponto-chave da agenda do Business Council — e omodo como vêm fazendo isso provavelmenteterá grande influência sobre as escolas na pró-xima geração.

Desse modo, o significado de “bom pro-fessor” tornou-se uma importante questão deordem prática. Conceitualmente, isso também éimportante, pois os conceitos sobre o que cons-titui um “ensino de qualidade” são incorpora-dos aos projetos de instituições educacionais eestão por trás de nossas conversas sobre currí-culos, tecnologia educacional e reforma escolar.

O propósito deste artigo é suscitar ques-tões acerca do que caracteriza um “bom pro-fessor” e como se pode estimular um “ensinode qualidade”. O artigo nasceu do debate pro-vocado pela série de seminários The goodteacher4, realizados na Universidade de Sidneyem 2008, e baseei-me nas ideias de muitos queparticiparam dessas discussões.

O artigo tem como foco a Austrália, umpaís rico — ainda que dependente — da perife-ria global. Alguns detalhes de nossa história sãosingulares, pois decorrem do período colonial dopaís. Entretanto, a agenda neoliberal que exer-ceu tanto impacto sobre o país é internacional(Harvey, 2005; Rudd, 2009), e grande parte doque é relatado aqui tem uma relevância quetranscende nossas fronteiras.

Parte I: Em mutação, o conceito de“bom professor”

De servidor a professor erudito

Os conceitos sobre o que constitui um“bom professor” variam ao longo do tempo, decultura para cultura e até mesmo dentro de umadeterminada cultura. Em um estudo admirávelintitulado The good teacher, Moore (2004) des-taca três discursos em coexistência na Inglaterracontemporânea: o modelo do “artesão compe-

tente” [competent craftsperson], o predileto dogoverno; o modelo do “profissional reflexivo”,disseminado nas universidades; e o modelo do“professor carismático”, que circula na culturapopular, em filmes de Hollywood etc.

Fora do universo de língua inglesa, a di-versidade é ainda maior. A tradiçãoconfucionista chinesa, por exemplo, define o“bom professor” como uma autoridade moral. Épor isso que a educação chinesa pressupõe tãointensamente o respeito da parte dos alunos.Por outro lado, um professor na tradição zen-budista chinesa e japonesa é menos uma auto-ridade moral do que um revolucionáriocognitivo. Nessa tradição, o professor buscaprovocar uma mudança radical na percepção doaluno e, para tanto, pode recorrer a anedotasprovocativas ou a paradoxos (Watts, 1957).

No caso australiano, fica claro que oconceito de “bom professor” tem mudado aolongo da história. No período em que o siste-ma público de ensino era criado pelos gover-nos coloniais, os programas voltados à relaçãoentre aluno e professor e os cursos de forma-ção de docentes visavam apenas ao conjuntolimitado de habilidades pedagógicas exigidoem um currículo escolar rigidamente controla-do. Esse sistema também apresentava umagrande preocupação moral, dando ênfase à res-peitabilidade e à obediência (Hyams, 1979).Isso não foi casual. Os novos sistemas deescolarização em massa foram intervenções emuma sociedade colonial turbulenta e almejavamo controle social dos jovens das zonas rurais edas classes trabalhadoras, que poderiam facil-mente evitá-lo. A capacidade de pensar demodo independente era pouco valorizada. Obom professor dessa época era, sobretudo, umservidor obediente às autoridades.

À medida que surgia a necessidade deformar os quadros docentes das escolas secun-dárias, tornou-se também necessário ampliar o

4. N.T. De 8 de maio a 19 de junho: The Good Teacher in History, TheGood Teacher at Work. The Good Teacher Measured, The Good Teacherin Teacher Education [O bom professor ao longo da História, O bomprofessor no trabalho, A avaliação do bom professor, O bom professorna formação docente].

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conteúdo intelectual. No início do século XX, asescolas de formação de professores reivindicaramcerto grau de independência e incorporaram al-guns elementos da Educação Nova e da psicolo-gia americana do aprendizado à formação doprofessorado australiano, embora fosse mantidauma grande ênfase na conformidade social e nocumprimento de regras. Por exemplo, Thegroundwork of teaching (Mackie, 1924), um li-vro de textos preparado pelos docentes doTeachers College de Sidney, não questionava opapel do Estado como fonte única de autorida-de. Os docentes recebiam inúmeros conselhospráticos sobre a vida cotidiana nas escolas, osplanos de aulas, os exames e os procedimentosadministrativos. No entanto, The groundworktambém continha um ensaio sobre “A vocação doprofessor”, escrito por um mestre em estudosclássicos, que enfatizava a necessidade da ima-ginação e da dramaticidade no ensino e aconse-lhava os professores a não se aterem demasiada-mente aos livros didáticos.

Todos os autores do The groundwork ofteaching eram homens, mas seu público-alvoera composto, em sua maioria, por mulheres.A docência foi uma ocupação em que, desdeseus primórdios, houve segregação baseada nosexo: as mulheres se dedicavam ao trabalho emsala de aula com crianças menores, ao passoque, na administração e na educação secundá-ria e superior, o predomínio era masculino.Como observou Acker (1983), havia na Grã-Bretanha, em consequência disso, uma fortetendência a enquadrar as professoras em pa-péis familiares. Para as mulheres, o conceito de“boa professora” tendia a se confundir com ode “boa mãe”.

Para os homens, fazia mais sentido umaideologia de profissionalismo. Entretanto, a ideiade uma profissão autônoma conflitava com omodelo do professor como servidor obediente àsautoridades. Na Grã-Bretanha, a solução encon-trada foram modos de profissionalismo que exer-ciam um controle indireto sobre os professores(Lawn, 1987). Na Austrália, o Estadodesenvolvimentista era mais forte e os métodos de

controle, mais diretos e objetivos: o controle bu-rocrático do ensino permaneceu em vigor atémeados da década de 1960.

Uma segunda dificuldade foi que o ensinocarecia de uma base de conhecimentos própria —algo que começou a mudar com o surgimento deferramentas aparentemente científicas de avalia-ção educacional. A psicologia tornou-se, então,uma ciência soberana na formação de professo-res. Testes de inteligência foram importados daEuropa e dos Estados Unidos no período entreguerras. O Conselho Australiano de Pesquisa Edu-cacional foi criado na década de 1930, e logocomeçou a publicar grandes quantidades de tes-tes padronizados para uso nas escolas. Nesse es-quema, o “bom professor” era um especialista,alguém que sabia medir as capacidades e o de-sempenho dos alunos e, portanto, era capaz deorientá-los na direção que se mostrasse apropri-ada.

Desse modo, o modelo técnico-profissi-onal de magistério acabou associado a uma ide-ologia de hierarquia educacional e de diferen-ças naturais, no que diz respeito à inteligênciae à educabilidade, com traços socialmente con-servadores. Isso destoava claramente das ten-dências reformistas da educação da geraçãoseguinte, que assistiu a um grande aumento nademanda por educação entre as classes traba-lhadoras após a Segunda Guerra, à rápida ex-pansão das escolas secundárias generalistasentre as décadas de 1950 e 1970, a mudançasna direção de uma crescente igualdade entre ossexos e à abertura de novas universidades efaculdades.

Consequentemente, o modelo técnico-profissional não teve grande sucesso. A formaçãode professores pouco a pouco foi sendotransferida para as universidades, que continua-vam sendo polos de educação humanista emmeados do século XX. Isso deu margem para quese caracterizasse o “bom professor” como alguémque não apenas é capaz de conduzir uma clas-se, como também aprendeu a pensar por contaprópria, a aplicar um conhecimento composto depreceitos e normas e a atuar como um agente de

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renovação cultural. A qualidade do ensino e ospropósitos da democracia estavam unidos poruma espécie de humanismo de massa, embutidonos currículos de matérias básicas e transmitidopor professores intelectualmente autônomos for-mados em universidades. Dei a esse modelo onome de “professor erudito” [scholar-teacher].

Esse modelo serviu de base para TheFoundations of Education (Connell et al., 1962),manual escrito pelos docentes do Departamentode Educação da Universidade de Sidney no augeda expansão do pós-guerra. Essa assim chamada“Bíblia azul” teria sido usada por praticamentetodos os programas de formação de professores daAustrália. A obra termina com um capítulo sobre“A profissão de professor”, que apresenta um im-portante resumo do ideal do professor erudito:

[…] o professor que tem o potencial para sedesenvolver e está apto a enfrentar novas si-tuações no ensino precisa ter estudado asdisciplinas em que a arte de ensinar se ba-seia; precisa ter pensado a fundo sobre asmetas e finalidades do ensino; precisa tercompreendido os processos pelos quais o co-nhecimento e as habilidades são obtidos, omodo como a capacidade apreciativa é de-senvolvida, e como são adquiridos os pa-drões e valores de conduta e caráter. É ne-cessário que ele tenha acompanhado a históriado pensamento educacional e aprendido deque modo os homens que o precederam en-frentaram e resolveram os problemas que oensino acarreta. (p. 295)

Na prática de outras pessoas, a combina-ção de ideias humanistas e competências deensino gerou não apenas o modelo do “profis-sional reflexivo” como também as iniciativas nosentido de criar uma democracia escolar e cur-rículos desenvolvidos pelo professor, que setornaram bastante influentes na década de1970. Na Austrália, essa tendênciacorrespondeu, de modo geral, às concepções de“pedagogia crítica” e de professores como “in-telectuais”, desenvolvidas na América do Norte

mais ou menos na mesma época (Giroux, 1988).Os programas concebidos pelo professor

erudito para a formação de professores estavamligados a uma concepção ambiciosa da educaçãocomo campo de estudo. A educação não seriaapenas um know-how aplicado, mas sim umadisciplina intelectual ou um campointerdisciplinar coerente. Por essa razão, na Uni-versidade de Sidney, os educadores e os teóricosda educação insistiram inicialmente que houvesseum programa especializado de graduação naFaculdade de Artes e não uma faculdade profis-sional separada (Connell et al., 1995). A educa-ção como disciplina seria mantida em algumasáreas “fundamentais” — História da Educação,Filosofia da Educação, Psicologia Educacional eSociologia da Educação. O estudo dessas áreasforneceria ferramentas para a abordagem de pro-blemas peculiares ao ensino: currículo, pedagogia,avaliação e (um tanto tardiamente) política edu-cacional e educação comparada. Essas duas áreasdariam, então, suporte a um terceiro patamar deprojetos especializados, como TESL (Teaching ofEnglish as a Second Language, o ensino de in-glês como segunda língua) e tecnologias educa-cionais.

No entanto, esse modelo mostrou-se vul-nerável em diversos aspectos. Nos campos deconhecimento tidos como fundamentais para aeducação, críticas contundentes ao saber rela-cionado a essas disciplinas emergiram em todoo mundo (por exemplo, a desconstrução pós-modernista). Ao mesmo tempo, mudanças noambiente social das escolas locais contribuírampara debilitar a educação em geral. O desempre-go entre os jovens cresceu na década de 1970e permaneceu obstinadamente elevado, contra-riando a crença de que a escolarização seriacapaz de garantir segurança econômica. Semprehouve um componente missionário na agendahumanista. Nunca foi fácil fazer com que oensino humanista se traduzisse em programascoerentes para as crianças das classes trabalha-doras — que continuam sendo a maioria dosalunos das escolas públicas.

Enquanto isso, o aumento constante das

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verbas públicas para as escolas particulares(que se acelerou sob o governo do Partido Tra-balhista nos anos 1970 e é hoje bastante ele-vado pelos padrões internacionais) e a virtualprivatização das escolas públicas “seletivas” deelite (que de algum modo são análogas aomovimento das “charter schools” nos EUA)abriram o caminho para que grupos com inte-resses específicos usassem as escolas para pro-gramas religiosos neoconservadores, resguardarprivilégios de classe, promover a segregaçãosexual e manter esquemas especiais para os“dotados e talentosos”. Houve uma fragmen-tação das demandas, que solapou o conceitode cultura e currículo comuns. Como mostra oimportante estudo histórico de Campbell eSherington (2006), houve uma cisão crescen-te do sistema de ensino secundário a partir dadécada de 1980 e um nítido declínio do com-promisso político com o ideal de uma educa-ção secundária inclusiva e unificada. Instau-rou-se o cenário ideal para o abandono davisão humanista e o retorno a uma concepçãotécnica do “bom professor”.

A mudança para o modelo do “professor

competente”

Na educação australiana contemporânea,embora ainda haja ideias divergentes acerca doque constitui um “bom professor”, uma delas épredominante. É a que chamo de modelo de“professor competente”, pois está centrada emum conjunto de competências atribuídas aosbons professores. É praticamente a mesma con-cepção de professor que Moore (2004) denomi-na de “artesão competente” na Inglaterra eWeber (2007), com espírito mais crítico, de “téc-nico condescendente” [compliant technician] naÁfrica do Sul.

O conceito de competências para profes-sores não surgiu do nada. Ele apareceu nos Es-tados Unidos na década de 1960, expandiu-serapidamente na década de 1970 e chegou àAustrália (Turney et al., 1985), onde seintercruzou com mudanças drásticas ocorridas no

ensino técnico, que o direcionavam aos interes-ses do mercado. Na reestruturação do ensinotécnico e superior (TAFE, Technical and FurtherEducation) ocorrida a partir dos anos 1980, ha-bilidades ou competências específicas foram ex-traídas da matriz de aprendizados tradicionais,reembaladas e ensinadas como módulos distin-tos. Resultados específicos e mensuráveis, em vezde identidades amplas baseadas nas profissões,tornaram-se a meta do ensino profissionalizante.

Desse modo, o modelo do professor com-petente está inserido em um contexto: está as-sociado à expansão de uma ordem política e cul-tural direcionada aos interesses do mercado. Tra-ta-se de um processo global, com o qual econo-mias periféricas e dependentes, como a australi-ana, se envolveram profundamente. A vida pú-blica australiana assistiu a uma ampla adoção depolíticas e pressupostos neoliberais —desregulamentação, privatização, redução de im-postos, competição, declínio do setor público —, que foi impulsionada pela preocupação com aglobalização e pela disseminação da ideologiaeconômica e raciona-lista (Pusey, 1991; Harvey,2005).

Surgiu um novo tipo de gerencialismonas instituições comerciais, governamentais eeducacionais. A competência em campos espe-cíficos (por exemplo, a experiência prévia comoprofessor ou diretor) foi desvalorizada em prolde habilidades e práticas gerenciais genéricas,cujos parâmetros técnicos são a eficiência e aeficácia organizacionais. Surgiu também uma“cultura de auditoria”: no neoliberalismo, aavaliação sistemática rapidamente se estendeua uma gama enorme de áreas, indo muito alémdo contexto da contabilidade financeira emque teve origem (Power, 1997).

Dois desdobramentos no setor educacionaldos países ricos tornaram essas pressões mais in-tensas. O primeiro foi a atenção cada vez maiorque as autoridades responsáveis pela formulaçãode políticas passaram a dar aos estudos quantita-tivos com múltiplas variáveis sobre a “eficácia” deescolas e professores. Esses estudos veem as esco-las e os professores como portadores de variáveis

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(atitudes, qualificações, grande capacidade de li-derança etc.) que devem ser correlacionadas comos resultados obtidos pelos alunos, medidos pormeio de testes padronizados. Isso permitiu daruma interpretação educacional à ideia gerencialista— derivada do confuso discurso sobre “excelência”da gestão corporativa das empresas — de queexiste sempre uma “prática melhor” que pode serinstituída e controlada de cima para baixo.

O segundo desdobramento foi a própriagestão neoliberal do ensino, bastante diferenteda modalidade profissional de controle a distân-cia. Voltado para o mercado, o neoliberalismodesconfia profundamente do profissionalismo,pois vê as profissões como monopóliosanticompetitivos. Especificamente, oneoliberalismo desconfia, em particular, dos pro-fessores. Essa postura teve maior aceitação emalguns países do que em outros como Doherty eMcMahon (2007) observaram ao comparar a Es-cócia e a Inglaterra, mas a ten-dência é geral.

Em um regime neoliberal, as instituiçõeseducacionais devem ser “auditoráveis”, isto é, pas-síveis de auditoria, de avaliação. Na educação, acultura da auditoria inclui a pressão pela aplica-ção de testes nacionais, pelo ranqueamento dasescolas (vistas como empresas que competementre si) e pela criação de instituições decertificação de professores deliberadamente sepa-radas das instituições de formação docente. Aslistas de competências para professores produzi-das por essas instituições são também listas dedesempenhos passíveis de auditoria.

As consequências que isso traz para a for-mação docente são potencialmente imensas. Lis-tas de competências mensuráveis podem transfor-mar-se na própria razão de ser de um programade formação de professores. Em tal modelo, nãohá necessidade alguma de conceber a educaçãocomo uma disciplina intelectual. Não há necessi-dade de crítica cultural, pois o mercado, ao agre-gar escolhas individuais, determina o tipo de ser-viços para os quais existe demanda. Um papel li-mitado é reservado para a pesquisa educacional,que realizaria, sobretudo, estudos positivistas vol-tados à descoberta das “melhores práticas”.

Continua sendo necessário ensinar áre-as específicas do currículo, portanto o conhe-cimento e as competências em disciplinas es-pecíficas ainda são imprescindíveis. Habilidadestécnicas, que incluem a competência em novastecnologias, também são exigidas. São esses osprincipais serviços que as escolas oferecem aomercado, cuja demanda não cessará. Todavia,não é mais necessário que o professor compe-tente seja capaz de refletir sobre o conjunto deconhecimentos no qual o currículo escolar temorigem. Isso caberá agora às autoridades cen-trais, que avaliarão os resultados do trabalhodas escolas. Os currículos produzidos pelos pro-fessores tornaram-se um disparate, pois nãopodem ser avaliados de um ponto de vista com-petitivo. Em suma, no novo regime de gestãoeducacional, o modelo humanista do “bom pro-fessor” transforma-se em um anacronismo. Noentanto, o que exatamente o substitui? Vejamosagora a resposta dada pelos próprios órgãos deregistro e certificação de professores.

Parte II: A definição de “bomprofessor” dada pelo novo sistemade registro e certificação

As mais importantes definições atuais de“bom professor” na educação australiana estãocontidas nos Standards, documentos elabora-dos pelos novos órgãos de registro ecertificação. Esses documentos seguem umformato comum, que resulta do acordo doConselho Ministerial de 2003, embora hajagrande variação em pontos específicos.

Os Standards consistem em listas de sen-tenças ou cláusulas que afirmam algo que osprofessores fazem ou devem fazer. Por exemplo:

Adote uma postura calma e acessível (Tas-mânia: nível de bacharelado, B.3, indicador 4).Os professores devem estar familiarizadoscom as determinações curriculares e com aspolíticas, os materiais e os programas associ-ados ao conteúdo que lecionam (Victoria: ní-vel de registro pleno, col. 2, n. 4)

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Inicie ou proceda à implementação de políti-cas e processos para integrar a Tecnologia daInformação e da Comunicação ao ambientede aprendizado (Nova Gales do Sul: nível deliderança profissional, n. 1.4.4).

Os documentos mais sucintos contêm cercade trinta afirmações desse tipo; os mais prolixoschegam a 130 em cada um dos quatro níveis dacarreira. Essas afirmações são classificadas emseções genéricas, tais como “ConhecimentoProfissional”, “Prática Profissional” e “Envol-vimento Profissional”. Elas variam ligeiramen-te de estado para estado, mas têm muitos pon-tos em comum.

As sentenças substantivas desses docu-mentos não têm relação umas com as outras,são meros tópicos isolados ou itens. É possí-vel acrescentar novos itens (como alguns comi-tês estaduais claramente fizeram) ou subtraí-los sem afetar a estrutura geral. As listas nãoderivam de nenhuma visão sistemática da edu-cação como campo do conhecimento.

São apresentadas listas paralelas de tó-picos para cada um dos quatro níveis de pro-fessores, de recém-formado ao nível de “lide-rança”. Os tópicos dos níveis superiores são, emgeral, mais vagos que os dos inferiores. Nãoobstante, a ideia de que professores podem serclassificados em uma hierarquia de níveis pro-fissionais é um importante componente formalda noção de padrões operacionalizada pelosInstitutos. Com isso, a estratificação da forçade trabalho pretendida pelos programasneoliberais que estimulam a competição indi-vidual entre os trabalhadores foi incorporada àprópria definição do profissionalismo dos pro-fessores.

No tocante ao conteúdo, as listas são hí-bridas. Tomemos, como exemplo razoavelmentetípico, o Standards for Graduating Teachers doVictorian Institute of Teaching (2008), que con-siste em 48 tópicos agrupados em oito “padrões”.Sob o tema “Conhecimento Profissional”, encon-tramos vinte afirmações dos mais variados tipos:

a. Resumos da literatura educacional queprofessores estagiários precisam ter estudadoe assimilado (ex.: Adquira um sólido conhe-cimento das teorias de ensino e dos modelospedagógicos dos quais a sua prática deriva).b. Conhecimentos de campos específicos (ex.:Fique a par de conceitos-chave, estrutura edesenvolvimentos nas suas áreas de conteú-do).c. Abordagens educacionais genéricas (ex.: “Saibaintegrar o aprendizado e a compreensão dos alu-nos em diversas áreas de conteúdo).d. O know-how específico e necessário paraatuar numa escola (ex.: Mantenha-se a pardas ferramentas e práticas existentes paraavaliar, registrar e relatar o progresso doaprendizado dos alunos para os pais e as ou-tras partes envolvidas).e. Afirmações referentes às atitudes ou con-vicções que os professores precisam demons-trar (ex.: Considere que todos os alunos sãocapazes de aprender, demonstre uma com-preensão de tal equidade e comprometa-se apraticá-la).

Algumas sentenças são per se híbridas.Na mesma lista, o item “Mantenha-se a par decomo o currículo e a avaliação são estruturadospara dar suporte ao aprendizado” sugere umtópico de know-how organizacional. Entretan-to, também traz embutido uma postura: a acei-tação implícita de que o currículo e a avaliaçãosão estruturados para dar suporte ao aprendi-zado. Será que um professor aprendiz que con-clui que o atual sistema de avaliação interfereativamente no aprendizado (como é bem pro-vável que aconteça com pelo menos metade dosalunos de nossas escolas) atenderia aos padrõesde qualidade profissionais? Eu espero que sim,mas os Standards não me dão muitos motivospara acreditar nisso. As advertências, admoesta-ções e convites à conformidade superam, emmuito, os estímulos a voar por conta própria.

Nesse aspecto, os Standards são bastan-te tradicionais. Eles contêm a mesma mistura deconhecimentos formativos essenciais, habilida-

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des pedagógicas, know-how organizacional, ide-ologia e conformismo social que todo sistemaescolar de massa sempre esperou que sua mão-de-obra apresentasse desde o século XIX. Emoutras palavras, são exigências organizacionaisque justificam a existência desses documentos.

Eles são híbridos porque o próprio ensi-no envolve um processo de trabalho híbrido.Como mostram todos os estudos particulariza-dos da vida escolar, a realidade cotidiana doensino é um amálgama improvisado de umaextensa gama de atividades. Em certa medida,isso provavelmente vale para todas as profissões,mas no ensino trata-se de um fato central comose reconhece há bastante tempo (Connell,1985). O fato de diferentes comitês estatais,formados por professores e administradoresexperientes, chegarem a diferentes listas de tó-picos, que parecem igualmente convincentes, éem si uma ótima indicação da improvisadamultiplicidade de práticas envolvidas no ensino.

Em outros aspectos, contudo, os Standardsrevelam algo novo. Eles incluem alguns termos domodelo do profissional reflexivo, indicando a di-versidade de perspectivas dos comitês que os ela-boraram. Todavia, sua linguagem é muito mais in-fluenciada pelo gerencialismo corporativo. Os tex-tos estão repletos de termos como “desafios”,“metas”, “as partes interessadas”, “parcerias”, “es-tratégias”, “compromissos”, “capacidades”, “reali-záveis”, “eficazes”, “flexíveis” e “oportunidades”.

Esses termos produzem um efeito retó-rico poderoso. Eles constroem o perfil de “bomprofessor” como o de um indivíduo empreende-dor, como alguém que forja um caminho de de-senvolvimento pessoal por meio da paisageminforme da sociedade de mercado, com seusinteresses obscuros e seus infindáveis desafios eoportunidades. É revelador que o documento doestado de Victoria citado acima mencione comfrequência a “profissão”, mas jamais uma “as-sociação profissional” ou “sindicato”.

As afirmações contidas nos Standardsincluem muitos elementos do senso comumorganizacional referente ao ensino escolar e àformação de professores. Elas foram recebidas

por alguns como uma definição pública deprofissionalismo que revela a complexidade dotrabalho realizado pelos professores — e as di-ficuldades de realizá-lo a contento. Conside-rando o quanto os professores de escolas pú-blicas têm sido negligenciados pela direita napolítica dos últimos trinta anos, isso é umavanço positivo. Os Standards também podemajudar a proteger a educação dos abusos daimagem “carismática” do bom professor, umasituação que leva políticos sedentos de publi-cidade a colocar jovens despreparados em si-tuações pedagógicas extremamente difíceis,tomando por base o princípio hollywoodianode que o talento natural sempre triunfará nofinal.

No entanto, esses benefícios têm seupreço. Incorporada à estrutura dos Standardsestá toda a desconfiança que o neoliberalismotem do discernimento dos professores. A praxisdestes é segmentada em competências e atu-ações específicas e passíveis de avaliação. Alémde ser expressa em linguagem gerencialista, aestrutura também incorpora um modelo indi-vidualizado de professor que é extremamenteproblemático para um sistema de educaçãopública. A arbitrariedade das listas de tópicosfaz com que qualquer tentativa séria de aplicá-las, seja na prática dos professores ou em pro-gramas de formação, implique uma limitaçãoarbitrária de sua praxis. E considerando que,numa situação de integração global e diversida-de social, a educação deve tornar-se cultural-mente mais rica, essa limitação não tem comoser benéfica.

Parte III: Rumo a uma novacompreensão do “bom professor”

A fragmentação do programa neoliberalpara a educação já se tornou uma realidadevisível, e a insatisfação de muitos educadoresexperientes é enorme. Entretanto, ainda nãoexiste uma alternativa substancial para tal pro-grama. Na tarefa complexa de definir futuros

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educacionais, um enfoque importante é a ela-boração de uma concepção mais adequada de“bom professor”. Nesta seção, apresento umalinha de pensamento que abrange quatro ques-tões fundamentais que emergiram em pesqui-sas e discussões recentes sobre os professores.

O trabalho de ensinar

O ensino é uma forma de trabalho, empre-endido num local específico, com relações em-pregatícias específicas. A formação de professoresé a constituição de uma mão-de-obra. Como ar-gumenta Reid (2003), precisamos analisar esseprocesso de trabalho na educação se pretendemosir além dos enfoques restritos das mais recentespesquisas sobre o ensino. De fato, eu argumentariaque as análises do ensino como trabalho são omelhor ponto de partida para qualquer tentativade compreensão do significado de um “bom en-sino”.

Embora as afirmações dos Standards defato reconheçam essa dimensão do ensino,quando se referem às habilidades necessáriaspara atuar num ambiente escolar, elas apresen-tam uma visão limitada do processo de traba-lho. É preciso ampliar essa visão. Por exemplo,o ensino escolar é trabalho personificado, emque se torna importante a presença física doprofessor na interação com o aluno (Estola;Elbaz-Luwisch, 2003). A energia, a movimen-tação, a expressão e a fadiga que resulta dotrabalho árduo, tudo isso tem importância. Emum dos mais surpreendentes estudos já realizadossobre a qualidade do corpo docente, Grace (1978)entrevistou professores de escolas em regiões de-terioradas de Londres que haviam sido indicadoscomo “bons professores” pelos diretores. E cons-tatou que eles viviam num estado constante dedesgaste físico e emocional, exauridos pelo esforçode reagir às infindáveis demandas da escola paraque se envolvessem plenamente.

Que sentido tem a existência de ummodelo de “bom professor” que causa a auto-destruição dos bons docentes? Esse é um dosriscos ocultos por trás da pressão sobre os

professores (também nas universidades) paraque sejam “empreendedores”, enfrentem “de-safios” contínuos, produzam mais com menosrecursos, para que se envolvam numa intermi-nável competição a fim de progredir na carrei-ra. O bom ensino tem de ser sustentável e issosó pode ser planejado se considerarmos o en-sino como um processo de trabalho exequível.

Além disso, está implicada no ensinouma grande dose de empenho no plano emo-cional (Hebson et al., 2007; Connell, 1985). Otrabalho em sala de aula envolve um fluxo deemoções tanto da parte dos professores comodos alunos, que variam desde simpatias e an-tipatias até entusiasmo, ansiedade, tédio, ale-gria, medo e esperança. Todo professor deveser capaz de lidar com esse fluxo e torná-loprodutivo para o aprendizado dos alunos epara que ele próprio possa sobreviver. Nissoconsiste grande parte do proverbial “first yearout”, o primeiro ano depois de formado, queé o primeiro estágio de uma carreira no magis-tério.

O aspecto emocional do processo de tra-balho dos professores pode ser incluído emmodelos de competência — e os Standards dis-cutidos acima contêm afirmações ocasionaiscomo “Adote uma postura calma e acessível”.Entretanto, é extremamente difícil avaliar essas di-mensões e, sob pressão, elas tendem a ser obscu-recidas por outras questões como o desempenhonos testes. Um estudo recente e assustador sobreos procedimentos de “capacitação” nas escolas in-glesas, envolvendo professores acusados de nãocumprirem suas obrigações em conformidade compadrões profissionais aceitáveis (Hebson et al.,2007), revela um risco sistêmico. O trabalho emo-cional tinha um papel central na autoimagem pro-fissional dos professores em questão e eles acre-ditavam estar oferecendo todo o apoio necessá-rio às crianças. No entanto, na visão dos direto-res de escolas preocupados com o desempenho epara os mecanismos centralizados demonitoramento, esses professores não estavampreparando adequadamente os alunos para ostestes.

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Um estudo de reestruturação no mesmopaís (Stevenson, 2007) revelou um realinhamentodo ensino com o enfoque naquilo que a admi-nistração neoliberal considera ser a tarefa essen-cial, a saber, o aspecto técnico. Com isso, elimi-nam-se ou minimizam-se as funções “pastorais”(a terminologia tradicional da educação inglesapara o trabalho emocional), o que pode atémelhorar a posição competitiva de uma escolanas listas e nos ranqueamentos. No entanto, édifícil acreditar que isso resulte numa educaçãode qualidade para as crianças.

O modelo neoliberal de administraçãode pessoal procura definir o trabalhador comoum indivíduo empreendedor, da mesma formaque, em todo o mundo, na educação e emoutros setores, a política industrial neoliberalprocura eliminar a coletividade dos trabalhado-res, que se expressa por meio de sindicatos(Compton; Weiner, 2008). Em que medida oprocesso de trabalho na área do ensino temmudado recentemente sob a pressão neoliberalé uma questão aberta à discussão (Para umamplo espectro de pontos de vista e evidênci-as, ver Mahoney et al., 2004; Robertson, 2000;Sammons et al., 2007; Stoddard; Kuhn, 2008).O que é visível, entretanto, é a prioridade dadaà individualização. Institucionalmente, osStandards definem o objeto de registro e avali-ação como um professor individualizado; domesmo modo, a cultura popular comercial de-fine o “bom professor” como um indivíduocarismático.

Entretanto, até mesmo a sala de aulacom um único professor faz parte de uma ins-tituição estruturada – a escola – e esse docen-te integra um quadro de funcionários local. Es-colas e docentes fazem parte de uma mão-de-obra e de sistemas institucionais mais amplos.Os conhecidos “resultados” produzidos pelaeducação são definidos, em grande medida, poresse ambiente estruturado, incluindo as mesmasmedidas de desempenho dos alunos que sãousadas para avaliar os professores individual-mente. Testes padronizados de aproveitamentoescolar são, em grau surpreendente, mecanismos

artificiais de um sistema institucional estabele-cido para criar a competição e a diferença.

Grande parte do que ocorre na vida coti-diana de uma escola envolve o trabalho conjuntodos professores e a relação coletiva destes coma presença coletiva dos alunos (sua origemsocioeconômica, sexo, etnia, cultura regional,religião; e sua vida dentro do grupo de colegasa que pertencem no momento, com as respecti-vas hierarquias, exclusões, bullying e cooperação).Grande parte do aprendizado dos alunos resultados esforços conjuntos de um grupo de profes-sores, de um processo de aprendizado dos pró-prios alunos e (como indica a noção de “currí-culo oculto”) da atuação da instituição ao seuredor.

Portanto, o aparente bom desempenhode um professor depende muito do que as ou-tras pessoas estão fazendo. Os Standards, etambém a nova geração de mecanismos de ava-liação de professores, apresentam uma elabora-da definição de “professor bem-sucedido” comoum indivíduo – mas nada dizem sobre o “de-partamento bem-sucedido” ou a “escola bem-sucedida”. Há algumas décadas, a sociologiaindustrial mostrou que, nos processos coletivosde trabalho em grande escala característicos daeconomia moderna, é impossível medir a con-tribuição de um trabalhador individualmente.Portanto, tentativas de estabelecer diferenciaisde rendimento tornaram-se fundamentalmen-te irracionais (ou seja, tornaram-se um exercí-cio de poder social, não maneiras racionais dedeterminar valor). Os mecanismos neoliberaisde avaliação de professores se deparam com omesmo paradoxo e não têm como superá-lo.

O reconhecimento do trabalho coletivodos professores é essencial para uma melhorcompreensão do que é o bom ensino. Geral-mente, o grupo de professores e a instituiçãona qual trabalham é que são eficazes ou ine-ficazes. Portanto, a tarefa de melhorar o ensi-no não pode ser entendida apenas como umaquestão de motivar ou capacitar indivíduos. Narealidade, certas tentativas nesse sentido (comoa intenção do Business Council de selecionar

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uma elite) podem ser extremamente prejudici-ais ao verdadeiro trabalho das escolas.

A dinâmica ocupacional do ensino

Concepções de profissionalismo já foramimportantes para os professores no passado. Noentanto, o conceito de ensino como uma pro-fissão sempre foi ambivalente, pois ele tantopode cultuar a dependência quanto a autono-mia. Na sociedade de mercado neoliberal, esseconceito é ambivalente de um modo distinto. Asdefinições de profissionalismo nos Standardsrevelam a complexidade do trabalho dos profes-sores, mas também cultuam a desconfiança queos neoliberais têm das profissões. Os Standardscodificam o trabalho dos professores e a suaformação de maneira a torná-los passíveis deavaliações e de um controle a distância.

Portanto, é importante saber como – epor quem – o profissionalismo dos professoresé definido. Se a identidade ocupacional do pro-fessor é definida externamente pelo poder doEstado ou pelas pressões do mercado, ela pro-vavelmente será limitada em vários aspectosimportantes. A capacidade de reagir aos ditamesda administração, de divergir, de seguir juízosindependentes provavelmente não figura comproeminência nessas definições de “bom ensi-no”. No entanto, essa capacidade talvez sejacrucial em termos educacionais, pois permiteque os professores acompanhem os interessesdos alunos com os quais efetivamente traba-lham.

Os atuais currículos e as avaliações ofi-ciais são, em grande parte, construídos emtorno do modelo do aluno academicamenteengajado, que é “bem-sucedido” nos testes.Ora, tais alunos são muito mais comuns emescolas que atendem clientes econômica ouculturalmente privilegiados. Os professores en-volvidos na educação de crianças de outrasorigens sociais e com outros interesses preci-sam de um modelo de profissionalismo quelhes dê espaço de manobra para que possamoferecer um ensino de qualidade.

O pedido de desculpas contido no discur-so proferido pelo primeiro-ministro no início de20085 ajuda-nos a definir esse ponto. Em épo-cas passadas, o sistema institucional da Austráliaagiu de modo assustadoramente equivocado emrelação a muitas crianças aborígenes. Hoje, atarefa educacional não é continuar insistindo nainserção das crianças aborígenes em um siste-ma eurocêntrico inconteste, mas modificar asinstituições educacionais a fim de torná-las re-levantes para essas crianças.

O mesmo se aplica a outros grupos de cri-anças mal atendidas pelo currículo hegemônico;às escolas onde só se fala inglês; ao sistema detestes competitivos; às políticas de pessoal perver-sas que concentram a experiência onde ela émenos necessária; e ao desvio de verbas públicasa fim de subsidiar privilégios em escolas particu-lares. Não estamos falando, aqui, de um peque-no grupo de “excluídos sociais”, mas de um nú-mero bastante grande de crianças em escolaspúblicas.

O bom ensino, portanto, é não apenas,em grande medida, um trabalho coletivo: eletambém exige diversificação. Para funcionarbem, uma escola precisa de professores comuma gama variada de capacitações e maneirasde atuar. Dada a multiplicidade de alunos e decomunidades de onde provêm, uma escoladeve ter em seu quadro de professores uma di-versidade de etnias, origens socioeconômicas,identidades de gênero e sexo, faixas etárias eníveis de experiência. Qualquer definição dequalidade, qualquer sistema de monitoramentoou de promoção que pretenda impor um mo-delo único de excelência para todos os profes-sores – qualquer que seja esse modelo – temgrandes probabilidades de ser prejudicial parao sistema educacional como um todo.

Um profissionalismo com essa amplitude evariedade precisa ser sustentado por uma culturaocupacional dinâmica entre os professores. Hoje a

5. N.T. Em 13 de fevereiro de 2008, o primeiro-ministro Kevin Rudddiscursou ao Parlamento pedindo oficialmente desculpas pela manei-ra como os vários governos australianos trataram os povos aboríge-nes ao longo da história.

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cultura ocupacional não faz parte das discussõessobre qualidade dos professores, mas certamentedeveria, pois ela inclui a identidade social que osdocentes compartilham; os processos informaispelos quais o know-how prático é transmitido paranovos professores no exercício da profissão (umaparte fundamental da formação de professoresque poderia ser complementada pela capacitaçãoformal); a competência ocupacional a que se re-ferem os Standards, da qual os alunos dependem,especialmente quando não provêm de famíliascom alto grau de instrução; e asmetacompetências (definidas mais adiante) quepermitem o uso estratégico de competências es-pecíficas.

Contudo, uma cultura ocupacional dinâ-mica entre os professores não é um fato con-sumado. Ela tem de ser estimulada e tambémpode ser corrompida. A reestruturação do en-sino técnico e superior, voltada para o merca-do, contribuiu muito para destruir, ao longo daúltima década, a cultura ocupacional do ensi-no profissionalizante e inclusivo desse setorcomo mostra o estudo de Clark (2003). O en-sino universitário também foi afetado pelareestruturação neoliberal, com o aumento con-tínuo da carga de trabalho, a deterioração darelação professor/aluno, empregos mais precá-rios e pressões cada vez maiores para obter umdesempenho competitivo e passível de avalia-ção. As escolas australianas não se deterioraramcom a mesma intensidade, pelo menos não atéo momento, mas não há motivo para julgar queelas estão imunes. A análise feita por Weber(2007) dos estudos internacionais sobre profes-sores em um regime neoliberal sugere a existên-cia de tensão e insatisfação generalizadas. Pro-mover, em vez de debilitar, a culturaocupacional dos professores é importante parapreservar a sua resiliência em face de situaçõesdifíceis de ensino e – como Sammons et al.(2007) mostraram no caso do Reino Unido –constitui um importante recurso em escolasmais desfavorecidas.

Uma cultura ocupacional nasce de umahistória coletiva, mas ela terá pouca valia caso

permaneça apegada ao passado. Uma das ma-neiras significativas pelas quais a situação so-cial dos professores está sempre mudando é adiversidade de ambientes nos quais eles lecio-nam. Isso é ilustrado pelas observações deHoadley (2003) em duas escolas da África doSul pós-apartheid: uma em que os conteúdoseram lecionados em inglês, outra em xhosa.Com salas cerca de duas vezes maiores e umterço do tempo efetivo de instrução para cadacriança, esta tem de usar métodos de trabalhoem grupo enquanto aquela pode impor um rit-mo individual ao aprendizado. No entanto, éa escola onde as disciplinas são ensinadas emxhosa que tem uma cultura mais sólida decolaboração entre os professores.

O contexto institucional se modificacom o tempo e hoje o sistema escolar formalrepresenta uma parcela menor do sistema edu-cacional do que em gerações passadas. O en-sino também ocorre em escolasprofissionalizantes particulares, organizaçõescomunitárias e de lazer, em empresas comer-ciais e industriais, online e em vários outroscontextos. Sem dúvida, isso diz respeito prin-cipalmente aos adultos, mas mesmo na educa-ção de crianças, as escolas não são o únicoambiente importante de ensino e aprendizado(basta se lembrar da orientação e do treina-mento oferecidos na área do esporte, porexemplo) (Light, 2008).

Com a contínua rotatividade de profes-sores nas escolas e o provável aumento destesem tempo parcial decorrente das políticasneoliberais, torna-se cada vez maior a proba-bilidade de que os professores (ou as pessoasqualificadas para ensinar em escolas) sejamconvocados a ensinar em ambientes não esco-lares. Uma cultura ocupacional resistente e fle-xível o suficiente para transitar entre diferen-tes situações de trabalho sistemático constitui,portanto, um elemento verdadeiramente vali-oso na sociedade. Precisamos desenvolver for-mas de profissionalismo que tornem isso pos-sível. A versão de profissionalismo incorpora-da aos Standards e aos processos de

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certificação de professores não é adequada aesse tipo de adaptação, pois está direcionadaàs autoridades do sistema educacional.

A estrutura intelectual da educação

Uma das virtudes do modelo do profes-sor erudito era a clara importância que essemodelo atribuía à Educação como campo deconhecimento. A abordagem do profissionalreflexivo, embora menos interessada na orga-nização do conhecimento como um todo, estácentrada no modo como o conhecimentoocupacional pode ser desenvolvido na práticados professores.

A agenda neoliberal e o modelo do pro-fessor competente abandonaram tais proble-mas. As afirmações de “competências” produ-zidas pelos Institutos não indicam nenhumaideia subjacente a um campo de conhecimen-to: são listas de tópicos, meros itens. Na visãoda cultura da avaliação em educação, os pro-fessores são técnicos que executam “práticasde excelência” predefinidas, utilizando-se deum currículo predefinido que é avaliado pormeio de testes externos – uma situação queexige habilidade, mas não inteligência.

Por que nossas reflexões sobre essesproblemas devem ter um conteúdo intelectu-al? Por dois motivos interligados: o que osprofessores fazem e o que eles são. O que elesfazem nas escolas jamais se limita a transmi-tir um conjunto de fatos aos alunos. Eles ne-cessariamente interpretam o mundo para – ecom – seus alunos. Isso fica nítido na educa-ção de crianças pequenas. Contudo, é igual-mente verdade para a maioria das disciplinastécnicas do ensino médio, nas quais a interpre-tação está incorporada à linguagem, à escolhados objetos de conhecimento e às operaçõesmentais características de cada assunto.

Para interpretar o mundo para os outrose fazê-lo bem, é necessário não apenas umconjunto de habilidades, mas também o co-nhecimento de como essa interpretação ocor-re, do campo cultural em que ocorre esse pro-

cesso e das outras possibilidades de interpre-tação que convivem com a nossa.

Essa necessidade ajuda a definir o ensinocomo trabalho intelectual e os professores comoum grupo de trabalhadores intelectuais. Não ape-nas “trabalhadores do conhecimento” em umaeconomia do conhecimento, mas trabalhadoresparticularmente intelectuais. Em seu trabalho co-tidiano, os professores operam com modos decompreensão e conjuntos de fatos, e necessaria-mente transformam a cultura ao transmiti-la paraa geração seguinte. Para fazer isso de maneiraadequada, são necessárias a iniciativa e a inven-ção infinitas – a improvisação constante reveladapor estudos do processo do trabalho docente. Issotambém requer um conhecimento profundo dacultura e a prática da análise crítica, que somen-te um programa intelectualmente substancial deformação de professores pode oferecer.

Todavia, não podemos nos permitir aosaudosismo. O que hoje é considerado intelec-tualmente substancial difere do que o era naépoca de Matthew Arnold ou John Dewey oumesmo de R. S. Peters e Paulo Freire. Vivemosnum mundo conscientemente pós-colonial epós-patriarcal, ainda que velhas desigualdadessociais (entre as quais, as relacionadas ao sexo,à classe e à localização geográfica no plane-ta) continuem assumindo novas formas.

Os antigos modelos de conhecimento,nos quais se baseava o currículo de disciplinasdo ensino médio, bem como o modelo do pro-fessor erudito nas universidades, foram obje-to de críticas contundentes. Em meio a essascríticas, estão análises feministas do conheci-mento patriarcal (Crowley; Himmelweit, 1992)e a incredulidade pós-moderna face às “narra-tivas grandiosas” de progresso e o “iluminismo”(Lyotard, 1984). Como Hopenhayn (2001) res-saltou no caso da América Latina, a ascensãodo neoliberalismo destruiu muitos dos pressu-postos nos quais as ciências sociais estavamoutrora baseados. Ao mesmo tempo, surgiramnovas estruturas de conhecimento – a teoriapós-colonialista, os saberes indígenas, sistemasde informações baseados em máquinas – em

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torno das quais existe uma infinidade de pro-blemas (ver, por exemplo, Odora Hoppers,2002, e as relações entre sistemas de conhe-cimento). No entanto, uma coisa é clara: as ve-lhas certezas acerca do conhecimento não maisexistem. A filosofia educacional começou a li-dar com esse fato fundamental (Peters, 1995)e a formação de professores agora se vê namesma situação.

Um programa contemporâneo de forma-ção de professores deve estar voltado para omundo em que os alunos efetivamente atua-rão. A formação de bons professores é intelec-tualmente estimulante como não poderia dei-xar de ser, pois aos professores, que são traba-lhadores intelectuais, de nada serve um con-junto estático de conhecimentos. É cada vezmais aceito e reconhecido o fato de que osprofessores podem e devem agir como seuspróprios pesquisadores. Para dar apenas umexemplo: com relação à Tecnologia da Infor-mação e da Comunicação, tanto o hardwarecomo o software mudam tão depressa que otreinamento dado no início da formação de umprofessor estará obsoleto em poucos anos. Osprofessores devem ser capazes de pesquisarnovos conhecimentos, técnicas e máquinas,que não temos como definir antecipadamen-te, e aplicá-los às necessidades de grupos dealunos, cujo perfil tampouco pode ser previs-to de antemão. O conhecimento e suas aplica-ções no ensino são inerentemente dinâmicos.

O processo de educar

Em grande parte da reflexão acadêmicasobre educação, e na maioria das discussõespúblicas a respeito, ela é entendida fundamen-talmente como reprodução social – a transmis-são de cultura para uma nova geração, a gera-ção de mão-de-obra, o legado das tradições. Emum sentido mais estrito (compatível com o con-ceito de reprodução), a educação é vista comoum processo neutro de instrução que é molda-do e remoldado por forças que lhe são externas– mudanças tecnológicas, desenvolvimento eco-

nômico, deslocamentos demográficos, entre ou-tras.

Há algo de verdadeiro nessas ideias. Entre-tanto, de modo ainda mais fundamental, a edu-cação é o processo de formar uma cultura. O en-sino não consiste apenas no treinamento de jovensem práticas definidas, ele está relacionado à cria-ção de habilidades para a prática (Connell, 1995).A educação é um processo que cria a realidadesocial e necessariamente produz algo novo. Ela éparte do processo que conduz a sociedade aolongo do tempo histórico. O questionamento acer-ca dos objetivos da educação está associado àdireção que desejamos dar a uma ordem social,uma vez que as sociedades não podem evitar amudança. É aqui que surgem questões de privi-légio e justiça social na educação, questões quesão essenciais ao seu projeto, não meros acrésci-mos.

Essa reflexão permite uma nova aborda-gem das competências dos professores. Muitosdos problemas do modelo do “professor com-petente” decorrem da falta de atenção às re-lações entre as competências. Por exemplo:como ajudar os professores a passar de umconjunto de habilidades “A” para outro “B”quando “A” se torna obsoleto; a questão doequilíbrio entre as habilidades técnicas no en-sino de determinados currículos e o trabalhoemocional envolvido na orientação dos alunos;a dificuldade de reconhecer definiçõesconflitantes de competências; e os conflitosacerca de quem teria o direito de defini-las —administradores, professores, crianças, pais ouautoridades externas.

Portanto, podemos dizer que certasquestões fundamentais do ensino dizem respeitoao que poderíamos chamar de“metacompetências”, isto é, as habilidades deequilibrar, escolher e empregar competênciasespecíficas. À luz do que foi dito sobre o pro-cesso de trabalho, as meta-competências podemser tanto coletivas como individuais. Quandodizemos que os professores devem estudar oensino (como o fazem, justiça seja feita, algu-mas das afirmações dos Standards) ou refletir

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sobre o próprio trabalho, também estamos pen-sando nesse nível.

Isso nos traz de volta ao argumento daimportância do ensino. No início deste artigo, ci-tei o relatório da OECD (2005) sobre professores,que enfatizava a qualidade destes como fatordeterminante nos resultados obtidos pelos alunos,visto que suas origens socioeconômicas e habili-dades não estariam sujeitas à influência de polí-ticas públicas. Trata-se de uma perspectiva extra-ordinariamente tacanha. A origem socioeco-nômica e as habilidades dos estudantes são sus-cetíveis a mudanças e podem ser mudadas emlarga escala. Trata-se, apenas, de saber como osrecursos da sociedade são empregados – saberquais decisões coletivas determinam a direçãosocial que se deseja seguir. A erradicação do anal-fabetismo no mundo inteiro; as profundas mu-danças na educação de meninas e mulheres aoredor do globo nas duas últimas gerações; a re-dução das desigualdades de classe em termos deacesso ao ensino secundário – todos esses sãoexemplos de decisões coletivas sobre a direção quese deseja dar à sociedade e que têm alterado pro-fundamente os resultados do ensino e do apren-dizado.

Portanto, uma concepção adequada deum “bom ensino” incluirá o papel dos professo-res nas ações sociais necessárias à criação deambientes apropriados ao aprendizado das crian-ças. Temos hoje bons ambientes de aprendizadoem muitas das escolas que atendem às classesprivilegiadas na Austrália como acontece emoutros países ricos, mas não na maioria das es-colas que atendem às classes trabalhadoras e àsmais excluídas. Essa questão não pode ser sepa-rada das responsabilidades dos professores invo-cando-se a neutralidade profissional, pois ela éum fator determinante das realidades cotidianasdo ensino. Na verdade, há alguém melhor que osprofessores para saber o que é necessário para

criar um bom ambiente de aprendizado para ascrianças? Eu diria que eles têm uma responsabi-lidade coletiva aqui e cabe à formação de pro-fessores a responsabilidade de apoiá-los nessaquestão.

Conclusão: objetivos e amultiplicidade de opiniões

Neste artigo, não tentei definir um novomodelo de “bom professor”, mas explicar porque devemos refletir sobre esse tema e indicaralgumas das principais questões e obras depesquisadores que precisam ser levadas emconsideração. Com base nisso, não precisamosde um retrato do “bom professor” no singular,mas retratos de “bons professores” no plural edo “bom ensino” no sentido coletivo. Precisa-mos de modelos de formação de professoresque promovam práticas de ensino criativas,diversificadas e justas em um futuro educaci-onal que almejamos como diferente do passa-do.

A discussão dessas questões requer a ex-pressão de uma multiplicidade de opiniões. Aideologia e a prática neoliberais concedem umlugar central às opiniões expressadas pelos admi-nistradores, muitas vezes na forma impessoal depráticas contábeis. Uma cultura ocupacional di-nâmica dará suporte às opiniões dos professoresna elaboração de políticas educacionais. E, comoargumentam Scanlon (2004) e Groundwater-Smith (2008), também devemos incluir as opini-ões dos alunos por mais árduo e complicado queisso se mostre na prática. Quando lhes é dada aoportunidade, as crianças costumam expressarperspectivas do ensino bem diferentes daquelascom que os adultos estão familiarizados.

A existência de órgãos de certificação deprofessores é hoje um fato consumado e nãotende a ser alterado no curto prazo. No entan-to, o modo como esses órgãos funcionam estácertamente aberto ao debate. Por exemplo, anova prática de certificar programas de formaçãode professores em termos do cumprimento pon-tual de uma lista de competências (do tipo dis-cutido acima) é um modo extremamentequestionável de operacionalizar a qualidade doensino. Uma maneira eficaz de definir o “bomensino” seria apresentar sugestões para que osórgãos de registro e certificação realizem melhorseu trabalho.

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Recebido em 01.07.09

Aprovado em 03.10.09

Raewyn Connell, professora na Universidade de Sidney, na Universidade de Toronto (Canadá) e em Harvard (EUA). Entre outrasobras, Connell publicou Gender (1987 – revisto e ampliado em 2009) e Masculinities (1995), traduzidos em todo o mundo.