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 RBRH - Revista Brasileira de Recursos Hídricos   Volume 7 n.1 Jan/Mar 2002, 123-142 123 Caracterização Física do Estuário do Rio Itajaí-açu, SC Carlos A. F. Schettini Centro de Ciências Tecnológicas da Terra e do Mar – CTTMar/Universidade do Vale do Itajaí – UNIVALI Caixa Postal 360 - CEP 88302-202 Itajaí, SC - [email protected]  Recebido: 10/05/01 - revisão: 15/08/01 - aceito: 14/12/01  RESUMO  Este artigo apresenta uma descrição física do estuário do rio Itajaí-açu em relação aos aspectos hidrodinâmicos, hidrológicos e sedimentológicos. Apresenta-se sucintamente resultados de estudos já realizados na região, tanto em termos de agentes determinantes externos (fluvial, marinho e atmosféri- co), quanto de processos internos do corpo estuarino. Em termos gerais, o estuário apresenta circulação do tipo cunha salina, sendo controlado primeiramente pela descarga fluvial e, em menor grau, pelas osci- lações do nível do mar, tanto astronômicas quanto meteorológicas. Ondas e ventos aparentemente não desempenham papel direto como determinantes dos processos hidrodinâmicos e sedimentológicos no estuário. O estuário exporta a maior parte dos sedimentos em suspensão trazidos pelo rio, embora tam- bém haja importação de sedimentos da plataforma continental através das correntes de fundo. A ativi- dade antrópica associada com a dragagem vêm alterando sistematicamente a partir dos anos 50 o comportamento hidráulico-sedimentológico do baixo estuário.  Palavras-chave: estuário; hidrodinâmi ca; hidrologia; sedimentologia; rio Itajaí- açu. INTRODUÇÃO Estuários são corpos de águas restritos on- de ocorre a diluição mensurável da água marinha pela água doce proveniente da drenagem continen- tal, tendo uma livre conexão com o mar aberto (Cameron & Pritchard, 1963), e com seu limite con- tinental definido como o limite dos efeitos da maré (Fairbridge, 1980). Ao longo dos estuários podem ser observadas significativas variações dos princi- pais processos oceanográficos atuantes e, em mui- tos casos, é possível identificar três regiões distintas: 1) alto estuário, onde não há presença de água marinha, observando-se apenas os efeitos das marés; 2) médio estuário, onde ocorre a interação de águas continentais e oceânicas; e 3) baixo estuá- rio, com predominância de processos oceânicos (Dionne, 1963), podendo cada região apresentar características sedimentológicas e geomorfológicas distintas (Dalrymple et al., 1992). Os estuários a- presentam uma grande diversidade fisiográfica (Fairbridge, 1980), sendo que denominações geo- gráficas como baías, lagoas costeiras e rios em seus trechos terminais também caracterizam ambientes estuarinos (Kjerfve, 1989). Grande parte da ocupação e desenvolvi- mento humano se deu a partir das margens de es- tuários, devido às condições geográficas favoráveis oferecendo águas abrigadas margeadas por exten- sas planícies costeiras, por exemplo, Rio de Janeiro, Santos, Belém, etc. Contudo, devido ao contínuo e desordenado crescimento da população humana ao seu redor, cada vez mais estes ambientes vêm so- frendo impactos advindos de diferentes tipos de atividades, tais como aterros hidráulicos, despejo de efluentes domésticos e industriais, retificação de canais com dragagens para implementação de ati-  vidades portuárias, entre outros. Os estuários constituem um importante elo na ecologia global, uma vez que é através destes ambientes que passa a maior parte da matéria ori- ginada da decomposição intempérica dos continen- tes em direção aos oceanos. Contudo, a despeito de sua importância, relativamente poucos estuários ao redor do mundo são efetivamente conhecidos ao ponto de que este conhecimento forneça bases para tomadas de decisão para o desenvolvimento susten- tável. O conhecimento sobre ambientes estuarinos ao longo do litoral brasileiro ainda é insignificante, e o objetivo deste trabalho é fornecer uma descrição sucinta sobre as características físicas do estuário do rio Itajaí-açu através da revisão de estudos reali- zados neste ambiente pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas Hidroviárias (INPH) e Instituto de Pes- quisas Tecnológicas de São Paulo (IPT) nas décadas de 70 e 80 do século passado, e mais

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Artigo sobre estuário e foraminíferos como indacadores ambientais.

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    Caracterizao Fsica do Esturio do Rio Itaja-au, SC

    Carlos A. F. Schettini Centro de Cincias Tecnolgicas da Terra e do Mar CTTMar/Universidade do Vale do Itaja UNIVALI

    Caixa Postal 360 - CEP 88302-202 Itaja, SC - [email protected]

    Recebido: 10/05/01 - reviso: 15/08/01 - aceito: 14/12/01

    RESUMO

    Este artigo apresenta uma descrio fsica do esturio do rio Itaja-au em relao aos aspectos hidrodinmicos, hidrolgicos e sedimentolgicos. Apresenta-se sucintamente resultados de estudos j realizados na regio, tanto em termos de agentes determinantes externos (fluvial, marinho e atmosfri-co), quanto de processos internos do corpo estuarino. Em termos gerais, o esturio apresenta circulao do tipo cunha salina, sendo controlado primeiramente pela descarga fluvial e, em menor grau, pelas osci-laes do nvel do mar, tanto astronmicas quanto meteorolgicas. Ondas e ventos aparentemente no desempenham papel direto como determinantes dos processos hidrodinmicos e sedimentolgicos no esturio. O esturio exporta a maior parte dos sedimentos em suspenso trazidos pelo rio, embora tam-bm haja importao de sedimentos da plataforma continental atravs das correntes de fundo. A ativi-dade antrpica associada com a dragagem vm alterando sistematicamente a partir dos anos 50 o comportamento hidrulico-sedimentolgico do baixo esturio.

    Palavras-chave: esturio; hidrodinmica; hidrologia; sedimentologia; rio Itaja-au.

    INTRODUO

    Esturios so corpos de guas restritos on-de ocorre a diluio mensurvel da gua marinha pela gua doce proveniente da drenagem continen-tal, tendo uma livre conexo com o mar aberto (Cameron & Pritchard, 1963), e com seu limite con-tinental definido como o limite dos efeitos da mar (Fairbridge, 1980). Ao longo dos esturios podem ser observadas significativas variaes dos princi-pais processos oceanogrficos atuantes e, em mui-tos casos, possvel identificar trs regies distintas: 1) alto esturio, onde no h presena de gua marinha, observando-se apenas os efeitos das mars; 2) mdio esturio, onde ocorre a interao de guas continentais e ocenicas; e 3) baixo estu-rio, com predominncia de processos ocenicos (Dionne, 1963), podendo cada regio apresentar caractersticas sedimentolgicas e geomorfolgicas distintas (Dalrymple et al., 1992). Os esturios a-presentam uma grande diversidade fisiogrfica (Fairbridge, 1980), sendo que denominaes geo-grficas como baas, lagoas costeiras e rios em seus trechos terminais tambm caracterizam ambientes estuarinos (Kjerfve, 1989).

    Grande parte da ocupao e desenvolvi-mento humano se deu a partir das margens de es-turios, devido s condies geogrficas favorveis oferecendo guas abrigadas margeadas por exten-sas plancies costeiras, por exemplo, Rio de Janeiro,

    Santos, Belm, etc. Contudo, devido ao contnuo e desordenado crescimento da populao humana ao seu redor, cada vez mais estes ambientes vm so-frendo impactos advindos de diferentes tipos de atividades, tais como aterros hidrulicos, despejo de efluentes domsticos e industriais, retificao de canais com dragagens para implementao de ati-vidades porturias, entre outros.

    Os esturios constituem um importante elo na ecologia global, uma vez que atravs destes ambientes que passa a maior parte da matria ori-ginada da decomposio intemprica dos continen-tes em direo aos oceanos. Contudo, a despeito de sua importncia, relativamente poucos esturios ao redor do mundo so efetivamente conhecidos ao ponto de que este conhecimento fornea bases para tomadas de deciso para o desenvolvimento susten-tvel. O conhecimento sobre ambientes estuarinos ao longo do litoral brasileiro ainda insignificante, e o objetivo deste trabalho fornecer uma descrio sucinta sobre as caractersticas fsicas do esturio do rio Itaja-au atravs da reviso de estudos reali-zados neste ambiente pelo Instituto Brasileiro de Pesquisas Hidrovirias (INPH) e Instituto de Pes-quisas Tecnolgicas de So Paulo (IPT) nas dcadas de 70 e 80 do sculo passado, e mais

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    recentemente pelo Centro de Cincias Tecnolgicas da Terra e do Mar (CTTMar) da Universidade do Vale do Itaja (UNIVALI).

    Os primeiros levantamentos de dados e es-tudos no esturio do rio Itaja-au, similar ao que se observa para muitos outros sistemas estuarinos, foram desenvolvidos para subsidiar a implementa-o de obras de engenharia, no caso, a instalao do porto de Itaja e a construo dos molhes, por e-xemplo, Fleming (1935). Estes estudos iniciais fo-ram, em sua maioria, realizados pelo INPH, por exemplo Vargas (1983), Dbereiner (1985 e 1986), Homsi e Novaes (1987), e pelo Instituto de Pesqui-sas Tecnolgicas de So Paulo (IPT), por exemplo, Ponano (1982 e 1987), focando principalmente aspectos do baixo esturio. A partir da criao do curso de graduao em oceanografia na UNIVALI em 1994, acompanhado de um grupo de pesquisa em cincias do mar, houve um impulso de novos estudos no esturio e em sua regio de influncia na zona costeira, por exemplo, Schettini et al. (1995, 1996, 1997 e 1998), Bellotto et al. (1996), Kuroshi-ma & Bellotto (1997), Schettini & Carvalho (1998a), Schettini & Truccolo (1999a e b), Schettini (2000a e b) entre outros.

    LOCALIZAO E CONTEXTO

    O esturio do rio Itajaa-au est localizado no litoral centro norte de Santa Catarina, aproxi-madamente 80 km ao norte de Florianpolis, desa-guando no oceano Atlntico em 26 54,7 S e 048 38,1 O (Figura 1). Este sistema apresenta grande importncia econmica regional, pois nele est localizado o porto de Itaja, sendo este a prin-cipal via de comrcio martimo do Estado, alm de diversos terminais porturios menores. Um grande nmero de industrias pesqueiras esto instaladas ao longo de ambas as margens, sendo a regio de maior desembarque pesqueiro do Brasil.

    Alm de sua importncia econmica, este sistema apresenta tambm grande importncia ecolgica para a zona costeira regional pois o mai-or sistema fluvial entre o sistema lagunar Patos-Mirim no Rio Grande do Sul, 700 km ao sul, e o rio Ribeira do Iguape em So Paulo, 300 km ao norte. O esturio recebe o aporte de uma bacia de drena-gem de 15.500 km2 (Figura 1), sendo a maior bacia da Vertente Atlntica (VA) catarinense. A bacia do rio Itaja esta entre as outras duas maiores bacias da VA: a bacia do rio Itapocu ao norte, com 2.930 km2, e a bacia do rio Tijucas ao sul, com 2.420 km2. Os trs sistemas fluviais juntos perfa-zem 60% da rea da VA, estando estas bacias limi-tadas ao norte pela Serra do Mar, e oeste e sul pela Serra Geral, estando separadas entre si por formaes rochosas menores.

    O rio Itaja-au o responsvel pela maior parte do aporte fluvial para o esturio, atribuindo-se a ele aproximadamente 90% do total. Os 10% restan-tes so atribudos ao rio Itaja-mirim, que aporta na bacia estuarina a 9 km da barra e a outros tributrios menores como o rio Luis Alves. O rio Itaja-au formado pela confluncia dos rios Itaja do Sul com o Itaja do Oeste, onde est localizada a cidade de Rio do Sul, recebendo o aporte do Itaja do Norte ou Herclio um pouco a justante (Figura 1). Estes trs tributrios apresentam mais ou menos as mesmas dimenses. Quando o rio Itaja-au recebe o aporte do Itaja-mirim, j no esturio, ele passa a ser deno-minado rio Itaja. No Vale do Itaja esto localizadas as cidade de Itaja, Blumenau, Rio do Sul, sendo que no Mdio e Baixo Vale predominam atividades in-dustriais, enquanto que no Alto Vale predominam atividades agropecurias.

    FISIOGRAFIA

    O esturio do rio Itaja-au pode ser classi-ficado como sendo de plancie costeira segundo os tipos geomorfolgicos de esturios sugeridos por Pritchard (1967), e como esturio de frente deltaica segundo a classificao fisiogrfica proposta por Fairbridge (1980). Sua morfologia atual sugere que o sistema encontra-se num estado prximo ao de equilbrio hidrulico, por exemplo, Friedrichs (1995), com o raio hidrulico oscilando em torno de um valor mdio como resposta s variaes lunares da mar e eventos hidrolgicos crticos.

    O esturio percorre uma plancie costeira com formato afunilado, iniciando na altura de Blu-menau e abrindo para o oceano. Este trecho bas-tante plano, apresentando declividade de 0,03%; para montante de Blumenau a declividade aumenta para 0,40% (Figura 2; GAPLAN, 1986), j havendo a presena de corredeiras e pequenas quedas de gua, caracterizando o limite superior do esturio.

    O esturio apresenta uma extenso aproxi-mada de 70 km, com rea de espelho de gua esti-mada em 14 km2 (Figura 3). At 20 km a montante da desembocadura o esturio apresenta seis mean-dros bem definidos, com uma orientao geral de noroeste-sudoeste. A partir de 20 km para montan-te ainda ocorrem meandros, porm no to simtri-cos quanto os observados prximos desembocadura, com orientao geral de nordeste-sudoeste at a altura de Gaspar. Deste ponto at Blumenau a orientao geral passa para leste-oeste. No trecho entre as cidades de Ilhota e Gaspar a fisiografia do esturio bastante retilnea, manten-do este padro at as proximidades de Blumenau, onde volta a ocorrer meandros, bem como as pri-meiras ilhas fluviais.

    A largura do canal relativamente unifor-me ao longo de todo o esturio, com um pequeno e

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    gradual aumento em direo desembocadura. No trecho entre Blumenau e Ilhota a largura mdia varia entre 100 e 150 metros, e nos 20 km prximos desembocadura a largura varia entre 150 e 300 metros. Somente em alguns pontos localizados o-corre o estreitamento acentuado devido presena de afloramentos rochosos. No existe um detalha-mento da batimetria, porm todo o esturio nave-gvel, sendo que inclusive o transporte por barcos foi bastante utilizado no incio do Sculo XX. A partir de observaes no metdicas, por exemplo, profundmetro de embarcao esportiva, acredita-se que na maior parte do esturio a profundi- dade esteja entre 5 e 8 metros, havendo pontos localizados com profundidade superior 10 metros. Atualmente observa-se intensa atividade de extra-o de areia a partir de 15 km a montante da de-sembocadura at Blumenau, contudo a influncia desta atividade sobre a profundidade do canal e na dinmica costeira no foi avaliada at o momento.

    Prximo desembocadura existem levanta-mentos batimtricos detalhados desde o incio do Sculo XX, dada a presena de atividade mercante em Itaja. Uma carta batimtrica datada de 1926 indica que o canal na regio prximo desemboca-dura apresentava profundidade superior a 7 metros, com mxima nos extremos dos meandros superior a 11 metros. A regio mais rasa encontrava-se na barra, com profundidade inferior a 5 metros.

    Antes das obras de retificao da Barra do Itaja-au, esta era formada por um pontal arenoso que se estendia a partir da praia de Navegantes para o sul, com o canal da barra formando mais um meandro contornando o morro do Atalaia (Figu-ra 4). Atualmente a barra est totalmente retificada por diversos enrocamentos formando espiges e molhes. As obras de retificao iniciam a aproxi-madamente 2,5 km a montante da linha de praia de Navegantes, com molhes assimtricos, com o molhe sul adentrando aproximadamente 800 metros na plataforma.

    As obras de retificao tornaram o canal de acesso ao porto de Itaja mais retilneo e seguro

    Figura 1. A bacia hidrogrfica do rio Itaja-au no contexto da linha de costa de Santa Catarina, com indicao das principais cidades costeiras e do Vale do Itaja, e localizao na Amria Latina no detalhe.

    para navegao, contudo o meandro isolado pelos enrocamentos na margem de Itaja forma hoje o Saco da Fazenda. Devido circulao de gua restri-ta a uma nica abertura com o canal do esturio, o saco constitui atualmente uma bacia de deposio de sedimentos trazidos pelo rio Itaja-au, e a pouca circulao traz tambm srios problemas ambientais.

    COMPONENTE FLUVIAL

    O monitoramento dirio da descarga lqui-da realizado no rio Itaja-au desde 1934 em al-gumas estao fluviomtricas mantidas pela Agncia Nacional de Energia Eltrica (ANEEL, an-tigo Departamento Nacional de guas e Energia Eltrica, DNAEE). A estao fluviomtrica de In-daial a mais prxima da desembocadura sem so-frer influncia da mar. Esta estao est a 90 km da desembocadura, representando uma rea de captao de 11.110 km2, ou aproximadamente 70% de toda a bacia de drenagem.

    A anlise dos dados de descarga diria de 1934 at 1998 fornecem uma descarga mdia de 228 282 m3.s-1, com mnima de 17 e mxima de

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    0200

    400

    600

    800

    1000

    0306090120150180210240270300

    0,030,400,071,090,021,06

    ItajaIlhotaGaspar

    BlumenauIndaial

    Rio do Sul

    Ascurra

    Distncia (km)

    Declividade (%)

    R. Itaja-au e do OesteR. Itaja do SulR. Itaja do Norte

    Figura 2. Perfil de declividade dos principais rios do Vale do Itaja. Os valores de declividade so para o rio Itaja-au e do Oeste (modificado de GAPLAN, 1986).

    5.390 m3.s-1, sendo que a mxima ocorreu em 1984 durante um evento de El Nio, um dos mais inten-sos j observado na regio. A descarga mdia men-sal apresenta dois picos de mxima descarga ao longo do ano, em fevereiro, 285 185 m3.s-1, e em outubro, 309 192 m3.s-1, e dois picos de mnima, em abril, 164 110 m3.s-1, e dezembro, 185 124 m3.s-1 (Figura 5; Tabela 1). Porm, notvel a alta variabilidade destes dados mdios mensais atravs do coeficiente de variao. A variabilidade bastan-te grande durante todo o ano, sendo mxima nos meses de julho e agosto, e mnima nos meses de maro e outubro.

    No obstante, a variao da descarga mdia mensal como mostrada na Figura 5 demasiada-mente sinttica, dado que o regime hidrolgico do rio Itaja-au consideravelmente varivel ao longo do tempo, tanto em termos sazonais quanto em termos inter-anuais ou at mesmo decadais. A Fi-gura 6 apresenta a evoluo temporal da descarga em termos de mdias mensais e anuais, com seus respectivos histogramas de freqncia. As mdias anuais apresentam uma distribuio bimodal, sen-do que a interface entre as modas se d aproxima-damente prximo da descarga mdia geral (230 m3.s-1). Esta distino de modas est possi-velmente associada com a instabilidade climtica que se observa em Santa Catarina decorrente de fenmenos de escala global como a Oscilao Sul El Nio.

    Durante os anos de ocorrncia do El Nio observa-se o aumento da pluviosidade nos Estados do sul e sudeste do Brasil, acompanhado de secas no nordeste. Durante os anos ditos normais, sem influncia do El Nio, a pluviosidade no sul com-parativamente menor, e maior no nordeste do pas

    (Gan, 1992). Tal variabilidade climtica como regu-lador do regime hidrolgico obviamente influencia o regime de descarga fluvial, acarretando na varia-bilidade inter-anual observada. Adicionalmente, a intensidade do fenmeno El Nio varia a cada ocor-rncia, e a concentrao de precipitao atmosfrica no ocorre necessariamente sempre sobre as mes-mas regies, como apontado por Martin et al. (1992).

    A distribuio de freqncia das mdias mensais (Figura 6) apresenta uma distribuio u-nimodal, com forte assimetria negativa. Isto reflete a descarga do rio: relativamente baixa durante a maior parte do tempo, inferior ao valor mdio, com ocorrncia de pulsos espordicos em funo da precipitao na bacia hidrogrfica. Os perodos de baixa descarga entre pulsos de alta descarga duram em mdia 11 dias, porm podem ocorrer perodos de baixa descarga com mais de 120 dias de durao (Schettini & Carvalho, 1998a).

    INTERAO ESTURIO-OCEANO

    A influncia marinha sobre o esturio do rio Itaja-au se d basicamente em funo das ca-ractersticas das massas de gua que ocorrem no litoral centro norte de Santa Catarina, e pelas osci-

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    laes do nvel do mar causadas por efeitos astro-nmicos e meteorolgicos. A ao direta de ondas de gravidade no desempenha um papel importante atualmente, visto que a barra do esturio encontra-se totalmente retificada, e o corpo estuarino apre-senta-se demasiadamente sinuoso, no havendo pista para formao de ondas de altura suficiente para desempenhar um papel importante na dinmi-ca sedimentar da bacia estuarina. Os processos que ocorrem no esturio e na bacia de drenagem, por sua vez, influenciam a circulao costeira sobre a plataforma continental adjacente atravs da disper-so da pluma fluvial.

    Massas de gua

    O tipo de gua na plataforma interna adja-cente a foz pode variar em resposta a forantes ocea-nogrficas locais, por exemplo, descarga fluvial, e remotas, por exemplo, circulao atmosfrica. As massas de gua predominantes na regio so: 1) gua Costeira - AC; 2) gua Tropical - AT; 3) gua Central do Atlntico Sul - ACAS, e ocasionalmente tambm possvel a presena de gua da 4) Conver-gncia Subtropical - CS. A AC apresenta temperatura varivel em funo da poca do ano, com salinidade normalmente inferior a 34, e em perodos de mai-or descarga fluvial, inferior a 30; a gua Tropical originria da Corrente do Brasil, apresentando tem-peratura superior a 22C e salinidade superior a 35; A gua Central do Atlntico Sul apresenta temperatura inferior a 20C e salinidade superior a 35 (Castro Fo, 1990; Carvalho & Schettini, 1996; Castro Fo e Miranda, 1998; Carvalho et al., 1998). A ACAS ocorre nas camadas inferiores, ressurgindo esporadicamente em funo de forantes meteorol-gicos associadas com ventos do quadrante norte. A ACAS chega a aflorar na superfcie entre a Ilha de Santa Catarina e o Cabo de Santa Marta, porm o mesmo no chega a ocorrer na regio de Itaja, fi-cando sua presena restrita nas camadas de fundo abaixo de 10 m (Schettini et al., 1998).

    A mistura da AT com gua proveniente da drenagem continental forma a AC, e caracteristica-mente apresenta maiores valores de turbidez, con-centrao de nutrientes inorgnicos dissolvidos e clorofila-a (Schettini et al., 1998). Em funo da grande variabilidade do regime hidrolgico do rio Itaja-au, o mesmo ocorre com as massas de gua costeira formadas, as quais apresentam gradual aumento de salinidade e diminuio da turbidez com aumento da sua idade de formao. A ocorrn-

    Figura 3. O esturio do rio Itaja-au, e suas sub-divises em baixo, mdio e alto esturio, segundo o esquema proposto por Dionne (1963).

    cia de massas de gua costeira de diferentes idades so muitas vezes observadas pela presena de fron-tes marcadas por linhas de detritos. Observaes horrias de salinidade e temperatura na Enseada da Armao do Itapocoroy, 20 km ao norte da desem-bocadura do esturio, mostraram drsticas mudan-as decorrentes da passagem de uma fronte (Schettini et al., 1999).

    Mar astronmica

    O regime de mar astronmica regional caracterizado como de micromars misto com pre-dominncia semi-diurna. O nmero de forma, obti-do pela razo da soma dos principais constituintes

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    Figura 4. Situao da Barra de Itaja em 1896, antes de qualquer retificao, e em 1982 (modificado de Vargas, 1983).

    semi-diurnos pela soma dos principais constituin-tes diurnos [(M2 + S2)/(O1 + K1)] (Pugh, 1987), em torno de 0,4 (Schettini et al., 1996). A altura mdia de mar na desembocadura do esturio de 0,8 m, com mnimas de 0,3 m durante os perodos de qua-dratura e 1,2 m durante os perodos de sizgia (S-chettini et al., 1998).

    O regime de mar astronmica local bas-tante influenciado por constituintes harmnicos de gua rasa, possivelmente devido complexidade da linha de costa e extenso da plataforma continental. A Diretoria de Hidrografia e Navegao (DHN) fornece 32 consituintes harmnicos para a estao maregrfica do porto de Itaja. Destes, 18 so cons-tituintes astronmicos puros, enquanto que os de-mais so constituintes de guas rasas gerados pela deformao da onda de mar medida que esta avana sobre a plataforma continental e adentra no esturio (Franco, 1981; Pugh, 1987). O somatrio total das amplitudes dos constituintes 147,7 cm, sendo que 101,2 cm, ou 68%, so devido aos consti-tuintes harmnicos puros.

    Os efeitos de gua rasa na mar local so evidenciados pela importncia dos constituintes de espcie quarti-diurna, com os constituintes MK4 e SK4 apresentando equivalncia de amplitude com o constituinte principal diurno lunar O1, da ordem de 10 cm. A importncia dos constituintes quarti-diur- nos resulta em um padro complexo da variao do nvel do mar, principalmente durante os perodos de quadratura, quando observa-se quatro preama-

    res ao longo de um dia. A distribuio de freqncia de nveis extremos em relao ao nvel mdio (Figu-ra 7), evidencia a complexidade do regime de mar, onde ocorre um padro bi-modal bastante evidente para os extremos de preamar.

    Mars meteorolgicas

    A variao do nvel do mar decorrente da mar astronmica influenciado sobremaneira por forantes meteorolgicos locais e remotos. Presso atmosfrica e tenso de cisalhamento do vento so os principais agentes, sendo que o ltimo conside-ravelmente mais importante. De modo geral, em observaes de longo perodo a componente meteo-rolgica da oscilao do nvel da gua conta com 30% da energia total. Em termos conceituais, com a ao de ventos do quadrante norte ocorre a diminu-io do nvel, ao passo que com a ao de ventos do quadrante sul ocorre o aumento do nvel. Sob con-dies extremas, como observado algumas vezes durante passagens de frentes frias, a sobre-elevao do nvel da gua por efeitos atmosfricos pode ser da ordem de 1 m em relao ao nvel da mar astro-nmica (Truccolo et al., 1996; Truccolo, 1998).

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    Figura 5. Descarga mdia mensal e desvio padro do rio Itaja-au na estao limnimtrica de Indaial, baseado em dados dirios de 1934 at 1999.

    Progresso de oscilaes do nvel do mar no esturio

    At a altura da desembocadura do rio Ita-ja-mirim, a 8 km da barra, a propagao da onda de mar apresenta um comportamento sncrono, onde os efeitos de diminuio da rea da seo transversal do esturio so contrabalanceados com os efeitos friccionais (Nichols & Biggs, 1985), con-servando assim a energia e altura da onda de mar, porm com atraso de fase em relao barra. Neste ponto, a onda de mar apresenta um atraso de fase da ordem de 10 ou 20 minutos, com velocidade de propagao da ordem de 9,5 m.s-1 (Schettini et al., 1997; Stein & Schettini, 1997).

    Anlise de registros limnimtricos indicam que a onda de mar se propaga at Blumenau, dis-tante aproximadamente 70 km da barra do esturio, apresentando ali oscilaes da ordem de 15 cm du-rante perodos de sizgia. A oscilao da mar em Blumenau varia em funo da descarga fluvial, sendo atenuada at seu desaparecimento em perodos de alta descarga (Schettini & Stein, em preparao). Oscilaes do nvel do mar causadas por eventos meteorolgicos tambm propagam-se esturio aden-tro, provocando alteraes na hidrodinmica em escala de tempo supra-mareal (Truccolo et al., 2000).

    Ondas

    Ondulaes geradas no localmente prati-camente no interferem sobre a dinmica estuarina, uma vez que a barra totalmente retificada e estreita atua como um filtro para altas freqncias. Contu-

    Tabela 1. Descarga fluvial mdia mensal do rio Itaja-au para a estao linimtrica de Indaial, com respectivo desvio padro e razo desvio padro: mdia.

    Ms Mdia e desvio padro (m3.s-1)

    Desvio padro/mdia

    Janeiro 231 163 0,71

    Fevereiro 285 185 0,65

    Maro 233 138 0,59

    Abril 164 110 0,67

    Maio 175 147 0,84

    Junho 217 191 0,88

    Julho 245 322 1,31

    Agosto 251 239 0,96

    Setembro 276 176 0,64

    Outubro 309 192 0,52

    Novembro 229 168 0,73

    Dezembro 185 124 0,67

    do, ondas de tempestades certamente desempe-nham um papel importante na dinmica dos bancos de areia ao largo da barra.

    Devido fisiografia sinuosa do esturio, h trechos alinhados com os ventos predominantes na regio formando pistas, ainda que limitadas, para formao de ondas de alta freqncia. Em condi-es crticas, tais ondas podem alcanar at 0,5 m de altura medidas por observao visual, e quando ocorrem no sentido oposto ao escoamento, podem inclusive colapsar. Possivelmente este processo desempenha um papel nos processos de mistura vertical, contudo isto ainda no foi investigado.

    Pluma fluvial

    A pluma fluvial do rio Itaja-au uma fei-o oceanogrfica proeminente na linha de costa regional (Figura 8). A pluma um fenmeno ef-mero, resultado dos pulsos de descarga fluvial, ten-do sua dimenso e evoluo controladas pelo regime hidrolgico do rio. Schettini et al. (1998), avaliaram preliminarmente os processos oceano-grficos e ecolgicos da pluma durante um perodo de alta descarga fluvial. Nesse estudo foi observado que a pluma se desenvolve prontamente logo aps a massa de gua estuarina deixar de ter as constries laterais do esturio. Durante sua evoluo ocorrem a rpida diminuio da concentrao de slidos em suspenso e nutrientes inorgnicos dissolvidos, com o rpido incremento de clorofila-a, flora e fau-na de organismos planctnicos.

  • Caracterizao Fsica do Esturio do Rio Itaja-au, SC

    130

    Tabela 2. Constituintes harmnicos (C.H.) com respectiva amplitude (a) e fase para a estao maregrfica do porto de Itaja, fornecidos pela Diretoria de Hidrografia e Navegao. Os C.H. em negrito so os ditos astronmicos, e os demais, de guas rasas (Franco, 1981).

    Espcie C.H. a (cm) Fase () Espcie C.H. A (cm) Fase ()

    AS 4,2 55,5 L2 1,7 75,3 Longo SSA 5,2 91,7 2N2 1,4 131,7

    Perodo MM 1,9 44,8 Semi MU2 1,5 117,0 MF 6,1 170,4 Diurnas KJ2 1,0 224,5 MSF 4,3 276,4 MSN2 0,7 237,4 K1 6,1 137,1 OQ2 0,9 98,9 O1 10,4 77,0 M3 4,2 175,6 P1 2,1 126,9 MK3 1,6 75,7

    Diurnas Q1 3,2 52,7 Terci MO3 2,8 335,9 RO1 0,8 83,0 Diurnas SK3 2,1 224,0 2Q1 0,7 351,1 SO3 1,4 276,4 S1 1,3 118,2 M4 5,7 116,4 M2 23,2 68,8 MS4 3,9 205,4

    Semi S2 15,7 66,4 Quarti MN4 2,4 67,1 Diurnas N2 4,3 145,5 Diurnas MK4 11,0 205,2

    K2 5,2 60,1 SK4 10,7 227,3

    Figura 6. Descarga mdia anual e mensal a partir de dados dirios de 1934 at 1998, com seus respectivos histogramas de freqncia.

  • RBRH - Revista Brasileira de Recursos Hdricos Volume 7 n.1 Jan/Mar 2002, 123-142

    131

    Figura 7. Distribuio de freqncia de valores extremos de mar astronmica no esturio do rio Itaja-au prximo para a estao maregrfica do porto de Itaja. A linha em negrito representa os dados do histograma filtrados.

    A pluma fluvial restrita aos primeiros me-tros de coluna de gua, porm devido ao arrasto causado pela frico interfacial da pluma com a gua costeira, sua influncia estende-se a toda coluna de gua. A gua costeira subjacente pluma deslocada para fora junto com ela, e por continuidade de mas-sa, forma-se uma contra-corrente nas camadas mais profundas. Esta contra-corrente pode induzir a res-surgncia localizada de ACAS, caso esta esteja pre-sente nas camadas de fundo. Este complexo padro de circulao parece manter um corpo de turbidez prximo ao fundo em frente ao esturio (Schettini et al., 1998), e possivelmente parte do material deste corpo de turbidez carreado de volta para o esturio (Schettini & Carvalho, 1998).

    A evoluo da pluma sobre a plataforma continental ocorre invariavelmente para norte-nordeste, podendo influenciar a qualidade da gua da Enseada da Armao do Itapocoroy, 20 km ao norte. Nesta enseada h intensa atividade de cultivo de moluscos marinhos, e possivelmente este meca-nismo seja um dos responsveis pelo sucesso desta atividade naquele local (Schettini et al., 1999).

    INFLUNCIA ATMOSFRICA

    A influncia atmosfrica sobre o esturio do rio Itaja-au se d principalmente por meios indire-tos: pela atuao dos ventos sobre o oceano gerando anomalias do nvel do mar, como j comentado ante-riormente, ou pelo balano hidrolgico sobre a bacia

    Figura 8. Imagem de satlite TM-Landsat (agosto de 1994), tratada e em negativo, mostrando a pluma fluvial do rio Itaja-au evoluindo por sobre a plataforma continental.

    de drenagem controlando o aporte fluvial. Tanto a ao direta dos ventos quanto o balano entre preci-pitao e evaporao atravs do espelho de gua do esturio so praticamente desprezveis para a hidro-logia e hidrodinmica do sistema.

    Clima

    O clima local classificado como mesotr-mico mido sem dficit hdrico durante o ano. A temperatura mdia anual 21,8C, com precipita-o mdia anual de 1.416 mm, e evapotranspirao mdia anual de 1.080 mm, resultando em um supe-rvit hdrico mdio de 336 mm (GAPLAN, 1986). Similar ao discorrido sobre a influncia fluvial, este quadro apresenta-se bastante varivel ao longo do ano, bem como ao longo dos anos devido influn-cia de fenmenos de escala planetria, por exemplo, El Nio, sobre o regime climtico local.

    Regime de ventos

    Os ventos de nordeste predominam durante todo o ano, com aumento de importncia dos ven-tos provenientes do quadrante sul durante o inver-no e primavera em funo do aumento da freqncia e intensidade de frentes frias que pas-sam por Santa Catarina (Truccolo, 1998). Na zona costeira em frente ao vale o fenmeno de brisa ma-rinha observado com bastante freqncia. Anlise espectral dos dados de vento indicam uma forte componente com perodo de 24 horas, e um sinal

  • Caracterizao Fsica do Esturio do Rio Itaja-au, SC

    132

    similar tambm foi observado para temperatura da gua na Armao do Itapocoroy. Estes resultados indicam que a brisa marinha local desempenha um papel no desprezvel na hidrodinmica das massas de gua sobre a plataforma interna adjacente bar-ra do esturio (Schettini et al., 1999).

    A Figura 9 mostra a distribuio polar do vento para a estao meteorolgica do aeroporto de Navegantes no ano de 1996. Observa-se concentra-es de freqncia de ventos mais intensos da or-dem de 7,5 m.s-1 provenientes de nordeste e leste e de sul e sudeste. Contudo predominam em termos de freqncia ventos fracos de menos de 2,5 m.s-1 com os mesmos sentidos dos ventos mais intensos, e tambm de ventos provenientes de oeste, indi-cando o regime de brisa marinha.

    HIDRODINMICA ESTUARINA

    Intruso da cunha salina

    Os primeiros estudos sobre a hidrodinmi-ca do esturio foram realizadas pelo Instituto Na-cional de Pesquisas Hidrovirias (INPH). Estes estudos demonstraram que a penetrao de gua salgada para o interior da bacia estuarina varia ao longo do tempo de acordo com a variao do regime de descarga fluvial. Em condies de descarga em torno de 300 m3.s-1, a penetrao de gua marinha alcana aproximadamente 18 km a montante da barra. Com o aumento da descarga para valores superiores a 1.000 m3.s-1, a gua salgada total-mente expulsa da bacia estuarina (Dbereiner, 1985). Atravs do monitoramento semanal da dis-tribuio da salinidade ao longo do esturio, Schet-tini e Truccolo (1999a), com 48 campanhas amostrais ao longo do esturio, modelaram empiri-camente a extenso da intruso salina EC [km] em funo da descarga fluvial, Q [m3.s-1] por:

    EC = -1,72 + 32,69 e(-0,00217 Q) (1)

    com um coeficiente de explicao r2 = 0,70 (Figu-ra 10). A boa concordncia da resposta da extenso da cunha salina em funo da descarga fluvial evi-dencia a importncia do papel da ltima como prin-cipal controlador da hidrodinmica estuarina.

    Classificao

    Durante condies de descarga fluvial in-termedirias, em torno de 500 m3.s-1, ou abaixo dis-

    Figura 9. Distribuio polar do vento para a estao meteorolgica do aeroporto de Navegantes no ano de 1996. Notao meteorolgica, no vetorial.

    0 200 400 600 800 1000 1200 14000

    5

    10

    15

    20

    25

    30

    35y = -1.72 + 32.69 exp (-2.17e- 3* x)r2 = 0.70

    Descarga Fluvial (m .s )3 -1

    Figura 10. Relao entre a descarga fluvial do rio Itaja-au e a extenso da cunha salina (segundo Schettini & Truccolo, 1999a).

    so, o esturio apresenta uma evidente cunha salina (Figura 11). Nestas condies o esturio como do tipo cunha salina de acordo com os padres de dis-tribuio de sal descritos por Pritchard (1955), sen-do esta corroborada com a classificao de Hansen & Rattray (1966) (Figura 12). A classificao de Pritchard baseia-se na distribuio de sal no estu-

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    -20 -18 -16 -14 -12 -10 -8 -6 -4 -2-12

    -8

    -4

    0

    150

    10050 25

    25200

    25 2550

    100

    50100250

    150

    -20 -18 -16 -14 -12 -10 -8 -6 -4 -2-12

    -8

    -4

    0

    25 10

    2030

    Distncia montante da barra (km)

    A

    B

    Figura 11. Exemplo de perfis verticais/longitudinais ao longo do esturio do rio Itaja-au de salinidade (, A), e concentrao de sedimentos em suspenso (mg.l-1, B). Este perfil foi realizado no dia 5 de maro de 1999, com descarga fluvial de 233 m3.s-1.

    rio, e a classificao de Hansen & Rattray baseia-se em parmetros de circulao (abscissa) e estratifi-cao (ordenada). O parmetro de circulao ob-tido pela razo da velocidade devido descarga fluvial pela velocidade residual total prximo da superfcie. O parmetro de estratificao obtido pela razo da diferena entre a salinidade de fundo e de superfcie pela salinidade mdia da coluna de gua, todos os valores sendo promediados para ciclos completos de mar.

    Os dados utilizados para classificar o estu-rio segundo Hansen & Rattrray (1966), foram obti-dos em trs campanhas distintas (novembro de 1994, sizgia; junho de 1995, sizgia e quadratura), abrangendo dois ciclos de mar (25 horas), e em duas estaes sinpticas: uma prximo desembo-cadura e a outra 12 km para montante. Informaes de velocidade e direo de corrente foram obtidos com o fundeio de correntgrafos, e dados de salini-dade foram obtidos com perfis verticais a cada hora (Schettini & Carvalho, 1998b). As seis condies amostradas ficaram agrupadas no canto esquerdo superior do diagrama (Figura 12), na zona de tran-sio entre altamente estratificado e cunha salina. Pouca diferena observada entre a estao prxi-mo da desembocadura (baixo esturio), com a esta-o a montante (mdio esturio), sugerindo o

    predomnio de processos advectivos na hidrodin-mica estuarina (Schettini et al., 1996).

    A condio estratificada se deve principal-mente ao fato de que este sistema apresenta um nmero de Froude barotpico reduzido, 0,1, dado pela razo da amplitude de mar pela profundidade mdia. Em termos de escala, isto indica que o papel da frico das paredes e do fundo da bacia estuarina na propagao da onda de mar secundrio, sa-bendo-se que este o principal mecanismo gerador de macro-turbulncia atuante na quebra da halocli-na e promovedor da mistura vertical (Dyer, 1990). A pouca frico lateral e a uniformidade do canal do esturio tambm explicam o comportamento sn-crono da propagao da mar, e o fato desta alcan-ar a altura de Blumenau.

    Modos de transporte de sal

    Os modos de transporte sal foram calcula-dos segundo a decomposio proposta por Kjerfve

  • Caracterizao Fsica do Esturio do Rio Itaja-au, SC

    134

    (1986), e os resultados apresentados preliminar-mente por Schettini et al. (1997). Considerando que o fluxo total de sal F por unidade de seo [kg.m-1.s-1] de profundidade p obtido por:

    =p

    0dzSuF (2)

    onde u a componente longitudinal da velocidade (positiva para montante e negativa para jusante), S a salinidade, e z a coluna de gua. Tanto a velo-cidade quanto a salinidade podem ser expressas como variaes espaciais e temporais de um valor mdio como:

    'SSSS

    'uuuu

    +> so promediados para ciclos completos de mar, e o apstrofo denota o desvio em relao mdia vertical, e substituindo na E-quao (2) e integrando no tempo, F pode ser ex-presso por:

    >< uSpF (4)

    e o lado direito da Equao (2) pode ser reescrito como:

    >>>>

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    Tabela 3. Resultado da decomposio do transporte de sal, segundo Kjerfve (1986). A Estao #1 prximo desembocadura e a Estao #2 12 km a montante. F o fluxo total obtido pela Equao (4), e os demais so os termos do lado esquerdo da Equao (5). Todos os valores em kg.m-1.s-1.

    Estao F 1o 2o 3o 4o 5o 6o

    # 1 6,83 0,66 0,01 0,04 0,00 2,43 3,69 # 2 6,22 0,84 0,01 0,16 0,00 -0,54 5,75

    Figura 13. Campo de velocidade de corrente longitudinal (em cima) e de salinidade (em baixo) ao longo do tempo prximo da barra do esturio.

    rentes mximas observadas durante sizgia e qua-dratura so da ordem de 0,9 e 0,4 m.s-1, respecti-vamente. Sob condies de descarga fluvial elevada, a velocidade de corrente controlada diretamente pela vazo, podendo atingir valores superiores a 2 m.s-1.

    Reverses de correntes na coluna de gua so observadas somente nos perodos prximos da preamar e da baixamar. Durante estes perodos podem ocorrer gradientes verticais da ordem de 0,6 m.s-1 em condies de sizgia, por exemplo, 0,3 m.s-1 para jusante na superfcie e 0,3 m.s-1 para montante a um metro acima do fundo.

    Em termos de distribuio vertical e longi-tudinal de sal, as variaes intramareais mais signifi-cativas esto associadas com a intruso advectiva da gua costeira, considerando a salinidade de 30 como limite entre gua de mistura interna e gua costeira. Em condies de mar mdia, por exemplo,

    0,8 m, a intruso de gua costeira no esturio pode variar em 8 km entre a baixamar e a preamar. Por outro lado, considerando tambm a gua de mistura interna, e a salinidade de 2 como limite de separa-o da gua fluvial, a variao da extremidade da cunha de apenas 1 km entre baixamar e preamar (Figura 15; Schettini & Truccolo, 1999b).

    Circulao secundria

    Devido relativa pouca largura do esturio associado com uma profundidade considervel, as

  • Caracterizao Fsica do Esturio do Rio Itaja-au, SC

    136

    Figura 14. Campo de velocidade de corrente longitudinal (em cima) e de salinidade (em baixo) ao longo do tempo a 12 km a montante da barra do esturio.

    Figura 15. Variao intramareal da distribuio longitudinal/vertical de salinidade, no dia 22 de janeiro de 1999, sob condio de mar mdia ~0,8 m. As linhas finas representam isolinhas de salinidade 2, e as linhas em negrito representam isolinhas de salinidade 30 ao longo de um ciclo de mar (modificado de Schettini & Truccolo, 1999b).

  • RBRH - Revista Brasileira de Recursos Hdricos Volume 7 n.1 Jan/Mar 2002, 123-142

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    condies hidrodinmicas podem ser aproximadas de uma situao lateralmente homognea. Porm, a presena de meandros produz uma variabilidade lateral dos regimes de escoamento, induzindo uma componente transversal significativa nas extremi-dades destes.

    A Figura 16 apresenta a distribuio residu-al para um ciclo de mar de correntes e salinidade, adquiridos em trs estao atravs de uma seo localizada na curva do primeiro meandro do estu-rio a partir da desembocadura. Observa-se uma intensificao das correntes de superfcie para a margem de Itaja, enquanto que prximo ao fundo a corrente residual apresenta sentido para montante para o lado da margem de Navegantes, com reflexos sobre a distribuio de salinidade. Certamente a presena dos meandros deve desempenhar um pa-pel no processo de mistura de guas.

    ASPECTOS SEDIMENTOLGICOS

    Sedimentos de fundo

    Estudos iniciais sobre os processos sedi-mentolgicos no esturio do rio Itaja-au foram realizados por Ponano (1982 e 1987), avaliando a distribuio faciolgica dos sedimentos de fundo na regio de interesse do porto de Itaja. Este autor verificou que a faciologia do sistema varia em fun-o do tempo, respondendo ao regime de descarga fluvial do rio Itaja-au. Durante os perodos de descargas mais baixas os sedimentos de fundo do esturio so dominados por siltes e argilas, ao passo que durante perodos de descargas mais elevadas (por exemplo 700 m3.s-1) aumenta o teor de areia nos sedimentos de fundo decorrente do transporte fluvial. Durante perodos de baixa descarga obser-va-se tambm um aumento de areia fina de origem marinha, denotando um transporte deste material pelas correntes de fundo do esturio (Dbereiner, 1986). Embora varivel espacial e temporalmente, os sedimentos na bacia estuarina at 7 quilmetros a montante da barra so dominados pela frao argila (Figura 17), subtendendo-se a dominncia de processos de sedimentos coesivos de transporte, sedimentao, consolidao e eroso dos sedimen-tos estuarinos.

    Descarga slida em suspenso

    A principal fonte de sedimentos para o es-turio do rio Itaja-au a drenagem continental atravs da descarga slida por suspenso de sedi-mentos finos e trao e saltao de sedimentos are-nosos. Apesar da intensa atividade de extrao de areia ao longo do esturio, ainda no h estudos para quantificar o aporte de sedimentos arenosos,

    bem como seu transporte atravs do esturio para a zona costeira. Contudo, considerando a continuida-de da atividade, o aporte deve ser considervel. possvel que a contnua extrao de areia durante as ltimas dcadas esteja afetando o balano sedimen-tar ao longo da costa, sendo que atualmente obser-va-se regies onde est havendo problemas com eroso, como por exemplo, a praia do Gravat.

    A descarga slida por suspenso no rio Ita-ja-au vem sendo monitorada diariamente na esta-o fluviomtrica de Indaial desde novembro de 1998. A concentrao de sedimentos em suspenso observada varia em funo das condies de des-carga fluvial, podendo ser to baixa quanto 7 mg.l-1 durante perodos prolongados de baixa descarga, ou superiore a 500 mg.l-1 durante extremos de descar-ga, por exemplo 1000 m3.s-1. A Figura 18 apresenta a curva de descarga slida em suspenso, DSS [ton.dia-1], para o rio Itaja-au na estao flu-viomtrica de Indaial, onde esta responde linear-mente descarga, Q [m3.s-1] lquida atravs de:

    DSS = -5137 + 28,8 Q (6)

    com n = 380 e coeficiente de explicao r2 = 0,77.

    Eventos de alta descarga fluvial so respon-sveis pela maior parte da descarga slida por sus-penso. Durante o perodo de novembro de 1998 at novembro de 1999, a descarga slida por sus-penso total foi de 760.000 toneladas de sedimen-tos finos. Durante este perodo ocorreram somente trs eventos hidrolgicos extremos, resultan- do em um total de 9 dias, ou 2,5% do tempo, com descarga superior a 1000 m3.s-1. A descarga slida por suspenso nestes dias totalizou 312.000 tonela-das, representando 41% do total de sedimentos finos carreados pelo rio.

    Balano e distribuio de sedimentos em suspenso

    Durante perodos prolongados de baixa descarga fluvial, por exemplo, mais de 60 dias, o transporte de sedimento pelas correntes de fundo do esturio para montante pode exceder a D.S.S., resultando em importao residual de sedimentos da plataforma interna (Schettini & Carvalho, 1998).

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    138

    Figura 16. Distribuio lateral da velocidade de corrente longitudinal (positivo: entrando, negativo: saindo) e salinidade em um extremo de meandro do esturio do rio Itaja-au. Dados promediados para um ciclo de mar.

    Esturios do tipo cunha salina, como o ca-so do sistema em questo, so predominantemente exportadores de sedimentos para a plataforma con-tinental adjacente (Shubel & Carter, 1984; Dyer, 1986 e 1995). Em funo da condio altamente estratificada e dominncia dos processos advectivos de transporte com pouca mistura da gua doce com a gua marinha, a maior parte dos sedimentos que aportam pelo alto esturio passam pelo esturio sendo diretamente exportados para a plataforma adjacente. Isto pode ser observado pela distri- buio de sedimentos em suspenso no esturio, onde as isolinhas de concentrao tendem a acom-panhar a distribuio de salinidade ao longo do esturio. Em termos mdios, 70% da D.S.S. expor-tada diretamente para a plataforma interna. Entre-tanto, a taxa de reteno de sedimentos varia significativamente em funo da descarga, variando inversamente com esta. Nos perodos em que a descarga excede 1000 m3.s-1, e a cunha salina completamente expulsa da bacia estuarina, a retne-o nula, ao passo que durante perodos de baixa descarga, a reteno pode chegar prximo de 100% (Schettini, 2000b).

    Os sedimentos em suspenso que aportam no esturio a partir da descarga fluvial so na sua maior parte argilosos, apresentando carga eltri-ca

    negativa e ocorrendo na forma de flocos e agrega-dos de material inorgnico e matria orgnica. Em funo da maior ou menor mistura de massas de gua, da concentrao de sedimentos e de matria orgnica, alm de outros fatores, complexos proces-sos de floculco e defloculao podem ocorrer (Kranck, 1984; Eisma, 1986). Embora tais proces-sos ocorram no esturio, acredita-se que estes desempenhem um papel menor na dinmica de sedimentos em suspenso, e a adveco fluvial seja o principal responsvel pelo balano de material no esturio (Schettini, 2001). Em mais de sessenta levantamentos de distribuio de sedimentos em suspenso no esturio, desde a desembocadura at pouco mais da montante do limite de intruso sali-na, poucas vezes observou-se uma ntida zona de turbidez mxima. A ausncia da zona de turbidez mxima no esturio um fato que corrobora com a hiptese da dominncia da adveco no transporte de sedimentos em suspenso.

    Dragagens no esturio

    H registros de dragagens no rio Itaja-au desde 1895. No entanto, estas se tornaram mais freqentes e significativas aps os anos 60 com o incremento do comrcio martimo, estando restri-tas

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    139

    Argila

    Areia Silte

    Figura 17. Diagrama de Shepard com a classificao de amostras de sedimento de fundo do esturio do rio Itaja-au ao longo do canal at 7 km a montante da barra. Os diferentes sinais representam diferentes campanhas de coleta.

    principalmente no baixo esturio na regio de inte-resse do porto de Itaja. Em 1978 foi realizada a primeira dragagem de aprofundamento do canal de acesso ao porto, com a cota de -6,5 m, sendo esta posteriormente reduzida para -8,0 em 1983, e para -9,5 em 1996 (Carvalho, 1996). Com o aumento da profundidade e alterao da rea da seo transver-sal, o volume de material dragado para manuteno da profundidade desejada aumentou de 50.000 m3 nos anos 70, 250.000 m3 nos anos 80, para 840.000 m3 nos anos 90, representando um au-mento exponencial do volume dragado em funo da diminuio da cota operacional. Atualmente a cota do canal de acesso mantida em -11,0 m, e h inteno das autoridades porturias para aprofun-dar ainda mais.

    As dragagens de aprofundamento e manu-teno at 1998 foram realizadas com dragas de cisternas, transportando o material para zonas de despejo na plataforma interna. Desde 1998 a draga-gem de manuteno da bacia de evoluo e do canal de acesso ao porto de Itaja vem sendo realizada por uma draga que utiliza um sistema de injeo de gua. Este sistema funciona pelo princpio de que quando se fluidiliza o sedimento fino que constitui o fundo pela injeo de gua, este diminui sua den-sidade pelo ganho de volume e adquire energia potencial pela elevao em relao ao seu estado inicial. A energia potencial, por sua vez, converte-se em energia cintica criando uma corrente de gravi-dade, levando o material para regies mais

    Figura 18. Relao entre a descarga slida em suspenso (D.S.S., ton.dia-1) com a descarga lquida (m3.s-1) do rio Itaja-au na estao limnimtrica de Indaial.

    baixas. Em termos prticos, esta tcnica vem fun-cionando adequadamente, porm observa-se que quando utilizada durante perodos de baixa des-carga fluvial uma frao do material remobilizado tranportado para montante, possivelmente devido ao incorporamento deste material na corrente de fundo para montante (Schettini, 2000a).

    CONSIDERAES FINAIS

    O esturio do rio Itaja-au, em funo de sua importncia econmica e de suas caracterscias fisiogrficas simples, o que facilita as questes lo-gsticas relacionadas ao levantamento de dados primrios, talvez seja um dos esturios mais bem compreendidos no Brasil no que diz respeito sua hidrodinmica e dinmica de sedimentos finos (ou-tro seria a lagoa dos Patos). Contudo, mesmo assim existem inmeras questes ainda a serem avaliadas, sendo algumas de interesse mais econmico e ou-tras mais de cunho cientfico.

    As dragagens na regio de interesse do por-to de Itaja talvez representem os aspecto mais im-portante economicamente, uma vez que atravs deste que ocorre o escoamento de grande parte dos bens produzidos no Vale do Itaja e regies vizi-nhas. As dragagens so uma necessidade constante para manuteno de profundidades compatveis com os navios que trafegam no esturio. Acredita-se que o processo de assoreamento contnuo do baixo esturio esteja diretamente associado com o

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    aporte de sedimentos em suspenso do rio. Contudo, alguns resultados apresentados neste artigo apontam para um cenrio mais complexo, onde as correntes de fundo para montante desempenham um papel importante no carreamento de sedimentos finos da plataforma interna para o interior do esturio. Este sedimento possivelmente foi exportado pelo estuario para a plataforma, e por algum processo fica retido na plataforma (por exemplo, Schettini et al., 1998), permitindo que uma parte retorne. Talvez este pro-cesso seja mais importante no assoreamento do que a sedimentao direta da suspenso que chega atra-vs do rio (Schettini, 2001).

    A influncia do rio Itaja-au na regio cos-teira bastante expressiva, porm somente alguns poucos estudos avaliando isto j foram realizados, sendo que principalmente em carater descritivo (por exemplo, Schettini et al., 1998). Alm das implica-es da dinmica de sedimentos na plataforma, co-mo descrito acima, tambm h a questo do desenvolvimento da maricultura regional. Ao norte da sua desembocadura est localizada a Enseada da Armao do Itapocoroy, onde a atividade de maricul-tura vem se desenvolvendo expressivamente desde o incio dos anos noventa do sculo passado. A susten-tabilidade desta atividade est diretamente ligada qualidade da gua costeira, tanto no que diz respeito ao fornecimento de alimento para os organismos quanto na ausncia de contaminantes. possvel que balano e exportao de sedimentos e nutrientes do esturio do rio Itaja-au esteja diretamente associa-do ao sucesso desta atividade naquele local (Schettini et al., 1999), contudo estudos adicionais devem ser levados a cabo para uma melhor compreenso dos processos envolvidos. Tais estudos devero possibili-tar um equacionamento ideal da quantidade de or-ganismos que possa ser produzida, garantindo assim a sustentabilidade da atividade.

    Alm destas questes de carater prtico, h tambm diversas outras questes de carter mais acadmico, como por exemplo, explicar de maneira objetiva a ausncia de uma zona de turbidez mxima, ou ainda, o papel da alta variabilidade hidrolgica do rio Itaja-au nos mecanismos de reteno ou expor-tao de sedimentos. A maior parte dos estudos j realizados so baseados em estratgias amostrais discretas em termos temporais, embora abrangentes em termos espaciais. Somente um programa de ob-servaes de alta resoluo temporal e espacial das variveis hidrodinmicas e sedimentolgicas permi-tir um aumento significativo da compreenso do funcionamento deste sistema estuarino.

    AGRADECIMENTOS

    Agradecimentos so devidos Eliane C. Truccolo, pela reviso do artigo, e a todas as pessoas envolvi-das nas diversas campanhas de campo, processa-mento de amostras e de dados, os quais geraram as informaes apresentadas neste artigo. Agradeo tambm aos revisores annimos por suas crticas ao manuscrito.

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    Physical Characterization of the Itaja-au River Estuary, SC

    ABSTRACT

    This paper describes some basic aspects about the hydrodynamics, hydrology and sedi-mentology of the Itaja-au river estuary. It pre-sents results of previous studies developed in the region about external driving agents (fluvial, ma-rine and atmospheric), as well as about internal processes in the estuarine basin. In general, the estuary is of the salt-wedge circulation type, driven mainly by river discharge. Sea-level oscilla-tion either due to astronomical or meteorological forces plays a minor role. Waves and wind appear to have no direct influence as driving agents of hydrodynamic and sedimentological processes in the estuary. The estuary exports most of the sus-pended sediment delivered by the river, although sediment can be also imported from the continen-tal shelf through the landward bottom currents. Anthropogenic influence related to channel dredg-ing has been changing the hydraulic and sedimen-tological behavior of the lower estuary systematically since the 50s.

    Keywords: estuary; hydrodynamics; hy-drology; sedimentology; Itaja-au river.