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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE – UFF
FACULDADE DE DIREITO
ISABELA SANTOS ALMEIDA
A INCONSTITUCIONALIDADE DOS JULGAMENTOS SECRETOS DA PRIMEIRA
INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA TRIBUTÁRIA FEDERAL
NITERÓI
2016
ISABELA SANTOS ALMEIDA
A INCONSTITUCIONALIDADE DOS JULGAMENTOS SECRETOS DA PRIMEIRA
INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA TRIBUTÁRIA FEDERAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Faculdade de Direito da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial à obtenção
do título de Bacharel em Direito.
Orientador: Professor Cláudio Brandão de Oliveira
NITERÓI
2016
FICHA CATALOGRÁFICA
A447
Almeida, Isabela Santos A Inconstitucionalidade dos Julgamentos Secretos da Primeira Instância
Administrativa Tributária Federal/ Isabela Santos Almeida. – Niterói, 2016.
51 f.
TCC (Curso de Graduação em Direito ) – Universidade Federal
Fluminense, 2016.
1. Direito constitucional. 2. Direito Tributário. 3. Constitucionalidade. 4.
Julgamentos 5. Delegacia da Receita Federal de Julgamento. 6.
Princípios. I. Universidade Federal Fluminense. Faculdade de
Direito, Instituição responsável II. Título.
CDD 341.2.39
ISABELA SANTOS ALMEIDA
A INCONSTITUCIONALIDADE DOS JULGAMENTOS SECRETOS DA PRIMEIRA
INSTÂNCIA ADMINISTRATIVA TRIBUTÁRIA FEDERAL
Trabalho de Conclusão de Curso apresentado à
Faculdade de Direito da Universidade Federal
Fluminense como requisito parcial à obtenção
do título de Bacharel em Direito.
Aprovada em ______ de março de 2016.
BANCA EXAMINADORA
___________________________________________________________________________
Professor Cláudio Brandão de Oliveira – Orientador
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
___________________________________________________________________________
Professor Manoel Martins Júnior
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
___________________________________________________________________________
Professor Índio do Brasil Cardoso
UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE
Dedico este trabalho a todas as pessoas que me
permitiram concluir mais esta etapa, estando sempre
ao meu lado pelos caminhos da vida, me
acompanhando, apoiando e, principalmente,
acreditando em mim.
AGRADECIMENTOS
Todos que conviveram comigo durante esses anos de graduação fizeram parte, direta ou
indiretamente, da minha formação. Cada um de sua maneira, participaram dessa empreitada e
são depositários da minha gratidão.
Em especial:
Aos meus pais, irmã e demais familiares, fontes inesgotáveis de amor, compreensão, força,
apoio e incentivo para enfrentar os obstáculos e alcançar as vitórias, fazendo-me entender que
о futuro é construído а partir da constante dedicação no presente. Vocês são os maiores
responsáveis pelo meu sucesso.
Ao Rodrigo, por todo o amor, momentos de refúgio e por sempre acreditar no meu potencial.
Você, sem dúvidas, fez parte da concretização desta conquista.
Aos meus amigos, que me possibilitaram trilhar esta jornada de maneira mais leve e
agradável.
A todos os meus professores, por terem compartilhado sua sabedoria e proporcionado a
ampliação de meus conhecimentos intelectuais e jurídicos.
“ Sem confiança nas instituições jurídicas, não há
base para a garantia nas instituições políticas. ”
(Carmen Lúcia Antunes Rocha)
RESUMO
O presente trabalho debruça-se sobre um estudo acerca da constitucionalidade dos
julgamentos proferidos pela primeira instância administrativa tributária federal. Analisa-se a
validade dos atos administrativos relativos às sessões de julgamento das Delegacias da
Receita Federal de Julgamento, tanto sob a ótica da Receita Federal quanto do contribuinte e
seu respectivo procurador, principalmente no que tange à obediência princípios fundamentais,
como o devido processo legal, contraditório, ampla defesa, publicidade, transparência e boa
administração.
Palavras-chave: Constitucionalidade, julgamento, Delegacia da Receita Federal de
Julgamento, princípios.
ABSTRACT
This paper focuses on a study on the constitutionality of the judgments rendered by the first
federal tax administrative level. The legitimacy of administrative acts related to the trial
sessions of the Federal Revenue Judgment Office is analyzed, from the Federal Revenue’s
perspective, as well as the taxpayer’s and its attorney’s perspective, especially in regard to the
compliance with fundamental principles such as due process, full defense, publicity,
transparency and good governance.
Keywords: Constitutionality, judgment, Federal Revenue Judgment Office, principles.
SUMÁRIO
INTRODUÇÃO __________________________________________________________ 11
1 ) O PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO FEDERAL ______________ 13
1.1) Do julgamento de primeira instância administrativa ___________________ 14
1.2) Do julgamento em segunda instância administrativa ___________________ 15
2 ) AS SESSÕES DE JULGAMENTO E AS ARGUMENTAÇÕES DO FISCO _____ 18
2.1) As sessões de julgamento realizadas pelas Delegacias da Receita Federal de
Julgamento ___________________________________________________ 18
2.2) Argumentações do Fisco para justificar as sessões secretas ______________ 24
3) INCONSTITUCIONALIDADE DOS JULGAMENTOS SECRETOS: OS
PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O PROCESSO ADMINISTRATIVO FEDERAL E A
VIOLAÇÃO AOS MESMOS _______________________________________________ 30
3.1) Do direito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa _________ 31
3.2) Do sigilo fiscal e o direito à publicidade ____________________________ 38
3.3) Do direito à boa administração ___________________________________ 42
3.4) Do descompasso dos procedimentos adotados pelas DRJ’s em comparação ao
CARF _______________________________________________________ 44
4) O ATUAL ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL ________________________ 46
CONCLUSÃO ___________________________________________________________ 50
REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS ________________________________________ 51
11
INTRODUÇÃO
O processo administrativo contencioso é de inegável importância para o adequado
equacionamento das relações entre o Estado arrecadador de tributos (Fisco) e os contribuintes
e responsáveis submetidos a respectiva exigência de seu pagamento.
Especificamente no que tange à esfera federal, o litígio é decidido em duplo grau,
sendo o julgamento realizado na primeira instância pelas Delegacias da Receita Federal do
Brasil de Julgamento e, na segunda instância, pelo Conselho Administrativo de Recursos
Fiscais, órgão colegiado do Ministério da Fazenda.
Antigamente, os julgamentos de primeira instância eram de competência exclusiva e
indelegável dos delegados da Receita Federal. Todavia, com o advento da Medida Provisória
2.158-35/2001 que conferiu nova redação ao artigo 25, inciso I, do Decreto 70.235/1972, os
julgamentos de primeira instância administrativa são, hoje, atribuídos às Delegacias da
Receita Federal de Julgamento, que, por sua vez, são regulamentadas pela Portaria MF nº
341/2011.
Desde a referida alteração legislativa, o entendimento do Fisco é a de que as
Delegacias da Receita Federal de Julgamento são órgãos de deliberação interna e de natureza
colegiada, cujas sessões de julgamentos deverão ser fechadas e sigilosas. Apresenta-se
argumentos concernentes, principalmente, ao sigilo fiscal, à lesão à ordem e economias
públicas, à celeridade e dinâmica dos julgamentos, e à inexistência de regra expressa que
textualmente preveja a participação das partes durante os julgamentos e intimação do sujeito
passivo e/ou dos seus representantes da pauta de julgamento dos processos do seu interesse.
Além disso, alega-se que os direitos à sustentação oral, intimação de pauta e de intervenção
oral em debates não são imprescindíveis a todos os julgamentos.
Ocorre que, em face a tal entendimento, diversas vezes o contribuinte se depara com
óbices administrativos que dificultam o regular exercício de seus misteres, especialmente nos
julgamentos da primeira instância administrativa tributária federal, como a vedação quanto à
(i) participação dos contribuintes e seus procuradores nos julgamentos, (ii) prévia divulgação
das pautas de julgamento e intimação das partes, e (iii) possibilidade de sustentação oral e
apresentação de memoriais.
12
Vale dizer, todos esses atos são imprescindíveis à hígida consecução dos ditames
constitucionalmente positivados do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório,
bem como do princípio da publicidade e da boa administração. E é sob a égide de tais
princípios constitucionais que devem ser interpretadas as normas procedimentais
estabelecidas pelo ato normativo criticamente condenado pelos contribuintes, qual seja, a
Portaria nº 341/2011.
A reivindicação pelos sujeitos passivos de acesso público aos julgamentos das
Delegacias da Receita Federal de julgamento está assentada na pretensão do acesso à
legalidade que subjaz oculta nos procedimentos realizados em sigilo dentro das repartições
públicas e ao direito de participar no processo narrativo desta legalidade.
Diante deste cenário é que se questiona a constitucionalidade das sessões de
julgamento de primeira instância administrativa tributária federal face a violação a diversos
direitos constitucionalmente assegurados, além daqueles dispostos no Estatuto da Advocacia,
conforme exposição feita no decorrer presente trabalho.
13
1) O PROCESSO ADMINISTRATIVO TRIBUTÁRIO FEDERAL
No âmbito federal, o processo administrativo tributário é disciplinado pelo (i)
Decreto nº 70.235/1972; (ii) pela Lei nº 9.784/1999; e (iii) pelo Decreto nº 7.574/2011.
O Decreto nº 70.235/72 dispõe acerca do processo administrativo fiscal. Não
obstante seja formalmente um decreto, fora recepcionado pela Constituição Federal com
status de lei ordinária, por tratar de matéria reservada a esta espécie normativa.
Além do referido diploma, o processo administrativo fiscal federal rege-se,
subsidiariamente, pela Lei nº 9.784/99, que dispõe de regramentos básicos, conferindo
uniformidade ao sistema processual no que tange ao relacionamento entre a Administração e
os particulares.
E, ainda, com a edição do Decreto nº 7.574/2011, toda legislação do processo
administrativo tributário federal, de natureza contenciosa, bem como matérias de fiscalização,
autuação, consulta, representação fiscal para fins penais, compensação e restituição de
tributos administrados pela Receita Federal do Brasil, foram consolidadas neste dispositivo.
Segundo Ricardo Lobo Torres, o processo administrativo tributário inicia-se com a
impugnação do contribuinte e consiste em um instrumento de revisão de lançamento, ou
melhor, em um controle do lançamento levado a efeito pela autoridade administrativa1.
O lançamento, atividade privativa e vinculada das autoridades fiscais, constitui o
crédito tributário que, por sua vez, é cobrado pela Fazenda Pública mediante regular inscrição
em dívida ativa, gozando de presunção relativa de liquidez e certeza. Neste sentido, confira-se
o artigo 201 do Código Tributário Nacional (“CTN”):
“Art. 201. Constitui dívida ativa tributária a proveniente de crédito
dessa natureza, regularmente inscrita na repartição administrativa
competente, depois de esgotado o prazo fixado, para pagamento, pela
lei ou por decisão final proferida em processo regular.”
De acordo com o Decreto nº 70.235/72, o litígio será decidido em duplo grau ou duas
instâncias e uma instância especial. Na primeira instância, o julgamento é realizado no âmbito
das Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ). Já na segunda instância, o
1 TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 13ª Edição. Rio de Janeiro: Renovar, 2006,
p. 342.
14
Conselho Administrativo de Recursos Fiscais (CARF), órgão colegiado do Ministério da
Fazenda, é responsável pelo julgamento dos recursos de ofício e voluntário em face de
decisão de primeira instância, bem como recursos de natureza especial.
1.1) Do julgamento de primeira instância administrativa
Com a regular notificação do lançamento, o contribuinte deverá adotar as seguintes
medidas no prazo de 30 dias contados a partir da ciência do auto de infração, sujeitando-se
aos efeitos da preclusão: (i) concordar e pagar o débito, total ou parcialmente; ou (ii) contestar
o lançamento, no todo ou em parte, oferecendo impugnação2.
A apresentação da impugnação tempestivamente assegura a instauração da fase
litigiosa do procedimento, a suspensão da exigibilidade do crédito tributário e a suspensão da
fluência do prazo prescricional para propositura da ação de execução fiscal pela Fazenda
Pública.
Após os trâmites internos, o processo administrativo deverá ser remetido à Delegacia
da Receita Federal de Julgamento para que seja julgado e proferida a respectiva decisão. Esta
deverá conter relatório resumido do processo, fundamentação legal e conclusão, de modo a
respeitar o princípio da motivação inerente aos atos administrativos.
A decisão de primeira instância poderá ser favorável ao contribuinte e,
consequentemente, contrária ao fisco, devendo-se analisar, neste caso, o valor do crédito
tributário. Vale dizer, de acordo com a Portaria MF nº 3, de 03 de janeiro de 20083, que
estabelece o limite para interposição de recurso de ofício pelas Turmas de Julgamento das
Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento, se o montante for superior a um
milhão de reais, o recurso de ofício ao CARF será obrigatório.
2 Decreto nº 70.235/72 - Art. 10. O auto de infração será lavrado por servidor competente, no local da verificação
da falta, e conterá obrigatoriamente: (...)V - a determinação da exigência e a intimação para cumpri-la ou
impugná-la no prazo de trinta dias.
Art. 15. A impugnação, formalizada por escrito e instruída com os documentos em que se fundamentar, será
apresentada ao órgão preparador no prazo de trinta dias, contados da data em que for feita a intimação da
exigência.
3 Art. 1º O Presidente de Turma de Julgamento da Delegacia da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ)
recorrerá de ofício sempre que a decisão exonerar o sujeito passivo do pagamento de tributo e encargos de multa,
em valor total superior a R$ 1.000.000,00 (um milhão de reais). Parágrafo único. O valor da exoneração de que
trata o caput deverá ser verificado por processo.
15
Em contrapartida, se a decisão de primeira instância for contrária ao contribuinte,
decidindo a DRJ por manter a exigência fiscal, aquele tem a possibilidade de requerer a
reapreciação da decisão mediante a interposição do chamado recurso voluntário à segunda
instância administrativa.
O recurso voluntário tempestivamente interposto faz perdurar a fase litigiosa do
procedimento e possui efeito suspensivo, isto é, suspende a eficácia da decisão recorrida.
Ademais, assim como a impugnação, assegura ao contribuinte a suspensão da exigibilidade do
crédito tributário e da fluência do prazo prescricional para propositura, pela Fazenda Pública,
da ação de execução fiscal.
Os julgamentos realizados pelas Delegacias da Receita Federal de Julgamento serão
analisados de maneira mais acurada no capítulo posterior.
1.2) Do julgamento em segunda instância administrativa
Como visto, o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais é o órgão responsável
pelo julgamento dos processos em segunda instância administrativa - seja de recursos de
ofício ou voluntário de decisão de primeira instância, bem como de recursos de natureza
especial, que versem sobre a aplicação da legislação referente a tributos administrados pela
Secretaria da Receita Federal do Brasil.
Criado pela Medida Provisória nº 449/2008, convertida na Lei nº 11.941/2009, o
órgão colegiado paritário é, atualmente, disciplinado pelo Regimento Interno aprovado pela
Portaria MF nº 343/2015.
A sua composição abarca três seções e a Câmara Superior de Recursos Fiscais
(CSRF). As seções são compostas por quatro câmaras cada, podendo ser dividas em até duas
turmas de julgamento. Estas são integradas por oito conselheiros, sendo quatro representantes
da Fazenda Nacional de quatro representantes dos Contribuintes4. A CSRF, por sua vez, é
formada por três turmas e um Pleno5.
4 Artigos 21, 22 e 23 do Anexo II do RICARF.
5 Art. 2º, II 2 e 3 do Anexo I do RICARF.
16
No que diz respeito à Presidência do CARF, está é exercida por conselheiro
representante da Fazenda Nacional, enquanto a vice-presidência é exercida por conselheiro
representante dos contribuintes6.
As três seções do CARF são especializadas por matéria, na forma prevista nos
artigos 2º ao 4º do Anexo II do Regimento Interno. Às turmas da CSRF, por sua vez, cabe
julgar o recurso especial interposto contra decisão que der à legislação tributária interpretação
divergente da que lhe tenha dado outra câmara, turma de câmara, turma especial ou a própria
CSRF7. As turmas da CSRF possuem competência também para aprovar enunciado de súmula
que trate de matéria concernente à sua competência8.
Já ao Pleno da CSRF (todas as turmas da CSRF reunidas), presidido pelo Presidente
do CARF, compete a uniformização de decisões divergentes, em tese, das turmas da CSRF,
por meio de resolução9. Ao Pleno cabe, ainda, a edição de enunciado de súmula quando se
tratar de matéria que, por sua natureza, for submetida a duas ou mais turmas da CSRF10.
Ressalta-se que as súmulas, consubstanciadas quando de decisões reiteradas e
uniformes do CARF, serão de observância obrigatória a todos os membros do órgão11. Caso
haja proposta do Presidente do CARF, do Procurador-Geral da Fazenda Nacional, do
Secretário da Receita Federal do Brasil ou de Presidente de Confederação representativa de
categoria econômica ou profissional habilitada à indicação de conselheiros, o Ministro de
Estado da Fazenda poderá atribuir à súmula do CARF efeito vinculante em relação à toda
administração tributária federal12.
Visto isto, verifica-se que a partir da análise feita pela segunda instância
administrativa, o CARF, de maneira parcial ou total, poderá reformar a decisão de primeira
instância ou manter o entendimento da Delegacia da Receita Federal de Julgamento, cabendo,
ainda, nesta última hipótese, interposição de recurso especial pelo contribuinte.
6 Art. 11 e §4º do Anexo II do RICARF.
7 Artigos 9º e 67 do Anexo II do RICARF.
8 Art. 72, §2º do Anexo II do RICARF.
9 Art. 10 e 15 do Anexo II do RICARF.
10 Art. 72, §1º do Anexo II do RICARF.
11 Art. 72, caput do Anexo II do RICARF.
12 Art. 75, caput do Anexo II do RICARF.
17
Ultrapassado este estudo preliminar, com um panorama geral acerca do processo
administrativo tributário federal, passemos agora a analisar especificamente as sessões de
julgamento comandadas pelas Delegacias da Receita Federal de Julgamento.
18
2) AS SESSÕES DE JULGAMENTO E AS ARGUMENTAÇÕES DO FISCO
2.1) As sessões de julgamento realizadas pelas Delegacias da Receita Federal de
Julgamento
Antigamente, os julgamentos em primeira instância dos processos administrativos
tributários na esfera federal eram de competência exclusiva e indelegável dos delegados da
Receita Federal. Todavia, com o advento da Medida Provisória 2.158-35/2001 que, dentre
outras disposições, conferiu nova redação ao artigo 25, inciso I, do Decreto 70.235/1972, os
julgamentos de primeira instância administrativa são, hoje, atribuídos às Delegacias da
Receita Federal de Julgamento.
Confira-se o artigo 25, inciso I, do Decreto 70.235/1972, in verbis:
“Art. 25. O julgamento do processo de exigência de tributos ou
contribuições administrados pela Secretaria da Receita Federal
compete:
I - em primeira instância, às Delegacias da Receita Federal de
Julgamento, órgãos de deliberação interna e natureza colegiada da
Secretaria da Receita Federal;”
De forma a corroborar a supracitada competência, aponta-se também o artigo 233 da
Portaria do Ministro de Estado da Fazenda nº 203, de 14 de maio de 2012, que aprova o
Regimento Interno da Secretaria da Receita Federal do Brasil:
“Art. 233. Às Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento -
DRJ, com jurisdição nacional, compete conhecer e julgar em primeira
instância, após instaurado o litígio, especificamente, impugnações e
manifestações de inconformidade em processos administrativos
fiscais: (...)”
Assim, as decisões de primeira instância que eram antes proferidas
monocraticamente pelos delegados da Receita Federal, são hoje resultado de sessões de
órgãos colegiados.
As Delegacias da Receita Federal de Julgamento são vinculadas à Portaria do
Ministro de Estado da Fazenda nº 341, de 12 de julho de 2011, que disciplina o seu
funcionamento e a constituição das Turmas.
19
Nos termos da Portaria Ministerial, as DRJ’s devem ser constituídas por turmas de
julgamento, cada uma composta por no mínimo cinco e no máximo sete julgadores, titulares
ou pro tempore. As turmas são dirigidas por presidente, nomeado dentre os julgadores, o qual
acumula ambas as funções.
O presidente e os referidos julgadores, ocupantes do cargo de Auditor da Receita
Federal, são nomeados pelo Secretário da Receita Federal, mediante indicação do Delegado
da DRJ, para cumprir mandato de até 24 meses, com término no dia 31 de dezembro do ano
subsequente ao da designação, admitida a recondução.
As turmas devem realizar, pelo menos, 12 sessões de julgamento por ano, sendo que
as deliberações são tomadas pela maioria dos membros, cabendo ao Presidente, além do voto
ordinário, o de qualidade.
A referida Portaria dispõe também acerca das hipóteses de impedimento e suspeição
do julgador. Estas podem ser declaradas pelo próprio julgador ou suscitado por qualquer
membro da turma, cabendo ao arguido, nesse caso, pronunciar-se sobre a alegação, que, não
sendo por ele reconhecida, é submetida à deliberação da turma. Restando comprovado o
impedimento ou a suspeição, o processo é redistribuído a outro membro da Turma.
São três os requisitos de impedimento para deliberação do julgador, quais sejam:
(i) ter o julgador participado da ação fiscal, praticado ato decisório ou proferido
parecer no processo;
(ii) sejam parte seu cônjuge, companheiro, parentes consanguíneos ou afins até o 3º
grau; ou
(iii) ter o julgador interesse direto ou indireto na matéria.
No que tange à suspeição, incorre-se quando o julgador tenha amizade íntima ou
inimizade notória com o sujeito passivo ou com pessoa interessada no resultado do processo,
ou com seus respectivos cônjuges, companheiros, parentes e afins até o 3º grau.
Prevê, ainda, a Portaria, que o pedido de parcelamento e a propositura de ação
judicial por qualquer modalidade processual contra a Fazenda Nacional - antes ou
posteriormente à autuação, que tenha o mesmo objeto – implicam na renúncia às instâncias
administrativas e na desistência do processo.
20
Cumpre destacar ainda que as Delegacias da Receita Federal de Julgamento julgam
processos relativos aos contribuintes circunscritos às unidades da Secretaria da Receita
Federal, observando-se a matéria em julgamento. Vale dizer, as DRJ’s possuem competência
material e territorial, conforme disciplinado em ato próprio 13 , podendo, portanto, julgar
lançamentos feitos fora de sua jurisdição territorial, no que diz respeito à distribuição
territorial das regiões fiscais. Desse modo, a defesa de um contribuinte do interior do Rio
Grande do Sul pode ser analisada pela DRJ de Salvador, por exemplo.
Hoje existem 15 Delegacias da Receita Federal e Julgamento, distribuídas em 10
regiões fiscais e localizadas nas cidades de Belém, Belo Horizonte, Brasília, Campinas,
Campo Grande, Curitiba, Florianópolis, Fortaleza, Juiz de Fora, Porto Alegre, Recife,
Ribeirão Preto, Rio de Janeiro, Salvador e São Paulo.
Neste sentido, observa-se quadro demonstrativo abaixo, extraído da Portaria SUTRI
nº 658, de 21 de março de 2012:
COMPETÊNCIA TERRITORIAL E POR MATÉRIA DAS DRJ
Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento (DRJ)
Localização Circunscrição Territorial Matéria
Belém (PA) 2ª Região Fiscal. Impostos e contribuições administrados pela RFB, exceto: I -
IPI-V, II, IE e demais impostos ou contribuições exigidos
quando do despacho aduaneiro de mercadorias na importação
ou na exportação; II - ITR.
3ª Região Fiscal. IPI (inclusive processos relativos à classificação fiscal de
mercadorias e ao crédito presumido para ressarcimento de
PIS/Pasep e Cofins) e lançamentos conexos.
IOF vinculado a pedidos de isenção de que trata o art. 72 da
Lei nº 8.383, de 30 de novembro de 1991.
Belo
Horizonte
(MG)
Unidades da RFB situadas nos
municípios mineiros de Belo
Horizonte,
Impostos e contribuições administrados pela RFB, exceto:
Contagem, Divinópolis e Sete
Lagoas, e suas jurisdicionadas.
I - IPI e lançamentos conexos;
II - IPI-V, II, IE e demais impostos ou contribuições exigidos
quando do despacho aduaneiro de mercadorias na importação
ou na exportação; III - ITR.
Unidades da RFB situadas nos
municípios mineiros de
Governador Valadares,
Coronel Fabriciano, Montes
Claros e suas jurisdicionadas.
Contribuições previdenciárias e contribuições devidas a outras
entidades e fundos, e penalidades.
Brasília (DF) Unidades da RFB situadas nos
Estados de Goiás e Tocantins,
e no Distrito Federal.
Impostos e contribuições administrados pela RFB, exceto: I -
IPI e lançamentos conexos; II - IPI-V, II, IE e demais
impostos ou contribuições exigidos quando do despacho
aduaneiro de mercadorias na importação ou na exportação.
2ª, 3ª, 5ª, 6ª e 7ª Regiões ITR.
13 Portaria SUTRI nº 658, de 21 de março de 2012 e Portaria RFB nº 1006, de 24 de julho de 2013.
21
Fiscais.
Unidades da RFB situadas no
município de Vitória (ES) e
suas jurisdicionadas.
IRPF não decorrente de lançamento de IRPJ.
Campinas
(SP)
Unidades da RFB situadas nos
municípios paulistas de
Barueri, Campinas, Guarulhos,
Jundiaí, Osasco, Santo André,
São Bernardo do Campo,
Santos, São José dos Campos,
Taubaté, e suas
jurisdicionadas.
Impostos e contribuições administrados pela RFB, exceto: I -
IPI e lançamentos conexos; II - IPI-V, II, IE e demais
impostos ou contribuições exigidos quando do despacho
aduaneiro de mercadorias na importação e na exportação; III -
ITR; IV - Imposto sobre a Renda da Pessoa Física (IRPF) não
decorrente de lançamento de Imposto sobre a Renda da Pessoa
Jurídica (IRPJ).
8ª Região Fiscal. CPMF e IOF.
Campo
Grande (MS)
Unidades da RFB situadas nos
Estados de Mato Grosso e
Mato Grosso do Sul.
Impostos e contribuições administrados pela RFB, exceto: I -
IPI e lançamentos conexos; II - IPI-V, II, IE e demais
impostos ou contribuições exigidos quando do despacho
aduaneiro de mercadorias na importação ou na exportação.
8ª, 9ª e 10ª Regiões Fiscais. ITR.
Unidades da RFB situadas no
município de Nova Iguaçu (RJ)
e suas jurisdicionadas.
IRPF não decorrente de lançamento de IRPJ.
Curitiba
(PR)
Unidades da RFB situadas no
Estado do Paraná, e suas
jurisdicionadas.
Impostos e contribuições administrados pela RFB, exceto: I -
IPI e lançamentos conexos; II - IPI-V, II, IE e demais
impostos ou contribuições exigidos quando do despacho
aduaneiro de mercadorias na importação ou na exportação; III
- ITR.
Unidades da RFB situadas no
município de Joinville (SC), e
suas jurisdicionadas.
IRPF.
Fortaleza
(CE)
3ª Região Fiscal. Impostos e contribuições administrados pela RFB, exceto: I -
IPI e lançamentos conexos; II - ITR.
1ª, 2ª, 3ª, 5ª e 6ª Regiões
Fiscais.
IPI-V, II, IE (inclusive multa aplicada na hipótese de consumo
de mercadoria de procedência estrangeira introduzida
clandestina ou irregularmente no País ou decorrente da
conversão da pena de perdimento); demais impostos ou
contribuições exigidos quando do despacho aduaneiro de
mercadorias na importação ou na exportação; exigência de
direitos antidumping, compensatórios, de salvaguardas
comerciais, e penalidades.
Florianópolis
(SC)
Unidades da RFB situadas no
Estado de Santa Catarina, e
suas jurisdicionadas.
Impostos e contribuições administrados pela RFB, exceto: I -
IPI e lançamentos conexos; II - ITR; III - IRPF das unidades
da RFB situadas no município de Joinville (SC) e suas
jurisdicionadas.
7ª, 9ª e 10ª Regiões Fiscais. IPI - V, II, IE (inclusive multa aplicada na hipótese de
consumo de mercadoria de procedência estrangeira
introduzida clandestina ou irregularmente no País ou
decorrente da conversão da pena de perdimento) e demais
impostos ou contribuições exigidos quando do despacho
aduaneiro de mercadorias na importação ou na exportação;
exigência de direitos antidumping, compensatórios, de
salvaguardas comerciais, e penalidades.
Juiz de Fora
(MG)
Unidades da RFB situadas nos
municípios mineiros de
Coronel Fabriciano,
Governador Valadares, Juiz de
Fora, Montes Claros, Poços de
Caldas, Varginha, Uberaba,
Uberlândia, e suas
jurisdicionadas.
Impostos e contribuições administrados pela RFB, exceto: I -
IPI-V, II, IE e demais impostos ou contribuições exigidos
quando do despacho aduaneiro de mercadorias na importação
ou na exportação; II - ITR; III - Contribuições previdenciárias
e contribuições devidas a outras entidades e fundos das
unidades da RFB situadas nos municípios mineiros de
Governador Valadares, Coronel Fabriciano, Montes Claros e
suas jurisdicionadas.
1ª, 6ª e 7ª Regiões Fiscais. IPI (inclusive processos relativos à classificação fiscal de
22
mercadorias e ao crédito presumido para ressarcimento de
PIS/Pasep e Cofins) e lançamentos conexos. IOF vinculado a
pedidos de isenção de que trata o art. 72 da Lei nº 8.383, de 30
de novembro de 1991.
Porto Alegre
(RS)
10ª Região Fiscal. Impostos e contribuições administrados pela RFB, exceto: I -
IPI-V, II, IE e demais impostos ou contribuições exigidos
quando do despacho aduaneiro de mercadorias na importação
ou na exportação; II - ITR.
Recife (PE) 4ª Região Fiscal. Impostos e contribuições administrados pela RFB.
Ribeirão
Preto (SP)
Unidades da RFB situadas nos
municípios paulistas de
Ribeirão Preto, Araçatuba,
Araraquara, Bauru, Franca,
Marília, Presidente Prudente,
São José do Rio Preto,
Limeira, Piracicaba e
Sorocaba, e suas
jurisdicionadas.
Impostos e contribuições administrados pela RFB, exceto: I -
IPI-V, II, IE e demais impostos ou contribuições exigidos
quando do despacho aduaneiro de mercadorias na importação
ou na exportação; II - ITR; III - CPMF; IV - IOF; V - IRPF
não decorrente de lançamento de IRPJ.
8ª e 9ª Regiões Fiscais. IPI (inclusive processos relativos à classificação fiscal de
mercadorias e ao crédito presumido para ressarcimento de
PIS/Pasep e Cofins) e lançamentos conexos. IOF vinculado a
pedidos de isenção de que trata o art. 72 da Lei nº 8.383, de 30
de novembro de 1991.
Rio de
Janeiro (RJ)
7ª Região Fiscal. Impostos e contribuições administrados pela RFB, exceto: I -
IPI e lançamentos conexos; II - IPI-V, II, IE e demais
impostos ou contribuições exigidos quando do despacho
aduaneiro de mercadorias na importação ou na exportação; III
- ITR; IV - IRPF não decorrente de lançamento de IRPJ,
relativo às unidades da RFB situadas nos municípios de
Vitória (ES) e Nova Iguaçu (RJ) e suas jurisdicionadas.
Salvador
(BA)
5ª Região Fiscal. Impostos e contribuições administrados pela RFB, exceto: I -
IPI-V, II, IE e demais impostos ou contribuições exigidos
quando do despacho aduaneiro de mercadorias na importação
ou na exportação; II - ITR..
São Paulo
(SP)
Unidades da RFB situadas no
município de São Paulo, e suas
jurisdicionadas.
Impostos e contribuições administrados pela RFB, exceto: I -
IPI e lançamentos conexos; II - ITR; III - CPMF; IV - IOF.
8ª Região Fiscal. I - IRPF, exceto decorrente de lançamento de IRPJ; II -IPI-V,
II, IE (inclusive multa aplicada na hipótese de consumo de
mercadoria de procedência estrangeira introduzida clandestina
ou irregularmente no País ou decorrente da conversão da pena
de perdimento) e demais impostos ou contribuições exigidos
quando do despacho aduaneiro de mercadorias na importação
ou na exportação; exigência de direitos antidumping,
compensatórios, de salvaguardas comerciais, e penalidades.
Nos remetendo de volta às disposições da Portaria MF nº 341/2011, esta determina
que, nos processos em que o julgador for relator, a ele incumbe a elaboração dos relatórios,
votos e ementas, além de propor diligências ou perícias e proferir seus votos. É dado ao
relator prazo de 60 dias para proferir sua decisão, devendo o Presidente da Turma decidir em
8 dias sobre o pedido de diligência formulado pelo primeiro.
23
Imperioso salientar que, em homenagem ao princípio da motivação14, inerente aos
atos administrativos, previsto, inclusive no artigo 50 da Lei 9.784/9915, a decisão proferida
pelos órgãos administrativos também deverá conter relatório resumido do processo,
fundamentação legal e conclusão, não se furtando de apreciar qualquer uma das razões
apresentadas pelo contribuinte em sua defesa.
Conforme já ponderado, a decisão de primeira instância administrativa poderá ser
favorável ao contribuinte, reconhecendo a improcedência da cobrança, ou contrária a ele,
hipótese em que se mantém a exigência fiscal, devendo o contribuinte proceder ao
cumprimento da cobrança ou interpor recurso voluntário ao CARF no prazo de 30 dias,
contados da ciência da decisão de primeira instância.
No que diz respeito, especificamente, às sessões de julgamento, estas são realizadas
de forma presencial ou não presencial – hipótese em que poderá ser realizada por vídeo
conferência, web conferência ou tecnologia similar – e de maneira sigilosa e fechada ao
público.
O referido cenário se caracteriza, pois, pela ausência de previsão no que tange à (i)
participação dos contribuintes e seus procuradores nos julgamentos, (ii) prévia divulgação das
pautas de julgamento e intimação das partes, e (iii) possibilidade de sustentação oral e
apresentação de memoriais. As partes interessadas no processo só têm ciência dos atos
emanados pela DRJ’s após o julgamento e proferida a decisão. Além disso, caso qualquer
outro cidadão tenha interesse no julgamento, o mesmo só terá acesso à ementa da decisão,
sendo íntegra restrito às partes do processo.
É nesta toada que reside o foco da indignação e de questionamentos feitos por parte
dos contribuintes e seus advogados, justificando o presente estudo pela evidente
14 O princípio da motivação implica que a Administração Pública indique os motivos, de fato e de direito, os
quais ensejaram a prática dos atos administrativos. “a motivação, como bem sintetiza CRETELLA JR., “e a
justificativa do pronunciamento tomado”, o que ocorre mais usualmente em atos cuja resolução ou decisão e
precedida, no texto, dos fundamentos que conduziram a prática do ato. Em outras palavras: a motivação
exprime de modo expresso e textual todas as situações de fato que levaram o agente a manifestação da
vontade”. FILHO, José dos Santos Carvalho. Manual de Direito Administrativo. 27ª Edição. São Paulo: Atlas,
2014.
15 Art. 50. Os atos administrativos deverão ser motivados, com indicação dos fatos e dos fundamentos jurídicos,
quando: I - neguem, limitem ou afetem direitos ou interesses; II - imponham ou agravem deveres, encargos ou
sanções; III - decidam processos administrativos de concurso ou seleção pública; IV - dispensem ou declarem a
inexigibilidade de processo licitatório; V - decidam recursos administrativos; VI - decorram de reexame de
ofício; VII - deixem de aplicar jurisprudência firmada sobre a questão ou discrepem de pareceres, laudos,
propostas e relatórios oficiais; VIII - importem anulação, revogação, suspensão ou convalidação de ato
administrativo.
24
inconstitucionalidade da conduta adotada pelas Delegacias da Receita Federal de Julgamento
– conforme análise subsequente.
2.2) Argumentações do Fisco para justificar as sessões secretas
A Receita Federal, ao ser questionada acerca da carência de publicidade /
transparência e constitucionalidade das sessões secretas de julgamento realizadas pelas
Delegacias da Receita Federal de Julgamento, afirma veementemente que os procedimentos
adotados pelas DRJ’s são corretos e não violam preceitos constitucionais ou prerrogativas de
advogados.
Os principais argumentos apresentados têm sido em relação ao sigilo fiscal, à lesão à
ordem e economias públicas, à celeridade e dinâmica dos julgamentos, e à inexistência de
regra expressa que textualmente preveja a participação das partes durante os julgamentos e
intimação do sujeito passivo e/ou dos seus representantes da pauta de julgamento dos
processos do seu interesse.
Adicionalmente, uma das justificativas apresentadas é a de que a Receita Federal está
manietada a normas específicas e, portanto, impossibilitada de alterar o procedimento adotado
pela DRJ e muito menos atender às referidas reivindicações uma vez que não se encontram no
“menu de prioridades”. Esta foi a resposta apresentada pela DRJ de Florianópolis, quando a
Seccional da OAB de Santa Catarina oficiou à Receita Federal apresentando os
questionamentos e cobrando providências para atender ao pleito daqueles que atuam no
contencioso fiscal de âmbito federal. Neste compasso, verifica-se relato do Delegado da DRJ
de Florianópolis:
“O fato de as DRJs se pautarem por regras distintas das definidas para
a atuação do CARF é mera opção por racionalização da atuação
judiciante administrativa, e não tentativa de subtração de direitos do
contribuinte. Ocorre que, como é corriqueiro na concepção de ritos
procedimentos, há opções que precisam ser feitas com o fim de
atender a um largo e variado menu de prioridades.” 16
No que concerne à justificativa do sigilo fiscal, a Receita Federal aduz que sempre se
considerou a sujeição dos processos administrativos tributários em curso no âmbito federal ao
16 Mandado de Segurança Coletivo impetrado pela OAB/SC.
25
sigilo fiscal, somente podendo a eles ter acesso os próprios contribuintes e os seus advogados
constituídos nos autos. Desse modo, informações relativas aos processos em tramitação, bem
como discussões sobre as matérias neles versadas - que sempre envolvem a situação
econômico-financeira-patrimonial dos contribuintes - não são franqueadas a terceiros.
O Presidente do CARF e ex-secretário da Receita Federal, Carlos Alberto Barreto,
endossa a posição do Fisco quanto à justificativa de que as decisões proferidas pelas
Delegacias da Receita Federal de Julgamento são revestidas pelo sigilo fiscal. Em entrevista
ao JOTA17, ele afirmou que:
“A primeira instância publica a ementa das decisões, e não a íntegra,
porque se entende que ela está protegida pelo sigilo fiscal. Eu não
acredito que seja uma questão de a administração não querer, é que o
sigilo fiscal é uma coisa muito séria. Então se alguma norma alterasse
o CTN [Código Tributário Nacional] dizendo que pode publicar com
certeza eles ficariam felizes de publicar, mas hoje é [fechado] por
conta do sigilo fiscal.”
Uma outra alegação do Fisco é no sentido de que o julgamento a portas abertas, além
de estar à margem da legislação, seria capaz de causar grave lesão à ordem e economias
públicas. Isto porque, segundo a Receita Federal, o órgão julga em torno de 800 a 1000
processos por mês 18 e a intimação dos contribuintes traria um considerável impacto nas
decisões, uma vez que esses atos de comunicação processual teriam que ser realizados por
correio (pois poucos contribuintes fornecem e-mail) ou edital.
Nesta esteira, sustenta o órgão administrativo que o reconhecimento dos direitos
pleiteados - de as partes serem intimadas da data da produção do ato decisório, de assistirem à
produção deste ato e de nele intervir, por meio de advogado, para esclarecer questões fáticas –
resultaria num entrave aos princípios da razoável duração do processo e da eficiência
administrativa, em franco prejuízo a todo o universo de contribuintes.
A intimação, aos contribuintes e a seus advogados, da data em que se realizarão as
sessões de julgamento de primeira instância, que à primeira vista pode parecer um ato dotado
17 POMBO, Bárbara; MENGARDO, Bárbara. CARF vai rever decisões sob investigação na Zelotes, diz
presidente. JOTA. 27 de julho de 2015. Disponível em http://jota.uol.com.br/carf-vai-rever-decisoes-sob-
investigacao-na-zelotes-diz-presidente. Acesso em: 28 fev. 2016.
18 Suspensão de Liminar nº 0001755-76.2014.4.02.0000 interposto pela União Federal.
26
de baixa complexidade, traria um considerável impacto na tramitação dos processos, com
enorme potencial para torná-los mais caros e, principalmente, mais morosos.
Somada a isto, a necessidade de intimação de todos os contribuintes e advogados
constantes dos processos que compõem a pauta de julgamento iria, na prática, inviabilizar o
método de "julgamento em lote", que vem sendo adotado pelas Delegacias da Receita Federal
de Julgamento com grande proveito em termos de celeridade, eficiência e uniformidade das
decisões.
Desta forma, entende o governo que, no caso das reivindicadas alterações nos
julgamentos, os processos se tornarão mais morosos e menos eficazes, sofrendo os
contribuintes as consequências decorrentes da precariedade do serviço. O atraso no processo
administrativo fiscal, segundo a Receita Federal, "retardará ainda mais o pagamento dos
créditos tributários, que ao fim, forem confirmados"19.
Na esfera judicial, a Procuradoria da Fazenda Nacional tem defendido que os
julgamentos das DRJ´s não violam os princípios do contraditório, da ampla defesa e do
devido processo legal, uma vez que as partes têm direito de informação, de manifestação e de
ver seus atos considerados. Além disso, alega-se que os direitos à sustentação oral, intimação
de pauta e de intervenção oral em debates não são imprescindíveis a todos os julgamentos.
No recurso de apelação interposto nos autos do processo de Mandado de Segurança
Coletivo nº 2014.51.01.000113-7, a União Federal sustenta que:
“o conteúdo jurídico dos princípios do contraditório e da ampla defesa
no âmbito do processo administrativo fiscal, delineado pela legislação,
é respeitado quando se garante que os contribuintes: (i) tenham ciência
de todos os aspectos fáticos e jurídicos que determinaram a autuação
fiscal; (ii) possam se insurgir, de forma ampla, contra todos esses
aspectos fáticos e jurídicos em prazo razoável, inclusive por meio de
advogado; (iii) possam postular e produzir as provas pertinentes para
demonstração de suas alegações; (iv) tenham todos os seus
argumentos analisados de forma fundamentada pela autoridade
julgadora; e (v) possam recorrer da decisão de primeira instância para
o órgão de composição paritária.
Todos os direitos acima arrolados são respeitados pela legislação que
rege o processo administrativo fiscal no âmbito federal. O contribuinte
tem um prazo de trinta dias para apresentar sua impugnação ao auto de
infração, na qual pode deduzir sua defesa de forma ampla. Durante a
fase instrutória, é possível a produção das provas necessárias ou úteis
19 Suspensão de Liminar nº 0001755-76.2014.4.02.0000 interposto pela União Federal.
27
à demonstração das alegações do contribuinte, havendo, no curso
dessa fase instrutória, a ciência bilateral de todas as manifestações
produzidas, com possibilidade de crítica. Há, no momento decisório, a
necessidade de a autoridade julgadora (no caso, o colegiado) produzir
uma manifestação fundamentada e que aborde todos os aspectos
relevantes para o deslinde do caso, com análise motivada das
alegações dos contribuintes. E há, por fim, a faculdade de interposição
de recurso para o Conselho Administrativo de Recursos Fiscais –
CARF (órgão de composição paritária), no âmbito do qual é possível,
inclusive, sustentação oral por advogado.”
Na supracitada peça recursal, a União Federal também aduz que, ainda que fosse
declarado inconstitucional o rito previsto na Portaria MF nº 341/2011, o resultado jamais
poderia consistir na elaboração de um novo procedimento pelo órgão julgador, nos termos
pretendidos pelos contribuintes. Explica-se que, uma vez afastado o rito previsto no referido
ato normativo, incidiria sobre o caso concreto a Lei 9.784/99, norma geral que regula os
processos administrativos no âmbito da administração pública federal e que, nos termos de
seu artigo 69, deve ser aplicada subsidiariamente, em caso de lacunas em processo
administrativo específico20.
A Fazenda ainda defende que, conforme prevê a mencionada lei, a intimação da parte
somente é exigida para “ciência de decisão ou a efetivação de diligências”21, não havendo
qualquer previsão da necessidade de presença física de advogados, sustentação ou debates
orais durante sessão de julgamento, nem, tampouco, a necessidade da prévia publicação da
pauta de julgamento de primeira instância (com designação da data e do local do ato). Isto,
pois, não configuraria como parte integrante do contraditório e ampla defesa, levando em
consideração que as faculdades inerentes a esses princípios são exercidas, em substância,
durante as fases postulatória e instrutória do processo, bem como na fase recursal, e não
propriamente no momento da produção e divulgação da decisão. Invoca-se, portanto, a
inexistência de conflitos com tais princípios constitucionais.
20 Art. 69. Os processos administrativos específicos continuarão a reger-se por lei própria, aplicando-se-lhes
apenas subsidiariamente os preceitos desta Lei.
21 Art. 26. O órgão competente perante o qual tramita o processo administrativo determinará a intimação do
interessado para ciência de decisão ou a efetivação de diligências.
28
Em entrevista realizada pelo boletim de notícias CONJUR em 2013 22 , o
subsecretário e Tributação da Receita Federal à época, Sandro de Vargas Serpa, afirma que
“não há falta de transparência. Embora só as ementas das decisões sejam publicadas no Diário
Oficial, o contribuinte recebe a íntegra da decisão e pode recorrer”. Segundo ele, as
comparações com os julgamentos do CARF são desproporcionais, uma vez que “dentro da
Receita, a questão é mais complexa. O CARF é um órgão do Ministério da Fazenda, mas que
está fora da Receita Federal. Lá, o sigilo é flexibilizado, até porque participam dos
julgamentos conselheiros que não são fiscais, mas representantes de contribuintes. ”
Além disso, Sandro de Vargas Serpa alega que o processo administrativo fiscal não
foi pensado para a possibilidade de julgamentos abertos, haja vista que o CARF tem salas
para as sessões de julgamentos, com estrutura para acompanhamento pelos advogados,
enquanto que as DRJ’s só têm espaço para os auditores.
No que tange especificamente à prerrogativa do advogado de levantar oralmente,
durante o julgamento, esclarecimentos de ordem fática, a Receita Federal faz dois
apontamentos: o primeiro, é que essa prerrogativa somente pode ser exercida nas hipóteses
em que a legislação prevê que o ato de elaboração e prolação da decisão se dê à vista das
partes e seus advogados, o que não é o caso das decisões administrativas de primeira instância
na seara fiscal; o segundo, é que a impossibilidade de prestação oral de esclarecimentos
fáticos não traz qualquer prejuízo ao contribuinte ou advogado, já que a legislação prevê a
possibilidade de correção a posteriori de equívocos de fato, de ofício ou a requerimento do
contribuinte/advogado, conforme dispõem o art. 32 do Decreto 70.235/72 e o art. 21, § 1º da
Portaria MF nº 341/2011:
“Decreto nº 70.235/72 - Art. 32. As inexatidões materiais devidas a
lapso manifesto e os erros de escrita ou de cálculos existentes na
decisão poderão ser corrigidos de ofício ou a requerimento do sujeito
passivo.
Portaria MF nº 341/2011 - Art. 21. As decisões serão assinadas pelo
relator, pelo redator designado, sendo o caso, e pelo Presidente da
Turma, e delas constarão o nome dos julgadores presentes,
mencionando-se, se houver, os impedidos, os ausentes, bem como os
julgadores vencidos e a matéria em que o foram.
22 CRISTO, Alessandro. OAB-RJ quer advogados em julgamentos fiscais na Receita. CONJUR. 17 de julho de
2013. Disponível em http://www.conjur.com.br/2013-jul-17/oab-rj-oficia-receita-federal-advogados-participem-
julgamentos. Acesso em: 28 fev. 2016.
29
§ 1º Para a correção de inexatidões materiais devidas a lapso
manifesta e a erros de escrita ou de cálculos existentes no acórdão,
será proferido novo acórdão. ”
No mais, a interpretação conferida pela Receita Federal ao artigo 25, inciso I, do
Decreto nº 70.235/72 é a de que, como o dispositivo expressamente prevê as Delegacias da
Receita Federal de Julgamento como “órgãos de deliberação interna e natureza colegiada”, os
julgamentos realizados por elas devem ser fechados e sigilosos23.
“Ou seja, ao mesmo tempo em que instituiu um julgamento colegiado
em primeira instância administrativa (que antes era feito de forma
singular, pelo Delegado da Receita Federal), a MP nº 2.158-35/2001
teve o cuidado de deixar consignado que o novel órgão julgador era de
“deliberação interna”, restringindo, com isso, a abrangência do ato, do
qual somente participam os julgadores (que, perdoe-se o truísmo,
deliberam internamente);”
23 Recurso de apelação interposto pela União Federal nos autos do processo de Mandado de Segurança Coletivo
nº 2014.51.01.000113-7.
30
3) INCONSTITUCIONALIDADE DOS JULGAMENTOS SECRETOS: OS
PRINCÍPIOS QUE NORTEIAM O PROCESSO ADMINISTRATIVO FEDERAL E A
VIOLAÇÃO AOS MESMOS
Diante do cenário exposto acima, revela-se necessária a análise da validade dos
procedimentos adotados pela Receita Federal no que tange às sessões de julgamentos da
primeira instância administrativa tributária federal.
Como visto, a Portaria Ministerial nº 341/2011 é o ato normativo responsável por
disciplinar o funcionamento das Delegacias da Receita Federal do Brasil de Julgamento e a
constituição de suas Turmas. Entretanto, cumpre observar que dita regulamentação esqueceu-
se do elemento mais importante: o contribuinte.
O referido termo e outros correlatos como “impugnante, “devedor”, não aparecem ao
menos uma vez na Portaria MF nº 341/2011. Tem-se, assim, um diploma regulador do
julgamento administrativo de primeira instância que, nem de forma passageira, faz referência
à presença do contribuinte às sessões de julgamento, ou lhe concede o direito de se
pronunciar, levantar suspeições e acompanhar debates - ainda que por meio de advogado.
Melhor sorte também não possuem o Decreto nº 70.235/72 e o Decreto nº
7.574/2011, visto que no primeiro, em seu artigo 25, inciso I 24 , somente aduz que o
julgamento do processo administrativo de primeira instância será realizado pela Delegacia da
Receita Federal de Julgamento, enquanto que o segundo decreto, em seu artigo 6225, somente
comenta quanto ao julgamento sem mencionar a participação do contribuinte.
É a partir desta manifesta lacuna que advém a necessidade de assegurar direitos
inerentes aos contribuintes como (i) pauta de julgamento previamente divulgada e com a
intimação dos contribuintes e respectivos procuradores para o acompanhamento das sessões
de julgamento, (ii) permissão para a entrega de memoriais, (iii) autorização de sustentação
oral, (iv) requisição de provas, (v) participação em debates, (vi) suscitação de questões de
ordem. Enfim, todos os atos imprescindíveis à hígida consecução dos ditames
24 Art. 25. O julgamento do processo de exigência de tributos ou contribuições administrados pela Secretaria da
Receita Federal compete: I - em primeira instância, às Delegacias da Receita Federal de Julgamento, órgãos de
deliberação interna e natureza colegiada da Secretaria da Receita Federal;
25 Art. 62. Terão prioridade no julgamento os processos em que estiverem presentes as circunstâncias de crime
contra a ordem tributária ou de elevado valor, este definido em ato do Ministro de Estado da Fazenda, bem
como, mediante requisição do interessado, aqueles em que figure como parte interveniente (Decreto no 70.235,
de 1972, art. 27, com a redação dada pela Lei no 9.532, de 1997, art. 67; Lei no 10.741, de 1o de outubro de
2003, art. 71; Lei no 9.784, de 1999, art. 69-A, com a redação dada pela Lei no 12.008, de 29 de julho de 2009,
art. 4o) (...).
31
constitucionalmente positivados do devido processo legal, da ampla defesa e do contraditório,
bem como do princípio da publicidade e transparência.
Somando-se a esta lacuna quanto à figura elementar do contribuinte, revela-se
também absolutamente injustificado e divorciado de qualquer respaldo lógico ou jurídico o
sigilo que reveste as sessões de julgamento.
Diante do cenário exposto, verifica-se a flagrante violação a diversos direitos
constitucionalmente previstos, além daqueles dispostos no Estatuto da Advocacia. Assim,
constata-se que os julgamentos de primeira instância administrativa tributária federal são
eivados de parcialidade e, por consequência, de grave ilegitimidade e ilegalidade.
Tendo em vista a natureza do lançamento de procedimento/ato administrativo,
consistindo na sucessão necessária de atos encadeados entre si com um objetivo específico
(constituição do crédito tributário), cumpre observar os princípios informadores da
Administração Pública, elencados no artigo 37 da Carta Magna, quais sejam: legalidade,
impessoalidade, moralidade, publicidade e eficiência.
Ademais, imperioso reconhecer que ao contencioso administrativo tributário também
são aplicáveis os princípios processuais igualmente contidos na Lei Maior, a destacar o
devido processo legal, contraditório e ampla defesa.
3.1) Do direito ao devido processo legal, contraditório e ampla defesa
As normas insculpidas no artigo 5º, incisos LIV e LV da Constituição Federal,
estabelecem os parâmetros do devido processo legal, assegurando aos litigantes em processo
judicial ou administrativo o direito ao contraditório e ampla defesa, in verbis:
“Art. 5º Todos são iguais perante a lei, sem distinção de qualquer
natureza, garantindo-se aos brasileiros e aos estrangeiros residentes no
País a inviolabilidade do direito à vida, à liberdade, à igualdade, à
segurança e à propriedade, nos termos seguintes:
LIV - ninguém será privado da liberdade ou de seus bens sem o
devido processo legal;
LV - aos litigantes, em processo judicial ou administrativo, e aos
acusados em geral são assegurados o contraditório e ampla defesa,
com os meios e recursos a ela inerentes;”
32
Assim, a Carta Magna de 1988 conferiu aos processos administrativos a mesma
destinação que já dava aos envolvidos em processos judicias nos diplomas anteriores. Aduz
Celso Bastos26 neste sentido:
“Esta inclusão foi extremamente oportuna porque veio consagrar uma
tendência que já se materializava em nosso direito, qual seja: a de não
dispensar essas garantias aos indiciados em processos administrativos.
Embora saibamos que as decisões proferidas no âmbito administrativo
não se revestem do caráter de coisa julgada, sendo possíveis, portanto,
uma revisão pelo Poder Judiciário, não é menos certo, por outro lado,
que dentro da instância administrativa podem perpetrar-se graves
lesões a direitos individuais, cuja reparação é muitas vezes de difícil
operacionalização perante o Judiciário. Daí porque essa preocupação
em proteger o acusado no curso do próprio processo administrativo é
muito vantajosa, mesmo porque, quanto melhor for a decisão nele
alcançada, menos serão as chances de uma renovação da questão
diante do Judiciário.”
Os princípios do contraditório e da ampla defesa também são reverenciados pelo
Decreto 70.235/1972 e pela Lei nº 9.784/99, que dão os contornos legais do processo
administrativo no âmbito da Administração Federal direta e indireta, mas não podendo passar
despercebido que tais diplomas legais visam, sobretudo, à proteção dos direitos dos
administrados e ao melhor cumprimento dos fins da Administração, merecendo destaque, a
esse propósito, as seguintes regras:
(i) o artigo 2º da Lei 9.784/1999, dispõe que a Administração Pública obedecerá,
dentre outros, aos princípios da legalidade, finalidade, motivação, razoabilidade,
proporcionalidade, moralidade, ampla defesa, contraditório, segurança jurídica,
interesse público e eficiência;
(ii) o seu artigo 3º assegura ao administrado que lhe seja facilitado o exercício de
seus direitos e o cumprimento de suas obrigações (inciso I), bem como o seu direito
de formular alegações e apresentar documentos antes da decisão, os quais serão
objeto de consideração pelo órgão competente (inciso III).
Ocorre que o procedimento atual dos julgamentos pelas DRJ’s não permite a ampla
defesa e o contraditório, o que retira dos contribuintes a possibilidade de defender-se de forma
plena. Ora, vale destacar que o direito de defesa não se resume a um simples direito de
26 Comentários à Constituição do Brasil, 2º vol, p. 287, Saraiva.
33
manifestação no processo e, pelo princípio do contraditório, qualquer fato, documento ou
prova trazido aos autos deve ser dado ao conhecimento da parte contrária e o seu exercício
pressupõe a informação acerca da data do julgamento, de quem irá julgar, e também a
possibilidade de confrontação, no ato do julgamento, das informações nele discutidas através
da sustentação oral.
Neste sentido, são esclarecedoras as palavras do Professor Diogo de Figueiredo
Moreira Neto ao conceituar o princípio do contraditório:
“O princípio do contraditório consiste na garantia do administrado de
que lhe será aberta a oportunidade de esclarecimento e ampla defesa,
de apresentação de prova e de acompanhamento de todo o
procedimento, sempre que o processo verse sobre interesses cuja
proteção lhe foi assegurada, sejam individuais, coletivos ou difusos”27
Nesta esteira, o Supremo Tribunal Federal é quem joga luz sobre este caminho de
trevas pavimentado por meio das sessões secretas em que são decididas em primeira instância
as controvérsias tributárias entre os sujeitos passivos e o Fisco Federal, merecendo destaque, a
propósito, a. decisão proferida no julgamento do ARE 754.097, em que o Ministro Celso de
Mello bem assinalou que:
"Com efeito, no que concerne à alegada violação ao art. 5º, inciso LV,
da Carta Política, não se pode perder de perspectiva, considerada a
essencialidade da garantia constitucional da plenitude de defesa e do
contraditório, que a Constituição da República estabelece que
ninguém pode ser privado de sua liberdade, de seus bens ou de seus
direitos sem a observância do devido processo legal, notadamente
naqueles casos em que se estabelece uma relação de polaridade
conflitante entre o Estado, de um lado, e o indivíduo, de outro.
Cumpre ter presente, bem por isso, que o Estado, em tema de restrição
à esfera jurídica de qualquer cidadão, não pode exercer a sua
autoridade de maneira abusiva ou arbitrária, desconsiderando, no
exercício de sua atividade, o postulado da plenitude de defesa, pois –
cabe enfatizar – o reconhecimento da legitimidade ético-jurídica de
qualquer medida imposta pelo Poder Público, de que resultem, como
no caso, consequências gravosas no plano dos direitos e garantias
individuais, exige a fiel observância do princípio do devido processo
legal (CF, art. 5º, LV).”28
27 MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 16ª Edição. Rio de Janeiro:
Forense, 2014, p.630.
28 STF – ARE 754097 – Relator: Min. CELSO DE MELLO, julgado em 28.08.2013.
34
O eminente Ministro entende também que
“a sustentação oral — que traduz prerrogativa jurídica de essencial
importância — compõe o estatuto constitucional do direito de defesa.
(...) o cerceamento do exercício dessa prerrogativa (sustentação oral),
que constitui uma das projeções concretizadoras do direito de defesa,
enseja, quando configurado, a própria invalidação do julgamento
realizado pelo Tribunal, em função da carga irrecusável de prejuízo
que lhe é ínsita”29.
Ou seja, impedir a efetiva participação do litigante, através da sua presença nas
sessões de julgamento, significa negar diretamente o princípio da segurança jurídica, projeção
objetiva e conceitual do Estado Democrático de Direito e da própria moralidade
administrativa.
A propósito, quem melhor definiu a importância da participação do advogado na
sessão de julgamento e o uso da palavra como corolário explícito e evidente da garantia
constitucional da ampla defesa e do contraditório foi o eminente ministro Carlos Britto, no
julgamento da Ação Direta de Inconstitucionalidade nº 1.127 — em que se discutia a
suspensão da eficácia de alguns dispositivos da Lei 8.906/1994, o Estatuto da Advocacia e da
Ordem dos Advogados do Brasil — que magistralmente pontuou que:
“Estamos cuidando de sustentação oral, e, de fato, ela é expressão do
contraditório na sua oralidade. Não há como negar isso. É até o clímax
do contraditório oral no âmbito do devido processo legal. Mesmo
atingindo esse ponto mais alto, não deixa de ser contraditório, e é
claro que o contraditório antecede o julgamento)”.
Oportuno ponderar que, diante de um colegiado, a sustentação oral do advogado
pode ser decisiva, porque muitas vezes o relator não se atém a um ponto crucial. Além de
possibilitar ao cidadão influir ativamente na tomada da decisão administrativa, a garantia de
prévia oitiva e manifestação também atende aos interesses da própria Administração, tendo
em vista que, não raro, é o próprio administrado que reúne os maiores conhecimentos sobre a
questão analisada, tornando-se, portanto, indispensável para uma adequada deliberação. Como
bem acentua o jurista Hartmut Maurer:
29 HC nº 103.867 – Rel. Min. Celso de Mello – DJe de 29.06.2010.
35
“As diferentes tendências do direito procedimental administrativo não
estão em contradição umas com as outras, mas complementam-se. O
direito à audiência, por exemplo, dá ao cidadão a possibilidade de
influir ativamente na toma de decisão, mas ele também serve à
administração, porque muitas vezes só o cidadão afetado possui o
conhecimento da matéria determinante para a decisão e suas
informações, por isso, são indispensáveis para a tomada de decisão.” 30
Não se pode tolerar a retirada do contribuinte o seu direito de debater, de discutir à
exaustão os fatos que lhe são imputados, visto que tal direto é inerente ao conceito do
contraditório e ampla defesa. A recusa em admitir a presença da parte ou de seu representante
legal durante a sessão de julgamento traz à luz a prática do arbítrio e aos julgadores não foi
dada competência para tanto, mas sim para julgar.
Aqueles que sustentam que as sessões secretas assim o são porque inexiste regra
expressa que textualmente preveja a intimação do sujeito passivo e/ou de seus representantes
da pauta de julgamento dos processos do seu interesse veem essa argumentação esvaecer ante
a garantia fundamental do contraditório e da mais ampla defesa assegurada pela Carta Política
da República, o que, a toda evidência, assegura às partes a possibilidade de participar de todas
as fases do processo — administrativo ou judicial —, lançando mão de todos os argumentos
adequados ao resguardo de seus interesses e influenciando o juízo de convicção daqueles que
estejam investidos do poder de decidir as controvérsias submetidas ao seu crivo.
Em consulta realizada pela OAB/RJ ao ilustre Professor Celso Antônio Bandeira de
Mello31 acerca da validade dos julgamentos proferidos por Delegacias da Receita Federal de
Julgamento, cumpre consignar trechos de seu parecer:
“(...)
Eis, pois, que qualquer ausência de intimação para a produção de
defesa ou de instrução que devam preceder a conclusão sobre débitos
do administrado, qualquer cerceio à apresentação de alegações,
provas, documentos, qualquer restrição à possibilidade do interessado
fiscalizar a imparcialidade da autuação administrativa no curso do
procedimento ou à publicidade dos atos e sessões de julgamento,
cortam direito do administrativo/contribuinte e implicam ofensa ao
30 MAURER, Hartmut. Direito Administrativo Geral. Trad. de Luís Afonso Heck. Barueri, SP: Manole, 2006. P.
542-543.
31 Parecer elaborado por Celso Antônio Bandeira de Mello em 01/10/2007, em resposta à consulta realizada pela
OAB/RJ acerca da validade dos julgamentos proferidos por Delegacias da Receita Federal de Julgamento.
36
direito ao contraditório e à ampla defesa, violando a essência do
devido processo legal.
Deveras, à falta disto, não se asseguraria aos administrados a
concretização do fundamento do Estado de Direito – qual seja, o de
que “todo poder emana do povo e em seu nome será exercido” - e
muito menos a realização do projeto nele contido: subordinado
exercício do poder a trâmites que acautelem seu uso injusto ou
descomedido; impedir a adoção de medidas inopinadas que ponham
em sobressalto aos membros da Sociedade e lhes dificultem,
embarguem ou elidam a possibilidade de obstar agravos à liberdade e
à propriedade decididos e executados caprichosa, sectária ou apenas
precipitadamente ou mesmo efetuados em intensidade ou extensão
mais amplos do que os requisitos para atendimento dos interesses que
os justifiquem.
Por derradeiro, cumpre anotar que, à toda evidencia, norma inferior à
Constituição ou inferior às leis, qualquer que seja ela
independentemente da esfera administrativa em que se aloque –
tributaria ou qualquer outra – jamais poderia ou poderá validamente se
opor às garantias do devido processo legal da ampla defesa, assim
como às inerências de um ou de outra. Trata-se de algo óbvio,
cristalino indisputado e indisputável.
(...)
I – São nulos e radicalmente nulos julgamentos proferidos por
Delegacias da Receita Federal de Julgamento no qual hajam sido
postergadas cautelas inerentes ao devido processo legal, quais,
“exempli gratia”, as da ampla defesa e da publicidade dos atos que
integram o processo.
II – O princípio constitucional do devido processo legal, com suas
inerências, obrigatoriamente prevalece sobre quaisquer normas infra
legais.”
Nesta toada, o Egrégio Tribunal Regional Federal da 3ª Região já se manifestou na
defesa dos contribuintes e contendas administrativas:
“TRIBUTÁRIO. PROCESSO ADMINISTRATIVO.
APRESENTAÇÃO DE MEMORIAL E SUSTENTAÇÃO ORAL
DURANTE APRECIAÇÃO DA IMPUGNAÇÃO PELA
SECRETARIA DA RECEITA FEDERAL. AFRONTA A
PRINCÍPIOS CONSTITUCIONAIS . OCORRÊNCIA. 1. A pretensão
do apelante em ser notificado da data do julgamento, bem como
participar do mesmo quando da análise de seu recurso na esfera
administrativa, encontra respaldo constitucional, eis que a garantia
constitucional do princípio da ampla defesa, resta violada, porquanto,
a parte tem direito de saber quando vai ser julgado seu processo ou
procedimento. A participação na decisão, nesta fase administrativa da
impugnação da autuação, não fere direitos constitucionais assegurados
ao contribuinte, porquanto, nesta fase o processo não recebe efetivo
37
julgamento. 2. Apelação provida. 3. Incabíveis os honorários
advocatícios a teor das Súmulas 512 do STF e 105 do STJ”32
Conforme supracitado, a ausência de divulgação das pautas de julgamento e
intimação dos contribuintes e seus procuradores, bem como a vedação à entrega de
memoriais, participação e sustentação oral violam os direitos também previstos no Estatuto da
Advocacia (Lei 8.9604/94).
Há que se atentar que tal limitação impede que o advogado exerça sua função na
defesa dos clientes e, a propósito, a necessária intervenção da participação do advogado dos
interessados nessas sessões de julgamento encontra guarida no Estatuto da Advocacia, em seu
artigo 7º. O referido diploma legal enumera os direitos do advogado, dentre eles, o do livre
acesso a recinto em que funcione repartição judicial ou outro serviço público onde o
advogado deva praticar ato ou colher prova ou informação útil ao exercício de sua atividade
profissional – como no caso dos julgamentos de primeira instância administrativa federal.
Vejamos:
“Art. 7º São direitos do advogado:
VI - ingressar livremente:
a) nas salas de sessões dos tribunais, mesmo além dos cancelos que
separam a parte reservada aos magistrados;
b) nas salas e dependências de audiências, secretarias, cartórios,
ofícios de justiça, serviços notariais e de registro, e, no caso de
delegacias e prisões, mesmo fora da hora de expediente e
independentemente da presença de seus titulares;
c) em qualquer edifício ou recinto em que funcione repartição judicial
ou outro serviço público onde o advogado deva praticar ato ou colher
prova ou informação útil ao exercício da atividade profissional,
dentro do expediente ou fora dele, e ser atendido, desde que se ache
presente qualquer servidor ou empregado.
(...)
X - usar da palavra, pela ordem, em qualquer juízo ou tribunal,
mediante intervenção sumária, para esclarecer equívoco ou dúvida
surgida em relação a fatos, documentos ou afirmações que influam no
julgamento, bem como para replicar acusação ou censura que lhe
forem feitas;”
32 TRF-3 – Apelação Cível n. 2007.61.00.010205-9/SP – Rel. Des. Fed. Roberto Haddad – julgado em
15.09.2009.
38
Assim, ao afastar o direito consagrado dos advogados de livre ingresso em
repartições pertencentes à Administração Pública, ofende-se, por conseguinte, o direito dos
contribuintes que se fazem por aqueles representados, haja vista a inequívoca limitação
imposta ao exercício de defesa.
Portanto, para que os contribuintes possam se valer plenamente de seus direitos, os
seus advogados devem ser intimados previamente quando da inclusão na pauta de julgamento
dos seus casos, de modo a garantir o seu acesso às salas de reunião e, consequentemente,
possam fazer sustentação oral e esclarecimentos de questões de fato quanto necessário.
Por oportuno, interessante observar ainda a comparação feita às biografias sem
autorização, invocada pela Desembargadora Letícia Mello em seu voto durante o julgamento
em sede recursal do Mandado de Segurança nº 0000113-91.2014.4.02.5101, impetrado pela
OAB/RJ questionando o sigilo dos julgamentos:
“Se a intimidade cede à publicidade o que dirá a eficiência. (...) não
vejo como o fato de o próprio contribuinte poder se manifestar possa
prejudicar a eficiência no serviço. Mesmo que houvesse um ônus, é
um preço módico a pagar por se viver num Estado democrático de
direito, numa República”33
Sob esta ótica, refuta-se o argumento aludido no capítulo anterior de que a abertura
dos julgamentos teria grande impacto no tempo e no custo dos processos administrativos. Ora,
a sobreposição da eficácia não pode deixar os demais preceitos constitucionais de lado, ela
deve ser colocada em segundo plano, priorizando, antes de tudo, os princípios do
contraditório e ampla defesa.
3.2) Do sigilo fiscal e o direito à publicidade
Além da prevalência dos princípios do contraditório e do devido processo legal, a
Carta Magna consagra também o princípio da publicidade. Nas palavras do ilustríssimo
Gilmar Mendes, “as garantias da ampla defesa, do contraditório e do devido processo legal
33 TRF-2 - Mandado de Segurança Coletivo – Processo nº 0000113-91.2014.4.02.5101 – Relator Luiz Antônio
Soares – julgado em 02/09/2014.
39
apenas são eficazes se o processo pode desenvolver-se sob o controle das partes e da opinião
pública”.34
O princípio da publicidade relaciona-se com a necessidade de que os atos praticados
pela Administração Pública recebam a maior divulgação possível, sendo intrínseco ao direito
de informação dos cidadãos e ao dever de transparência do Estado. Consiste em um dever
estatal, assim como no caso da ampla defesa e contraditório, igualmente inegociável e pedra
fundamental do Estado Democrático de Direito, que deve reger toda a atuação administrativa
do Estado, ressalvadas apenas as hipóteses de sigilo legalmente previstas.
Oportuno destacar o esclarecimento feito por José dos Santos Carvalho Filho quanto
ao princípio da publicidade:
“Indica que os atos da Administração devem merecer a mais ampla
divulgação possível entre os administrados, e isso porque constitui
fundamento do princípio propiciar-lhes a possibilidade de controlar a
legitimidade da conduta dos agentes administrativos. Só com a
transparência dessa conduta e que poderão os indivíduos aquilatar a
legalidade ou não dos atos e o grau de eficiência de que se
revestem.”35
O princípio que ora se discute está assentado no inciso LX do já aludido artigo 5°,
assim como o artigo 37 do Texto Magno:
“Art. 5º. (...) LX - a lei só poderá restringir a publicidade dos atos
processuais quando a defesa da intimidade ou o interesse social o
exigirem;
Art. 37. A administração pública direta e indireta de qualquer dos
Poderes da União, dos Estados, do Distrito Federal e dos Municípios
obedecerá aos princípios de legalidade, impessoalidade, moralidade,
publicidade e eficiência (...).”
No Estado Democrático de Direito, afora raríssimas exceções que pressupõem a
proteção da nação ou da privacidade, não há que se falar em atos secretos, dos quais o
administrado não possa deles conhecer.
34 MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito Constitucional. 9ª Edição. São
Paulo: Saraiva, 2014, p. 406.
35 CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª Edição. São Paulo: Atlas, 2014,
p. 26.
40
A publicidade de julgamentos públicos é regra no ordenamento jurídico atual. A
exceção é o sigilo que precisa de fundamento legal para se justificar em casos expressos que
envolvam a intimidade, interesse social e segurança da sociedade e do Estado, conforme
prescreve o artigo 5°, inciso XXXIII, da CRFB36, que foi regulamentado pelo artigo 3°, inciso
I, da Lei de Acesso a Informação37. Além disso, a Lei Complementar 131, posterior ao
Código Tributário Nacional, ex vi do artigo 2°, inciso II 38 , juridicamente determina a
transparência de todos os atos de lançamento e constituição de receita tributária.
Em nenhum diploma legal se estabelece, pois, a possibilidade de um processo
administrativo fechado ou sigiloso, afora na hipótese das circunstâncias apontadas. Tampouco
há disposição legal - e a Portaria Ministerial não pode pretender sobrepor-se à Lei ou, menos
ainda, à Constituição - que disponha sobre a existência de julgamento não participativo, ou
seja, onde seja vedada, ainda que informalmente, a participação de qualquer das partes.
Cumpre ressaltar, ainda, que o princípio da moralidade e da boa-fé dos atos
administrativos são reconhecidos como pressupostos necessários à validade e eficácia de tais
atos e pressupõem a transparência da atividade administrativa e, como tal, a participação do
administrado, especialmente, naqueles atos que lhe dizem respeito. Por certo, o julgamento de
processo administrativo, no qual figure como parte, enseja tal entendimento.
Desta forma, o teor dos debates travados nas DRJ’s não pode ser desviado do
conhecimento público, menos ainda daqueles que impulsionaram a contenda administrativa,
uma vez que diretamente interessados nas deliberações lá confeccionadas.
Inegável, portanto, que, uma vez sendo o processo administrativo um processo
público e pelo princípio da publicidade, as partes têm o direito de saber – sob pena da
36 "Art. 5ºXXXIII - todos têm direito a receber dos órgãos públicos informações de seu interesse particular, ou de
interesse coletivo ou geral, que serão prestadas no prazo da lei, sob pena de responsabilidade, ressalvadas
aquelas cujo sigilo seja imprescindível à segurança da sociedade e do Estado;".
37 Art. 3º Os procedimentos previstos nesta Lei destinam-se a assegurar o direito fundamental de acesso à
informação e devem ser executados em conformidade com os princípios básicos da administração pública e com
as seguintes diretrizes: I - observância da publicidade como preceito geral e do sigilo como exceção.
38 Art. 2º A Lei Complementar no 101, de 4 de maio de 2000, passa a vigorar acrescida dos seguintes arts. 48-A,
73-A, 73-B e 73-C: "Art. 48-A. Para os fins a que se refere o inciso II do parágrafo único do art. 48, os entes da
Federação disponibilizarão a qualquer pessoa física ou jurídica o acesso a informações referentes a: (...) II -
quanto à receita: o lançamento e o recebimento de toda a receita das unidades gestoras, inclusive referente a
recursos extraordinários."
41
nulidade do ato administrativo-, dentre outras informações, a hora e o local da realização de
determinado ato que lhe diga respeito ou no qual esteja interessado.
A atitude da autoridade que nega ao contribuinte o direito de assistir e participar do
julgamento de processo administrativo em que é parte retira, no mínimo, a insuspeição e a
imparcialidade que o ato deve conter.
Em parecer elaborado por Eurico Marcos Diniz de Santi39 em consulta da OAB/RJ
sobre o assunto em voga, o jurista afirma que "juridicamente é insustentável e moralmente
comprometedor que a Administração Tributária oculte seus atos de aplicação, julgamento e
decisão realizados nas esferas de 1ª instância administrativa, esquivando-se de tornar públicos
seus próprios critérios de interpretação e concretização do Direito".
O especialista em direito tributário esclarece os diversos efeitos institucionais da
publicidade e transparência dos julgados das DRJ’s contra a lógica do segredo do fiscal, quais
sejam:
(i) não é possível a compreensão do julgamento de segunda instância sem o amplo
acesso aos julgamentos de primeira instância, o que torna a prática atual do
Fisco uma ocultação do próprio objeto do julgamento;
(ii) a divulgação das decisões de primeira instância aumentaria o fluxo de
informação sobre a legalidade prática usada pela administração, o que
ampliaria a compreensão do contribuinte sobre seus critérios;
(iii) a publicidade dos julgamentos aumenta o controle social da administração
pública e a ampla publicidade dos julgados democratiza o entendimento,
fazendo com que não apenas grandes escritórios que trabalham em larga escala
tenham visão privilegiada do entendimento dos julgados;
(iv) a participação dos advogados nos julgamentos amplia o diálogo entre o público
e o privado, atendendo ao princípio da ampla defesa e revelando que o
problema do contencioso é a má qualidade dos autos de infração, combinada
com a complexidade da legislação tributária e a omissão do Fisco em revelar
seus critérios;
39 DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Estudo, Investigação E Análise Kafka, Alienação E Deformidades Da
Legalidade: Em Defesa Da Ação da OAB Contra Julgamentos Públicos Secretos. 2014
42
(v) a publicidade e a transparência consolidariam social e juridicamente o
entendimento histórico das DRJ’s, oferecendo certeza e segurança jurídica para
o servidor público e para os contribuintes;
(vi) a publicidade, transparência, o conhecimento e o controle social sobre os
julgados das DRJ’s protegeriam os servidores públicos da pressão de seus
superiores hierárquicos, garantindo sustentação e apoio social à manutenção da
sua coerência histórica e legal, exigindo para alteração desse entendimento
mudança institucional discutida publicamente sobre nova proposta de
interpretação da legislação tributária;
(vii) a transparência dos julgados das DRJ’s evitaria o contencioso, anteciparia o
entendimento institucional da legalidade pela Receita Federal e reduziria a
necessidade do apelo excessivo ao Poder Judiciário, reduzindo também o
volume para os tribunais administrativos paritários de segunda instância, que
ficariam resguardados para decidir sobre efetivas e relevantes divergências
sobre a legislação tributária;
(viii) a transparência e publicidade dos julgados resguardaria a função dos
julgadores, impedindo que a interpretação da legislação seja manejada para
atendimento aos caprichos e demandas financeiras do Executivo; e
(ix) a transparência impediria a criação de nova fonte de receita tributária sem a
necessária lei e sem o respectivo processo democrático, fortalecendo o Poder
Legislativo.
Há, pois, que se manter em mente que o Estado Democrático de Direito não
comporta julgamentos sigilosos e o próprio princípio republicano impõe que sejam abertos.
3.3) Do direito à boa administração
Importante ponderar ainda que os princípios supracitados integram um conceito mais
amplo, modernamente reconhecido no Direito Europeu – e também no sistema nacional –
consistente no direito fundamental à boa administração. Dito direito foi consagrado
institucionalmente a partir da vigência em caráter cogente do artigo 41 da Carta dos Direitos
43
Fundamentais da União Europeia (Carta de Nice), que em seus dispositivos enumera o seu
conteúdo normativo oponível em face da Administração Pública:
“Artigo 41.º Direito a uma boa administração
1. Todas as pessoas têm direito a que os seus assuntos sejam tratados
pelas instituições, órgãos e organismos da União de forma imparcial,
equitativa e num prazo razoável.
2. Este direito compreende, nomeadamente:
a) O direito de qualquer pessoa a ser ouvida antes de a seu respeito
ser tomada qualquer medida individual que a afete
desfavoravelmente;
b) O direito de qualquer pessoa a ter acesso aos processos que se lhe
refiram, no respeito pelos legítimos interesses da confidencialidade e
do segredo profissional e comercial;
c) A obrigação, por parte da administração, de fundamentar as suas
decisões.
3. Todas as pessoas têm direito à reparação, por parte da União, dos
danos causados pelas suas instituições ou pelos seus agentes no
exercício das respetivas funções, de acordo com os princípios gerais
comuns às legislações dos Estados-Membros.
4. Todas as pessoas têm a possibilidade de se dirigir às instituições da
União numa das línguas dos Tratados, devendo obter uma resposta na
mesma língua.”
Neste contexto, além de assegurar a observância do contraditório e ampla defesa, o
direito fundamental à boa administração exige também o respeito à publicidade e
transparência dos atos administrativos, ressalvadas, apenas, as hipóteses legalmente previstas
de sigilo – conforme já analisado.
Cumpre destacar que o conceito de boa administração foi construído
jurisprudencialmente pela Justiça Comunitária Europeia, tendo como mote a superação do
conceito clássico de supremacia ou primado do interesse público como decorrência da
soberania nacional, calcando-se, para tanto, em dois pilares essenciais para o Estado
Democrático de Direito: (i) a prevalência dos interesses da cidadania, associados à noção de
interesse público, e (ii) a revalorização do contraditório, decorrente da proeminência
jurisdicional no controle da atuação administrativa, como corolário da consagração do
princípio da tutela judicial efetiva.
44
Assim, as concepções clássicas que afastavam a possibilidade de exame do chamado
mérito do ato administrativo pelo Judiciário passam a ser repensadas e revistas, visando à
adequação dos sistemas jurídicos e das Administrações Públicas à nova ordem democrática
que se afirmava.
Deste modo, de acordo com o princípio em tela, a fim de respeitar as mencionadas
garantias, a Administração Pública deve agir de maneira transparente, que permita o acesso a
informações e o controle geral pela sociedade.
3.4) Do descompasso dos procedimentos adotados pelas DRJ’s em comparação ao CARF
Diferentemente dos procedimentos de julgamentos adotados pelas Delegacias da
Receita Federal de Julgamento, na segunda instância administrativa observa-se a obediência
aos princípios previstos na Constituição Federal e no Estatuto da Advocacia inerentes ao
processo administrativo tributário federal. É incontroverso, pois, o cumprimento aos
princípios do devido processo legal, contraditório, ampla defesa e publicidade, assegurados no
Regimento Interno do CARF40.
No que tange ao descompasso entre a primeira e segunda instâncias fiscais em
relação às sessões de julgamento, confira-se o entendimento jurisprudencial:
“Foi editada a indigitada Portaria MF 341, de 12.7.2011, que vige
atualmente com as alterações oriundas da Portaria MF 571, de 4.12.2013, a
40 Art. 53. A sessão de julgamento será pública, podendo ser realizada de forma presencial ou não presencial. §1º
A sessão de julgamento não presencial, realizada por vídeo conferência ou tecnologia similar, deverá seguir o
mesmo rito e asseguradas as mesmas garantias das sessões presenciais, com disponibilização de salas de
recepção e transmissão para atuação das partes e gravação da sessão de julgamento. §2º Poderão ser julgados em
sessões não presenciais os recursos em processos de valor cujo valor original seja inferior a R$ 1.000.000,00 (um
milhão de reais) ou, independentemente do valor, forem objeto de súmula ou resolução do CARF ou de decisões
do Supremo Tribunal Federal ou do Superior Tribunal de Justiça na sistemática dos arts. 543-B e 543-C da Lei
nº 5.869, de 11 de janeiro de 1973 - Código de Processo Civil (CPC). § 3º As sessões de julgamento presenciais
poderão ser transmitidas, via internet, e gravadas em meio digital. § 4º Fica assegurado o direito de apresentar
memoriais em meio digital previamente ao julgamento.
Art. 55. A pauta da reunião indicará: I - dia, hora e local de cada sessão de julgamento; (...) § 1º A pauta será
publicada no Diário Oficial da União e divulgada no sítio do CARF na Internet, com, no mínimo, 10 (dez) dias
de antecedência.
Art. 58. Anunciado o julgamento de cada recurso, o presidente dará a palavra, sucessivamente: I - ao relator,
para leitura do relatório; II - ao recorrente ou ao seu representante legal para, se desejar, fazer sustentação oral
por 15 (quinze) minutos, prorrogáveis por, no máximo, 15 (quinze) minutos, a critério do presidente; III - à parte
adversa ou ao seu representante legal para, se desejar, fazer sustentação oral por 15 (quinze) minutos,
prorrogáveis por, no máximo, 15 (quinze) minutos, a critério do presidente; IV - ao relator, para proferir seu
voto; V - aos demais conselheiros para debates e esclarecimentos. (...)
45
qual não permite, diversamente do Regimento Interno do Conselho
Administrativo de Recursos Fiscais (RICARF) – segunda instância do
processo administrativo fiscal, cujo RI foi editado pela Portaria MF 256, de
2207.2009, com as alterações das Portarias MF 446, de 27.8.2009, e 586, de
21.12.2010- a plena atuação do advogado.
Com efeito, os arts. 52 e segs., do RICARF, não somente prescrevem (1) a
publicidade das sessões de julgamento (RICARF, art. 53), inclusive quando
mediante vídeo conferência (cf. RICARF, art. 53, §§ 1° e 2°); (2) como
também garantem a apresentação de memoriais, inclusive em meio digital,
bem como sustentação oral e gravação da sessão de julgamento (cf.
RICARF, art. 53, §§ 1° e 2°, incs l a IV).
Exsurge, assim, a evidente assimetria entre os procedimentos de julgamento
de primeiro e de segundo graus no âmbito do processo administrativo
fiscal, em prejuízo evidente e inequívoco, na primeira instância, da due
process clause, passível de ataque na via mandamental.
(...)
Em razão disso, impõe-se a concessão da medida liminar para que,
afastando-se a incidência da Portaria MF 341/2011, seja aplicada - até a
edição de norma, por parte do Ministério da Fazenda, que obsequie a due
process clause - a Portaria MF 256, de 22.07.2009, com as alterações das
Portarias MF 446, de 27.8.2009, e 586, de 21.12.2010, que instituiu o
Regimento Interno do Conselho Administrativo de Recursos Fiscais –
RICARF.
Ressalto, que entende este Magistrado que a aplicação analógica, por
verdadeira simetria, do RICARF à jurisdição de primeira instância fiscal
não viola nem o princípio da reserva da administração - pois não interdita à
Administração Tributária o exercício da competência para editar nova
Portaria que regule o processo de primeira instância em conformidade com
os princípios derivados da cláusula do devido processo legal.”41
Assim, o CARF, sendo um órgão colegiado, paritário e acessível, situado em Brasília
e que divulga previamente as pautas de julgamento, admite a entrega de memoriais, bem
como a sustentação oral e a participação efetiva dos advogados durante os julgamentos,
escancara grande paradoxo da Receita Federal que não estende às Delegacias de Julgamento
os direitos contemplados nas demais fases decisórias.
Paradoxo este que não deveria existir, mas sim uma uniformidade entre as instâncias
decisórias que deve ser pautada no respeito e cumprimento aos preceitos constitucionais. A
sistemática procedimental que opera o funcionamento do CARF deve ser aplicada, por
simetria, às Delegacias da Receita Federal de Julgamento.
41 JFDF – Mandado de Segurança Coletivo – Processo nº 9018-74.2014.4.01.3400 – 8ª Vara Federal de Brasília
– Juiz Federal Antonio Claudio Macedo da Silva – julgado em 11.02.2014.
46
4) O ATUAL ENTENDIMENTO JURISPRUDENCIAL
O Judiciário tem se manifestado favoravelmente às pretensões dos contribuintes e as
ilegalidades constatadas no tratamento processual dado pelas Delegacias da Receita Federal
de Julgamento às sessões de julgamento não estão sendo toleradas, como se verifica nas
decisões a seguir colacionadas:
“(...)
A questão a ser dirimida nos autos consiste, noutras palavras, em
investigar à luz da Constituição da República e da legislação
infraconstitucional se a negativa do impetrado em notificar o
impetrante da data e local da realização de sessão de julgamento da
impugnação administrativa por ele apresentada configura ofensa aos
princípios constitucionais da ampla defesa e contraditório.
(...)
Estes princípios consistem, como é notório, em postulados basilares
que refletem a necessidade de que o exercício do poder jurídico
público seja feito de forma justa e imparcial, proporcionando ao
administrado a oportunidade de se opor às alegações do ex adverso e
apresentando as razões que entende fundamentar sua defesa. Como se
vê, o próprio texto constitucional explicitou de maneira clara e
inequívoca a garantia aos princípios da ampla defesa e do
contraditório, deixando registrado, ainda, que tais garantias devem
ser dadas aos litigantes e acusados em geral respeitadas não apenas
em processos judiciais, mas também em processos administrativos.
Tamanha é a importância de tais princípios que o legislador ainda o
incluiu no texto do artigo 2° da Lei 9.784/99, como princípios
norteadores da administração pública, ao lado da legalidade,
segurança jurídica, finalidade e motivação, dentre outros:
(...)
No caso embatido nos autos, o impetrante teve negado o pedido de
notificação da data de julgamento de sua impugnação administrativa,
ficando, assim, impossibilitado de apresentar memoriais e sustentar
oralmente sua defesa. Neste sentido, entendo que a conduta do
impetrado configurou violação a mencionados princípios, porquanto
implicou na limitação do direito de defesa do impetrante.
Tal entendimento há muito já foi adotado pelas cortes superiores,
conforme demonstram os julgados abaixo colacionados:
“TRIBUTÁRIO – PROCESSO ADMINISTRATIVO FISCAL –
LANÇAMENTO –MOTIFICAÇÃO –NECESSIDADE –TRIBUTO
SUJEITO A LANÇAMENTO DE OFICIO-NULIDADE DA
EXECUÇÃO FISCAL.
1. A ampla defesa e o contraditório, corolários do devido processo
legal, postulados com sede constitucional, são de observância
obrigatória tanto no que pertine aos “acusados em geral”, quanto aos
“litigantes”, seja em processo judicial, seja em procedimento
administrativo.
47
2. Insere-se nas garantias da ampla defesa e do contraditório a
notificação do contribuinte do ato de lançamento que a ele respeita. A
sua ausência implica a nulidade do lançamento e da Execução Fiscal
nele fundada. ( STJ, Rel Min. Luiz Fux, REsp 478.853)
(...)
Incabível a alegação da autoridade de que não há na Portaria MF
58/2006 previsão expressa de participação e manifestação do sujeito
passivo ou seu representante legal na seção de julgamento, porquanto
tal direito lhe é garantido por norma constitucional que, como é
cediço, tem natureza hierarquicamente superior a qualquer outra
norma legal ou administrativa. Assim, havendo negativa ao pedido
expresso do impetrante de ser notificado de dia e hora do julgamento
de sua impugnação, resta inequivocamente inviabilizado o exercício
do direito à ampla defesa e contraditório. Face a todo o exposto, nos
termos do artigo 269, I do Código de Processo Civil JULGO
PROCEDENTE o pedido e, por conseguinte, CONCEDO A
SEGURANÇA pleiteada, tornando sem efeito o julgamento proferido
no processo administrativo nº 19515-000- 961/2007-27, face à
flagrante ofensa às garantias constitucionais da ampla defesa e do
contraditório. Como consequência, determino que a autoridade
coatora promova novo julgamento no processo administrativo
nº19515-000-961/2007, notificando o impetrante do local e hora de
sua realização para que este, querendo, compareça acompanhado ou
não de advogado e lhe seja permitindo o livre e amplo exercício de
defesa.” 42
Na mesma esteira, outras decisões proferidas pela Justiça Federal de São Paulo:
“Com efeito, a CF/88, em seu art. 50, LV, assegura aos litigantes, seja
em processo judicial, seja em processo administrativo, o livre acesso
ao contraditório e à ampla defesa.
Dessa forma, há que se conferir sempre ao contribuinte meios de
participar do contraditório, instruindo o processo e participando do
julgamento. Assim, toda e qualquer norma infraconstitucional que
discipline o procedimento administrativo, seja lei ou ato
administrativo normativo, deve assegurar ao contribuinte o exercício
dessas garantias.
Não prevendo a Portaria MF 58/2006 a possibilidade de participação
do contribuinte nas sessões de julgamento das Delegacias da Receita
Federal de Julgamento, há nulidade por afronta ao princípio do
devido processo legal.
No caso em tela, ademais, houve requerimento expresso do
contribuinte (fI. 142) para que se lhe desse ciência da data de
realização do julgamento de sua impugnação, bem como a
possibilidade de sua participação direta no julgamento, com a entrega
42 JFSP – Processo nº. 2008.61.00.009802-4 – 13ª Vara Federal Cível de São Paulo – Juiz Wilson Zauhy Filho –
julgado em 14.09.2009.
48
de memorais aos julgadores e sustentação oral, o que não foi
apreciado.
Houve, assim, violação aos princípios constitucionais do devido
processo legal, da ampla defesa e do contraditório, não podendo
norma administrativa dispor de forma a afastar garantias
constitucionais, tendo o contribuinte direito de tomar ciência da data,
local e horário que seu processo será julgado em colegiado, devendo
também ser possibilitado ao contribuinte o acesso à sessão, que deve
ser pública, bem como apresentar memoriais e realizar sustentação
oral.
Se assim ocorre nos tribunais judiciais, formado por julgadores
imparciais, a garantia deve ser maior ainda em tribunais formados
por julgadores administrativos, que não gozam da isenção e
imparcialidade confiada aos juízes togados.
Ademais, a própria Lei nº. 9.784/99, lei geral do processo
administrativo na esfera federal, aplicável ao caso, impõe à
Administração Pública obediência, entre outros, aos princípios da
ampla defesa e contraditório (art. 20, caput) e das "das formalidades
essenciais à garantia dos direitos dos administrados" (art. 20, do
parágrafo único, inciso VIII).
No mais, a conduta da autoridade impetrada, de sequer apreciar o
pedido, por meio de decisão, antes do julgamento, deixando para
analisar a questão apenas quando da realização deste, também já se
configura, por si só, abusiva, na medida em que retirou o contribuinte
a possibilidade de questionar judicialmente este antes do julgamento
Ante o exposto, nos termos do artigo 269, I, do Código de Processo
Civil, CONCEDO A SEGURANÇA de modo a tornar sem efeito o
julgamento ocorrido em 16 de janeiro de 2008 nos autos do processo
administrativo nº 19515.000602/2007-70, por ofensa ao devido
processo legal e a ampla defesa”43
“(...)
Cinge a controvérsia em saber se o julgamento levado a efeito pela
Administração Pública, sem que houvesse sido intimado o
contribuinte interessado de sua data e hora para que pudesse
entregar memoriais e sustentar oralmente a sua defesa é válido.
O tema articulado pelo impetrante encontra assento constitucional,
porque surge do confronto entre os princípios da legalidade da
Administração Pública e do contraditório e da ampla defesa, bem
como da extensão deste princípio. No plano infraconstitucional, a
matéria vem disciplinada pela Lei 9.784/99.
Embora a Administração Pública tenha indeferido o pedido do
impetrante diante da inexistência de fundamento legal que o imponha,
certo é que seu ato malferiu princípio maior, sobre princípio em
relação do princípio da legalidade, que é o princípio contraditório e da
43 JFSP – Processo nº. 2008.61.00.014501-4 – 5ª Vara Cível de São Paulo – Juíza Federal Marcelle Ragazoni
Carvalho – julgado em 23.01.2009.
49
ampla defesa, inserto no artigo 5°, LV, da Carta da República, nos
seguintes termos:
(...)
Há muito a doutrina constitucional vem enfatizando que o direito de
defesa não se resume a um simples direito de manifestação no
processo, conforme esclarece o Sr. Ministro Gilmar Mendes, em voto
proferido nos autos do mandado de segurança 24.268-Minas Gerias,
verbis:
(...)
Dessa forma, o ato administrativo impugnado é nulo porque negou ao
impetrante o direito de comparecer no julgamento, bem como de fazer
sustentação oral e apresentar memoriais, equiparando-se julgamento
segredo.
Posto isso, CONCEDO A SEGURANÇA, nos termos do pedido inicial,
extinguindo o processo, com julgamento de mérito, com fulcro no
artigo 269, inciso l, do Código do Processo Civil44. ”
Eis o posicionamento sucedido recentemente na Justiça Federal do Rio de Janeiro:
“Diante dos fatos narrados, a sistemática adotada peca pela não
designação de datas para julgamento, intimação dos contribuintes e
dos seus advogados, caso estejam representados diante da
interpretação majoritária de que em qualquer procedimento
administrativo a parte pode defender suas pretensões. Creio que uma
interpretação constitucional adequada à integração dos princípios
maiores do contraditório e ampla defesa devem guardar esses autos. A
realização da norma constitucional tem precedência sobre as demais,
hierarquicamente inferiores. Vislumbro, pois, o fumus boni iuris dos
argumentos expendidos nesse ponto. Verifico que ponderando
interesses em jogo, o deferimento da medida liminar não causará
prejuízo à Fazenda tendo em vista as consequências de adequação
meramente procedimentais. O periculum in mora está presente vez
que os julgamentos continuam ocorrendo iterativamente sem a
observância dos princípios constitucionais referidos. Estão, assim,
preenchidos os pressupostos legais”45
44 JFSP - Processo n° 2007.61.00.019103-2 - 23ª Vara Federal de São Paulo, juíza Maria Cristina de Luca
Barongeno.
45 JFRJ – Mandado de Segurança Coletivo – Processo nº 0000113-91.2014.4.02.5101 – 5ª Vara Federal do Rio
de Janeiro – Juiz Federal Firly Nascimento Filho – julgado em 27.01.2014.
50
CONCLUSÃO
Conforme verificado, as legislações atinentes aos julgamentos de primeira instância
administrativa tributária federal são omissas no que diz respeito aos direitos do contribuinte. E
é partir desta patente omissão que se oberva a necessidade de assegurar as garantias quanto à
(i) divulgação prévia da pauta de julgamento e a intimação dos contribuintes e respectivos
procuradores para o acompanhamento das sessões de julgamento, (ii) permissão para a
entrega de memoriais, (iii) autorização de sustentação oral, (iv) requisição de provas, (v)
participação em debates, e (vi) suscitação de questões de ordem.
Consequentemente, a referida lacuna legislativa é inequivocamente preenchida pelos
princípios constitucionais consagrados pela Constituição Federal, cujo âmbito de proteção
contempla todos os processos, judiciais e administrativos, bem como pelas garantias
asseguradas aos advogados no Estatuto da Advocacia.
Cumpre ressaltar que o teor dos debates travados nas Delegacias da Receita Federal
de Julgamento não pode ser desviado do conhecimento público, menos ainda daqueles que
impulsionaram a contenda administrativa uma vez que diretamente interessados nas
deliberações lá confeccionadas. É, pois, inconcebível que o contribuinte não possa saber
quando e onde será seu julgamento, quem julgará e as razões de decidir. Assim, a atitude da
autoridade administrativa que nega ao contribuinte o seu direito de assistir e participar do
julgamento de processo administrativo em que é parte retira, no mínimo, a insuspeição e a
imparcialidade que o ato deve conter.
Desta forma, diante da análise exposta no presente trabalho, é inegável que o sigilo
que reveste as sessões de julgamento das Delegacias da Receita Federal do Brasil de
Julgamento revela-se absolutamente injustificado e divorciado de qualquer respaldo lógico ou
jurídico. Por conseguinte, verifica-se a flagrante inobservância e violação aos direitos
fundamentais do devido processo legal, contraditório, ampla defesa, publicidade,
transparência e boa administração.
Portanto, considerando a observância do Estado Democrático de Direito e as
garantias supracitadas, não há mais como admitir a injusta vedação ao acesso às sessões de
julgamento realizadas perante as Delegacias Regionais de Julgamento da Receita Federal do
Brasil, concluindo-se pela inconstitucionalidade dos julgamentos de primeira instância
administrativa tributária federal.
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REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS
CARVALHO FILHO, José dos Santos. Manual de Direito Administrativo. 27ª Edição.
São Paulo: Atlas, 2014.
DE SANTI, Eurico Marcos Diniz. Estudo, Investigação E Análise Kafka, Alienação E
Deformidades Da Legalidade: Em Defesa Da Ação da OAB Contra Julgamentos
Públicos Secretos. Parecer. 2014
MACHADO SEGUNDO, Hugo de Brito. Processo tributário. 7ª edição. São Paulo:
Atlas, 2014.
MENDES, Gilmar Ferreira; BRANCO, Paulo Gustavo Gonet. Curso de Direito
Constitucional. 9ª Edição. São Paulo: Saraiva, 2014.
MOREIRA NETO, Diogo de Figueiredo. Curso de Direito Administrativo. 16ª
Edição. Rio de Janeiro: Forense, 2014.
TORRES, Ricardo Lobo. Curso de Direito Financeiro e Tributário. 13ª Edição. Rio
de Janeiro: Renovar, 2006.