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323 FEMINA | Maio 2007 | vol 35 | nº 5 Abstract Resumo Infecção primária por varicela durante o primeiro e segundo trimestre de gravidez pode aumentar o risco de síndrome de varicela congênita em 0,5-1,5% sobre o risco basal de malformações congênitas severas. A infecção no terceiro trimestre pode conduzir a pneumonia materna, que pode ser letal se não tratada adequadamente. Ao contrário da infecção primária na gravidez, não estão descritas complicações fetais pelo herpes zoster, exceto na sua forma disseminada. Imunoglobulina para varicela-zoster (IGVZ) deve ser administrada o mais breve possível, preferencialmente dentro de 96 h de exposição, para prevenir infecção materna ou complicações subseqüentes. Depois de 96 h, a efetividade da IGVZ não foi avaliada. Varicela neonatal é mais severa se a erupção cutânea materna aparecer entre 5 dias antes ou 2 dias após o parto; ao recém-nascido deve ser administrado IGVZ imediatamente. Aciclovir intravenoso é recomendado para pneumonia materna e neonatal severas. Nenhum estudo controlado ainda avaliou a efetividade de aciclovir ou valaciclovir para profilaxia pós-exposição de gestantes ou neonatos. O advento de técnicas de imagem avançadas e a biologia molecular melhoram o diagnóstico pré-natal. Com o aumento da vacinação, é esperado que a incidência de catapora na gravidez diminua no futuro. Wellington de Paula Martins Carolina Oliveira Nastri Cláudia Oliveira Baraldi Geraldo Duarte Francisco Mauad-Filho Palavras-chave Gestação Varicela Catapora Transmissão vertical Keywords Pregnancy Varicella Chickenpox Vertical infection 1 Faculdade de Medicina de Ribeirão Preto da Universidade de São Paulo Departamento de Ginecologia e Obstetrícia Varicella (Chickenpox) in pregnancy Varicela (Catapora) na gestação ATUALIZAÇÃO Varicella infection during the first and second trimester of pregnancy may increase the risk for congenital varicella syndrome 0.5-1.5% above the baseline risk for major malformation. Third trimester infection may lead to maternal pneumonia which can be life threatening if not treated appropriately. Unlike primary varicella infection in pregnancy, herpes zoster has not been documented to cause fetal complications except in the disseminated form. Varicella- zoster immune globulin (IGVZ) should be administered as soon as possible, preferably within 96 h from exposure to prevent maternal infection or subsequent complications. The effectiveness of IGVZ has not been evaluated after 96 h. Neonatal varicella is more severe if maternal rash appears 5 days prior to or 2 days after delivery, the newborn should receive IGVZ immediately. Intravenous acyclovir is recommended for maternal pneumonia and severely affected neonate. No controlled trial has evaluated the effectiveness of acyclovir or valacyclovir for postexposure prophylaxis to pregnant women or neonates yet. The advent of advanced imaging techniques and molecular biology has improved prenatal diagnosis. With increase use of vaccination, the incidence of chickenpox in pregnancy is expected to decline in the future.

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oInfecção primária por varicela durante o primeiro e segundo trimestre de gravidez pode aumentar o risco de síndrome de varicela congênita em 0,5-1,5% sobre o risco basal de malformações congênitas severas. A infecção no terceiro trimestre pode conduzir a pneumonia materna, que pode ser letal se não tratada adequadamente. Ao contrário da infecção primária na gravidez, não estão descritas complicações fetais pelo herpes zoster, exceto na sua forma disseminada. Imunoglobulina para varicela-zoster (IGVZ) deve ser administrada o mais breve possível, preferencialmente dentro de 96 h de exposição, para prevenir infecção materna ou complicações subseqüentes. Depois de 96 h, a efetividade da IGVZ não foi avaliada. Varicela neonatal é mais severa se a erupção cutânea materna aparecer entre 5 dias antes ou 2 dias após o parto; ao recém-nascido deve ser administrado IGVZ imediatamente. Aciclovir intravenoso é recomendado para pneumonia materna e neonatal severas. Nenhum estudo controlado ainda avaliou a efetividade de aciclovir ou valaciclovir para profilaxia pós-exposição de gestantes ou neonatos. O advento de técnicas de imagem avançadas e a biologia molecular melhoram o diagnóstico pré-natal. Com o aumento da vacinação, é esperado que a incidência de catapora na gravidez diminua no futuro.

Wellington de Paula MartinsCarolina Oliveira Nastri

Cláudia Oliveira BaraldiGeraldo Duarte

Francisco Mauad-Filho

Palavras-chaveGestação

Varicela Catapora

Transmissão vertical

KeywordsPregnancy

Varicella Chickenpox

Vertical infection

1FaculdadedeMedicinadeRibeirãoPretodaUniversidadedeSãoPaulo DepartamentodeGinecologiaeObstetrícia

Varicella (Chickenpox) in pregnancy

Varicela (Catapora) na gestação

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Varicella infection during the first and second trimester of pregnancy may increase the risk for congenital varicella syndrome 0.5-1.5% above the baseline risk for major malformation. Third trimester infection may lead to maternal pneumonia which can be life threatening if not treated appropriately. Unlike primary varicella infection in pregnancy, herpes zoster has not been documented to cause fetal complications except in the disseminated form. Varicella-zoster immune globulin (IGVZ) should be administered as soon as possible, preferably within 96 h from exposure to prevent maternal infection or subsequent complications. The effectiveness of IGVZ has not been evaluated after 96 h. Neonatal varicella is more severe if maternal rash appears 5 days prior to or 2 days after delivery, the newborn should receive IGVZ immediately. Intravenous acyclovir is recommended for maternal pneumonia and severely affected neonate. No controlled trial has evaluated the effectiveness of acyclovir or valacyclovir for postexposure prophylaxis to pregnant women or neonates yet. The advent of advanced imaging techniques and molecular biology has improved prenatal diagnosis. With increase use of vaccination, the incidence of chickenpox in pregnancy is expected to decline in the future.

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Introdução

Em 1947, dois estudantes de Medicina do 4º ano, LaForet e Lynch, informaram um caso de defeitos congênitos múlti-plos, secundário a um caso de varicela durante a 8ª semana de gestação. Naquele tempo, era ainda duvidoso se o vírus da varicela era a causa etiológica das anomalias congênitas. Este relatório inicial incitou mais médicos e investigadores a informar achados semelhantes que conduziram à confirmação da síndrome da varicela congênita (SVC). De 1947 a 2000, houve mais de 110 casos de SVC relatados na literatura (Sauerbrei & Wutzler, 2003). Apesar de incomum, quando a infecção por varicela ocorre durante o período gestacional, ela pode acarretar efeitos teratogênicos ao feto.

Epidemiologia

A epidemiologia da infecção pelo vírus da varicela-zoster (VZV) difere entre climas temperados e tropicais. Na região temperada, os picos de infecção de varicela ocorrem no in-verno e começo da primavera. Em países como EUA, Japão e Europa, mais de 90% da população têm a infecção primária antes de 15 anos de idade (Enders & Miller, 2000), enquanto que nos países tropicais a incidência varia entre 25 e 85% para esta faixa etária (Lolekha et al., 2001).

A verdadeira incidência de infecção de varicela na gravi-dez não é conhecida. As estimativas atuais são baseadas na proporção de mulheres em idade fértil que são suscetíveis a infecção e ao risco de exposição durante gravidez. No Reino Unido, o risco de infecção entre 15-44 anos é de 2-3 por 1.000 enquanto nos EUA, estima-se uma taxa anual entre 1,6 e 4,6 por 1.000.

Em um recente estudo publicado no Brasil (Reis et al., 2003), a prevalência de adultos jovens (975 pessoas de diversas regiões do Brasil com idade entre 20 e 29 anos) com anticorpos contra o VZV foi de 94,2%. Esta taxa, mais elevada que a esperada, sugere que no Brasil o risco de in-fecção durante a gestação seja mais baixo do que em outros países tropicais, devendo ter valores próximos ao dos EUA e Reino Unido.

Patogênese

VZV é um agente infeccioso altamente contagioso. O homem é o único hospedeiro conhecido. O vírus é facilmente cultivado de lesões de pele de pacientes. Porém, foi bastante difícil isolar o vírus de secreções da nasofaringe, lançando

dúvida se a transmissão poderia acontecer por secreções respiratórias. Porém, com o advento da reação de cadeia de polimerase (PCR), o DNA do VZV foi documentado na nasofaringe. Conseqüentemente, é agora evidente que a doença pode ser transmitida através de contato direto com o fluido vesicular de lesões de pele ou através de secreções respiratórias (Kido et al., 1991). O vírus entra no hospedeiro pela mucosa ou conjuntiva do nariz ou boca através da mão contaminada ou por partículas dispersas no ar. O período de incubação habitual é 13-17 dias. O mecanismo de infecção do VZV ao feto não é conhecido. Durante as duas primeiras semanas do período de incubação, dois períodos de viremia: dias 4-6 e 10-14. Durante esses períodos, pode haver trans-missão transplacentária do vírus.

A profilaxia com IGVZ só é efetiva quando utilizada antes do primeiro período de viremia, entretanto o aciclovir é utilizado para prevenção ou melhora da segunda viremia, sem evidências se isto pode prevenir a transmissão vertical do VZV. Ao término da segunda viremia, inicia-se a erup-ção cutânea maculopapular com prurido. O período mais infeccioso normalmente inicia-se 2 dias antes do início da erupção cutânea e o contágio acontece até que se formem as crostas, normalmente 5 dias depois do início da erupção cutânea. Embora seja aceito que a infecção por varicela pri-mária confere imunidade por toda a vida, relatórios mostram entre os casos de varicela sintomática entre 4,5 a 13% dos pacientes apresentavam antecedentes da infecção (Hall et al., 2002). Possíveis fatores de risco para a ocorrência de reinfecções por varicela são: primeira infecção em idade jo-vem (especialmente < 12 meses), primeira infecção branda, fator genético (irmão com reinfecção) e se o contato durante a segunda exposição mora na mesma casa ou é um amigo íntimo (Hall et al., 2002). Sugere-se que a reinfecção possa ocorrer devido a um fracasso para desenvolver ou manter células de memória imune depois da infecção inicial, fracasso para ativar células de memória ou carga viral muito alta que poderia vencer as defesas do hospedeiro.

Vacinação

A vacina para varicela foi autorizada nos EUA em 1995 e introduzida no Canadá em 1999. A incidência da infecção e hospitalizações recuou 70-80% nos EUA entre 1995 a 2000. Durante este período, a administração da vacina de varicela para crianças entre 19-35 meses atingiu 74-84% (Seward et al., 2002). No Brasil, a vacina ainda não faz parte do Calendário Básico definido pelo Programa Nacional de Imunizações, não

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estando disponível nos Centros Municipais de Saúde para uso geral, mas pode ser encontrada na rede privada.

Na rede pública está disponível apenas nos Centros de Referência para Imunobiológicos Especiais, para vacinação de susceptíveis (sem referência de ter tido a doença ou ter sido vacinado) nas seguintes situações: imunocomprometidos, nas indicações da literatura: leucemia linfocítica aguda e tumores sólidos em remissão (pelo menos 12 meses), desde que apresentem 1.200 linfócitos/mm3, sem radioterapia; caso estejam em quimioterapia, suspendê-la 7 dias antes e 7 dias depois da vacinação; profissionais de saúde, pessoas e familiares suscetíveis à doença e imunocompetentes que estejam em convívio domiciliar ou hospitalar com pacientes imunocomprometidos; pessoas suscetíveis à doença que serão submetidas a transplante de órgãos (fígado, rins, coração, pulmão e outros órgãos sólidos), pelo menos 3 semanas antes do ato cirúrgico; pessoas suscetíveis à do-ença e imunocompetentes, no momento da internação em enfermaria onde haja caso de varicela; vacinação antes da quimioterapia, em protocolos de pesquisa (Ministério da Saúde do Brasil, 2006).

O rastreamento verbal de mulheres susceptíveis à infecção por varicela e as estratégias de vacinação ajudam a prevenir casos de infecção neonatal. O rastreamento verbal (histórico de antecedente de varicela) seguido pela vacinação parece apresentar o melhor custo-benefício (Pinot de Moira et al., 2006), apesar de a vacinação universal ser mais efetiva que o rastreamento verbal. Em um recente estudo realizado nos EUA, de 1.085 pacientes rastreadas verbalmente sobre antece-dentes de varicela, 940 mulheres apresentavam antecedentes positivos e destas 904 (96,2%) eram sorologicamente imunes, mostrando uma forte correlação entre a história relatada e a imunidade sérica, sugerindo que a vacinação universal não pareça necessária (Plourd & Austin, 2005).

Após a vacinação, é aconselhado evitar engravidar du-rante pelo menos um mês (vacina de vírus vivo). Entretanto, em 498 casos informados de exposição à vacina durante a gravidez, nenhuma anomalia congênita compatível com SVC foi documentado (Merck Pregnancy Registry Program, 2003) e a taxa de defeito congênito não foi mais alta que a esperada para a população geral. A vacinação não é recomendada como profilaxia pós-exposição para mulheres grávidas. Foi relatado um caso de transmissão do vírus da vacina de varicela de uma criança de 1 ano de idade, recentemente imunizada, para sua mãe que estava grávida e era susceptível ao VZV (Salzman et al., 1997). A transmissão foi confirmada por PCR específico. Esta gestante desenvolveu catapora durante a 5ª-6ª semana de

gestação e optou por aborto, mas nenhum vírus foi notado em tecido fetal. Já as mulheres são vacinadas durante o puerpério podem amamentar normalmente. Um estudo que envolveu 12 mulheres que receberam a vacina não mostrou evidências do DNA do VZV nas amostras de leite em um total de 217 espécimes de leite colecionados (Bohlke et al., 2003).

Imunoglobulina para Varicela-zoster (IGVz)

Gestantes suscetíveis, com exposição significativa ao VZV, são candidatas para terapia com IGVZ. Exposição significativa é definida como contato em casa, contato face a face por pelo menos 5 min, compartilhar o mesmo ambiente por mais de 1 h ou permanecer com um paciente contagioso no mesmo quarto de hospital (Royal College of Obstetricians and Gynecologists, 2001). A IGVZ deve ser administrada dentro de 72 a 96 h após a exposição ao VZV. Usada desta forma, pode prevenir ou modificar significativamente o curso da doença. A efetividade de IGVZ, quando usada após 96 h da exposição inicial, não foi avaliada (Center for Disease Control Prevention, 1996).

Foi relatado que de 108 mulheres grávidas que receberam profilaxia de IGVZ depois de exposição e antes do início da erupção cutânea, nenhum dos seus 108 neonatos apre-sentaram a síndrome de varicela congênita, nem zoster no pós-parto (Enders & Miller, 2000). Pastuszak et al., em 1994, relataram um caso de SVC apesar da mãe ter recebido IGVZ quatro dias após a exposição. Não é conhecido se a IGVZ previne a viremia fetal ou somente a SVC.

Devido à raridade da SVC, é improvável que um estudo controlado randomizado conseguirá um número suficiente de casos para mostrar um efeito favorável da IGVZ. Além disso, como está rotulado que a IGVZ previne a infecção pela varicela na gravidez, é improvável que algum comitê de ética aprovasse tal estudo. No momento, IGVZ é usado para prevenir complicações maternas severas na gestação. A duração de ação de IGVZ não é conhecida, mas a proteção deve durar pelo menos uma meia-vida da globulina imune, que é aproximadamente de 3 semanas. Exposições, 3 sema-nas após a dose da IGVZ, podem requerer doses adicionais (Center for Disease Control Prevention, 1996). IGVZ também é recomendada para neonatos cujas mães apresentaram erupção cutânea pela catapora entre 5 dias antes e até 2 dias após o parto. A IGVZ deve ser administrada a neonatos expostos à varicela nas seguintes situações: nascidos de mães suscetíveis; com menos de 28 semanas de idade gestacional; ou pesando menos de 1.000 g. Nestas situações há grande probabilidade de não terem adquirido anticorpos passivamente. A dosagem

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indicada é de 125 U/10 kg (ou 0,5 mL/kg) intramuscular ou intravenoso até um máximo de 625 U.

A IGVZ pode prolongar o período de incubação do vírus até 28 dias. Assim, neonatos expostos, que foram submetidos à IGVZ, podem precisar ser isolados por um período mais longo. No Brasil, a IGVZ está disponível para uso no SUS nos seguintes grupos de pessoas suscetíveis que tiveram contato significativo: Crianças ou adultos imunocomprometidos; grá-vidas; recém-nascidos de mães nas quais a varicela apareceu nos 5 últimos dias de gestação ou até 48 h depois do parto; recém-nascidos prematuros, com menos de 28 semanas de gestação (ou com menos de 1.000 g ao nascimento), inde-pendente de história materna de varicela; e recém-nascidos, independente da idade gestacional, cuja mãe nunca teve varicela (Ministério da Saúde do Brasil, 2006).

terapia anti-viral

Aciclovir é um nucleosídeo sintético análogo da guanina. Quando fosforilado por enzimas produzidas pelas células infe-tadas com VZV, inibe a polimerase do DNA viral, bloqueando a replicação do vírus. Quando administrado dentro de 24 h do início da erupção cutânea, foi demonstrado efetivo em reduzir a morbidade e mortalidade associada à varicela (Center for Disease Control Prevention, 1996). Aciclovir endovenoso é melhor para tratamento inicial, pois a via oral apresenta baixa biodisponibilidade. É utilizado principalmente nos casos de pneumonia por varicela durante a segunda metade gestação (Mohsen & Mckendrick, 2003).

A dose normalmente é de 10-15 mg/kg ou 500 mg/m2

endovenoso a cada 8 h durante 5-10 dias para pneumonia por varicela e deve ser iniciado dentro de 24-72 h após o início da erupção cutânea. Embora não haja evidência na diminuição da SVC, o aciclovir cruza a placenta prontamente e pode ser achado em tecidos fetais, sangue de cordão e também no líquido amniótico (Birthistle & Carrington, 1998), podendo inibir a replicação viral intra-uterina.

Estudos observacionais não demonstraram aumento de malformações associadas ao uso de aciclovir durante a gestação (Ratanajamit et al., 2003). Aciclovir intravenoso é usado em neonatos com sinais de infecção para evitar seqüelas severas. Não há estudo bem controlado mostrando eficácia do aciclovir profilático (na exposição materna à varicela próxima ao termo, ou em neonatos expostos) para prevenir varicela neonatal. Por apresentar melhor absorção oral que o aciclovir, o valaciclovir seria uma melhor escolha para uso oral. Estudos sobre a segu-rança desta droga durante a gestação ainda são limitados.

Diagnóstico da Síndrome da Varicela congênita

O diagnóstico pré-natal é freqüentemente realizado por ultra-sonografia detalhada, que procura por deformidade de membro, microcefalia, hidrocefalia, polihidramnia, calcificação de tecidos moles e restrição de crescimento intra-útero (Enders & Miller, 2000). Deve-se lembrar que defeitos menos severos podem passar despercebidos pela ultra-sonografia, a qual deve ser realizada após 5 semanas do início da erupção cutânea ma-terna. O diagnóstico pré-natal a partir da ultra-sonografia e PCR do líquido amniótico foi avaliado por Enders & Miller (2000). Entre 17-21 semanas de gestação, quando a ultra-sonografia é normal e o PCR é positivo, o risco é questionável. Entre 23-24 semanas de gestação, quando a ultra-sonografia é normal e o PCR é positivo, o risco é muito baixo. O PCR positivo de líquido amniótico não apresenta bom valor preditivo positivo para a SVC, indicando apenas infecção intra-uterina. Já o risco para SVC é alto se a ultra-sonografia mostrar anormalidades e o PCR for positivo. Se o PCR for negativo entre 19-22 semanas de gestação o risco de SVC é muito baixo. Entretanto ainda não há consenso de como utilizar estes recursos diagnósticos no período pré-natal, sendo que em países onde o aborto é legalizado, o PCR é mais difundido, pois faz o diagnóstico mais precocemente.

Varicela no primeiro e segundo trimestres da gestação

A varicela em gestantes durante o primeiro e segundo trimestres desperta preocupação devido ao risco, embora pequeno, de desenvolvimento da SVC. A SVC normalmente é caracterizada por cicatrizes com distribuição em dermátomos, defeitos neurológicos, defeitos de encurtamento unilateral de membros associado à hipoplasia muscular, doenças oculares, anormalidades gastro-intestinais e gênito-urinárias (Sauerbrei & Wutzler, 2003; Enders & Miller, 2000). Vários estudos de coorte são concordantes em relação ao risco de SVC. A taxa foi 4/725 (0,55%) para infecção no primeiro trimestre, 8/642 (1,4%) para infecção no segundo trimestre e 0/385 (0%) para infecção no terceiro trimestre (Pastuszak et al., 1994).

A infecção materna ocorreu antes de 20ª semana de gestação em 11 dos 12 casos de SVC. Através do PCR de líquido amniótico, a transmissão vertical do vírus pode ser demonstrada em 8% dos casos das gestantes infectadas (Enders & Miller, 2000). Quase 30% de crianças nascidas com SVC severa morrem durante os primeiros meses de vida. Recentemente, Schulze-Oechtering

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et al., em 2004, demonstraram o DNA do VZV tanto no fluido cérebro-espinal, como também em amostras de fluido de lesões de pele de um recém-nascido com SVC típica. Isto conduziu a suspeita de que o recém-nascido com SVC possa ser infeccioso e o seu isolamento seja adequado.

Pneumonia materna por Varicela

A pneumonia por VZV é a complicação mais comum em adultos com varicela (Harger et al., 2002). A incidência de pneumonia por varicela não parece ser aumentada na gravidez, 10-14%, entretanto é bem estabelecido que a morbidade e mortalidade desta infecção em gestantes são mais altas (Sauerbrei & Wutzler, 2001). Os sintomas iniciais são febre, tosse seca, dispnéia e hipoxemia moderada, que normalmente aparecem durante a primeira semana após o início da erupção cutânea. Em condições severas, nas quais o apoio mecânico é necessário, a mortalidade era de 20-45% antes da terapia de anti-viral (Sauerbrei & Wutzler, 2001) e de 3-14% após a terapia anti-viral (Harger et al., 2002). A mortalidade é mais alta se a patologia acontecer no terceiro trimestre, provavelmente devido ao efeito mecânico do au-mento uterino, que pode dificultar ainda mais a respiração. O tabagismo é um fator de risco para o desenvolvimento desta patologia (Mohsen et al., 2003).

Varicela neonatal

A varicela neonatal severa é a principal complicação da infecção materna ocorrida próxima ao termo. Infecção pode acontecer através de viremia transplacentária, durante a passagem pelo canal de parto, ou contato com o vírus após o parto (através de lesões ou partículas aéreas). Miller et al., em 1989, demonstraram que se a infecção materna ocorre de 1 a 4 semanas antes do parto, até 50% dos neonatos podem estar infectados. Aproximadamente 23% destes desenvolvem varicela clínica. Anticorpos estavam presentes em todos os

66 neonatos quando a erupção cutânea da mãe ocorreu com mais de 7 dias antes do parto. Quando a erupção cutânea materna ocorreu entre 7 até 3 dias antes do parto, um número progressivamente menor de neonatos apresentava anticorpos; quando a erupção ocorreu com menos de 3 dias antes do parto, nenhum dos 60 neonatos apresentava anticorpos.

A taxa de manifestação clínica foi mais alta (62%) em crianças nascidas dentro de 7 dias após o início da erupção cutânea. Entre as 19 crianças que apresentaram sintomas severos, 16 estavam entre as 118 cujas mães tiveram erupção cutânea entre 4 dias antes e 2 dias após o parto. Estas crianças não tiveram tempo para receber anticorpos varicela-específicos maternos. Não houve morte entre as pacientes que utilizaram IGVZ, entretanto estudos realizados previamente ao uso da IGVZ (associado a piores condições das CTIs neonatais na época) mostram taxa de letalidade em torno de 30% (Schutte et al., 1996). Sauerbrei & Wutzler, em 2001, relataram um caso de fatalidade apesar do uso da IGVZ.

Herpes-zoster

O VZV permanece em estado latente em tecidos nervosos e pode reativar em aproximadamente 15% dos infectados. O herpes-zoster manifesta-se como uma erupção cutânea vesicular com dor e prurido na distribuição de um dermátomo. A prevalência de herpes zoster durante a gravidez é estimada em 1,5/10.000 (Brazin et al., 1979) nos EUA e 2 em 1.000 no Reino Unido (Enders & Miller, 2000). Em dois relatórios envolvendo 480 mulheres com herpes-zoster durante gravidez, incluindo 301 no primeiro e segundo trimestre, não foram documentados casos de SVC (Paryani & Arvin 1986; Enders & Miller, 2000). Teoricamente, a infecção intra-uterina poderia ocorrer se a infecção envolvesse a inervação de T10-L1, que inerva o útero. Porém, nenhum caso de SVC, após herpes-zoster, foi descrito. Devido à ausência de casos de infecção pelo VZV em neonatos cujas mães desenvolveram herpes-zoster perinatal, a IGVZ não é indicada nestes casos.

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