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O que é o Direito? Fins e Meios
(Was ist Recht? Ziele und Mittel)
Autor: Prof. Dr. Dr. Dietmar von der Pfordten
Instituição do Autor: Universidade de Göttingen (Professor Catedrático)
Tradutor: Saulo de Matos, LL.M. (Heidelberg)
Instituição do Tradutor: Universidade de Göttingen (Doutorando e
Assistente no Departamento de Filosofia do Direito e Filosofia Social)
Endereço: Lehrstuhl für Rechts- und Sozialphilosophie
(Prof. Dr. Dr. Dietmar von der Pfordten)
Juristische Fakultät
Georg-August-Universität Göttingen
Platz der Göttinger Sieben 6
37073 – Göttingen/Alemanha
Telefone: (+49) 17628342597
Email: [email protected]
O que é o Direito? Fins e meios.*
* O texto original em alemão foi publicado sob o título “Was ist Recht? Ziele und Mittel” na Juristen Zeitung 13 (2008), pp. 641–692.
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Resumo: Este estudo busca esclarecer, a partir de uma perspectiva filosófica, o que é o direito. A tese central consiste na idéia de que o direito só pode ser compreendido através de seus fins e meios. O fim do direito é a mediação entre interesses potencialmente contraditórios e conflitantes.
Palavras-chave: Direito – Filosofia – Fins e Meios – Interesses
Abstract: This paper attempts to clarify what is Law from a philosophical perspective. The central thesis is that Law can only be understood through its aims and means. The aim of the Law is to mediate potentially opposing and conflicting interests.
Keywords: Law – Philosophy – Aims and Means – Aspirations
I. O Direito sob Diferentes Perspectivas.
De modo semelhante a todos os demais objetos particulares do conhecimento, o direito
pode ser observado em diferentes perspectivas. Sob uma perspectiva dogmático-
jurídica, o direito pode ser compreendido como fonte e realização da aplicação das leis.
Numa acepção histórica, ele se mostra como parte da história geral e da história dos
dogmas no âmbito das transformações temporais. Numa perspectiva sociológica, pode
ser descrito como uma espécie de fato social e instituição em contraposição a outros
fatos sociais e instituições, como, por exemplo, a Política e a Economia.1 Já sob o
prisma das ciências naturais, ele consiste em processos e estados mentais,
comportamento humano e ondas sonoras. Finalmente, ultrapassando-se o ponto de vista
de cada ordenamento jurídico, sob uma perspectiva descriptiva interna limitada, ele
pode ser idealizado em normas abstratas como objeto de uma Teoria Geral do Direito,
uma Teoria Pura do Direito ou – no sentido estrito da palavra – “Jurisprudence”.2 Qual
pode ser então a contribuição da perspectiva filosófica para a compreensão do direito?
II. A Perspectiva da Filosofia.
A resposta depende de qual tarefa uma tal perspectiva filosófica se dispõe a cumprir. O
que pode diferenciar a Filosofia de outras investigações científicas como a da
Dogmática, História, Sociologia, Ciências Naturais e Teoria Geral do Direito?
1 Para uma perspectiva sociológica e jurídica, cf. Dreier, 1991: 95–116. 2 Acerca do sentido de “Jurisprudence”, cf. Austin, 1995: 11, 18, 288. Para uma outra compreensão como uma investigação de segunda ordem do Direito: Ross, 1959: 25 ss. Para uma compreensão mais ampla no sentido da pergunta “o que é o Direito?”: Bix, 2006: 9.
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Qualquer busca pelo conhecimento envolve, necessariamente, pelo menos, três
elementos: (1) um objeto a ser conhecido, i.e., um objeto formal3; (2) um fim do
conhecimento; e (3) específicos meios para que o objeto possa ser compreendido com
base no fim do conhecimento alvejado, ou seja, um método. A Biologia tem, de certa
forma, todas as espécies vivas como seu objeto; seu nascimento, crescimento e
comportamento, como seu fim; e experimentos, investigações empíricas, construção de
hipóteses, bem como, a formulação de teorias, como seus meios, a dizer, seus métodos.
Qual pode ser, nesse sentido, objeto, fim e meio, i.e., método da perspectiva filosófica?
Nesta pergunta cabe adentrar por ora somente de maneira curta e propositiva. Três
visões são decisivas: primeiro, a Filosofia não possui um tipo particular de coisa ou fato
como objeto, como é o caso da Física (energia e matéria), Biologia (seres vivos),
Sociologia (sociedade), Lingüística (língua), Psicologia (psique), Matemática (números,
funções, evidências/comprovações) etc. Segundo, na medida que todas as formas
específicas de objetos cognoscíveis, i.e., coisas e fatos, são investigadas,
particularmente, por cada espécie de ciência, o objeto formal específico da Filosofia
precisa ser um outro. Terceiro, a Filosofia, como uma forma de busca do conhecimento,
não pode prescindir da análise de um objeto, no sentido de um objeto formal. Ela não
pode, por outro lado, se limitar a um fim do conhecimento ou/e a um método.4 De certo,
o agir humano pode ser compreendido, de maneira geral, isoladamente, através de seus
fins e meios. Contudo, qualquer forma específica de agir humano, cujo sentido seja a
“busca do conhecimento”, é, em razão do próprio termo, necessariamente,
conhecimento de algo. Tal busca pelo conhecimento é sempre relacional, a dizer de
maneira precisa: é sempre direcionada, intencionalmente, a um objeto formal do
conhecimento – o qual, contudo, de maneira semelhante à Matemática, não precisa ser
uma coisa real, i.e., um fato real determinável no espaço e no tempo, podendo, ao longo
da investigação, resultar, inclusive, em algo não existente, como aconteceu, por
exemplo, no fim do século XIX com o éter no campo da Física. A visão, segundo a
3 “Objeto” deve ser compreendido em um sentido gnosiológico muito amplo. Compreende-se como tal não somente coisas ou fatos, mas também objetos abstratos, como por exemplo números, funções e estruturas matemáticas. 4 Alguns autores, contudo, propõem a limitação da Filosofia a um único método. Cf. Rosenberg, 1989: 17; Ross,1959: 25: “A Filosofia não é, afinal, uma teoria, mas, sim, um método. Este método é a análise lógica. A Filosofia é a lógica da ciência e o seu objeto é a linguagem científica.” Esta citação demonstra a impossibilidade de não se buscar um objeto da Filosofia, visto que, de maneira contraditória, assevera Ross primeiramente que a Filosofia é um método e, logo em seguida, propõe que o seu objeto seja considerado a linguagem científica.
4
qual, um objeto do conhecimento pode não ser uma coisa ou um fato, já é, em si, um
importante conhecimento sobre este objeto.
O objeto da Filosofia é muito mais difícil de se conceber e muito mais incomum do que
os outros tipos específicos de coisas e fatos que formam o objeto das demais ciências.
Ademais, é possível e muitos já o fizeram, como Wittgenstein (1977: §§ 121 ss., 309),
colocar a própria existência deste objeto em questão. Todavia, dado ser impossível a
busca pelo conhecimento sem um objeto formal, é também impossível possuir uma
determinada perspectiva filosófica sem um objeto formal.
III. Objeto, Fim e Métodos da Filosofia.
O que pode ser, então, o objeto do conhecimento da Filosofia? O único objeto do
conhecimento – e um outro parece não ser claro, o qual ainda resta à Filosofia, dado que
as demais ciências se ocupam de todos os objetos particulares do conhecimento, i.e.,
tipos de coisas ou fatos, são todos os objetos particulares em todas as suas possíveis
associações, i.e., todas as possíveis associações destas espécies de objetos, ou, expresso
de outra forma, o mundo como um todo em um sentido mental-abstrato, e não em um
sentido empírico-físico ou como uma mera forma de pensar a somatória dos
significados pertencentes às diversas ciências em particular. Questões filosóficas
procuram compreender objetos particulares como direito, linguagem, conhecimento ou
ser humano, como parte de uma associação com outras coisas ou fatos particulares. Ou
seja, investigações filosóficas possuem – numa espécie de perspectiva complementar –
como objeto, todas estas formas de associação entre coisas e fatos particulares.5 Os
objetos particulares não são, desse modo, investigados de forma isolada, como na
Teoria Geral do Direito, i.e., na Teoria Pura do Direito, ou a partir de uma mera
referência a outras espécies de objeto, como no caso da Sociologia, na qual os objetos
particulares como Direito, Política ou Economia são investigados somente a partir de
sua relação com a sociedade, constituindo este o objeto particular próprio do
conhecimento sociológico.6
5 Cf., por exemplo, Platão, 1990a: 199d4-e5, Platão, 1990b: 504d7– 505a4; Schopenhauer, 1961; Wittgenstein, 1995: 11: “o mundo é tudo o que ocorre”; Carnap,1998; Nagel, 1986; Mackie, 1980.6 Cf. a série de ensaios de Luhmann, 1993; 2000; 1990, entre outros.
5
A perspectiva filosófica não se relaciona, necessariamente, com uma realidade ideal ou
transcendente, pois, se tal realidade existe, é questionável.7 A aceitação de uma tal
realidade ideal ou transcendente já implica em uma específica concepção filosófica,
como a doutrina platônica das Idéias ou a teoria aristotélica do Primeiro Motor como
causalidade de todos os demais movimentos.8 Tal perspectiva não pode, portanto, ser
uma condição necessária de um conceito geral da Filosofia. Como objeto da Filosofia,
deve-se considerar, pelo contrário, somente a abstração da totalidade de todas as
relações e, nesse sentido, de todas as possíveis referências a todos os objetos
particulares, a dizer, uma espécie de moldura para as nossas diversas espécies de
compreensões singulares do mundo.
O fim do conhecimento da Filosofia depende do seu objeto. Se o objeto da Filosofia
consiste na ligação de todos os objetos possíveis com todos os objetos possíveis, o seu
fim só pode ser uma visão conformadora desta ligação. Toda visão restrita não possuiria
como objeto a ligação de todos os objetos com todos os objetos, mas, pelo contrário,
somente coisas ou fatos particulares de maneira isolada, ou as suas ligações isoladas
com outros objetos ou fatos particulares, não abrangendo, portanto, todos os fatos e
coisas. “Conformadora” (“Umfassend”), neste contexto, não deve ser compreendido
como uma espécie de simples somatória de elementos. Embora todo conhecimento
singular seja relevante à Filosofia, a mera somatória destes conhecimentos singulares
não pode ser o seu fim. Filosofia não é nenhuma enciclopédia. Trata-se, pelo contrário,
de uma abrangente e abstrata visão de mundo, a dizer, uma moldura para todos os
conhecimentos singulares. Todavia, em relação aos objetos singulares do conhecimento,
como o direito, esta visão abstrata e filosófica é, conforme já aduzido no início, somente
uma perspectiva dentre outras, em princípio, igualmente válidas.
Dado ser o objeto da Filosofia a ligação de um objeto particular com todos os demais
objetos, a dizer, a ligação de todos com todos, e o seu fim cognitivo, uma visão
conformadora acerca desta ligação, não há razão para limitar os meios para atingir este
fim. O método da Filosofia pode compreender assim todos os possíveis métodos das
diversas espécies de ciência e demais formas de busca pelo conhecimento. O método da
Filosofia não pode ser reduzido a uma dedução apriorística, como no caso da
Matemática e Lógica, nem a uma investigação empírica, como no âmbito das ciências 7 Acerca dessa compreensão da Filosofia como uma espécie de busca por uma realidade absoluta ou sua crítica, cf. Passmore, 1967: 217. 8 E.g.: Platão: Phaidon, Menon, A República, passim; Aristóteles, 1982: 1071b3.
6
naturais e sociais, nem tampouco a uma descrição, como no caso da Teoria Geral do
Direito ou Teoria Pura do Direito. Qualquer método pode ser útil e empregado, a fim de
que se possa alcançar o objetivo de proporcionar uma visão conformadora da ligação de
todos com todos, a dizer, da ligação de um objeto particular, como o direito, com todos
os demais objetos.
IV. A Perspectiva da Filosofia do Direito.
Quais conseqüências resultam desse entendimento para a Filosofia do Direito?9 A
Filosofia do Direito não investiga o direito somente para o fim específico da aplicação
das leis, como a Dogmática Jurídica, nem apenas como um fenômeno histórico que se
transforma ao longo do tempo, como no caso da História do Direito, nem somente em
sua relação com a sociedade, como a Sociologia Jurídica, nem tampouco apenas como
um fato isolado natural ou normativo, como as Ciências Naturais e a Teoria Geral do
Direito ou Teoria Pura do Direito, mas também, e sobretudo, nas suas possíveis e reais
ligações com todas as outras coisas e fatos possíveis e reais. A Filosofia do Direito
busca uma visão conformadora do direito. Ela pode se valer de quaisquer métodos
possíveis para atingir tal fim.
É, porém, possível essa espécie de olhar filosófico a partir de um referencial externo
sobre o direito? O direito não é uma mera coisa empírico-material determinável no
tempo e no espaço. Ele é uma práxis intencional-simbólica e, portanto, uma práxis
interpretativa (Dworkin, 1986: 46 ss.). O direito compreende amiúde uma referência dos
próprios aplicadores do direito a esta práxis intencional-simbólica e interpretativa, ou
seja, autointerpretações, a dizer, interpretações a partir de um metaplano. Estas
autointerpretações dos juristas e dos demais aplicadores do direito não deveriam ser
consideradas decisivas para a compreensão do direito?
A sua própria essência simbólica exclui a possibilidade de uma compreensão do direito
sem recorrer às intenções perseguidas pelo próprio direito. A auto-interpretação dos
juristas relativa a estas intenções pode ser considerada um referencial fundamental para
a imprescindível compreensão das mesmas. Todavia, esta importante e louvável auto-
interpretação dos juristas e dos demais aplicadores do direito não exclui uma
perspectiva filosófica sobre o direito a partir de um referencial externo por, ao menos,
9 Acerca de uma primeira formulação da tarefa da Filosofia do Direito, cf. von der Pfordten , 2004: 157–166.
7
cinco razões: primeiro, ao lado da autointerpretação, existem ainda outras perspectivas
igualmente válidas para a compreensão das respectivas intenções perseguidas, como
outras expressões anteriores ou posteriores, ou o agir concreto, no qual se
contextualizam as intenções a serem interpretadas. Segundo, a autointerpretação diverge
de aplicador para aplicador do direito e de Ordenamento Jurídico para Ordenamento
Jurídico. Terceiro, a autointerpretação do próprio agir do aplicador do direito pode ser
falsa ou incompleta. O magistrado até pode ter a intenção de publicar o seu juízo, mas a
autointerpretação do seu próprio agir como decisão judicial é um equívoco, visto que o
tipo de procedimento jurisdicional não autoriza tal prática. Quarto, não é claro por que
as respectivas intenções e autointerpretações dos aplicadores do direito não possam se
tornar objeto do conhecimento a partir do referencial de terceiros. Não há azo para este
tipo de proibição. Quinto, não há, finalmente, razão para compreender um fato social
como o direito – especialmente quando se trata do direito de uma comunidade política,
o qual atinge a todos e diz respeito a todos – como monopólio dos juristas e demais
aplicadores do direito, e como uma forma de conhecimento secreto dos mesmos. As
arcana imperii são ilegítimas do ponto de vista epistemológico e ético-democrático, e
tornaram-se, com razão, por meio da participação democrática, obsoletas. Toda
autointerpretação está sujeita à crítica por meio de terceiros e isto pode também
acontecer a partir de uma perspectiva ética, a menos que se trate de um pensamento
altamente pessoal, o qual não diz respeito a terceiros. Os juristas e aplicadores do direito
podem compreender e esclarecer melhor, i.e., mais adequadamente, do ponto de vista
metódico, fenômenos jurídicos específicos e particulares, como os conceitos jurídicos
de hipoteca e ato administrativo. Entretanto, para questões gerais e conformadoras
acerca do caráter integral do fenômeno “direito”, eles não dispõem de melhor
competência.
Como pode, então, ser concebida a perspectiva filosófica sobre o direito? Uma primeira
resposta a esta pergunta será uma negativa: não se pode mais aceitar, sem justificativa
condizente, a idéia de que o direito possui uma substância ou uma essência. Tais
pretensões da Metafísica e Ontologia foram colocadas em dúvida já por Kant (1904: 57)
e outros com boas razões de cunho gnosiológico. Nós não podemos conhecer a coisa em
si, mas podemos ainda assim investigar as características constantes e, assim,
relativamente necessárias de uma determinada manifestação – naturalmente, todavia,
somente como nós as percebemos. Desse modo, podemos buscar as características
8
constantes e relativamente necessárias da manifestação “direito”, as quais, visto que são
constantes e relativamente necessárias, devem ser vistas como determinantes para todas
as relações com todas as demais coisas e fatos. Nesse viés, pode-se buscar compreender
a ligação do direito com todos os outros objetos do conhecimento.
V. Análise do conceito “Direito”.
Um importante caminho para o conhecimento das características constantes da
manifestação “direito” parece consistir em investigar as características relativamente
necessárias do conceito “direito” – partindo da assunção de que até hoje nenhuma
manifestação particular do direito foi encontrado sem aquelas características, às quais
correspondem as características necessárias do direito. Esta assunção fundamenta outra
assunção de que igualmente outras manifestações do direito não podem ser encontradas
sem estas características – uma assunção que, contudo, só pode ser postulada, mas não
provada. Ou, expresso de outra forma, e com vistas à totalidade dos conceitos em nosso
sistema conceptual: a Filosofia do Direito pode procurar compreender qual possível e
invariável posição, dentro do sistema conceptual de todos os tempos e povos, ocupa o
conceito de direito.
É controverso o que são conceitos: entes ideais (idealismos, platonismo), qualidades
reais de coisas particulares (realismo, Carnap), imagens, a dizer, representações mentais
(conceptualismo, i.e., nominalismo fraco, Descartes, Locke, Hume, Kant, Fodor, Prinz)
ou unidades lingüísticas (nominalismo estrito, Hobbes, Wittgenstein, Quine).10 Para uma
visão conformadora, a qual é o fim da Filosofia, é a terceira, i.e., representação mental
dos conceitos, a mais frutífera, porque representações mentais se encontram entre as
qualidades representadas e a linguagem, e se relacionam com ambas. Por isso, elas
parecem ser o melhor meio para obtenção de uma visão conformadora dos objetos
particulares e suas ligações.
10 Qualidades: Carnap, 1962: 7 ss. Idéias/Imagens: Locke, 1959: Introdução, p. 32, II livro, 1, 1, p. 121; Kant, 1904: 85; Fodor, 1998; Prinz, 2002: 1, 3, passim. Unidades da Linguagem: Hobbes, 1961: I, II 9, p. 17 ss., I, XXV 6, p. 322; Hobbes, 1961: I, 20; Hobbes (em alemão), 1997: 32 ss., 255; Hobbes, 1961: V 8, p. 53 ss.: “Sexto modo errant qui dicunt ideam alicujus rei esse universalem, tanquam esset in animo imago quaedam hominis quae nullius unius hominis esset, sed hominis simpliciter, quod est impossible, nam Idea omnis, et una est, et unius rei; decipiuntur autem in eo quod nomen rei pro idea ejus ponunt” / em alemão: Hobbes, 1997: 70 ss.; Wittgenstein, 1977: §§ 96, 383; Quine, 1960: 3, 12, 161, 270 ss. Para uma apresentação histórica ampla: Weitz, 1988. Ver acerca do nominalismo estrito de Hobbes: von der Pfordten, 2001: 386–402.
9
Ao lado do problema da caracterização ontológica, há a questão de como os conceitos
podem ser analisados. O método tradicional de definição através do gênero superior e
diferença específica (per genus proximum et differentiam specificam) (Aristóteles, 1982:
1037b29 ss.) está sujeito a críticas, visto que pressupõe duvidosos entes metafísico-
ontológicos como “genera” e “differentiae”. Todavia, ele pode ser reformulado como
busca por condições relativamente necessárias de um conceito, as quais – como nós
podemos admitir – correspondem às características relativamente necessárias do
fenômeno “direito”. Wittgenstein (1977: § 67) sugeriu, como defensor do nominalismo
estrito, que palavras – isto é, conceitos em sua compreensão nominalista estrita – devem
ser compreendidas com base em “semelhanças de família” de diferentes sinais
característicos, sem um comum pertencente a todos, como algo que percorre
inteiramente uma espécie de linha. Esta não é uma possibilidade a ser excluída, a qual,
contudo, possui a grave desvantagem de não possibilitar uma relativamente clara
diferenciação dos conceitos particulares frente a outros conceitos, a partir de suas
características. É possível, desse modo, aceitá-la somente como última e mais fraca
posição alternativa.
O próprio Wittgenstein considera, em um exemplo central, não obstante todas as
diferenças de suas propriedades, os jogos uniformemente como “processos”
(“Vorgänge”), i.e., ele menciona uma necessária característica do conceito “jogo”.11
Com base em uma interpretação fraca desta idéia, é possível concluir que Wittgenstein
questiona somente a necessidade e a generalidade das definições conceptuais por meio
de características necessárias e suficientes, mas não a sua possibilidade por meio, pura e
simplesmente, de características relativamente necessárias.12 Se não se aceitasse a
existência de características necessárias, então os conceitos não poderiam cumprir sua
função como instrumentos de conhecimento da realidade em virtude da ausência de uma
clara delimitação com relação a outros conceitos. Aceitando-se, contudo, que conceitos
podem possuir condições fundamentais necessárias, então não se pode excluir que um
conceito se refira a várias destas condições necessárias. Referindo-se, contudo, um
conceito a várias destas condições necessárias, então estas podem ser agrupadas.
Encontrando-se, assim, várias condições necessárias para um conceito como o de
11 Wittgenstein, 1977: §66: “Considere, por exemplo, os processos que denominamos ‘jogos’. Eu me refiro a jogos de tabuleiro, jogos de carta, jogos com bola, jogos de luta, entre outros. O que eles têm em comum? – ...”. 12 Acerca dessa interpretação: Wennerberg, 1967: 110; von Savigny, 1988: § 66, 3.
10
direito, então o seu agrupamento pode ser visto, pelo menos, como um progresso no
sentido de uma determinação necessária e suficiente para o objeto em questão, mesmo
que o lograr de uma tal determinação necessária e suficiente e, com isso, a identidade
ou, ao menos, equivalência entre definiendum e definiens não possa ser aceita como
segura ou quiçá comprovada a partir de uma definição puramente especulativa, como a
da Matemática ou Lógica.13 Destarte, pode se tratar de um processo da maior
aproximação possível entre definiens e definiendum, no qual o maior número possível e
significante de características necessárias será agrupado, possibilitando a delimitação do
fenômeno investigado progressivamente com outros fenômenos. Este modo processual
não será impossibilitado pelo fato de não se tratar, no caso do direito, de um fenômeno
natural, mas, sobretudo, de um fenômeno social, visto que também, no caso de
fenômenos sociais, é possível diferenciar entre características relativamente necessárias
e relativamente contingentes e, do mesmo modo, entre características conceptuais
relativamente necessárias e relativamente contingentes.
Quais características necessárias podem ser aceitas para o conceito de direito, as quais,
porventura, podem conduzir, através das suas associações, à sua determinação
necessária e suficiente, i.e., a uma definição relativamente elucidativa?
VI. O Fenômeno “Direito”.
Direito pode ser compreendido numa perspectiva conceptual como direito divino,
natural ou humano. O direito humano estará na sequência deste estudo no centro da
investigação.14 O direito humano não é tanto um fato natural, mas, sobretudo, um fato
social. Entretanto, esta determinação ainda não é tão elucidativa, pois, existe um grande
número de fatos sociais, como por exemplo, a opinião pública, o mercado de trabalho, o
desenvolvimento da população, entre outros. Como se diferencia o direito destes outros
fatos sociais? Um primeiro passo fundamental consiste em observar que o direito
humano é necessariamente uma forma do agir humano em seu sentido mais amplo
(incluindo as suas conseqüências previstas ou, ao menos, previsíveis). O direito é agir
humano de duas diferentes formas: como um fenômeno comum e em todas as suas
manifestações particulares. Se um magistrado decide, então ele age. Se o agente público
exterioriza um ato administrativo, então, isto é uma ação humana. Se o parlamento
aprova uma lei, então, ele produz uma ação humana coletiva.
13 A última hipótese já foi postulada por Kant, 1904: 477 ss. 14 Radbruch, 2003: 11: “O Direito é obra humana ...”.
11
1. Direito como agir humano.
Sendo o direito, conceptual e essencialmente, um agir humano, então, sua compreensão
exige que as características necessárias do agir humano sejam levadas em consideração.
Quais são as características necessárias do agir humano? O agir humano compreende,
pelo menos, duas características necessárias:15 um fim, a dizer, uma intenção, e um
meio, em sentido muito amplo para alcançar este fim. Isto é válido para todas as ações,
mesmo quando a escolha dos meios parece ser fortemente reduzida. O meio pode – em
um sentido muito amplo – consistir também na própria execução da ação, como, por
exemplo, quando alguém, somente com objetivo de andar, anda, ou somente com
objetivo de olhar, olha.
Um exemplo para a necessidade de um fim para cada ação: se alguém levanta a mão,
isto pode significar uma saudação, a anuência a um contrato, um exercício aeróbico, um
pedido de permissão para falar ou outros tipos de ação. Todas estas, do ponto de vista
externo, idênticas ocorrências do levantar a mão, só podem ser diferenciadas se forem
aceitos e determinados diferentes fins, a dizer, intenções, como quando se pergunta ao
agente acerca do seu fim, ou quando se considera a situação da execução da ação: na
rua, o levantar do braço consiste, não raramente, em uma saudação; em um leilão, a
anuência a um contrato; em um ginásio de esportes, um exercício aeróbico; e em uma
conferência, um pedido para que a palavra seja concedida. De outro lado, a ação de
saudar alguém pode ser executada por meio de diferentes manifestações exteriores,
como quando alguém balança os braços, sacode a mão de outrem, diz “Bom dia!”, sorri
para uma outra pessoa, entre outras. Acerca da linguagem como importante forma do
agir humano, Grice (1989: 219) demonstrou que a compreensão de uma expressão não
pode se reduzir às suas manifestações exteriores.
Antes de se apresentar a tentativa de compreender os específicos fins e meios do direito,
é necessário investigar um possível argumento contra a tese de que o direito deve ser
compreendido, sobretudo, como agir humano em sentido muito amplo, incluindo fins e
15 Acerca da necessidade de um fim em cada ação, ver Aristóteles, 1980: 1094a1; Searle, 1983: 107 ss. Nem todas as ações têm um fim único, mas determinadas formas de ações, como o Direito, podem ser determinadas mais precisamente por meio de um único mas, por razões evidentes, muito abstrato fim.
12
meios. Não raramente, admite-se caracterizar o direito como ordem, sistema, instituição
ou organização.16 Acerca disso, é possível dizer:
Primeiro, “ordem”, i.e., “sistema”, como palavra estrangeira equivalente, vale para o
direito desde que seja concebida como uma caracterização muito abstrata de múltiplos
elementos e relações. Mas, nesse sentido, ventos e nuvens formam também uma
“ordem”, a dizer, um “sistema” de múltiplos elementos e relações. A especificidade
concreta do direito humano, como agir humano, não é assim contemplada através desta
caracterização. Todas as compreensões específicas de “sistema”, em especial as
sociológicas, que caracterizam o direito como parte especial da sociedade, são
convincentes, mas não podem conduzir a uma perspectiva conformadora do direito.
Segundo, “ação humana” é, de certo modo, um conceito natural do dia-a-dia. Ele é
utilizado mesmo fora de determinadas sociedades e teorias científicas. É um conceito da
vida normal. Todo homem capaz de julgar compreende, fundamentalmente, o que é uma
ação humana, eventualmente, em oposição a um mero reflexo ou a um evento puro da
natureza. Em contrapartida, os conceitos de instituição, organização ou sistema, para
além do sentido de “ordem”, são conceitos artificiais e teóricos, em especial,
sociológicos. Parece insatisfatório explicar um conceito relativamente abstrato mas,
igualmente, factual como o de direito, por meio desses conceitos muito vagos, muito
artificiais, carentes de definição e, de certo modo, meramente teóricos, visto que se
busca uma visão filosófica conformadora acerca do direito e não meramente uma visão
sociológica limitada acerca da compreensão do direito e da sociedade.
Terceiro, conceitos sociológicos, como sistema em sentido estrito e instituição, são
frequentemente compreendidos – mesmo que nem sempre – como descrição de
fenômenos sociais, os quais não consistem em agir humano direcionado a um fim.
Definindo-se direito como um sistema ou uma instituição, então corre-se o perigo – em
todo o caso, em um possível e freqüente entendimento deste conceito – de se olvidar o
seu aspecto decisivo, a dizer, a dimensão do agir humano e, com isso, a condição
fundamental do seu fim e dos seus meios. A partir de uma perspectiva sociológica, o
fim específico do direito pode ser desinteressante. Uma tal perspectiva sociológica
acerca do direito pode, em razão do seu próprio interesse, limitar-se aos efeitos causais
e/ou às funções sociais do direito. Igualmente, para uma descrição isolada dos abstratos
16 Acerca do conceito de instituições: Llewellyn, 1962: 233–242. Acerca do conceito de sistema: Luhmann, 1993; Teubner, 1989.
13
conjuntos de regras do direito através de uma Teoria Geral ou Pura do Direito, parece
não se destinar essencialmente o fim específico do direito. Este tipo de tratamento
restrito pode ser talvez suficiente para a descrição dos meios do direito, i.e., suas regras,
normas e princípios. Contudo, para uma investigação filosófica do direito, não é
possível este tipo de reducionismo.
2. Fins e Meios do Agir Humano.
Da assunção de que o direito, como espécie de agir humano em sentido muito amplo,
possui fins necessários, não se pode concluir ainda que todas ações singulares do direito
seguem necessariamente um fim específico idêntico ou ao menos semelhante. Ou seja,
que se pode observar, como característica necessária do conceito de direito, em todos os
momentos de sua produção, o mesmo fim ou, ao menos, um fim específico
semelhante.17 Como se pode fundamentar este próximo passo essencial? Uma possível
resposta diz: conceitos são como instrumentos do conhecimento do mundo, somente
úteis caso sejam diferenciáveis. Caso se queira diferenciar o conceito de uma forma
específica do agir humano, como da produção do direito ou o resultado previsto ou, ao
menos, previsível desta produção, i.e., o direito, de um conceito amplo do agir humano,
então se necessita de um fim. Não é possível basear a diferença somente nos meios,
pois, os mesmos meios podem ser empregados – em todos os casos a nós conhecidos –
para alcançar diferentes objetivos. Regras e normas não são utilizadas somente no
direito como meios, mas também na Moral, na Religião, na Política, na Técnica, na
Medicina, em convenções não-morais, entre outros.
A aceitação de um fim idêntico e específico para as produções singulares do direito não
implica que se trate de um fim comum imposto a todos os sujeitos produtores do direito,
como se poderia aceitar no caso de uma empresa ou uma comunidade religiosa. Um
determinado parlamentar, juiz ou funcionário da Administração Pública, segue, com sua
produção jurídica, um fim específico idêntico, mas todos os parlamentares, juízes e
funcionários da Administração Pública não fazem isso conjuntamente, pois a eles falta o
conhecer e o querer dessa espécie coletiva de persecução de um fim.
17 Questiona-se se a aceitação de um desses tipos idênticos ou, ao menos, semelhantes de fim para todo sujeito produtor do Direito não se torna impossível por meio de um nominalismo estrito. Se palavras abstratas ou fins humanos são, ao menos, em princípio possíveis, não parece ser este necessariamente o caso.
14
A aceitação de um fim idêntico e específico para todos os atos produtores do direito não
implica, conjuntamente, que cada produtor do direito não possa alvejar, de maneira
complementar, fins não-específicos subjetivos com a sua produção jurídica. Um
parlamentar, em particular, parece poder satisfazer, conjuntamente, os interesses de seus
eleitores; um juiz, em particular, pode buscar não frustrar as expectativas do seu
auditório; um agente da Administração Pública pode querer transparecer zelo.
Para algumas ações humanas, incluindo os seus resultados, um fim específico não é
somente necessário, mas, até mesmo suficiente para delimitá-las de outras ações. A
produção de uma cadeira, por exemplo, é definida já por meio de seu fim, i.e.,
proporcionar a uma e, somente uma pessoa, o assento por meio de um artefato. A forma
e a matéria da cadeira não são determinantes para a sua determinação conceptual. A
cadeira pode ter três, quatro ou cinco pernas. Ela pode ser de madeira, ferro, pedra ou
plástico. O meio necessário da sua produção é válido para todos os artefatos.
Possui o direito, como uma forma de agir humano, também uma espécie de fim
necessário e específico em cada uma de suas ações particulares e em sua práxis como
um todo? A tese aqui defendida afirma que o fim específico do direito é, para a sua
determinação conceptual, necessário, mas não suficiente. O fim não é assim suficiente
para diferenciar o direito de outros fatos sociais com fins comparáveis, como o da Moral
ou o da Política. Nesse sentido, torna-se imperioso também delimitar os meios
necessários e específicos do direito com objetivo de lograr o seu esclarecimento
conceptual. Através disso, a definição do direito se torna difícil e controversa – uma
dificuldade de que já Kant (1904: 479), com ironia, se apercebia: “Ainda procuram os
juristas por uma definição para o seu conceito de direito”.
Uma primeira resposta para a pergunta -“O que é o direito”, assere, assim, no sentido do
direito humano: direito é agir humano em sentido muito amplo. Assim, só pode ser
compreendido por meio de seu fim específico e de seus meios específicos. Caso se tente
reduzir a compreensão do direito, ou ao seu fim, ou aos seus meios, não haverá a
produção de uma visão filosófica conformadora acerca do direito, mas somente, em
todo caso, de um conhecimento acerca de um aspecto parcial do fenômeno.
Aqueles que aceitam que existe um direito divino supõem também, possivelmente, que
Deus, com este direito divino, persegue um fim específico e emprega determinados
meios – ao menos alguns meios pertencentes a este direito divino. Determinante para
15
compreensão do direito divino são, desse modo, igualmente o seu objetivo, a dizer, o
fim e os seus meios. Pensamento semelhante é válido para a aceitação de um possível
direito natural, o qual, amiúde, se fundamenta em uma concepção teleológica do mundo.
Assim, para todas as formas imagináveis do direito, é válido o seguinte: necessário para
a compreensão do conceito de direito são o seu fim e seus meios.
VII. Fins e Meios do Direito.
Na história da Filosofia do Direito, a idéia acerca do significado dos fins e meios do
direito se transformou de maneira dramática. Para que se possa obter uma visão
adequada do direito, é útil, primeiramente, acompanhar esta transformação.
1. Da Antiguidade até o Século XVIII.
Do início do filosofar na antiguidade, até a baixa idade média, o direito foi delimitado,
em contraposição a outros fenômenos, por meio de seus fins específicos. Para Platão
(1990b: 327a1 ss.) e Aristóteles (1980: I 1, 1094a, V 1 ss., 1129a ss.), o fim do direito e
da Política era o Bem, explicado de maneira mais específica como Justiça e,
especialmente em Aristóteles (1984: 1328a36), como Felicidade (eudaimonia) e Bem
Comum. Os meios não possuíam papel determinante. Igualmente Cícero (1979: I, 29)
assinala a Justiça como fim do direito. Tomás de Aquino (1977: II–I, qu. 90) define o
direito como uma determinação da razão com objetivo do Bem Comum, a qual foi
promulgada e colocada ao conhecimento de todos por aqueles que possuem o zelo pela
comunidade.18 O fim, nesse sentido, é o Bem Comum, e os meios são a ordem e
publicidade. Contudo, Tomás (Aquino, 1953: II-II, qu. 57 ss.) menciona também a
Justiça como fim do direito positivo.
No século XVII, começa a desaparecer a acentuação de um fim específico do direito. O
Bem, a Justiça, a Felicidade e o Bem Comum passaram a não ser mais vistos como fim
primordial do direito e da Política. Em contrapartida, os meios passaram a ser cada vez
mais importantes. Thomas Hobbes (1991: cap. 17, 1) sugestionou um fim já fortemente
reduzido, mas ainda assim específico e uniforme para o direito e para a Política, a saber,
a autopreservação. Contudo, ele coloca já como ponto central para a determinação do
direito, o meio do comando (Hobbes, 1991: cap. 26, 1). Locke (1991: Second Treatise
§§ 3, 6, 7, 123, 124) admite, como fim específico da Política e do direito, a preservação
18 Na Quaestio, estes quatro elementos são cada vez mais desenvolvidos. A definição condensada se encontra no fim da resposta ao artigo 4°.
16
da propriedade – esta deve ser compreendida em um sentido amplo, o qual inclui tanto
a vida e a liberdade, como também bens materiais. Os utilitaristas partiram ainda de um
fim específico do direito, mas em uma forma reduzida: a maximização do bem-estar,
entendido como o aperfeiçoamento coletivo de estados individuais contingentes de
prazer e sofrimento (Bentham, 1988: I, 1). Kant (1907: § B, 230) define o direito, com
os olhos voltados a um fim liberal e muito delimitado, como a essência das condições,
sob as quais o arbítrio de um pode conciliar-se com o arbítrio do outro, segundo uma
lei geral da liberdade. Para Hegel, o fim do direito é a Liberdade, contudo, não em um
sentido liberal-kantiano de liberdade exterior do agir, mas em um sentido moral-
objetivo e comunitário.19
2. O Século XIX e XX.
Nos séculos XIX e XX, o ceticismo em relação aos fins necessários, o relativismo
axiológico e, em geral, o positivismo teórico-científico, conduziram à renúncia dos fins
específicos do direito e à fundamentação da sua compreensão, exclusivamente, com
base nos meios. Na Inglaterra, John Austin (1995: 12, 21–37) caracteriza o direito como
mandamentos passíveis de cumprimento mediante coação. Na Alemanha, Rudolf v.
Jhering (1983: 320) define o direito de maneira puramente formal, a saber, como núcleo
essencial de normas de coação válidas em um Estado. Norma e coação eram para ele os
meios determinantes do direito. Jhering (1893: 443) denomina, contudo, ainda um
objetivo do direito, embora seja um relativo e menos específico: a segurança das
condições de vida em sociedade.20
Hans Kelsen não menciona mais nenhum fim específico do direito. Em sua teoria, o
direito é determinado exclusivamente através de seus meios particulares: através da
formação de um sistema hierárquico e dinâmico de normas, o qual confere validade a
todas as demais normas inferiores, com uma norma fundamental como último
fundamento de validade uniformizador (Kelsen, 1960: 3 ss., 196 ss.). De outros
ordenamentos normativos sociais como a moral, o direito se diferencia somente através
dos seus meios específicos: através do necessário uso da coação, a qual assegura o
19 Hegel, 1970: § 40, 98: “O Direito é, primeiramente, o Dasein imediato, o qual projeta a Liberdade de modo também imediato”, § 4, 46: “O alicerce do Direito é, em geral, o espiritual e a sua posição mais próxima e ponto de partida é a vontade, a qual é livre, de tal modo que a liberdade constitui a sua substância e determinação, e o sistema do Direito é o reino da liberdade realizada, o mundo do espírito produzido a partir dele mesmo, enquanto uma segunda natureza”. 20 Na página 446, ele salienta a relatividade da medida finalística. Na página 511, as duas determinações são então conjugadas.
17
cumprimento da norma, e através da característica de ser um sistema dinâmico, i.e., da
sua hierarquia de validade não baseada em uma concordância de conteúdo, mas, tão
somente, em autorizações formais (Kelsen, 1960: 34 ss.).
H. L. A. Hart (1997: 98) vê o ponto nodal do direito moderno desenvolvido, o “coração
de um sistema jurídico”, igualmente, somente nos meios, a dizer, em um sistema de
regras primárias e secundárias. Ele trabalha com três tipos de regras secundárias: regras
de alteração, regras de decisão e regras de reconhecimento (rules of recognition). A
regra de reconhecimento de um determinado sistema jurídico é o meio necessário para
identificar as demais regras do direito (Hart, 1997: 79). Um fim do direito é mencionado
por ele somente en passant como um fim muito indeterminado, o qual muitas outras
ações humanas perseguem igualmente: “I think it quite vain to seek any more specific
purpose which law as such serves beyond providing guides to human conduct and
standards of criticisms of such conduct” (Hart, 1997: 249).
Joseph Raz abdica, em sua definição do direito, da exigência de um sistema de regras de
dois planos e considera a “autoridade” como fator decisivo.21 Contudo, a “autoridade” é
também somente um meio, assim como, mandamentos, normas, sanções, regras
secundárias etc. Ninguém aceitaria a autoridade como último fim amplo do direito em
geral ou de suas manifestações singulares em particular.
Ronald Dworkin é, sem dúvida, o teórico do direito anglo-saxão da segunda metade do
século XX, para quem os fins do direito possuem um papel mais forte, sendo, por isso,
especialmente importante. A sua famosa diferenciação entre regras e princípios é, de
fato, essencialmente, uma diferenciação de meios, pois se trata somente de dois tipos
diferentes de regras como meios, a saber, regras do tudo-ou-nada ou regras ponderáveis
(Dworkin, 1977: 22 ss., 71 ss.). Através dos princípios, os fins morais necessários
encontram, entretanto, pelo menos, uma entrada no direito. Todavia, Dworkin não
sugeriu, em seus primeiros trabalhos, nenhum único fim específico de conteúdo como
condição necessária para o conceito do direito. Posteriormente, ele coloca o valor da
igual consideração (equal concern), a dizer, a equidade, no centro da Ética,
caracterizando, contudo, este valor somente como ideal mais elevado da Política, a
dizer, de um governo legítimo (Dworkin, 2000: 1). Em sua obra “Law´s Empire”, ele
21 Raz, 1979: 43: “Put in a nutshell, it (law) is a system of guidance and adjudication claiming supreme authority within a certain society and therefore, where efficacious, also enjoying such effective authority.”
18
introduz então, ao lado da justiça e fairness, um terceiro valor específico, a dizer, uma
terceira convicção específica do legislador e aplicador do direito, a saber, a integridade
no sentido da coerência de toda extensão do direito em um ordenamento jurídico
(Dworkin, 1986: 166 ss., 176 ss.). Entretanto, ele não afirma que este valor, i.e., esta
convicção da integridade, consiste em um fim necessário de todo direito e, com isso,
uma condição necessária do conceito do direito. Trata-se muito mais de um “ideal” ético
de coerência, o qual deve ser aceito por comunidades políticas, legisladores e
aplicadores do direito (Dworkin, 1986: 176 ss., 189, 214 ss., 218). De resto, vale: se a
integridade fosse considerada não somente como ideal ético do direito bom e justo, mas,
muito mais, como necessidade conceptual do fenômeno “direito”, tal hipótese seria forte
demais. É quase impossível afirmar que todas as culturas e sociedades perseguem o fim
da integridade do direito como uma coerência de toda sua extensão.
Um dos poucos filósofos do direito do século XX que formulou um fim específico para
o direito e que, portanto, merece atenção especial, foi Gustav Radbruch.22 Em retorno à
tradição pré-moderna, Radbruch (2003: 34 ss.) vê novamente a Justiça como fim
necessário, i.e., idéia do direito. Justiça, em sentido amplo, compreende para ele três
fins inferiores (Radbruch, 2003: 54 ss., 73 ss.): Justiça no sentido de igualdade formal,
adequação ao fim e segurança jurídica. Este esclarecimento acerca da Justiça geral é,
contudo, pouco convincente, visto que a segurança jurídica é um fim intermediário
relativamente concreto e, desse modo, apenas secundário em comparação com o fim
principal da Justiça; consiste muito mais em um meio, enquanto que a adequação ao fim
permanece muito abstrato e indeterminado. De fato, a adequação ao fim se refere à
aludida condição necessária de todo agir humano, não somente do direito: a persecução
de um fim. A Justiça no sentido da igualdade formal – o primeiro sub-fim da Justiça em
sentido amplo – e, talvez, até mesmo a Justiça em sentido amplo poderiam ser esse fim.
Nesse sentido, necessário se faz a identificação de fins específicos. A explicação de
Radbruch acerca da Justiça em sentido amplo, com base nas sobreditas três partes,
permanece, assim, insatisfatória, porque muitos elementos distintos da relação fim-meio
são agregados, sem que uma referência clara a esta relação seja feita.
22 O seu discípulo Arthur Kaufmann o seguiu na aceitação desse fim. Ver Kaufmann, 1997: 135 ss. Hermann Kantorowicz, um amigo de Radbruch, defende, de maneira pouco consistente, uma definição com um fim e então outra sem um fim: “O Direito é um conjunto de regras, as quais objetivam a evitação ou a solução de querelas em conformidade com o ordenamento” (Kantorowicz, 1963: 29), e “Direito é um conjunto de regras, as quais prescrevem comportamentos exteriores e que podem ser vistas como adequadas do ponto de vista judicial” (Kantorowicz, 1963: 36).
19
3. Consequências
Quais consequências podem ser traçadas dessas diferentes tentativas de encontrar um
fim específico do direito ou de renunciar a um fim? Imperioso se torna buscar um fim
do direito que satisfaça duas exigências: tal fim não pode ser abstrato demais, do
contrário, como fim necessário do direito, ele permanecerá inespecífico em comparação
com outras ações humanas, i.e., sem capacidade de diferenciação. A mencionada
proposta de Hart, “condução do agir humano”, pode ser, de fato, aceita, mas ainda é,
segundo o exposto, abstrata demais. O agir humano é conduzido por diversos outros
fatores: idade, localidade, amizades, relações com o clima, entre outros.
Simultaneamente, o fim buscado não pode ser particular demais. Ele precisa ser
característico de todas as formas do direito, a dizer, precisa constituir uma necessária
condição do conceito de direito. O Bem, a Justiça ou a Igualdade, em um sentido
substancial, não podem, por isso, ser o fim de todas as formas possíveis de direito, visto
que, de um lado, o Bem, a Justiça e a Igualdade foram e são compreendidos de formas
muito diferentes e, por outro lado, partimos do pressuposto de que mesmo o direito não-
bom, i.e., ruim, a dizer, não-justo, ou seja, injusto, a dizer, não-igual, ou seja, desigual, é
ainda direito.
A identificação de um fim único do direito é, no entanto, necessária. Não se pode
compreender o direito através somente de seus meios, pois todos os tipos propostos de
meios podem ser também meios de sistemas não-jurídicos. Isto é evidente no que
concerne a mandamentos, normas e sanções. Todavia, é válido também para o sistema
de dois planos de regras de Hart. Admita-se, por exemplo, que Madame X era uma
figura central na Paris burguesa do século XIX. As regras que eram válidas no seu
salão, eram válidas para os pertencentes à classe alta do seu tempo. Neste caso, há um
sistema de dois planos de regras, com uma regra de reconhecimento: as regras, as quais
valiam através da Madame X, foram aceitas como as regras válidas para os parisienses
da classe alta daquele tempo. Este sistema se assemelha ao sistema de regras primárias e
secundárias de regras, conforme foi proposto por Hart como característico para o direito
moderno. Contudo, o sistema de regras da Madame X não seria visto por nós como
direito. O exemplo demonstra que a diferença entre regras primárias e secundárias não é
suficiente para a caracterização do direito.
20
Mas, ele é, ao menos, necessário? Pode-se imaginar uma simples sociedade tribal, na
qual, sem qualquer responsabilidade sistemática, eventuais membros procuram, no caso
de uma desavença entre diferentes opiniões, conciliar-se, de modo semelhante à práxis
jurisdicional e de maneira categórico-formal, com outros membros dantes não
determinados. Em outros casos, os membros desta sociedade resolvem seus conflitos
com ajuda de um simples acordo categórico-formal. Estes simples fatos sociais, a dizer,
ações humanas, podem ser, muito provavelmente, compreendidos como direito. Mas,
além do mero conceito, não existe nestes casos uma regra geral de reconhecimento
aceita, a qual identifique qual destes fenômenos deve se designado como direito e qual
não deve. Isto significa que a diferenciação entre regras primárias e secundárias não é,
de todo modo, necessária para o conceito de direito. Hart (1997: 239 ss.) iria,
porventura, argumentar que o sistema de Madame X não é um sistema político, i.e.,
estatal. Contudo, nota-se que o direito Público Internacional é, de fato, político, mas não
estatal. Desse modo Hart descreve, com o sistema de regras de dois planos, somente
uma característica largamente difundida, porém igualmente contingente dos sistemas
jurídicos desenvolvidos modernos. Ou seja, não se trata de uma característica necessária
do direito em todos os períodos e culturas imagináveis. Ele propõe uma compreensão do
direito, a qual – nas suas próprias palavras – poderia ser uma compreensão de uma
“sociologia descritiva” (Hart, 1997: 6); uma compreensão que possui, como descrição
sociológica dos sistemas jurídicos modernos desenvolvidos, um grande valor, mas que
não pode substituir uma perspectiva filosófica sobre o direito.
O que pode então ser visto como um fim necessário do direito? A resposta a esta
pergunta encontra, naturalmente, grande dificuldade, tendo em vista a existência de um
possível direito divino ou direito natural como fenômenos transcendentes, eis que, não
podemos reconhecer possíveis fins últimos divinos ou naturais. Dado que se trata,
contudo, também com relação a estes direitos – caso eles existam, de direito para os
homens, torna-se possível aceitar que seus fins e meios são, ao menos, comparáveis,
neste ponto, com os fins e meios do direito humano.
VIII. O Fim Necessário do Direito.
O direito possui – conforme a tese aqui defendida – como fim necessário e, desse modo,
característica necessária do seu conceito, o fim da mediação entre interesses
potencialmente contraditórios e conflitantes.
21
A Constituição media, de certa forma, diferentes concepções fundamentais acerca do
modo de vida humano, as leis conciliam diferentes interesses gerais, as decisões dos
magistrados mediam interesses em conflitos particulares e os atos administrativos dos
agentes da Administração Pública conciliam a vontade concreta de um cidadão em
particular e da comunidade.
Quatro elementos do fim conceptual necessário do direito precisam ser diferenciados:
(1) ao menos dois possíveis interesses, i.e., aspirações, os quais (2) sejam
potencialmente contraditórios e junto aos quais (3) haja a possibilidade de conflito,
assim como (4) a sua mediação factual seja alvejada.23 Cada um destes elementos carece
de esclarecimento:
1. Possíveis aspirações/interesses.
As expressões “aspiração” e “interesse” são usadas aqui como sinônimos. Elas não
devem ser compreendidas, reduzidamente, em um sentido egoístico ou econômico. Uma
importante aspiração consiste, possivelmente, na vontade de enviar suas próprias
crianças para uma escola de boa qualidade. As aspirações não precisam ser reais para
provocar sua mediação através do direito. É suficiente a mera possibilidade de seu
surgimento, como, por exemplo, os interesses de futuras gerações como ponto de
partida do fim da mediação. O conceito de interesse, i.e., aspiração, é abstraído das
características concretas das entidades a serem consideradas. Quatro dessas
características imanentes aos seres vivos interessam: propensões, necessidades, desejos
e objetivos de todas as entidades, as quais possam ser possuidoras de interesses. Estas
quatro características formam uma espécie de continuum entre uma pura determinação
corporal e uma pura determinação mental. Propensões do nosso corpo, como as do
sistema imunológico, são puramente corporais. Necessidades como aquelas de dormir,
comer, beber, calor e proteção, são corporais, mas influenciáveis pela vontade. Os 23 Caso se busquem reflexões anteriores acerca do tema, pode-se pensar certamente em algumas passagens de Rudolf v. Jhering e Philipp Heck. Segundo Rudolf v. Jhering (1872: 11 ss.), os antagonismos dos interesses sociais devem conduzir a determinados regramentos jurídicos. Esta compreensão do Direito é, contudo, ainda muito baseada no darwinismo-social no sentido da descrição de uma “luta” e, também, não é, tendo em vista a outra espécie de tentativa acima mencionada de definição do Direito junto a Jhering, nenhuma determinação conceptual verdadeira. Em Philipp Heck (1932: 4), parece ser relativamente vaga a idéia de que o “legislador quer delimitar entre si os interesses da vida humana conflitantes.” Para o fim da solução de conflitos, ver também Kurt Seelmann, 2007: 20 ss. Objetivamente, é possível também, nesse mesmo sentido, interpretar o conceito de paz. Todavia, o conceito geral usual de paz é muito vago e não expressa do mesmo modo o pensamento do antagonismo entre aspirações.
22
desejos têm, não raramente, uma origem corporal, mas são, sobretudo, mentais e podem
também ser completamente oprimidos, como o desejo de ler um livro. Os objetivos são
puramente mentais, como o objetivo de desenvolver uma possível boa teoria do direito.
Entidades coletivas e fictícias, como as pessoas jurídicas, não podem, em virtude da
carência de um corpo, desenvolver quaisquer propensões, necessidades ou desejos. A
elas podem ser atribuídos somente objetivos, os quais são estabelecidos por meio de
seus representantes naturais.
Aspirações são tanto objetivas como subjetivas. Tendo em vista este aspecto, existe
mais um continuum, o qual é especialmente relevante no campo da bioética, a saber:
mister se faz, primeiramente, considerar a vontade concreta efetiva. Se isso não for
possível, torna-se necessário tomar em consideração a vontade abstrata efetiva. O
terceiro passo seria considerar a vontade pretérita efetiva, como no caso de uma pessoa
inconsciente, tendo em vista medidas de salvamento, a dizer, tratamentos médicos
gerais. Caso este tipo de vontade pretérita efetiva não exista ou não possa ser
reconhecida, necessário se faz, em um quarto passo, averiguar a vontade presumida da
pessoa e, finalmente, em um quinto e último passo, a vontade presumida de uma pessoa
comparável.
Uma certa importância autônoma é necessária para a configuração de uma aspiração,
i.e., interesse jurídico carente de mediação. Esta é, de fato, a razão porque nós não
consideramos as regras de um jogo como direito, apesar do seu indiscutível poder de
mediação. O jogo é em si mesmo suficiente e não possui nenhum fim exterior
necessário. Os objetivos internos são somente relacionados ao jogo, de modo que os
desejos e objetivos dos jogadores são puramente relacionados ao jogo e, assim, não
logram a importância autônoma necessária para mediar aspirações jurídicas. Aquele que
leva a sério um jogo não entendeu o caráter lúdico do mesmo. Por isso, o árbitro de uma
partida não diz o direito, embora a palavra “árbitro” indique a semelhança da sua
atividade de mediação para com a do magistrado. No entanto, é possível que um
tribunal desportivo diga, hipoteticamente, o direito para além da esfera desportiva.
2. Potencialmente contraditórios.
Os interesses precisam ser potencialmente, de um modo ou de outro, contraditórios, i.e.,
não deve haver perfeita e segura concordância entre eles. Havendo concordância
perfeita e segura, então não há possibilidade ou razão para uma mediação através do
23
direito. Todavia, é suficiente uma mera possibilidade de contradição, como a possível
contradição entre aspirações de pessoas vivas entre si ou com futuras gerações.
3. Possibilidade de um conflito.
Mesmo que haja dois interesses contraditórios, pode ser que um conflito entre estes
interesses, ou mais precisamente, sobre estes interesses, seja impossível, o que exclui
tanto a possibilidade como também a razão para uma mediação dos interesses por meio
do direito. Exemplo: o veranista quer sol, o lavrador chuva. Enquanto o tempo não for
influenciável de modo pontual e local, não é possível haver qualquer conflito entre as
suas aspirações contraditórias. Uma mediação através do direito não é possível, nem
necessária.
4. Mediação.
Ao contrário das primeiras três exigências, a mediação não deve ser somente um
possível conteúdo do fim do direito. Ela precisa ser, ao revés, realmente, i.e.,
efetivamente objetivada, visto que o direito é em si, de fato, uma forma da realidade e
não da virtualidade. O que significa “mediação”? O direito precisa buscar uma decisão
refletida, i.e., uma decisão que leve em consideração, pelo menos, os interesses
contraditórios e os seus titulares. Isto significa: a medição não necessita ter ou até
mesmo alcançar o objetivo de ser boa, justa ou equânime, num sentido exigente e
perfeccionista. Necessário se faz, contudo, a fundamental consideração dos titulares de
interesses possivelmente afetados e dos seus respectivos interesses. A execução (morte),
o acordo para executar alguém e a ordem para executar – enquanto não são resultados
de um processo judicial e, desse modo, de uma mediação – não apresentam nenhuma
consideração acerca dos envolvidos e seus interesses, visto que, nessas espécies de
negociação, as atuais e possíveis aspirações contraditórias dos afetados pela decisão
executória e dos assassinos, em sentido amplo, não são de maneira nenhuma mediadas.
Execuções durante a guerra não são, nesse sentido, direito, podendo, contudo, ser
autorizadas no âmbito do direito Internacional Público e justificadas no plano ético
como meio de defesa. Do mesmo modo que a total exclusão e privação da proteção
jurídica de grande parte da população não pode ser conceptualmente direito. No que
concerne ao vetusto direito escravocrata, a sua qualificação como direito depende de se
observar se os interesses dos escravos são levados em consideração, pelo menos, de
uma forma mínima.
24
A aqui formulada exigência, com relação ao direito, é relativamente abstrata e fraca. O
direito não precisa possuir como fim necessário o cumprimento de todas ou, até mesmo,
das exigências centrais da moral e da ética. Entretanto, ele possui um fim único, estrito,
conceptual, relativo e necessário, sem o qual um fato não pode ser identificado como
direito. Caso se queira, pode-se caracterizar este fim muito estrito, como “Justiça” em
um sentido muito fraco, desde que se observe a diferença essencial com relação a outros
conceitos muito mais fortes de Justiça como necessidade do conceito de direito e
medida ética. Como se pode precisar se um agir, de fato, serve a este fim de mediação
entre interesses potencialmente contraditórios e conflitantes? Esta é uma pergunta
empírico-pragmática. As fontes essenciais dessa identificação são as intenções
empiricamente reconhecíveis dos agentes, o seu agir efetivo, o contexto pragmático do
seu agir, porventura a referência de outros direitos a este agir, e, não por último, a
aprovação e aceitação de outros participantes da sociedade, na qual acontece o agir em
questão.
Do mesmo modo, normas que parecem ser puramente impositivas, como a decisão
sobre as cores da bandeira nacional ou a capital do Estado através de leis, decretos ou
atos administrativos, mediam interesses atualmente ou, ao menos, potencialmente,
contraditórios e conflitantes, visto que, antes de se dispor juridicamente sobre a bandeira
nacional ou a capital do Estado, não raramente alguns cidadãos, nobres ou grupos
concorrem, a dizer, concorreram, respectivamente, com suas bandeiras regionais e
políticas, e muitas cidades, através de seus representantes. A decisão, nesses casos,
conduz ao término dessa concorrência e evita conflitos.
O aqui afirmado fim necessário do direito é menos exigente que a fórmula de
Radbruch.24 Ele nem nega a validade da norma jurídica quando o conflito com a Justiça
é “insuportável” (primeira parte), nem a própria natureza jurídica quando a Justiça, em
um sentido mais forte, não é nem por um momento alvejada pelos legisladores (segunda
24 Radbruch, 2003: 216: “O conflito entre justiça e segurança jurídica deve ser resolvido no sentido de que o direito positivo, garantido através da legisferação e do poder, tenha preferência, mesmo quando o seu conteúdo seja materialmente injusto e não adequado ao seu fim; a menos que a contraposição da lei positiva com relação à justiça atinja um nível tão insuportável, que a lei, como ‘direito incorreto’, tenha que ceder lugar à justiça. É impossível traçar uma linha exata entre os casos de ‘injusto legislativo’ (gesetzliches Unrecht) e das, embora com conteúdo incorreto, leis válidas; um outro limite pode ser, contudo, percebido com toda exatidão: quando a justiça não é nem por um momento pretendida, quando a igualdade, a qual forma o núcleo da justiça, é, conscientemente, negada no ato de fixação do direito positivo, neste momento, a lei não é somente ‘direito incorreto’, ela carece da própria natureza jurídica.”
25
parte). Entretanto, mesmo que as exigências fortes da formula de Radbruch, de uma
perspectiva teórico-jurídica, não possam ser vistas como condições necessárias do
conceito de direito, pode-se observar muitas vantagens, do ponto de vista ético, na
incorporação das mesmas ao direito consuetudinário ou ao direito constitucional
positivo de uma sociedade. Sob os fundamentos da ética, o direito precisa perquirir
materialmente muito mais – a saber, buscar ser direito bom e justo – do que impõe a sua
delimitação conceptual com relação a outros fenômenos sociais, baseada no fim
relativamente amplo da mediação entre interesses contraditórios. As exigências éticas
muito fortes com relação ao direito precisam ser diferenciadas cuidadosamente da
determinação conceptual do fenômeno direito.
IX. Os Meios Necessários do Direito.
Por meio do fim da mediação entre interesses possivelmente contraditórios e
conflitantes, pode-se diferenciar o direito de muitas outras ações, a dizer, fatos sociais.
Contudo, alguns fatos sociais são também ações num sentido muito amplo e possuem o
mesmo ou, ao menos, um fim necessário conceptual semelhante. Isto vale,
especialmente, para a Moral, Política, Religião ou convenções não-morais. Com relação
a estas ações sociais com fim igual ou, ao menos, semelhante, o direito pode ser
diferenciado somente com recurso aos seus meios necessários. Todavia, nem todos os
meios necessários são aptos para este fim. O direito utiliza meios que todas as demais
ações sociais, as quais servem ao fim da mediação entre interesses possivelmente
contraditórios e conflitantes, utilizam – indubitavelmente em razão do fato de que a
aspirada mediação pressupõe factualmente a utilização desses meios. Os dois meios
essenciais desse tipo são o pensar e a linguagem. Não é simplesmente possível imaginar
como se pode mediar interesses conflitantes sem o pensar e a linguagem. Das espécies
de pensar e linguagem, o direito se vale de todas as possíveis, a dizer, descrição,
valoração e prescrição (normatização).25 As normas, em especial, são um meio
necessário do direito, porque a mediação entre interesses conflitantes não é possível sem
obrigar o titular do interesse a um certo agir. O direito é, portanto, necessariamente
normativo.
A normatividade não é, contudo, especificidade do direito, pois também todas as outras
ações sociais, as quais servem à mediação entre interesses possivelmente contraditórios
25 Ver von der Pfordten, 1993.
26
e conflitantes, são necessariamente normativas. Igualmente a Moral, a Política, a
Religião e as demais convenções não-morais precisam se valer de normas para a
realização de seu fim de mediação. É preciso buscar outros meios necessários que sejam
específicos do direito. Os elementos decisivos em comparação com outras ações sociais
são, com relação à / às:
(1) Convenções (por exemplo: costumes à mesa): o direito não comporta somente
regras, i.e., normas voluntárias, mas, também, obrigações categóricas; obrigações
categóricas são aquelas que não possuem a aceitação concreta-prática dos obrigados
como condição necessária para sua validade (o que não significa dizer que todas as
normas jurídicas são categóricas). Desse modo, o direito é – como a moral –
diferenciado de outras meras convenções não-morais através da sua parcial
categorização.26 A decisão judicial se diferencia também da mera mediação através da
sua categorização.
(2) Moral: o direito apresenta, em todas as suas manifestações, apenas fontes e
meios externos (promulgar, acordar, julgar, ordenar, votar), mas nenhuma fonte
puramente interna, como a consciência humana, a qual é uma – mas não a única – fonte
da moral.27 Desse modo, o direito se diferencia da moral através da externalidade de
todas as suas manifestações particulares.
(3) Política: o direito se caracteriza, nas suas manifestações, através de uma
determinada formalidade no que concerne à sua produção, publicidade e aplicação, a
qual não é comum aos simples atos políticos, a dizer, por exemplo, uma decisão de
política externa, e.g. uma regra como a da doutrina Monroe ou Breschnew.28 Nesse
sentido, a característica diferenciadora do direito em comparação com a Política e
também com relação a outros atos sociais comparáveis é a formalidade em todas as suas
manifestações particulares. A formalidade conduz à segurança jurídica. A exigência da
formalidade é válida, em sua derradeira realização, também para o direito
26 A exigência da categorização precisa ser, contudo, diferenciada cuidadosamente da coação. 27 Ver Immanuel Kant, 1907: Einleitung, 219 ss., 225. Em contrapartida, não é necessário para o Direito, num sentido filosófico, a possibilidade da coação psíquica ou física (ver Max Weber, 1985: 17 ss.) porque, de um lado, Direito sem coação e outras normas distintas com coação são imagináveis, como a Moral. Entretanto, uma perspectiva sociológica acerca do Direito moderno irá observar o Direito, de fato, como uma ordem coativa. 28 Acerca da formalidade do Direito, ver: Robert Summers, 2006. O conceito de formalidade de Summers é, contudo, em diversas perspectivas mais do que o necessário para diferenciar o Direito da Política.
27
consuetudinário, o qual precisa encontrar a sua forma em processos parlamentares,
judiciais e administrativos.
(4) Religião: o direito se refere, assim como um possível direito divino ou natural, a
relações mundanas imanentes dos homens e de suas ações. A religião possui também,
ao revés, como práxis da fé, uma referência a um fim transcendente, como o fim de uma
bem-aventurança eterna, um renascimento ou, pelo menos, uma paz espiritual eterna.
Nesse sentido, a característica diferenciadora do direito com relação à Religião é a sua
imanência em seu ato de referência – desde que a religião e o direito sejam separados e
não, mais ou menos unidos, como no direito judaico ou islâmico.
X. Contra um Reducionismo dos Meios.
A moderna teoria do direito reduz não somente o conceito de direito a determinados
meios, mas também defende uma “instrumentalização”. Os próprios meios também são
reduzidos, e. g., a normas (Kelsen), regras (Hart) ou regras e princípios (Dworkin). É
possível denominar tal reducionismo dos meios de “normativismo”. Igualmente, este
segundo reducionismo carece de fundamentação. Ele está ligado com o primeiro
reducionismo, o qual propõe uma compreensão geral do direito apenas com base em
seus meios. Se adotarmos um fim específico do direito, então não há necessidade de se
reduzir os meios do direito a apenas um tipo, em especial, a normas, regras ou
princípios. Qualquer meio apropriado, necessário e adequado pode ser escolhido para o
alcance do fim. É possível, então, aceitar que o direito pode utilizar e utiliza uma
pluralidade de meios para o alcance de seus fins, não somente normas, regras ou
princípios. Desse modo, pode-se considerar, sobretudo, dois outros meios: conceitos e
institutos.
O direito é marcado por conceitos como pessoa, dignidade humana, vida, ação,
liberdade, contrato, propriedade, posse, danos, imprudência, ato administrativo etc.
Estes conceitos são instrumentos para a compreensão do mundo. Eles são meios para
diferenciar fenômenos, de modo que diferentes obrigações possam ser imputadas. Os
conceitos do direito não podem simplesmente ser reduzidos a elementos das normas.
Pode-se formular a difícil seguinte pergunta: o que é primário, conceitos ou
normas/regras/princípios?29 Muitos representantes da moderna teoria do direito tomam
por válido, de maneira explícita ou implícita, que os conceitos são determinados através
29 Ver Alf Ross, 1957: 812 ss.
28
das normas, sendo considerados parte destas. Todavia, esta ideia é simples demais. O
direito incorpora muitos conceitos naturais e sociais – conceitos como água, solo, ar,
arte, ciência, família – sem determiná-los completamente ou sem também conseguir
determiná-los somente com referência aos seus fins internos.
Uma pluralidade de regras, i.e., normas, é conjugada, a fim de se formar um instituto,
como o instituto do matrimônio ou o instituto da propriedade privada. Além do fim
geral do direito, estes institutos servem a fins concretos, como a estabilização e
promoção do instituto social do matrimônio.
XI. Direito e Direito Desenvolvido.
A definição do direito, através dos seus fins e meios, é útil para uma melhor
compreensão do fenômeno “direito”? É possível diferenciar, através dessa definição, as
três seguintes espécies simples de direitos, as quais já se referem à exigência do fim e
dos meios específicos do direito: o acordo formal-categórico e mediado, a obrigação
formal-categórica e mediada através de uma comunidade e a mediação formal-
categórica através do magistrado. Todas essas formas simples do direito servem
fundamentalmente ao fim da mediação entre interesses possivelmente contraditórios e
conflitantes.30 Elas preenchem, além disso, todas – assim se pode aceitar – as
exigências, com relação aos meios, a saber, categorização, externalidade, formalidade e
– desde que direito e religião sejam separados – imanência. Um acordo formal-
categórico media, por exemplo, os interesses das partes possivelmente contraditórios e
conflitantes, os quais as atinjam. Ele compreende, pelo menos em parte, obrigações
categóricas. Ele é necessariamente externo. Ele possui uma forma, como, no caso da
anuência, o aperto de mão, a forma escrita, o depósito de documentos, a participação de
testemunhas, entre outros. E ele é imanente, caso, repita-se, direito e Religião sejam
separados.
Essas três formas simples de direito, que podem ser observadas ainda de forma
preponderante no direito internacional público e no direito das sociedades indígenas,
foram aperfeiçoadas e estruturadas de forma mais complexa ao longo da história
humana em várias etapas. Elas formam, desse modo, o direito moderno. As etapas de
aperfeiçoamento serão aqui esboçadas, a fim de que se possa compreender melhor o
30 No caso da obrigação formal, isso é válido, pelo menos, para o obrigado, visto que o obrigado pode se recusar a cumprir. Ele não será forçado. Entretanto, tal noção não é sempre válida no caso de um terceiro envolvido.
29
conceito de direito, malgrado uma descrição e explicação mais completa desse processo
contingente não seja mais tarefa da Filosofia do Direito, mas, sim, da História do
Direito e da Sociologia Jurídica.
(1) Acordo formal-categórico
Obrigação formal-categórica através de uma comunidade
Mediação formal-categórica através do Magistrado
(2) Direito consuetudinário
Normatização formal-categórica através de uma comunidade
Direito baseado em precedentes
(3) Direito positivo de uma comunidade
(4) Direito constitucional de uma comunidade
Já na primeira e segunda etapa desse desenvolvimento, essas formas jurídicas impõem a
existência de uma comunidade em um sentido fraco e amplo: uma comunidade de
contratantes, uma comunidade de partes com um magistrado ou uma outra comunidade,
que estabelece obrigações e possui obrigações para com os seus membros. No mais,
todas as formas simples do direito serão até certo grau dependentes das formas de
direito desenvolvidas e preferencialmente mais exigentes de terceiro e quarto grau. Isto
é, a lei e a constituição legitimam e regulam o contrato, a obrigação social e a mediação
através do magistrado.
XII. Direito e Moral/Ética.
Qual é a conseqüência da definição de direito aqui proposta para a discutida relação
controversa entre direito e Moral/Ética? Ou perguntando de maneira mais precisa:
Direito e Moral/Ética são conceptualmente e, assim, necessariamente ligados, ou eles
são unidos somente numa relação causal externa e internamente através de uma decisão
incorporadora e, portanto, de maneira contingente?31
Para um adequado tratamento dessa questão, mister se faz diferenciar entre moral
(moral positiva, mora factual) e ética (moral crítica, filosofia da moral). A moral
positiva é, de um lado, um fato social, o qual pode ser verificado empiricamente. Nós
podemos descrever as normas morais e o comportamento moral de certas pessoas em
determinadas sociedades, como, por exemplo, a sua sinceridade, o seu bem-querer ou as
restrições sociais do seu comportamento sexual. As normas morais dirigem o nosso agir
31 Ver Robert Alexy, 1992: 15 ss.
30
com relação aos outros diretamente e primariamente. A ética não é necessariamente um
fato social, mas, sim, um produto do intelecto, um ideal com pretensão universal. A
ética não dirige o nosso agir diretamente e primariamente, mas, sim, fundamenta e
critica as normas primárias da moral, do direito, da religião, das convenções etc.
A relação entre moral e direito é uma relação entre dois fatos sociais. Esta relação é
necessariamente causal, assim como, incorporadora e, portanto, contingente, pois não é
cognoscível como fatos possam ser conceptualmente associados. Existe somente uma
semelhança, a dizer, os dois fatos sociais possuem o mesmo fim fundamental, o fim da
mediação entre interesses possivelmente contraditórios e conflitantes. O
estabelecimento do direito precisa, assim, perquirir o mesmo fim abstrato da moral. E o
direito faz bem em levar em consideração na sua realização, com base em fundamentos
finalísticos, eventuais contrapontos ou auxílios da moral. Além disso, não há, contudo,
nenhuma necessidade conceptual do direito se orientar materialmente em valores e
obrigações da moral.
Essa necessidade que exige do direito a concretização do seu fim e de seus meios de um
determinado modo, a fim de que possa ser considerado direito bom, i.e., justo, só pode
ser uma necessidade normativo-ética. Isto conduz a uma segunda parte da pergunta: à
pergunta acerca da relação entre direito e ética. O fim específico da ética consiste em
criticar e justificar fatos normativos como o direito. Destarte, direito e ética estão, nesse
sentido normativo-ético, ligados. Esta ligação conceptual é, contudo, somente decisiva
para a necessidade de qualificar o direito como bom, i.e., justo ou ruim, i.e., injusto.
direito injusto – no sentido de injustiça, que significa muito mais do que a injustiça para
o conceito de direito de mediação entre interesses potencialmente contraditórios e
conflitantes – é direito conceptual-fenomênico. A ética exige, contudo, o
aperfeiçoamento do direito.
A questão se nós devemos observar/cumprir esse direito injusto é uma outra questão
moral e ética independente. Cada Moral pode decidir tal questão, factualmente, de
maneira distinta. Na Ética, tal questão é respondida do seguinte modo: se o direito
injusto ultrapassa um certo limite, o seu não-cumprimento é, do ponto de vista ético,
permitido e até mesmo exigido. O modo do não-cumprimento permitido do ponto de
vista ético depende, assim, da intensidade da injustiça. Tais modos podem variar de um
31
simples não-cumprimento, para uma desobediência civil, a uma resistência armada e até
ao assassinato do tirano.32
XIII. Conclusão.
A perspectiva filosófica, que conduz a um conceito de direito abstrato e conformador, é
somente uma dentre outras formas de análise do direito. Esta perspectiva não pode
reivindicar nenhuma primazia com relação à sua visão do direito. Todavia, a perspectiva
filosófica não pode também ser substituída por outras formas de tratamento do direito,
como a perspectiva dogmático-jurídica, histórica, sociológica, das ciências naturais e
interno-descriptiva. Todas as tentativas dessa espécie de reducionismo são per
definitionem inadequadas, porque elas passam a compreender o direito apenas como um
fenômeno isolado ou limitadamente relacionado, mas não em sua ligação com todos os
outros fenômenos possíveis, a dizer, como parte do mundo como um todo, como tenta
realizar a Filosofia do Direito.
A perspectiva filosófica acerca do direito tem um valor? Para esta pergunta são
possíveis, pelo menos, três respostas. Primeiro, toda compreensão de um fenômeno
mundano possui um valor, porque é essencialmente melhor compreender o mundo do
que não o compreender, desde que esta compreensão seja satisfatória. Segundo, a
diferenciação entre diferentes fatos sociais e atos humanos, como determinação
fundamental do direito humano, é importante do ponto de vista prático. É,
possivelmente, importante saber que a exclusão e privação de todos os direitos de parte
da população já não pode ser, com relação aos excluídos, conceptualmente direito.
Terceiro, se o fim necessário conceptual do direito consiste na mediação entre interesses
potencialmente contraditórios e conflitantes, e se os meios necessários do direito são
pensar, linguagem, normatização, categorização, externalidade, formalidade e – no caso
da separação entre direito e religião – imanência, então o direito bom, a dizer, justo
consiste na boa, i.e., justa mediação entre estes interesses possivelmente contraditórios e
conflitantes e o justo emprego destes meios. O direito justo e bom pressupõe, portanto,
o exame do seu conceito, i.e., o exame do seu fim e meios necessários.
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32 Ver Dietmar von der Pfordten, 2001: 522 ss.
32
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