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Apariçao

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Literatura Portuguesa

Algumas notas sobre Aparição

11.ºD

2010/2011

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Literatura Portuguesa Aparição

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Aparição, Vergílio Ferreira

8/6/89

[Aparição] Em primeiro lugar, penso que se trata de um livro muito importante (desculpem) e bem estruturado para o que eu pretendia. – e muito original na sua temática (dêem lá o jeito e nova desculpa). Em segundo lugar, verifico agora melhor como a orientação tem ainda fortes raízes tradicionais (caracteres, encadeamento da história, entremeado de descrições, etc.), embora haja muito já de novo para além da temática (interpelação da personagem, comparações, atropelamento da frase, reflexões inseridas na narrativa, e não sobrepostas, a abstratização, o tom, etc, etc.).

(...) Aparição revela-nos uma bela capacidade ficcional com uma temática que eu persisto em considerar nova em toda a literatura que conheço. Mas revela-me também por vezes uma imaturidade na sensibilidade de quem o escreveu. Mas isso só poderia esclarecer bem, se fosse hoje que escrevesse esse romance. Porque poderia manter tudo (história, personagens, etc.) excepto o modo de estar diante desse todo. Pg. 209 Ferreira, Vergílio, Conta- Corrente nova-série I , Bertrand , Lisboa, 1993

“Quando eu me propus a escrever Aparição, a primeira tentativa – que ainda esbocei foi justamente a de um romance “abstracto” – muito mais que os franceses, porque eu pretendia pôr em jogo apenas relações de ideias, manchas de personagens como indicativos, etc.” pg. 179

Ferreira, Vergílio, Conta-Corrente nova-série III , Bertrand , Lisboa, 1994

4/5/90

O conceito de “aparição é muito importante para mim, muito importante porque não tem que ver só com a relação do “eu” consigo mas com a relação do “eu” consigo mas com a revelação de transcendência de qualquer real”. Pg. 115

Ferreira, Vergílio, Conta- Corrente nova-série II , Bertrand , Lisboa, 1993

“E, todavia como é difícil explicar-me! Há no homem o dom perverso da banalização.

Estamos condenados a pensar com palavras, a sentir com palavras, se queremos pelo menos

que os outros sintam connosco. Mas as palavras são pedras.” Pg. 44

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— “Também fiz outra experiência, senhor doutor. — Que experiência? — Bem ... Não sei como explicar. É assim mastigar as palavras. — Mastigar as palavras? — Bem... É assim: a gente diz, por exemplo, pedra, madeira, estrelas ou

qualquer coisa assim. E repete: pedra, pedra, pedra” Muitas vezes e depois pedra já não quer

dizer nada.

Como, Carolino? Sabes então já a fragilidade das palavras, acaso o milagre de um encontro

através delas connosco e com os outros? E saberás o que vive em ti, o que te vive, e as

palavras ignoram?” pg. 74 Ferreira, Vergílio, Aparição , Bertrand ed.28ª ed, 1996

que é uma palavra? (...) - Rede aérea de sons, a mais frágil produção do homem, ela resiste mais do que a pedra e o aço. (...) Pensemos agora na espantosa estrutura de toda uma língua para medirmos bem o milagre da sua resistência.

(...)Concluímos daqui que a língua constitui uma rede fechada sobre si, um tecido de malha que as leis da língua tecem um quadriculado de palavras sobrepostas ao que chamamos «mundo real». Não há portanto um mundo traduzido em palavras, mas um mundo de palavras a esse real. Porque cada língua tem as suas seu modo de ver a realidade, o seu modo de a pensar. Assim mudar de língua é mudar de mundo e não podemos pensar que essa língua traduz o mundo porque teríamos tantos mundos quantas línguas e seria estulto admitir que essas línguas o traduzem na real realidade que é a dele. (...)

Ninguém pode sair das fronteiras da língua, a objectividade da razão está na rede que uma língua teceu. As palavras vivem por si, pensar é articular um sistema de vocábulos, de sons ocos (...) Eis porque a quase totalidade dos problemas filosóficos são problemas sem fundamento, problemas feitos de palavras a que nada corresponde além dessas palavras vazias, o homem tem arrastado ao longo dos séculos um entretenimento vão como as crianças nos seus jogos de faz-de-conta”

Ferreira, Vergílio Para Sempre, Bertrand ed.10ª ed, 1996, pg. 194-197

“Os limites da minha linguagem são os limites do meu mundo”

“O mundo é a totalidade dos factos, não das coisas”

“O sujeito não pertence ao mundo é um limite do mundo”

Wittgenstein

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EXISTENCIALISMO

O existencialismo é uma corrente filosófica iniciada a partir da 1ª guerra Mundial e que atingiu o seu

apogeu nos anos 40-50. A 1ª Guerra Mundial veio por em causa as ideias até então valorizadas pela

classe burguesa, dominada pela ideia de progresso e de bem estar. Na 1ª Grande Guerra o homem é

aviltado como nunca fora , vivendo no meio do medo e da angústia. A 2ª Grande Guerra intensifica e

agrava ainda mais este sentimento.

O existencialismo fundamenta-se na obra de Nietzsche, filósofo do séc. XIX. Nietzsche

insurge-se contra a civilização burguesa voltada para o bem-estar material , rejeitando todos os seus

valores, proclamando a morte de Deus e valorizando o sentido terreno da existência.

Nietzsche criou o conceito de super-homem. O homem que ocupa o lugar de Deus. A ideia do

homem ser o seu próprio Deus, com a afirmação patente no prefácio da Aparição. Na pg. 11, o

narrador afirma:

“Conheço-me o deus que recriou o mundo., o transformou, mora-me a infinidade de quantos sonhos,

ideias, memórias, realizei em mim um prodígio de invenções , descobertas, que só eu sei, recriei à

minha imagem tanta coisa bela e inverosímil”

A filosofia de Nietzsche foi desenvolvida por Sartre e Camus.

Sartre desenvolve as ideias de Nietzsche e conclui que como não existe uma razão suprema - um

deus – a vida humana é inútil, absurda e sem esperança. Sartre afirma que:

“Se Deus não existe, o homem está condenado a ser livre”.

A liberdade de optar coloca o homem face a uma multiplicidade de caminhos.

É uma responsabilidade angustiante pois sendo o homem livre de escolher, as consequências dessa

opção recaem sobre ele.

Camus expressa esta ideia através do mito de Sísifo:

Sísifo, pai de Ulisses, foi, segundo a tradição, um mortal sem escrúpulos, tendo vivido de roubos e

assassínios. Por isso, uma vez descido ao Hades, foi condenado pelos Juízes dos Infernos a empurrar sem

descanso um enorme rochedo até ao cume de uma montanha. Sísifo, porém, nunca conseguiu realizar esta

tarefa pois mal chegava ao cimo da montanha a enorme pedra, em consequência do seu peso, caía de

novo. Os deuses condenaram Sísifo ao castigo mais terrível: o trabalho inútil e sem esperança.

A tragicidade deste mito advém da consciência do seu herói. Se acaso Sísifo tivesse esperança o efeito

da tortura seria minimizado. Uma característica muito comum a todas as filosofias da existência é o

facto de repousarem numa vivência muito pessoal e portanto variável de filósofo para filósofo. A

existência é sempre individual, singular, subjectiva.

A angústia e a inquietação existencialista perpassam de um modo quase obsessivo para a figura de

Alberto.

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Capítulo I

―Sou professor de liceu‖ (pg.13)

―O monge sou eu‖ (pg. 17)

―O Alberto sou eu‖ (pg.20)

Capítulo II

“Quem sou eu?” (pg. 25)

Tu és:

- meu filho

- um homem

- um ser vivo:

- que pensa

- que vive

- que há-de morrer

“Mas eu, eu o que é que sou?”

―Mas eu (..) sentia (...) que alguma coisa ficara por explicar e que era eu próprio essa entidade viva que me

habita‖ (p.26)

Capítulo III

“Sou um indizível equilíbrio interior” (pg.46)

―sou eu que me habito‖ (pg.47)

―sou uma entidade, uma presença total, uma necessidade do que existe‖ (pg.47)

―só há eu a existir‖ (pg.47)

“Ora este eu é para morrer” (...) Mas como é possível? Agora eu sou essa intimidade, agora que sou o

seu espírito, a sua evidência.”

Capítulo IV

“Eis-me procurando a verdade primitiva de mim” (pg. 49)

―Esse homem sou eu‖

―quando digo ―eu‖, já estou vivo‖

―Esta iluminação que sou eu‖

―minha presença a mim próprio ‖

“é ser eu, EU”

“este SER”

“este SER-SER” (pg. 50)

Capítulo VI

“Que fazemos nós na vida?” (pg. 63)

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―Eu estou vivo, EU SOU‖ (pg.67)

“Quem sou eu?” “Quem está aqui comigo?” (pg.68)

―vi, vi os olhos, a face desse alguém que me habitava que me era e eu jamais imaginara‖ (pg.70)

―aparição fulminante de mim a mim próprio, essa entidade misteriosa que eu era e agora absolutamente se me

anunciava‖ (pg.70)

Capítulo IX

“Quem sou eu para eles?” (pg. 107)

Capítulo XIII

“O que é a vida?” (pg. 146)

Capítulo XVII

―sou‖ (pg. 194)

―absurdo clarão que sou eu iluminando e iluminando-me‖ (pg. 194)

―o que eu sou não tem limites no puro acto de estar sendo‖ (pg. 194)

Capítulo XX

―a vida também sou eu‖ ( pg. 222)

Capítulo XXII

―Que esperas da vida?‖

“Sei o que quero, sei o que sonho” pg. 238

―Que ilusão! A busca indefinida é o destino do homem !‖ (pg. 239)

Epílogo:

―Sou agora irremediável como a absurdez de uma pedra, como uma obstinação‖

(pg. 273)

Só você é o responsável.

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«Sento-me aqui nesta sala vazia e relembro.» Assim se inicia e assim termina a narrativa em que o protagonista do acto da escrita é também o

protagonista do labirinto de acções / situações em que voluntaria ou involuntariamente se envolve ou é envolvido. A grande acção começa por ser uma viagem ao passado, umas vezes mais próximo, outras mais remoto, outras mesmo, imemorial: um tempo imemorial, transcendente. Verbos como “”lembrar, “recordar”, “rever”, “buscar”, procurar têm como agente uma memória que percorre caminhjos que nos levam para além da vida: “A minha memória não era memória de nada” (pg. 109).

O momento inicial – uma espécie de preâmbulo – e o momento final, envolvem 25 de memórias. Tanto o preâmbulo, que contém os temas da obra, como o epílogo estão em itálico para sublinhar o mais importante, aquilo a que Vergílio Ferreira chama “o tom”.

Nos 25 capítulos compreendidos entre o preâmbulo e o epílogo, o romance é constituído por duas acções: a secundária – o que se passa na aldeia com a família (acontecimento determinante: a morte do pai), e a principal – os acontecimentos que a sua presença e a sua palavra vão desencadear em Évora.

A diegese organiza-se ao ritmo do ano escolar: de Setembro até às férias do Natal, Alberto Soares lança a perturbação nos espíritos predispostos para ela (Ana, Sofia e Carolino). Neste espaço de tempo, há referências à família do protagonista, à casa paterna e à infância, feitas em rememoração. No capítulo XI, parte para férias, e até ao capítulo XIII, apresenta questões familiares e metafísicas a Tomás. O conjunto de capítulos XIV a XXI é importante para o desenrolar dos acontecimentos: a morte de Cristina e a reacção que provoca em Ana, o início das relações entre Sofia e Carolino e a ruptura deste com o professor. No capítulo XXII, nova interrupção com as férias da Páscoa e a partida de Alberto Soares em viagem em direcção ao Norte (pág. 237). Nos últimos 3 capítulos, os acontecimentos precipitam-se: Ana resolve a sua angústia com a adopção, Sofia desdenha desta solução e assume cada vez mais a sua loucura. A narração termina com o assassinato de Sofia, que coincide com o final do ano lectivo.

Tal como há duas acções, há duas séries de personagens, em função de dois espaços e vários tempos.

Acção principal: Évora - Alberto e a família Moura: Alberto chega a Évora (cap. I); Alberto encontra o Dr. Moura e a sua família (cap. III); Alberto dá lições de Latim a Sofia (cap. IV); Encontro com Carolino (cap. VI); Relação amorosa com Sofia (cap. Vll); Jantar com Ana e Alfredo (cap. IX); Alberto volta a encontrar-se com Carolino (cap. X); Alberto regressa a Évora (cap. XIV); O Reitor descobre a ligação de Alberto com Sofia (cap. XV); Alberto muda-se para a casa do Alto (cap. XVII); Morte de Cristina (cap. XVIII); Carolino tenta assassinar o Dr. Alberto (cap. XIX); Partida para férias (cap. XXII); Regresso a Évora e encontro com Sofia (cap. XXIII).

Acção secundária: Beira - Alberto e a família Soares:

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Recordações da sua aldeia e da família (cap. I); Morte do pai (cap. III); Lembranças da infância (Tia Dulce) (cap. IV e VI); Férias na aldeia (cap. XI, XII e XIII).

ESPAÇO Espaço Físico

- Évora: aparece como uma cidade irreal, fantástica (págs. 26/189) - A Montanha: é, para Vergílio Ferreira, poética e mística (pág. 133)

Espaço Social - Bailote – interpretação simbólica: Alberto Soares vê na mão de Bailote uma força transcendente, de vida e de criação, de domínio sobre a terra; - Ceifa – denúncia de uma problemática social, mas aborda também uma problemática metafísica: Alberto Soares sente o sofrimento que atinge os ceifeiros, mas deseja-os abertos a outra discussão da existência – a busca de captar o mistério de captar a pessoa, ou seja, a plena consciência de si.

TEMPO a) tempo da escrita: o narrador também é protagonista; logo, quando narra, situa-se no tempo da escrita; b) tempo da história: quando o narrador narra, quer a acção principal (Évora), quer a secundária (férias); c) tempo do discurso: consiste em analepses e prolepses – o narrador não narra as acções numa ordem cronológica d) tempo psicológico

O NARRADOR

O narrador, em Aparição, tem uma dupla função: apresenta o mundo diegético (da história) e é o protagonista da história que narra (s textos estão escritos na 1ª pessoa gramatical), sendo assim, um narrador auto-diegético. É um narrador em acto de rememoração e de escrita (págs. 24, 25, 27). Evocando o passado, o narrador recria o mundo diegético, em que teve parte activa, e que o seu problema desencadeou.

O “eu” narrante é o mesmo que o “eu” narrado, porque o que narra é a vivência dos seus problemas e a repercussão que eles encontraram nas outras personagens.

O autor tem preferência pelo uso da 1ª pessoa, anulando assim a distância entre o narrador e o mundo narrado; investe na narração toda a sua subjectividade. Apresenta uma problemática e tem uma missão a cumprir: a de dar conta aos outros da sua descoberta do mistério do “eu”, da condição mortal do homem e do seu apelo de infinito, da sua miséria e da sua grandeza, num mundo vazio de divindade. O NARRATÁRIO

Há um pacto entre o narratário e o narrador. Este último recorda-nos a sua função de contar a história (pág. 44/239) e do acto de escrever, como uma atitude de reflexão da narrativa sobre si mesmo.

A modernidade de Vergílio Ferreira verifica-se nesta dimensão de metanarratividade (interrupção da história e reflexão sobre o próprio acto de escrever), característica da narrativa contemporânea.

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MARCAS DOS DISCURSO DE VERGÍLIO FERREIRA EM “APARIÇÃO” 1) Registos do discurso - uso frequente da 1ª pessoa gramatical, que revela a preocupação em anular a distância entre o sujeito narrante e o mundo narrado; o pronome da 1ª pessoa é utilizado também como sujeito e referente (pág. 47) porque o narrador reflecte sobre o mistério paradoxal (grandeza/miséria) do seu ser. Daqui resulta um discurso subjectivo pessoalíssimo; - uso do pronome da 2ª pessoa gramatical, cuja função não é muito diferente da da primeira, na medida em que o “tu” é necessário para a relação dialogal em que o sujeito se compreende a si mesmo (págs. 46, 147, 95, 35); - a preferência pelo Presente do Modo Indicativo, que se justifica pela vivência do tempo por parte do narrador (a anulação do passado e a antecipação do futuro para que fique só um eterno presente) – págs. 271,273. - 2) Léxico e figuras de estilo - uso de vocabulário muito próprio: lexemas e sintagmas da ordem do mistério, do alarme, do espanto; - adjectivação rica que torna o discurso fortemente avaliativo, revelador também da subjectividade do narrador; - comparações que contribuem para a visão pessoalíssima da realidade; - sinestesias – o narrador considera esta figura de estilo muito sugestiva; - metáforas (muitas vezes, de grande valor simbólico, como “labirinto” e “pedra”); - hipálages, personificações, alegorias. 3) Sintaxe - discurso indirecto livre que, por vezes, sugere sobreposição de vozes; - polissíndetos, que exprimem um pensamento obsessivo e sugerem intensidade emocional; - construção pessoal reflexa de alguns verbos que normalmente não a têm, que está de acordo com o registo subjectivo do discurso. 4) Poeticidade do texto: a prosa poética em Vergílio Ferreira decorre do seu sentido do belo, da sua capacidade de se emocionar e das capacidades estéticas que encontra na língua portuguesa. “Aparição” é um discurso romanesco sobre a condição humana, ilustrada através duma acção narrativa, mas é, também, um discurso poético. TEMAS 1) a oposição vida (grandeza) ≠ morte (miséria) 2) descoberta do “EU”/estupidez e absurdo do Mundo A INFLUÊNCIA DA FILOSOFIA EXISTENCIALISTA

A filosofia existencialista, associada a filósofos como Kierkegaard (que vive na primeira metade do século XIX), Nietzsche (cuja vida decorreu na segunda metade do século XIX), Heidegger e Sartre (que viveram no século XX), atravessa a própria narrativa; o postulado principal é o de que a reflexão humana não deveria incidir sobre a essência, mas sobre a existência, o que pressupõe a aceitação da liberdade do Homem face a Deus.

Assim, Aparição revela, a um tempo, as principais ideologias e a corrente filosófica que marcaram o nosso século, em intersecção com uma faceta autobiográfica.

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“(...) o homem primeiramente existe, descobre-se, surge no mundo, e só depois se define. O homem, tal como o concebe o existencialista, se não é definível, é porque primeiramente não é nada.

Só depois (existindo) será alguma coisa e tal como a si próprio se fizer. Assim, não há natureza humana, visto que não há Deus para a conceber” – Jean-Paul Sartre

O Existencialismo ateu (Alberto Soares é um humanista ateu) baseia-se, assim, nos seguintes princípios: a existência precede a essência (ou seja, o homem primeiro existe e só depois sabe quem é – é o acto de existir que conduz à descoberta do ser que existe em cada homem); ausência de determinismo – o homem é livre; o seu destino é construído por si mesmo (no mundo) e é independente de qualquer desígnio divino ou de qualquer outra natureza; o homem é responsável por tudo o que faz; essa responsabilidade estende-se aos outros, uma vez que aquilo que fizer afectará directa ou indirectamente aqueles que o rodeiam; a percepção é subjectiva, no sentido em que essa percepção resulta da constatação da própria condição humana (a percepção objectiva da realidade não é possível, uma vez que o homem é angústia e revela necessidades e comportamentos que se prendem com a sua situação no Universo); a solidão marca a existência – a liberdade provoca a solidão (sem Deus, sem valores, o homem é um ser só) o homem está condenado a “inventar o homem”, ou seja, a explicá-lo, de acordo com a sua própria visão da realidade, numa determinada época

Então, só e livre, cabe ao ser humano encontrar razões para a vida, razões para a morte e para o absurdo que esta representa. O título da obra remete, assim, para o sucessivo milagre que constitui cada “aparição” (a palavra aparece repetida na obra vinte e nove vezes) na descoberta do “eu”, sendo o objectivo do autor chamar a atenção para a necessidade do homem se redescobrir, se redimensionar nos limites da condição humana.

ALBERTO SOARES

Alberto Soares, o protagonista na Aparição de Vergílio Ferreira, procura compreender a realidade da sua existência. Busca a descoberta da pessoa que há em cada um de nós e a revelação de si a si próprio. É ele que afirma: "Sinto, sinto nas vísceras a aparição fantástica das coisas, das ideias, de mim" (1º parágrafo da obra). Vive atormentado, considerando que a verdade da vida "é uma criação", mas que esta não se aprende nem se "soluciona como uma doença". Por isso, sente que a morte é uma "violência estúpida"; o "nada absoluto da morte atordoa". Apesar da ligação a Sofia, Alberto, como existencialista não crê no poder da paixão, mas considera que o homem é responsável pela sua paixão. Mas tudo isto angustia-o, pois vê-se condenado em cada instante a inventar o homem.

Falta-lhe a fé, a que alude o seu irmão Tomás. Esse não se preocupa com a vida nem com a morte, vive bem no meio delas. Entende a vida como um milagre e a morte como "um sono" ao fim do dia. Aparição oferece-nos a evocação, a descoberta, a revelação, a aprendizagem e reflexão sobre a existência. A verdadeira acção circunscreve-se a atitudes e reflexões face à presença do homem no mundo e a uma concepção trágica da condição humana. São preocupações ontológicas sobre o ser, quer do que nos cerca, quer de nós próprios e da sua fundamentação. Aparição, de Vergílio Ferreira, segue as reflexões da filosofia existencialista sobre o Homem, Deus e o Mundo. Valoriza o Homem, dando à existência prioridade em relação à essência. A existência precede a essência. O homem é invenção de si próprio. A existência humana é ser-no-mundo, marcada por uma finitude original.

O mundo aparece, desaparece, numa relação com as vivências do eu. A busca do que está para além é do domínio do intangível e do sagrado.

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SOFIA Sofia tem uma face jovem, olhos vivos, "corpo intenso e maleável", mãos brancas e subtis, um maravilhoso olhar. Mas segundo o narrador, "uma beleza demoníaca, como de uma criança assassina, fulgurava-lhe nos olhos líquidos, na face branca, na boca ávida e sangrenta" (cap.7). Provocadora e sensual, o seu amor é feito de entusiasmo, de desespero e de loucura. Desde criança, se revela difícil, desafiando tudo e todos, as convenções sociais e morais e a própria vida, tentando o suicídio. A personagem Sofia é aquela que leva até ao fim as consequências de estar no mundo. Dotada de excessiva energia, preferia o absoluto da destruição. Isto pode observar-se quando a irmã parte o braço de uma boneca e ela destrói os brinquedos um a um. Sofia é uma personagem lunar, nocturna. Tudo nela é enigma, com comportamentos, muitas vezes, desconcertantes. O próprio canto, em Sofia, como a sua personalidade, é, simultaneamente, sedutor e violento. Alberto inicia o seu conhecimento de Sofia pelo relato do Dr Moura (cap. 3). Começa a dar-lhe lições de Latim. Provocado por ela, envolve-se numa relação como se fosse "o último amor de dois condenados" (cap.7); mas a relação física cedo implicou um encontro mais profundo até porque Sofia também descobrira "a vertigem da vida". Sofia, com quem se envolvera eroticamente representa a tentação do fracasso e a possível negatividade das suas interrogações. E própria experiência da paixão, de que deve ser responsável (como pensam os existencialistas), traz-lhe surpresas que não domina. Os momentos eróticos vividos resultam de uma atracção impetuosa e vertiginosa, com conotações de violência e de perigo do ser que se procura. A relação íntima com Alberto Soares traz para este a quase marginalização não só na sociedade mas também no próprio liceu. Depois de umas férias, Alberto toma conhecimento das relações de Sofia com Carolino. Os ciúmes deste acabam em actos de loucura. Carolino tenta matar Alberto (cap. 19) e, num acto de amor e de violência, acaba por assassinar Sofia (cap. 25) por considerá-la superior, enorme, grandiosa. Sofia pagou com vida a sua ousadia. ANA

Ana, a filha mais velha do Dr. Moura, revela-se, para Alberto, de uma enorme grandeza. Inquieta, parece, até certo momento, aceitá-lo e compreendê-lo, embora resista à sua notícia "messiânica". A sua sabedoria seduz o professor. Ana possui cabelos longos e lisos, face magra, olhar vivo. Está casada com Alfredo Cerqueira, um homem honesto, prático, mas um pouco grosseiro. Lera dois livros de Alberto e sentira-se tocada pelas considerações existencialistas que neles se vislumbram. Parece haver uma intersecção entre a verdade de Ana e a verdade de Alberto. Alberto chega a considerar que Ana também sabe as palavras do abismo. A angústia perante a fragilidade e limitações da condição humana são para a irmã de Sofia o resultado de uma experiência: sem possibilidade de ter filhos, sente-se frustrada; e sente-se infeliz e um pouco humilhada por ver que o marido, Alfredo Cerqueira, gosta de exibir "a sua posse" (cap.9), só tem preocupações de ordem prática com da herdade e não tem cuidado como se veste ou como fala. Como não pode ter filhos, Ana revela-se frustrada, transferindo o seu potencial de amor materno para a Cristina. Com a morte de Cristina, num desastre, transforma o seu comportamento. Ela representa a angústia metafísica e a integridade, com o regresso ao equilíbrio interior. Consegue encontrar a paz de espírito quando, tempos depois, adopta os dois filhos do Bailote, que se suicidara. CRISTINA

Cristina é uma menina de 7 anos, admirável, de cabeleira loura. Tocava o "Nocturno 20" de Chopin divinamente. Cristina é só arte. É criança e não questiona ainda a vida, revelando, com a sua música, um

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mundo maravilhoso de harmonia. A sua inocência tornará presente "o mundo do prodígio e da grandeza". Cristina é uma aparição maravilhosa. A sua música tem, para o narrador, o dom da revelação. Morrerá tragicamente ao regressar de Redondo, mas a sua imagem, a sua música e o silêncio da morte será para sempre uma amargura, presente na memória de Alberto.

Cristina, dotada de grande pureza, representa mais alguma coisa para além do que a feição humana permite. Parece não pertencer ao mundo terreno. Através da morte vai possibilitar a Alberto a exaltação integral da condição humana, "ter a evidência ácida do milagre do que sou, de como infinitamente é necessário que eu esteja vivo, e ver depois, em fulgor, que tenho de morrer". Cristina e a força mágica da sua música continuarão vivas na memória de todos. (Cristina, tão jovem, de 7 anos, consegue executar o "Nocturno 20". CAROLINO Carolino, o Bexiguinha, primo do Engenheiro Chico, é também uma personagem importante nesta acção, quer pelo louco assassinato de Sofia, quer sobretudo pela sua fascinação pela morte como criação.

Identificação com os momentos da tragédia clássica A Hybris: consiste num desafio que o protagonista realiza, após um momento de crise (krisis = momento de decisão). Tal desafio pode ser contra a lei dos deuses, as leis da cidade, as leis e os direitos da família ou, finalmente, contra as leis da natureza. O Pathos: a sua decisão, o seu desafio, a sua revolta, têm como consequência o seu sofrimento (pathos), que ele aceita e que lhe é imposto pelo Destino e executado pelas Parcas. Tal sofrimento será progressivo. O Agon: é o combate ou luta que nasce do desafio e se desenrola na oposição de homens contra deuses, de homens contra homens ou de homens contra ideias. Pode ser físico, psicológico, individual ou colectivo. O conflito (agon) é a alma da tragédia. A Anankê: é o Destino, sombria potestade a que nem aos deuses é permitido desobedecer. É pois, cruel, implacável e inexorável. A Katastrophé: desenlace fatal onde se consuma a destruição das personagens. A catástrofe deve vir indiciada desde o início, dado que ela é a conclusão lógica da luta entre a Hybris e a Anankê, luta que é crescente (clímax) e atinge o ponto culminante (acmê) na anagnórise. Relacionamento com a Obra:

Hybris: Alberto desafia Deus. Sofia desafia a sociedade em que se insere (a vida e a própria morte). Carolino desafia Deus.

Coro: A memória, as reflexões. Pathos: Alberto, Sofia, Carolino. Agon: Traduzido no conflito interior de Alberto, Carolino e Sofia. Anankê: Alberto: as suas angústias, o seu conflito interior; torna-se vítima de si mesmo e das suas

convicções. Katastrophé: fim trágico de Sofia, Carolino e Cristina.

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Literatura Portuguesa Aparição

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Símbolos: Noite: A noite simboliza o tempo da gestação, da germinação, das conspirações que vão eclodir, à luz do dia, sob forma de vida. Possui a riqueza de todas as virtualidades da existência. Mas penetrar na noite significa regressar ao indefinido onde se misturam pesadelos e monstros, ou seja, "as ideias negras". A noite é a imagem do inconsciente e, no sono da noite, o inconsciente liberta-se. Como qualquer símbolo, a noite encerra um duplo aspecto: o das trevas onde fermenta o devir e o da preparação do dia de onde nascerá a luz da vida. Montanha: O simbolismo da montanha é múltiplo: advém da altura e do centro. Se é alta, vertical, se se aproxima do céu, simboliza a transcendência; enquanto centro de numerosas teofanias simboliza a manifestação. Assim, ela é encontro do céu e da terra, morada dos deuses e símbolo da ascensão humana. (…) A montanha exprime também as noções de estabilidade, de imutabilidade, de pureza. Por outro lado, as montanhas são vistas como o símbolo da grandeza e da pretensão dos homens que não podem, no entanto, escapar ao poder de Deus. Planície: Simboliza o espaço, a terra ilimitada, a imensidão infinita na qual os deuses Uranianos circulam e arrastam as almas para a morte. Sol: O sol é, para muitos povos, uma manifestação da divindade. É o símbolo da fecundidade mas pode igualmente queimar e matar. O sol é fonte de luz, calor e vida. Lua: Símbolo dos ritmos biológicos, do tempo que passa, da passagem da vida para a morte. Simboliza também o conhecimento indirecto, discursivo, progressivo, frio. A Lua, astro das noites, evoca metaforicamente a beleza e a luz, na imensidão tenebrosa. Mas sendo esta luz apenas o reflexo do sol, a Lua é apenas o símbolo do conhecimento "reflectido", isto é, o reconhecimento teórico, conceptual, racional. Música: A música é a ordem do cosmos, a ordem humana, a ordem mental. Ela é a arte de atingir a perfeição.