apae 6

Embed Size (px)

Citation preview

  • 8/6/2019 apae 6

    1/15

    Resumo

    Este artigo resultado de uma pesquisa que analisou

    aspectos do discurso em favor da incluso de alunos

    deficientes em escolas regulares. Para tanto, se esco-

    lheu como corpus de anlise a propaganda do Gover-

    no Federal - representado pelo Ministrio da Educao

    tendo, como recorte especfico, a pea publicitria

    que encabeou a segunda campanha governamentalpela incluso escolar de deficientes, ento lanada no

    incio do ano 2000. A anlise de discurso empreendi-

    da foi situada em seus condicionantes scio-histri-

    cos a partir de duas contextualizaes que se entre-

    cruzaram: as circunstncias operacionais de criao

    e discusso da pea publicitria entre a agncia de

    propaganda contratada e o MEC, e a postura de Go-

    verno presente em discursos que ora justificavam a

    incluso como uma poltica pblica, ora denunciavam

    intenes concorrentes como aquelas expostas porcampanhas de sade pblica. Na medida em que um

    dos fundamentos da anlise de discurso o assinala-

    mento das suas condies histricas de produo,

    ento, pode-se dizer que uma de suas finalidades

    evidenciar o carter socialmente construdo deste dis-

    curso. Tomada desse modo, a anlise de discurso em-

    preendida, ao descrever os passos de elaborao do

    slogan de uma campanha de poltica social destinada

    aos deficientes buscou desnaturalizar palavras de or-

    dem que, repetidas como chaves, fazem adormecer a

    percepo de que um dia elas no estiveram l.Palavras-chave: Anlise de discurso; Propaganda go-

    vernamental; Incluso social; Pessoas com deficin-

    cias; Polticas pblicas.

    Alessandra Barros

    Antroploga, Professora do Departamento de Educao da Uni-

    versidade do Estado da Bahia UNEB, Campus I Salvador

    E-mail: [email protected]

    Alunos com Deficincia nas Escolas Regulares:

    limites de um discursoStudents with Disabilities on Regular Schools: the boundaries

    of a discourse

    Sade e Sociedade v.14, n.3, p.119-133, set-dez 2005 119

  • 8/6/2019 apae 6

    2/15

  • 8/6/2019 apae 6

    3/15

    e qualquer tipo e gravidade e crianas sem deficin-

    cias reafirma, assim, a neutralidade da condio de

    deficiente, porque pressupe um ambiente de apren-

    dizagem ajustado, multiparametrado, semelhana

    da sociedade que preconiza o modelo social.

    A Pea Publicitria do Ministrio daEducao

    A campanha do Governo Federal foi composta de fil-

    me para televiso,folders, de cartazes e inseres em

    revistas de circulao nacional. Para os fins desta pes-

    quisa, tomou-se como unidade de anlise a pea pu-

    blicitria que circulou em forma de cartazes e de in-

    seres em revistas.

    Dela constava uma foto que capturava o momento

    em que uma classe de alunos, crianas por volta dos

    oito anos de idade, arrumava-se para ser fotografada.A escola que se v na foto no uma escola especial. A

    turma de crianas sem deficincias fsicas, mentais

    ou sensoriais, exceo de uma delas, um garoto com

    sndrome de Down. Ele est no exatamente no cen-

    tro da foto, melhor do que isso, est um pouco mais

    direita, em um ponto privilegiado do campo visual do

    observador: no centro ptico. (Vestergaard e Schroder,

    1996, p.41). Tem, diferentemente dos demais colegas,

    os braos cruzados, o que mais uma vez o coloca em

    perspectiva de destaque. o nico menino, de uma fi-

    leira de alunos composta de meninas, o que novamen-

    te ressalta sua presena. Logo, para o pblico receptor

    da mensagem publicitria, no resta opo seno re-

    parar na presena deste garoto com sndrome de Down.

    Todavia, e o percurso descritivo desta anlise deixa

    claro, o modo como a propaganda nos faz notar as coi-

    sas, sempre peculiar. O que se quer ressaltar nunca

    abruptamente atirado ao nosso olhar. O destaque do

    menino bvio, mas no parece ali colocado de prop-

    sito. Caso se abstraia o carter produzido, o carter

    confeccionado da imagem e isso que fazemos quan-do introjetamos um anncio , a impresso que se tem

    que o grupo de crianas, na algazarra que prpria

    idade e situao de tirar uma foto, empurravam-se

    para caber no campo de viso do fotgrafo, de sorte

    que o lugar que coube ao garoto com Down foi mera-

    mente acidental. Esse efeito parece reforado pela

    qualidade espontnea da expresso das crianas, ha-

    Sade e Sociedade v.14, n.3, p.119-133, set-dez 2005 121

    bilmente captada: h muitas sorrindo, mas vem-se

    algumas aborrecidas, desalinhadas e distradas.

    Essa foto aparece para o observador do anncio

    o receptor da mensagem, nos termos de uma anlise

    lingstica como se fosse uma foto de um lbum.

    Est sustentada por cantoneiras e pretende dar a im-

    presso de ser uma daquelas fotos tipicamente tira-

    das na escola: a primeira, sozinho, e a outra tirada emmeio aos colegas da turma. Olhar para uma foto des-

    sas recordar; no entanto, a proposta do Ministrio

    da Educao no se voltar para o passado, e sim pro-

    jetar o futuro, ou seja, projetar um sentido duradouro

    proposta de insero das crianas deficientes na

    escola regular. Apresentar essa foto com a idia de

    recordao um modo de dizer que o que se pretende

    no somente que a criana deficiente entre na esco-

    la, mas que l permanea.

    O ttulo do anncio: Toda criana tem direito escola, com peso deslogan, parece, primeira vista,

    uma colocao banal, dada obviedade. Seu signifi-

    cado s esclarecido por meio do destaque dado

    palavra toda. O tom de exagero, empreendido pelo

  • 8/6/2019 apae 6

    4/15

    uso desse advrbio caracterstico da linguagem pu-

    blicitria. Para chamar a ateno e despertar inte-

    resse, enquanto requisitos de uma propaganda, as de-

    claraes hiperblicas so muito comuns e amplamen-

    te usadas. (Vestergaard e Schroder, 1996, p.94). A pa-

    lavra toda aparece em letras grandes e impressa por

    cima de quase toda a foto para reforar o sentido de

    abrangncia que se quer dar. Do mesmo modo, o sig-nificado da palavra est reforado pela ocupao de

    quase todo o espao de uma linha.

    Como, entretanto, esta abrangncia no poderia

    se dispersar em meio diversidade de tipos de crian-

    as presentes na turma h crianas loiras, negras,

    japonesas , ela retomada e circunscrita condio

    de deficiente. Isso feito graas ao destaque dado ao

    menino com Down, conforme j assinalado, o que re-

    afirmado por meio do posicionamento desta criana

    exatamente acima da letra D da palavra toda. Letra que,no por acaso, inicia as palavras Down e deficiente.

    A afirmao do direito da criana deficiente ao

    ensino regular no est expressa literalmente, pois

    no se diz, em lugar algum do anncio, algo como: A

    criana deficiente (ou termo equivalente) tambm

    deve estar na escola regular, ou ainda: Lugar de

    criana especial(termo escolhido) na escola comum

    junto com as outras crianas. Essa idia no expli-

    citamente afirmada. A estratgia argumentativa que

    permite afirmar a poltica de incluso do aluno defi-

    ciente construda, do ponto de vista do arranjo lin-gstico, por meio de um mecanismo de deduo lgi-

    ca, de modo que a afirmao deste direito est conti-

    da de maneira implcita no texto. Se um menino com

    deficincia uma criana e, se Toda criana tem di-

    reito escola, ento um menino com deficincia deve

    ter direito escola.

    Essa criana com deficincia, contudo, ao tentar

    ser representada provocou, por fora do tipo de defi-

    ciente que se escolheu, uma ambigidade na interpre-

    tao da mensagem. Pois, tendo em vista ser a sn-drome de Down aquela condio mais imediatamente

    associada deficincia no imaginrio popular nem

    tanto pela incidncia numrica, mas muito pela qua-

    lidade organizativa de entidades assistenciais prpri-

    as que lhe deram evidncia , as diretrizes da poltica

    educacional de incluso de deficientes pareceram se

    aplicar mais especificamente a esta sndrome.

    Esse cuidado em falar sem dizer, em deixar lacu-

    nas para interpretao, que podem sempre ser preen-

    chidas de uma ou outra maneira, a depender do ngu-

    lo que se olhe, parece presente ainda no texto que est

    abaixo da foto que ilustra a publicidade. Nele se l:

    Criana especial na escola lio de vida para todos.

    Observa-se que no se especifica que tipo de escola.

    Fala-se apenas em escola. Deduz-se que se trata da

    escola regular, da escola comum para crianas nor-mais, porque isto que est representado na foto. Se

    no se menciona o termo especial como qualificativo

    da escola, porque se trata mesmo da escola comum.

    Especial o adjetivo que define o substantivo crian-

    a. O termo criana especial mostra-se, neste senti-

    do, um pouco retrgrado, pois a recomendao vigen-

    te pelo abandono de termos como excepcionale es-

    pecial, em preferncia forma necessidades educaci-

    onais especiais. S se entende o apelo a este termo,

    tido como ultrapassado e incongruente com a propos-ta modernizadora da incluso, caso se considere o p-

    blico para o qual se volta a campanha: um pblico

    adulto, em sua maioria, pais e diretores de escolas.

    Esse pblico, apegado tradio, vai enxergar famili-

    aridade em expresses de uso corrente s prticas que

    se deseja superar.

    Destaca-se nesse texto, ainda, como estratgia lin-

    gstica, o uso do verboserno presente do indicativo:

    Criana especial na escola lio de vida para todos.

    Esse artifcio de retrica permite retratar algo que es-

    taria num futuro por vir, como uma realidade j esta-belecida. com sentido de verdade eterna que en-

    contramos com maior freqncia o presente do

    indicativo na ancoragem dos textos publicitrios.

    (Vestergaard e Schroder, 1996, p. 31).

    Agregando Contribuies Terico-Metodolgicas Anlise de Discurso

    A anlise apresentada deteve-se apenas na anlise

    seca da mensagem em si. O que se deu, basicamente,foi a proposio do significado da mensagem, atravs

    da decifrao de seu cdigo. A pea publicitria foi

    tratada como um objeto lingstico fechado, indepen-

    dente de sua produo e recepo. Contudo, uma vez

    que a anlise do discurso deve estar aberta aos deter-

    minantes scio-histricos, previu-se, no mbito da pes-

    quisa realizada, o levantamento de informaes sobre

    a confeco e a veiculao da campanha publicitria.

    122 Sade e Sociedade v.14, n.3, p.119-133, set-dez 2005

  • 8/6/2019 apae 6

    5/15

    Tendo em vista que uma agncia produz uma pro-

    paganda sempre por encomenda de um anunciante,

    pode-se dizer que tanto a agncia que confeccionou a

    pea quanto o Ministrio da Educao eram os emis-

    srios da mensagem. Todavia, manter-se preso ao es-

    quema emissor/mensagem/receptor(esquema estru-

    tural clssico da lingstica de Jakobson) restringe as

    possibilidades de anlise de discurso, mesmo que seconsidere o carter de mltiplos emissores dos dis-

    cursos, aceito socialmente. Alm disso, os condicio-

    nantes histricos que ajudaram a configurar os dis-

    cursos no so alcanveis apenas pelas remisses

    que porventura se dirijam a um determinado emissor

    da mensagem.

    Desse modo, tendo em vista que a anlise de dis-

    curso no trabalha com regras e gramtica, mas com

    sistemas de disperso e com a determinao histri-

    ca dos processos de significao (Orlandi, 1986, p.67),foram buscadas outras orientaes terico-metodol-

    gicas que permitissem maior operacionalidade na

    anlise. Buscaram-se as contribuies da noo de

    campo relacional, segundo Bourdieu (Bourdieu, 2001).

    Assim, se tomarmos, por objeto cultural anncios

    publicitrios, ou a mensagem neles contida, sua estru-

    tura e dinmica como linguagem seria mais apropri-

    adamente alcanada a partir da considerao, na an-

    lise que se empreendesse, da atividade do grupo que

    produz esses objetos culturais as agncias de pro-

    paganda - que nas relaes estabelecidas dentro e foradeste espao social constituem o campo em questo.

    O conflito e a concorrncia que se expressam em

    um campo se do tanto entre os especialistas daquele

    campo chamados por Bourdieu de profissionais da

    produo simblica , quanto entre este campo e ou-

    tros. Assim, por exemplo, as relaes estabelecidas

    dentro das agncias de publicidade entre diretores de

    arte, pessoal de atendimento, revisores e outros, po-

    dem ser chamadas de mbito mais interno do campo

    publicitrio. Nesse campo, so notrios os conflitospelo reconhecimento da capacidade criativa na pro-

    duo dos anncios premiados. (Rocha, 1995)

    No que tange definio dos limites do espao

    social da publicidade, h ainda os servios subsidi-

    rios que so usados pelas agncias, como estdios de

    fotografia, laboratrios cinematogrficos, agncias

    de modelos, grficas, estdios de gravao, dentre

    outros. Uma vez que a sustentao financeira de jor-

    nais, revistas, rdio e televiso provm da publicida-

    de de produtos e servios, intercalada entre uma e

    outra matria impressa ou anunciada nos intervalos

    comerciais das novelas, no haveria como ignorar as

    relaes que estes veculos de comunicao de massa

    mantm com as agncias de propaganda, que tambm

    so parte integrante do mundo da publicidade, a par-

    tir de um pertencimento mais amplo ao mundo da in-dstria cultural.

    A essa rede de trabalho, interligada em graus de

    participao varivel na conformao do campo da pu-

    blicidade, acrescentam-se ainda os clientes das agn-

    cias as empresas anunciantes, produtoras dos bens

    e servios que se quer vender; empresas cujo dinhei-

    ro suporta financeiramente os veculos de comunica-

    o, para os quais as agncias de publicidade so ape-

    nas intermedirios que edulcoram selvagens inten-

    es de venda.A rigor, as empresas anunciantes constituem-se

    num campo distinto o mercado. Segundo Bourdieu,

    cada campo relativamente autnomo, na medida que

    se apresenta como um microcosmo social, com suas

    prprias leis de funcionamento, mas seu maior ou

    menor grau de autonomia ser dado pelo peso da in-

    fluncia de outros campos sobre ele. Quando, estudan-

    do o campo da produo erudita e o modo como este

    se realiza pela oposio exercida em relao ao cam-

    po da indstria cultural (ou campo da cultura mdia,

    como ele denominou), Bourdieu assinalou, neste lti-mo, a caracterstica comum de grande dependncia

    das presses comerciais. (Bourdieu, 2001). O campo

    da publicidade, como subcampo da indstria cultural

    , ento, dotado de pouca autonomia, pois extrema-

    mente influenciado pelo mercado. Uma perspectiva

    abrangente do conceito de campo da propaganda, que

    permita efetivamente uma compreenso lingstica

    ampliada dos sentidos da mensagem publicitria, de-

    veria integrar tambm o mbito dos anunciantes no

    plano da anlise de discurso. A aplicabilidade se fazpossvel na medida que, eleito um determinado tipo

    de mensagem publicitria, segmentada por um tema,

    recorta-se uma determinada categoria de anuncian-

    te. Assim, por exemplo, a propaganda governamental

    de servios sociais tem os Ministrios, Secretarias de

    Governo como anunciantes tpicos. (Na verdade, o

    anunciante de fato, aquele que paga s agncias de

    publicidade, o Governo Federal, o qual, inclusive, co-

    Sade e Sociedade v.14, n.3, p.119-133, set-dez 2005 123

  • 8/6/2019 apae 6

    6/15

    assina as peas publicitrias atravs de logomarca.

    Instncias administrativas, autarquias e fundaes,

    na medida que cumprem o papel mais amplo do Esta-

    do na prestao de servios essenciais, gerenciam fra-

    es das verbas de publicidade do Governo Federal.)

    Se na propaganda comercial o anunciante perten-

    ce ao campo mercado, estabelecendo com este grande

    relao de dependncia, na propaganda governamen-tal, por causas sociais, o anunciante pertence ao m-

    bito do Estado, que um campo com contornos pr-

    prios.1 Todavia, a dimenso e a natureza da dependn-

    cia do campo da publicidade para com o Estado no

    se distingue muito das relaes de dependncia com

    o mercado.2 No domnio da prestao de servios es-

    senciais populao ressalta-se que os Ministrios

    da Educao e da Sade so anunciantes de destaque

    do Governo Federal e respondem por fatias significa-

    tivas do mercado publicitrio brasileiro.3

    Ento, empreender uma anlise do discurso con-

    tido nas peas publicitrias pela incluso de defici-

    entes no ensino regular pressuporia integrar na an-

    lise os mbitos da agncia de propaganda contrata-

    da, do Ministrio da Educao na condio de anun-

    ciante e de possveis entidades de assistncia aos

    deficientes, zelosas pela qualidade da imagem veicu-

    lada. Contudo, para atender aos pressupostos da no-

    o de campo em Bourdieu, como contribuio an-

    lise de discurso, h que se destacar, e aplicar inter-

    pretao, elementos que assinalem disputas de poder,presses hierrquicas, o peso da tradio na legiti-

    mao de posies, as correlaes de fora nas toma-

    das de deciso, dentre outros fatores, nas relaes

    estabelecidas entre os constituintes do campo da pro-

    paganda, em especial da propaganda governamental

    por causas sociais. Isso resulta no levantamento de

    dvidas acerca: da trajetria de afirmao da propa-

    ganda por causas sociais, como segmento de atuao

    das agncias de publicidade; das dificuldades das

    agncias em superar a reproduo das configuraes

    discursivas tpicas da comunicao de bens de consu-

    mo; das implicaes da insero de temas sociais na

    rotina produtiva da vida publicitria, que leva, por

    exemplo, as agncias a terem de ouvir representantes

    de grupos minoritrios, alvos diretos ou indiretos dascampanhas anunciadas; do compromisso e das res-

    ponsabilidades em atender uma conta de retorno fi-

    nanceiro elevado, como aquelas cujo cliente do m-

    bito governamental. Uma socioanlise do anncio

    publicitrio deveria abarcar as propriedades do cam-

    po da propaganda, as mltiplas e mtuas tenses

    exercidas pelos agentes daquele campo e sobre eles

    publicitrios, fotgrafos, desenhistas, diretores de

    arte, atores, modelos, editores de jornais e revistas,

    contatos de veculos, atendimento de clientes, camera-man, produtores, roteiristas, etc. , que se constitu-

    em na prtica rotineira de uma agncia de publicida-

    de. Deveria buscar compreender especificidades da

    heteronomia daquele campo as relaes de depen-

    dncia para com o mercado/Estado e as presses das

    agncias concorrentes. Esses condicionantes tambm

    deveriam ser apreciados luz das circunstncias par-

    ticulares, criadas a partir do anncio de determinado

    produto ou servio cuja magnitude, repercusso ou

    desdobramentos tico-polticos, porventura, acentu-

    assem as variveis ou ainda provocassem aproxima-es de interdependncia do campo da publicidade

    com outros campos, que no aqueles prprios da es-

    fera econmica.

    Em princpio, um empreendimento analtico des-

    sa proporo se mostraria ou no exeqvel, em fun-

    o da versatilidade que deveria possuir um pesqui-

    sador, ento alado condio de verdadeiro investi-

    1 A propaganda social no governamental pode ter como anunciantes tpicos entidades assistenciais, organizaes no governamen-tais ou outras agncias institucionais do chamado Terceiro Setor, o que faz da Sociedade Civil igualmente um campo relacional.

    2 Para que fosse completa e o mais abrangente possvel, a caracterizao das relaes com o campo da publicidade deveria considerar,ainda, a existncia de um outro tipo de relao de dependncia para com o Estado, a saber, aquela que se estabelece no mbito danormatizao e da regulamentao da profisso na forma de cdigos e conselhos de classe e que instrui tarifas e taxas, bem comolimites ao exerccio da propaganda. No sendo este o nvel da relao de campo Estado/Agncias de Publicidade que se interessaexplorar, sendo aqui apenas superficialmente referido.

    3 O Ministrio da Educao foi o rgo do governo que mais investiu em publicidade (mais de R$ 52 milhes) no ano passado, segundoa publicaoAgncias & Anunciantes, da Editora M&M. Mais de 99% do investimento foi feito na mdia TV, sendo o restante distribu-do entre revistas e jornais.[...] O Ministrio da Justia (R$ 30 milhes), o Banco do Brasil (R$ 29 milhes), a Petrobras (R$ 26 milhes)e a Caixa Econmica Federal (R$ 25 milhes), que em 1998 liderou os investimentos em publicidade na rea do governo, completam asoutras quatro posies do ranking. (Calza & Andrade, 2000) (grifo nosso).

    124 Sade e Sociedade v.14, n.3, p.119-133, set-dez 2005

  • 8/6/2019 apae 6

    7/15

    gador dos meandros das polticas interna e externa

    que influenciam as tomadas de deciso nos escritri-

    os estudios de uma agncia de publicidade. Entretan-

    to, apesar do empenho com que se dedicasse a essa

    quase etnografia da vida publicitria, muita coisa no

    seria mais tangvel, e talvez nunca tivesse sido, tendo

    em vista que so aspectos no sistematizados do pro-

    cesso de produo de uma campanha publicitria. As-pectos que fogem do mbito formal, que possam ter

    ficado de algum modo registrados. Assim sendo, man-

    ter-se fiel aos pressupostos do conceito de campo, se-

    gundo proposto por Bourdieu, aplicando-os em sua to-

    talidade a este empreendimento investigativo no se-

    ria possvel.

    Alm da complexidade j descrita, acrescenta-se,

    por exemplo, o carter itinerante do profissional de

    atendimento das agncias de propaganda, aquele

    publicitrio que atua na interface existente entre aagncia e o cliente/anunciante. Ocorre que este inter-

    mediador, responsvel pelo balizamento das possibi-

    lidades logsticas da agncia e veculos de comunica-

    o e das necessidades do cliente, conhece muito de

    perto a poltica interna das empresas anunciantes e

    suas idiossincrasias: dotaes oramentrias, mean-

    dros burocrticos ou mesmo dvidas clientelsticas

    assumidas por gestes de governo, que o leva a impor

    como condio autorizao de determinada propa-

    ganda a realizao de alguma parte intermediria do

    servio, em um prestador de seu interesse. Ento, se a

    conta deste cliente bastante rentvel, e assim so

    as contas dos rgos do Governo, uma vez findas as

    vigncias dos contratos estabelecidos, as novas agn-

    cias de publicidade licitadas para um determinado

    Ministrio, por exemplo, empregam em seus quadros

    de trabalho o profissional de atendimento que j tra-

    balhou para aquele Ministrio na ltima agncia, que

    ento se configura quase como funcionrio do Minis-

    trio a servio da propaganda governamental.

    No domnio do Estado tambm se observa esse tipode dificuldade para viabilizar a reconstituio da tra-

    jetria da poltica interna em um Ministrio como o

    da Educao. A memria de trabalho do Estado pare-

    ce limitada aos governos, ou seja, sempre que se troca

    a gesto, mudam-se os cargos de confiana. E depen-

    dendo das filiaes partidrias, mudanas radicais

    so institudas. Programas implementados mudam de

    nome e de sorte. No caso especfico do Ministrio da

    Educao, a escolarizao do aluno deficiente j foi,

    ao logo dos ltimos cinco anos, objeto exclusivo deuma secretaria denominada Educao Especiale ob-

    jeto de concomitante ateno desta e de outra secreta-

    ria, ora denominada em torno do conceito de incluso,

    ora em torno do conceito de diversidade.4 O que deve-

    ria perdurar como poltica de Estado fica reduzido

    efemeridade de uma poltica de governo.

    Desse modo, conclui-se que realizar uma efetiva

    anlise de discurso da pea publicitria em questo

    passaria por agregar a esta anlise aspectos do con-

    texto de produo da mesma, a partir de sua inscri-o nas circunstncias operacionais, imediatamente

    alcanveis, de criao e discusso entre a agncia de

    propaganda e o Ministrio da Educao e Cultura

    (MEC), com contextualizao da trajetria histrica

    que situou, no plano do Estado, as polticas pblicas

    voltadas escolarizao do deficiente.

    Logo, para esta pesquisa, as referncias aos pla-

    nos do Ministrio da Educao, das Polticas de Ensi-

    no Especial do Governo Federal e da agncia de publi-

    cidade, executora dos elementos que materializam os

    discursos oficiais do Estado, foram apreciadas demodo interconectados.

    Educao Inclusiva: a Sndrome deDown como cone

    Ao longo da dcada de 1990, embora propugnasse a

    incluso como poltica social e educacional, o Minis-

    trio da Educao sempre manteve uma Secretaria de

    Educao Especial, reafirmando, de certo modo, a per-

    manncia dos servios educacionais relacionados aesta secretaria, que so antagnicos poltica da in-

    cluso. Sempre se argumentou que a Educao Inclu-

    4 A Secretaria do MEC referida especificamente poltica de incluso chamava-se Secretaria de Incluso Educacional (SECRIE). Foicriada em 2003 e extinta em menos de um ano. A atual chama-se Secretaria de Educao Continuada, Alfabetizao e Diversidade(SECAD). Por diversidade entende-se o atendimento educacional prestado a grupos populacionais, como, indgenas, quilombolas,ciganos, grupos fixados em assentamentos rurais, e pessoas deficientes. Mais recentemente, a despeito da sigla originalmente nocontemplar a palavra incluso, esta foi acrescida denominao desta Secretaria do MEC.

    Sade e Sociedade v.14, n.3, p.119-133, set-dez 2005 125

  • 8/6/2019 apae 6

    8/15

    siva seria uma poltica que perpassaria todas as mo-

    dalidades de atendimento educacional existentes:

    educao indgena, educao de jovens e adultos, en-

    sino fundamental, ensino superior, ensino mdio, edu-

    cao infantil, e at mesmo a educao especial, sen-

    do razovel que estas duas instncias coexistissem,

    o que negaria o fato de que fossem mutuamente exclu-

    dentes. Ento, manteve-se, paralelamente Secreta-ria de Educao Especial, outras secretarias que de-

    veriam atender finalidade da implementao da in-

    cluso do portador de deficincia no sistema de ensi-

    no, como, por exemplo, a extinta SECRIE, atual

    SECAD4.

    O Ministrio da Educao vive ento os frutos da

    contradio de reconhecer que no pode incluir todas

    as crianas no sistema educacional, e neste os defici-

    entes. Vive os dilemas de no poder cumprir os pre-

    ceitos da incluso no limite. Sob uma outra leitura,vive preso dvida que contraiu com as entidades fi-

    lantrpicas de ateno aos deficientes, quando estas

    ocupavam o papel que era do Estado na educao espe-

    cial, o que o leva a permitir e a favorecer a perpetuao

    dessa modalidade de assistncia, e obrigao de

    propugnar uma poltica de universalizao do ensino

    que afirma escola regular para todos, inclusive defici-

    entes, negando de certa maneira a educao especial.5

    Sob essas circunstncias, o concurso dos fatos tal-

    vez tenha favorecido a apropriao da retrica da pa-

    lavra toda no slogan da campanha do MEC. Ou isso,ou os ecos daquilo que se tornou um dos refres do

    longo mandato do ento presidente Fernando Henri-

    que Cardoso: O Brasil quer toda criana na escola.

    O relato do ex-ministro Paulo Renato Souza, transfor-

    mado em livro, sobre a sua gesto no MEC, testemu-

    nha a possvel origem do apelo palavra toda.

    Era preciso focalizar muito mais a comunicao do

    ministrio em torno de uma mensagem simples, forte

    e nica. [...] era necessrio encontrar uma linha

    unificadora da comunicao do ministrio com a so-ciedade. [...] A pesquisa [de opinio pblica encomen-

    dada,] realizada em maro de 1997, assinalou muito

    nitidamente que a populao tinha a expectativa de

    que o Governo Federal tomasse como bandeira princi-

    pal colocartodas as crianas na escola [...] A partir

    da, o ministrio tomou a deciso de que toda a sua

    comunicao em 1997 e 1998 deveria ter como eixo

    central o tema: O Brasil quertoda criana na escola.

    (Souza ,2005, p.90-91) (grifo nosso).

    A palavra toda, presente em destaque na chama-

    da principal doslogan, sugeria que na escola regularpoderia ingressar todo tipo de criana e adolescente

    deficientes: os com uma forma grave de autismo, aos

    com condutas auto-agressivas como a mutilao do

    prprio corpo, os cujos impedimentos motores e com-

    prometimento intelectual os impedem minimamente

    de equilibrar o pescoo, falar, usar as mos e requerer

    a satisfao das necessidades orgnicas, colhidas,

    ento, por uma fralda. Ou se entende todos dessa ma-

    neira, ou se entende que os indivduos acima descri-

    tos no so crianas e adolescentes, assim interpre-taria uma militante pela causa dos direitos dos defi-

    cientes que julgou, posteriormente, em um de seus li-

    vros, o uso leviano da palavra todos (Werneck,

    2002). Na verdade caberia uma terceira alternativa

    compreenso: a de que o acento enftico dado ao

    termo todos no se presta a ser lido em sua litera-

    lidade, quando se trata de discursos polticos, sejam

    pronunciamentos oficiais, sejam propagandas so-

    ciais de governo.

    O fato que a extenso da aplicabilidade da inclu-

    so de deficientes no ensino regular reconhecidacomo limitada pelas prprias instncias do Governo.

    Nos discursos oficiais dirigidos ao conhecimento p-

    blico do qual essa propaganda um instrumento ,

    fala-se em incluso de todas as crianas, indistinta-

    mente. Mas na prtica, nas esferas mais locais e des-

    centralizadas de deciso, reconhece-se a impossibili-

    dade da incluso irrestrita de todo o tipo de criana

    deficiente. Alm disso, considera-se tambm, que no

    apenas o senso comum associa sndrome de Down e

    deficincia mental a condies quase sinnimas emutuamente recprocas, o que d sndrome de Down

    o valor de smbolo da deficincia mental, como a

    Sndrome de Down o tipo de deficincia mental para

    o qual a incluso efetivamente exeqvel.

    5 Neste sentido, alguns tericos engajados com a causa da Educao Inclusiva, contudo distanciados de uma perspectiva doutrinriade abordar a questo, perguntam-se: Qual o significado da luta pela educao inclusiva ou da luta pela educao para Todos diantedo movimento atual de valorizao das instituies pblicas no-estatais? (Kassar, 2004, p. 39)

    126 Sade e Sociedade v.14, n.3, p.119-133, set-dez 2005

  • 8/6/2019 apae 6

    9/15

    A despeito do quadro de insuficincias, incapaci-

    dades, atrasos e anormalidades, comparativamente

    falando (com os devidos ajustes, ressalvas e contextua-

    lizaes que comparaes requerem), crianas e ado-

    lescentes com sndrome de Down seriam, em geral,

    aqueles portadores de deficincia cuja adaptao a

    uma sala de aula do ensino regular no requereria tan-

    ta sofisticao de procedimentos, tcnicas ou recur-sos.6 Em que pese a falta de iseno do opinador, haja

    vista que o mesmo o Presidente da Federao Nacio-

    nal das APAEs coloca-se expressamente contra a in-

    cluso nos termos amplos e irrestritos em que des-

    crita, em grande medida pelo receio da perda de um

    mercado de atuao, tambm para ele, Luiz Alberto

    Dutra, (...) a educao inclusiva mais vivel nos ca-

    sos de sndrome de Down, permitindo que muitos che-

    guem quarta srie do Ensino Fundamental, ao Ensi-

    no Mdio e, at mesmo, em situaes raras, Univer-sidade. (Vivarta, 2003, p.68).

    Logo, em que pese o reconhecimento quase legti-

    mo do uso retrico da palavra toda, afirmar a inclu-

    so para toda criana portadora de deficincia a par-

    tir da sugesto imediatizada da condio da criana

    com Down carrega uma mensagem de dubiedade e

    inconsistncia. At onde interessa generalizar o al-

    cance da incluso, o termo toda se presta. A partir de

    onde necessrio restringir esse alcance, a figura da

    criana com sndrome de Down recupera esse senti-

    do. Esse estilo, utilitaristicamente dbio empregado

    nas mensagens oficiais e oficiosas das polticas de

    incluso, ao apelar para a imagem da criana com

    Down, vale-se de uma expresso da deficincia que

    mais se assemelha normalidade, ou menos discrepa

    dessa norma seno de uma maneira visivelmente

    observvel, ao menos no uso que estas crianas faro

    de uma escola regular.

    Essa manobra discursiva mostrou-se til para a

    esfera governamental, que pode atenuar o emprego,

    assumidamente retrico, da palavra toda. Em alguns

    momentos de manifestao expressa e direta dos exe-

    cutores das polticas pblicas em educao, fica ex-

    plcito que na verdade a incluso no seria mesmo

    para todos. Eis que, novamente na fala da Secretria

    de Educao, Prof. Marilene Ribeiro dos Santos, des-

    ta vez ciosa em acalmar as Escolas Especiais preocu-

    padas pela possibilidade de sua extino a mdio pra-zo, pode-se ler:

    No momento recomendamos que os deficientes com

    grave comprometimento sejam encaminhados s clas-

    ses especiais. Por enquanto quem define o grau de com-

    prometimento o professor e o diretor em conjunto com

    os pais, mas estamos fazendo um estudo para definir

    este limite. (Jover, 1999, p.8-17).

    Essa incoerncia entre discursos e prticas no

    plano que intercruza o ativismo poltico em defesados interesses das pessoas deficientes e a implemen-

    tao de polticas pblicas governamentais parece

    antecipada na anlise de Pierucci, para o qual, En-

    tre as palavras, os slogans e os conjuntos argumen-

    tativos submetidos retorso, o direito diferena,

    aparece como um dos mais facilmente retorcveis.

    (Pierucci, 1999, p.52).

    A Idealizao da Pea Publicitria

    pela Incluso do DeficienteA campanha do Ministrio da Educao pela incluso

    escolar de alunos deficientes foi lanada no final do

    ano de 1999, permanecendo em veiculao boa parte

    do primeiro semestre do ano 2000. Era a segunda cam-

    panha, desde que a poltica de incluso foi instaura-

    da nos programas de Governo7. A agncia de publici-

    dade licitada pelo Ministrio para aquele perodo foi

    a MacCann Erickson. Quando um anunciante contra-

    ta uma agncia de propaganda para comunicar uma

    6 Apesar disso, estimou-se que, daquelas pessoas com a sndrome e em idade escolar que freqentavam algum tipo de escola, 53,8% ofaziam no ensino especial, no atendendo assim aos anseios da incluso (Federao Brasileira das Associaes de Sndrome de Down1999, p.61).

    7 Tendo a pasta do Ministrio da Educao acumulado dois mandatos de quatro anos sob a direo de um mesmo ministro, o relatopessoal de sua gesto conta, seno com a verso mais fidedigna dos fatos, ao menos com razovel senso de continuidade administra-tiva. Assim, de seu testemunho o reconhecimento de que (...) particularmente relevantes para essa poltica [de educao especial]foram as medidas para a edio em massa dos livros didticos em braile e o treinamento de professores para a incluso por meio daTV Escola, alm das campanhas na mdia para aumentar na sociedade a conscincia de que a incluso do portador de necessidadesespeciais positiva para toda a comunidade escolar. (Souza, 2005, p. XII) (grifo nosso).

    Sade e Sociedade v.14, n.3, p.119-133, set-dez 2005 127

  • 8/6/2019 apae 6

    10/15

    mensagem, na medida em que essa agncia no ne-

    cessariamente conhece o produto ou servio anunci-

    ados, necessrio esclarec-la, nesse sentido, e no das

    nuanas da comunicao esperada. Esta aproximao

    preliminar intermediada pela troca e ajustes de re-

    latrios de intenes, que na linguagem publicitria

    se chamam briefings. Eles situam os realizadores da

    idia os publicitrios com dados sobre o anuncian-te e sobre o que fazem, mesmo que, como no caso es-

    pecfico do Ministrio da Educao, os produtos sejam

    polticas pblicas. Trazem dados estatsticos, termos

    tcnicos e at termos de uso vulgar.

    Assim, a Secretaria de Educao Especial do Mi-

    nistrio da Educao colocou disposio da agncia

    MacCann estudos que mostravam como estavam dis-

    tribudas as matrculas das crianas que, na termino-

    logia destes estudos do MEC, so denominadas por-

    tadoras de necessidades especiais. So levantamen-tos estatsticos produzidos pelo INEP (Instituto Edu-

    cacional de Estudos e Pesquisas Ansio Teixeira)

    instituto de pesquisa ligado ao MEC. A Secretaria

    disponibilizou, ainda, documentos que explicavam, do

    ponto de vista tcnico e cientfico, a inteno de pro-

    mover a chamada incluso das crianas deficientes

    no ensino regular.

    Entretanto, a idia de trabalhar com divulgao na

    forma de propaganda para incluso destas crianas

    era at ento nova para a comunicao do Ministrio

    da Educao. Isso provocou, na ocasio, o receio deque a mensagem veiculada no correspondesse rea-

    lidade encontrada pelos pais dessas crianas, quan-

    do fossem matricular seus filhos deficientes numa

    escola regular e encontrassem negativas por parte dos

    diretores. Isso se daria, basicamente, devido imobi-

    lidade do Ministrio frente a autonomia das prefeitu-

    ras, surgida com a municipalizao que, tendo descen-

    tralizado o poder da esfera federal, o redistribura aos

    estados e municpios. Estes ltimos ento respons-

    veis imediatos pela execuo do ensino no nvel fun-damental eram, desse modo, os que atuando na pon-

    ta sentiam de maneira mais pragmtica as dificul-

    dades de implementao das polticas. So eles que,

    apesar das agruras cotidianas, tentam transformar as

    intenes em realidade, e que, quando colhem resul-

    tados satisfatrios, os vem pulverizados em estats-

    ticas, que, devolvidas ao Ministrio da Educao, mal

    remontam origem do sucesso. Assim, as pequenas

    escolas dos municpios do interior do Brasil que

    porventura mostram-se resistentes incluso de de-

    ficientes no ensino regular, o fazem porque se julgam

    soberanas em suas esferas de gerncia.

    Havia, ento, o que se entendeu como um aspecto

    delicado da comunicao governamental, pois apesar

    de o objetivo da mensagem ser o de provocar nos pais

    das crianas com deficincia a mobilizao pela exi-gncia do direito matrcula em uma escola comum,

    em qualquer canto do Brasil, o Ministrio no podia

    dizer isso claramente, sob o risco de criar uma crise

    poltico-administrativa com os municpios e os estados.

    Havia ainda a recomendao expressa de que se

    utilizassem, como personagens, pessoas e no bone-

    cos, para evitar repetir o que foi feito no filme da cam-

    panha anterior, a de 1998. Naquela ocasio, o MEC,

    em parceria com o Unicef, valeu-se das imagens de

    Renato Arago e Daniela Mercury, ento embaixado-res do Unicef no Brasil, que anunciavam o mote da

    campanha de incluso de deficientes no ensino regu-

    lar acompanhados de bonecos de pano articulados, do

    tipo comum em teatro de bonecos. Aquela campanha

    publicitria tivera o suporte tcnico-cientfico de uma

    ONG com larga experincia na reabilitao e na in-

    cluso social de deficientes, a SorriBrasil. Mas foi,

    segundo o relato da assessora de Comunicao do

    MEC, muito criticada por outras entidades ligadas aos

    direitos dos deficientes, que julgaram discriminatrio

    o uso de bonecos, alegando que esse apelo subtraados deficientes a verdadeira identidade.

    Por isso, daquela vez, a presena de crianas de

    verdade no elenco de atores para o filme era uma exi-

    gncia de antemo, como assim destacou a j referi-

    da informante, ao recuperar a memria das reunies

    com a agncia de propaganda para a idealizao da

    mensagem do MEC. Seu relato, todavia, no que coube

    resposta para a pergunta Porque razo se usou a

    imagem de uma criana com Down?, revelou-se sur-

    preendente:As crianas com Down so muito utilizadas nessas

    situaes porque, primeiro so de fcil identificao,

    e ns temos somente 30 segundos para passar a men-

    sagem. Mas a questo mais importante, que existem

    graus de deficincia; uma criana em uma cadeira de

    rodas pode ser aceita mais facilmente na escola, pe-

    los outros pais, pelas outras crianas. A idia era jus-

    tamente de dizer TODAS as crianas podem estar na

    128 Sade e Sociedade v.14, n.3, p.119-133, set-dez 2005

  • 8/6/2019 apae 6

    11/15

    escola regular, at mesmo aquelas que possuem proble-

    mas maiores de desenvolvimento. (Jaqueline Fraj-

    mund, em 17/07/2004, por correspondncia eletrnica.)

    No entender dos tcnicos e assessores do Minist-

    rio da Educao, maiores problemas de desenvolvi-

    mento estariam exemplarmente representados pela

    Sndrome de Down. Partiam, assim, do pressupostoque inserir uma criana com Down seria das tarefas a

    mais difcil.

    Esse equvoco, que denota significativa falta, por

    parte dos planejadores de polticas do mbito em ques-

    to, de conhecimento da abrangncia do universo dos

    que compem a categoria dos deficientes, seria expos-

    to em sua contradio, na medida que avanassem os

    procedimentos requeridos para a filmagem. Ocorre

    que, a incluso escolar de uma criana com Down tan-

    to mais provvel de se efetivar, que isso se refletiuno universo amostral recortado pelo diretor de arte

    para gravar a cena. Pois, na busca de uma classe de

    alunos em que existisse realmente o que atenderia

    adicionalmente a recomendao do MEC em no se

    usar personagens e que tivesse uma criana defici-

    ente efetivamente presente, freqentando suas aulas,

    a agncia de propaganda se deparou com um aluno

    com sndrome de Down. Desse modo, aquela mesma

    pergunta dirigida ao Ministrio, acerca das razes da

    escolha da imagem da criana com Down, seria assim

    respondida pelo publicitrio, diretor de arte da agn-cia de propaganda: Foi circunstancial.

    Ento, negociados os termos, critrios, paisagem

    de fundo, em que seria montada a campanha, a pro-

    posta foi inicialmente encaminhada para um diretor

    de criao artstica da agncia, no escritrio do Rio

    de Janeiro. Este, a declinou em favor de um outro pro-

    fissional que, nos meios publicitrios, possua reco-

    nhecida experincia na causa da incluso social de

    deficientes, o Sr. Alberto Werneck.8 Esta afinidade

    com a causa era creditada, em princpio, ao fato deeste diretor de arte possuir um filho pequeno com

    deficincia mental.

    Havia, entretanto, outro fato relevante: o Sr. Wer-

    neck irmo de uma jornalista brasileira que, desde

    o incio da dcada de 1990, vinha se destacando pela

    produo literria dirigida aos temas sndrome de

    Down e educao inclusiva. Reconhecida como escri-

    tora na rea, Cludia Werneck acumulou prmios, al-

    guns oferecidos pela Unicef e pela Unesco, e seus li-

    vros alcanaram marcas vultosas de exemplares ven-

    didos. Em 1997, a prpria Secretaria de Educao Es-

    pecial do Ministrio da Educao recomendou-os ao

    Programa de Apoio e Desenvolvimento da (hoje extin-ta) Fundao de Amparo ao Estudante (FAE). Recente-

    mente, um de seus livros paradidticos Um amigo di-

    ferente?foi adotado pelo Programa Nacional do Livro

    Didtico PNLD, do MEC, e distribudo em todas as

    escolas pblicas do Brasil.

    Hoje, e mesmo poca daquela campanha, Clu-

    dia Werneck considerada, pelos estudiosos da peda-

    gogia, da psicologia e do servio social uma refern-

    cia sobre o tema da incluso de deficientes. Contudo,

    importante demarcar os limites nos quais seu tra-balho pode ser bem qualificado, porque, aqui no Bra-

    sil, em funo da inexistncia de uma rea compar-

    vel aos Disability Studies, de lngua inglesa, o tema

    da incluso insiste em gravitar em torno das discipli-

    nas da sade e da educao e sua obra reproduz exem-

    plarmente esta monotonia epistmica.

    Um de seus livros, denominado Sociedade Inclu-

    siva: Quem cabe no seu Todos?(Werneck, 2002), uma

    pregao humanista de exaltao tolerncia frente

    diversidade, escrito com a finalidade de discutir o

    uso leviano da palavra TODOS, especificamente noBrasil (Werneck, 2002, p.23). Ao longo do texto, a

    impresso da palavra todo e suas flexes deliberada

    e apelativamente destacada em letras maisculas. A

    prpria autora afirma sua inteno:

    A palavra TODOS e suas variaes estar sempre

    escrita em caixa alta no texto desse livro, mesmo na

    reproduo de parte de textos e documentos. A inicia-

    tiva e a responsabilidade so da autora (Werneck,

    2002, p.17).

    Este livro foi lanado, no mercado editorial brasi-

    leiro no segundo semestre de 1999. A agncia de pro-

    paganda MacCann Erickson comearia a produzir a

    campanha publicitria do MEC pela incluso do defi-

    ciente na escola regular alguns meses depois. No h

    8 O testemunho dos sujeitos de pesquisa foi colhido oralmente, por meio de entrevistas realizadas por telefone e de questionriosencaminhados por e-mail.

    Sade e Sociedade v.14, n.3, p.119-133, set-dez 2005 129

  • 8/6/2019 apae 6

    12/15

    nenhum registro oficial da aproximao destas trs

    instncias: o MEC, a agncia MacCann e a ONG Comu-

    nicao em Incluso (instituio no governamental

    da qual a jornalista Cludia Werneck diretora-presi-

    dente). Nos anurios de propaganda que publicam

    peas publicitrias de grandes anunciantes. como o

    MEC, a ficha tcnica da pea menciona apenas os cr-

    ditos de praxe. A trajetria da carreira da escritoraClaudia Werneck, recontada cada vez que ela publica

    um novo livro, ou concorre a um novo prmio, tambm

    nunca fez menes a esse tipo de parceria com o MEC,

    embora seja explcita em referir outros tipos de par-

    cerias com aquele Ministrio. Se no h registro ofi-

    cial, tambm no h nenhum registro oficioso desta

    aproximao entre o publicitrio que idealizou a cam-

    panha do MEC pela incluso dos deficientes e a escri-

    tora que, articulando os ideais da causa, autorizara-

    se a deliberar em tribunais discursivos sobre a ques-to. Nem mesmo as assessorias do Ministrio da Edu-

    cao, consultadas para essa pesquisa, supunham

    qualquer proximidade que pudesse ter inspirado o tom

    da campanha publicitria.

    No foi a finalidade desta pesquisa investigar os

    meandros da burocracia estatal que porventura difi-

    cultem a assessoria tcnica de uma entidade do Ter-

    ceiro Setor, bem como as razes muito prprias de

    perdas e ganhos em licitaes e concorrncias que

    contratam, dentre outras, agncias de propaganda. O

    que se tem, que uma vez indagado acerca do suportetcnico-cientfico para o embasamento da mensagem

    da campanha, o publicitrio foi enftico em afirmar,

    em depoimento que prestou para a pesquisa, que o

    apelo da propaganda pela incluso foi sugerido, sim,

    pela colaborao, muito estreita, obtida junto sua

    irm: a jornalista e escritora Claudia Werneck. Por-

    tanto, a falta de notoriedade imediata do fato foi

    irrelevante para as conseqncias. Alm disso, essa

    no era a questo, de se constatar o quase bvio, ou

    seja, que mais cedo ou mais tarde, dado o percursosempre to prximo daquela escritora com o Minist-

    rio da Educao, a influncia (direita ou indireta) de

    sua obra nos discursos do MEC sobre a incluso de

    deficientes seria inevitvel.

    O que a anlise de discurso desta campanha, si-

    tuada em contextos sociopolticos micro e macro

    contextos permitiu evidenciar, foi que, mais que

    uma consultoria prestada por uma especialista no

    assunto, a presena desta escritora e jornalista signi-

    ficou a afirmao da circularidade existente na cons-

    tituio de um campo do saber, pois a deficincia,

    em sua verso relativizada pelo modelo social, deno-

    mina-se um discurso, no somente porque dele

    emanam enunciados apropriados pelo ativismo da

    categoria, mas antes de tudo, ou ao mesmo tempo,

    porque permite e requer a legitimao de sua especi-ficidade atravs das falas de autoridade de especia-

    listas reconhecidos.

    Concluso: notas para repensar acomunicao em sade

    A propaganda por causas sociais, que via de regra visa

    mudanas de comportamento, cr na modificao de

    quadros ideologicamente estabelecidos em favor da

    causa em questo. Para isso, tanto pode ser inovado-ra em seu estilo persuasivo, original e criativo no

    empenho em modificar o modo de ver as verdades

    estabelecidas no senso cotidiano, quanto pode man-

    ter-se fiel ortodoxia dos apelos ao bem-comum e

    boa vontade. De um modo ou de outro, prope que se

    funda um novo mundo, que se instaure uma nova mo-

    ral: que passemos, antes, a nos prevenir do que reme-

    diar, que superemos o imediatismo e preservemos o

    meio-ambiente para geraes futuras, que respeite-

    mos as diferenas em sua existncia e expresses, que

    interpretemos as deficincias mais como uma ques-

    to de insuficincia de arranjos urbansticos do que

    como limitaes inerentes aos que as portam. O pro-

    blema, e a reside a limitao da propaganda por cau-

    sas sociais, que o produto ou o servio anunciado se

    confunde com a retrica empregada, pois este produ-

    to ou servio, muitas vezes, em si uma retrica. A

    incluso dos deficientes na escola regular, da manei-

    ra que est propagandeada, um reflexo do discurso

    do modelo social porque pressupe a inexistncia da

    deficincia em si, deslocando-a para a sociedade. Estasim, uma vez sendo deficiente, deveria ento se trans-

    formar. Tanto fato esta pressuposio da inexistn-

    cia da deficincia, que ela est indiferenciada pelo

    advrbio toda, ou seja, no importa que tipo de defici-

    ncia seria elegvel para estar na escola comum: qual-

    quer uma ou todas elas, porque, segundo o modelo

    social, o problema no estaria no nvel das deficinci-

    as, mas no nvel da sociedade.

    130 Sade e Sociedade v.14, n.3, p.119-133, set-dez 2005

  • 8/6/2019 apae 6

    13/15

    Alm disso, muitas vezes, ainda que no dentro de

    um anncio, a preocupao com a forma, acaba train-

    do os fins. Ento, formatos de mensagens publicitri-

    as do Governo Federal, por exemplo, que para estimu-

    lar a adeso da populao a uma campanha do mbi-

    to da Sade Pblica apelam para a dramaticidade de

    estar deficiente, acabam traindo ideais de transfor-

    mao da vida em sociedade, propostos por outraspropagandas deste mesmo Governo, que anunciaram

    positivamente a deficincia ou sugeriram sua neutra-

    lidade, em outras campanhas nacionais.

    Desse modo ocorreu que, em 2000, o Ministrio

    da Educao falava, por meio de suas peas publicit-

    rias, em prol da incluso de crianas deficientes no

    ensino regular, afirmando essa possibilidade para

    toda e qualquer criana deficiente, sob um artifcio

    generalizante que ignorava as especificidades de uma

    ampla categoria e encobria suas manifestaes deextrema gravidade, aquelas no alcanveis nem pela

    incluso escolar nem pelo otimismo do modelo social

    de descrio da deficincia. Subliminarmente, reco-

    nhecia e assinalava os limites de alcance dessa inclu-

    so, ento se escorando na figura da Sndrome de Down,

    cujas incapacitaes de menor severidade falam a fa-

    vor de uma lgica que permite interpretar a excluso

    quase que apenas como m-vontade da sociedade.

    Ainda em 2000, ento sob a gesto do mesmo Go-

    verno, o Ministrio da Sade, anunciava a campanha

    nacional de vacinao contra poliomielite, doenapopularmente conhecida como paralisia infantil, que

    deixa como seqela a deficincia fsica. Para tanto, e

    ali estava o paradoxo, buscou atrair a participao do

    pblico alvo pais e mes de crianas menores de cin-

    co anos invocando a deficincia fsica como puni-

    o queles que, no atendendo ao chamado da vaci-

    nao, deixassem seus filhos contrair a poliomielite.

    A campanha se valeu de filmes em intervalos comer-

    ciais, de cartazes e outdoors que lanavam mo deste

    tom de ameaa implcita, expressado nas imagens depessoas que, ento vivendo sob as seqelas deixadas

    pela paralisia infantil, experimentavam grandes difi-

    culdades para se deslocar pela cidade usando cadei-

    ras de rodas. Um dos cartazes situava a questo em

    termos claros ao destacar a frase: Tudo mais difcil

    em uma cadeira de rodas, no primeiro plano de uma

    cena que mostrava uma jovem sentada em uma cadei-

    ra de rodas ao p de uma longa escadaria.

    No domnio da mesma campanha de vacinao,

    outras peas mostravam os problemas similares en-

    frentados pelos deficientes para atravessar uma rua

    movimentada ou para subir em um nibus. A cidaderepresentada naquelas peas de propaganda se mos-

    trava hostil, como de fato , carente de sinalizao

    para travessia de pedestres, da obedincia legisla-

    o que obriga carros a pararem em faixas e de ni-

    bus adaptados para usurios de cadeiras de rodas. E a

    cidade assim pareceu especialmente retratada para as

    finalidades da propaganda do Ministrio da Sade.

    Mas a questo que, nem mesmo de modo subjacente,

    havia um apelo para que aquela cidade se modificas-

    se. O que se queria transformado no era a sociedade,manifestada em instituies como a arquitetura ur-

    banstica ou o trnsito, como quer o modelo social de

    ressignificao da deficincia, e sim a existncia da

    deficincia, que, pelo menos a partir da vacinao con-

    tra poliomielite, faria-se ausente do cenrio. Logo, o

    paradigma de interveno era essencialmente mdi-

    co-teraputico. Essa receita de propaganda, que apro-

    ximava a paralisia infantil deficincia fsica, impin-

    Sade e Sociedade v.14, n.3, p.119-133, set-dez 2005 131

  • 8/6/2019 apae 6

    14/15

    gindo segunda uma alta carga negativa, j vinha

    sendo usada pelo Ministrio da Sade em campanhas

    anteriores. Uma das que se destacou foi a que fez uso

    de uma projeo do jogador Ronaldinho seqelado

    pela poliomielite, usurio de cadeira de rodas, triste e

    acabrunhado. O tom amedrontador foi tal que a pro-

    paganda repercutiu negativamente sem que se assi-

    nalasse sua concorrncia aos interesses da categoriade pessoas deficientes no zelo pela imagem e pelo sig-

    nificado da deficincia. Mas a essncia da idia se

    manteve e resultou na referida campanha de vacina-

    o de 2000, desta vez, destacada em sua qualidade

    pelo ranking que premia anualmente a criao publi-

    citria. (Clube de Criao de So Paulo, 2001, p.59). E,

    se a propaganda foi menos grosseira em seu tom de

    apelo tragdia, foi de todo modo infeliz na escolha

    do momento poltico, pois aquele era justamente o

    momento de reafirmao da poltica de incluso edu-cacional de crianas deficientes.

    Com a instaurao do governo democrtico, no fi-

    nal da dcada de 1980, a propaganda governamental

    da Unio, diversificada na alada de seus vrios Mi-

    nistrios, foi recentralizada em uma secretaria de

    comunicao da Presidncia da Repblica, a SECOM,

    destinada a reconstituir a imagem de cada gesto de

    Governo, com seu diferencial em relao gesto an-

    terior e tnica da ideologia do partido da situao.

    Desse modo, talvez coubesse a esta instncia unifi-

    cadora, no plano imagtico, dos ideais da Nao, evi-tar a dissonncia de valores em torno da deficincia,

    provocada pelos Ministrios da Sade e da Educao

    em suas campanhas de cunho social. Todavia, o que a

    anlise de discurso deste estudo de caso demonstrou

    que aquilo que a reflexo terica identifica como

    conflito moral a prtica poltica ignora. A lgica da

    Sade Pblica implacvel: em se tratando de preven-

    o, por exemplo, o que fala mais alto so os interes-

    ses da coletividade, ainda que em detrimento de inte-

    resses individuais, ou interesses de grupos minorit-rios. E se este grupo minoritrio alvo das polticas

    pblicas de um outro Ministrio, como o o das pes-

    soas portadoras de deficincias, tanto melhor: sem-

    pre h chance de recuperar-lhes a imagem, sem gran-

    des preocupaes de coerncia no plano das idias.

    Esta pesquisa concluiu, ento, que o prprio modo

    como a linguagem trabalhada na pea publicitria

    do MEC antecipa os limites da poltica de incluso de

    deficientes no ensino regular, porque se, por um lado,

    a mensagem do cartaz carro-chefe daquela campa-

    nha afirma a incluso em sua pureza conceitual (para

    todas as crianas irrestritamente), por outro, quando

    se apropria da imagem da criana com sndrome de

    Down, permite um refluxo de sentidos, que se faz re-

    querido pelo contexto concreto de realizao das po-

    lticas pblicas, pois concorrendo com a poltica deincluso, coexistem a escola especial que assinala a

    impossibilidade da indicao ampla e indistinta de

    crianas deficientes para as escolas comuns, e as de-

    mandas das metas de vacinao das campanhas de

    sade pblica, as quais, para justificar a erradicao

    da poliomielite, por exemplo, enfatizam as qualidades

    negativas de sua seqela: a deficincia fsica.

    Referncias

    BARTON, L., OLIVER, M. Disability Studies: Past,

    Present and Future. Leeds. The Disability Press. 1997.

    BOURDIEU, P.A Economia das Trocas Simblicas. So

    Paulo: Perspectiva, 2001.

    CALZA, L., ANDRADE, I. MEC liderou investimentos.

    Observatrio da Imprensa. n.92 20/06/2000.

    CLUBE DE CRIAO DE SO PAULO. 26O. Anurio de

    Criao. So Paulo: Clube de Criao de So Paulo,

    2001.

    FEDERAO BRASILEIRA DAS ASSOCIAES DE

    SNDROME DE DOWN. Perfil das Percepes sobre as

    Pessoas com Sndrome de Down e do seu atendimento:

    Aspectos Qualitativos e Quantitativos. Coordenao de

    Mrcio Ruiz Schiavo. Braslia, 1999.

    HUGHES, B.,PATERSON, K. The Social Model of

    Disability and the disappearing body: towards a

    sociology of impairment. Disability and Society. vol

    12, n.3, 1997: 325-340.

    JOVER, A. Incluso: qualidade para todos.Nova Esco-la, ano 14, n.13, jun.1999, p.8-17.

    KASSAR, M.C.M. Uma leitura da educao especial no

    Brasil. In. GAIO, R.,MENEGHETTI, R.G.K. (orgs.) Ca-

    minhos Pedaggicos da Educao Especial. Petrpolis

    :Vozes, 2004. p.19-42.

    ORLANDI, E.P. Anlise de discurso: princpios e pro-

    cedimentos. 2 ed. Campinas: Pontes, 2000.

    132 Sade e Sociedade v.14, n.3, p.119-133, set-dez 2005

  • 8/6/2019 apae 6

    15/15

    PIERUCCI, F. Ciladas da Diferena. So Paulo:USP

    ED.34, 1999.

    ROCHA, E.P.G. Magia e Capitalismo: um estudo antro-

    polgico da publicidade. 3a. ed. So Paulo: Brasiliense,

    1995.

    SOUZA, P. R. ARevoluo Gerenciada: Educao no

    Brasil 1995 2002. So Paulo: Pretince Hall, 2005.

    VESTERGAARD, T.; SCHRODER, K.A linguagem da pro-

    paganda. 2a. ed. So Paulo. Martins Fontes, 1996.

    VIVARTA, V. (org.). Mdia e Deficincia. Braslia: ANDI

    Agncia de Notcias dos Direitos da Infncia; Funda-

    o Banco do Brasil. 2003. (Srie Diversidade)

    WERNECK, C. Sociedade inclusiva. Quem cabe no seu

    TODOS? 2. ed. Rio de Janeiro: WVA, 2002.

    Recebido em: 19/05/2005

    Aprovado em: 19/07/2005

    S d S i d d t d