BA&D v.23 n.2 - Água: Oferta, Escassez e Qualidade

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    BAHIA ANÁLISE & DADOS

    SALVADOR • v.23 n.2 ABR.-JUN. 2013 ISSN 0103 8117

    ÁGUA: OFERTA, ESCASSEZ E QUALIDADE

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    ISSN 0103 8117

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    Bahia anál. dados Salvador v. 23 n. 2 p. 277-486 abr./jun. 2013

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    Governo do Estado da BahiaJaques Wagner

    Secretaria do Planejamento (Seplan)José Sergio Gabrielli

    Superintendência de Estudos Econômicose Sociais da Bahia (SEI)

    José Geraldo dos Reis SantosDiretoria de Informações Geoambientais (Digeo)

    Antônio José Cunha Carvalho de FreitasCoordenação de Recursos Naturais e Ambientais (CRNA)

    Aline Pereira RochaBAHIA ANÁLISE & DADOS é uma publicação trimestral da SEI, autarquia vinculada àSecretaria do Planejamento. Divulga a produção regular dos técnicos da SEI e de colabo-radores externos. Disponível para consultas e download no site http://www.sei.ba.gov.br.

    As opiniões emitidas nos textos assinados são de total responsabilidade dos autores.Esta publicação está indexada no Ulrich’s International Periodicals Directory e na Libraryof Congress e no sistema Qualis da Capes.

    Conselho Editorial Ângela Borges, Ângela Franco, Ardemirio de Barros Silva, Asher Kiperstok,

    Carlota Gottschall, Carmen Fontes de Souza Teixeira, Cesar Vaz deCarvalho Junior, Edgard Porto, Edmundo Sá Barreto Figueirôa, EduardoL. G. Rios-Neto, Eduardo Pereira Nunes, Elsa Sousa Kraychete, Guaraci

    Adeodato Alves de Souza, Inaiá Maria Moreira de Carvalho, José Geraldodos Reis Santos, José Ribeiro Soares Guimarães, Laumar Neves de Souza,

    Lino Mosquera Navarro, Luiz Filgueiras, Luiz Mário Ribeiro Vieira, MoemaJosé de Carvalho Augusto, Mônica de Moura Pires, Nádia Hage Fialho,Nadya Araújo Guimarães, Oswaldo Guerra, Renato Leone Miranda Léda,

    Rita Pimentel, Tereza Lúcia Muricy de Abreu, Vitor de Athayde Couto Conselho Temático

    José Ivaldo de Brito (Inema), Luiz Antônio Ferraro (SEMA), Patrícia ChameDias (SEI), Rosalvo de Oliveira Júnior (SEMA), Zoltan Romero (Inema)

    Coordenação Editorial Antônio José Cunha Carvalho de Freitas (Digeo),

    Aline Pereira Rocha (CRNA), Stefanie Eskereski Torres (Dipeq)Coordenação de Biblioteca e Documentação (Cobi)

    Eliana Marta Gomes da Silva SousaNormalização

    Eliana Marta Gomes da Silva SousaIsabel Dino Almeida

    Coordenação de Disseminação de Informações (Codin) Ana Paula Porto

    Editoria-GeralElisabete Cristina Teixeira Barretto

    Editoria AdjuntaPatricia Chame Dias

    Padronização e EstiloElisabete Barretto

    Ludmila NagamatsuRevisão de Linguagem

    Laura Dantas (port.)Editoria de Arte

    Ludmila NagamatsuCapa

    Daniel Soto AraújoEditoração

    Rita de Cássia Assis

    Bahia Análise & Dados, v. 1 (1991- ) Salvador: Superintendência de Estudos Econômicos eSociais da Bahia, 2013.

    v.23 n.2 Trimestral ISSN 0103 8117

    CDU 338 (813.8)

    Impressão: EGBATiragem: 1.000 exemplares

    Av. Luiz Viana Filho, 4ª Av., nº 435, 2º andar – CABCEP: 41.745-002 – Salvador – Bahia

    Tel.: (71) 3115-4822 / Fax: (71) [email protected] www.sei.ba.gov.br

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    SUMÁRIO

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    Apresentação 5Entrevista:

    Água: oferta, escassez e qualidade.Vicente Adreu

    283

    Avaliação do manejo e uso da água decisternas em comunidades baianas

    Delfran Batista dos SantosSalomão de Sousa Medeiros

    Manuel Dias da Silva Neto

    291

    A produção de etanol: uma análisedas estratégias para a redução do

    consumo de água Angela Machado Rocha

    André de Goes PaternostroMarcelo Santana Silva

    Paula Meyer SoaresFabio Konishi

    303

    Consumo de água em residências de baixarenda: análise dos fatores intervenientes sob

    a ótica da gestão da demanda Ana Paula Garcia

    Karla Patrícia Oliveira EsquerreMariza Mello

    Asher Kiperstok

    317

    Avaliação da oferta de água paraabastecimento urbano no Nordeste,

    com foco na BahiaSérgio R. Ayrimoraes Soares

    Elizabeth Siqueira JuliattoGrace Ben ca Matos

    Letícia Lemos de Moraes

    335

    Salinidade da água do Lago de São Josédo Jacuípe e sua utilização na agricultura

    irrigada de plantas perenes tropicais nosemiárido da Bahia

    Diógenes Marcelino Barbosa Santos

    349

    Avaliação da qualidade das águas do RioJoanes utilizando o índice IQA-CCME

    Geane Silva de AlmeidaIara Brandão de Oliveira

    369

    Pagamento por serviços ambientais:uma proposta para a Bacia Hidrográ ca

    do Rio Almada no sul da BahiaJoão Carlos de Pádua Andrade

    Alessandro Coelho MarquesPaulo Sérgio Vila Nova Souza

    383

    Cobrança pelo uso da água esustentabilidade da gestão de baciashidrográ cas: uma proposta para a Bacia

    do Rio São FranciscoTelma Teixeira

    J. P. S. Azevedo

    397

    Políticas e gestão de recursos hídricospor comitês de bacias hidrográ cas: umaanálise do Comitê de Bacia Hidrográ ca

    do Recôncavo Norte e InhambupeÉlvia Fadul

    Lindomar Pinto da SilvaLucas Santos Cerqueira

    409

    Determinação da Q7, 10, Q90 e Q95 comoferramenta para gestão dos recursos

    hídricos: estudo de caso do Rio JamariRafael Ranconi Bezerra Anderson Paulo Rudke

    Victor Nathan Lima da RochaWesley de Souza

    Nara Luisa Reis AndradeDilson Henrique Ramos Evangelista

    425

    Água como direito e como mercadoria –os desa os da política

    Elisabete SantosLuiz Roberto Santos Moraes

    Renata Alvarez Rossi

    437

    Avaliação da ocorrência de secas naBahia utilizando o Índice de Precipitação

    Padronizada (SPI)Samara Fernanda da Silva

    Fernando Genz Wilton Aguiar

    Nara de Melo Dantas da Silva Asher Kiperstok

    461

    Interface entre deserti cação e mudançado clima e os efeitos sobre a gestãode recursos hídricos: levantamento

    bibliográ co e abordagem conceitualBruna Mendonça

    Dalvino FrancaJoaquim Gondim

    Luis Preto

    475

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    APRESENTAÇÃO

    No momento em que o Nordeste brasileiro – a Bahia, em particular – vive uma dasmais severas secas das últimas décadas, mobilizando governo e sociedade para oseu enfrentamento, a Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia

    (SEI), em parceria com a Secretaria de Meio Ambiente (Sema) e o Instituto do Meio Am-biente e Recursos Hídricos (Inema), lança este número da revista Bahia Análise & Dados com estudos sobre esse importante tema.

    A ideia central foi a de discutir as questões contemporâneas relacionadas à utilizaçãodos recursos hídricos e re etir sobre as estratégias de atuação do Estado neste âmbito,considerando que 2013 foi declarado como o Ano Internacional das Nações Unidas paraa Cooperação pela Água.

    A questão hídrica é fator fundamental para a manutenção da qualidade de vida nonosso planeta. Tendo em vista a grande desigualdade na distribuição espacial da águae seu baixo percentual disponível para consumo imediato de grande parte da populaçãomundial, grandes desa os à gestão desses recursos são colocados com vistas a suaadequada distribuição.

    O estado da Bahia já dispõe, desde 2009, de legislação que explicita o direito de todosao acesso à água, o uso prioritário desta para o consumo humano e a dessedentaçãode animais em situações de escassez, e a necessidade do estabelecimento de respon-sabilidades e ética ambiental no uso do recurso. As políticas de convivência com a secaprecisam ser intensi cadas, e os modelos de desenvolvimento para o semiárido baianodevem ser objeto de permanente discussão, com exame minucioso da vocação de cada

    bacia hidrográ ca e o envolvimento de usuários, prefeituras e sociedade civil organizada,assim como o apoio técnico de universidades e escolas técnicas.Os artigos ora apresentados re etem a preocupação prioritária de pesquisadores com

    a questão da demanda e da oferta dos recursos hídricos, assim como com a sua qualidade,relacionando-as com o contexto de sua escassez no semiárido e as características do nos-so quadro socioeconômico. A gestão adequada dos recursos hídricos é outra preocupaçãoimportante, a partir de discussões sobre questões que vão desde a contradição fundamen-tal entre o caráter da água como direito e como mercadoria, até sugestões especí cas comrelação a ferramentas de gestão e sua aplicação em determinadas bacias hidrográ cas.

    A preocupação com relação à deserti cação e à ocorrência de secas é sempre presen -te em análises que envolvem o processo de mudanças climáticas e as perspectivas de seu

    monitoramento, reforçando-se a política de convivência com a recorrência do fenômenono Nordeste brasileiro.

    A SEI, a Sema e o Inema renovaram a parceria para a concepção deste número darevista dedicado à ÁGUA e esperam ter trazido a sua contribuição ao debate de um temade tamanha relevância para a Bahia, despertando novos ângulos de análise e novas abor-dagens para o seu tratamento.

    Agradecemos a valiosa parceria rmada com os diversos autores que submeteramseus artigos e tornaram possível esta publicação e desejamos a todos uma boa leitura.

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    Água: oferta, escassez equalidadeENTREVISTA COM VICENTE ANDREU,PRESIDENTE DA ANA

    Vicente Andreu Guillo é diretor-presidente da Agência Nacional de Águas (ANA) desde 2010 e membro titular do Conselho Nacional deRecursos Hídricos (CNRH) desde 2008. Foi secretário de RecursosHídricos e Ambiente Urbano do Ministério do Meio Ambiente (SRHU/ MMA), de 2008 a 2010, e secretário municipal de Planejamento, De-senvolvimento Urbano e Meio Ambiente da prefeitura de Campinas(2007 e 2008). Presidiu a Usina Termelétrica Nova Piratininga Ltda.,de 2005 a 2007 e a Sociedade de Abastecimento de Campinas (Sa-nasa) entre 2001 e 2003. Foi diretor da Companhia Paulista de Forçae Luz (CPFL Paulista), de 1995 a 1997. Vicente Andreu é formadoem Estatística pela Universidade Estadual de Campinas (Unicamp).

    BA&D – Segundo vários au-tores, as águas se constituirãono principal motivo de con itono século XXI. Quais os enfren-tamentos e interesses em tornodo uso das águas no país? Comotêm sido tratados os con itos re -

    lacionados a interesses coletivos,difusos e privados?

    Vincente Andreu – A ges-tão de recursos hídricos no mun-do, de forma geral, passou deum modelo burocrático para ummodelo econômico- nanceiro e,mais recentemente, a partir dos

    anos 90 no Brasil, com a impor-tante contribuição da promulga-ção da Política Nacional de Re-cursos Hídricos em 1997 (Lei9.433/97, Lei das Águas), paraum modelo sistêmico de integra-ção participativa, ancorado em

    uma visão sistêmica, com múl-tiplos atores objetivando imple-mentar seus interesses segundosuas competências institucionaise negociando em espaços cole-giados. Estão presentes nessesistema órgãos governamentais,instituições públicas e privadascom interesse no uso da água,

    e as representações da socie-dade civil. A política de gestãodas águas no Brasil disponibilizaum desenho institucional e ins-trumentos que contribuem paraessa negociação entre tantosatores. Os enfrentamentos em

    torno do uso das águas no Brasilsão relacionados aos interessesdos diversos atores que atuamnesse sistema ou não, algunsque precisam de água para suasatividades econômicas, todosnós que precisamos dela parao suprimento de nossas neces-sidades, os ecossistemas que

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    precisam dela para a manuten-ção dos serviços ambientais,en m, os interesses estão rela -cionados às questões de saúdehumana, questões ambientais eatividades econômicas. Os co-legiados de recursos hídricos,conselhos e comitês de baciashidrográ cas têm sido espaçosprivilegiados para o trato de to-dos esses interesses difusos eprivados. Enfrentamos hoje asquestões típicas de um processode implementação em curso háduas décadas e que precisa deajustes. Por exemplo, as propos-tas aprovadas pelos conselhos ecomitês de bacias hidrográ cas,por meio de planos de recursoshídricos por eles aprovados, têmainda um baixo nível de imple-mentação. A execução nancei -ra da cobrança pelo uso da águabruta ainda enfrenta di culdades.

    O efetivo enquadramento doscorpos de água em classes e suaimplementação ainda são inci-pientes. A relação entre a gestãode recursos hídricos com ques-tões importantes para a socieda-de de forma geral, como enchen-tes, deslizamentos de encostas,secas, pode ser ampliada. Mastudo isso só é possível de se per-

    ceber porque a Política de Águasestá em implementação, e isso éum ganho para o Brasil.

    BA&D – Reconhecidamente,a Lei das Águas (9.433/97) es-tabeleceu um novo paradigmano país ao instituir instrumentosde gestão como a outorga e a

    cobrança pela água bruta. Quaisas repercussões disso na efeti-va democratização do acesso àágua? Os impactos da cobrançanão se dariam tão somente sobreo redimensionamento do total ou-torgado, no sentido de uma ade-quação das outorgas aos usosreais, não levando à redução dacaptação de águas?

    VA – A garantia de universali-zação do acesso à água dependeda efetiva implementação de ins-trumentos de gestão, instituídospor políticas públicas, que pos-sam assegurar o conhecimento eo controle dos usos da água, bemcomo o efetivo exercício do direi-to de uso por parte dos usuários.O principal desses instrumentos,que tem justamente esta função,é a outorga de direito de uso derecursos hídricos, que deve seracompanhada de uma scaliza -

    ção e caz. Neste sentido, o ins -trumento da cobrança pelo usoda água bruta tem o potencialde agir de modo complementar,incentivando a redução da apro-priação da água pelo usuário,tanto sob o ponto de vista da ou-torga, quanto dos usos efetivos.Por outro lado, os preços unitá-rios atualmente praticados, su-

    geridos pelos comitês de baciashidrográ cas e aprovados pelosconselhos de recursos hídricos,têm possibilitado a redução dosvolumes outorgados durante afase inicial de implantação da co-brança, porém é desejável tam-bém, principalmente em baciascom con itos pelo uso da água

    instalados ou potenciais, que osusuários reduzam paulatinamen-te os volumes de água em seusprocessos, como consequênciade diminuição de perdas, pro-cessos mais e cientes, reutili -zação de e uentes, contribuindopara a solução de con itos e paraa disponibilização de mais águapara outros usos. Preços unitá-rios mais elevados, junto com aimplementação das outorgas, da

    scalização, do Comitê de BaciaHidrográ ca, certamente contri-buirão para a melhoria de e ci -ência e a democratização do usoda água no território.

    BA&D – A cobrança pelo usoda água bruta tem como obje-tivo obter recursos para nan -ciamento da gestão das baciashidrográ cas, mas os valoresarrecadados têm cado muito

    abaixo da demanda por inves-timentos. Diante deste quadro,como o senhor avalia a e cáciada implementação da cobrança?Qual seria o limite para o valor,tendo em vista a capacidade/dis- posição dos usuários de paga-rem pelas águas?

    VA – A cobrança pelo uso daágua tem outros objetivos além da

    obtenção de recursos para nan -ciar ações indicadas nos planosde recursos hídricos. O instru-mento da cobrança tem por obje-tivos também o reconhecimentoda água como bem econômico,dando ao usuário uma indicaçãode seu real valor, e o incentivo aouso racional da água. Os valores

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    arrecadados, ainda baixos, sem-pre carão aquém da demandapor investimentos em um país emdesenvolvimento como o nosso.Uma maneira interessante defazer multiplicar esses valoresé fazendo com que o montantearrecadado com a cobrança ala-vanque mais recursos de outrasfontes, que é o que vem aconte-cendo nas bacias que instituíramesse instrumento. Um dos exem-plos recentes é o da Bacia do Pa-raíba do Sul, em que os recursosde R$ 1,4 milhão, oriundos dacobrança, alavancaram R$ 172milhões de outra fonte. Existemdiversos mecanismos que po-dem ser utilizados para comple-mentar os recursos arrecadadospor meio da cobrança, que sãoinsu cientes, para dar conta dosinvestimentos de interesse paraos recursos hídricos da bacia,

    sendo um deles a destinação depercentuais cada vez maioresdos recursos da CompensaçãoFinanceira pela Utilização de Re-cursos Hídricos para Geração deEnergia Elétrica (CFURH) paraos Fundos Estaduais de Recur-sos Hídricos. Em cada realidadede gestão dos recursos hídricosno território das bacias hidrográ -

    cas, formas inovadoras, criativaspodem ser construídas para su-prir essa necessidade de recur-sos nanceiros.

    BA&D – Ainda segundo a Leidas Águas, os valores arrecada-dos com a cobrança devem ser prioritariamente aplicados na

    bacia em que foram gerados.Isso vale também para o 0,75%

    pago pelas geradoras de energiaelétrica ao Ministério do Meio Am-biente (MMA) para gerenciamen-to dos recursos hídricos? Qual arepercussão da utilização dessesrecursos na Bacia do Rio SãoFrancisco, por exemplo, no con-texto das políticas de convivênciacom as secas dos últimos anos?

    VA – Os recursos arrecada-dos pela Agência Nacional de

    Águas (ANA) nas bacias ondeo instrumento de cobrança estáimplementado são repassados,integralmente, para as respecti-vas entidades delegatárias dasfunções de agência de água,conforme determina a legisla-ção, sendo aplicados, portanto,nas bacias onde foram gerados.Os valores do pagamento pelouso de recursos hídricos pelo

    setor elétrico são utilizados naimplementação da Política Na-cional de Recursos Hídricos edo Sistema Nacional de Geren-ciamento de Recursos Hídricos,nos termos do art. 22, da Leinº 9.433, de 1997. A utilizaçãodos recursos no âmbito da Ba-cia do Rio São Francisco é de-

    nida pelo Comitê da Bacia Hi-

    drográ ca, quando este aprovaseu plano de recursos hídricos edetalha seu plano de aplicaçãoplurianual.

    BA&D – O objetivo do Pac-to Nacional pela Gestão das

    Águas é a “[...] construção decompromissos entre os entes

    federados, visando à superaçãode desa os comuns e à promo -ção do uso múltiplo e sustentáveldos recursos hídricos [...]”, o quesigni ca promover a efetiva arti -culação entre os “[...] processosde gestão das águas e de regu-lação dos seus usos, conduzidosnas esferas nacional e estadual”(Pacto Nacional pela Gestão das

    Águas I, ANA, 2013, p.8). Quaisos principais desa os à imple -mentação desse pacto e comose situa particularmente a Bahiaem relação a ele?

    VA – Neste momento, o prin-cipal desa o à implementaçãodo pacto é dar continuidade aobem-sucedido processo de ar-ticulação política entre a Uniãoe os estados federados, iniciadoa partir da assinatura da Cartade Brasília em prol do Pacto Na-cional pela Gestão das Águas

    em dezembro de 2011. A Bahiafoi signatária desse documentoe, dessa forma, espera-se que,em breve, o estado também façasua adesão voluntária ao pacto,como já zeram os estados daParaíba, Acre, Alagoas, MatoGrosso do Sul e Paraná. Apósa adesão ao pacto, por meio daedição de decreto estadual, o

    estado poderá acessar recursosnanceiros do programa Pro -gestão, lançado pela ANA noDia Mundial da Água de 2013,em comemoração ao Ano Inter-nacional de Cooperação pelas

    Águas, com objetivo de fortale-cer o Sistema Estadual de Re-cursos Hídricos.

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    uma expectativa de contratação,condicionada à disponibilidade

    nanceira do programa. Desdeseu início, em 2001, o programacontratou 55 empreendimentosque atenderam a cerca de 5,56milhões de brasileiros e desem-bolsou R$ 200,82 milhões peloesgoto tratado. Esses recursosalavancaram investimentos deR$ 720,71 milhões dos prestado-res de serviços de saneamentona implantação das estações detratamento de esgotos.

    O Prodes tem uma lógica ino-vadora, de pagamento por resul-tados, que deve ser incentivada.Seu desa o está relacionadoprincipalmente a sua dissemina-ção e alcance, de maneira queprestadores de serviços de sane-amento em todo o país possamacessá-lo.

    BA&D – A avaliação do perí-odo 2000/2008 indica que o per-centual de esgoto sanitário trata-do teve um acréscimo de 10,0%,atingindo 29,9%, sendo que algoem torno de 70,0% era lança-do in natura no ambiente (ANA,2012). Dados recentes dos inves-timentos em saneamento básicono âmbito do PAC indicam que,

    das 138 obras de construção derede de coleta e unidades de tra-tamento de esgoto sanitário, 65%encontram-se paralisadas, atra-sadas ou não foram iniciadas emfunção de problemas diversos.Tendo em vista esse panorama,quais as principais alterações emrelação ao quadro de 2008?

    VA – Do ponto de vista da ANA, cabe ressaltar as oportuni-dades e convergências para a efe-tiva articulação entre os proces-sos de implementação da Políticade Recursos Hídricos e de Sane-amento. A Lei 11.445, de 2007,estabelece as diretrizes nacionaispara o saneamento básico e paraa política federal de saneamentobásico, de nindo que o titular doserviço de saneamento deve ela-borar o plano de saneamento bá-sico (inciso I, art. 9º, Lei 11.445)e que esses planos deverão sercompatíveis com os planos dasbacias hidrográ cas em que esti -verem inseridos (§ 3o, art. 19, Lei11.445). Por sua vez, os planos derecursos hídricos de bacias hidro-grá cas são um dos instrumentosda Política Nacional de RecursosHídricos, con gurando-se comoplanos que orientam a implemen-

    tação da gestão de recursos hídri-cos no âmbito das bacias hidro-grá cas, sendo aprovados pelosrespectivos comitês de bacias hi-drográ cas ou pelo CNRH, ou osconselhos estaduais de recursoshídricos, onde não houver um co-mitê instalado (Resolução CNRHnº 145, de dezembro de 2012). OBrasil apresenta 51% de seu terri-

    tório atendido por planos de recur-sos hídricos de bacias de rios dedomínio da União, contabilizando4,3 milhões de km² planejados,abrindo uma janela de oportuni-dade para a articulação com osetor de saneamento.

    A Lei 11.445 também estabe-lece que a utilização de recursos

    hídricos na prestação de servi-ços públicos de saneamento bá-sico, inclusive para disposiçãoou diluição de esgotos e outrosresíduos líquidos, é sujeita à ou-torga de direito de uso (parágrafoúnico, art. 4º, Lei 11.445). A ou-torga de direito de uso de recur-sos hídricos tem como objetivoassegurar o controle quantitativoe qualitativo dos usos da água eo efetivo exercício dos direitosde acesso aos recursos hídricos,competindo à ANA outorgar, porintermédio de autorização, o di-reito de uso de recursos hídricosem corpos de água de domínioda União, estando sujeitos a essaautorização, dentre outros, a de-rivação ou captação de parcelada água existente em um corpod’água para consumo nal, inclu-sive abastecimento público, e olançamento em corpo de água de

    esgotos e demais resíduos líqui-dos ou gasosos, tratados ou não,com o m de sua diluição, trans-porte ou disposição nal.

    Até julho de 2011 tinham sidooutorgados no país 6.864,57 m³/spela ANA e pelos estados da Fe-deração, sendo que 14% dessavazão é destinada ao abasteci-mento público. Entre os usos que

    alteram a qualidade de água emdeterminado corpo hídrico estãoos lançamentos de e uentes líqui -dos e gasosos, tratados ou não,de origem doméstica ou industrial,sujeitos à outorga. Cabe salientarque a ANA não autoriza o lança-mento de e uentes (passível deautorização do órgão ambiental),

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    infraestrutura citadas. O Progra-ma Água para Todos, coordena-do pelo Ministério da IntegraçãoNacional, destina-se a atender aestas situações.

    Quando se pretende atender,por exemplo, a um determinadonúmero de famílias em um pe-queno raio de alcance, podemser adotados os denominadossistemas simpli cados, em queum reservatório supre várias fa-mílias (o Programa Água Doce,do Ministério do Meio Ambiente,por exemplo, que considera aci-ma de 40 famílias). Já no casode agrupamentos de poucas fa-mílias ou de residências isola-das, são necessárias soluçõesindividuais para abastecimentodas necessidades básicas daspessoas. Nesse contexto, a cis-terna de 16 mil litros para coletade água de chuva pode atender

    a uma demanda ao redor de oitolitros por pessoa/dia, em média.No caso de famílias dispersas, acisterna tem se mostrado a solu-ção mais adaptada ao semiárido.

    A ANA reconhece a importân-cia desse programa. As primeiras12,7 mil cisternas, construídascom patrocínio do governo fede-ral, foram executadas por meio

    do convênio ANA/Diaconia, ini-ciado em 2001, proporcionandosua implantação através de umapolítica pública, internalizan-do o programa no governo. Em2003, o programa foi transferi-do ao Ministério do Desenvolvi-mento Social e Combate à Fome (MDS), para atender um milhão

    de famílias carentes dispersasno semiárido. Em 2012, após aconstrução de 350 mil cisternasno P1MC, ainda havia um dé citde um milhão de famílias a serematendidas. Hoje existe um esfor-ço para que esse dé cit diminuarapidamente. Cabe ressaltar, noentanto, que essas soluções sãodimensionadas para períodos deestiagem típicos do semiárido eque, em períodos de escassezatípica, as soluções emergen-ciais, como carros-pipa, não po-derão ser descartadas.

    BA&D – Qual a avaliação da ANA sobre a relação do país comos corpos d’água, tendo em vistao quadro de poluição e contami-nação decorrente da urbaniza-ção, do lançamento industrial, dolançamento agrícola e do desper-dício? Quais as principais iniciati-

    vas em relação à necessidade deuma educação ambiental ampla?VA – A questão da qualida-

    de das águas no Brasil ainda éum problema que necessita deum esforço conjunto do país, en-volvendo a implementação desistemas de saneamento, práti-cas conservacionistas de solo eágua no meio rural, maior e ci-

    ência no uso da água e a disse-minação de informação para ocidadão sobre bons hábitos deconsumo e de trato com a água.

    A título de informação, conside-rando os valores médios do Índi-ce de Qualidade das Águas (IQA)em 2010, observaram-se condi-ção ótima em 6% dos pontos de

    monitoramento da qualidade daágua no país; boa em 75%; regu-lar em 12%; ruim em 6%, e péssi-ma em 1%. Os pontos de monito-ramento cujos valores médios deIQA levaram a sua classi caçãocomo “ruins” ou “péssimos” fo-ram, na sua maioria, detectadosem corpos hídricos que atraves-sam áreas urbanas densamen-te povoadas, como regiões me-tropolitanas das capitais e dasgrandes cidades do interior, e emregiões fortemente industrializa-das. Este fato deve-se a grandescargas de e uentes ou esgotosdomésticos lançados in naturanos corpos hídricos. A ANA vematuando em diversas frentes,contribuindo nesse esforço de di-minuição do passivo relacionadoà qualidade das águas. No meiourbano, o Prodes é um exemplo,

    já no meio rural o Programa Pro-

    dutor de Águas contribui para aimplementação de arranjos indu-tores de práticas conservacionis-tas de solo e água. Além disso,a implementação de sistemas deoutorga e da cobrança pelo usoda água bruta, conforme já co-mentado anteriormente, contri-bui na racionalização do uso daágua pelos setores usuários. Por

    m, é importante mencionar quea ANA entende que o avanço naimplementação da gestão dosrecursos hídricos passa pelaformação de recursos humanose, por isso, atua fortemente nacapacitação. Os atores envol-vidos com o Sistema Nacionalde Gerenciamento dos Recursos

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    290 Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.283-290, abr./jun. 2013

    Hídricos (Singreh) são de dife-rentes formações e requeremconhecimentos, habilidades eatitudes em diversos campos doconhecimento, desde áreas maistécnicas como a hidrologia ou se-gurança de barragens, como tam-bém aquelas ligadas às questõesde planejamento, políticas públi-cas, organização social e gestãode con itos. Trata-se de temasvariados e em níveis de conheci-mento distintos, desde formaçãobásica até conteúdos especia-lizados em nível de pós-gradu-ação. O público-alvo das açõesde capacitação promovidas pela

    ANA é constituído por gestoresdos órgãos de recursos hídricos,lideranças e membros de orga-nismos de bacia, usuários de re-cursos hídricos, além de forma-dores de opinião e o público emgeral, com ênfase na população

    jovem. Além disso, as ações decapacitação da ANA consideramtambém gestores de países es-trangeiros que têm acordos decooperação com o Brasil, em es-pecial países fronteiriços da Amé-rica Latina e de língua portugue-sa. Desde a criação da ANA, em2000, houve a preocupação ematuar na capacitação de recursos

    humanos em gestão de recursoshídricos. A ANA capacitou cercade dez mil pessoas no período2001 a 2010 e o mesmo núme-ro de pessoas apenas nos anos2011 e 2012, devido ao início daimplementação sistemática decursos na modalidade a distân-cia. São implementados cursossobre uso racional da água na ir-rigação, curso de especializaçãoem elaboração e gerenciamentode projetos para a gestão munici-pal de recursos hídricos, diversoscursos a distância e presenciais,de media training e de produçãode vídeos educativos.

    Entrevista concedida no dia 28 de junho de 2013,por e-mail, a Antônio José Cunha Carvalho de Freitas.

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    Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.291-302, abr./jun. 2013 291

    Avaliação do manejo e usoda água de cisternas emcomunidades baianas Delfran Batista dos Santos* Salomão de Sousa Medeiros** Manuel Dias da Silva Neto***

    Resumo

    O objetivo deste estudo foi investigar o manejo e o uso da água pluvial armazenada emcisternas de localidades rurais nos municípios de Campo Formoso e Filadél a, amboslocalizados no semiárido da Bahia. Com apoio do sindicato rural e da comunidade localda zona rural dos dois municípios, foram aplicados questionários semiestruturados amoradores de 99 residências dessas localidades. Em consonância com os resultadosveri ca-se que atitudes como: descarte das primeiras águas de chuva, limpeza do te -lhado, das calhas e da cisterna, uso de bomba manual para retirada da água, além dotratamento à base de tecnologias simples, como o Solar Water Disinfection (Sodis)

    – método que consiste em colocar água em garrafas PET transparentes e deixá-lasexpostas aos raios ultravioletas do sol com objetivo de eliminar os coliformes existen-tes na água –, poderão melhorar signi cativamente a qualidade da água armazenadanas cisternas. Ações educacionais direcionadas para melhorar o manejo e a qualidadeda água armazenada nas cisternas podem ser realizadas através de o cinas, projetosescolares, seminários e palestras voltados para a segurança hídrica, focando principal-mente o público infantil (crianças).Palavras-chave: Estiagem. Recursos hídricos. Tecnologias socialmente apropriadas.

    Abstract

    The aim of this study was to investigate the management and use of rainwater stored incisterns in rural locations in the municipalities of Campo Formoso and Filadél a, bothlocated in the semi-arid region of Bahia. With support from the rural union and the localcommunity of the rural zone of the two municipalities, semi-structured questionnaireswere conducted in 99 households in these localities. In line with the results, attitudesappear, such as: disposal of the rst rainfall, cleaning of the roof, gutters and cistern,use of hand pump for water removal, as well as treatment based on simple technologies,like Solar Water Disinfection (Sodis) – method that consists of putting water in transpar-ent PET bottles and leaving them exposed to the ultraviolet rays from the sun in orderto eliminate the coliforms present in the water –, can signi cantly improve the qualityof water stored in cisterns. Educational activities aimed at improving the managementand quality of water stored in the tanks can be carried out through workshops, school

    projects, seminars and lectures about water security, mainly focusing on the youngaudience (children).Keywords: Drought. Water resources. Socially appropriate technologies.

    * Pós-doutor, doutor em Engenha-ria Agrícola pela UniversidadeFederal de Viçosa (UFV), mes-tre em Engenharia Agrícola pelaUniversidade Federal da Paraíba(UFPB). Professor do InstitutoFederal de Educação, Ciência eTecnologia Baiano (IF Baiano)[email protected]

    ** Doutor em Engenharia Agrícola emestre em Engenharia Agrícolapela Universidade Federal de Viço-sa (UFV). Pesquisador do InstitutoNacional do Semiárido e doutor emRecursos Hídricos e [email protected]

    *** Graduando do Curso de Enge-nharia Sanitária e Ambiental. Assessor-chefe da Secretaria deMeio Ambiente e Controle Urbanodo município de Senhor do Bon m(BA). [email protected]

    BAHIA ANÁLISE & DADOS

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    AVALIAÇÃO DO MANEJO E USO DA ÁGUA DE CISTERNAS EM COMUNIDADES BAIANAS

    292 Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.291-302, abr./jun. 2013

    INTRODUÇÃO

    Em virtude dos longos períodos de estiagemvivenciados na região Nordeste, principalmente nosemiárido baiano, a população vítima da seca tembuscado meios de convivência com essa realidade,a qual foi, durante muito tempo, considerada comoa principal responsável pelas precárias condiçõesde vida dos sertanejos, levando-os a intensi caremo processo de êxodo rural que ainda perdura nointerior da região Nordeste.

    A população desses locais, em geral mulheres ecrianças, é obrigada a caminhar longos percursosaté o manancial mais próximo, levando para casa,em recipientes pesados (potes, latas, tonéis etc.),uma água com qualidade, muitas vezes, inadequa-da para consumo humano. Porém, como a águaobtida é a única fonte disponível, os moradores daregião são obrigados a consumi-la, muitas vezes,sem qualquer tipo de tratamento, em virtude do des-conhecimento do que essa atitude pode acarretarpara sua saúde e a da própria família.

    Os problemas que surgem como consequênciada rotina do transporte pessoal de latas d’água ad-

    vindas das fontes de água disponíveis nas localida-des são inúmeros: desconforto físico, comprome-timento do desenvolvimento, no caso de crianças,além de elevado número de casos de doenças deveiculação hídrica. De cada quatro mortes de crian-ças na região, estima-se que uma é devida à diar-reia causada por água contaminada (BRASIL,2013).

    Para atender à necessidade hídrica da popula-ção, buscam-se soluções alternativas de abasteci-mento de água, como açudes, barragens subterrâ-

    neas, poços, carros-pipa, dentre outros. A PortariaMS nº 518, de 25 de março de 2004 (BRASIL,2004), preconiza que a água das soluções alter-nativas está sujeita à vigilância da qualidade paraveri car se há riscos à saúde pelo seu consumoou se atende aos padrões da norma, para só entãoassegurar a condição de potabilidade.

    Dentre as alternativas para as comunidadesque não dispõem de rede de abastecimento de

    água, destaca-se a captação de água pluvial quevem tornando-se, também, uma medida estratégi-ca para o desenvolvimento social e econômico daregião semiárida. A coleta da água pluvial consisteem uma tecnologia popular existente em muitaspartes do mundo, em especial nas regiões áridas esemiáridas. Esta prática foi adotada independente-mente em diversas partes do mundo e em diferen-tes continentes há milhares de anos, sendo usadae difundida especialmente em regiões semiáridasnas quais as precipitações pluviométricas ocorrem,apenas, durante poucos meses e em locais distin-tos (GNADLINGER, 2011).

    Mesmo com as vantagens advindas do usoda tecnologia de armazenamento de água pluvialem cisternas, estudos revelaram a importância domonitoramento de características físico-químicase microbiológicas referentes à qualidade da águaarmazenada (PALHARES; GUIDONI, 2012). Entre-tanto, apesar de o Brasil ter iniciado a regulamen-tação da qualidade da água na década de 1970(FREITAS; FREITAS, 2005), a legislação brasileiraainda não trata especi camente das águas pluviais(LEUCK, 2008).

    Com o intuito de disseminar a técnica de capta-ção de água de chuva em cisternas na região se-miárida brasileira, muitos programas foram e estãosendo desenvolvidos por organizações não gover-namentais (ONG) e pelo governo federal, no sentidode disponibilizar uma alternativa para a populaçãoque tem di culdade de obtenção de água para con -sumo diário.

    Com base neste contexto, Luna e outros (2011)relatam que, a partir de julho de 2003, iniciou-se o

    Programa de Formação e Mobilização Social paraa Convivência com o Semiárido: um Milhão de Cis-ternas Rurais (P1MC), que vem desencadeando ummovimento de articulação e de convivência susten-tável com o ecossistema do semiárido através dofortalecimento da sociedade civil, da mobilização,do envolvimento e da capacitação das famílias, comuma proposta de educação processual. O referi-do programa foi criado com o intuito de bene ciar

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    DELFRAN BATISTA DOS SANTOS, SALOMÃO DE SOUSA MEDEIROS, MANUEL DIAS DA SILVA NETO

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    cerca de cinco milhões de pessoas em toda a re-gião semiárida, disponibilizando água potável parabeber e cozinhar, com a construção de cisternasde placas, sendo que essas cisternas propiciam àsfamílias assistidas mais independência e autonomiana obtenção da água de qualidade, além de melho-rar a saúde e a qualidade de vida.

    Entretanto, apesar de as cisternas representa-rem uma opção de sobrevivência para as popula-ções rurais, observa-se que, se não houver maioracompanhamento e controle da qualidade da águadepositada nesses reservatórios, o que seria umasolução poderá tornar-se um problema que, semdúvida, comprometeria a saúde pública.

    Tendo em vista esta observação durante o pro-cesso de captação de água pluvial, medidas comoo desvio da primeira chuva e a instalação de l -tros antes da cisterna podem reduzir não apenas acontaminação microbiológica, mas também os pa-râmetros físico-químicos da água. Ao serem incor-porados ao sistema de captação de água de chuva,esses aparatos retiram grande parte das sujeiraspresentes na atmosfera, principalmente na superfí-cie de captação, melhorando a qualidade da água

    de chuva a ser consumida.Portanto, para manter a qualidade da água ar-mazenada e garantir a segurança hídrica para oconsumo, deve-se realizar um trabalho conjuntoe intensivo por parte das ONG responsáveis pelaconstrução das cisternas e das autoridades públicasde maior acesso à população, no sentido de efetuara vigilância da qualidade da água utilizada no meiorural e, principalmente, implementar ações que vi-sem ao esclarecimento dessa população, a m de

    mudar seu comportamento (AMARAL et al., 2003).Para Silva (2006), a participação de pro ssionaisda saúde, religiosos, professores, representantesde ONG e lideranças locais, neste aspecto, são desuma importância visto que se trata de pessoasconhecidas e respeitadas no município, que estãosempre em contato com a população do meio rural.

    Percebe-se, então, que o campo de pesquisaspara a melhoria das técnicas e da qualidade da

    água de chuva captada ainda é amplo, apesar deestar sendo explorado, tanto em países desenvol-vidos quanto nos países em desenvolvimento, porser uma alternativa que pode auxiliar milhões depessoas a conviverem com a escassez hídrica eminimizar o impacto de outros problemas, como asenchentes.

    Ante o exposto objetivou-se investigar o manejoe o uso da água pluvial armazenada em cisternasde localidades rurais nos municípios de Campo For-moso e Filadél a, ambos localizados no semiáridoda Bahia.

    MATERIAL E MÉTODOS

    O presente trabalho foi desenvolvido nos povo-ados de Tiquara e Umburana de Cheiro, perten-centes aos municípios de Campo Formoso e Fila-dél a, respectivamente. O Cartograma 1 mostra alocalização desses dois municípios no contexto doestado da Bahia.

    Cartograma 1Localização dos municípios de Campo Formoso eFiladél a no mapa do estado da Bahia

    Fonte: Adaptado de Cidades (2013).

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    cisternas tipo placas (Figura 1), construídas à basede argamassa de cimento pré-moldadas, com ca-pacidade de armazenamento de 16 mil litros, ouseja, o mesmo modelo adotado pelo programa ummilhão de cisternas (P1MC).

    Com apoio do sindicato rural e da comunidadelocal da zona rural dos dois municípios, foram apli-cados questionários semiestruturados em 99 resi-dências, com o intuito de diagnosticar a qualidade,

    o manejo e o uso da água das cisternas de possedas famílias contempladas com essa tecnologia(cisternas).

    Os questionários foram aplicados entre outubrode 2012 e março de 2013, sendo 41 dos questioná-rios aplicados na localidade de Umburana de Chei-ro (Filadél a) e 58, em Tiquara (Campo Formoso).Em todas as residências avaliadas foi selecionadoo chefe da família para participar da pesquisa e res-ponder às perguntas do questionário.

    RESULTADOS E DISCUSSÃO

    Caracterização das áreas da pesquisa

    O Grá co 1 relaciona o número de residênciasque dispõem de água encanada nas localidades

    O município de Filadél a apresenta latitude10º44’34” sul e longitude 40º07’55” oeste, estandoa uma altitude média de 424 metros acima do níveldo mar, com uma população estimada, em 2010, de16.740 habitantes. Com precipitação média anualem torno de 850 mm e temperatura média em tor-no de 32 ºC, está localizado na região do Piemonteda Diamantina do estado da Bahia, limitando-se, aleste, com o município de Itiúba; ao sul, com Pon-to Novo; a oeste, com Pindobaçu, e, ao norte, com Antônio Gonçalves e Senhor do Bon m. O acessoa partir de Salvador é efetuado pelas rodovias pavi-mentadas BR-324, BR-116 e BR-407, num percursototal de 344 km.

    Filadél a apresenta tipo climático semiárido eseco, por vezes subúmido; o município está englo-bado no denominado Polígono das Secas, sujeito aprolongados períodos de estiagem; seus solos são,essencialmente, latossolos distró cos, planossolose luvissolos eutró cos; a vegetação, pouco variá -vel, está distribuída entre os tipos caatinga arbóreaaberta (com palmeiras) e contato caatinga- orestaestacional (COMPANHIA DE PESQUISA E RE-CURSOS MINERAIS, 2005).

    O município de Campo Formoso possui umapopulação de 66.616 habitantes, com densidade de9,18 hab./km2, ocupando uma área de 7.258,676 km²;a sede municipal está distante da capital do estado413 km (INSTITUTO BRASILEIRO DE GEOGRAFIAE ESTATÍSTICA, 2010). O município está localizadona latitude 10°05’00” sul e longitude 40°32’00” oestee apresenta altitude média de 791 m.

    Regionalmente, Campo Formoso apresenta va-lores de índice, precipitação total anual entre 600 e

    1.200 mm. As temperaturas médias anuais variamentre 20 e 24,5 °C e a média pluviométrica anual é de700 mm. A de ciência hídrica apresenta índice anualde 350 mm, com seis meses de dé cit hídrico aoano, caracterizando-se regionalmente, dentro do cli-ma semiárido, como mesoclima do tipo médio a alto.

    O estudo foi realizado nas localidades de Tiqua-ra (Campo Formoso) e Umburana de Cheiro (Fila-dél a), nas quais a maioria das residências possuía

    Figura 1Cisternas tipo placas utilizadas para armazenarágua de captação pluvial

    Fonte: Manuel Dias da Silva Neto (2013).

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    estudadas; pode-se observar que 86,2% dos domi-cílios no Povoado de Tiquara possuem água enca-nada (Grá co 1A), enquanto apenas 10% dos domi -cílios do Povoado de Umburana de Cheiro (Grá co1B) têm acesso a esta.

    Este baixo índice de domicílios com acesso à

    água encanada no Povoado de Umburana de Chei-ro pode estar associado à dispersão das residên-cias nessa comunidade, quando comparada com adistribuição residencial do Povoado de Tiquara, quepossui um contingente aglomerado signi cativo. Apartir desta re exão percebe-se que se torna muitodifícil implantar sistemas coletivos de abastecimen-to de água em boa parte das comunidades rurais,tendo em vista que, na maior parte delas, a disper-são das residências é elevada quando comparada

    com os centros urbanos. Esses resultados reforçama necessidade de ações governamentais a m defomentar, estimular e incentivar a captação de águade chuva em áreas rurais dos municípios baianos.

    Observam-se, no Grá co 2, as fontes de recursopelas quais as cisternas foram adquiridas pela co-munidade: no povoado de Tiquara (Grá co 2A), 88%das famílias construíram as cisternas com recursospróprios e 12% das famílias foram contempladas

    por ações de iniciativas governamentais. Essasinformações evidenciam que os moradores dessacomunidade ainda carecem de assistência e polí-ticas públicas voltadas para a convivência com aescassez hídrica. Para Diniz e Piraux (2011), o gran-de desa o na atual conjuntura é entender como a

    noção de convivência com o semiárido tem in uen-ciado, pouco a pouco, a construção de políticas eações públicas baseadas justamente nessa noção(convivência com o semiárido).

    Já no Povoado de Umburana de Cheiro (Grá-co 2B) constatou-se que 51% das famílias foram

    contempladas por ações de iniciativas governa-mentais, 29% obteve ajuda através de associa-ções e 20% delas construíram as cisternas atravésde recursos próprios.

    Apesar de a escassez de água no semiáridoconstituir um grave problema para a região, não sepode atribuir ao fenômeno climático da seca todasas di culdades e utilizá-lo para justi car o perma-nente estado de miséria do sertanejo. É preciso co-nhecer todos os fatores que in uenciaram e in uen-ciam as políticas públicas que visam equacionar osproblemas do sertão, especialmente quando estesestão ligados à escassez relativa de água.

    SIM NÃO SIM NÃO

    13% 86,2%

    ATiquara (Campo Formoso)

    BUmburana de Cheiro (Filadél a)

    10%

    90%

    Grá co 1Disponibilidade de água encanada nas localidades de Tiquara em Campo Formoso (A)e Umburana de Cheiro em Filadél a (B) – Bahia

    Fonte: Elaboração própria (2013).

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    Dentre as várias formas de convivência e ameni-zação desta situação vê-se a questão das cisternascomo uma maneira de convívio com a seca, porém,estas devem ser feitas de forma orientada, respei-tando requisitos de elaboração, contemplação e

    saúde bastante rigorosos, para que não venham aservir até mesmo a con itos sociais e políticos nadisputa pelo poder.

    Manejo e tratamento de água nas cisternas

    A Tabela 1 apresenta resultados referentesà percepção das famílias quanto ao manejo e aotratamento da água armazenada nas cisternas

    dos povoados de Tiquara e Umburana de Cheiro,nos municípios de Campo Formoso e Filadél a,respectivamente.

    De acordo com a Tabela 1, 92% dos domicíliosdo povoado de Tiquara fazem descarte das pri-

    meiras águas de chuva, enquanto no povoado deUmburana de Cheiro apenas 27% fazem uso destaprática. Souza e outros (2011) demonstraram, emtrabalho realizado no agreste pernambucano, que odispositivo de descarte das primeiras águas de chu-va, instalado na vila de casas conjugadas, mostrou--se e ciente na redução das concentrações dos pa -râmetros físico-químicos e bacteriológicos da águaarmazenada nas cisternas.

    Recursos própriosAssociação

    ATiquara (Campo Formoso)

    BUmburana de Cheiro (Filadél a)

    Governo

    Recursos própriosAssociação

    Governo

    12%

    88%

    51%

    29%

    20%

    Grá co 2Fonte de recursos para aquisição das cisternas nas localidades de Tiquara em Campo Formoso (A)e Umburana de Cheiro em Filadél a (B) – Bahia

    Fonte: Elaboração própria (2013).

    Tabela 1Manejo e tratamento de água das cisternas nos povoados de Tiquara e Umburana de Cheiro,nos municípios de Campo Formoso e Filadél a – Bahia

    Manejo e tratamento da água da cisterna Tiquara(Campo Formoso)Umburana de Cheiro

    (Filadél a)Descarte das primeiras águas 92% 27%

    Limpeza do telhado 47% 37%

    Limpeza da cisterna 98% 95%

    Colocação de peixe dentro da cisterna 41% 49%

    Algum tipo de tratamento antes de ingerir 93% 71%

    Fonte: Elaboração própria (2013).

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    nunca encheram totalmente só com água das chu-vas. Resultados divergentes foram encontradospor Silva e outros (2012) que a rmam que 92% dasfamílias do sertão paraibano dizem que as chuvassão su cientes para encher as cisternas.

    Alguns fatores podem ter in uenciado paraque muitos desses reservatórios nunca tenhamsido cheios somente com água de chuva; um de-les pode estar associado às patologias das cons-truções dos sistemas de captação, condução earmazenamento de água de chuva nas residên-cias rurais (RIBAS; SOUZA, 2007). Outro fatorque pode in uenciar esses resultados (Grá co 3)está relacionado às precipitações locais dos últi-mos anos, como, por exemplo, em 2012, para omunicípio de Filadél a, em que a precipitação emtorno de 126 mm esteve muito abaixo da médiahistórica que é de 850 mm anuais, e para o mu-nicípio de Campo Formoso, que acumulou, nessemesmo ano, 544 mm, o que pode ter in uenciadoa discrepância dos resultados (29% e 2%) entreas duas localidades.

    O Grá co 4 apresenta o percentual de vezes emque as cisternas já foram abastecidas com águas

    oriundas de carros-pipa nas localidades de Tiquara

    e Umburana de Cheiro. Conforme o Grá co 4A,14% das famílias no Povoado de Tiquara a rmam játer abastecido as cisternas através de carros-pipa; já no Povoado de Umburana de Cheiro, esse per-centual sobe para 38%.

    A forma de abastecimento, armazenamento etratamento da água coletada são fatores determi-nantes para sua adequação ao consumo humanoe, em assim, faz-se necessário que, independen-temente dos fatores analisados, haja maior assis-tência dos órgãos competentes, tendo em vista ocomprometimento com a saúde pública.

    CONCLUSÕES

    1. No que se refere à disponibilidade de água en-canada nas localidades estudadas observou-seque esta variável está diretamente relacionada àdensidade habitacional e que a maior parte dasfamílias na comunidade de Umburana de Cheiro(Filadél a) prioriza a água das cisternas para be -ber e/ou cozinhar, enquanto que, na comunidadede Tiquara (Campo Formoso), a água é utilizada

    para outras nalidades.

    SIM NÃO

    ATiquara (Campo Formoso)

    BUmburana de Cheiro (Filadél a)

    29%

    2%

    98%

    SIM NÃO

    71%

    Grá co 3Recarga das cisternas somente com água da chuva nas localidades de Tiquara,em Campo Formoso (A), e Umburana de Cheiro, em Filadél a (B) – Bahia

    Fonte: Elaboração própria (2013).

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    AVALIAÇÃO DO MANEJO E USO DA ÁGUA DE CISTERNAS EM COMUNIDADES BAIANAS

    300 Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.291-302, abr./jun. 2013

    2. Quanto ao quesito manejo e tratamento de águaarmazenada nas cisternas, veri cou-se que acomunidade de Tiquara (Campo Formoso) reali-za essas práticas com maior frequência quandocomparada com a comunidade de Umburana de

    Cheiro (Filadél a), re exo disso é o baixo índicede diarreia nessa comunidade.3. Atitudes como: descarte das primeiras águas

    de chuva, limpeza do telhado, das calhas e dacisterna, uso de bomba manual para retirada daágua, além do tratamento à base de tecnologiassimples, como o Sodis (método que consisteem colocar água em garrafas PET transparen-tes e deixar expostas aos raios ultravioletas dosol com objetivo de eliminar os coliformes exis-

    tentes na água), podem melhorar signi cativa-mente a qualidade da água armazenada nascisternas.

    4. O apoio e as ações governamentais são neces-sárias, a m de fomentar, estimular e incentivar acaptação de água de chuva em áreas rurais dosmunicípios baianos.

    5. As comunidades, através dos programas de ex-tensão e educação das instituições públicas e

    organizações não governamentais, precisamter acesso às ações educativas no intuito deobter maior assistência e instrução sobre ma-nejo, tratamento e uso racional da água capta-da nas cisternas.

    6. Ações educacionais direcionadas para melhoraro manejo e a qualidade da água armazenadanas cisternas podem ser realizadas através deo cinas, projetos escolares, seminários e pales -tras voltados para a segurança hídrica, focandoprincipalmente o público infantil.

    7. As crianças são a maior parte das vítimas dedoença por veiculação hídrica nas comunida-des estudadas.

    8. As precipitações locais e a recarga das cisternas

    com carros-pipa destacam-se como fatores queaumentam a vulnerabilidade do sistema de cap-tação de água pluvial.

    REFERÊNCIAS

    AMARAL, L. A. et al.. Água de consumo humano como fatorde risco à saúde em propriedades rurais. Revista de SaúdePública, São Paulo, v. 37, n. 4, ago. 2003.

    ATiquara (Campo Formoso)

    BUmburana de Cheiro (Filadél a)

    Água de chuvaCarro-pipa

    14%

    86%

    38%

    62%

    Água de chuvaCarro-pipa

    Grá co 4Tipo de abastecimento das cisternas nas localidades de Tiquara, em Campo Formoso (A)e Umburana de Cheiro, em Filadél a (B) – Bahia

    Fonte: Elaboração própria (2013).

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    DELFRAN BATISTA DOS SANTOS, SALOMÃO DE SOUSA MEDEIROS, MANUEL DIAS DA SILVA NETO

    Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.291-302, abr./jun. 2013 301

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    AVALIAÇÃO DO MANEJO E USO DA ÁGUA DE CISTERNAS EM COMUNIDADES BAIANAS

    302 Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.291-302, abr./jun. 2013

    TAVARES, A. C. Aspectos físicos, químicos e microbiológicosda água armazenada em cisternas de comunidades ruraisdo semiárido paraibano . 2009, 169f. Dissertação (Mestradoem Desenvolvimento e Meio Ambiente) – Programa dePós-Graduação em Desenvolvimento e Meio Ambiente –PRODEMA, Universidade Federal de Campina Grande,

    Campina Grande, PB, 2009.

    Artigo recebido em 15 de maio de 2013

    e aprovado em 24 de maio de 2013.

    XAVIER, R. P. et al. Microbiological quality of drinking rainwaterin the inland region of Pajeú, Pernambuco, Northeast Brazil.Revista do Instituto de Medicina Tropical , São Paulo, v. 53, n. 3,p. 121-124, maio/jun. 2011.

    Agradecemos o apoio do Programa de Pós-graduação lato sensu em Desenvolvimento Sustentável do Semiárido com Ênfase em Recursos Hídricos(DSSERH).

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    Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.303-315, abr./jun. 2013 303

    A produção de etanol: umaanálise das estratégias para aredução do consumo de água Angela Machado Rocha* André de Goes Paternostro** Marcelo Santana Silva*** Paula Meyer Soares**** Fabio Konishi*****

    Resumo

    O desperdício da água nos processos produtivos de etanol é uma realidade e re-presenta preocupação para especialistas e ambientalistas. A produção de etanol em2011/12 alcançou a cifra de 22.682 mil m3. Em 2012, as vendas de veículos total excorresponderam a 90% das vendas internas de automóveis no país. O Brasil é pionei-ro na produção de etanol. Na década de 70, com a eclosão do I Choque do Petróleo, opaís lançou um ambicioso programa de produção de etanol, o Programa Nacional do

    Álcool (Pró-Álcool). Apesar do domínio do modo de produção de etanol, é importanteconsiderar as particularidades quanto ao uso adequado e e ciente da água. O referidoestudo faz uma análise da cadeia produtiva de etanol e das principais estratégias paraa redução do consumo de água. A metodologia adotada baseou-se em referencialbibliográ co e em estudos técnicos que discutem o assunto. Os resultados mostramque a economia de uso da água ocorre de forma signi cativa quando existe o reapro -veitamento da água utilizada pelos condensadores multijatos e dos vapores liberadosnesta etapa de produção.Palavras-chave: Cana-de-açúcar. Etanol. Consumo de água. Sustentabilidade.

    Abstract

    Wasting water in the production process of ethanol is a real concern for experts andenvironmentalists. Ethanol production in 2011/12 reached the value of 22,682,000 m3.In 2012, total ex vehicle sales accounted for 90% of domestic car sales in the country.

    Brazil is a pioneer in the production of ethanol. In the 70s, with the outbreak of the FirstOil Shock, the country launched an ambitious program to produce ethanol, the NationalProgram of Alcohol (Pró-Álcool). Despite the dominance of the mode of production ofethanol, it is important to consider the constraints for the proper and ef cient use ofwater. This study analyzes the ethanol production chain and the main strategies for re-ducing water consumption. The methodology adopted was based on theoretical founda-tions and technical studies that discuss the matter. The results show that the economyof water use occurs signi cantly when there reuse of the used water by the multi-jetcondensers and the steam released at this stage of production.Keywords: Sugar cane. Ethanol. Water consumption. Sustentability.

    * Doutoranda em Energia e Am-biente e graduada em Engenha-ria Química pela UniversidadeFederal da Bahia (UFBA)[email protected]

    ** Doutorando em Energia e Ambien-te pela Universidade Federal daBahia (UFBA) e graduado em Re-lações Internacionais pelo CentroUniversitário da Bahia (FIB)[email protected]

    *** Doutorando em Energia e Ambiente

    pela Universidade Federal da Bahia(UFBA) e mestre pro ssionalizan-te em Regulação da Indústria deEnergia pela Universidade Salvador(Unifacs). [email protected]

    **** Doutora e mestre em Economiade Empresas pela Fundação Ge-tulio Vargas-SP (FGV-SP).

    [email protected] ***** Mestre em Administração pela

    Universidade Metodista de SãoPaulo (Umesp) e graduado em

    Adminisração pela Faculdadede Ciências Econômicas de SãoPaulo (Facesp/Fecap).

    BAHIA ANÁLISE & DADOS

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    A PRODUÇÃO DE ETANOL: UMA ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS PARA A REDUÇÃO DO CONSUMO DE ÁGUA

    304 Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.303-315, abr./jun. 2013

    INTRODUÇÃO

    No início da década de 70, a eclosão da crisemundial do petróleo impulsionou a busca de fontesalternativas de energia, de forma a garantir o su-primento energético e o crescimento econômico.Diante desse cenário de grande dependência eco-nômica do combustível fóssil, o etanol passou a sedestacar como uma fonte sustentável de energia.

    O etanol (C2H5OH) pode ser oriundo da cana--de-açúcar. No Brasil, é empregado como combus-tível automotivo em duas modalidades: 1) álcoolhidratado, utilizando 7% de água na mistura (porexemplo, o usado em carros ex fuel ), e 2) álcoolanidro com, no máximo, 0,7% de água na mistura.O seu processo industrial ocorre pela fermentaçãoe advém da utilização de leveduras que são classi-

    cadas como agentes biológicos e que permitem aaquisição do etanol em baixas concentrações, sen-do imprescindível a retirada do excesso de água pormeio da destilação (RODRIGUES, 2010).

    Segundo Bacchi (2006), o etanol tem sido indi-cado pela comunidade internacional como uma dassoluções aceitáveis às di culdades ambientais, en -

    fatizando-se como uma fonte energética plausívelaos objetivos do Mecanismo de DesenvolvimentoLimpo (MDL), recomendado no Protocolo de Kyo-to. Por sua vez, com a consolidação do complexoagroindustrial do etanol, a produção demandou autilização de tecnologia bem especí ca para a utili-zação e o aproveitamento da água em várias etapasdo processo produtivo. A expansão da produçãono país nos últimos anos conduz a uma análise douso racional da água, de tal modo que permita a

    continuidade da expansão da produção do referidobiocombustível.Este estudo faz uma análise acerca do uso da

    água e das principais estratégias de redução da suautilização ao longo da cadeia produtiva do etanol.

    A metodologia adotada seguiu a classi caçãode pesquisa proposta por Gil (2009), que leva emconsideração a forma de abordagem do problema,os objetivos e os procedimentos técnicos adotados.

    O estudo caracteriza-se como qualitativo e explora-tório, cujo procedimento técnico adotado foi pesqui-sa bibliográ ca.

    HISTÓRICO E CADEIA PRODUTIVA DOETANOL

    O cultivo da cana-de-açúcar remonta ao períodocolonial. Em 1975, foi criado oPrograma Nacionaldo Álcool (Pró-Álcool), com objetivo central de ala-vancar o processo tecnológico e produtivo de etanolno Brasil. Nesse período, o setor sucroalcooleiro foiamplamente bene ciado com políticas de conces -são de subsídios e incentivos agrícolas. A adoçãode políticas públicas de fomento e expansão do cul-tivo da cana colocou o país em posição de destaqueno cenário mundial.

    O Brasil, país de dimensões intercontinentais,dispõe de 71 milhões de hectares (ha) agriculturá-veis. São oito milhões destinados ao cultivo da ca-na-de-açúcar, sendo 3,6 milhões para a produçãode etanol (KOHLHEPP, 2010). Segundo Veríssimoe Andrade (2011), a plantação de cana-de-açúcar

    aumentou mais de 150% entre 1990 e 2009 e a pro-dução de etanol ultrapassou os 27 bilhões de litrosem 2010, o que representa um aumento de mais de138% em relação a 1990. Em 2011/2012, 51,81% dasafra da cana-de-açúcar foi utilizada para a produ-ção de etanol. A produção totalizou 22,68 bilhõesde litros, queda de 17,1% em relação ao período2010/11. Tal redução deveu-se, em parte, à desa-celeração mundial e à elevação do preço do açúcar(commodity ) no mercado internacional. Esta queda

    na produção interna de etanol foi compensada pelaimportação do produto (UNIÃO DAS INDÚSTRIASDE CANA-DE-ÁÇUCAR, 2012).

    O etanol (C2H5OH), também conhecido comoálcool etílico ou simplesmente álcool, é umasubstância orgânica obtida principalmente pelafermentação da sacarose de produtos como ca-na-de-açúcar, milho, uva e beterraba. Possui di-versas aplicações como solventes em processos

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    ANGELA MACHADO ROCHA, ANDRÉ DE GOES PATERNOSTRO, MARCELO SANTANA SILVA, PAULA MEYER SOARES, FABIO KONISHI

    Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.303-315, abr./jun. 2013 305

    industriais, antissépticos, conservantes, bebidas,desinfetantes, fármacos e combustível veicular(BASTOS, 2007).

    O Brasil produz etanol a partir da cana-de--açúcar e, segundo dados daUnião da Indústria de Cana--de-açúcar (Unica), em 2011,foram cerca de 9,6 milhõesde ha de terra cultivados quegeraram uma produção de620 milhões de toneladasde cana-de-açúcar. O Brasil é reconhecido mun-dialmente como precursor na produção de etanol,com amplo domínio das técnicas produtivas maisavançadas (UNIÃO DAS INDÚSTRIAS DE CANA--DE-ÁÇUCAR, 2012).

    Segundo dados da Empresa Brasileira de Agro-pecuária (Embrapa), um hectare cultivado de cana--de-açúcar no Brasil produz em média 4.420 kg deCO2. Em contrapartida, um hectare de cana-de-açú-car substitui 4.500 litros de gasolina, cuja combustãoemite 16 toneladas de CO 2 por ano para a atmosfe-ra. Em suma, para cada hectare de cana-de-açúcartransformado em álcool e utilizado em substituição à

    gasolina, tem-se uma redução de 12 toneladas nasemissões de CO 2 por ano (EMPRESA BRASILEIRADE PESQUISA AGROPECUÁRIA, 2010).

    O etanol é também produzido a partir do etenoderivado do petróleo. Ou ainda a partir da utilizaçãoda biomassa lignocelulósica proveniente de resídu-os naturais (palha, sabugo de milho, bagaço etc).Este processo envolve a utilização de processosquímicos por meio do emprego de ácidos ou deenzimas para a quebra de moléculas de celulose

    e produção de açúcares. A utilização da biotecno-logia para a produção do etanol é considerada umavanço indiscutível na cadeia produtiva do com-bustível (KAMM; KAMM; GRUBER, 2005).

    O emprego da biomassa proveniente do bagaçoda cana-de-açúcar é de apenas 17%. Quase todaa palha de cana é queimada ou deixada no cam-po, provocando um enorme desperdício. A utiliza-ção dessa biomassa aumentaria o aproveitamento

    energético de 21% para 50% (COMPANHIA AM-BIENTAL DO ESTADO DE SÃO PAULO, 2002).

    A produção de etanol requer uso intensivo de re-cursos hídricos. Ou seja, o uso da água destina-se

    não somente para a irrigaçãodo solo propriamente dito,mas para todo um processoprodutivo, que inclui desde alavagem da cana até a fer-mentação do caldo produzi-do nas etapas do processo.

    Existe uma grande variação no consumo deágua causada basicamente pelo desconhecimentodas reais necessidades hídricas da indústria, va-riando de 2 a 20 m³ de água para cada tonelada decana-de-açúcar esmagada. A depender do tipo desistema empregado nas etapas produtivas, o maiorconsumo de água ocorre, em geral, na etapa delavagem da cana-de-açúcar (UNIÃO DAS INDÚS-TRIAS DE CANA-DE-ÁÇUCAR, 2012).

    A União das Indústrias de Cana-de-açúcar(2012) aponta que cada tonelada de álcool hidra-tado produzido na cadeia do etanol demanda cer-ca de 125 toneladas de água, isto apenas para a

    utilização nos processos de lavagem, moagem,fermentação, destilação, produção de vapor e lava-gem de equipamentos.

    Conforme a Companhia Ambiental do Estadode São Paulo (Cetesb), o uso de água varia deacordo com a tipologia do processo industrial ado-tado nas usinas que produzem açúcar ou etanol.Em usinas onde são produzidos 100% de açúcar,são consumidos 30 m³/t. cana. Em uma destilariacom 50% de açúcar e 50% etanol, o uso é de 21

    m³/t. cana. E, nalmente, para usinas com pro -dução de 100% etanol, o uso é de 15 m³/t. cana(COMPANHIA AMBIENTAL DO ESTADO DE SÃOPAULO, 2002).

    Apesar do ainda grande volume de água utili-zado no processo industrial entre a captação e olançamento de despejo, percebe-se que, ao longodo processo produtivo, os mecanismos de contro-les internos e reuso estão sendo cada vez mais

    A depender do tipo de sistemaempregado nas etapas

    produtivas, o maior consumo deágua ocorre, em geral, na etapade lavagem da cana-de-açúcar

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    A PRODUÇÃO DE ETANOL: UMA ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS PARA A REDUÇÃO DO CONSUMO DE ÁGUA

    306 Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.303-315, abr./jun. 2013

    aplicados. Algumas unidades industriais estabele-cem diretrizes de uso e reuso de água, com o ob- jetivo de captação mínima e lançamento zero, comvistas a um melhor gerencia-mento do processo. Em al-guns casos são empregadaspráticas de redução e reu-so de água, como circuitosfechados com torres, bemcomo lançamento de águasresiduais para lavoura.

    A seguir serão apresentadas detalhadamente asprincipais etapas do processo produtivo de etanol.

    Etapas de produção do etanol

    A produção do etanol a partir do uso da cana--de-açúcar requer o cumprimento de algumas eta-pas de preparo da cana para que se possa extrair oproduto nal. A Figura 1 mostra um exemplo típicode uma usina industrial mista sobre o processo deprodução de açúcar, melaço e etanol (álcool).

    Na Figura 1, percebem-se claramente as opera-ções abrangidas no processo de produção de uma

    usina de etanol (pesagem, estocagem, lavagem,preparo/moagem, clari cação do caldo, evapora -ção, cozimento/turbinação) e de uma destilaria (fer-mentação/centrifugação, destilação). Também seobservam as perdas envolvidas na produção de ál-cool (no bagaço, na torta, na fermentação, na vinha-ça, perdas indeterminadas e principalmente perdasna água de lavagem) (PAIVA; MORABITO, 2007).

    Paiva e Morabito (2007) demonstram que umprocesso de produção do etanol na fase industrial

    pode ser esquematizado de acordo com as seguin-tes etapas:1) pesagem : esta etapa inclui a amostragem e

    a recepção da cana. Tem como objetivo de -nir o teor de sacarose e de bras e também opercentual de sólidos solúveis. O descarrega-mento deve ser mecanizado, sem haver arma-zenamento da cana para se evitar a perda desacarose.

    2) lavagem da cana-de-açúcar : nesta etapa re-tiram-se impurezas como terra, areia e outrassubstâncias que possam dani car as máqui -

    nas. Assim, também reduz-seo desgaste dos equipamen-tos envolvidos no processo,além de se obter um caldo demelhor qualidade. Recomen-da-se que a lavagem da canaseja realizada antes da moa-gem. Se feita com a cana pi-

    cada, pode ocorrer um arraste muito grande desacarose pela água. Para reduzir a quantida-de de água, deve-se eliminar a despalha comfogo, diminuindo assim a aderência de terra epedregulhos. Outra medida recomendada é re-alizar a lavagem em mesa separada daquelaonde ocorre o des bramento, o que evita perdade bagacilho aderido.

    3) preparação para a moagem ou difusão : nes-ta fase, a cana é picada para facilitar a moageme passa por um eletroímã para retirar materiaisferrosos e componentes metálicos.

    4) processo de moagem ou difusão : este pro-

    cesso consiste em deslocar o caldo contido nacana, que é constituída basicamente de caldoe bra. Passa-se a cana entre dois rolos, sobredeterminada pressão e rotação. Na extraçãopor moagem, a separação é feita pela pressãomecânica dos rolos da moenda sobre o col-chão de cana des brada. Na difusão, a canaé conduzida em aparelhos conhecidos comodifusores, a m de que a sacarose adsorvidaao material broso seja diluída e removida por

    lixiviação ou lavagem num processo de contra-corrente. Durante a passagem do bagaço deuma moenda para outra, realiza-se a embebi-ção, ou seja, a adição de água ou caldo diluído,com a nalidade de se aumentar a extração desacarose. A moagem permite a produção deum bagaço nal com grande potencial energé-tico e que pode ser queimado e gerar energiapara a usina.

    Algumas unidades industriaisestabelecem diretrizes de uso e

    reuso de água, com o objetivo decaptação mínima e lançamentozero, com vistas a um melhorgerenciamento do processo

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    ANGELA MACHADO ROCHA, ANDRÉ DE GOES PATERNOSTRO, MARCELO SANTANA SILVA, PAULA MEYER SOARES, FABIO KONISHI

    Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.303-315, abr./jun. 2013 307

    Matéria-prima

    Pesagem

    Lavagem

    Preparo / Moagem

    Perdas na águalavagem

    Perdas no bagaçço

    Perdasindeterminadas

    Perdas das torta

    Perdas nafermentação

    Perdas na vinhaça

    Caldo misto

    Estocagem

    Caldo primário

    Clari cação do caldo

    Caldo clari cado

    Mosto

    ÁlcoolMel nal Áçúcar

    Evaporação

    Cozimento Turbinação Fermentação/Centrifugação

    Destilação

    TS 2

    TM

    TS 1

    SJM 1 - SJM

    Tipos de açúcar:Standard; Superior; Especial; Extra;

    VHP; VVHP; Demerara

    Mel nal:comercializado;

    Melaço.

    Tipos de álcool: Anidro (AEAC);

    Hidratado (AEHC).

    Figura 1Fluxograma do processo de produção de açúcar, melaço e etanol (álcool)

    Fonte: Paiva e Morabito (2007).

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    A PRODUÇÃO DE ETANOL: UMA ANÁLISE DAS ESTRATÉGIAS PARA A REDUÇÃO DO CONSUMO DE ÁGUA

    308 Bahia anál. dados, Salvador, v. 23, n. 2, p.303-315, abr./jun. 2013

    5) extração do caldo por moagem ou difu-são : para redução da quantidade de águanecessária é feita uma operação de retornodo caldo diluído extraído. Assim, ao nal daoperação, faz-se a lavagem com água fresca.O líquido obtido dessa lavagem, contendo al-guma sacarose que se conseguiu extrair dobagaço, é usado na lavagem anterior por serum pouco mais rico, e assim sucessivamente.Esse retorno pode ser efetuado de cinco a 25vezes, dependendo do grau de esgotamentodesejado.

    Com difusores obtém-se e ciência de extraçãoda ordem de 98%, contra 96% conseguidoscom a extração por moendas. Entretanto, osdifusores carregam mais impurezas, como obagaço, para as caldeiras, exigindo maior lim-peza destas.

    6) clarifcação : o caldo de cana-de-açúcar obtidono processo de extração apresenta uma quan-tidade e qualidade variável de impurezas taiscomo areia, argila e bagacilho, cujos teores va-riam de 0,1% a 1%. O caldo é submetido a pe-neiras e hidrociclones que funcionam utilizan-

    do um uxo da água injetado por uma bombahidráulica para remoção de impurezas. Aindaassim o caldo não está puro. Segue então paraum tanque, onde é submetido a um tratamentoquímico de clareação. O tratamento do caldocom adição do hidróxido de cálcio (leite de cal)provoca a oculação e a decantação das im -purezas, além de proteger os equipamentoscontra a corrosão. Entretanto, o excesso decal pode afetar o crescimento da levedura em

    certas culturas.7) aquecimento: nesta etapa, o caldo clari ca -

    do é aquecido a aproximadamente 105ºC emtrocadores de calor, constituídos por um feixetubular, pelo qual passa o caldo, localizado nointerior de um cilindro por onde circula vapor deágua saturado. O aquecimento reduz a conta-minação microbiana, evitando a formação deespumas durante o processo fermentativo.

    8) decantação: esta fase visa à separação, porgravidade, de impurezas com mínima remo-ção de nutrientes. O caldo clari cado é sub -metido à decantação. As impurezas se depo-sitam no fundo do tanque, formando um lodoque serve como adubo.

    9) concentração do caldo : a concentração docaldo para produção e armazenamento de xa-rope serve tanto para a elevação do teor deaçúcar total do mosto – líquido açucarado quepode ser fermentado, com consequente au-mento do teor alcoólico –, quanto para se ga-rantir a continuidade do processo fermentativoem paradas de moagem. No caso de armaze-namento de xarope, sua concentração deve serelevada sem, contudo, atingir um limite próximoao crítico da cristalização.

    10) fermentação: nesta etapa, é importante quese misture ao mosto uma quantidade de le-veduras (fermentos) capazes de converter osaçúcares em etanol e gás carbônico, dentro dedeterminadas condições. O preparo do mostode melaço se constitui em uma correção dosaçúcares totais por meio de diluição. O pH que

    favorece o desenvolvimento das levedurasdeve estar na faixa de 4,5 a 5. Uma vez pre-parados o fermento e o mosto, ambos serãomisturados em grandes tanques (dornas) defermentação, momento em que as levedurastransformarão os açúcares em gás carbônicoe etanol, sendo este último o objetivo desseprocesso industrial. Após a fermentação, veri-

    cam-se a diminuição da temperatura do vinho,a elevação da acidez e a diminuição da ativida-

    de de fermentação da levedura.11) destilação: o vinho resultante da fermentação domosto possui uma composição complexa, comelementos de natureza líquida, sólida e gasosa.Para separar o etanol dos demais componentesdo vinho, empregam-se várias destilações espe-ciais, que são baseadas na diferença do ponto deebulição das substâncias voláteis. A primeira é apuri cação do vinho, também chamada de etapa

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    ANGELA MACHADO ROCHA, ANDRÉ DE GOES PATERNOSTRO, MARCELO SANTANA SILVA, PAULA MEYER SOARES, FABIO KONISHI

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    de depuração, com a eliminação parcial de impu-rezas (compostos) como aldeídos e ésteres. Estaoperação resulta no vinho depurado e uma fraçãodenominada álcool bruto de segunda. O vinho de-purado é em seguida sub-metido a uma nova des-tilação, da qual resultamduas frações: o egma,que é o produto principalda destilação constituídopor uma mistura impurade água e álcool, e a vinhaça, um resíduo aquosode destilação do vinho. O egma é então subme -tido à operação de reti cação para separação dosalcoóis superiores e concentração do destiladoaté o grau alcoólico do etanol hidratado (97%).Para o etanol hidratado ser concentrado a etanolanidro, é necessária uma etapa de desidratação,realizada por destilação com agente desidratador,como o ciclohexano, ou por peneira molecular.

    USO DA ÁGUA

    As reservas de água do planeta se distribuemirregularmente. O Brasil detém 12% de água docemundial e 25% das águas doces disponíveis. O con-sumo de água no Brasil é destinado em torno de 61%à agropecuária; 21% ao uso urbano e 18% à indús-tria. A Agência Nacional de Águas (ANA) projeta oconsumo de água pelo setor industrial em 2025 paraalgo perto de 1.170 m 3/ano, contra os atuais 257,21m3/ano (AGÊNCIA NACIONAL DA ÁGUA, 2000).

    O etanol tem-se apresentado como uma das

    soluções para minimizar os efeitos do esgotamen-to das fontes energéticas fósseis. No entanto, éimportante considerar os efeitos gerados ao meioambiente decorrentes da expansão dessa produçãoe do cultivo da cana-de-açúcar.

    A água é um insumo essencial na produção deetanol e seu custo está diretamente associado aomodelo de produção adotado pelos produtores. Éimportante observar a forma de uso e reuso dos

    recursos hídricos na cadeia produtiva e seus efeitosnos custos de produção.

    Redução do uso da água no plantio

    Segundo Allan (1998),o cálculo da quantidade deágua que se utiliza para aprodução de commoditiespode ser tratado através deuma análise do conceito de

    “água virtual”. Este conceito engloba a quantida-de de água gasta para produzir um bem, produtoou serviço. É uma medida indireta dos recursoshídricos consumidos no processo produtivo, nãoapenas no sentido visível, físico, mas também nosentido virtual, embutida no produto. O cálculo daágua virtual de produtos primários é obtido pela re-lação entre a quantidade total de água usada nocultivo e a produção expressa em m³/t.

    Esta estimativa é feita em função do tipo desolo, clima, técnica de plantio, irrigação, entre ou-tros. Quanti cada a água virtual obtida do produtoprimário, pode-se mapeá-la através de um inventá-

    rio hídrico, seguido de acompanhamento dos váriospassos para obtenção do produto nal.Hoekstra (2011) a rma que o comércio global

    movimenta um volume anual de água virtual da or-dem de 1.000 a 1.340 km³, sendo que 67% dessetotal está relacionado com o comércio de produtosagrícolas; 23%, com o comércio produtos animais,e 10% estão relacionados a produtos industriais.

    O estudo de Gerbens-Leenes, Hoekstra e Vander Meer (2009) calcula a pegada da água – Water

    Footprint (WF) – de culturas energéticas através darelação entre o rendimento energético de uma