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A Pedagogia da esperança: um reencontro com a pedagogia do oprimido é um livro assim, escrito com raiva, com amor, sem o que não há esperança. Uma defesa da tolerância, que não se confunde com a conivência, da radicalidade; uma crítica ao sectarismo, una compreensão da pós-modernidade progressista e uma recusa à conservadora, neoliberal. 6 – Não terá sido você, Paulo, quem não os entendeu? – perguntou Elza, e continuou: – Creio que entenderam o fundamental de sua fala. O discurso do operário foi claro sobre isto. Eles entenderam você mas precisavam de que você os entendesse. Esta é a questão 14 É por isso que, alcançar a compreensão mais crítica da situação de opressão não liberta ainda os oprimidos. Ao desvelá-la, contudo,dão um passo para superá-la desde que se engagem na luta política pela transformação das condições concretas em que se dá a opressão. O que quero dizer é o seguinte: enquanto no meu caso, foi suficiente conhecer a trama em que meu sofrimento se gestava para sepultála, no domínio das estruturas sócio-econômicas, a percepção critica da trama, apesar de indispensável, não basta para mudar os, dados do problema. Como não basta ao operário ter na cabeça a idéia do objeto que quer produzir. É preciso fazê-la. 16 Ninguém deixa seu mundo, adentrado por suas raízes, com o corpo vazio ou seco. Carregamos conosco a memória de muitas tramas, o corpo molhado de nossa história, de nossa cultura; a memória, às vezes difusa, às vezes nítida, clara, de ruas da infância, da adolescência; a lembrança de algo distante que, de repente, 16

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A Pedagogia da esperana: um reencontro com a pedagogia do oprimido um livro assim, escrito com raiva, com amor, sem o que no h esperana. Uma defesa da tolerncia, que no se confunde com a conivncia, da radicalidade; uma crtica ao sectarismo, una compreenso da ps-modernidade progressista e uma recusa conservadora, neoliberal. 6

No ter sido voc, Paulo, quem no os entendeu? perguntou Elza, e continuou: Creio que entenderam o fundamental de sua fala. O discurso do operrio foi claro sobre isto. Eles entenderam voc mas precisavam de que voc os entendesse. Esta a questo 14

por isso que, alcanar a compreenso mais crtica da situao de opresso no liberta ainda os oprimidos. Ao desvel-la, contudo,do um passo para super-la desde que se engagem na luta poltica pela transformao das condies concretas em que se d a opresso. O que quero dizer o seguinte: enquanto no meu caso, foi suficiente conhecer a trama em que meu sofrimento se gestava para sepultla, no domnio das estruturas scio-econmicas, a percepo critica da trama, apesar de indispensvel, no basta para mudar os, dados do problema. Como no basta ao operrio ter na cabea a idia do objeto que quer produzir. preciso faz-la. 16

Ningum deixa seu mundo, adentrado por suas razes, com o corpo vazio ou seco. Carregamos conosco a memria de muitas tramas, o corpo molhado de nossa histria, de nossa cultura; a memria, s vezes difusa, s vezes ntida, clara, de ruas da infncia, da adolescncia; a lembrana de algo distante que, de repente, 16

Creio importante chamar a ateno nesta altura para algo que se acha enfatizado na Pedagogia do oprimido a relao entre a clareza poltica na leitura do mundo e os nveis de engajamento no processo de mobilizao e de organizao paraa luta, para a defesa dos direitos, para a reivindicao da justia. 21

Uma coisa trabalhar com grupos populares experimentando-se da maneira como aqueles camponeses o faziam naquela noite, outra trabalhar com grupos populares que ainda no conseguiram "ver" o opressor "fora" de si. 21

A temtica, que foi sendo levantada na medida em que nos fomos adentrando no texto, desvelando-o, rica e plural, fazia com que o tempo passasse sem que percebssemos.No houve intervalo durante os encontros em que discutimos Cio, tal a paixo com que nos entregamos ao trabalho. 36

No h como no repetir que ensinar no a pura transferncia mecnica do perfil do contedo que o professor faz ao aluno, passivo e dcil. Como no h tambm como no repetir que, partir do saber que os educandos tenham no significa ficar girando em torno deste saber. Partir significa pr-se a caminho, ir-se, deslocar-se de um ponto a outro e no ficar, permanecer. Jamais disse, como s vezes sugerem ou dizem que eu disse, que deveramosgirar embevecidos, em torno dosaber dos educandos, como a mariposa em volta da luz. 37Partir do "saber de experincia feito para super-la no ficar nele. 37A mim, desde muito jovem, sempre me agradou um discurso sem arestas, no importa se feito por um campons ingnuo diante do mundo ou por um socilogo do porte de Gilberto Freyre. Pouca gente neste pas, segundo penso, lidou com a linguagem com o bom gosto com que ele o fez. 38

Me lembro tambm da opinio de um jovem de 16 anos, filho de excelente aluna negra que tive em Harvard, a quem solicitei que lesse a traduo do primeiro captulo da Pedagogia, que acabara de chegar de Nova York. Na semana seguinte, me trouxe a dela e a do jovem filho a quem pedira que lesse o texto. Este texto", disse ele, "foi escrito sobre mim. Ele trata de mim". Admitamos, inclusive, que tenha tropeado numa ou noutra palavra alheia sua experincia intelectual, de jovem,o que, porm, no o fez perder a compreenso da totalidade.Sua experincia existencial, no contexto discriminatrio, o punha, desde o incio da leitura, simptico ao texto. 39

No vejo como seja legtimo a um estudante, a um(a) professor(a) fechar qualquer livro, e no apenas a Pedagogia do oprimido, dizendo simplesmente que sua leitura invivel porque no entendeu claramente a significao de um perodo. E faz-lo sem ter, sobretudo, dispendido nenhum esforo, sem ter se comportado com a seriedade necessria a quem estuda. ... s vezes, as pessoas prosseguem a leitura esperando, magicamente, na prxima pgina, captar o significado da palavra caso ela aparea de novo. 39

Ler um texto algo mais srio, mais demandante. Ler um texto no "passear licenciosamente, pachorrentamente, sobre as palavras. apreender como se do s relaes entre as palavras na composio do discurso. tarefa de sujeito crtico, humilde, determinado. 40

Respeitar os educandos, porm, no significa mentir a eles sobre meus sonhos, dizer-lhes com palavras ou gestos ou prticas que o espao da escola um lugar sagrado onde apenas se estuda e estudar no tem nada que ver com o que se passa no mundo l fora; esconder deles minhas opes, como se fosse pecado preferir, optar, romper, decidir, sonhar. Respeit-los significa,de um lado, testemunhar a eles a minha escolha, defendendo-a; de outro, mostrar-lhesoutras possibilidades de opo, enquanto ensino, no importa o qu... 41

A leitura e a escrita das palavras, contudo, passa pela leitura do mundo. Ler o mundo um ato anterior leitura da palavra. 41Meu dever tico, enquanto um dos sujeitos de uma prtica impassivelmente neutra a educativa exprimir o meu respeito s diferenas de idias e de posies. Meu respeitoat mesmo s posies antagnicas s minhas, que combato com seriedade e paixo. 41

Meu dever tico, enquanto um dos sujeitos de uma prtica impassivelmente neutra a educativa exprimir o meu respeito s diferenas de idias e de posies. Meu respeitoat mesmo s posies antagnicas s minhas, que combato com seriedade e paixo. 42

Uma das diferenas substantivas, porm, entre mim e osautores dessas crticas a mim feitas que, para mim, o caminho da superao daquelas prticas est na superao da ideologia autoritariamente elitista;

Ensinar a aprender s vlido, desse ponto de vista, repita-se, quando os educandos aprendem a aprender ao aprender a razo de ser do objeto ou do contedo. ensinando biologiaou outra disciplina qualquer que o professor ensina os alunos a aprender. Na linha progressista, ensinar implica, pois, que os educandos, em certo sentido, "penetrando o discurso do professor, se apropriem da significao profunda docontedo sendo ensinado. 42

Ensinar assim a forma que toma o ato de conhecimento que o(a) professor(a) necessariamente faz na busca de saber o que ensina para provocar nos alunos seu ato de conhecimento tambm. Por isso ensinar um ato criador, um ato crtico e no mecnico. 42

Ensinar um contedo pela apropriao ou a apreenso deste por parte dos educandos demanda a criao e o exerccio de uma sria disciplina intelectual a vir sendo forjada desde a pr-escola. Pretender a insero critica dos educandos na situao educativa, enquanto situao de conhecimento, sem essa disciplina, espera v. Mas, assim como no possvel ensinar a aprender, sem ensinar um certo contedo atravs de cujo conhecimento se aprende a aprender, no se ensina igualmente a disciplina de que estou falando a no ser na e pela prtica cognoscente de que os educandos vo se tornando sujeitos cada vez mais crticos. 42

Refiro-me insistncia com que, desde faz longo tempo, defendo a necessidade que temos, educadoras e educadores progressistas, de jamais subestimar ou negar os saberes de experincia feitos, com que os educandos chegam escola ou aos centros de educao informal. 43

Assim como errado ficar aderido ao local, perdendo-se a viso do todo, errado tambm pairar sobre o todo sem referncia ao local de onde se veio. 45

A luta de classes no o motor da histria mas certamente um deles. 47

Fazendo-se e refazendo-se no processo de fazer a histria, como sujeitos e objetos, mulheres e homens, virando seres da insero no mundo e no da pura adaptao ao mundo, terminaram por ter no sonho tambm um motor da histria. No h mudana sem sonho como no h sonho sem esperana. 47

a verdade, toda vez que o futuro seja considerado como um pr-dado, ora porque seja a pura repetio mecnica do presente, s adverbialmente mudado, ora porque seja o que teria de ser, no h lugar para a utopia, portanto para o sonho, para a opo, para a deciso, para a espera na luta, somente como existe esperana. No h lugar para a educao. S para o adestramento. 47

por isso que, do ponto de vista dos interesses das classes dominantes, quanto menos as dominadas sonharem o sonho de que falo e da forma confiante como falo, quanto menos exercitarem a aprendizagem poltica de comprometer-se com uma utopia, quanto mais se tornarem abertas aos discursos "pragmticos, tanto melhor dormiro as classes dominantes. 47

Os discursos neoliberais, cheios de "modernidade, no tm a fora suficiente para acabar com as classes sociais e decretar a inexistncia deinteresses antagnicos entre elas, como no tm foras para acabar com os conflitos e a luta entre elas. 49

No quero dizer, porm, que, porque esperanoso, atribuo minha esperana o poder de transformar a realidade e, assim convencido, parto para o embatesem levar em considerao os dados concretos, materiais, afirmando que minha esperana basta. Minhaesperana necessria mas no suficiente. Ela, s, no ganha a luta, mas sem ela a luta fraqueja e titubeia. Precisamos da herana crtica, como o peixe necessita da gua despoluda. 5

...a esperana precisa da prtica para tornar-se concretude histrica 5