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    A MATRIA DE FACTO NO PROCESSO CIVIL

    da petio ao julgamento)

    Dr. Henrique Arajo

    Juiz Desembargador na Relao do Porto

    INTRODUO

    Num ser humano o corpo funciona como o sistema de sustentao da vida.

    Quando o corpo soobra, resta a imaterialidade, o esprito, a alma.

    Num processo a matria de facto o corpo e o Direito a alma.

    Ambos so essenciais ao conjunto, em planos diferentes.

    Mas, nem sempre fcil a distino entre matria de facto e matria de direito.

    Razo tem Anselmo de Castroi quando afirma que a linha divisria entre o facto e o direito

    no tem carcter fixo, dependendo em considervel medida no s da estrutura da norma, como

    dos termos da causa; o que facto ou juzo de facto num caso poder ser direito ou juzo de

    direito noutro.

    A diferenciao entre matria de facto e matria de direito assume particular dificuldade

    quando se empregam termos que, para alm do seu sentido jurdico, tm uma generalizada

    significao na linguagem correnteii, isto , quando esses termos expressam um significado mdio

    em consequncia da experincia comum sobre os contedos referidos com a sua utilizao.

    Questo de facto , seguramente, tudo o que se reporta ao apuramento de ocorrncias da vida

    realiiie de quaisquer mudanas ocorridas no mundo exterior, bem como averiguao do estado,

    qualidade ou situao real das pessoas ou das coisas iv. Alm dos factos reais e dos factos externos,

    a doutrina tambm considera matria de facto os factos internos v, isto , aqueles que respeitam

    vida psquica e sensorial do indivduo, e os factos hipotticos vi, ou seja, os que se referem a

    ocorrncia virtuais.So claramente de classificar como matria de direito as actuaes respeitantes escolha das

    normas aplicveis ao caso concreto, sua interpretao, determinao do seu valor, sua

    legalidade e constitucionalidade, integrao das lacunas da lei e sua aplicao aos factos, bem

    como o apuramento dos efeitos derivados dessa aplicao vii.

    Na dinmica do processo civil no h estanquicidade absoluta entre facto e direito. Com

    efeito, em muitos passos do processo civil assiste-se a uma interpenetrao dos dois, a um

    movimentado pas de deux, para usar a feliz expresso de Antunes Varela viii.

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    A presente comunicao tratar da matria de facto desde a petio at ao julgamento,

    seguindo o modelo da aco declarativa comum, na forma ordinria, com uma ou outra incurso

    no direito probatrio.

    I. O DIREITO DE ACO

    A todo o direito, excepto quando a lei determine o contrrio, corresponde um processo

    adequado ao seu reconhecimento em juzo art. 2 do CPC (diploma a que pertencem todas as

    normas sem meno contrria). o que se designa por direito de aco, que tem consagrao

    constitucional no art. 20 da lei fundamental e cujo contedo integrado pelo poder de aceder ao

    tribunal para a proteco de direitos ou interesses legalmente tutelados.

    O direito de aco no tem natureza absolutaix. Conquanto a boa f no seja um pressuposto

    da constituio do direito de aco, no entanto pressuposto do seu exerccio no abusivox. A

    prpria essncia normativa do Direito impe a necessidade de o proteger contra a

    instrumentalizao, mais ou menos inteligente, das suas normas por parte dos destinatrios. Por

    isso que o uso anormal do processo sancionado com uma deciso impeditiva dos objectivos

    de simulao ou fraude processual (665).

    parte que, no exerccio do direito de aco, promove o impulso processual inicial, ficando

    assim investida numa situao jurdica activa, contrape-se a parte demandada, submetida aco

    e aos efeitos decorrentes do acto final.

    II.

    OS FACTOS NOS ARTICULADOS

    1.A Petio Inicial

    No o processo que faz os homens litigar, mas sim a vidaxi.

    Na origem de qualquer processo existe sempre um conflito surgido na vida de duas ou mais

    pessoas relativamente definio de uma situao jurdica.

    A instabilidade gerada pelas posies antitticas das pessoas envolvidas no conflito determina

    que uma delas decida recorrer ao tribunal para obter a sua resoluo.

    A liberdade da deciso sobre a instaurao do processo, emanando do princpio do

    dispositivo propriamente dito, cabe, em exclusivo, parte (disponibilidade da tutela

    jurisdicional). O tribunal no pode resolver o conflito de interesses que a aco pressupe sem

    que a resoluo lhe seja pedida por uma das partes (art. 3).

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    Vejamos o que acontece.

    O primeiro passo que um cidado d, com vista resoluo do conflito, recorrer a um

    advogado.

    Nessa ocasio, o cidado relata os factos ao advogado e informa-o do efeito prtico a que

    pretende chegar.

    Mas, como quando algum se dirige ao tribunal no pode limitar-se a dizer o que quer, tendo

    tambm de dizer por que motivo querxii, a pretenso da parte deve ser acompanhada da exposio

    dos respectivos fundamentos.

    Por isso, o advogado ter de proceder seleco e classificao dos factos, segundo critrios

    jurdicos, e redigir, depois, a petio inicial, concluindo pela deduo da pretenso.

    Esta pode dirigir-se a diversos efeitos (art. 4).

    Se a aco meramente declarativa, o autor pedir ao tribunal que verifique a existncia

    (declarao positiva) ou a inexistncia (declarao negativa) de determinado direito ou facto; se

    constitutiva, o autor designar a mudana que pretende obter na ordem jurdica e pedir que seja

    decretada essa mudana; se condenatria, especificar a prestao (de coisa ou de facto) a que se

    julga com direito e pedir que o ru seja condenado nessa prestaoxiii.

    A petio estrutura-se em quatro partes: cabealho, narrao, concluso e elementos

    complementares.

    A narrao compreende, precisamente, os factos e as razes de direito que servem de

    fundamento aco, ou seja, a causa de pedir (467, n. 1, al. d)).

    Pode definir-se como o conjunto dos fundamentos de facto e de direito da pretenso alegada

    pelo autor. Integra a norma ou as normas alegadas, os factos principais alegados como suporte

    concreto dessas normas e os factos instrumentais alegados como substrato concreto desses factos

    principaisxiv.

    Convm que fique definido, desde j, o que se entende por factos principais e factos

    instrumentais, reportando-se, uns e outros, unicamente matria que fundamenta a procedncia

    da aco.

    A doutrina elabora tal distino atravs da norma alegada, como decorre, alis, do art. 511.Para saber quais de entre os factos alegados so os principais, h que averiguar a ou as normas

    invocadas pelo autor como fundamento da sua pretenso.

    Assim, se num dado caso se pretende aplicar a regra da responsabilidade contratual,

    evidente que a celebrao de determinado contrato essencial; mas se se pretende aplicar mesma

    situao a regra da responsabilidade extracontratual, j o contrato poder no ser facto

    principalxv.

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    Para j, e porque voltaremos ao assunto, pode assentar-se na seguinte distino:

    - Factos principais so todos os que integram a causa de pedir, fundando o pedido;

    - Factos instrumentais so aqueles cuja funo apenas probatria; no substanciam ou

    preenchem as pretenses jurdico-materiais do autor, mas da sua prova pode inferir-se a prova dos

    factos principais.

    Na petio inicial o autor deve, portanto, expor os factos principais e instrumentais

    necessrios procedncia do pedido e, acessoriamente, mencionar as razes de direito, isto , a

    interpretao e aplicao das regras jurdicas aos factos narrados. Este o corolrio do

    acolhimento pelo nosso direito processual civil da teoria da substanciao, que implica para o

    autor a necessidade de articular os factos de onde deriva a sua pretenso, formando- -se o

    objecto do processo e, por arrastamento, o caso julgado, apenas relativamente aos factos

    integradores da causa de pedir invocadaxvi.

    Os fundamentos de facto e de direito devem estar para o pedido na mesma relao lgica em

    que as premissas dum silogismo esto para a conclusoxvii.

    Quando falte ou seja ininteligvel a causa de pedir, a petio inepta (193, n. 2, al. a)), ainda

    que a apreciao desse vcio de contedo apenas tenha lugar, ao contrrio do que sucedia antes da

    reforma de 95/96xviii, depois da apresentao de todos os articulados, salvas as situaes

    contempladas no art. 234, n. 4, als. a) a e), por fora do n. 1 do art. 234-A.

    Para efeitos de petio inicial, a causa de pedir ter de ser constituda, no mnimo, pelos

    elementos de facto e de direito que permitam ao ru contestar ou que, por outro lado, permitam

    logo um juzo de mrito no caso de ocorrer revelia do ru (484) xix.

    O caso especfico das aces de simples apreciao negativa:

    Neste tipo de aces a causa de pedir constituda pela alegao da inexistncia do direito ou

    do facto concreto e ainda pelos factos indiciadores do estado de incerteza ou de insegurana que

    justificam a demanda judicialxx.

    A alegao dos factos constitutivos da situao negada pelo autor incumbe ao ru (343, n. 1,

    do CC), que fica onerado com a demonstrao desses factos.Este critrio especial do onus probandi assenta na ideia de que mais fcil ao ru provar a

    existncia de um direito ou de um facto contestado pelo autor, visto que impor a este a prova da

    inexistncia do direito ou do facto em questo seria for-lo a uma prova impossvel ou muito

    difcilxxi.

    Algumas palavras ainda para a causa de pedir complexa e para as causas de pedir mltiplas.

    A causa de pedir complexa ocorre quando assenta num facto complexo. No so diversos

    factos mas um s e este em si complexo xxii.

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    Dois casos, entre muitos, para ilustrar essa situao:

    Nas aces de acidente de viao a causa de pedir complexa constituda, no apenas pelo

    acidente, nem apenas pelos prejuzos, mas tambm pelo conjunto dos factos exigidos por lei para

    que surja o direito de indemnizao e a correlativa obrigao. Referimo-nos, claro est, aos

    indispensveis nexos causais, seja a ttulo de risco ou de culpa do responsvel xxiii.

    Nas aces de demarcao, so elementos da causa de pedir complexa a existncia de

    propriedade confinante e a incerteza ou discusso sobre as estremas dos prdiosxxiv.

    Nas causas de pedir mltiplas associam-se tantas causas de pedir quantas as previses

    normativas invocadas, independentemente de os factos concretizadores desses fundamentos

    serem, numa perspectiva natural, os mesmos.

    Exemplos frequentes so os das aces de despejo em que so avanados diversos

    fundamentos fcticos para a resoluo do contrato de arrendamento e os das aces de divrcio

    em que o cnjuge demandante invoca factos integradores da violao de vrios deveres conjugais.

    A apresentao em juzo da petio inicial marca o momento da propositura da aco.

    2.A Contestao/Reconveno

    Proposta a aco, o ru, depois de citado, pode contestar.

    A contestao obedece mesma estrutura formal da petio inicial.

    Quando o ru contestaxxv, a contestao pode servir duas finalidades: a de defesa e/ou a de

    contra-ataque.

    Na primeira, o ru responde petio inicial, tomando posio sobre o que a se alega e

    manifestando oposio ao pedido formulado pelo autor; na segunda, o ru deduz pedido(s)

    contra o autor.

    Em princpio, a defesa, toda a defesa, deve ser deduzida na contestao, por imposio do art.

    489, n. 1, que consagra o princpio da concentrao da defesa.

    A contestao-defesa pode revestir duas modalidades: defesa por impugnao, directa ouindirecta, e defesa por excepo (487, n. 2).

    A impugnao directa quando o ru contradiz os factos alegados pelo autor (p. ex.: no

    verdade o alegado no art. 7 da petio inicial, uma vez que no dia e hora a referidos o ru no

    derrubou o muro de suporte de terras edificado no terreno do autor).

    A impugnao indirecta ou motivada quando o ru afirma que as coisas se passaram de

    modo parcialmente diverso e com outra significao jurdica (p. ex.: o ru declara ter recebido

    determinada quantia em dinheiro, reclamada pelo autor, mas a ttulo de liberalidade e no de

    emprstimo).

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    Na defesa por excepo cabem os factos que obstam apreciao do mrito da causa, e que

    conduzem, ou podem conduzir, absolvio da instncia ou remessa do processo para o

    tribunal competente (defesa por excepo dilatria), e os factos impeditivos, extintivos ou

    modificativos do efeito jurdico visado pelo autor, que, procedendo, tm como consequncia a

    absolvio total ou parcial do pedido (defesa por excepo peremptria).

    Teremos que nos deter mais um pouco nesta modalidade de defesa por excepo peremptria.

    Com efeito, uma vez que a prova dos factos que a comportam tem de ser feita pelo ru,

    necessrio ter em considerao esse nus probatrio aquando da seleco dos factos relevantes

    para a deciso da causa (342, n. 2).

    Como tipicamente impeditivos devem qualificar-se os factos susceptveis de obstar a que o

    direito do autor se tenha validamente constitudo [exs: o erro na declarao (247 CC), o dolo

    (253, n. 1 e 254 CC), a incapacidade acidental (257 CC), a nulidade do negcio (240 e 280

    CC)].

    Factos extintivos so os que tenham produzido a cessao do direito do autor, depois de j

    formado validamente [exs: o pagamento (762, n. 1, CC), a caducidade (298, n. 2, CC), a

    prescrio (298, n. 1, CC), a compensao (847 CC)].

    Por ltimo, revestem a natureza de modificativos os factos que possam ter alterado o direito

    validamente constitudo [exs: a excepo de no cumprimento do contrato (428 CC), a mudana

    do local de uma servido, a condio suspensiva (270 CC)].

    O ru deve tomar posio definida sobre os factos articulados na petio (490, n. 1), ainda

    que no tenha que impugnar separadamente cada um desses factos, como acontecia antes da

    reforma de 95/96.

    H quem entenda que a contestao por mera negao satisfaz o nus de impugnaoxxvido

    art. 490, n. 1. H tambm quem entenda o contrrio xxvii. H, por fim, uma posio intermdia,

    com a qual mais nos identificamos, que vem expressa no acrdo do STJ de 14.12.2004xxviii, cujo

    sumrio transcrevemos:

    1.Aps a reforma do Cdigo de Processo Civil que entrou em vigor em 01.01.1997 a

    impugnao, pelo ru, dos factos articulados na petio inicial no tem que fazer-se, como dantes,facto por facto, individualizadamente, de modo rgido; pode ser genrica.

    2.E tendo sido eliminado, por outro lado, o nus de impugnao especificada, de concluir

    que a contestao por negao deixou em princpio de ser proibida.

    3.Todavia, recaindo agora sobre o ru o nus de tomar "posio definida" sobre os factos da

    petio, s caso a caso possvel ajuizar acerca da observncia da norma do art. 490, n 1, do

    CPC.

    4.Isto porque a "posio definida", ncleo irredutvel do nus de impugnao legalmente

    estabelecido, pode ter que assumir em concreto os contornos e a intensidade mais diversos,

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    estando dependente, quer da estruturao da aco em termos de facto, quer da prpria estratgia

    de defesa delineada pelo ru (defesa directa e - ou - defesa indirecta)

    Independentemente do argumentrio que se jogue em defesa de qualquer uma destas posies,

    o que temos como certo que o ru deve, no mnimo, impugnar de forma clara, frontal e

    concludente os factos essenciais.

    Os factos instrumentais no tm que ser directamente impugnados; basta que o ru impugne

    o facto principal, visto que este ltimo que integra a causa de pedir, ficando assim

    indirectamente impugnados os factos instrumentais que a ele permitem chegarxxix. Todavia, se o

    autor apenas tiver alegado factos instrumentais, seja porque a lei deles retira a prova do facto

    principal, por presuno legal, ou porque confia em que deles seja retirada pelo julgador a ilao

    que o firma (349 CC), o ru deve impugn-losxxx.

    Os factos que no tiverem sido impugnados consideram-se admitidos por acordo, salvo em

    trs situaes (490, n. 2): (i) estarem em oposio com a defesa considerada no seu conjunto; (ii)

    no ser admissvel confisso sobre eles; (iii) s poderem ser provados por documento escrito.

    A primeira ressalva ocorre quando o ru no tenha tomado posio definida sobre

    determinado facto, mas haja impugnado outro incompatvel com aquele ou dele dependente.

    A segunda excepo verifica-se quando o ru no se tenha pronunciado sobre determinado

    facto alegado pelo autor que no admita confissoxxxi.

    Por fim, a terceira excepo funciona nos casos em que o facto no impugnado s pode ser

    provado por documento escritoxxxii.

    Se o ru declarar que no sabe se determinado facto real, a declarao equivale a confisso

    quando se trate de facto pessoal ou de que deva ter conhecimento e equivale a impugnao no

    caso contrrio (490, n. 3).

    Alm da possibilidade de se defender, o ru tem tambm a oportunidade de, na contestao,

    dirigir pedidos reconvencionais contra o autor, colocando este no papel de ru. Nesse caso, tudo

    se passa como se existissem no mesmo processo duas aces, com dois ou mais objectos

    processuais cruzadosxxxiii

    , incumbindo ao ru, tal qual como ao autor na petio inicial, a tarefa deexpor os factos e as razes de direito em que funda a reconveno, nos termos da al. d) do n. 1

    do art. 467 (501).

    No este o momento de indagarmos todas as condies materiais e processuais de

    admissibilidade da reconveno (274), que so bem mais restritivas dos que as vigentes no direito

    estrangeiroxxxiv. Incidiremos apenas a anlise na previso da alnea a) do n. 2 do art. 274, que a

    nica que tem ligaes com o tema desta comunicao.

    Diz-se nessa alnea que a reconveno admissvel quando o pedido do ru emerge do facto

    jurdico que serve de fundamento aco ou defesa.

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    O que isto significa que a causa de pedir, para efeitos de admissibilidade de reconveno,

    deve ser definida atravs do facto principal comum a ambas as contra-pretenses.

    Para se saber se estar preenchido o requisito do art. 274, n. 2, al. a), devem eleger-se, de

    entre os factos alegados, aqueles que, atravs das normas jurdicas invocadas, se apresentam como

    principais. Estabelecidos estes, se um deles for principal para a aco e para a reconveno, haver

    identidade de causa de pedir, sendo a reconveno admissvelxxxv.

    Ser o caso, por exemplo, de uma aco em que a causa de pedir alegada pelo autor um

    contrato de prestao de servios, do qual decorrem obrigaes para ambas as partes; no entender

    do autor, o ru no cumpriu as obrigaes que sobre si impendiam; j no entender do ru, as

    obrigaes decorrentes desse contrato foram defeituosamente cumpridas pelo autor, reclamando

    deste uma indemnizao pelos prejuzos causados.

    3.A Rplica e a Trplica

    contestao pode o autor responder atravs da rplica, desde que o articulado se destine a

    contraditar a matria de qualquer excepo deduzida pelo ru ou a deduzir toda a defesa quanto

    matria da reconveno (502, n. 1). Nas aces de simples apreciao negativa, a rplica serve

    tambm para o autor se pronunciar sobre os factos constitutivos do direito alegado pelo ru

    (502, n. 2). Acessoriamente, a rplica pode tambm ser usada para o autor alterar ou ampliar o

    pedido ou a causa de pedir (273, ns 1 e 2).

    A trplica pode surgir como quarto articulado, constituindo, em sentido formal, a resposta

    do ru rplica.

    Serve, em sentido materialxxxvi, para o ru responder s excepes que o autor tenha oposto ao

    pedido reconvencional, para impugnar a modificao do pedido ou da causa de pedir efectuada

    pelo autor na rplica, ou para contestar a nova causa de pedir e/ou o novo pedido apresentado

    pelo autor na rplica (503).

    Tanto a rplica como a trplica so articulados eventuais, no sentido em que a sua deduo

    apenas tem lugar nas situaes enunciadas.

    4.O Articulado Superveniente

    A lei processual civil permite que a parte a quem aproveitem alegue, em articulado posterior

    ou em novo articulado, os factos constitutivos, modificativos ou extintivos do direito que forem

    supervenientes (506, n. 1).

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    A supervenincia factual ou objectiva quando os factos ocorrem posteriormente ao termo

    do prazo para apresentao dos articulados normais; ser subjectiva quando os factos se tenham

    verificado antes desses momentos, mas a parte deles s tenha tomado conhecimento

    posteriormente (506, n. 2).

    Os factos supervenientes alegados que interessem deciso da causa so includos na base

    instrutria; se esta j estiver elaborada, ser-lhe-o aditados, aplicando-se o disposto no art. 511

    (506, n. 6xxxvii).

    A admissibilidade de alegao de factos supervenientes prende-se no s com razes de

    economia processual, mas tambm com a necessidade de aproximao a uma justia efectiva,

    tendo em vista o objectivo fixado no n. 1 do art. 663, ou seja, o de que a deciso corresponda

    situao existente no momento do encerramento da discusso.

    Os factos supervenientes modificativos e extintivos do direito invocado pelo autor ou pelo

    ru reconvinte so sempre atendidos na sentena. J os factos constitutivos desse direito s so

    atendidos na medida em que se no traduzam numa alterao da causa de pedir no permitida

    nos arts. 272 e 273, conforme decorre do promio do n. 1 do art. 663 xxxviii.

    III.ALTERAO/AMPLIAO DA CAUSA DE PEDIR

    O princpio da estabilidade da instncia, firmado no art. 268, tem como finalidade evitar

    que possa ser livremente modificado o elemento subjectivo ou o objecto do processo, pois com

    isso prejudicar-se-ia o regular andamento da causa e a administrao da justia.

    Segundo aquela norma, com a citao do ru estabiliza-se a instncia quanto s pessoas e

    quanto o objecto do processo (causa de pedir e pedido), apenas se admitindo as modificaes

    previstas na lei.

    Com efeito, mesmo depois de o ru ter sido citado, permitida a alterao ou ampliao do

    objecto do processo, embora sejam impostas algumas condicionantes temporais.

    Analisaremos a questo apenas na vertente da causa de pedir.

    A alterao da causa de pedir tem-se por verificada quando forem alegados factos que nocoincidam minimamente com os factos constitutivos da pretenso material originariamente

    invocada.

    Se houver acordo das partes, a causa de pedir pode ser alteradaxxxixou ampliada xlem qualquer

    altura, at ao julgamento em 2 instncia (272). Compreende-se que no seja possvel alterar ou

    ampliar a causa de pedir no decurso do recurso de revista para o STJ, uma vez que em tal recurso

    apenas se aprecia matria de direito (721 do CPC e 26 da LOFTJ). O STJ no controla a matria

    de facto nem revoga por erro no seu apuramento (722, n. 2 e 729, n. 2). Pode, no entanto,

    exercer o controlo da observncia do direito probatrio material o que conduzir, eventualmente,

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    alterao da matria de facto seleccionada nas instncias inferiores sempre que se verifique a

    ofensa de uma disposio expressa de lei que exija certa espcie de prova para a existncia do facto

    ou que fixe a fora de determinado meio de prova (722, n. 2, 2 parte).

    Tambm no ser possvel a alterao/ampliao at 2 instncia, se a alterao ou

    ampliao perturbar inconvenientemente a instruo, discusso e julgamento do pleito. Esse juzo

    envolve uma apreciao tcnica, mas no liberdade de escolha da soluo a adoptar, que

    vinculada pela concluso a que o juiz chegue nessa apreciao, no se inscrevendo, pois, em

    qualquer poder discricionrio do juizxli.

    Diga-se ainda que no tribunal de 2 instncia a alterao ou ampliao no pode ser admitida

    quando implique instruo que no seja atravs de prova documental, o que significa que a bem

    pouco se reduzir essa possibilidadexlii.

    No havendo acordo das partes, a causa de pedir pode ser alterada ou ampliada apenas at

    rplica, a no ser que a alterao ou ampliao seja consequncia de confisso feita pelo ru e

    aceita pelo autor (273, n. 1).

    Bem vistas as coisas, este ltimo segmento da norma reconduz-nos a uma situao de acordo

    das partes sobre a alterao/ampliao da causa de pedir. De facto, se o ru faz confisso e com

    base nela o autor altera o pedido, evidente que no fundo essa alterao/ampliao no passa de

    uma alterao/ampliao com anuncia da outra parte.

    IV.OS FACTOS NO PR-SANEADOR E NA AUDINCIA PRELIMINAR

    Findos os articulados, o juiz profere, sendo caso disso, aquilo que designado por despacho

    pr-saneador (508). Em regra, este o primeiro momento em que o juiz contacta com os factos

    dos articulados.

    Uma das funes desse despacho que a aqui nos interessa a de prover correco ou

    aperfeioamento de aspectos respeitantes ao objecto do litgio, atravs da clarificao ou

    completao do material fctico (508, n. 1, al. b)).

    Segundo o preceito do n. 3 do art. 508, o juiz, quando assim julgue conveniente, convida aspartes a suprir as insuficincias ou imprecises na exposio ou concretizao da matria de facto

    alegada, fixando prazo para a apresentao de novo articulado em que se complete ou corrija o

    inicialmente produzido.

    Assim, por exemplo, numa aco em que vem pedida a eliminao de defeitos da obra

    construda pelo ru, se o autor alega simplesmente que a dita construo apresenta defeitos, deve

    o juiz convid-lo a concretizar esses defeitos.

    O referido preceito reporta-se, fundamentalmente, aos factos principais da causa, isto ,

    queles que integram a causa de pedir ou queles em que se baseiam as excepesxliii. O novo

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    articulado no pode implicar a alterao substancial dos factos inicialmente alegados e

    deficientemente expostos ou concretizados (508, n. 5). Na verdade, no pode servir para

    modificar o objecto definido pelo autor na petio nem para alargar a defesa vertida na

    contestao. A parte convidada pelo juiz apenas pode tornar mais clara a exposio factual

    ambgua, inexacta ou genrica feita no articulado inicialmente produzido.

    Se a parte no corresponder, no lhe pode ser dirigido novo convite.

    Como tem sido entendido maioritariamente pela doutrina e jurisprudncia, o poder

    conferido ao juiz no artigo 508 um poder no vinculado, discricionrio, a exercer segundo o

    prudente arbtrio do julgadorxliv.

    Na audincia preliminar, as partes tm ainda a possibilidade de suprir, espontaneamente ou a

    solicitao do juiz (neste caso, se no tiver havido prvio convite ao aperfeioamento), as

    insuficincias ou imprecises da matria de facto que subsistam ou se tornem patentes na

    sequncia do debate (508-A, n. 1, al. c)).

    V.A SELECO DA MATRIA DE FACTO

    Findos os articulados, o juiz procede seleco da matria de facto.

    Pode faz-lo em dois momentos: ou na audincia preliminar, quando o a convoque art.

    508-A, n. 1, al. e); ou, sendo ela dispensada, no despacho saneador art. 508-B, n. 2xlv.

    A seleco da matria de facto na audincia preliminar feita aps debate, sendo as

    reclamaes deduzidas pelas partes discordantes logo a decididas.

    Se a seleco dos factos ocorrer no despacho saneador, sem a presena das partes, estas podem

    reclamar no prazo geral de 10 dias art. 153, n. 1.

    Como se faz a seleco?

    Em primeiro lugar, o juiz procede diviso da matria de facto em relevante e irrelevante

    para a deciso da causa, utilizando como critrio as vrias solues plausveis da questo de

    direito que deva considerar-se controvertida (511).Seleccionam-se, portanto, os factos principais, isto , aqueles que aparecem delimitados pela

    norma como essenciais procedncia ou improcedncia da aco. Se, nesse momento, o juiz se

    aperceber da eventual aplicao de uma norma no invocada pelo autor e verificar que faltam

    determinados factos para a aplicao dessa norma, dever convidar o autor (ou ru reconvinte) a

    aperfeioar a alegao.

    Na categoria dos factos principais incluem-se tambm os factos impeditivos, modificativos

    ou extintivos alegados pela contraparte (art. 342 CC).

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    Depois, devem distribuir-se os factos relevantes em duas categorias: os que j se mostram

    indiscutivelmente estabelecidos e os que ainda so objecto de controvrsia entre as partes. Os

    primeiros designam-se por Factos Assentes e costumam ser alinhados, segundo a melhor prtica,

    em alneas; os segundos so reunidos numa plataforma numrica, chamada Base Instrutria. A

    fase da instruo do processo incidir precisamente sobre estes ltimos art. 513.

    Abrantes Geraldes defende, ao contrrio de outros autoresxlvi, que a base instrutria pode

    integrar factos instrumentais que, numa primeira anlise, sirvam para apoiar o estabelecimento de

    presunes judiciais.

    No vemos qualquer bice insero desses factos na base instrutria, at porque, como

    melhor veremos adiante, o juiz sempre ter de atender a esses factos quando se mostrem

    necessrios a uma deciso justa.

    1.

    Factos Assentes

    Quais os factos que devem considerar-se assentes?

    Desde logo, os factos admitidos por acordo, ou seja, aqueles em relao aos quais as partes

    no tenham divergido, tcita ou expressamente. H, no entanto, que contar com as trs ressalvas

    previstas no art. 490, n. 2, acima referidas.

    Devem igualmente considerar-se assentes os factos confessados.

    Como decorre do art. 352 do CC, a confisso corresponde ao reconhecimento pela parte da

    realidade de um facto que lhe desfavorvel e que favorece a parte contrria (352 CC).

    A confisso s vlida se for feita por pessoa capaz e legtima (353 CC) e no recair sobre

    facto cujo reconhecimento ou investigao a lei proba (354, al. a), CC), nem sobre factos

    relativos a direitos indisponveis, impossveis ou notoriamente inexistentes (354, als. b) e c), CC).

    Pode ser feita em juzo (confisso judicial), seja nos articulados (espontnea), seja em

    depoimento de parte ou em prestaes de informaes ou esclarecimentos ao tribunal,devidamente registados em acta (provocada) (355 a 357 do CC).

    Pode tambm ser feita extrajudicialmente, atravs de documento autntico ou particular. A

    confisso extrajudicial verbal est sujeita s restries que a lei impe admissibilidade da prova

    testemunhal (358 CC).

    A fora probatria plena da confisso s reconhecida na confisso judicial e na confisso

    extrajudicial realizada nos termos do n. 2 do art. 358 do CC.

    Convm, no entanto, fazer uma chamada de ateno para o que dispe o art. 567 do CPC

    no que concerne confisso judicial espontnea. Diz-se a que as confisses expressas de factos,

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    feitas nos articulados, podem ser retiradas enquanto a parte contrria as no tiver aceitado

    especificadamente.

    So tambm integrados nos factos assentes aqueles que se mostrem provados por

    documentos, sejam eles autnticos ou particulares, nos termos a estes aplicveis (371, 376 e

    377).

    Muitas vezes, na seleco dos factos assentes, remete-se para o teor dos documentos, sem que

    nada se explicite quanto ao seu contedo. Este modo de proceder constitui, a nosso ver, uma

    tcnica incorrecta, dado que os documentos no so mais que um meio de prova direccionado

    demonstrao da realidade dos factosxlvii.

    Obviamente no vemos que seja necessria a transcrio completa do documento; basta que

    se inscreva na respectiva alnea dos factos assentes uma sntese do que nele consta de essencial.

    2.Base Instrutria

    A Base Instrutriaxlviii um momento muito sensvel na vida do processo.

    Por isso, a sua elaborao deve ser feita com cuidado e rigor, de modo a que se permita

    observar, pela sua leitura, o conjunto dos factos que so decisivos para o julgamento da causa.

    Em princpio, e como decorrncia do princpio dispositivo, o juiz s pode socorrer-se dos

    factos alegados pelas partes, tal como determina a 2 parte do art. 664.

    Todavia, a par desses, devem ser considerados, na deciso final, outros factos, subtrados ao

    nus de alegao (art. 264, para onde remete o art. 664), a saber:

    a)

    Os factos notrios;

    b)

    Os factos de que o tribunal tem conhecimento por virtude do exerccio

    das suas funes;

    c)

    Os factos reveladores de uso reprovvel do processo;

    d)

    Os factos instrumentais que resultem da instruo e discusso da causa;

    e)

    Os factos essenciais complementares ou concretizadores de outros que aspartes tenham oportunamente alegado e resultem da instruo e discusso da causa,

    desde que a parte interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e parte

    contrria tenha sido facultado o exerccio do contraditrio.

    Factos notrios (514, n.1) so os de conhecimento geral no pas, os conhecidos pelo cidado

    comum, pelas pessoas regularmente informadas, com acesso aos meios normais de informao xlix.

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    No basta, assim, qualquer conhecimento; indispensvel um conhecimento de tal modo

    extenso, isto , elevado a tal grau da difuso que o facto aparea, por assim dizer, revestido do

    carcter de certezal.

    Por outro lado, necessrio que se trate de factos concretos, elementos estruturantes da causa

    de pedir da aco, da reconveno ou das excepes, o que implica no poderem ser considerados

    como tal as meras ilaes ou concluses fctico-jurdicas ou meramente jurdicas (ex.: a

    indivisibilidade de um prdio urbano)li.

    Mesmo que tenham sido quesitados factos notrios e obtido respostas negativas na 1

    instncia, devem os mesmos ser tomados em conta pela instncia de recurso lii.

    Eis alguns exemplos jurisprudenciais sobre a matria.

    O STJ no considerou factos notrios:

    - Que, entre Novembro de 1995 e Setembro de 2001, o pas mantinha um crescimento

    econmico acelerado, com grande exploso no sector da construo civil e que, no final do ano

    de 2002 e no ano de 2003, se assistisse a uma arrefecimento da economia, com grande

    abrandamento desse sector de actividadeliii;

    - Que o atraso na entrega de mercadoria comprada acarrete necessariamente prejuzo ao

    comerciante compradorliv;

    - Que tenha ocorrido caos econmico na Repblica da Rssia por virtude da desagregao da

    Unio das Repblicas Socialistas Soviticaslv.

    Ao contrrio, considerou factos notrios:

    - Que, para efeitos de aferir a gravidade de leso do direito honra e ao bom nome de

    determinada pessoa, um dos principais jornais semanrios tem uma tiragem de milhares de

    exemplares e comprado e lido por milhares de pessoas lvi.

    - Que a poupana de um casal no forosamente canalizada s em proveito dos filhos lvii.

    - Que a amputao de uma perna provoca sofrimento fsico e moral lviii;

    - Que, demonstrados os factos-base (morte e a relao com a vtima), a supresso do direito

    vida constitui um danolix.

    Alm dos factos notrios, o tribunal no deixar de considerar os factos de que tenha

    conhecimento por virtude do exerccio das suas funes, devendo, nesse caso, juntar ao processo

    documento que os comprove (514, n. 2).

    Se, por exemplo, corre ou correu no tribunal uma outra aco envolvendo as mesmas partes,

    com idnticas causa de pedir e pedido, o juiz deve juntar nova aco certido das peas

    relevantes daqueloutra, para, oficiosamente, conhecer das excepes dilatrias da litispendncia

    ou do caso julgado, evitando, desse modo, que o tribunal seja colocado na alternativa de

    contradizer ou de reproduzir uma deciso anterior (494, al. i), 495, 497, n. 1, e 498).

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    Os factos reveladores do uso anormal ou reprovvel do processo, a que j acima fizemos

    referncia, so os que denunciem situaes de simulao ou de fraude processual, assentes em

    verses fcticas no correspondentes realidade (665).

    Tambm j deixmos alinhavado supra o conceito de factos instrumentais. Como se disse,

    deles no depende a procedncia ou improcedncia da aco, mas do seu conhecimento, pelo

    mecanismo das presunes, quer legais quer judiciais, infere-se a certeza ou a prova dos factos

    essenciais. A sua funo , portanto, a de permitir atingir a prova dos factos principais lx.

    Um dos aspectos distintivos que estes os factos principais ou essenciais apenas podem

    ser alegados pelas partes, ao passo que os factos instrumentais, se no tiverem sido alegados pelas

    partes, podem ser livremente tomados em considerao pelo juizlxi.

    Num acidente de viao em que se alega que o condutor de um pesado de mercadorias,

    colidiu com um veculo ligeiro de passageiros, com o qual se cruzava, na hemifaixa

    correspondente ao sentido do ligeiro, numa estrada com 4 metros de largura, o juiz pode

    oficiosamente considerar como instrumental o facto de o veculo pesado ter a largura de 1,80 mt.,

    se o mesmo tiver resultado da instruo e discusso da causa.

    Questo que se discute a de saber se determinado facto que o tribunal entendeu ser

    instrumental (e, logo, sendo de conhecimento livre, foi por ele carreado para o processo), pode,

    no momento da deciso final, ser utilizado como principal.

    primeira vista poderia pensar-se que, a permitir-se essa situao, estariam a ser tomados em

    considerao factos principais no alegados pelas partes, em frontal violao ao disposto na 1

    parte do n. 2 do art. 264.

    Mas, por outro lado, o art. 664 claro ao dizer que o juiz no est sujeito ao direito alegado;

    s est sujeito aos factos articulados. Logo, pode entender que determinado facto construdo

    como instrumental afinal principal. Esta possibilidade insere-se nos poderes judiciais de

    qualificao que no tm qualquer tipo de limitaolxii.

    Autntica inovao da reforma de 95/96 foi a introduo da norma do art. 264, n. 3, que

    permite a considerao na sentena de factos essenciais procedncia das pretenses formuladas

    ou das excepes deduzidas que sejam complemento ou concretizao de outros que as partes

    hajam oportunamente alegado e resultem da instruo e discusso da causa, desde que a parte

    interessada manifeste vontade de deles se aproveitar e parte contrria tenha sido facultado o

    exerccio do contraditrio.

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    Os factos so considerados complementares ou concretizadores quando se tm por

    imprescindveis ou, pelo menos, relevantes procedncia ou improcedncia das pretenses, mas

    no viabilidade da aco ou da excepolxiii.

    Eles completam uma causa de pedir (ou de uma excepo) complexa, ou seja, uma causa de

    pedir (ou uma excepo) aglutinadora de vrios elementos, uns constitutivos do seu ncleo

    primordial, outros constitutivos do seu ncleo complementar lxiv.

    No este o tempo de ajuizar da bondade da opo legislativa. Cumpre isso sim alertar

    para os perigos de sobrevalorizao do poder conferido no preceito, em ordem a evitar situaes

    de excesso de pronncia.

    Peguemos num exemplo relatado por Montalvo Machado lxv:

    Numa determinada aco de despejo, com fundamento exclusivo na falta de pagamento de

    rendas, o juiz no pode vir a atentar em certas obras ilicitamente realizadas no arrendado (que

    foram expostas e descritas por uma ou duas testemunhas, mas que no tinham sido minimamente

    alegadas pelo senhorio) e, com base nelas, decretar o despejo.

    A complementaridade e concretizao afere-se em relao aos factos que tenham sido

    efectivamente alegados pela parte. Se esta no os alega, entolxvino existe complementaridade ou

    concretizao mas simplesmente factos novos que no cabem na estrutura do preceito do art.

    264, n. 3.

    Retomemos o assunto da elaborao da base instrutria.

    Os quesitos ou proposies interrogativas que integram a base instrutria devem ser claros e

    concisos.

    Sugerem-se as seguintes regras na sua organizao formal:

    - Cada quesito ou artigo deve conter um nico facto, sem prejuzo de se agruparem num s

    quesito dois ou trs pontos de facto quando tais factos estiverem de tal forma conexos ou

    interligados que se mostre conveniente apreci-los e julg-los em conjunto;

    - A sua formulao deve permitir uma resposta positiva (Provado), ou negativa, (NoProvado), sem embargo do que adiante se dir;

    - A redaco dos quesitos deve respeitar as regras da distribuio do nus da prova dos factos

    em questolxvii;

    - A ordenao dos quesitos ou artigos deve respeitar a sequncia cronolgica e lgica dos

    factos.

    Devem ser erradicadas da condensao as alegaes com contedo tcnico-jurdico, de cariz

    normativo ou conclusivolxviii, a no ser que as expresses usadas na respectiva alegao tenham

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    tambm uma significao corrente. Tal no ser, porm, possvel, quando o objecto da aco

    esteja dependente, total ou parcialmente, da determinao do significado exacto dessas

    expresseslxix.

    Vejamos alguns exemplos de quesitos com formulaes imprprias:

    A Autora tem um crdito sobre a R no valor de 5.000,00?

    A firma e sigla utilizadas pela R so susceptveis de dar lugar confuso e induzirem erro os clientes da autora?

    O andar em causa cumpre a qualidade trmica exigida no Regulamento dasCaractersticas de Comportamento Trmico dos Edifcios?

    data da ocorrncia o condutor X no guardava em relao ao veculo da frente a

    distncia necessria para evitar o embate?

    Desde a aquisio da fraco que a mesma tem vindo a revelar diversos defeitos que atornam inabitvel?

    A fraco em causa insere-se num local privilegiado capaz de proporcionar ao autorum descanso sem perturbaes de qualquer espcie, atentas as especificidades da suaprofisso?

    A condutora do veculo () entrou na EN () sem dar a devida passagem ao veculo

    do Autor?

    Os Rus encontram-se desapossados de 27.500,00 o que lhes vem causandodificuldades no dia a dia das respectivas vidas?

    At presente data a Autora encontra-se desembolsada do saldo do capital em dvidapela R e respectivos juros vencidos?

    Pelos danos patrimoniais inerentes incapacidade temporria absoluta devida aoAutor uma indemnizao no valor de 130.000,00?

    Questo que tem agitado a doutrina e a jurisprudncia a de saber se devem ser integrados

    na base instrutria os factos que s possam ser provados documentalmente.

    Na nossa opinio, a tcnica que melhor se compatibiliza com os comandos dos artigos 655,

    n. 2, e 646, n. 4 a de no os incluir no rol dos factos a provar.

    Para acautelar eventuais esquecimentos, sugere-se que no final do despacho de condensao se

    faa consignar que os factos X e Y s podem ser provados documentalmente e que a parte a quem

    cabe a respectiva prova deve proceder sua juno.

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    No caso de algum quesito inserir matria juridicamente qualificvel como questo de

    direitolxx, no pode o tribunal da primeira instncia decidi- -la, e, se a decidir, respondendo-

    lhe, deve a resposta ser considerada no escrita, ou seja, inexistente (646, n. 4,).

    Como j se disse, a seleco da matria de facto pode ser objecto de reclamaes das partes.

    Os fundamentos dessas reclamaes podem ser:

    - Omisso de factos alegados com interesse para a deciso da causa (deficincia);

    - Incluso de factos indevidamente considerados como controvertidos (excesso);

    - Redaco ambgua de determinados quesitos, provocando dvidas sobre o sentido e alcance

    das proposies lingustico-gramaticais utilizadas (obscuridade).

    V.

    A Discusso da Matria de Facto

    sabido que o princpio dispositivo decorre de uma viso liberal do direito civil, em que os

    poderes pblicos s podem intervir em matrias ou negcios privados nos limites do querido

    pelas partes.

    No plo oposto, o princpio inquisitrio, sendo tpico do processo penal, permite ao tribunal

    investigar livremente o caso que as partes apresentam, no estando a sua deciso dependente da

    matria alegada.

    O nosso processo civil continua a ser dominado pelo princpio dispositivo, quer no que

    concerne ao impulso inicial do processo, quer no que se refere aos negcios jurdicos processuais.Nota-se, contudo, que a reforma de 95/96 deu alguns passos no sentido de uma maior influncia

    do princpio inquisitrio na vida do processo. Como se l no Prembulo do DL 329-A/95,

    procedeu-se a uma ponderao dos princpios do dispositivo e da oficiosidade, em termos que se

    consideram razoveis e adequados. No deixou, no entanto, de se considerar o princpio

    dispositivo como um dos princpios basilares do processo civil, no se consagrando o princpio

    inquisitrio de forma pura (traduzido na livre investigao judicial dos factos).

    Assumiu-se o objectivo de reduzir substancialmente os espartilhos formais, de natureza

    processual, apreciao do objecto do litgio cvel, na busca de uma justia que se aproxime omais possvel da verdade material.

    Atribui-se agora ao tribunal um papel muito mais activo na justa composio do litgio,

    outorgando-se ao juiz poderes instrutrios que antes no possua.

    Referimo-nos, concretamente, possibilidade, j acima referida, de o juiz investigar, mesmo

    oficiosamente, os factos meramente instrumentais e de os utilizar quando resultem da instruo e

    julgamento da causa (264, n. 2), e, tambm, de o juiz poder considerar, na deciso, os factos

    complementares de factos essenciais alegados pelas partes ou factos que se traduzam na

    concretizao de outros que a parte haja oportunamente alegado, desde que a parte interessada

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    manifeste vontade de deles se aproveitar e parte contrria tenha sido facultado o exerccio do

    contraditrio (264, n. 3).

    Lus Correia de Mendonalxxi v nestes poderes instrutrios e noutros poderes de impulso e

    de gesto processual, manifestaes de autoritarismo, consolidadas em sucessivas reformas. E

    conclui que pouco falta para termos em Portugal um modelo de processo civil publicizado e

    inquisitrio, como era, por exemplo, o CPC russo de 1923.

    Acompanhamos alguns dos argumentos, maximeo que expendido a propsito da tendncia

    para a exacerbao do princpio da cooperao. Cremos, porm, que as crticas so excessivas e

    que no se corre o risco de se criar aquilo a que Pessoa Vaz classifica de sistema inquisitrio

    extremolxxii.

    A outorga dos referidos poderes instrutrios serve, essencialmente, para que o juiz tenha um

    papel mais activo na busca da verdade, mas apenas quanto aos factos de que lhe lcito conhecer

    (265, n. 3). Esses poderes s podem, pois, ser exercidos quanto aos factos instrumentais e quanto

    aos factos principais que as partes alegaram ou dos quais manifestaram inteno de se aproveitar,

    com observncia do necessrio contraditrio.

    Citando Taruffolxxiii, uma coisa o juiz potencialmente activo ao completar a iniciativa

    probatria das partes, mas inserido num contexto processual no qual so asseguradas as garantias

    das partes no mbito de um sistema poltico democrtico, enquanto que coisa completamente

    diferente o juiz inquisidor inserido num sistema poltico e processual com uma marca

    autoritria.

    A verdade que os tribunais tm feito muito pouco uso destes poderes instrutrios, como o

    demonstra a reduzidssima produo jurisprudencial sobre a matria. E isto no obstante terem

    decorrido mais de 10 anos sobre a reforma.

    Nota-se que os tribunais esto ainda pouco vontade com estas inovaes, no to novas

    assim. O motivo talvez possa ser encontrado na cristalizao de modos de actuar e no apego ao

    conceito tradicional da causa de pedir para efeitos de dispositivo.

    Vem tudo isto a propsito do papel do juiz no momento da discusso da matria de facto,

    que, como se sabe, tem lugar na audincia final (652).

    A audincia o lugar do smbolo e o momento da Justialxxiv.

    a que se prestam os depoimentos de parte, se exibem reprodues cinematogrficas ou

    registos fonogrficos, se tomam esclarecimentos verbais aos peritos cuja comparncia tenha sido

    ordenada, e se inquirem as testemunhas.

    No decurso da audincia o juiz no deve remeter-se ao papel de mero espectador ou

    esfingelxxv. A sua interveno fulcral no apuramento, dentro do possvel, dos factos relevantes

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    para a causa, inquirindo, onde haja omisses, esclarecendo, quando persistam imprecises,

    colaborando com as partes na recolha de tudo quanto permita chegar a um resultado final justo.

    Tendo sido oportunamente requerido ou, no o sendo, se o juiz oficiosamente o determinar,

    ou ainda no caso previsto no art. 651, n. 5lxxvi, a produo da prova na audincia gravada,

    atravs dos meios previstos no art. 522-C.

    Sobretudo nas aces em que se discutam factos relacionados com o estado ou a configurao

    fsica de determinados locais ou bens imveis lxxvii, de toda a utilidade a realizao oficiosa de

    uma inspeco judicial (612), mormente nos casos em que no tenha havido percia prvia.

    Atravs da percepo directa de factos pelo tribunal consegue-se obter um melhor visionamento

    da realidade e evitam-se delongas na discusso de aspectos a ela ligados, eventualmente inseridos

    na base instrutria.

    Os actos de produo de prova realizados na audincia, correspondendo a um

    prolongamento da fase da instruo, destinam-se demonstrao dos factos inseridos na base

    instrutria.

    Durante a audincia o juiz pode entender que devem ser objecto de prova, por interessarem

    deciso da causa, determinados factos principais, alegados pelas partes mas no includos na base

    instrutria, ou factos indicirios de factos principais alegados. Pode ainda ser necessrio fazer

    incidir a prova sobre um facto complementar ou concretizador de factos principais alegados pelas

    partes, desde que observadas as condies legais. Em todas essas hipteses ter de haver ampliao

    da base instrutria, nos termos previstos no art. 650, n. 1, al. d).

    Operada a ampliao, igualmente sujeita ao regime de reclamao dos ns 2 e 3 do art. 511,

    facultada s partes a indicao da correspondente prova (650, n. 3).

    Tanto Paula Costa e Silvalxxviii, como Remdio Marqueslxxix, como ainda Abrantes Geraldeslxxx,

    convergem na ideia de que possvel a ampliao da base instrutria mesmo aps o encerramento

    da audincia de discusso. Segundo esses autores, se o juiz, quando se prepara para lavrar a

    sentena final, se aperceber que a base instrutria tem falta de factos decisivos para a melhorresoluo do caso concreto, pode reabrir a instruo, ampliando a base instrutria, de modo a

    que esta abranja os factos necessrios ao enquadramento jurdico da causa. Sem norma legal que a

    sustente, essa possibilidade fundar-se-ia em razes de economia processual, permitindo corrigir

    antecipadamente uma provvel nulidade processual, detectada em recurso, resultante dessa

    omisso (712, n. 4).

    Temos muitas dvidas em aceitar esta soluo, por duas razes fundamentais: por um lado,

    porque a reabertura da instruo na fase da sentena colide com o limite temporal imposto pelo

    art. 653 para o julgamento da matria de facto; por outro lado, porque a antecipao do juzo

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    sobre a eventual anulao em 2 instncia pode redundar em mera suposio de um vcio

    inexistente, protelando a deciso.

    Produzida a prova sobre a factualidade controvertida, inicia-se o debate entre os advogados

    das partes sobre a matria de facto, aps o que se dar por encerrada a discusso.

    Todavia, se o tribunal no se julgar suficientemente esclarecido, pode reabrir a discusso,

    ouvindo as pessoas que entender e ordenando as diligncias que se lhe afigurem necessrias (653,

    n. 1).

    VI.

    O Julgamento da Matria de Facto

    Surge, enfim, o momento crucial: o do julgamento da matria de facto (653, n. 2).

    O tribunal aprecia as provas sujeitas livre apreciao do julgador, decidindo segundo a sua

    prudente convico acerca de cada facto.

    A deciso sobre a matria de facto faz-se por meio de acrdo ou despacho, consoante o

    julgamento incumba ao tribunal colectivo ou a juiz singular. Necessrio que se observe o

    princpio da plenitude de assistncia dos juzes, isto , que s intervenham na deciso da matria

    de facto os juzes que tenham assistido a todos os actos de instruo e discusso praticados na

    audincia final (654, n. 1).

    Tendo intervindo o tribunal colectivo, a deciso tomada por maioria, sendo agora possvel

    a qualquer juiz que integre o colectivo lavrar voto de vencido em relao a qualquer ponto da

    deciso ou formular declarao divergente quanto fundamentao (653, n. 3).

    A deciso sobre a matria de facto controvertida deve reflectir o resultado da conjugao dos

    vrios elementos de prova produzidos na audincia ou em momento anterior.

    A importncia desta deciso no desfecho da causa reclama sria reflexo e ponderao do juizsobre o material probatrio que foi sendo disponibilizado no processo, designadamente na

    audincia de julgamento, e sobre as suas incidncias na factualidade controvertida. Por essa razo,

    no se aconselha uma deciso imediata, logo a seguir produo da prova, salvo em casos de

    manifesta simplicidade.

    A deciso da matria de facto compe-se de duas partes: na primeira, declaram-se quais os

    factos que o tribunal julga provados e quais os que julga no provados; na segunda, faz-se a

    anlise crtica das provas e especificam-se os fundamentos que foram decisivos para a convico

    do julgador (653, n. 2).

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    A anlise crtica das provas e a fundamentao das respostas negativas s passaram a ser

    exigidas com a reforma de 95/96.

    At ento, a exigncia da fundamentao restringia-se aos factos provados e bastava-se com a

    meno dos meios concretos de prova em que a convico do julgador tivesse assentado. Esta

    forma de fundamentar, no assegurava de modo nenhum a certeza de que a prova indicada pelo

    juiz como fundamento da sua deciso de facto tivesse sido efectivamente produzida nos autos e

    no informava a parte e o tribunal superior da justeza e razoabilidade dessa deciso.

    A no exigncia de fundamentao, aliada falta de documentao da prova e

    inadmissibilidade de recurso sobre a matria de facto, colocaram a justia lusa, durante largos

    anos, num patamar muito inferior, quando comparada com a dos pases mais civilizados, no que

    toca s garantias judicirias.

    O juiz tem, agora, o dever de indicar de modo objectivo as razes que o levaram a dar como

    provados determinados factos e como no provados outros. Ou seja, tem de analisar criticamente

    a prova, explicando por que motivo deu mais valor ao depoimento de certa testemunha, por que

    motivo considerou relevantes ou irrelevantes certas concluses dos peritos, por que motivo achou

    satisfatria, ou no, a prova resultante de documentos particulares, etc lxxxi.

    Mesmo quando a prova gravada, a sua anlise crtica constitui complemento fundamental

    da gravao.

    Contudo, em nosso entender, a fundamentao no tem de ser exaustiva. Basta que nela se

    externem, de forma clara e suficiente, os motivos que levaram o julgador a decidir em

    determinado sentido e no noutro.

    Na motivao da deciso sobre a matria de facto, deve o juiz ter em conta o princpio da

    aquisio processual (515), do qual deriva que todas as provas produzidas devem ser tidas em

    considerao, tenham ou no emanado da parte que devia produzi-las.

    Assim, se, por exemplo, uma testemunha no arrolada pelo autor relatar um facto favorvel a

    este e que por este devia ter sido provado, o tribunal no pode deixar de considerar o seu

    depoimento, a despeito de a testemunha no ter sido arrolada pela parte a quem aproveita aprova desse facto.

    O n. 2 do art. 653 do CPC no exige que a fundamentao das respostas aos quesitos tenha

    de ser indicada separadamente em relao a cada um deleslxxxii.

    Se um facto, dado, sem fundamentao, como provado ou no provado, no se revelar

    concretamente essencial para a deciso da causa, a exigncia a posteriorida fundamentao, em via

    de recurso, intillxxxiii.

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    Do mesmo modo, se a um determinado facto se no der resposta, o tribunal de recurso no

    anular a deciso se o facto constante daquele concreto quesito se mostrar irrelevante para a sorte

    da acolxxxiv.

    Em regra, as respostas aos factos da base instrutria so positivas (Provado) ou negativas

    (No Provado).

    Contudo, o julgador pode usar frmulas que expressem de diferente modo aquilo que resulte

    dos autos e da audincia de discusso e julgamento, por forma a garantir a verdade do julgamento

    e o exerccio pleno da funo de bem julgar. Encontram-se, assim, com grande frequncia,

    respostas de mbito restritivo ou de contedo explicativo ou clarificador.

    A resposta positiva a determinado facto da base instrutria significa a comprovao, fora de

    qualquer dvida razovel, do facto concreto nele inscrito.

    Da resposta negativa, pelo contrrio, resulta apenas no se ter provado o que nele se

    perguntavalxxxv. Neste ponto, a jurisprudncia tem referido, unanimemente, que a resposta

    negativa no determina que se considere provado o facto inversolxxxvi. Tambm a doutrina se

    pronuncia no mesmo sentidolxxxvii, sendo de rejeitar, na nossa opinio, a possibilidade de o

    tribunal dar como provado que o facto indagado no se verificou, em vez de se limitar a d-lo

    como no provadolxxxviii.

    a

    No parece possvel existir contradio entre uma resposta positiva e uma resposta negativa,

    pois nesta ltima tudo se passa como se o facto no tivesse sido alegado, como se no

    existisselxxxix. Todavia, num caso, a Relao de Coimbraxc pronunciou-se em sentido contrrio,

    considerando haver contradio numa situao em que a resposta negativa no acolhia um facto

    que constitua o antecedente lgico necessrio da resposta afirmativa.

    Configuremos a seguinte hiptese, como mero exerccio:Perguntava-se num quesito se o autor, data do acidente, auferia o vencimento mensal de

    800,00 como marceneiro.

    Noutro quesito perguntava-se se data do acidente o autor trabalhava.

    O primeiro desses quesitos obteve resposta positiva; o segundo teve resposta negativa.

    bem patente a falta de articulao das respostas, sendo que o facto dado como assente na

    primeira (actividade profissional de marceneiro) deveria impor-se na outra resposta.

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    A resposta restritiva traduz-se na ablao parcial do contedo da proposio interrogativa,

    sendo muito frequente em situaes em que a controvrsia incide sobre elementos de facto de

    ordem quantitativa.

    Exemplo: se num quesito se perguntar se o ru encomendou ao autor 320 caixas de vinho, a

    resposta pode ser Provado apenas que o ru encomendou ao autor 180 caixas de vinho.

    A resposta explicativa representa a concretizao de determinado facto que venha a revelar-se

    til para a deciso da causa, desde que no se excedam os limites de alegao.

    Exemplo: se num artigo da base instrutria se perguntar se o acidente provocou vtima

    leses que originaram o encurtamento do membro inferior direito, possvel ao julgador

    responder positivamente com o esclarecimento de que tal encurtamento de cerca de 2,5 cm.

    Depois de o juiz proferir a deciso sobre a matria de facto, as partes podem reclamar contra

    a deficincia, obscuridade ou contradio da deciso ou, ainda, contra a falta da sua motivao

    (653, n. 4).

    Existe deficincia quando determinado ponto da matria de facto ou algum segmento no

    tenha sido objecto de resposta positiva ou negativaxci.

    Haver obscuridade quando as respostas dadas so ininteligveis, equvocas ou imprecisas.

    O vcio da contradio ocorre quando se verifica oposio entre respostas dadas a pontos de

    facto controvertidos ou entre tais respostas e a plataforma da factualidade dada como assente.

    Finalmente, a falta de fundamentao d-se quando o tribunal no especifica as razes em

    que fundou as respostas, podendo dirigir-se completa omisso de motivao da deciso sobre a

    matria de facto, como falta de motivao quanto a determinados pontos concretos da mesma.

    A mera discordncia quanto aos argumentos invocados para a formao da convico no

    constitui motivo de reclamao xcii .

    Decididas as reclamaes, ou no as tendo havido, as partes discutem o aspecto jurdico da

    causa, seguindo-se a fase da sentena (653, n. 5, 657 e 658).A, alm de todo o acervo factual resultante das anteriores fases do processo, o juiz, numa

    ltima e atenta anlise dos autos (documentos e articulados), dever ainda considerar os factos

    cuja prova resulte da lei, isto , da assuno dum meio de prova com fora probatria plenssima

    (presuno legalstrictosensu 350, n. 2, do CC), plena ou bastante (659, n. 3).

    ao conjunto de todos esses factos que se aplicar, por fim, o Direito, como

    intencionalidade operatria que no se realiza ou cumpre em normas, mas na sua aplicao aos

    casos da vidaxciii.

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    Como se viu, pode ser longo o caminho a percorrer pela matria de facto na vida do processo

    civil em 1 instncia.

    Quando, por fim, estiver estabilizada, ver-se- se apta a produzir o efeito jurdico pretendido

    pelas partes.

    A certeza que temos que, quanto mais ateno e cuidado se puser no seu tratamento,

    discusso e anlise, mais perto se estar de atingir o fim desejado: o de que a deciso final

    corresponda resoluo justa e efectiva do conflito.

    PORTO, 30.04.2009

    Juiz Desembargador Henrique Arajo

    i Direito Processual Civil Declaratrio, edio de 1982, Vol. III, pg. 270.

    iiPor exemplo: arrendar, emprestar, pagar, sinal, proprietrio, residncia permanente, inquilino, etc .

    iiiExs: queda de um muro, coliso de dois veculos.

    iv Exs: a capacidade econmica ou actividade profissional de uma pessoa, condies da via aquando dedeterminado acidente.

    vExs: as dores fsicas ou morais originadas por um acidente, o dolo, os motivos determinantes da vontade.

    vi Exs: os lucros cessantes, a vontade conjectural das partes para efeitos de reduo ou converso de negciojurdicos.

    viiAmncio Ferreira, Manual dos Recursos em Processo Civil, 3 edio, pgs. 230/231.

    viiiCJ Ano XX, 1995, Tomo IV, pgs. 7-14.

    ixOliveira Ascenso, Teoria Geral do Direito Civil, Vol. IV, ttulo V, n. 49.I

    xCastro Mendes, O Direito de Aco Judicial, pg. 215.

    xiFranco Cipriani, Batallas por la Justitia Civil, citado por Correia Mendona no n. 1 da Revista Julgar, pg.89.

    xiiPaula Costa e Silva, Acto e Processo, pg. 214

    xiiiAlberto dos Reis, CPC Anotado, Vol. II, 3 edio, pg. 362.

    xivMariana Frana Gouveia, A Causa de Pedir na Aco Declarativa, pg. 529.

    xvMariana Frana Gouveia, ob. cit., pg. 384.

    xvi Cfr., entre outros, Alberto dos Reis, ob. cit.,Volume II, 3 edio, pg. 354, Anselmo de Castro, DireitoProcessual Civil Declaratrio, Vol. I, pg. 207, e Abrantes Geraldes, Temas da Reforma do Processo Civil, 2edio, Vol. I, pg. 193.

    xvii Alberto dos Reis, ob. cit., Volume II, pg. 350.

    xviiiQuando falamos da reforma de 95/96 estamos a referir-nos, principalmente, aos DL 15/95, de 12.02., 329-A/95, de 12.12, e 180/96, de 25.09.

    xixMariana Frana Gouveia, ob. cit., pgs. 151/152.

    xx

    Abrantes Geraldes, ob. cit., I Volume, 2 edio, pg. 204.

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    xxiVaz Serra, Provas, BMJ n. 110, pg. 164.

    xxiiAc. STJ de 28.10.1997, CJ STJ, Ano V, Tomo III, pg. 103.

    xxiiiAcrdo do STJ, de 19.05.2005, processo n. 05B1627, www.dgsi.pt.

    xxivAcrdo da Relao do Porto, de 06.03.2008, processo n. 0831102, www.dgsi.pt.

    xxvFora de anlise ficam as situaes de revelia operante e inoperante, versadas nos arts. 484 e 485 do CPC.

    xxviMontalvo Machado e Paulo Pimenta, O Novo Processo Civil, 8 edio, pg. 167.

    xxviiRemdio Marques, Aco Declarativa Luz do Cdigo Revisto, 312

    xxviii Processo n. 04A4044, www.dgsi.pt

    xxix Se num acidente de viao vem alegada uma velocidade superior a 130 Km/hora por parte do condutor deum veculo e o condutor ou a sua seguradora impugnam esse facto na contestao, tem-se tambm porindirectamente impugnado o facto, tambm alegado pelo autor, de esse veculo ter deixado no pavimento um

    rasto de travagem de 80 metros, facto este s alegado como indiciador daquele facto principal (velocidadeexcessiva).

    xxxLebre de Freitas, CPC Anotado, Volume 2, pg. 298.

    xxxi o que acontece com os direitos indisponveis. Se o ru no os pode confessar, por maioria de razo tambma sua no impugnao no pode produzir o efeito de admisso por acordo art. 354 do CC.

    xxxiiComo sucede, por exemplo, na transmisso de imveis.

    xxxiiiRemdio Marques, ob. cit., pg. 297.

    xxxivDesignadamente o alemo, o italiano, o espanhol, o francs e o norte-americano.

    xxxvMariana Frana Gouveia, ob. cit., pg. 270.

    xxxviRemdio Marques, ob. cit. pg. 328.

    xxxviiNa redaco do DL 303/2007, de 24 de Agosto.

    xxxviiiCastro Mendes, Direito Processual Civil, edio de 1980, Volume III, pg. 152.

    xxxixAlterao: substituio da causa de pedir por outra.

    xlAmpliao: acrescentamento de outra causa de pedir causa de pedir primitiva)

    xli Lebre de Freitas, CPC Anotado, Volume 1, pgs. 67, 278 e 483.

    xliiAnselmo de Castro, Direito Processual Civil Declaratrio, edio de 1981, Vol. I, pg. 165.

    xliiiLebre de Freitas, ob. cit., Volume 2, pg. 354.xlivAcrdo do STJ de 03.02.2009, processo n. 08A3887, www.dgsi.pt; Abrantes Geraldes, ob. cit., II Volume, pg.79.

    xlv Redaco introduzida pelo DL 38/2003, de 8 de Maro, que repristinou a regra da deciso imediata dasreclamaes das partes sobre a seleco da matria de facto.

    xlviQue apenas admitem a insero de factos instrumentais que constituam a base de uma presuno legal cfr.Abrantes Geraldes, ob. cit., II Volume, pgs. 146/147 e Remdio Marques, ob. cit., pgs. 356/357.

    xlviiAcrdo do STJ de 29.11.1995, BMJ 451, pg. 322.

    xlviiiNas aces com processo sumrio, haja ou no lugar audincia preliminar, o juiz pode abster-se de fixar a

    base instrutria se a seleco da matria de facto controvertida se revestir de simplicidade (787, n. 1).

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    A nossa experincia na 2 instncia tem-nos mostrado que, no raras vezes, os juzes se abstm de fixar a baseinstrutria em aces sumrias, cuja complexidade fctica aconselharia uma prvia ponderao e adequadafiltragem da factualidade relevante. Quando se chega fase do julgamento sem a definio do material fcticointeressante causa, o resultado final , quase sempre, desastroso: ou ficam por responder questes de facto cuja

    importncia se vem a revelar vital, ou se incluem na matria respondida factos esprios, misturados comconceitos de direito, juzos conclusivos, etc.

    necessrio que se tome letra o condicionalismo legal em que o juiz se pode abster de fixar a base instrutria.A simplicidade da matria de facto controvertida tem de ser bem medida pelo juiz, podendo a aferio dessasimplicidade repousar em critrios como a exiguidade dos factos a considerar para a deciso ou a relativalinearidade da matria controvertida.

    xlixRodrigues Bastos, em Notas ao CPC, Vol. II, edio de 1972, pg. 514, distingue o facto notrio do factoevidente, fazendo corresponder este ltimo aplicao de verdades axiomticas prprias das vrias cincias; ofacto evidente apresenta-se ao juiz como provindo das fontes comuns do saber humano, v.g. o conhecimento de

    que o calor dilata os corpos.l Alberto dos Reis, CPC Anotado, Volume III, pgs. 259/260.

    li Acrdo do STJ de 01.07.2004, no processo n. 04B2285.

    liiAcrdo do STJ de 24.05.1989, BMJ 387, pg. 531, e acrdo do mesmo tribunal de 24.04.1986, no processo n.073130, www.dgsi.pt.

    liiiAcrdo do STJ de 15.03.2007, no processo n. 07B220, www.dgsi.pt.

    livAcrdo do STJ de 02.02.1989, no processo n. 076743, www.dgsi.pt.

    lvAcrdo do STJ de 25.11.2004, processo n. 04B3806, www.dgsi.pt.

    lviAcrdo do STJ de 05.03.1996, BMJ 455, pg. 420.lviiAcrdo do STJ de 07.07.1994, no processo 96A336, www.dgsi.pt.

    lviiiAcrdo do STJ de 17.04.1990, no processo 080008, www.dgsi.pt.

    lixAcrdo do STJ de 15.04.1997, CJSTJ Ano V, Tomo II, pg. 42.

    lxLebre de Freitas, Introduo ao Processo Civil, pg. 135.

    lxi Antnio Montalvo Machado, O Dispositivo e os Poderes do Tribunal luz do Novo Cdigo de ProcessoCivil, pg. 340.

    lxiiMariana Frana Gouveia, ob. cit., pg. 368.

    lxiiiMiguel Teixeira de Sousa, Estudos sobre o Novo Processo Civil, 1997, pg. 70.

    lxivAntnio Montalvo Machado, ob. cit., pg. 349.

    lxvOb. cit., pg. 361 .

    lxviAcrdo da Relao do Porto, de 20.10.2005, processo n. 0534077, www.dgsi.pt.

    lxviiSe o facto, embora negativo, de acordo com a concreta formulao normativa, for considerado constitutivodo direito do autor, ser essa verso oportunamente alegada pelo interessado que deve ficar a constar da baseinstrutria (ex.: no mbito da aco de denncia do arrendamento para habitao, deve ser quesitado o facto de osenhorio no ter casa prpria ou arrendada h mais de uma ano.

    lxviiiCfr., sobre juzos de valor, Antunes Varela, CJ, Ano XX, 1995, Tomo III, pgs. 7-14.

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    lxixAbrantes Geraldes, ob. cit., II Volume, pg. 148 e Remdio Marques, ob. cit., pgs. 363/364.

    lxxQuesto de direito a que envolve a expresso dos princpios e das regras jurdicas, ou seja, a que tem a ver,essencialmente com a interpretao e aplicao das normas jurdicas.

    lxxiRevista Julgar, n. 1, Vrus Autoritrio e Processo Civil, pgs. 68-98.lxxiiDireito Processual Civil - Do Antigo ao Novo Cdigo, 2 edio, pg. 318.

    lxxiii Il Diritto delle prove nel quadro normativo dell Unione Europea, em Rivista Trimestrale di Diritto eProcedura Civile, Ano LX, n. 2, Junho de 2006, pg. 468, nota 6.

    lxxivOrlando Afonso, Poder Judicial Independncia in Dependncia, pg. 168.

    lxxvConvidado de pedra, na designao de Lascano.

    lxxviFalta de advogado, cuja ausncia no determine o adiamento da audincia.

    lxxviiAcidentes de viao, aces relacionadas com direitos reais, aces em que se discutam obras, etc.

    lxxviiiAspectos do Novo Processo Civil, pg. 252.

    lxxixOb. cit., pg. 405.

    lxxxOb. cit, II Volume, pg. 269, nota 425.

    lxxxiAbrantes Geraldes, ob. cit.,II Volume, pg. 259.

    lxxxiiAcrdo do STJ de 25.03.2004, no processo n. 02B4702, www.dgsi.pt.

    lxxxiiiAcrdo do STJ de 14.06.1972, BMJ 218, pg. 208.

    lxxxivAcrdo da Relao de Coimbra, de 10.11.1992, BMJ 421, pg. 517.

    lxxxvAcrdo da Relao do Porto, de 18.03.1997, processo 9730856, www.dgsi.pt.

    lxxxviAcrdos do STJ de 08.02.1979 e de 13.05.1993, nos processos 067545 e 084719, respectivamente, ambos emwww.dgsi.pt.

    lxxxviiAbrantes Geraldes, ob. cit., pg. 228.

    lxxxviiiLebre de Freitas, CPC Anotado, Volume 2, pg. 629, e jurisprudncia a citada.

    lxxxixAcrdos da Relao do Porto de 23.03.1998, no processo 9831099, e de 30.11.1999, no processo 0030644,ambos em www.dgsi.pt.

    xcAcrdo de 10.12.1992, BMJ 422, pg. 442.

    xciAbrantes Geraldes, ob. cit., II Volume, pg. 263.

    xciiAbrantes Geraldes, ob. cit., II Volume, pg. 264.

    xciiiBaptista Machado, Obra Dispersa, Vol. II, pg. 168 .