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1. Arquiplago de So Pedro e So PauloContra-almirante Jos Eduardo Borges de Souza

2. A primeira e a segunda Estao CientficaCristina Engel De Alvarez

Sumrio

3. O arJacyra Soares

4. Gravimetria absoluta e geomagnetismoMauro Andrade de Sousa

5. O Arquiplago de So Pedro e So Paulo e sua posio mpar na diversidade geolgica da TerraLuiz Srgio Amarante Simes e Thomas Ferreira da Costa Campos

6. Rochas do Manto AbissalSusanna Eleonora Sichel

7. As rochas sedimentares e a formao neogenica de So Pedro e So PauloThomas Ferreira da Costa Campos

8. Registros fossilferos

Srivastava, N. K. 1; Campos, T. F. da C.

9. Padro petro-estrutural das rochas e o seu significado no contexto tectnico do atlntico equatorialLuiz Srgio Amarante Simes, Frederico Guilherme Guaraldo de Andrade e Thomas Ferreira da Costa Campos

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10. HidrologiaSilvio J. Macedo

11. Modelagem matemtica da circulao ocenica na regio equatorialMoacyr Araujo

12. Estrutura da comunidade fitoplanctnicaMaria Luise Koening

13. O ZooplnctonAndrea Santarosa Freire

14. Zooplncton do Arquiplago de So Pedro e So PauloXiomara Franchesca Garca Daz, Lucia Maria de Oliveira Gusmo e Sigrid Neumann Leito

15. Distribuio espacial de invertebrados bentnicos infralitoraisAmaral, F.d

16. As esponjas do Arquiplago de So Pedro e So Paulo: Passado, Presente e FuturoGuilherme Muricy

17. Anmonas do mar do Arquiplago de So Pedro e So Paulo e do sudeste brasileiro: potencial biotecnolgico e farmacuticoJos Carlos de Freitas

18. MalacofaunaPaula S. de Oliveira

19. Lulas e polvos do Arquiplago de So Pedro e So PauloLeite, T.s.

20. A vida do caranguejo grapsus grapsus (linnaeus, 1758) no Arquiplago de So Pedro e So PauloFreire, A.

21. As lagostas do Arquiplago de So Pedro e So PauloAllysson P. Pinheiro, Camila Aguirre Ges e Jorge Eduardo Lins Oliveira

22. Os Peixes-macaco do Arquiplago de So Pedro e So PauloLiana de Figueiredo Mendes

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23. A ictiofauna do Arquiplago de So Pedro e So Paulo com nfase aos peixes-voadores (exocoetidae)Rosangela Lessa

24. Ecologia dos grandes peixes pelgicos no Arquiplago de So Pedro e So PauloFabio Hazin

25. Comportamento da albacora-laje thunnus albacares (bonnaterre, 1788) no Arquiplago de So Pedro e So PauloPaulo Eurico Pires Ferreira Travassos

26. Padres de conectividade nas populaes marinhas do Arquiplago de So Pedro e So PauloCarlos Eduardo L. Ferreira

27. Aspectos carioevolutivos de peixes do Arquiplago de So Pedro e So Paulo Molina, W.F. e Affonso, P.r.A.M. 28. Monitoramento da avifauna 29.A fosfatizao pela ao de aves no Arquiplago de So Pedro e So Paulo: de darwin s pesquisas atuaisCarlos Ernesto G. R. Schaefer

30. Os mamferos marinhosThales Renato O. de Freitas

31. Os cetceos do Arquiplago de So Pedro e So Paulo: com nfase no golfinho-nariz-de-garrafa, tursiops truncatus (Montagu, 1821)Ott, P. H.

32. Mercrio e cdmio em atum - thunnus albacares (bonnaterre, 1788) pescado no Arquiplago de So Pedro e So PauloJoo Paulo Machado Torres

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Apresentao10 anos Programa Arquiplago So Pedro e So Paulo

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Agradecimentos10 anos Programa Arquiplago So Pedro e So Paulo

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O AROs autores agradecem ao CNPq, Fapesp, CAPES e ao Institute de Recherche pour le Dveloppement (IrD) pelo suporte dado ao projeto FluTuA.

POSiO MPAR DO ARquiPLAGO DE SO PEDRO E SO PAuLO nA DivERSiDADE GEOLGiCA DA TERRAOs autores agradecem ao Programa Arquiplago e Ilhas Ocenicas da Secretaria Interministerial de recurso do Mar (SECIrM) e do Conselho Nacional de Desenvolvimento Cientfico e tecnolgico (CNPq) as facilidades concedidas durante as estadias no ASPSP. Ao CNPq, a Coordenao de Aperfeioamento de Pessoal de Nvel Superior (CAPES) e ao Petrleo Brasileiro S/A (PETrOBrS) pelo suporte financeiro. Agradecem-se ainda ao Centro de Geocincias da Universidade de Coimbra e de Lisboa (Portugal), ao Instituto de Geocincias da Universidade Federal do rio Grande do Sul, ao Institut fr Mineralogie und Kristallchemie der Universitt Stuttgart (Alemanha) e ao General and Analytical Chemistry University of Leoben (ustria) pelas facilidades laboratoriais concedidas.

ESTRuTuRA DA COMuniDADE FiTOPLAnCTniCAOs autores agradecem Prof. Dra. Enide Eskinazi Lea pelas valiosas sugestes.

ZOOPLnCTOn tripulao do Transmar I e Transmar II, a todos os pesquisadores que trabalharam nas coletas e processamento das amostras, CNPq, FAPESP e SECIrM.

AS ESPOnJAS: PASSADO, PRESEnTE E FuTuROAgradecemos a SECIrM/Marinha do Brasil, CNPq, FAPErJ, FBPN, SAMN e guas Claras pelo apoio logstico e/ou financeiro, alm de todos os colegas que auxiliaram nas etapas deste trabalho.

AnMOnAS DO MAR DO ARquiPLAGO DE SO PEDRO E SO PAuLO E DO SuDESTE BRASiLEiRO: POTEnCiAL BiOTECnOLGiCO E FARMACuTiCOApoio financeiro do CNPq (Processo 563874/2005-8) e FAPESP (Processo 01/14243-5).

LuLAS E POLvOSO projeto contou com o financiamento do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento (CNPq) e a Comisso Interministerial para recursos do Mar (CIrM Marinha do Brasil). Agradecemos s instituies e aos funcionrios que contriburam para a realizao deste trabalho (FUrG e UFrN) e ao Luciano Fisher, pelas fotografias das lulas e polvos pelgicos.

A viDA DO CARAnGuEJO GRAPSUS GRAPSUSs tripulaes dos barcos Transmar I e Transmar II, a todos que participaram das coletas e processamento de amostras, ao CNPq, FAPESP e SECIrM.

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OS PEiXES-MACACO todos que participaram das expedies ao ASPSP para coleta de dados do projeto Blenideos; Sergio Vargues Arantes, ronaldo Francini Filho, Carlos Augusto rangel, Tiego Arajo Costa, Ana Luisa Pires Moreira e Mauro Sergio Pinheiro Lima. Ao CNPq e SECIrM, pelo apoio financeiro e logstico. Ao Prof. Jorge Lins (Labipe-DOL), pelo apoio logstico em terra.

PEiXES RECiFAiS: SnTESE DO ATuAL COnHECiMEnTOAo apoio indispensvel do Conselho Nacional de Pesquisa e Desenvolvimento Cientfico e Tecnolgico (CNPq) e Comisso Interministerial para os recursos do Mar (CIrM Marinha do Brasil), alm de todas as instituies sedes dos autores. Aos inmeros colegas que tm contribudo com observaes, fotos e relatos sobre os peixes do ASPSP.

ASPECTOS CARiOEvOLuTivOS DE PEiXESOs autores agradecem SECIrM, ao CNPq e UFrN pelas condies oferecidas para o desenvolvimento do presente trabalho. s tripulaes do TrANSMAr I e do TrANSMAr II pelo apoio logstico. Aos inmeros estudantes que, por meio de seus trabalhos, tm contribudo para o maior conhecimento da ictiofauna da regio.

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Contra-Almirante (RM1) Jos Eduardo Borges de Souza

ABSTRACTMomom

KEYWORDSMomom

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Momomo

inTRODuO

Arquiplago So Pedro e So Paulo

Distante cerca de 1.100 km do litoral do rio Grande do Norte, o arquiplago de So Pedro e So Paulo (ASPSP) (Fig. 1) constitui um pinculo de um colossal edifcio rochoso submarino que se ergue de uma profundidade de 4.000 metros (MIGUENS, 1995). Formado por seis ilhas maiores, quatro menores e vrias pontas de rocha, apresenta uma rea total emersa de aproximadamente 17.000 metros quadrados, e a distncia entre os pontos extremos de cerca de 420 metros (MIGUENS, 1995). As baixas altitudes e pequenas dimenses tornaram o ASPSP um ponto crtico Figura 1. Detalhe da carta nutica comemorativa aos 10 anos para a navegao (Fig. 2), pois as ilhas do Proarquiplago so de difcil deteco a olho nu, princiFigure 1. Momomom palmente em condies adversas de luz e de tempo, o que veio a provocar alguns naufrgios ao longo da histria (Fig. 2). O primeiro e mais famoso deles foi o ocorrido com a nau portuguesa So Pedro, em 1511, comandada pelo capito Manuel de Castro Alcoforado, que se desgarrou da armada, que partiu de Portugal em 20 de abril de 1511, a qual se dirigia s ndias, e veio a se chocar com os rochedos sem chance de salvamento.Arquivo da SECIrM

Figura 2. Foto do ASPSP vista do mar. Figure 2. Momomom

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Sua posio erma e o pouco interesse que despertava, devido s difceis condies de vida e de desembarque, retardaram a colocao de sinalizao nutica no arquiplago. A primeira tentativa de instalar um farol na ilha Belmonte, que apresenta a maior altitude cerca de 18 metros foi feita em 1930, pela tripulao do navio da Marinha do Brasil Belmonte. No entanto, o trabalho foi interrompido pela ecloso da revoluo de 1930, s vindo a ser concludo no ano seguinte, em 1931. Contudo, dois anos depois em 1033, o farol foi destrudo, provavelmente pela ao de um tremor tectnico, tendo sido, a partir da, abandonado (Histria Martima Brasileira, 1979). Somente em 1995, a Marinha do Brasil voltou a construir um farol no local, na ilha Sudoeste, visando reduzir a incidncia de naufrgios em suas guas, o qual resiste at hoje. O atual farol automtico, construdo em fibra de vidro, com seco cilndrica de um metro de dimetro com seis metros de altura (MOrAES, 1996). A formao das ilhas basicamente de rochas que se projetam para o mar com forte declive, sendo desprovidas de praias, vegetao e gua potvel. O desenvolvimento de pesquisas cientficas neste pequeno arquiplago rochoso reveste-se de enorme importncia para o Pas, a qual se traduz em aspectos estratgicos, cientficos, tecnolgicos, polticos, sociais e logsticos.

A iMPORTnCiA ESTRATGiCAA Conveno das Naes Unidas sobre os Direitos do Mar (CNUDM), assinada pelo Brasil em 1982 e ratificada em dezembro de 1988 (DHN, 1997), mudou a ordem jurdica internacional relativa aos espaos martimos, instituindo o direito dos Estados costeiros de explorar e aproveitar os recursos naturais da coluna dgua, do solo e subsolo dos oceanos, presentes na sua Zona Econmica Exclusiva (ZEE), que a rea martima de 188 milhas de extenso, a partir do limite exterior do Mar Territorial (CASTrO, 1989), o qual se estende por 12 milhas, a partir da linha de costa. No entanto, em relao ao regime de Ilhas, o artigo 121 dessa Conveno, em seu pargrafo 3, afirma que: os rochedos que por si prprios no se prestam habitao humana ou vida econmica no devem ter Zona Econmica Exclusiva nem Plataforma Continental (CASTrO, 1989). Em conseqncia, passou a existir um forte motivo estratgico para promover a ocupao definitiva do arquiplago. Sua posio geogrfica mostrou-se de grande valor para

Figura 3. ZEE brasileira com destaque para o ASPSP. Figure 3. Momomom

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a projeo do Pas no mar, desde que vencido o desafio de se promover a habitao do local em carter permanente. Assim, aps seis anos de sucesso com a habitao permanente do ASPSP, em 2004, o Brasil oficializou, junto ONU, o traado da ZEE em torno do ASPSP, acrescentando, dessa forma, a impressionante rea de 450.000 km2 sua ZEE original, o que equivale a aproximadamente 15% de toda a ZEE brasileira ou 6% do territrio nacional (Fig. 3).

OS ASPECTOS CiEnTFiCOS E TECnOLGiCOSApesar do interesse cientfico por reas remotas, em geral, haver ganhado maior vulto somente no sculo XX, principalmente no que se refere preservao ambiental, o ASPSP sempre despertou elevado interesse de pesquisadores. Passaram pelo arquiplago, por exemplo, Darwin, o pai da biologia marinha, a bordo do Beagle, em 1931; e o irlands Shackleton, em 1921, a bordo do Quest. Apesar de apresentar condies inspitas vida na parte emersa, o ASPSP cercado de rica biodiversidade na parte submersa, alm de apresentar uma estrutura geolgica promissora na existncia de minerais raros (BrASIL, Programa rEMPLAC, SECIrM, 2008). O seu posicionamento geogrfico, entre os hemisfrios norte e sul e os continentes africano e americano, atribui ao ASPSP uma condio nica para o desenvolvimento de pesquisas, podendo-se dizer que, de certa forma, a construo da estao cientfica o transformou em um navio oceanogrfico permanentemente fundeado no meio do Oceano Atlntico, disposio da comunidade cientfica brasileira, que pode realizar ali pesquisas nas reas de Meteorologia, Geologia e Oceanografia Fsica, Qumica e Biolgica. Tambm em decorrncia de sua localizao geogrfica estratgica, o ASPSP constitui uma rea de enorme importncia biolgica, exercendo um papel relevante no ciclo de vida de vrias espcies que possuem na regio uma etapa importante de suas rotas migratrias, quer como rea de reproduo, quer como zona de alimentao, no apenas para peixes, mas para crustceos, aves, quelnios e mamferos aquticos. Algumas espcies raras como o tubaro-baleia, por exemplo, so encontradas com relativa freqncia nas proximidades do arquiplago, (mais de 100 avistagens entre 2000 e 2008; HAZIN, 2008), que oferece, assim, uma grande oportunidade para estudos de comportamento. Tambm, a regio do ASPSP, em decorrncia dos fatores geogrficos e meteorolgicos, revela-se um perfeito laboratrio para o experimento de inovaes tecnolgicas. No caso especfico da Arquitetura, o estabelecimento de uma edificao capaz de prover conforto e segurana sem, no entanto, impactar o frgil ambiente, s foi possvel mediante a busca incansvel por solues de engenharia que contornassem as barreiras impostas pelas adversidades tpicas do local. O reconhecido sucesso alcanado com a ocupao do ASPSP comprova a possibilidade de, mesmo em casos extremos, se estabelecer uma relao harmnica entre a presena humana e a conservao de determinado ecossistema, conhecimento este que j tem amplo emprego em muitas outras regies do Pas. A construo da Estao foi precedida de estudos tecnolgicos sobre o regime de ventos e mars, fora e direo das ondas, regime de insolao, resistncia dos materiais, principalmente no que tange madeira, alm de pesquisas sobre fontes limpas de energia alternativa, produo de gua, sistema de comunicaes e equipamentos de segurana individual e coletivo. Tudo isso, claro, com a necessria preocupao com a segurana dos seus ocupantes e com o meio ambiente, de modo a se obter as melhores condies possveis para a vida e impacto mnimo com a presena humana em to remoto10 anos Programa Arquiplago So Pedro e So Paulo

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e preservado rinco brasileiro. O sistema construtivo foi tambm alvo de estudos inovadores, permitindo a adaptao das necessidades dos meios logsticos disponveis s condies de desembarque na ilha principal, a Belmonte, escolhida para a instalao da Estao Cientfica (ALVArEZ, 2000).

OS ASPECTOS POLTiCO E SOCiALO ASPSP est na rota migratria de peixes (Fig. 4) com altssimo valor comercial como, por exemplo, algumas espcies de atuns e afins (BrASIL, rEVIZEE, 2008). Apesar de a captura desses peixes no Mar Mediterrneo e Oceano Atlntico representar, no comrcio mundial, um recurso pesqueiro que gera anualmente mais de U$ 4 bilhes em valor direto de venda, a participao brasileira nessas capturas ainda extremamente tmida. A posio do governo brasileiro na ICCAT (Comisso Internacional para a Conservao do Atum Atlntico) tem sido a de defender com intransigncia o respeito aos limites mximos de captura estabelecidos pelo Comit Permanente de Pesquisa e Estatstica da Comisso e, ao mesmo tempo, a de exigir como vem fazendo uma participao maior nas cotas de captura, condizente com a estatura geopoltica do Pas. Nesse contexto, as informaes geradas pelas pesquisas em desenvolvimento no ASPSP, associadas ao fato de o ASPSP situar-se no Atlntico Norte, constituem um importante ativo de negociao, no apenas na ICCAT, mas tambm em outros fruns internacionais, como a prpria FAO (Organizao das Naes Unidas para Agricultura e Alimentao). Cabe destacar que, em 2004, o Brasil conquistou um aumento da cota de captura de espadarte de 2.300 para 4.700 toneladas (SEAP/Pr, 2008).

Figura 4. Vista area do arquiplago de So Pedro e So Paulo. Figure 4. Momomom10 anos Programa Arquiplago So Pedro e So Paulo

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No obstante a configurao de um potencial promissor no que concerne captura de estoques com alto valor agregado, o ASPSP j constitui uma das mais importantes reas de pesca do nordeste brasileiro, sendo bastante visitada por embarcaes baseadas em portos daquela regio, principalmente em Natal rN e recife PE (JOrNAL DA CINCIA, 2006). Como resultado dessa atividade na regio, so capturadas anualmente em torno de 600 t de peixes, correspondendo a aproximadamente r$ 2 milhes, gerando cerca de 100 empregos diretos e 500 indiretos, o que atribui ao ASPSP, tambm, uma grande relevncia social (SEAP/Pr, 2008).

O ASPECTO LOGSTiCODepois de construda, a Estao Cientfica do ASPSP passou a ser guarnecida por um grupo de at quatro pesquisadores oriundos de instituies de ensino e pesquisa espalhadas por todo o territrio nacional, revezando-se em expedies cientficas com permanncia de quinze dias. Entretanto, manter os referidos pesquisadores em um local inspito como So Pedro e So Paulo, com as necessrias condies de conforto e principalmente segurana, exigiram muita criatividade e um grande esforo logstico. As diferenas entre o ambiente do ASPSP e os meios urbanos comuns so muitas, tornando o viver no arquiplago dependente de um treinamento prvio. Dessa forma, todos os pesquisadores indicados para integrar uma expedio cientfica precisam passar, obrigatoriamente, pelo chamado Treinamento Pr-Arquiplago (TPA), instruo que tem durao de uma semana e validade de dois anos. O TPA realizado nas instalaes da Base Naval de Natal, tendo como instrutores especialistas em todos os assuntos e profissionais e pesquisadores com vasta experincia nas peculiaridades da vida no arquiplago. Na ocasio, os alunos tomam conhecimento da rotina obrigatria na Estao Cientfica, dos cuidados com os equipamentos, das normas para a realizao das atividades cientficas e dos perigos que rondam o ASPSP. Alm disso, recebem instrues de combate a incndio, primeiros-socorros, sobrevivncia no mar, natao utilitria e operao de equipamentos, tais como: dessalinizador, gerador de energia, variados tipos de equipamentos de comunicaes, incluindo os seus usos em emergncia, bote inflvel e motor de popa. Aprendem, ainda, os procedimentos a serem adotados em casos de abalos ssmicos e investidas de fortes ondas e sobre quando e como proceder para o uso do posto de emergncia instalado na base do farol. O transporte entre Natal e o ASPSP feito atravs de barcos fretados pela Secretaria da Comisso Interministerial para os recursos do Mar, SECIrM, para esse fim exclusivo, cabendo ressaltar que, alm de realizar o transporte, os referidos barcos permanecem nas imediaes do arquiplago em tempo integral para, se necessrio, prestar apoio aos pesquisadores em situaes anormais e de emergncia. Esses barcos possuem alimentos e gua armazenados em grande quantidade, equipamentos de comunicaes compatveis com os do arquiplago e capazes de falar com o continente, alm de uma guarnio experiente e adestrada. A gerao de energia no local obtida, primariamente, a partir de um sistema fotovoltaico projetado pelo CEPEL (Centro de Pesquisas de Energia Eltrica do MME Ministrio de Minas e Energia). Totalmente limpa, a energia gerada abastece o aparato de comunicaes via satlite, que dispe a Estao Cientfica, e todos os equipamentos eltrico-eletrnicos empregados pela Estao e pelos10 anos Programa Arquiplago So Pedro e So Paulo

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pesquisadores, inclusive um dessalinizador capaz de produzir gua doce suficiente para suprir confortavelmente todas as suas necessidades. O abastecimento de gneros e combustveis atualmente realizado sob a superviso do Depsito Naval de Natal, da Marinha, enquanto a manuteno dos equipamentos e das prprias edificaes conduzida por profissionais lotados na Base Naval de Natal, orientados por arquitetos da UFES e com o apoio indispensvel dos meios subordinados ao Comando do Terceiro Distrito Naval Com 3 DN. Cabe ressaltar a importncia da participao do Laboratrio de Planejamento e Projetos da Universidade Federal do Esprito Santo (UFES) e do Laboratrio de Produtos Florestais do IBAMA, entre outras instituies cooperantes, na manuteno das edificaes da Estao Cientfica, tarefa levada a cabo a cada quatro meses, possibilitando a reviso de conceitos, a realizao de modificaes e o aprendizado sobre a construo em locais inspitos, com os conhecimentos e a experincia ali obtidos e inclusive j aplicados em outros projetos em ilhas ocenicas brasileiras, como a ilha da Trindade e no atol das rocas. O complexo apoio logstico relacionado ao Programa ASPSP envolve, portanto, atores das mais variadas esferas do governo federal, com maior concentrao na capacidade instalada da prpria Marinha. A salvaguarda da vida humana sempre norteou as aes empreendidas no mbito do Programa Arquiplago, tendo sido essa uma preocupao constante e que tem sido recompensada. Nesses dez anos de atividades no arquiplago de So Pedro e So Paulo, apesar dos incidentes e acidentes motivados por fenmenos naturais, no h registro de nenhum caso de seqela humana, muito menos de morte, podendo-se ainda afirmar que nenhuma ao de proteo vida humana provocou conseqncias danosas ao meio ambiente. O sucesso na segurana no se deve nem ao fator sorte nem raridade do risco, mas sim permanente preocupao com a preveno, adestramento e emprego de equipamentos adequados s atividades, alm da seriedade no preparo dos homens e mulheres envolvidos nesse programa. Por exemplo, aps a destruio causada por fortes ondas em junho de 2006, mesmo estando planejada a substituio da Estao Cientfica para um perodo posterior, foi imediatamente acrescentado aos itens de segurana um refgio projetado pelo Laboratrio de Planejamento e Projetos da UFES, instalado na estrutura do farol, que possibilita abrigo temporrio, alm de conter em reserva equipamentos de comunicao, alimentos e gua. No mbito do Programa Arquiplago, portanto, busca-se o preparo e o alerta para ocorrncias provocadas por fenmenos naturais extremos que possam causar danos s instalaes, de modo a proteger o homem. A regio monitorada com especial ateno pelo servio de meteorologia da Marinha, por meio da Diretoria de Hidrografia e Navegao, a DHN, possibilitando alertas antecipados de qualquer alterao significativa nas condies climticas no ASPSP. O aspecto tecnolgico, responsvel por garantir a presena do homem nas ilhas, uma das maiores preocupaes do Programa Arquiplago PrOArQUIPLAGO. Foi por esse motivo que o incidente natural de grandes propores, ocorrido no arquiplago de So Pedro e So Paulo, em 5 e 6 de junho de 2006 trazendo a perda parcial da Estao Cientfica e de seus acessrios , no provocou maiores conseqncias para os pesquisadores que estavam no arquiplago no momento do incidente.

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Tal fenmeno natural, que ocasionou fortes ondas, foi causado por abalos ssmicos, com ordem de grandeza acima de 6 na escala richter, ocorridos no hemisfrio norte, com epicentro no mar, a cerca de 140km do arquiplago. Como resultado, vagalhes de grandes propores atingiram o ASPSP, arremessando o compartimento de baterias em direo Estao Cientfica, rompendo suas paredes e permitindo que ondas subseqentes entrassem na Estao e destrussem parte de seu interior. Os pesquisadores devidamente preparados para este tipo de situao cumpriram exatamente os procedimentos ministrados, no tendo havido, como resultado, qualquer dano fsico, com todos eles tendo regressado aos seus lares com a segurana adequada.

O APRiMORAMEnTO TECnOLGiCOApesar de a ECASPSP ter se mostrado resistente a no raros incidentes causados por fenmenos oceanogrficos, meteorolgicos e geolgicos comuns naquela regio, concluiu-se, ainda em 2005, pela necessidade de se construir uma nova Estao, com vistas ao seu aprimoramento. Nesse intuito, o aspecto de maior relevncia foi a busca de um novo local de implantao, uma vez que os conhecimentos acumulados sobre o lugar recomendavam a instalao em uma rea mais abrigada. Alm da SECIrM, o projeto de construo da nova Estao Cientfica contou, mais uma vez, com a participao de Instituies com histrico de relevantes contribuies ao Programa Arquiplago, tais como: Comando do 3 Distrito Naval; Base Naval de Natal; Universidade Federal do Esprito Santo (UFES); Centro de Pesquisas em Energia Eltrica (CEPEL); e Laboratrio de Produtos Florestais, do IBAMA. O processo teve incio com o projeto de novas instalaes, incorporando a experincia obtida nos oito anos de presena no prprio arquiplago e em outras instalaes semelhantes, onde esses atores trabalham em projetos similares. O projeto considerou os fatores naturais que interagem com o ASPSP, alm das novas necessidades impostas por modernos equipamentos de pesquisa, que exigem espao, energia e comunicaes em tempo real com o continente (SECIrM, 2008). A prioridade com a proteo contra abalos ssmicos, que norteou a escolha do local da primeira Estao Cientfica, foi parcialmente substituda pela preocupao em proteger as novas instalaes contra as fortes ondas, que se mostraram uma ameaa mais importante e mais freqente que os tremores naturais, embora tais eventos no pudessem ser negligenciados. Sob o aspecto da preservao ambiental, destaca-se que os estudos contaram com a fundamental contribuio do Ministrio do Meio Ambiente, seja na forma de sugestes para a reduo de impactos, seja no fornecimento de elementos e dados auxiliares para a tomada de decises. Esta segunda Estao Cientfica (Fig. 5) incorpora novas solues de arquitetura e engenharia, tendo sido construda em um local mais abrigado e seguro em relao s intempries naturais mais freqentes, e em uma regio normalmente alagada, diminuindo conseqentemente a ocupao humana do territrio natural das aves. Alm de oferecer melhores condies para realizao de pesquisas, a nova Estao Cientfica fortalece ainda mais o elevado nvel de segurana j alcanado no mbito do Programa Arquiplago (SECIrM, 2008), aumentando a confiana e a certeza de que o PrOArQUIPLAGO um programa nacional de sucesso. Comentrios Finais10 anos Programa Arquiplago So Pedro e So Paulo

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Figura 5. A nova Estao Cientfica do arquiplago de So Pedro e So Paulo Figure 5. Momomom

Pode-se afirmar, portanto, que os reflexos dos trabalhos relacionados ocupao do ASPSP tm repercusso bastante acentuada nos seguintes aspectos: Aumentodopoderdepersuasojuntoaosorganismosinternacionaisqueregulamacaptura de espcies de comportamento migratrio com alto valor comercial; Possibilidadeconcretadepreservaodediversasespciesendmicas,oque,alis,confereao Pas posio de destaque no cenrio internacional; Geraodeinformaespelosdiversosramosdacincia,deformasimultneaeempermanente interao, produzindo resultados significativos com, inclusive, impacto direto no aumento da oferta de alimentos e na gerao de emprego e renda em vrios segmentos da sociedade; e Aplicaodeconhecimentostecnolgicosemsistemticadeconstruesemreasinspitas, produo de energia limpa e capacidade logstica de apoio em grandes distncias. No menos importante, e digno de se ressaltar, que todas as atividades desenvolvidas neste extremo do territrio brasileiro so fruto de um forte trabalho de equipe, composta de um sem

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nmero de organismos, conferindo um carter de multidisciplinaridade ao sucesso e demonstrando a capacidade do brasileiro em ultrapassar barreiras. No bastassem todos esses argumentos, ainda existe o fato da ocupao do ASPSP consolidar uma ZEE de 450.000km2 ao seu redor, o que por si s j justificaria os esforos despendidos para manter o local permanentemente habitado. Como se percebe, notria e indiscutvel a relevncia das atividades desenvolvidas no mbito do Programa Arquiplago, sob vrios pontos de vista, com muitos benefcios j tendo sido alcanados e inmeros outros que certamente ainda adviro para as geraes futuras de brasileiros, com a ocupao deste importante espao martimo. De tudo o que foi dito fica uma certeza: a bandeira nacional deve permanecer hasteada de forma ininterrupta naquele longnquo recanto do Brasil no Oceano Atlntico e para isso ser uma realidade no nos faltam homens e mulheres determinados e competentes.

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Cristina Engel de Alvarez1, Anderson Buss Woelffel1, Braz Casagrande1, Edna Mara Gumz1, Julio Eustquio de Melo2

ABSTRACTThe First Scientific Station of the St. Peter and St. Pauls Archipelago, built by the slab-beam system in wood, was designed according to the environmental construction of an inhospitable place and liable to earthquakes. The projectual methodology employed and constructive technical adopted were conceptually based on three premises: security, logistics and environment. Since its opening in 1998, the station went through a series of evaluations and maintenance of its constructive system. After a few events with waves, which caused damage to its structure, it was observed the need for the construction of a second station. The same techniques of construction were adopted, whose effectiveness has been proven in these 10 years of life of the First Station, and some enhanced solutions based on the specific needs of users. The Second Station has an area of 79 m distributed in: bedroom, kitchen/living/dining room, bathroom, laboratory, deposit, deck and terrace.

KEYWORDSSustainable architecture, wooden architecture, ocean islands.

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Laboratrio de Planejamento e Projetos da Universidade Federal do Esprito Santo. Laboratrio de Produtos Florestais do Servio Florestal Brasileiro.

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A primeira e a segunda estao cientfica

Pescadores, cientistas e visitantes que j estiveram no Arquiplago de So Pedro e So Paulo (ASPSP) afirmam ser este o local brasileiro mais inspito para a vida humana. A ausncia de gua doce e vegetao, a violncia dos mares no entorno, a grande quantidade de tubares e caranguejos, os abalos ssmicos freqentes, as aves e seus piolhos e a distncia da costa so elementos que desestimulavam qualquer tentativa de construo no local (ALVArEZ, 2003). Em 1998, foi inaugurada a Primeira Estao Cientfica e, a partir da ocorrncia de eventos que ocasionaram danos edificao principal, foi constatada a necessidade de construo de uma nova edificao, baseada nos conhecimentos adicionais acumulados com as avaliaes sistemticas produzidas durante o perodo de ocupao efetiva do Arquiplago. Dessa forma, em novembro de 2007, foi realizada a construo da Segunda Estao, ainda sem os sistemas complementares instalados (gua, esgoto, energia, comunicaes e mobilirio), estando prevista sua concluso e inaugurao em junho de 2008, quando a primeira estao completa 10 (dez) anos de atividades. Para o desenvolvimento do projeto arquitetnico e da tcnica construtiva da primeira estao, foram executadas somente duas expedies de reconhecimento ao arquiplago. Assim, a partir da escolha do local de implantao precedida de critrios e metodologia previamente estabelecidos foi elaborado o programa de necessidades, baseado nas seguintes condicionantes: OarquiplagodefinidocomoAPAreadeProteoAmbiental,exigindorigorosocritriode minimizao do impacto ambiental na implantao e no uso da estao. Ascondiesambientaisnaturaissoabsolutamentedesfavorveis,sendoconsideradosespecialmente os seguintes aspectos: clima quente e mido, solo rochoso sem ocorrncia de praias, abundncia de tubares e aves (dificultando o transporte martimo e impedindo o uso de aeronaves), violncia dos mares no entorno, reas planas restritas e alagveis, rochas pontiagudas e escuras (absorvedoras de radiao) em toda a extenso das ilhas, abundncia de chuvas em determinadas pocas do ano, etc. GrandepossibilidadedeocorrnciadeterremotosdeintensidadeVIeVIInaescalaMercalliModificada (rOSA, 1996). Dificuldadedemanuteno,peladistnciadocontinente,tendocomoconseqnciaanecessidade de auto-suficincia nas instalaes complementares. Ausnciadeequipamentosemo-de-obraespecializadatantonamontagemdaestaocomo em sua posterior operacionalizao. Reduzidoprazoparaaexecuodasobras. Situaodeestressedosocupantesemfunodoisolamentoedaspeculiaridadesdoambiente. Para a segunda estao, se, por um lado, alguns fatores tenham tido sua importncia reduzida em funo dos novos conhecimentos adquiridos como a verificao da no-interferncia da presena

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dos tubares e a baixa ocorrncia de abalos ssmicos de mdia ou grande intensidade , outros elementos foram adicionados, como, por exemplo, a freqente ocorrncia de fortes ondas e a necessidade de desenvolver solues compatveis com os conhecimentos e a cultura dos usurios.

A METODOLOGiA PROJETuALO projeto para a Estao Cientfica do Arquiplago de So Pedro e So Paulo (Fig. 1) foi sistematizado a partir de estudos anteriormente desenvolvidos em reas semelhantes, tais como a Antrtica e o Atol das rocas, destacando-se que os procedimentos para a primeira e para a segunda estao foram semelhantes, seguindo rigorosamente as mesmas etapas inicialmente definidas, cujo conceito bsico adotado foi alicerado em trs premissas: segurana, logstica e meio ambiente (Fig. 2). Em relao especificamente premissa relacionada adequao ambiental e busca de menor impacto, observa-se que se aplica tanto na etapa de construo como, posteriormente, nas atividades de operao, uso, manuteno e eventual desmonte. Alm disso, so considerados tambm os impactos no mbito interno da edificao, as relaes com o ambiente externo imediato, as trocas energticas Figura 1. A Primeira Estao Cientfica do Arquiplago de So Pedro e So Paulo, na inaugurao, em 25 de junho de 1998 (ALVArEZ et al, 2000). entre o exterior e o interior, Figure 1. The First Scientific Station of the St. Peter and St.Pauls Archipelabem como as conseqncias go, at the opening on June 25, 1998 (ALVAREZ et al, 2000). ambientais no mbito global.

Figura 2. Quadro sntese das diretrizes projetuais, elaborado a partir de ALVArEZ, 2003. Figure 2. Synthesis table of the design guidelines, prepared from ALVAREZ, 2003.

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Para a situao especfica do arquiplago, foram elaborados estudos adicionais relacionados arquitetura sismorresistente, com a avaliao prvia das solues estruturais desenvolvidas e ensaios preliminares. Nos aspectos gerais de planejamento, foram adotados os procedimentos metodolgicos sugeridos para a construo em reas de difcil acesso e de interesse ambiental proposto em Alvarez (2003), cuja principal caracterstica est nas vrias etapas previstas de avaliao visando retroalimentao do processo (Fig. 3). Paralelamente s pesquisas relacionadas ao sistema estrutural, foram desenvolvidos estudos de simulao higrotrmica, estudos ergonmicos para os equipamentos internos e detalhamento do sistema de obteno energtica, buscando sua mxima eficincia. Nesse contexto, os projetos arquitetnico e estrutural foram elaborados em total coerncia com os projetos complementares obteno de gua potvel a partir de dessalinizao por osmose reversa e sistema energtico com placas fotovolticas possibilitando a maior eficincia nos sistemas adotados.

Figura 3. Organograma da metodologia adotada para o projeto, construo, avaliao continuada e aprimoramentos para a Estao Cientfica do Arquiplago de So Pedro e So Paulo (ALVArEZ, 2003). Figure 3. Organogram of the adopted methodology for the design, construction, continued evaluation and improvements to the Scientific Station of St. Peter and St. Pauls Archipelago (ALVAREZ, 2003).

A partir de 1998 e seguindo o procedimento metodolgico adotado anteriormente e baseado no princpio da retroalimentao do sistema , a estao sofreu consecutivos processos de avaliao, atravs de uma metodologia especfica denominada Avaliao Ps-Ocupao (OrNSTEIN et al, 1995), envolvendo tcnicos, usurios e gestores. Os dados foram coletados e tratados, obtendo-se o elenco de aspectos positivos e negativos em relao satisfao dos usurios; eficincia da tcnica10 anos Programa Arquiplago So Pedro e So Paulo

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construtiva e sistemas complementares; operacionalidade e aos impactos constatados, sendo tais resultados adotados para a definio das diretrizes para a Segunda Estao Cientfica do Arquiplago de So Pedro e So Paulo.

A PRiMEiRA ESTAO CiEnTFiCAA primeira estao, assim como a segunda, foi projetada para abrigar at quatro pesquisadores com um tempo de permanncia previsto de cerca de quinze dias, tendo capacidade para ampliao do perodo para at trinta dias. A edificao principal, com aproximadamente 49 m de rea, teve seu leiaute distribudo em cinco ambientes: dormitrio, cozinha/jantar, sala de rdio/estar, sanitrio e varanda, conforme Figura 4. A tcnica construtiva foi concebida especialmente para a situao apresentada, buscando-se solues estruturais coerentes com a possvel ocorrncia de abaFigura 4. Leiaute da Primeira Estao los ssmicos e com os meios de transporte disponveis. Cientfica do ASPSP (ALVArEZ, 2003). Assim, foi desenvolvido um sistema construtivo prFigure 4. First Scientific Stations lay out fabricado, associando as qualidades da madeira com a (ALVAREZ, 2003). rigidez do ao (Fig. 5), apoiado em sapatas de concreto guarnecidas com amortecedores, objetivando a dissipao energtica dos abalos sobre a edificao. A total ausncia de equipamentos auxiliares em terra, a necessidade de transporte do material com o auxlio de botes inflveis e uma situao de mar quase sempre desfavorvel condicionaram o dimensionamento das peas. A adoo do sistema viga-laje pressups a utilizao de madeira seca em estufa obedecendo a um rgido controle no processo. Depois de montada, foram previstas aes peridicas de manuteno da estao objetivando, principalmente, o controle da presso exercida pelas barras rosqueadas, em funo da resposta das peas de madeira expostas ao ambiente marinho. Durante a primeira manuteno, observou-se um retraimento das peas de cobertura no expostas ao do mar e a estabilizao da poro sul da cobertura, constantemente lavada pelas ondas. A tcnica utilizada teve como principais objetivos a preveno de acidentes na eventual presena de um terremoFigura 5. Croqui do sistema viga-laje em to. Alm da necessria resistncia, tornava-se necessrio madeira (ALVArEZ et al, 2000). precaver-se contra a possibilidade de desprendimento de Figure 5. Sketch of wooden slab-beam system (ALVAREZ et al, 2000). pequenas peas, fato comum nos meios urbanos sujeitos10 anos Programa Arquiplago So Pedro e So Paulo

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a abalos ssmicos. Assim, o conjunto edificado deveria formar um todo coeso, no desprendendo nenhum componente, mesmo quando sujeito a fortes impactos. A concepo arquitetnica buscou integrao com os sistemas complementares, especialmente o de obteno energtica, desenvolvida pelo CEPEL (GALDINO, 1998). Tal sistema, alicerado em placas fotovolticas, teve como principal fator de consumo o equipamento destinado extrao de gua potvel (dessalinizador por osmose reversa e bomba submersa), alm dos demais equipamentos necessrios para o alcance da desejvel condio de conforto e segurana. A estao foi montada no local em apenas doze dias, aps cerca de trs anos de estudos, ensaios preliminares, confeco das peas e testes de montagem no continente. Teve por diretriz conceitual a necessidade de funcionar como uma pequena cidade, garantindo a sobrevivncia e o bem-estar dos ocupantes, a auto-suficincia das instalaes e a preservao do ambiente natural. As principais aes especificamente voltadas para as questes relacionadas ao conforto do usurio e mxima eficincia energtica em todos os sistemas adotados foram: Adoodamadeiracomoprincipalelementoconstrutivo,tantopelasqualidadestrmicasdo material como pela agradvel sensao ao contato. A tipologia busca uma relao direta com a imagem casa, afastando a idia de serem os usurios participantes de algum tipo de inovao tecnolgica ou experimento cientfico (usurio = cobaia...). Orientaodasaberturasfavorecendoaventilaocruzadaeoeventualabandonoemergencial (incndio). Revestimentodacoberturaemmadeiracomalumniopolido,reduzindoaabsoroderadiao. Sistemadeventilaopermanenteemaberturas(trelias)emtodoocontornosuperiordaedificao para a extrao do calor acumulado no ambiente (efeito chamin). Suspensodopiso,permitindoaventilaoporbaixodaedificao,isolandodapossvelumidade ascendente e permitindo a eventual passagem da gua do mar nas mars mais altas. readelazerexterna(varanda),possibilitandomaiorintegraoentreexterior/interior. Locaodosequipamentosqueprovocamrudosconstantes(porex.ozumbidodosinversores) afastado do local de descanso e leitura (dormitrio). Mobiliriodesenhadodeacordocomapossibilidadedeocorrnciadeterremotoeotimizado em relao ao exguo espao interno disponvel. Pinturaexternanacorbranca(reflexodaradiao)einternanacorareia(clareamentoesensao de amplitude interna sem causar ofuscamento). EspecificaodosequipamentoseltricosdeacordocomoasrecomendaesdoCEPELCentro de Pesquisa da Eletrobrs.

AS PRinCiPAiS AvARiAS: 1999, 2004 E 2006Em outubro de 1999, um fenmeno no previsto de elevao do nvel do mar ocasionou transtornos nas edificaes e equipamentos instalados na Ilha Belmonte. A edificao principal sofreu um forte abalo, deslocando-se em cerca de 50 cm do local original de instalao. A flutuao da estao ocorreu em funo da topografia do entorno imediato, que contribuiu para que um grande volume de gua se acumulasse sob a casa, j que no possibilitava uma vazo10 anos Programa Arquiplago So Pedro e So Paulo

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adequada de sada (Fig. 6). A presso exercida no piso proporcionou a flutuao da casa e seu conseqente deslocamento. Logo aps o incidente, uma equipe foi enviada ao local constatando que o sistema viga-laje comportou-se exatamente conforme o previsto para a situao de terremotos (Fig. 7). A casa foi novamente nivelada e prumada e as sapatas de concreto receberam reforo, tendo a quebra de peas de madeira sido insignificante e os reparos, rapidamente executados (Fig. 8).

Figura 6. Croqui esquemtico do comportamento das ondas em relao topografia. Figure 6. Schematic design of the waves behavior in relation to the topography.

Figura 7. Situao da edificao principal aps o deslocamento. Figure 7. Situation of the main building after displacement.

Figura 8. Situao da edificao aps as obras de soerguimento e recuperao. Figure 8. Situation of the building after the elevator and recovery works.

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Em junho de 2004, um novo fenmeno ocasionou o impacto de ondas na antepara sul da edificao, produzindo seu abaulamento, principalmente em funo do desprendimento de uma pequena divisria no interior da edificao, que servia como contraforte para esforos dessa natureza. Embora o desconforto para os usurios tenha sido considervel, as obras de recuperao duraram apenas um dia, comprovando a eficincia do sistema. Em junho de 2006, ocorreu o mais grave acidente ocasionado pela unio de eventos abalos ssmicos e ressaca do mar ocasionando fortes ondas oriundas do quadrante sudoeste, nunca anteriormente constatadas. Para a compreenso do fenmeno, foram elaborados vrios estudos e simulaes (Fig. 9), assim como coleta do material danificado, concluindo-se que a principal causa dos danos foi o deslocamento da casa de baterias de peso considervel arremessada sobre a edificao principal, promovendo o rompimento do sistema monobloco da estrutura (Fig. 10). Destaca-se, ainda, que as caractersticas da topografia do local auxiliaram na concentrao do volume de gua arremetido, pela existncia de duas valas favorveis ao direcionamento da gua concentrada. A edificao foi novamente recuperada, porm, em funo de naquele perodo j estar em andamento o desenvolvimento do projeto para uma nova estao, foi adotado um sistema simplificado de recuperao das anteparas, visando a estabelecer uma condio provisria de habitabilidade (Fig. 11).

Figura 9. Simulao computadorizada da ao das ondas sobre a edificao. Figure 9. Computerized simulation of the wave action on the building.

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Figura 10. Situao da edificao aps a ao das ondas. Figure 10. Situation of the building after the wave action.

Figura 11. Situao da edificao aps as obras de recuperao provisria. Figure 11. Situation of the building after the works of recovery provisional.

A SEGunDA ESTAO CiEnTFiCAO projeto da segunda estao (Fig. 12) foi desenvolvido buscando coerncia com o ambiente, principalmente no que diz respeito s caractersticas peculiares do terreno, bem como na escolha dos materiais utilizados (renovveis e durveis), conferindo o nvel pretendido de sustentabilidade ao arquiplago e de segurana dos usurios. Assim como na primeira experincia, para a segunda estao tambm se formou uma equipe interdisciplinar para a realizao dos estudos especficos de acordo com as diretriFigura 12. Vista geral da segunda estao do ASPSP. zes estabelecidas. A avaliao sistemtica da Figure 12. Overview of the Second Station SPSPA. primeira edificao ao longo dos anos foi fundamental para a constatao dos problemas e potencialidades do projeto, a partir de sua exposio agressividade do meio no arquiplago, assim como sua utilizao pelos pesquisadores, incorporando anlise os condicionantes de conforto ergonmico e psicolgico. Do projeto inicial da primeira estao, destacam-se as seguintes solues arquitetnicas: sistema construtivo em madeira, coerente para uma arquitetura sismorresistente e com os condicionantes logsticos disponveis; uso de madeira enquanto material renovvel e de baixa necessidade de manuteno, predominante da estrutura edificada; ergonomia adequada para ambientes confinados;

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otimizao do conforto e racionalizao energtica por meio de um projeto bioclimtico; equipamentos e instalaes eficientes (economizadores); obteno de gua potvel por osmose reversa; obteno de energia atravs de sistema fotovoltaico; sistema de comunicaes para transmisso de dados e telefonia; dentre outros. Considerando a distncia do continente e a inospitalidade do ambiente no qual est inserida, aprimorou-se o conceito de Casa Autnoma para o projeto da nova estao (GUMZ et al., 2007). Dentre os fatores de aprimoramento, o mais relevante foi o desenvolvimento de uma metodologia especfica de escolha do local mais adequado para a implantao, estabelecida a partir do aprimoramento dos procedimentos realizados para a escolha do local da primeira estao. Foram elaboradas simulaes computadorizadas (SketchUp 4.0 e AutoCAD, verso 2004) para seis situaes diferentes (Fig. 13) e, por meio de um fichamento com 8 grupos de anlise e 25 itens especficos, realizada a escolha do local definitivo de implantao. Uma sistemtica de atribuio diferenciada de pesos para os itens analisados de acordo com a importncia do aspecto avaliado permitiu a anlise e a escolha do local mais indicado para a edificao principal.

Figura 13. Dado de sada dos itens de anlise e da simulao computadorizada para o local de implantao escolhido (LPP/UFES, 2006). Figure 13. Given output of the items of analysis and computer simulation to the place of deployment chosen (LPP / UFES, 2006).

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Esto previstos, para a prxima etapa, a concluso dos sistemas complementares e os testes de funcionamento e eventuais aprimoramentos. Aps a concluso dos testes e verificao das condies de habitabilidade, a primeira estao ser desmontada e todo o material retornar ao continente, buscando restabelecer a condio original do local de implantao (Fig. 14).

Figura 14. direita na imagem, a primeira estao e esquerda, a segunda estao cientfica do Arquiplago de So Pedro e So Paulo. Figure 14. On the right in the picture, the First Station and left, the Second Scientific Station of the St. Peter and St. Pauls Archipelago.

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Jacyra Soares1; Amauri Pereira de Oliveira1; Udo Tersiano Skielka1 e Jacques Servain2

ABSTRACTThe climate on the Archipelago of So Pedro and So Paulo (ASPSP) has influence of the Intertropical Convergence Zone (ITCZ), which is an area of low pressure that forms where the Northeast trade winds meet the Southeast trade winds near the equator. As these winds converge, moist air is forced upward. This causes water vapor to condense as the air cools and rises, resulting in a band of clouds and precipitation around the globe. This band moves seasonally and from February to May it is over the ASPSP. The maximum accumulated precipitation of 370 mm occurs in April. The Southeast trade wind velocity varies between 4 and 7 m s-1 during the whole year and the air temperature amplitude is less than 1oC around 27oC. Almost nothing is known about the smaller scale atmospheric phenomena around the ASPSP region. Sensible, latent and net heat fluxes, near ASPSP, obtained from different climatology show important discrepancies among the fluxes, indicating the need to compare and assess the quality of fluxes derived from various sources, and to evaluate the parameterization used for different authors. Therefore, a scientific project (FluTuA Project) has been developed to measure turbulent fluxes at the ASPSP using a micrometeorological tower. The FluTuA Project is inserted in the Surface Ocean - Lower Atmosphere Study Program (SOLAS).

KEYWORDSFluTuA, air-sea interaction, turbulent fluxes.

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Laboratrio de Interao ar-mar. Departamento de Cincias Atmosfricas IAG USP. Institute de recherche pour le Dveloppement (IrD), UMr-182, Paris, France. Atualmente como cientista visitante da FUNCEME.

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O ar

O arquiplago de So Pedro e So Paulo (ASPSP) localiza-se em uma regio privilegiada para o desenvolvimento de pesquisas meteorolgicas: o oceano Atlntico Equatorial. Durante todo o ano, a regio equatorial do planeta recebe uma grande quantidade de energia na forma de radiao solar. Uma larga frao dessa energia chega diretamente superfcie por meio dos raios solares e denominada radiao solar direta. Outra parte menor de energia chega superfcie de maneira indireta e Figura 1. Esquema do balano global de radiao no sistema Terra-atmosfera. denominada de radiao soFigure 1. Diagram of the global balance of radiation in the Earth-atmosphere system. lar difusa. A soma da radiao solar direta com a difusa denominada radiao solar global e o principal efeito causado superfcie o aquecimento (Fig. 1). Na regio equatorial a energia recebida na forma de radiao solar maior do que a perdida na forma de onda longa, gerando assim um saldo positivo de energia na faixa equatorial. Esse excedente , ento, transportado para as regies de latitudes mais altas, tanto no hemisfrio norte quanto no hemisfrio sul (Fig. 2), onde existe um saldo negativo de energia, tendo em vista que a energia perdida na forma de radiao de onda longa maior do que a recebida na forma de radiao solar. O aquecimento da regio equatorial faz que o ar, nesse local, fique relativamente mais leve do que nas regies vizinhas de latitudes mais altas, gerando movimento ascendente. Esse padro de movimento induz formao de uma clula fechada, que se estende at latitudes subtropicais onde o ar desce. Na regio onde o ramo ascendente dessa clula est localizado observada a formao de uma rea de baixa presso para onde o ar, prximo superfcie, se Figura 2. Esquema da distribuio do saldo de enerdesloca, dando origem aos ventos alsios. gia, por ano, em funo da latitude. Em virtude da rotao da Terra, os alsios Figure 2. Diagram of the energy net distribution, per year, in function of the latitude. vindos do Norte ou do Sul, ao soprar em10 anos Programa Arquiplago So Pedro e So Paulo

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direo ao equador, so sistematicamente defletidos para Oeste. Dessa forma, os ventos alsios sopram predominantemente de Nordeste (NE) no hemisfrio norte e de Sudeste (SE) no hemisfrio sul (Fig. 3).Figura 3. representao esquemtica (a) dos ventos alsios na faixa equatorial da Terra e do sentido de rotao da Terra nos hemisfrios (b) norte e (c) sul. As setas internas ao globo terrestre indicam a deflexo sofrida pelos ventos prximos superfcie. As setas externas ao globo indicam o sentido de rotao da Terra vista do respectivo plo. Figure 3. Schematic representation (a) of the trade winds in the equatorial region of the Earth and the Earth rotation in the (a) northern and (c) south hemispheres. The arrows on the globe indicate the wind deflection near the surface. The arrows outside the globe indicate the direction of rotation of the Earth seen from the respective pole.

Quando os ventos alsios, de SE e de NE, se encontram perto do equador, eles obrigam o ar quente e mido a ascender, levando umidade do oceano para os nveis mais altos da atmosfera, formando um cinturo de nuvens com intensa precipitao (Fig. 4), conhecido como Zona de Convergncia Intertropical (ZCIT). A ZCIT apresenta um ciclo de aproximadamente um ano, estando entre 17 S e 8 N nos meses de dezembro, janeiro e fevereiro; e entre 2 N e 27 N nos meses de junho, julho e agosto (rIEHL, 1979). Apesar da importncia da ZCIT, ainda hoje no se consegue prognosticar corretamente como os movimentos da ZCIT afetam o clima e os padres de tempo dessa regio, dificultando a previso de tempo e de clima no Brasil e na Amrica do Sul como um todo. Qualitativamente, o deslocamento anmalo da ZCIT para norte (sul) da sua posio climatolgica corresponde estao seca (chuvosa) do Nordeste do Brasil (WAINEr e SOArES, 1997; HASTENrATH e HELLEr, 1977; MOUrA e SCHUKLA, 1981; SErVAIN, 1991). Os recursos pelgicos Figura 4. Posio mdia da zona de convergncia intertropical (ZCIT) em julho (vermelho) e janeiro (azul). do Golfo da Guin, por exemFigure 4. Average position of the Intertropical Convergence Zone (ITCZ) in plo, tambm so afetados pelo July (red) and January (blue). deslocamento da ZCIT (BINET10 anos Programa Arquiplago So Pedro e So Paulo

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e SErVAIN, 1993). Da mesma forma, em grande parte, os padres de tempo e clima na regio do ASPSP so determinados pela ZCIT. Praticamente no existem observaes in situ do tempo e do clima na regio do oceano Atlntico Equatorial em funo das dificuldades operacionais de realizar medidas sobre o oceano. Atualmente, medidas sistemticas de parmetros meteorolgicos (http://www.inmet.gov.br/sonabra/maps/automaticas.php) so somente obtidas na ilha Belmonte do ASPSP pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) e ao longo do equador, no oceano Atlntico, por bias instrumentadas do Programa PIrATA Pilot Research moored Array in the Tropical Atlantic. O PIrATA (SErVAIN et al., 1998) um projeto multinacional, desenvolvido por um grupo de cientistas da Frana, do Brasil e dos Estados Unidos, que estuda as interaes oceano-atmosfera, no atlntico tropical, relevantes para a variabilidade climtica regional em escalas de tempo sazonal, interanual ou mais longas (http://www.pmel.noaa.gov/pirata/). Os dados obtidos pela bia PIrATA, localizada ao longo do equador em 350W, sero considerados aqui como representativos das condies meteorolgicas da regio do ASPSP, isto , do oceano Atlntico Equatorial. Na distribuio mensal de precipitao observada nessa bia (Fig. 5), verifica-se que no primeiro semestre, nos meses de janeiro a maio, a ZCIT est sobre o ASPSP. O valor mximo de precipitao acumulada mensal (370 mm) ocorre em abril. No segundo semestre, a ZCIT est mais ao norte e observa-se menos precipitao sobre a regio. Figura 5. Precipitao observada (mm) em funPor outro lado, os dados meteorolgicos obtidos o dos meses do ano. Dados obtidos pela bia 0o N-35o W do Programa PIrATA. na ilha Belmonte do ASPSP so representativos soFigure 5. Observed precipitation (mm) in funcmente do microclima da ilha, pois refletem o comportion of the months of the year. Data obtained tamento trmico da superfcie rochosa do local onde by the 0oN-35oW buoy of the PIRATA Program. a Estao est instalada (Fig. 6).

Figura 6. Mapa esquemtico do ASPSP e localizaes da estao meteorolgica automtica (INMET) e da torre micrometeorolgica (FluTuA). A flecha vermelha indica a direo preferencial do vento no ASPSP. Figure 6. Map of the ASPSP and locations of the automatic meteorological station (INMET) and of the micrometeorological tower (FluTuA). The red arrow indicates the preferential direction of the wind on the ASPSP.

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O AR SOBRE A iLHA BELMOnTE DO ASPSPOs dados obtidos na ilha Belmonte mostram que a variao diria da temperatura do ar em superfcie , em mdia, da ordem de 2,5 oC (Fig. 7a). Essa variao grande para uma regio ocenica ocorre devido ao aquecimento e resfriamento relativamente rpidos da superfcie rochosa da ilha, isto , devido presena da ilha. A intensidade dos ventos alsios, no local de instalao da estao, bastante constante e da ordem de 7 m s-1 (Fig. 7b). Observa-se que a direo mdia dos ventos, durante todos os horrios do dia, apresenta sempre uma componente da direo leste, isto , os ventos esto sempre soprando do quadrante sudeste, definido pelas direes 900 e 1800 (Fig. 7c). Excluindo-se a influncia das rochas que compem o pequeno agrupamento de ilhas no meio do oceano Atlntico, que o ASPSP, a temperatura do ar deve variar bem menos do que aquela mostrada na Figura 7a, devido a maior capacidade trmica do oceano quando comparada do material que compe as superfcies continentais.

Figura 7. Dados da estao meteorolgica automtica mantida pelo Instituto Nacional de Meteorologia (INMET) no ASPSP e representativos do microclima da ilha Belmonte. (a) Temperatura do ar (oC) em funo da hora do dia; (b) velocidade do vento (m s-1) em funo da hora do dia e (c) histograma da direo do vento. Figure 7. Data from the automatic meteorological station, maintained by the National Institute of Meteorology (INMET) in the Archipelago. The data is representative of the Belmonte island microclimate. (a) Air temperature (oC) in function of the hour of the day; (b) wind velocity (m s-1) in function of the hour of the day; and (c) histogram of wind direction.

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O AR nA REGiO DO ASPSPDados obtidos com o auxlio da bia PIrATA na regio do ASPSP confirmam que a temperatura mdia do ar varia pouco (da ordem de 10 C) durante todo o ano, conforme pode ser visto na Figura 8a. A velocidade (Fig. 8b) e a direo (Fig. 8c) dos ventos tambm variam pouco no decorrer dos meses.

Figura 8. Dados obtidos pela bia PIrATA localizada em 0oN-35oW. (a) Temperatura do ar (oC) em funo dos meses do ano; (b) velocidade do vento (m s-1) em funo dos meses do ano; e (c) histograma da direo do vento. Figure 7. Data obtained from the PIRATA buoy located at 0oN-35oW. (a) Air temperature (oC) in function of the months of the year; (b) wind velocity in function of the months of the year; and (c) histogram of wind direction.

Uma questo atual e bastante importante, que tem preocupado os cientistas e a sociedade como um todo, a mudana climtica que o planeta vem sofrendo, quer seja pela ao humana quer pela variabilidade natural do clima. A quantificao dos possveis efeitos dessas mudanas no clima terrestre tem sido feita por meio da simulao de diferentes sistemas climticos, utilizandose modelos matemticos para reproduzir o comportamento da atmosfera. Um aspecto importante dessas simulaes a transferncia de energia, massa e momento entre o oceano e a atmosfera, a qual ocorre por intermdio dos fluxos verticais turbulentos de calor, massa e momento (Fig. 9). Esses fluxos estabelecem o acoplamento entre o oceano e a atmosfera, representando processos-chave no sistema climtico.

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Alm de mudanas climticas, o conhecimento das trocas turbulentas na interface ar-mar importante para estudos diagnsticos e prognsticos aplicados previso de tempo, disperso de poluentes, etc. Apesar dos recentes avanos verificados nas tcnicas de observao, estimativas diretas desses fluxos permanecem limitadas no tempo e espao, impedindo uma descrio climatolgica em escala planetria desses fluxos, principalmente sobre os oceanos. As tentativas de diferentes grupos de pesquiFigura 9. Esquema representativo dos fluxos verticais sa em produzir uma climatologia desses fluxos, de energia, massa e quantidade de movimento entre a baseada em modelos numricos e dados de saatmosfera e o mar. Esses fluxos verticais sero mostrados no ASPSP pelo Projeto FluTuA. tlite, mostraram diferenas importantes entre Figure 9. Schematic representation of the vertical flux os resultados obtidos (WAINEr et al., 2003). of energy, mass and momentum between the atmosA nica forma de resolver essas discrepnphere and ocean. These vertical fluxes will be sampled in the ASPSP by the FluTuA Project. cias por meio de experimentos observacionais, com alta freqncia de amostragem, durante um longo perodo de tempo, a fim de captar as variaes sazonais dos fluxos verticais turbulentos de momento, calor sensvel e calor latente.

PROJETO FLuTuA (FLuXOS TuRBuLEnTOS SOBRE O ATLnTiCO)O projeto FluTuA tem como objetivo principal investigar a interao oceano-atmosfera na regio de oceano aberto do Atlntico Equatorial, por meio da observao direta dos fluxos verticais turbulentos. As medidas sero efetuadas utilizando uma torre micrometeorolgica instalada na face leste da ilha Belmonte, bem prximo ao oceano (Fig. 6), de forma que o ar mostrado seja proveniente diretamente do oceano, sem ter primeiro passado sobre as rochas da ilha. Isso garante que os dados obtidos sejam representativos da regio do ASPSP no oceano Atlntico Equatorial. Como parte do FluTuA, no perodo de 15 a 24 de maio de 2002, foram realizadas observaes contnuas entre Natal (rN) e o arquiplago de So Pedro e So Paulo, a bordo do navio Comte. Manhes (BACELLAr et al., 2004 e 2008). A partir do segundo semestre de 2008, entrar em operao a torre micrometeorolgica do Projeto FluTuA no ASPSP, efetuando medidas de fluxos de calor sensvel, latente, momento e de dixido de carbono, de maneira contnua e com grande resoluo temporal. Estaro sendo observadas tambm as componentes do balano de radiao ondas curtas e ondas longas. O projeto FluTuA faz parte do programa internacional SOLAS (Surface Ocean Lower Atmosphere Study). Esse programa uma iniciativa internacional composta por cientistas de 23 pases (http:// www.solas-int.org/aboutsolas/organisationaandstructure/solasnetwork/brazil.html).

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Momom

ABSTRACTMomom

KEYWORDSMomom

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Momomo

inTRODuOMomomo

Gravimetria absoluta e geomagnetismo

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Thomas Ferreira da Costa Campos1; Reinaldo Antnio Petta1; Thomas Theye2; Susana Eleonora Sichel3; Lus Srgio Amarante Simes4; Narendra Kumar Srivastava1; Akihisa Motoki, A.5 Joaquim das Virgens Neto6; Frederico Guilherme Guaraldo de Andrade7

ABSTRACTThe smallest Brazilian oceanic archipelago is Archipelago of So Pedro and So Paulo (ASPSP), also known by So Pedro and So Paulo rocks, located at the mid equatorial North Atlantic Ocean (055N; 2920W), about 510 nautical mile (1.010 km) from the Brazilian-coast (Calcanhar Cape-rN) and about 985 nautical mile (1.824 km) from the African-coast. In relation to the other terrestrial oceanic archipelagos, the ASPSP show peculiar characteristics, because is only formed by plutonic rocks from upper mantle and a small sedimentary covering. The origin and the age of SPSPA are doubtful, since it is not convincing that the ASPSP corresponds to a relic of sub-continental lithospheric mantle associated partly to non-spreading Equatorial Mid-Atlantic basement region or if corresponds to a protrusion of oceanic-mantle uplifting by the action of St. Paul Fracture, concomitantly with the mylonitization and serpentinization. It is estimated that their formation took place between 100-35 Ma. The emerged part is composed of serpentinized peridotite and kaesurtite mylonites. This last rock also shows an uncertain origin. The mylonitization obliterated all primary textures of these rocks. Concomitantly the serpentinization, through pervasive hydrothermal fluids and/or seawater actions during late tectonic movements, fractured even more the rocks. The emerged part of some islets ASPSP still show a sedimentary covering of quaternary age, are constituted of clastic sediments derived from the biogenic activity and basement, cemented by calcium carbonate, that was described by this research group and designated of So Pedro and So Paulo Formation (SPSPF). The presence of thin marine-terraces points to several paleolevels above the present sea-level. This level, considered with a variety of lithofacies, stratifications and fossils in the SPSPF, suggests that the SPSPF was deposited under a progressive sub-aerial regime dominated by waves and that the SPSPA was below the present sea-level at the beginning of the Neogenic, and that tectonic uplift have occurred episodically rather than at a constant rate.

KEYWORDSGeological Diversity, Mantle rocks, Archipelago of So Pedro and So Paulo.

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Departamento de Geologia, UFrN. Institut fr Mineralogie und Kristallchemie der Universitt Stuttgart (Alemanha). Departamento de Geologia, UFF. Departamento de Geologia, UNESP-rio Claro. Departamento de Mineralogia e Petrologia gnea, UErJ. Servios geolgicos do Brasil (CPrM-Piau). PETrOBrAS.

Posio mpar do Arquiplago de So Pedro e So Paulo na diversidade geolgica da TerraO Arquiplago de So Pedro e So Paulo (ASPSP) considerado o menor arquiplago ocenico em territrio brasileiro. Este arquiplago tambm conhecido pelo nome de rochedos de So Pedro e So Paulo (Figuras 1 e 2). O ASPSP constitui os pncaros emersos de cadeia de uma cadeia de montanha submarina transversal mesocenica com direo EW, ocupa uma rea de mais de 400 km2. Esta cadeia de montanha possui um relevo submarino que exibe elevaes alongadas como uma crista, com declive suave na direo EW e forte declividade na direo NS, e que se encaixa paralelamente ao bordo norte da zona de falha da fratura transformante de So Paulo, prxima regio limtrofe das placas tectnicas divergentes sul-americana e africana. Por sua vez, a Fratura de So Paulo estende-se por 580 km entre as coordenadas 1N-3020W e 030N-24W. A zona de falha da Fratura Transformante de So Paulo no entorno do arquiplago possui cerca de 120 km de largura, e seus vales podem atingem uma profundidade mdia de -3.600 m. Contudo, nas cercanias do arquiplago so observadas profundidades abissais superiores -5.000 m, tanto nas zonas das falhas transformantes como no seio da dorsal Atlntica (Fig. 2). Considerando a isbata dos -3.800 m, esta cadeia de montanha apresenta uma forma sigmoidal, com cerca de 100 km de comprimento por 40 km largura, com uma orientao geral NE-SW (Fig. 2). Segundo Hekinian et al. (2000), esta forma sigmoidal pode ser explicada pela juno de dois macios rochosos que formam a cadeia de montanha submarina. O ASPSP constitudo por um complexo de rochas plutnicas e mais raramente rochas sedimentares, rochas essas que tornam o Arquiplago em situao mpar no oceano Atlntico, isto , o nico deste oceano que formado essencialmente por rochas plutnicas, enquanto as outras ilhas so formadas por rochas vulcnicas e sedimentares. Em relao s outras rochas ultramficas existentes nos demais oceanos, as rochas ultramficas do ASPSP so sui generis, devido ao fato de possurem anfiblio primrio e estarem enriquecidas nos elementos terras raras leves. Cabe aqui salientar que a ilha de Zabargard, no mar Vermelho, outra ocorrncia de rochas ultramficas associadas a oceanos que possui anfiblio primrio. Contudo, ela se diferencia das do ASPSP por estarem empobrecidas nos elementos terras raras leves. A idade de formao do arquiplago de So Pedro e So Paulo ainda no foi estabelecida, pressupe-se uma idade Pr-neognica. Visto que os blocos de rochas de suas encostas so relativamente livres da cobertura de ferro-mangans que costuma cobrir os materiais existentes nos fundos ocenicos, e os sedimentos mais antigos dragados nos flancos do arquiplago so de idade Miocnica (MELSON et al, 1972). Cabe salientar que o ASPSP ponto mais avanado do territrio brasileiro no Atlntico Equatorial, constitui e representa o nico conjunto de ilhas ocenicas do pas no hemisfrio norte, pois se localiza a 62,14 milhas nuticas (100 km) a norte da linha do equador a 0o55N e 29o20W (Figuras 1 e 2). Em relao ao ASPSP, o cabo do Calcanhar (rio Grande do Norte) o ponto mais prximo da costa brasileira, situa-se cerca de 510 milhas nuticas (1.010 km) no rumo N 4115E. Por sua vez, a cidade do recife dista ainda cerca de 1.210 km seguindo o rumo N 3230E do ASPSP. Em relao frica, esse arquiplago se situa a cerca de 985 milhas nuticas (1.824 km) da costa da Guin-Bissau.10 anos Programa Arquiplago So Pedro e So Paulo

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A regio do arquiplago de So Pedro e So Paulo tectonicamente ativa (Figuras 1 e 2) e a sua formao foi controlada tanto pelas movimentaes de falhas e de um conjunto de fraturas a ela associadas, como pela expanso diaprica do manto ocenico, o que sugere que este complexo foi encaixado tectonicamente no estado slido na crosta ocenica (HEKINIAN et al, 2000; BONATTI, 1990), isto , o ASPSP seria uma protuso, considerando-se a definio de Lockwood, concomitantemente com a sua milonitizao (MELSON et al., 1972). A milonitizao que transformou as rochas ultramficas do ASPSP no foi acompanhada pelo processo de serpentinizao, pois este ltimo processo freqentemente cruza a foliao milontica dessas rochas, o que sugere que a serpentinizao encontra-se associada a movimentos tectnicos tardios.a

Figura 1. a - Localizao do Arquiplago de So Pedro e So Paulo (ASPSP) no Atlntico Equatorial; b - Vista rea a partir de helicptero (Foto SECIrM, 1998); c - Vista geral do ASPSP a partir do satlite QuicBird. Figure 1. a - Generalized location map of Equatorial Atlantic shows the So Pedro and So Paulo Archipelago (SPSPA); b - Air view on helicopter (SECIRM, 1998), c - Overview of ASPSP on QuicBird satellite. b c

Conseqentemente, os diferentes processos geolgicos correlacionados com a formao deste arquiplago modificaram o carter primrio dessas rochas, cujas caractersticas fsico-qumicas sugerem a seguinte seqncia de eventos geolgicos: 1- Milonitizao: processo associado movimentao das falhas transformantes ocenicas, que modificou essencialmente a granulometria dos seus minerais constituintes, cominuindo-os a fraes extremamente fina, cuja natureza

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plutnica original evidenciada somente pela existncia de minerais primrios reliquiares (porfiroclastos); 2 - Serpentinizao: processo associado ao da gua de mar e/ou de fluidos hidrotermais derivados dessa gua, que percolam as fraturas geradas por processos tectnicos tardios, fluidos esses que reagem com os silicatos ferro-magnesianos, transformando-os em serpentina. Salienta-se que a origem do metano abiognico nos oceanos terrestres se encontra associada ao processo de serpentinizao do manto ocenico, a partir das reaes de hidratao dos silicatos de magnsio e ferro {6[(Mg1,5 + Fe0,5)SiO4] + 7H2O -> 3[MgSi2O5] + Fe3O4 + H2}, que libera o hidrognio que vai interagir, em ambiente redutor, com o dixido de carbono da gua do mar para dar origem ao metano {CO2 + 4H2 -> CH4 + H2O}; 3 - Halmirlise: processo de meteorizao contnua associado a gua salgada, a solubilizao dos elementos qumicos das rochas pela gua do mar levar ao seu enriquecimento nos oligoelementos necessrio a vida no entorno do arquiplago, contribuindo assim com a fertilizao planctnica (CAMPOS et al, 2008). Considerando as caractersticas peculiares do ASPSP, tanto do ponto de vista geolgico e mineralgico, como geoqumico, este Arquiplago oferece especial interesse comunidade cientfica pelas informaes que l se podem obter sobre a natureza do manto superior terrestre, e ainda sobre os processos de quebra e de deriva dos continentes (e.g.: Laurncia, Gonduana, Pangea) e suas correlaes com a abertura do oceano Atlntico. Caractersticas essas que ressaltam tanto a sua importncia do ponto de vista da preservao da diversidade mineral e de sua geo-histria, como da biodiversidade. Geomorfologicamente o ASPSP formado por dez ilhas e diversas pontas de rochas, que se situa nas proximidades da Dorsal mesoatlntica (Fig. 3). A rea emersa total cerca de 1,7 ha, os pontos extremos ficam entre as rochas Erebus e Pillar, que de 420 m. As ilhotas apresentam contornos reentrantes, sinuosos e irregulares e as suas vertentes possuem fortes declives (>80o). As ilhas Belmonte, Sudeste, Nordeste e Cabral envolvem uma pequena enseada com forma de u, com a abertura virada para NW. Esta enseada possui cerca de 100 m de comprimento por 50 m de largura, com 8 a 15 m de profundidade. Essas ilhas encontram-se separadas por estreitos canais. O fundo da enseada constitudo por sedimentos provenientes da atividade biognica e da desagregao das rochas que constituem o arquiplago. O relevo emerso do ASPSP acidentado e seu ponto culminante (18 m de altitude) situa-se na ilha Nordeste; o ponto mais alto da ilha Belmonte tem cerca de 16 m de altitude, onde se encontra o farol do arquiplago, e na ilha Sudeste as maiores elevaes atingem 17 m. A zona de falha da fratura transformante de So Paulo no entorno do arquiplago possui cerca de 120 km de largura, e seus vales podem atingem uma profundidade mdia de -3.600 m. Contudo, nas cercanias do arquiplago so observadas profundidades abissais superiores -5.000 m, tanto nas zonas das falhas transformantes, como no seio da dorsal Atlntica (Fig. 2). Considerando a isbata dos -3800 m, esta cadeia de montanha apresenta uma forma sigmoidal, com cerca de 100 km de comprimento por 40 km largura, com uma orientao geral NE-SW (Fig. 2). Segundo Hekinian et al. (2000), essa forma sigmoidal pode ser explicada pela juno de dois macios rochosos que formam a cadeia de montanha submarina. Como j foi dito, a colocao das rochas plutnicas ultramficas que constituem o ASPSP est relacionada pelo efeito combinado de diapirismo serpentnico (protuso) e cisalhamento diferencial dentro da falha transformante de So Paulo, cuja resultante elevou acima do atual nvel do mar a poro norte do macio que forma o ASPSP. Durante o soerguimento do arquiplago de So Pedro e So Paulo houve

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deposio de sedimentos que deram origem formao So Pedro e So Paulo, de idade Neognica (ver Campos et al. neste volume).

Figura 2. Esboo topogrfico do sistema de cristas-vales tranversais que forma a zona da fratura transformante de So Paulo, Atlntico Equatorial (Apud HEKINIAN et al., 2000). Figure 2. Structural interpretation of multiple transform faults of the St. Paul Fracture zone Showing the intra-transformer ridge and So Pedro and So Paulo Archipelago massif (Apud HEKINIAN et al., 2000).

Petrograficamente a poro noroeste da ilha Belmonte constituda por uma rocha afantica, macia, homognea, de dureza elevada e com colorao branca acinzentada a cinza verdoengo (Figs. 3 e 4a). Enquanto a poro sudeste da ilha Belmonte e as restantes ilhas so essencialmente constitudas por uma rocha afantica, heterognea, de dureza baixa e com colorao bastante variada, desde branca acinzentada e/ou cinza verdoengo a marrom avermelhada ou, ainda, uma mistura entre essas coloraes (Figuras 3 e 4c). A rocha homognea corresponde a um peridotito milonitizado, enquanto a rocha heterognea corresponde a uma trama entre a fase milontica e a fase serpentinizada, onde a fase serpentinizada desenvolve-se a partir do padro do diaclasamento e a custa da fase milontica, at consumo total desta ltima fase. Na ilha Sudeste aflora ainda, como files e enclaves, uma rocha afantica, macia, homognea, de dureza elevada, de cor cinza antracita (Figuras 3 e 4b), que corresponde a uma rocha alcalina milonitizada, rica em kaersutita (Fig.4b). Este milonito alcalino kaersuttico ocorre, ainda, sob a forma de nveis

Figura 3. Mapa geolgico da rea emersa do Arquiplago de So Pedro e So Paulo, Atlntico Equatorial (CAMPOS et al, 2003 e 2005). Figure 3. Geological map of immerse area So Pedro and So Paulo Archipelago, Equatorial Atlantic (CAMPOS et al, 2003 e 2005).

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milimtricos a centimtricos, alternando-se paralelamente com nveis de milonitos peridotticos, com dimenses similares, que no seu conjunto imprime rocha uma estrutura bandada (Figuras 3 e 4d), por vezes com microdobramento. Quase toda a paragnese mineralgica original das rochas do ASPSP foi obliterada por processos tectnicos, inviabilizando, at o momento, a determinao de sua composio modal (MELSON et al., 1972, CAMPOS et al., 2003). A natureza plutnica original destas rochas evidenciada pela existncia de porfiroclastos elipsoidais de olivina (Fig. 5a: 0,1 2,0 mm, mas raramente podem chegar a 4,00 mm), piroxnios (Fig. 5b: 0,5 1,5 mm), anfiblios (Fig. 5c: 0,5 6 mm) e espinlios (0,1 4,00 mm), fortemente fragmentados e fraturados at se confundir com a matriz (< 0,01 mm) de mesma composio. Os porfiroclastos de olivina correspondem a 60% dos porfiroclastos, e a matriz milontica corresponde a mais de 60% das rochas e se encontra criptoserpentinizada. Isso sugere que os fenocristais originais foram cominudos e recristalizados por ao tectnica, envolvida sinuosamente em uma fina matriz milontica (Figuras 5a, b, d). Esta matriz pode aparecer ainda com bandamento claro/escuro (Fig. 5d), de diferente granulao, que em mdia varia de 0,01 a 0,02 mm, mas pode atingir 0,06 mm. A cor escura deve-se a concentraes de minsculos gros de magnetita proveniente do processo de criptoserpentinizao da matriz. Por vezes, possvel ainda se identificar uma foliao milontica na matriz, associada paralelamente ao eixo maior dos porfiroclastos mais elipsoidais. Contudo, os porfiroclastos de olivina se apresentam com orientao tica variada e geralmente o seu eixo cristalogrfico b encontrase perpendicular foliao milontica. Essa foliao encontra-se refletida em planos preferenciais de microdiaclasamento apresentados por algumas amostras. Petrograficamente, os milonitos ultramficos do ASPSP possuem ainda vestgios tanto de uma deformao inicial alta temperatura ocorrida no manto superior, como de uma forte deformao plstica ocorrida na crosta inferior durante o processo tectnico que originou a fratura transformante de So Paulo, por meio da qual os peridotitos iniciais se tornaram milonitizados. A combinao da recristalizao sintectnica com a deformao plstica deu origem a uma textura milontica tpica, que obliterou a orientao tica inicial dos minerais sem produzir uma textura nova nos porfiroclastos. A orientao milontica dos peridotitos do ASPSP discordante direo da falha transformante de So Paulo, o que indica que este bloco foi trazido superfcie em umas sries de movimentos tectnicos complicados, que devem ter rotacionado o macio de So Pedro e So Paulo (MELSON et al., 1972; CAMPOS et al., 2007).Figura 4. Amostras de mo representativas das rochas emersas do ASPSP: a - milonito peridottico; b - Milonito kaersuttico. Escala em cm. Figure 4. Representative hand samples of immerse rocks of ASPSP: a - peridotite mylonite; b - kaersutite mylonite; cm scale.

a

b

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Contudo, a milonitizao no foi acompanhada pelo processo de serpentinizao, visto que este ltimo processo freqentemente cruza a foliao milontica, e se encontra associada ao padro de diaclasamento existente no arquiplago, o que sugere que a serpentinizao est associada a movimentos tardios que geraram um sistema de diaclases, que facilitou a percolao de gua de mar e/ ou fluidos hidrotermais derivados da gua do mar. O intenso tectonismo frgil que o ASPSP sofreu, bem como ao fraturamento provocado pela expanso serpentintica, provocaram diaclasamento em todas as direes. Deste conjunto foram medidas cerca de 5.436 de diaclases, distribudas ao longo das diferentes ilhas, com a maior densidade de medio nas ilhas que possuem maior superfcie emersa (CAMPOS et al, 2007). Estudos sobre a tectnica rgida, com base em interpretaes de estereogramas e nos estudos petrogrficos de lminas delgadas, pde-se sugerir a influncia da falha transformante de So Paulo sobre o ASPSP. O tratamento dos dados em rede estereogrfica de igual rea apresenta um diagrama de contorno de plos de planos que permitiu definir cinco planos prevalentes no sistema de juntas do ASPSP, distribuindo-se trs com direes NE e dois com direes NW, com alguns grupos de plos em forma de guirlanda, o que sugere que a ilha rotacionou enquanto estava sob a ao dos esforos tectnicos. Considerando-se a direo geral da Fratura de So Paulo, o seu carter destral e en echelon evidenciado atravs de marcadores cinemticos, que indicam rejeitos direcionais destrais em microdiaclasamento na matriz milontica e nos porfiroclastos de olivina e espinlio (Fig. 6). Movimentos tectnicos posteriores milonitizao fraturaram mais ainda essas rochas acelerando a serpentinizao, dando origem a estruturas de sepentinizao tipo KErNEL (Fig. 4), o que facilitou mais ainda a infiltrao de fluidos responsveis pela serpentinizao. Esse processo de serpentinizao no foi uniforme, gerando rochas com diferentes graus de serpentinizao, desde incipiente at o muito levado (Fig. 3c). At o momento, a difratometria de raios X realizada sobre o material mais serpentinizado s identificou a lizardita e o crislito como os minerais do grupo da serpentina que predominam como produto da alterao dos milonitos peridotticos. Alm disso, identificou-se ainda a magnetita e xidos de ferro hidratados. As serpentinas esto presentes tanto sob forma pseudomrfica como sob a forma de gro matricial muito fino. As rochas milonticas do complexo ultramfico do ASPSP apresentam-se com cinco seqncias paragenticas, sendo a 1a seqncia composta pelos minerais plutnicos reliquires, a 2a pelos minerais da matriz milontica, tais como: olivina, piroxnio, pargasita, kaersutita, a 3a pelos minerais do grupo da serpentina que afetam alguns minerais das seqncias anteriores;

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c1

c2

c3

c4

Figura 4 Continuao. c - Milonito peridottico serpentinizado; c1 - Superfcie da amostra (c2), onde o diaclasamento se encontra realado pela lixiviao do material serpentintico; c2 - Milonito peridottico serpentinizado; c3 - Milonito peridottico com alto grau de serpentinizao. Escala em cm. Figure 4 Continuation. c - Serpentinized peridotite mylonite; c1- Superficial view of c2 showing the joints enhanced by lixiviation of serpentinitic material; c2- Serpentinized peridotite mylonite; c3 - Highly serpentinized peridotite mylonite; cm scale.

d1

d2

Figura 4 Continuao. d1- Superfcie da amostra do Milonito bandado kaersutita-peridottico (d2); d2- Milonito bandado kaersutita-peridottico. Bandas negras: kaersutita; Bandas amarelas e acinzentadas: milonito peridottico. Escala em cm. Figure 4 Continuation. d1- Superficie of sample from layered peridotite-kaersutite mylonite; d2- Layered peridotitekaersutite mylonite; Black layer: kaersutite; yellow-grey: peridotite; cm scale.

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a

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Figura 5. Fotomicrografia das rochas do ASPSP: a - Milonito peridottico com porfiroclastos de olivina envolvidos pela matriz milontica. Os gros opacos so de espinlio (nicis x); b - Milonito peridottico com porfiroclastos de enstatita. Os gros opacos so de espinlios. Salienta-se a existncia de serpentina nas microdiaclases (nicis X). Figure 5. Microphotography of rocks from ASPSP: a - Mylonitized peridotite with olivine porphyroclasts surrounded by olivine fragments, black grains are of cr-spinel (nicols X); b - Mylonitized peridotite with enstatite porphyroclasts (nicols X). c d

Figura 5 Continuao. c - Milonito kaersuttico com porfiroblastos de kaersutita, envolvido pela matriz kaersuttica. Os gros opacos so de magnetita (nicis X); d - Milonito peridottico, cuja matriz formada pela alternncia de nveis com diferentes graus de cominuio. Salienta-se a existncia de porfiroclasto de olivina, e de serpentina dentro das microdiaclases. Os gros opacos so de espinlios e magnetita (nicis X). Figure 5 Continuation. c - kaersutite porphyroclast from kaersutite mylonite surrounded by kaersutitic groundmass (nicols X); d - Mylonitized peridotite shows banded groundmass due to granulometry and color variation (nicols X).

e

f

Figura 5 Continuao. e - Milonito bandado kaersutita-peridottico NK: nveis kaersutticos; NP: nveis peridotticos. Salienta-se a existncia de serpentina s nas microdiaclases dos nveis peridotticos. Os gros opacos so de espinlios (nicois X); f - Milonito peridottico serpentinizado. Apresentando estrutura do tipo kernel: faixas castanha-amareladas: serpentina; faixas brancas: calcita (nicis //). Figure 5 Continuation. e - kaersutite-peridotite mylonite NK: kaersutite layers, NP: peridotite layers, with serpentine only on the joints. Black grains: cr-spinel (nicols X); f - Serpentinized peridotite mylonite showing kernel structure: brown-yellow layer: serpentine; white layer: calcite (nicols //).10 anos Programa Arquiplago So Pedro e So Paulo

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a 4a , tambm composta por minerais do grupo da serpentina, cujo processo de serpentinizao se d a partir da infiltrao de fluidos pelo diclasamento, e 5a, por uma massa branca carbontica que corta a serpentina. A serpentinizao afetou mais fortemente a olivina e os piroxnios, principalmente a enstatita. Os anfiblios no se apresentam serpentinizados.Figura 6. Fotomicrografia de um porfiroclasto de espinlio fraturado pelo microfratura, com microrrejeito destral no milonito peridottico. Nicois //. Figure 6. Microphotography of Cr-spinel porphyroclast brocken by the joints, showing dextral offset, from peridotite mylonite.

COnSiDERAES FinAiSUm dos dogmas da pesquisa geolgica a amostragem representativa dos corpos geolgicos a ser estudados. No caso do macio rochoso que forma o ASPSP, os gelogos que l pesquisam no conseguem obedecer a este dogma, devido ao ASPSP apresentar uma rea emersa exgua [e.g.: circa 0,074 km2]. Por sua vez, temos a inerente dificuldade de se amostrar a parte imersa desse arquiplago, principalmente nas cotas mais profundas, por exemplo a rea do macio na cota dos 3800 m cerca de 4.000 km2 , o que a torna bastante representativa. Conseqentemente, poderemos falar sobre o comportamento geolgico das rochas do ASPSP, mas no podemos extrapolar esse comportamento a outras rochas similares, de provvel origem mantlica, que ocorrem nos fundos ocenicos. Uma das maneiras de atenuar essas dificuldades no ASPSP seria fazer uma perfurao profunda (> 5.000m) por meio de sondagem rotativa, com recuperao de testemunho. Contudo, esse meio de amostragem requer logstica extremamente sofisticada e onerosa e o seu funcionamento poder trazer alguns problemas ambientais passageiros (e.g.: aumento do nvel de rudo, o que espantaria os pssaros que l nidificam).

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Susanna Eleonora Sichel1; Akihisa Motoki2; Thais Vargas2; David Canabarro Savi3; Thomas Ferreira da Costa Campos4 e Luiz Srgio Amarante Simes Simes5

ABSTRACTThe So Pedro So Paulo Islets, Equatorial Atlantic Ocean, is underlain by serpentinysed peridotite, corresponding to the only exposure of abyssal mantle above sea level of the world. The islets are situated at the top of a tectonically deformed megamullion, of 70 km long, 20 km wide, and 4000 m high, situated along the Saint Paul transform fault. The megamullion was emerged on the ocean bottom at the 27.7W segment of the Mid-Atlantic ridge, located 172 km to the east of the islets, during a period of 10 to 15 million years ago. The ultramafic rocks of the So Pedro So Paulo Islets appeared at 12 million years ago and carried up to the present position by plate motion. Megamullion is formed by amagmatic expansion in the region with cold oceanic upper mantle. The plate motion reconstruction during the Phanerozoic indicates that the cold mantle was originated from the fossil slab subducted at the rheic Ocean margin, which took place in about 300 millions years ago, stayed below the Supercontinent Pangea, and resurged in the Equatorial Atlantic Ocean at the Middle Miocene.

KEYWORDSAbyssal mantle, ultramafic rock, transform fault.

Departamento de Geologia, UFF. Departamento de Mineralogia e Petrologia gnea, UErJ. 3 Instituto de Estudos do Mar Almirante Paulo Moreira, IEAPM, Marinha do Brasi. 4 Departamento de Geologia, UFrN. 5 Departamento de Petrologia e Metalogenia Universidade Estadual Paulista em rio Claro (UNESP rio Claro).1 2

Rocha ultramfica do manto abissalROCHA DO ARquiPLAGO DE SO PEDRO E SO PAuLOIlhas ocenicas correspondem geralmente ao topo de edifcios vulcnicos (Fig. 1A) e, portanto, so constitudas por rochas vulcnicas, representadas por basalto. O Arquiplago de Fernando de Noronha e a Ilha de Trindade so dois destes exemplos. Entretanto, o Arquiplago de So Pedro e So Paulo diferente, sendo constitudo por peridotito serpenti