4

Click here to load reader

Lowy Resenha Do Como Mudar o Mundo Sem Tomar o Poder

Embed Size (px)

DESCRIPTION

Resenha de Lowy sobre Como mudar o mundo sem tomar o poder

Citation preview

Page 1: Lowy Resenha Do Como Mudar o Mundo Sem Tomar o Poder

������������������� �

O livro de John Holloway é umensaio admirável, cheio de idéias suges-tivas e verdadeiramente radical – no sen-tido original do termo: “ir à raiz dosproblemas”. Quaisquer que sejam suaslacunas e imperfeições, mostra, de ummodo exemplar, o poder subversivo ecrítico da negatividade. Sua meta éambiciosa e atual: “refinar e aguçar acrítica marxista ao capitalismo”.

Os capítulos filosóficos funda-mentais tratam do fetichismo e da feti-chização. Baseiam-se criativamente emMarx, Lukács e Adorno. Holloway de-fine o fetichismo como a separação dofazer e do feito e a quebra do fluxo co-letivo do fazer. Este é um ponto de vis-ta fértil, mas Holloway aparentementeidentifica todas as formas de objetivi-dade com o fetichismo. Por exemplo,ele se queixa de que no capitalismo “oobjeto constituído adquire uma identi-dade durável”. Bem, uma boa cadeira

�������������������������������

������������ �����������������������������

�������������������������� �������!"#�������$

produzida no socialismo não se torna-ria “um objeto com uma identidade du-rável”? Sua recusa em distinguir entrealienação e objetivação (segundo a nota22 do cap. 4) – um erro que o jovemLukács não cometeu, apesar da suaauto-crítica tardia de 1967) – conduz auma negação da materialidade objetivados produtos humanos.

Outro argumento forte é sua crí-tica ao “marxismo científico”, quer di-zer, aquelas teorias que tentam alistar acerteza do lado do socialismo e afirmamexplicar e predizer a mudança históricade acordo com “leis científicas”. Essaparte é uma das mais importantes dolivro e uma contribuição significativapara uma abordagem crítica e marxistada política.

Entre os “marxistas científicos”,Holloway inclui a obra de Kautsky, olivro Que fazer? (1902), de Lênin, e Re-forma ou revolução? (1899), de Rosa

* Tradução do texto em inglês por Marcelo G. Lima.

� �������

m arx ista�������

Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Page 2: Lowy Resenha Do Como Mudar o Mundo Sem Tomar o Poder

� ����!"���#��!$"#�����#����#�%#"��

Luxemburgo. Entretanto, ele ignora opanfleto de Rosa Luxemburgo: “A criseda social-democracia”, de 1915, querepresenta uma ruptura metodológicaradical com a doutrina da certeza cien-tífica, graças a uma decisiva nova for-mulação: a alternativa histórica entre“socialismo ou barbárie”. Esse ensaio éum verdadeiro momento de reorienta-ção na história do marxismo, precisa-mente pelo fato de introduzir o “princí-pio de incerteza” na política socialista.

E assim chegamos ao ponto maispolêmico que dá título ao livro: “mu-dar o mundo sem tomar o poder”.Holloway sugere inicialmente que to-das as tentativas de mudança revolucio-nárias até aqui falharam, pois se basea-vam no paradigma de mudança pormeio da conquista do poder estatal. Noentanto, ele reconhece, na nota 8 dap. 217, que a evidência histórica não ésuficiente, já que todas as tentativas demudar o mundo sem tomar o podertambém falharam, até agora. Ele tenta,portanto, apoiar seu argumento na dis-tinção, introduzida no Capítulo 3, masque perpassa todo o livro, entre poderde, a capacidade de fazer coisas, e podersobre, a capacidade de comando sobreos outros para que façam o que quere-mos que façam. Revoluções, segundoHolloway: “(...) deveriam promover oprimeiro e desfazer o segundo”. Con-fesso que não estou convencido dessadistinção. Penso não ser possível existirnenhuma forma de vida coletiva e deações dos seres humanos sem algumaforma de “poder sobre”.

Explico agora minhas objeções.Elas têm a ver com a idéia de democra-cia, um conceito que quase não apare-ce no livro, ou que é despachado como“um processo definido pelo estado detomada de decisão influenciada eleito-ralmente” (p. 97). Penso que a demo-cracia deve ser um aspecto central emtodos os processos de tomada de deci-sões sociais e políticas e particularmen-te num processo revolucionário – umargumento apresentado de forma notá-vel por Rosa Luxemburgo em sua críti-ca (fraterna) aos bolcheviques (ver seuensaio A revolução russa, escrito em1918).

Democracia significa que a maio-ria tem poder sobre a minoria. Não umpoder absoluto: ele tem limites, e deverespeitar a dignidade do outro. Mas,ainda assim, ela possui poder sobre. Istose aplica a todos os tipos de comunida-des humanas, incluindo as comunida-des zapatistas, sobre as quais Hollowayescreveu bastante. Por exemplo: em1994, após algumas semanas, oszapatistas decidiram parar a luta arma-da e negociar uma trégua. Quem deci-diu? As comunidades zapatistas discu-tiram e a maioria – talvez tenha havidomesmo consenso geral – decidiu que oconflito armado deveria cessar. As co-munidades então deram ordem ao co-mando do EZLN para cessar fogo. Elestinham poder sobre os comandantes. E,finalmente, os próprios comandantesobedeceram às ordens das comunidadese instruíram os combatentes zapatistaspara cessar fogo: eles tinham poder so-

Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Page 3: Lowy Resenha Do Como Mudar o Mundo Sem Tomar o Poder

������������������� &

bre os combatentes. Não quero dizerque esta seja uma descrição precisa doque aconteceu, mas é um exemplo decomo a democracia requer alguma for-ma de “poder sobre”.

Uma das minhas principais obje-ções à discussão de Halloway sobre aquestão do poder, antipoder econtrapoder é seu caráter extremamenteabstrato. Ele menciona a importância damemória para a resistência, mas há muitopouca memória, muito pouca históriaem sua argumentação, pouca discussãodos méritos ou limites dos movimentosrevolucionários reais, marxistas, anar-quistas ou zapatistas desde 1917.

Em uma das poucas passagensonde ele menciona alguns exemploshistóricos positivos de antifetichismo eautodeterminação, Holloway se refereà “(...) Comuna de Paris discutida porMarx, os conselhos operários teorizadospor Pannekœk, e os conselhos comuni-tários dos zapatistas” (p. 105). É possívelmostrar que em cada um destes exem-plos temos formas de poder democráti-co que requerem alguma forma de po-der-sobre. Na Comuna de Paris, temosuma nova forma de poder que não eramais um Estado no sentido usual dotermo e, no entanto, era um poder de-mocraticamente eleito pelo povo deParis – uma combinação de democra-cia direta e representativa – e que tinhapoder sobre a população por seus de-cretos e decisões. Tinha poder sobre aGuarda Nacional, e os comandantes daGuarda tinham poder sobre seus solda-dos (“vamos construir uma barricada no

Boulevard de Clichy!”). E este poder, opoder democrático da Comuna de Pa-ris, foi literalmente “tomado”, inicial-mente pelo ato de tomada dos instru-mentos materiais do poder, no caso ostrabalhadores se apoderaram dos ca-nhões da Guarda Nacional que os rea-cionários queriam levar para o Castelode Versalhes. Já o comunista de conse-lhos, Anton Pannekœk, queria “todo opoder aos conselhos operários” e via osconselhos como meios para os operários“tomarem o poder e estabelecerem seudomínio sobre a sociedade” (estou citan-do de memória um ensaio de Pannekœk,de 1938).

Sinto que o que falta igualmentena discussão de Holloway é o conceitode práxis revolucionária – formulado ini-cialmente por Marx nas “Teses sobreFeuerbach” – e que para mim é a respos-ta verdadeira ao que ele chama de “tra-gédia do fetichismo” e todos os seus di-lemas: como podem as pessoas tão pro-fundamente enredadas no fetichismo li-bertar a si mesmas do sistema?

A resposta de Marx é que, por meioda sua própria práxis emancipatória, aspessoas mudam a sociedade e mudamsuas próprias consciências ao mesmotempo. Somente pela experiência práti-ca da luta é que as pessoas podem liber-tar-se do fetichismo. Essa é a razão tam-bém pela qual a única emancipação ver-dadeira é a auto-emancipação, e não a li-bertação “de cima”. Qualquer ação auto-emancipadora, individual ou coletiva, pormais modesta que seja, pode ser um pri-meiro passo em direção à “expropriação

Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Usuario
Realce
Page 4: Lowy Resenha Do Como Mudar o Mundo Sem Tomar o Poder

� '����!"���#��!$"#�����#����#�%#"��

dos expropriadores”. Mas eu não creioque qualquer “Não”, por mais bárba-ro, possa ser uma “força propulsora”,como Holloway sugere na página 205:eu não acho que o suicídio, ficar louco, oterrorismo e todos os tipos de respostas anti-humanas ao sistema possam ser “pontosde partida” para a emancipação.

Concordo com a conclusão do li-vro – sem um fim. Estamos todos bus-cando nosso caminho, ninguém podedizer que encontrou a única e verda-deira estratégia. E todos temos de apren-der com a experiência viva das lutas,como as dos zapatistas.

Usuario
Realce
Usuario
Realce