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R$ 9,90 EDUCAÇÃO TEM COR NORDESTE ACORRENTADO À EXCLUSÃO RACIAL NA ESCOLA GRACILIANO RAMOS: MEMÓRIAS DO CHÃO NORDESTINO ESTUDO ETENE-BNB NE RUMO À AUTOSSUFICIÊNCIA ENERGÉTICA EXCLUSIVO: FIOCRUZ VAI INSTALAR UNIDADE NO CEARÁ Edição Nº 05 — Ano I — Revista Nordeste VinteUm – Publicação sobre economia, política e cultura — www.nordestevinteum.com.br

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Capa: Desigualdade racial - Desenvolvimento: Bahia - Especial: Cangaço - Infraestrutura: Nordeste rumo a autossuficiência - Literatura: Graciliano Ramos - Entrevista: Fiocruz - Ensaio: Tejucupapo A batalha pra reconhecer heroinas - R$ 9,90 Edição Nº 05 — Ano I — Revista Nordeste VinteUm – Publicação sobre economia, política e cultura — www.nordestevinteum.com.br

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R$ 9,90

Educação tEm cor

Nordeste acorreNtado à exclusão racial Na escola

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Graciliano Ramos (Quebrangulo, 27 de outubro de 1892 — Rio de Janeiro, 20 de março de 1953) Romancista, cronista, contista, jornalista, político e memorialista Visões de mundo

AUTO – RETRATO

“Ateu! Não é verdade. Tenho passado a vida a criar deuses que morrem logo, ídolos que depois derrubo. Uma estrela no céu, algumas mulheres na terra ...”

“Certos lugares que me davam prazer tornaram-se odiosos. Passo diante de uma livraria, olho com desgosto as vitrinas, tenho a impressão de que se acham ali pessoas, exibindo títulos e preços nos rostos, vendendo-se. É uma espécie de prostituição.”

“Escolher marido por dinheiro. Que miséria! Não há pior espécie de prostituição.”

Insigths“A palavra não foi

feita para enfeitar, brilhar como ouro falso; a palavra foi feita para dizer”

Casado duas vezes, tem sete filhos. »Altura 1,75. »Sapato n.º 41. »Colarinho n.º 39. »Prefere não andar. »Não gosta de vizinhos. »Detesta rádio, telefone e campainhas. »Tem horror às pessoas que falam alto. »Usa óculos. Meio calvo. »Não tem preferência por nenhuma »comida.Não gosta de frutas nem de doces. »Indiferente à música. »Sua leitura predileta: a Bíblia. »Escreveu “Caetés” com 34 anos de »idade.Não dá preferência a nenhum dos »seus livros publicados.Gosta de beber aguardente. »É ateu. Indiferente à Academia. »Odeia a burguesia. Adora crianças. »Romancistas brasileiros que mais »lhe agradam: Manoel Antônio de Almeida, Machado de Assis, Jorge Amado, José Lins do Rego e Rachel de Queiroz.Gosta de palavrões escritos e falados. »Deseja a morte do capitalismo. »Escreveu seus livros pela manhã. »Fuma cigarros “Selma” (três maços »por dia).É inspetor de ensino, trabalha no »“Correio do Manhã”.Apesar de o acharem pessimista, »discorda de tudo.Só tem cinco ternos de roupa, »estragados.Refaz seus romances várias vezes. »Esteve preso duas vezes. »É-Ihe indiferente estar preso ou solto. »Escreve à mão. »Seus maiores amigos: Capitão Lobo, »Cubano, José Lins do Rego e José Olympio.Tem poucas dívidas. »Quando prefeito de uma cidade »do interior, soltava os presos para construírem estradas.Espera morrer com 57 anos. »

Fonte: www.graciliano.com.br

“Nunca presto atenção às coisas, não sei para que diabo quero olhos. Trancado num quarto, sapecando as pestanas em cima de um livro, como sou vaidoso, como sou besta! Idiota. Podia estar ali a distrair-me com a fita. Depois, finda a projeção, instruir-me vendo as caras. Sou uma besta. Quando a realidade me entra pelos olhos, o meu pequeno mundo desaba.”

“Quem dormiu no chão deve lembrar-se disto, impor-se disciplina, sentar-se em cadeiras duras, escrever em tábuas estreitas. Escreverá talvez asperezas, mas é delas

que a vida é feita: inútil negá-las, contorná-las, envolvê-las em gaze.”

“Se a única coisa que de o homem terá certeza é a morte; a única certeza do brasileiro é o carnaval no próximo ano.”

“Se a igualdade entre os homens – que busco e desejo –for o desrespeito ao ser humano, fugirei dela.”

Graciliano preferiu caminhar no fio da navalha, entre a fidelidade conceitual ao socialismo e a oposição às teses sectárias, sem manchar o ímpeto inventivo com o utilitarismo político. Não abandonou o ideário marxista nem discrepou publicamente do PCB. A lealdade à causa, entretanto, fugia à bitola da subserviência, assinala Moacir Werneck de Castro: “Estava longe de ser um ‘bom comunista’, segundo os manuais. Não se enquadrava na rigidez dos estatutos. Sentia-se desconfortável numa engrenagem partidária a cujos cânones de literatura e estética tinha horror. Mas ai do reacionário que viesse tentar confundir as suas restrições e ‘desvios’ com a infidelidade ao socialismo, com qualquer tipo de conformismo e aceitação da cruel injustiça vigente, ainda hoje, na sociedade brasileira. Responderia com palavrões a quem buscasse atraí-lo para o regaço ideológico dos opressores .

Por Dênis de Moraes, professor da Universidade Federal Fluminense e autor, entre outros, de O Velho Graça: uma biografia de Graciliano Ramos, O Planeta Mídia e O concreto e o virtual

Literatura e Engajamento

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5Setembro/2009Nordeste VinteUm

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CARTA DO EDITORDois Brasis.Dois Nordestes

Análises prospectivas alentadoras ou penosas leituras de panoramas sobre atualidades e futuros do desenvolvimento regional nordestino, hoje, graças a ferramentas como a internet, podem chegar aos borbotões nos ambientes acadêmicos, de gestão pública, na

imprensa e nos circuitos classistas de entidades públicas e privadas. No dia-a-dia, porém, ain-da estamos longe de um democratizado alcance a informações capazes de oferecer parâmetros norteadores de fundamentados juízos sobre questões complexas como desequilíbrios regionais e a ancestralidade das nossas amarras rumo ao progresso.

Resta, então, incentivar o cotidiano do grande público a estrebuchar. Pelo acesso ao conhe-cimento de aspectos fundantes e valores que determinam nosso secular estado de subdesenvol-vimento. Assumir uma atitude participativa e desbravadora, onde convocam-se atores sociais, políticos e econômicos a sair da letargia e da negligência diante de assuntos e necessidades pre-mentes do povo, do seu lugar e modo de viver.

Aqui, na Nordeste VinteUm, ao promovermos debates mobilizados por temáticas ligadas ao planejamento e desenvolvimentismo, buscamos palmilhar um caminho encurtador de dis-tâncias na compreensão das disparidades regionais. Dos porquês do apartamento territorial no mapa da distribuição de riquezas. Daquilo que continua a gerar dois Brasis e dois Nordestes. Cada um em permanente descompasso com o outro. O que cresce e o que sofre. Sempre a es-perar, vez por outra, uma incidental e salvadora transversalidade de políticas públicas nem sem-pre capazes de dar conta dos fundamentos de centenárias mazelas.

Conseqüências de um pacto federativo obtuso, assimétrico e retrógrado. A produzir uma le-sada cidadania, que involuntária e miseralvelmente hesita e falha diante da tomada de decisões políticas redentoras. De movimentos concretos e agregadores rumo a um Nordeste que cresça sabendo se desenvolver. Que se reposicione no país a caminho de se tornar a quinta economia mundial em uma década, mas que ainda convive com a lógica cruel do capital de terras subde-senvolvidas. Onde a paisagem incorpora o caos na saúde, educação básica e habitação, baixos salários, carga de trabalho desumana e filas de desemprego. Ao mesmo tempo que mantém in-tocadas perversas questões como as abissais desigualdades na distribuição de renda.

Portanto, com o intuito de manter na ordem do dia reflexões sobre a razão de o Nordeste bra-sileiro permanecer filho dileto da realidade histórica de um país 75º lugar (entre 182) do ranking de Desenvolvimento Humano (IDH) das Nações Unidas, é que hoje, levamos nossa revista aos quatro cantos da região. Através de discussões presenciais com renomados pesquisadores, políticos, empresários, técnicos e decisores públicos. Num primeiro momento, aproveitamos para lançar institucionalmente a revista em Fortaleza, com palestras e debates, trazendo figuras de expressão como o governador Wellington Dias e o presidente do BNB, Roberto Smith (ver página 18). Por último, programamos a vez de Pernambuco nos receber em Recife, através da Fundação Gilberto Freyre, na sede de seu Espaço Cultural, para realização da segunda etapa do Ciclo de Debates Nordeste VinteUm.

Com privilégio à abordagem temática dos avanços socioeconômicos, revisão de políticas pú-blicas e o Projeto Nordeste, nosso objetivo maior era, especificamente na edição pernambuca-na, juntar estudantes, acadêmicos, gestores públicos e privados para discutir energia elétrica e desenvolvimento. Em destaque, estudos que apontam para a autossuficiência nordestina no setor, num passeio pelas nossas potencialidades de geração e transmissão, envolvendo matrizes hidrelétricas, termelétricas, eólicas e de biomassa. Tema que, inclusive, se faz acompanhar de outras exclusividades desta edição da NE VinteUm. É o caso da instalação de unidade da Fio-cruz no Ceará; abrangentes levantamentos sobre o quadro de exclusão racial no ensino do Nor-deste e o atual estágio de desenvolvimento econômico da Bahia; além de preciosos resumos das mais recentes abordagens sobre Lampião, o cangaço e a obra de Graciliano Ramos.

Oportunidades históricas de recolher, sistematizar, documentar e difundir informações a par-tir de embasados depoimentos sobre evoluções e perspectivas de nosso quadro socioeconômi-co, político e cultural, lembramos ainda que a programação o Ciclo de Debates NE VinteUm prossegue nos próximos meses, pelas cidades de Salvador, Teresina e Juazeiro do Norte. Hora de arribar e se estabelecer por outras plagas, embalados pelo maracatu “Pau de Arara”, de Luiz Gonzaga e Guio de Morais, que dizia: “Quando eu vim do sertão, seu môço, do meu Bodocó. A ma-lota era um saco e o cadeado era um nó. Só trazia a coragem e a cara. Viajando num pau-de-arara. Eu penei, mas aqui cheguei”

Editora Assaré Ltda MERua Waldery Uchôa, 567 A n BenficaFortaleza, Ceará n CEP: 60020-110e-mail: [email protected]/fax: (85) 3254.4469

18. Caleidoscópio

50. Saberes & Sabores66. Ateliê – Mino Castelo Branco

64. TejucupapoA batalha pelo reconhecimento e recuperação da história das heroínas de Tejucupapo, em Pernambuco, por Luciana Lyra

Seções

Ensaio

Edição Nº 05Ano I — Setembro/2009Circulação Outubro 2009Revista Nordeste VinteUmPolítica, Economia, Culturawww.revistanordestevinteum.com.br

Capa: Marcos Aurelio/Ilustração

Francisco Bezerra Diretor de Negócios e Relações Institucionais [email protected]

Orlando Júnior Diretor Administrativo Financeiro [email protected]

Wilton Bezerra Júnior Editor Executivo [email protected] [email protected]

Marcel Bezerra Editor Adjunto [email protected]

CiClo de debates

6 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Capa

TROFÉU TEJUCUPAPO

“Mulher Nordeste VinteUm 2009”Sumário

Editora Assaré Ltda MERua Waldery Uchôa, 567 A n BenficaFortaleza, Ceará n CEP: 60020-110e-mail: [email protected]/fax: (85) 3254.4469

Ceará vai sediar complexo econômico-industrial da Fiocruz. Na área do conhecimento, impacto equivale a receber uma siderúrgica ou refinaria

Saúde

O vigor de crescimento da sexta maior economia do país. Bahia, um país dentro do Brasil

Desenvolvimento20

Estudo exclusivo do Etene-BNB mostra o Nordeste no caminho da autossuficiência em geração e transmissão energética

Energia36

60Graciliano Ramos, um passeio pela trajetória do leitor de almas, cuja memória não se apaga do seu chão

Cultura52

A profusão de ambiguidades no gênero das abordagens sobre a história social protagonizada por cangaceiros e seu símbolo maior: Lampião

Cangaço26

18. Caleidoscópio

50. Saberes & Sabores66. Ateliê – Mino Castelo Branco

Francisco Bezerra Diretor de Negócios e Relações Institucionais [email protected]

Orlando Júnior Diretor Administrativo Financeiro [email protected]

Wilton Bezerra Júnior Editor Executivo [email protected] [email protected]

Marcel Bezerra Editor Adjunto [email protected]

TODOS OS DIREITOS SÃO RESERVADOS. É proibida a reprodução total ou parcial, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos ou qualquer outro meio ou processo existente ou que venha a ser criado.

Flamínio Araripe Editor Adjunto do caderno Ciência e Tecnologia [email protected]

Claudemir Luis Gazzoni Diretor de Arte [email protected]

Vladimir Pezzole Editor de Arte [email protected]

Lucílio Lessa e Samira de Castro Reportagem [email protected]

Paulo Rocha Repórter Fotográfico [email protected]

Imagem Assessoria de Comunicação Marketing – [email protected]

Colaboradores Dhafine Mazza e Mino Castelo Branco

Impressão MarcografTiragem 16.000 exemplares

As Mulheres He-roínas de Te-jucupapo, hoje

município de Goiana, Pernambuco, ao decorrer do ano de 1646, protago-nizaram o enfrentamento de tropas holandesas for-madas por 600 homens. O contingente estava acantonado no Forte Orange, de Itamaracá, após reveses sofridos contra grupamentos de André Vidal de Negreiros. Sem comida, água, mantimentos e remédios.

O jeito foi atacar Tejucupapo para o confis-co. A Vila se defendeu com a liderança momen-tânea das mulheres do lugar, que cavaram trin-cheiras ao lado de 100 homens, seus maridos, filhos e pais. O resguardo ao ataque foi à base de aramados de chuços, paus, pedras, pimen-ta e água fervente, panelas de barro e utensílios de pesca. Dois dias de lutas, 23 e 24 de janeiro. Maria Camarão, com seu crucifixo, foi de casa em casa buscar os moradores para a luta final.

A resistência feminina acabou vencedora e o episódio marcou a história brasileira como uma das poucas batalhas a envolver a participação co-letiva de mulheres. Ali, iniciava-se a decadência do período holandês. Alguns historiadores consi-deram a batalha como um fator determinante na reconquista do território tupiniquim.

E para reconhecer, homenagear e incenti-var o espírito de atuação das guerreiras nordes-tinas de hoje, nossa revista acaba de instituir, de forma pioneira, o “Troféu Tejucupapo - Mulher Nordeste VinteUm 2009”. Objeto comemorati-vo de vitórias na luta pela cidadania e agradeci-mento ao valor histórico de mulheres engajadas com destaque em seus respectivos campos de atuação, o estabelecimento da homenagem re-cebe o apoio institucional da Secretaria Espe-cial da Mulher de Pernambuco e do Go-verno do Estado do Piauí.

Para marcar a primeira edição do troféu, a se realizar em dezembro de 2009, o Conselho Edi-torial da revista, escolheu, de maneira unânime, como primeira mulher a ser laureada, a arque-óloga e diretora da Fundação do Museu do Homem Americano (Fundham), Niède Guidon. Trata-se de uma paulista de Jaú, des-cendente de franceses, nordestina por opção. Uma grande pesquisadora brasileira a defender o chão nordestino. Que espera reescrever a ver-são corrente da história demográfica do homem. Mesmo sob ameaças de morte, sabe captar em profundidade o sentido das vicissitudes de uma trajetória a ser gravada na história da arqueolo-

gia mundial.

EducaçãoO dilema do Nordeste como herdeiro maior da exclusão racial no acesso ao ensino. Na legião de analfabetos do país, a maioria é negra

08

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MATÉRIA DE CAPA

Reflexões sobre acesso igualitário à educação para negros e brancos no Brasil fazem avançar os debates sobre a desigualdade racial. No entanto, parece que a sonhada abolição educacional possui cores democráticas só no discurso. A prova é que a maioria dos analfabetos no país é negra, 13,6% contra 6,2% de brancos. E a reboque dessa realidade, encontra-se o Nordeste. A região é a herdeira maior na discriminação racial do acesso ao estudo em um país que

ainda engatinha pelos caminhos de discussões centenárias sobre um descaso que remonta a tempos pré-abolicionistas

DESIGUALDADE RACIAL

Correntes da

Educação

Nordestese arrastam pelo

Por Lucílio [email protected]

8 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Entre afirmações consensu-ais ainda arraigadas no Nordeste

e no Brasil de hoje está a de que persistem, de maneira expressiva, realidades educacionais diferentes entre negros e brancos. Embora a problemática da deficiência no

acesso à Educação seja analisada por muitos como uma desvantagem de classe

e não de raça, o fato é que a comunidade negra ainda é protagonista das piores estatísti-

cas no plano educacional. Coube aos primeiros negros libertos alfabeti-

zados levar conhecimento aos demais, no período imperial e pós-abolição. Ao longo de décadas republicanas, os próprios movimentos da negri-tude se encarregaram de tentar encontrar saídas para o problema do analfabetismo. Estudos que traziam dados sobre os negros e sua condição educacional eram escassos e só começaram a surgir na década de 1980.

Hoje, as fronteiras “invisíveis” da instrução formal que separam essas duas etnias permane-cem e o Nordeste, com seus indicadores incontes-táveis, ainda é palco preferencial dessa realidade. Recente publicação do Instituto de Pesquisa Eco-nômica Aplicada (Ipea) que se debruça na análise da Pesquisa Nacional por Amostra de Domicílios 2008 (Pnad), reafirma o discurso.

A taxa de analfabetismo, que pela definição internacional é a inabilidade de ler e escrever um bilhete simples, se salienta no Nordeste. Dos 14 milhões de analfabetos com mais de 15 anos no Brasil, ou seja, 10% da popu-lação, o maior índice está em terras nordestinas – 19,4%, quase o dobro da média brasileira. No Sudeste, esse número gira em torno de 5,8%. Iro-nicamente, o mesmo Nordeste é quem teve a maior redução de analfabetos, já que em 2002 a taxa era de 32,7%.

O estudo afirma ainda que o proble-ma do analfabetismo é maior entre os que têm mais de 40 anos (16,9%). E embora a velocidade na redução de analfabetos no país também tenha sido maior na população negra, (0,76 pontos percentuais ao ano, contra 0,27 da po-pulação branca) o fato é que os negros ainda estão na dianteira do atraso, com 13,6%, contra 6,2% de brancos não alfabetizados. O estudo não espe-cifica quantos dos 13,6% de analfabe-tos negros estão em terras nordestinas, mas o pesquisador Jorge Abrahão de Castro, responsável pelo levantamento, garante: “O Nordeste é, sem dúvida, o mais afetado”.

Para os técnicos do IPEA, a redu-ção das taxas de analfabetismo em negros e brancos no país, mesmo que pequena, não é fruto de políticas públi-cas, mas da alfabetização das pessoas mais novas, associada à morte dos idosos que não sabiam ler e escrever. E como se os números já não fossem su-ficientemente ilustrativos, a população negra nas escolas possui uma média de 1,8 ano de estudo a menos que a população branca.

Nordeste

Legiões de ágrafos

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Em todo o país, apenas um terço dos alunos matriculados no ensino fundamental e médio das escolas particulares são negros, ou pelo me-nos se declaram. Não para surpresa, o índice nas escolas públicas ultrapassa a metade, 56,4%.

Para a professora de Sociologia e Antropo-logia da Educação da Universidade Federal do Ceará (UFC), Bernadete Beserra, no quadro do ensino público o negro novamente sai em desvantagem. “A escola pública de hoje não é a mesma de décadas atrás. A prova disso é que há um verdadeiro apartheid nesse campo. Ricos nas escolas privadas e pobres nas públi-cas”, considera.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge), 50,6 % dos bra-sileiros se declaram negros ou pardos. Deste percentual, 75% estão no Norte e Nordeste. O pesquisador do Ibge, José Luis Petruchelli avalia que, “embora o número de pessoas que

Numa tentativa de amenizar o problema educacional, a Secretaria de Educação Continuada, Alfabetização e Diver-sidade (Secad) do Ministério da Educação (MEC) priorizou o Nordeste no Programa Brasil Alfabetizado, que se destina à alfabetização de jovens, adultos e idosos brasileiros. Se-gundo o secretário da instituição, André Luiz de Figueiredo Lázaro, o analfabetismo do negro no país, principalmente no Nordeste, é na verdade uma “cicatriz” das oligarquias. “O Brasil tem um racismo silencioso, que se traduz em seus indicadores sociais”, diz o secretário.

Quem faz coro com André Luiz é o subsecretario de Políticas de Ação Afirmativa da Secretaria Es-pecial de Políticas de Promoção da Igualdade Racial (Seppir), Martis das Chagas. Para ele, a acentuada problemática racial dos negros em terras nordestinas tem berço na pró-pria formação do Estado brasileiro. “Para

começar, a família real veio para a Bahia antes de ir para o Rio de Janeiro. Então, esse legado de racismo perverso en-tranhado em todo o Brasil é, desde essa época, notadamente maior no Nordeste. Os negros dessa região sempre sofreram o racismo de uma maneira mais abrupta. É possível, então, que o Nordeste demore mais que as outras regiões para re-solver o problema”, avalia.

Perguntado sobre políticas específicas da Seppir para os negros, Martvs destaca projetos como a oferta de bol-sas de estudo na graduação, em parceria com o Conselho

Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecno-lógico (CNPq), destinadas a jovens que entra-

ram nas universidades em ações afirmativas. Mas, reconhece que os resultados mais expressivos na comunidade negra estão em programas que não levam em conta a etnia, mas a condição social.

Ricos nas escolas privadas, negros nas publicas

Cicatriz das oligar puias não se apaga no Nordeste

Apartheid

se consideram negras ou pardas represente a metade da po-pulação, o índice de fato não se reflete nos bens e serviços para esse segmento”, em especial na região nordestina.

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“Quando você melhora a condição de vida das pes-soas, obviamente estão inclusas pessoas negras. Por exemplo: o programa Bolsa Família melhorou a classe social de mais de 20 milhões de pessoas no país. Le-vando-se em consideração que 64% da população pobre no Brasil são de negros, a gente vai ter a dimensão de que essa comunidade ascendeu social-

mente sim. E o Nordeste, mais que qualquer outra região, está en-

tendendo esse legado”, avalia o subsecretário da Seppir.

Não é o que pensa em parte o professor da UFC e ex-

presidente da Associação Brasileira de Pesquisadores Negros, Henrique Cunha Júnior. De acordo com o estu-

dioso, é imprescindível que haja ações focadas para a comunidade negra. Para

ele, o estado brasileiro está in-vestindo pouco na educação

dos negros. “O orçamento viabilizado é muito pe-

queno, não passa de R$ 5 milhões destinados a reciclagem de professores da rede pública. Para que houvesse de fato uma diferença, seria necessá-rio um projeto maior”, considera Henrique.

A avaliação se sustenta em estudos realizados pelo professor ainda no início do governo Lula, e que resulta-ram num projeto de financiamento de bolsas de pesqui-sa específicas para o estudo da cultura negra. “Fizemos o orçamento. Um projeto desses custaria cerca de R$ 30 milhões. Ele viabilizaria cerca de 500 bolsas/ano, duran-te oito anos, mas a ministra Dilma Rousseff achou caro. O que eles estavam propondo era um valor de R$ 200 a R$ 300 mil. Isso a gente consegue com qualquer projeto de pesquisa”, critica.

Independente dos tais recursos, o pesquisador está à frente de um programa de pós-graduação em Fortaleza, na UFC, que tem o mérito de possuir a maior concen-tração de pessoas no país estudando o tema das etnias e cultura negra. “Hoje, nós temos 25 pós graduandos aqui, entre mestrandos e doutorandos. Recebemos pessoas de várias partes do país”, comemora. Coincidentemente ou não, todos os alunos do programa são negros.

Legado do Bolsa Famíliaem puestionamento

Ao se confirmar os resultados deficientes na escola-ridade da população negra no país, o professor Henrique Cunha Júnior afirma que esse fracasso escolar é atribu-ído por parte da sociedade à própria vítima, no caso, ao negro. No entanto, o vilão dessa equação complexa, na opinião do pesquisador, é o sistema de ensino, que não reconhece os valores culturais da comunidade negra e, assim, não disponibiliza recursos eficientes que possibi-litem a auto-estima dessa camada da população.

E o pesquisador vai além. Para ele, uma das causas freqüentes dos baixos aproveitamentos da comunidade negra nas escolas está relacionada com os constrangi-mentos de fundo racista. “A deficiência em se sentir incluso prejudica sim a atu-

ação dos alunos negros. Xingamentos e agressões contra eles fazem parte do cotidiano escolar. Uma parce-la significativa da sociedade subestima a relevância so-cial, moral e ética dessas agressões”, considera Henrique.

Sistema preconceituosoimpõe fracasso escolar

Inclusão

Henrique Cunha Júnior, pesquisador e professor da Univesidade Federal do Ceará

Henri pue Cunha Junior

11Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Para combater a discriminação racial nas escolas foi criada, em 2003, a Lei nº 10.639, que insti-tui a obrigatoriedade do ensino da história da cultura africana e afro-brasileira nos níveis funda-mental e médio de todo o país. Após seis anos e R$ 10 milhões

O principal motor para a retomada de direção do ensino da cultura negra nas escolas do país é o Plano Nacional de Implementação da Lei nº 10.639/2003, criado em 2008. “Esse plano estabelece metas e compromissos para todas as es-feras públicas e para o sistema educacio-

nal. Cada um terá que dar sua contribuição para que a gente implemente de fato a lei”, avalia o subsecretário da Seppir, Martvis das Chagas.

Constituído pela Secad/MEC, o plano foca na

padronização das experiências em curso. A estratégia de promoção contou com o lançamento do plano nas cinco regiões do país. As cidades escolhidas foram Be-lém, Campo Grande, Rio de Janeiro, Curi-tiba, e Recife. Esta última fecha o ciclo de lançamento, em cinco de novembro.

“Nós temos que intensificar a histó-ria do negro no Brasil. Não podemos es-tudar apenas as situações do continente europeu, nem nos limitarmos à escravi-dão. Quando a gente estuda a África, por exemplo, a gente estuda o Egito, e ele é sempre tratado como algo à parte, como se não fosse continente africano”, exem-plifica Martvis.

Na intenção de fortificar o leque de iniciativas na promoção da cultura negra,

o Ministério da Educa-ção estuda uma forma de veicular na rede de ensino o documentário Ori, palavra de origem yorubá que significa cabeça ou consci-ência negra. Marco na filmografia sobre os movimentos negros no Brasil, o filme da socióloga, cineasta e pesquisadora Raquel Gerber comemora este ano duas décadas e traz um aspecto historiográfico amplo sobre como as raízes africanas pas-saram a compor a cultura nacional.

Ensino da história da culturaafro b̃rasileira mostra s̃e inócuo

Plano reorienta aplicação da lei 10.639

Cenas do documentário Ori

As palavras do estudioso ga-nham força ao se analisar a pes-quisa da Fundação Instituto de Pesquisas Econômicas (Fipe), inti-tulada Preconceito e Discriminação no Ambiente Escolar. Solicitado pelo Instituto Nacional de Estudos e Pes-quisas Educacionais Anísio Teixeira (Inep), o estudo foi realizado com 18,5 mil alunos, pais e mães, dire-tores, professores e funcionários de 501 escolas públicas de todo o país. O resultado: 94,2% dos entrevista-dos afirmaram ter preconceito ét-nico-racial. Na pesquisa, o racismo ocupa a vice-liderança, perdendo apenas para o preconceito contra portadores de deficiências espe-ciais, 96,5%.

Preconceito étnico˜racial admitido por 94,2

Escolas publicas

gastos com a capacitação de 40 mil professores, a lei ainda não disse a que veio.

“Cantar o Maracatu no dia da Consciência Negra não é fazer polí-tica de educação que valorize a ques-tão étnico-racial”, ironiza a professora da Universidade Estadual do Ceará (Uece) e coordenadora executiva do fórum estadual de promoção da lei, Zelma Madeira.

Para a coordenadora-ge-ral de Diversidade da Secad/MEC, Leonor Araújo, não houve planejamento para a operacionalização da lei. Segun-do ela, o próprio ministério não sabe quantas escolas inseriram o tema na grade curricular. “Só algu-mas escolas públicas, em razão de professores interessados. As parti-culares nem sequer discutiram a temática”, avalia.

12 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Poucos lugares no mun-do seriam tão representativos da mistura de culturas como o Brasil. No entanto, são evi-dentes os conflitos de inter-pretação das formas que orga-nizaram a nossa sociedade. Ao se apontarem os rumos de uma nova dinâmica de ensino de in-clusão focada na massificação do que a historiografia omitiu por tanto tempo, o que se es-pera é que a cultura negra seja pauta não só do currículo esco-lar, mas do interesse de negros e brancos.

É bem verdade que algumas ma-nifestações da cultura negra já pos-suam certa representatividade e que outras sofram um maior preconceito, como as de cunho religioso. Mas, é possível encontrar matrizes africanas em contribuições até pouco tempo tidas como inusitadas, mas funda-mentais para a construção do Brasil.

A ideia de escravo sempre limi-tou o pensamento dos historiadores brasileiros. “Africanos e afrodescen-dentes sempre foram vistos como se-res originários das tribos de ‘homens nus’. Seres incultos e despossuídos de conhecimentos. Incapazes de edificar cultura”, analisa Henrique Cunha Júnior.

Henrique aponta dados ao re-latar que as agriculturas tropicais já eram bem desenvolvidas na África antes do século 16, como a cana-de-açucar, a banana, o café, o algodão, o arroz e o amendoim, além do açúcar

e dos tecidos. A tecelagem africana, inclusive, era muito exportada para a Europa no século 17.

Mesmo antes do ano de 1500, diversas regiões africanas eram reco-nhecidas como centros importantes de produção têxtil. Os fios têxteis, compostos de fibras vegetais e ani-mais, eram destaque em várias regi-ões da África. Além dessa técnica, o continente era referência na produ-ção de tinta e de fixadores de cores. A Nigéria, por exemplo, era polo de produção de índigo. No Nordeste, ainda hoje se utiliza a tradição da confecção de redes de dormir com a forma de tear vinda da África.

Muitos conhecimentos de constru-ção no país também são provenientes do continente africano. Construções de galerias, minas e até obras públicas, feitas pelos negros no Brasil na época da colônia, eram motivo de visitas de engenheiros europeus, interessados em aprender as técnicas. Grande parte

do que foi realizado pelos africa-nos e afrodescendentes é conhe-cida como obra de autores anô-nimos. Basta lembrar das nossas igrejas barrocas e seus interiores ornamentados.

Adobe, taipa de pilão e tai-pa de mão são técnicas cons-trutivas de casas e edifícios difundidas pelos africanos e utilizadas até hoje. E mais, as peças das embarcações em madeira, utilizadas em várias zonas pesqueiras brasileiras, são também herança do povo africano. Um dado curioso é

que as curvas do casco dos barcos, responsáveis pela hidrodinâmica e estabilização das embarcações, fa-zem parte do legado africano.

Sabe-se ainda que entre as prin-cipais importações no país até apro-ximadamente o ano de 1780 estava o sabão, proveniente da África, e produzido com a mistura de gordura animal e vegetal. O porto de Salva-dor, na Bahia, era a principal porta de entrada das mercadorias vindas do continente africano.

Entre outros itens desse legado, encontra-se também a mineração. As técnicas inovadoras do conhecimen-to africano no assunto foram funda-mentais no período do ciclo do ouro no Brasil. “Muitas especializações agrícolas e de mineração encontra-das na África foram realizadas no Brasil em virtude da importação de africanos. Elas não eram de domínio europeu”, revela Henrique.

Matrizes africanas na construçãodo Brasil muito além das omissões

Historiografia

Regiões africanas eram reconhecidas como centros importantes de produção têxtil. Os fios têxteis eram compostos de fibras vegetais

13Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Criada no ano do centenário da abolição da escrava-tura, 22 de agosto de 1988, a Fundação Cultural Palma-res é fruto de dois movimentos convergentes. De um lado os movimentos negros brasileiros. Do outro, o então novo ordenamento jurídico do país, materializado na Consti-tuição de 1988.

Até 300 libras por cabeça, sete anos de vida e 5 para o Erário

Fundação Palmares é desta pue na promoção da consciência negra

Custo do negro no Brasil

Cidadania

Navio negreiro. Os negros capturados eram transportados de maneira subumana

Uma publicação da Fundação Cultural Palmares relata que aproximadamente quatro milhões de africanos foram retirados do continente e trazidos para o Brasil, oficialmente entre 1520 e 1850. Há registro de que 120 mil negros chegaram a entrar por ano no país.

As referências espaciais, temporais e quantitativas do perí-odo clandestino do tráfico ainda não foram caracterizadas pela historiografia brasileira.

Estudos afirmam que os negros escravizados morriam cedo. Em média, não duravam mais que sete anos, em decorrência dos maus tratos. Cada escravo custava por volta de 50$.000 (cinqüenta mil-réis). Nos trabalhos em engenho, esse valor se pagava em cinco anos. Nos mais de 350 anos de escravidão os preços variaram, chegando a 1.256 mil réis em 1875. No continente africano, um negro atingia o custo de oito libras e, colocado no Brasil, alcançava o valor de 300 libras.

Na época, as moedas que circulavam eram o Ducado, es-pécie de dólar, equivalente a 3,5 gramas de ouro; Cruzado, que correspondia a 400 réis; a Onça, moeda espanhola que tinha cotação de 14 réis; o Maravedi, moeda árabe que valia 27 réis, e o Real.

Desembarcados dos tumbeiros – como eram denominados os navios negreiros – e levados aos mercados para venda, os negros tinham 5% do seu “valor” destinados ao erário da Co-roa. O preço da “peça” estava vinculado às suas origens tribais, às regiões, às qualificações serviçais, características de docili-dade, religiosidade original, estatura e vigor físico.

14 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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No contexto da luta pelo direito à inclusão e aces-so ao ensino, uma pauta central continua a suscitar fundamentais divergências de opinião: o sistema de cotas. Iniciado em 2003 com a adesão da Universida-de do Estado do Rio de Janeiro (Uerj) e da Universi-dade de Brasília (UNB), esse mecanismo é visto como a principal arma para a integração à universidade dos negros e indígenas.

Segundo o subsecretário de ações afirmativas da Seppir, Martvs das Chagas, não existe um estudo pre-ciso sobre o número de cotistas e o resultado dessa ação afirmativa no país. “Isso está sendo feito pela Unesco”, disse.

No entanto, o ministro da Seppir, Edson Santos, não vê dúvidas do sucesso da iniciativa. “É importan-

te destacar que a rejeição de uma parte da socieda-de ao sistema de cotas não ocorre dentro da universidade. Não há notícias de conflitos acirrados entre alunos cotistas e não co-tistas”, declara.

De acordo com o Instituto Brasileiro de Análises Sociais e Econômicas (Iba-se), 54 universidades no país possuem cotas raciais. No Nordeste, a Bahia é quem possui os números mais expressivos. Confira, na págima seguinte, as universida-des nordestinas que dispõem do sistema.

Unesco levanta numerossobre cotas no ensino superior

Em busca do Por pue sim?

Nesses 21 anos, a instituição, com sede em Brasília, atuou de maneira contundente na promoção do continen-te africano. Mapeou os terreiros de candomblés, criou o Parque Memorial Quilombo dos Palmares e esteve pre-sente nos principais fóruns do país e do exterior.

“Das prováveis três mil comunidades remanescen-tes de quilombos no país, nós já reconhecemos 1.342. Ao todo já participamos de mais de 200 ações judiciais em defesa dessas comunidades, que em sua maioria es-tão no Nordeste”, afirma o presidente da Palmares, Zulu Araújo.

Sobre a região, Zulu corrobora com a tese de que o Nordeste merece uma atenção especial do poder público. “Há uma expressão no Brasil muito forte em terras nor-destinas, que é o PP, ou seja, Preto e Pobre. É como se essas duas coisas se confundissem”, diz.

Para Zulu, negar que existe pre-conceito no país é o mesmo que

criar um obstáculo ainda maior para acabar com a desigualdade. “Observe: porque nós temos apenas um membro do Supre-mo Tribunal Federal negro?

Porque o negro no Brasil recebe em média a metade do salário de

Edson Santos, ministro da Seppir

Zulu Araújo, presidente da Fundação Cultural Palmares

Evento de comemoração do 21º aniversário da Palmares

um branco? Porque o negro não está expresso na mídia com a mesma representação dos brancos? Porque só 2% da população universitária no Brasil são negros? Alguma coisa está errada”, considera.

Recentemente, a Fundação Cultural Palmares lan-çou edital com o objetivo de promover a lei nº 10.639/03, em comemoração ao Dia Nacional da Consciência Ne-gra, 20 de novembro. Ao todo são R$ 400 mil reais para os projetos vencedores. Os trabalhos devem apresentar atividades culturais com o tema “Renascimento Africa-no – Fesman”. O público alvo é composto de crianças e jovens em idade escolar. A iniciativa prevê ações durante todo o mês de novembro.

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cia

15Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Ironicamente, as universidades do Ceará – primeiro estado a liber-tar os escravos, ainda não contam com sistema de cotas. Em 2008, foi apresentada na Assembléia Le-gislativa do Estado a Proposta de Emenda Constitucional 04/2008, que garante a reserva de 50% das vagas nas Instituições Estaduais de

Ensino Superior (IES) para quem fez integralmente o Ensino Médio na escola pública. De autoria do deputado estadual Dedé Teixei-ra (PT), a proposta assegura que, dentro desses 50%, será assegu-rado, em cada curso e turno, um número de vagas para autodeclara-dos pretos, pardos e indígenas no mínimo igual à proporção desses segmentos na população do Estado do Ceará, de acordo com o último Censo do Ibge.

Universidades cotistasna região NordesteAL**Universidade Federal de Alagoas (Ufal)

BA**Universidade Estadual de Feira de Santana (Uefs)**Universidade Federal da Bahia (Ufba)**Universidade Federal do Recôncavo da Bahia (Ufrb)**Universidade Estadual de Santa Cruz (Uesc)**Universidade do Estado da Bahia (Uneb)**Centro Federal de Educação Tecnológica da Bahia (Cefet-BA)

CE*Universidade Estadual do Vale do Acaraú (UVA)

MA* * U n i v e r s i d a d e Federal do Maranhão (Ufma)

PB*Universidade Estadual da Paraíba (Uepb)

Primeiro a libertar não opera cotasCeará

( ** ) Aplicam sistema de cotas raciais(*) Aplicam outros tipos de reserva de vaga, como as destinadas para alunos(as) oriundos(as) de escolas públicas.

Marco da libertação dos escravos em Redenção, Ceará, primeira cidade a aderir à abolição da escravatura

PE*Universidade Estadual de Pernambuco (UPE)*Universidade Federal de Pernambuco (Ufpe)*Universidade Federal Rural de Pernambuco (UFRPE)*Centro Federal de Educação Tecnológica de Pernambuco (Cefet-PE)

RN*Universidade Federal do Rio Grande do Norte (Ufrn)*Centro Federal de Educação Tecnológica do Rio Grande do Norte (Cefet-RN) *Universidade do Estado do Rio Grande do Norte (Uern)*Instituto de Educação Superior Presidente

Kennedy (Ifesp)

PI*Universidade Federal do Piauí (Ufpi)

SE*Centro Federal de Educação Tecnológica

do Sergipe (Cefet-SE)

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16 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Desigualdades sociais ainda são desafio

A taxa de analfabetismo no país permaneceu praticamente inalterada em 2008. Segundo a Pnad 2008, ha-via cerca de 14,2 milhões de analfa-betos de 15 anos ou mais de idade no Brasil, quando a taxa de analfabetis-mo foi estimada em 10%. Em 2007, a taxa foi de 10,1%. As disparidades regionais em relação ao analfabetismo não diminuíram em 2008, quando a região Nordeste apresentava uma taxa de 19,4%, quase o dobro da taxa nacional. Já a taxa de analfabetismo funcional, representada pela propor-ção de 15 anos ou mais de idade com menos de quatro anos de estudos completos, foi estimada em 21,0% em 2008, ante 21,8% em 2007.

Os brasileiros brancos tinham, em média, em 2008, quase dois anos a mais de escolaridade que pretos e pardos. A diferença se reflete no rendimento médio mensal, de 3,7 salários mínimos para os brancos e 2 para os negros

A taxa de analfabetismo funcio-nal entre pretos e pardos é superior à média nacional, de 21%, e cerca de 10 pontos percentuais à de brancos, com 15%.

Resultados da Pes uisa Nacional por Amostra de Domicílios - Pnad-Educação

Renda por estudo e cor

Analfabetismo funcional por cor

Fonte: Pnad 2008/Ibge

Fonte: Estadao.com.br

Fonte: Estadao.com.br

20%

18%

16%

14%

12%

10%

8%

6%

4%

2%

0%

10%

9%

8%

7%

6%

5%

4%

3%

2%

1%

0%

40%

35%

30%

25%

20%

15%

10%

5%

0%

9,6%

9,0%

21%

15,8%

25,5% 26,3% 24,2%

19,1%

29,6%

25,2%

31,6%

26,5%

32,3% 34%

15,8%

13%

21,2% 19,4%

16,2% 14,3%

22,4% 23,8%

19,2%

15,3%

24%

21,5%

9,2%

3,7%

9,2%

7,1%

2,0%

10,3%

8,4%

5,5%

9,6%

5,2%

8,9%

7,4%

9,2%

9,9%

7,2%

8,1%

5,3%

4,0%

5%

7,1%

3,5%

7,3%

4,4%

9,7%

7,7%

2,0%

5,4%

7,7%

2,3%

5%

2,2%

7,4%

7,6%

2,8%

18,9%

2,6%

17,7%

1,6%

18,3%

6,2%

Norte

ANALFABESTISMO, MÉDIA POR REGIÃO

RENDA X ESTUDO E COR

ANALFABESTISMO FUNCIONAL

Norte

Norte

Brasil

Brasil

Nordeste

Nordeste

Nordeste

Sudeste

Sudeste

Sudeste

2006

Estudo/Brancos

Total

Renda média/Brancos

Branca

Estudo/Pretos e pardos

Preta

Renda média/Pretos e pardos

Parda

2007 2008Sul

Sul

Sul

Centro-Oeste

Centro-Oeste

Centro-Oeste

17Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Tecnologia social dá mel de jandaíra e prêmio na Serra das Almas

FNE faz 20 anos e ganha R$ 4 bi de presente

Wellington Dias e Roberto Smith abrem Ciclo de Debates NE Vinte Um

[email protected]

Caleidoscópio

No Sertão dos Inhamuns, a região mais seca do Ceará, as abelhas jandaíra já podem ser vistas enquanto colhem o pólen das flores. E o sertanejo voltou a vender o famoso mel de propriedades medicinais. Foi na Reserva Natural da Serra das Almas, uma área de 6.146 hectares de mata de Caatinga, que a Fundação Banco do Brasil encontrou a As-sociação Caatinga, que há dez anos mantém a Reserva Natural Serra das Almas e incentiva os produtores rurais da região à prática do ecodesenvol-vimento. Resultado: preservar do bioma e comercialização dos produtos. O projeto da abelha jandaíra é um dos finalistas do Prêmio Fundação Banco do Brasil de Tecnologias Sociais 2009. O resultado final do prêmio será no dia 24 de novembro, em Brasília. A jandaíra é uma abelha que só ocorre na Caatinga. O mel é tão valorizado que o litro custa R$ 80,00, dez vezes mais do que o de mel comum. O projeto, além de resgatar para o Sertão a abelha jandaíra, uma das espécies ameaçadas de extinção, busca a parceria dos produtores para as alternativas sustentáveis do bioma. Assim ,os agriculto-res também desenvolvem, por exemplo a produção de sabonetes de aroeira e emburana, duas plantas medicinais, a cestaria feita a partir da folha de caranúba e ainda seis projetos de reflorestamento para recuperar áreas devastadas pela produção de carvão.

O BNB realizou no fim de setembro cerimônia de come-moração dos 20 anos de criação do Fundo Constitucional de Financiamento do Nordeste (FNE). Assunto de extensa ma-téria na edição anterior de Nordeste VinteUm, o FNE aplicou no período R$ 56,3 bilhões na região, e se constitui hoje a principal fonte de apoio ao desenvolvimento regional. Se-gundo o presidente do banco, Roberto Smith, o valor dos re-passes do FNE já se mostram insuficientes para contemplar a dinamização econômica das regiões atendidas. Como pre-sente para o desempenho do fundo, Smith anunciou a ga-rantia do aporte de mais R$ 4 bilhões. “Estamos finalizando o contrato, mas já acertamos o repasse (dos recursos) com o Luciano Coutinho, (presidente do Banco Nacional de Desen-volvimento Econômico - BNDES)”, declarou o presidente ao Diário do Nordeste. Até junho de 2009, o fundo apresentava carteira de aplicações de crédito de R$ 24,7 bilhões, patrimô-nio líquido de R$ 27,6 bilhões e uma inadimplência de 3,7%, além de ter registrado crescimento de 12,4% em relação ao mesmo período do ano passado. No evento, o coordenador da Bancada do Nordeste no Congresso Nacional, Zezéu Ri-beiro (PT-BA), destacou a necessidade de uma política dife-renciada para diminuir as desigualdades no Brasil.

O governador do Piauí, Wellington Dias, e o presi-dente do BNB, Roberto Smith, foram os palestrantes principais da primeira edição do Ciclo de Debates Nor-deste VinteUm, realizada em Fortaleza no fim de setem-bro. Junto com o coordenador da bancada federal cea-rense, deputado José Guimarães (PT-CE), eles debateram o tema “Nordeste: avanços socioeconômicos e revisão de políticas públicas”, com estudantes, professores, par-lamentares e líderes sindicais. Na ocasião, Smith traçou o panorama da formação social e econômica do Nordete, para destacar a importância do FNE na reversão do subdesenvolvimento regional. Com base na experiên-

cia à frente do Executivo estadual, o governador piauiense destacou o planejamento e os avanços obtidos pela atual gestão. Dias elegeu a educação e a capacitação como fundamentais para um salto de qualidade no desenvolvimento regional. O Ciclo de Debates Nordeste Vinte Um materializa a proposta editorial da revista de ser instrumento de dis-cussão sobre as questões de fundo do Nordeste, além de marcar o seu lançamento oficial. A programação do evento prevê mais três edições em Recife (PE), ia 6 de novembro, Teresina (PI) e Salvador (BA) ainda este ano.

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18 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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ASSESSOR DE COMUNICAÇÃO DO BNB É “PERSONALIDADE DO ANO” ABERJE

O valor da articulação e o Ceará na área da Codevasf

VITÓRIA DO NORDESTE NO FUNDO SOCIAL DO PRÉ-SAL

Paulo Mota, assessor especial da Presidência do Banco do Nordeste do Bra-sil (BNB), recebeu o prêmio Personalidades do Ano, em homenagem realizada pela Associação Brasileira de Jornalismo Empresarial (Aberje), em São Paulo. Na ocasião, juntos estavam 300 nomes da maior expressão no quadro jornalístico na-cional. Além de Mota, foram reverenciados os nomes de

Danilo Miranda (Sesc), Luís Carlos Barreto (Canal Brasil) e Roberto da Matta (O Estado de São Paulo). Formado em Jornalismo e Sociologia pela Universida-de Federal do Ceará (UFC), Paulo Mota é mestre em Comunicação e Semióti-ca pela PUC-SP. Em 2000, foi considerado um dos 100 melhores jornalistas da Folha de São Paulo, onde atuou por 14 anos. Já em 2004, eleito O Homem de Marketing do Ano pela revista Propaganda e Marketing. Desde que assumiu a assessoria do BNB, em 2003, a área de Comunicação da instituição conquis-tou 67 prêmios nacionais e internacionais.

São 20 os municípios ce-arenses beneficiados com a inclusão do Estado na área de atuação da Companhia de De-senvolvimento dos Vales do São Francisco e do Parnaíba (Codevasf ), assegurada por sanção de projeto de lei do vice-presidente da República, José Alencar. A área correspon-de a 10% do território do Cea-rá e abrange os municípios de Ararendá, Carnaubal, Crateús, Croatá, Granja, Guaraciaba do Norte, Ibiapina, Independên-cia, Ipaporanga, Ipu, Ipueiras, Nova Russas, Novo Oriente, Poranga, Quiterianópolis, São Benedito, Tamboril, Tianguá, Ubajara e Viçosa do Ceará. Mo-ram nessa região cerca de 613 mil pessoas. O escritório local do órgão deverá ser instalado em Crateús, polo de desen-volvimento às margens do Rio Poti. Neste episódio, observe-se como uma boa articulação política, independentemente das diferenças partidárias, ren-de sempre bons dividendos: a proposta foi apresentada pelo então deputado federal Roberto Pessoa, em 2003. Na época, ele era filiado ao PL, que depois se tornou PR. Eleito prefeito de Maracanaú, Região Metropolitana de Fortaleza em 2004, Pessoa não largou a causa, mas estrategicamente dividiu-a com outros parla-mentares, como José Guima-rães (PT).

O deputado Antônio Palocci (PT-SP), relator da comissão especial so-bre o Fundo Social a ser formado com receitas da exploração do petróleo do pré-sal, apresentou substitutivo aos projetos de lei 5417/09, do depu-tado Pedro Eugênio (PT-PE), e 5940/09, do Poder Execu-tivo. São acatadas emendas do deputado José Guimarães (PT-CE), coordenador da ban-cada do Ceará no Congresso, determinando que parte do Fundo seja voltada ao desen-volvimento “regional”, estabe-lecendo a redução das desi-gualdades regionais entre as prioridades de investimentos do fundo. No texto original, constava a expressão “desen-volvimento social”. Entre as alterações, Palocci definiu que os recursos destinados aos programas e projetos realiza-dos com recursos do Fundo “de-vem observar critérios de redução das desigualdades regionais, priorizando municípios com Índice de Desenvolvimento Humano (IDH) mais baixos”. Para José Guimarães, com a nova redação as regiões mais pobres do país passam a ser prioridade para a destinação dos novos recursos.

19Setembro/2009Nordeste VinteUm

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BAHIA

Ó pai, ó!Desenvolvimento,por todos os santos!

Com um Produto Interno Bruto (PIB) a preços correntes estimado em R$ 119,9 bilhões, a Bahia é hoje a sexta maior economia do país. Um país dentro do Brasil. Cantado em

prosa e verso, místico, cheio de magias e segredos. Um estado que também não esconde porque é conhecido politicamente por abrigar uma das oligarquias mais tradicionais, ao mesmo tempo que projeta suas mais festejadas vanguardas culturais e artísticas. Parece carregar a força que sintetiza quase toda uma nação. Afinal de contas, foi ali que o Brasil

começou, espraiado para o mundo eurocêntrico das grandes navegações, aos pés do Monte Pascoal. Ufanismo para uns, realidades histórico-culturais à parte, façamos um passeio de fôlego pela economia desse lugar. Onde frases definitivas não têm espaços. A

não ser quando os baianos costumam confundir a cidade de Salvador com Bahia, pois no interior, quando alguém vai à Capital, costuma-se dizer “que está indo para a Bahia”

Por Samira de [email protected]

Hoje, o desenvolvimento baiano vive tempos de novos paradigmas políticos e sociais. O PIB cresceu 4,8% em 2008, influenciado pelo desempenho da indústria de trans-formação. Segundo o diretor geral da Superintendência de Estudos Econômicos e Sociais da Bahia (SEI), autarquia da Secretaria de Planejamento (Seplan), José Ge-raldo Reis, “pela primeira vez na história, a Bahia passa por uma crise em que os estratos sociais mais baixos foram os menos prejudicados”. “Se o estado crescer entre 1% e 1,5% não será surpreendente, posto que esteja dentro do que é monitorado e

avaliado”, afirma.Os números que reforçam o otimismo de Reis são a perspectiva de o Brasil criar um milhão de novos

postos de trabalho este ano, segundo estimativas do Ministério do Trabalho e Emprego (MTE). No caso

20 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Desenvolvimento,por todos os santos!

Descentralização espacial e setorial

PErsPEctiva

Para Geraldo Reis, o governo e os agentes so-cioeconômicos têm na crise a oportunidade para aprofundar seus esforços em alterar substancialmen-te o padrão de desenvolvi-mento da Bahia. “Trata-se de pensar a descentrali-zação espacial e setorial da nossa economia com um novo olhar que enxer-gue: o papel estratégico da ciência e da inovação tecnológica; a educação e saúde como políticas fun-damentais de inclusão so-cial, mas, também, como importantes vetores eco-nômicos; os novos papéis das cidades médias do estado; a importância da formalização e qualifica-ção da força de trabalho, diminuindo a precariza-ção, mas também o valor da cultura empreendedo-ra dos pequenos e médios agentes econômicos; e a nova classe média rural, possuidora de uma cons-ciência ambiental. Enfim, trata-se de aprofundar o caminho para uma Bahia contemporânea”.

da Bahia, nos oito primeiros meses de 2009 (janeiro a agosto), o Cadastro Geral de Empregados e Desemprega-dos (Caged), mostra que o estado já criou 43.975 vagas com carteira assi-nada – variação de 3,28%, acima das médias nacional (2,13%) e nordestina (0,79%), demonstrando, assim, o bom momento da economia local.

Assim como os baianos são movi-dos a acarajé com bastante pimenta e azeite de dendê, a economia regional gira em torno do segmento industrial químico, de petróleo e gás e automo-bilístico, segundo dados do Boletim Regional do Banco Central (Bacen).

Alguns setores amargaram queda nos dois trimestres do ano, em decor-rência de problemas pontuais – como uma paralisação de ordem técnica da Refinaria Landulpho Alves, que der-rubou em 34,8% o refino de petróleo e a produção de álcool – e conjuntu-rais, como o forte impacto da crise internacional, fazendo despencar em 13,2% e 11%, respectivamente, a de-manda externa de produtos químicos e metalurgia básica.

• O PIB cresceu 4,8% em 2008, influenciado pelo desempenho da indústria de transformação;

• Cadastro Geral de Empregados e Desempregados (Caged), mostra que o estado já criou 43.975 vagas com carteira assinada – variação de 3,28%, acima das médias nacional (2,13%) e nordestina (0,79%);

• A economia regional gira em torno do segmento industrial químico, de petróleo e gás e automobilístico;

O QUE É QUE TEM?!!Bahia

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21Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Numa terra que, em se plantando, tudo dá – já dizia Pero Vaz de Caminha – o agro-negócio também é destaque na Bahia. A safra de grãos do esta-do deve totalizar pouco mais de seis milhões de toneladas em 2009, de acordo com o Levan-tamento Sistemático da Produ-ção Agrícola (Lspa) do Instituto Brasileiro de Geografia e Esta-tística (Ibge). Isto representa uma queda de 4,2% em relação a 2008 e corresponde a 34% da produção nordestina. O valor bruto da produção (VBP) baia-na deve somar R$ 7,8 bilhões este ano, cerca de 2,26% abai-xo do registrado anteriormente. Ainda assim, o melhor resultado no Nordeste.

A safra de soja, refletindo a estima-tiva de redução de 16% na produtividade média, está projetada em 2,4 milhões de toneladas, reduzindo-se em 12%, em relação ao total colhido em 2008. Pioneiro no cultivo de soja no Nordeste, o oeste baiano consolida-se como o principal produtor regional, respondendo por 58,7% do total da safra nordestina de 2007/2008. O município de São Desidério (BA), a 870 km de Salvador, liderou o ranking, com produção de 686,5 mil toneladas, alcançando sexto lugar entre os dez maiores produtores do Brasil. A cultura da soja nos estados da Bahia, Piauí e Maranhão representa 75% do total pro-duzido no Nordeste. Dos 10 maiores mu-nicípios produtores, seis estão no oeste da Bahia, três no Maranhão e um no Piauí.

Será implantado o sistema BA-093, que compreende a re-gião Metropolitana de Salva-dor com reflexos, inclusive, para Recôncavo Sul e Litoral Norte. Juntas, estas regiões representam 56% do PIB do estado. A rees-truturação rodoviária do siste-ma atingirá 125,35 quilôme-tros de extensão e a implantação do sistema consolidará a integração dos principais polos industriais do estado: Candeias, Camaçari e Centro Industrial de Aratu (CIA).

Melhores resultados do NE com 34% da produção

Sai o cacau, entra a soja

Integração de Polos Industriais

AGRONEGÓCIO

OESTE BAIANO

Construir uma nova infraestrutura logística, reduzir o passivo social do estado e priorizar os territórios mais pobres do semiárido. Estes são os três eixos de ação que o secretário do Pla-nejamento, Walter Pinheiro, destacou como prioritários na política do gover-no Jaques Wagner (PT), durante a aber-tura do V Encontro de Economia Baiana, realizado recentemente em Salvador.

Em função desse diagnóstico, o se-cretário destaca um plano ambicioso que inclui a construção da Ferro-via de Integração Bahia Oeste/Leste, que deve gerar mais de 10 mil

Logística, redução da pobreza e prioridade ao semiárido

DESAFIOSBahia

22 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Para articular os diversos modais de transporte e que venha, de fato, proporcionar a integração do litoral com o interior do estado, o titular da Seplan afirma que também despontam iniciativas como a construção do novo Porto Sul, do novo aeroporto de Ilhéus, a am-pliação e modernização do complexo portuário da Baía de Todos os Santos, a recuperação da Hidrovia do São Francisco, entre outras intervenções.

Articuladas a esses projetos, a malha rodoviária estadual foi res-taurada em mais de 1,7 mil quilômetros e mais 1,4 mil estão em andamento, tendo ainda realizado melhorias de trafegabilidade em cerca de 30 mil quilômetros.

Na opinião do secretário Walter Pinheiro, este conjunto de ações permite descentralizar as atividades econômicas do estado e criar as condições necessárias para novos investimentos.

“Quase 30% da arrecadação estadual pauta-se no setor de pe-tróleo e petroquímica e, neste período de redução da demanda glo-bal, em média de 42%, a alternativa foi acelerar os convênios com o governo federal e com as instituições internacionais”, afirma ele, destacando que apenas este ano os repasses totalizam R$ 592 mi-lhões, sendo R$ 400 milhões oriundos do Banco Interamericano de Desenvolvimento (BID) e R$ 192 milhões do Banco Nacional de Desenvolvimento Econômico e Social (Bndes).

Novos Porto Sul e aeroporto de Ilhéus, obras no complexo da baía e hidrovia do S. Francisco

TRANSPORTELogística, redução da pobreza e prioridade ao semiárido

empregos e facilitar o escoamen-to de grãos, minério de ferro e seus derivados, biocombustí-veis, fertilizantes e derivados do petróleo.

Com a palestra sobre o tema “Pa-norama das Políticas Públicas e o De-senvolvimento Baiano”, o titular da Seplan traçou um histórico da economia estadual, destacan-do que o passivo acumulado reflete-se em uma base pro-dutiva pouco diversificada e concentrada espacialmente, cadeias produtivas com bai-xo valor agregado, reduzida oferta de serviços sociais e uma limitada capacidade em-preendedora dos agentes de fomento.

“Ao longo dos anos, não houve projetos que dotassem a Bahia de in-fraestrutura e logística, bem como de polos de desenvolvimento regionais que tornassem o nosso estado rota de integração do país”, destaca Pinheiro.

BA - 093 Demais rodovias

Vista aérea da hidrovia do rio São Francisco em Juazeiro na Bahia

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23Setembro/2009Nordeste VinteUm

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O Litoral Sul da Bahia concentra a maior parte dos investi-mentos, um volume de R$ 51,2 bilhões, com o Complexo de Atividade Metal-Mecânico, destacando-se no segmento da metalurgia básica, que deve gerar cerca de 31 mil empregos diretos em um único empreendimento. Ou-tros 18 projetos encontram-se em via de implantação.

Na Extração de Minerais Metálicos, os recursos somam R$ 4,0 bilhões aproximadamente, correspondendo a 5,4% dos investimentos projetados, voltados principalmente para a extração de minério de ferro.

Investimentos de R$ 73,8 bi no setor industrial até 2013

Litoral sul é metal-mecânico

FôLEGO

Captados por meio da política de incentivos fiscais, os recursos contemplam 534 projetos de empresas com intenção de se implantar no estado. Na geração de empregos, a previsão é de se criar 130.364 mil novos postos de traba-lho, conforme dados da SEI.

Para o território Metropolitano de Salvador, está previsto um volume de aproximadamente R$ 6,3 bilhões, com perspectiva de implantar cerca de 250 empresas. Já o “Sertão Produtivo” tem

previsto um volume de R$ 3,8 bilhões e cinco empresas com intenção de inves-

timento nesta área, sendo expressivos os recursos produtivos voltados para a atividade

mineral e de beneficiamento, especificamente extração de minérios.

Metropolitano e “Sertão Produtivo”

à espera de R$ 10,1 bi

EMPRESAS E MINÉRIOS

Plantas Industriais em vias de implantação

Os novos empreendimentos, em vias de im-plantação das suas plantas industriais no Estado somam 434 projetos e inversões de R$ 70 bilhões aproximadamente, o que corresponde a 94,9% do total estimado. Nas ampliações, o número de projetos chega a 98 empresas, que juntas somam R$ 3,76 bilhões, representando 5,1% do total. As reativações somam cerca de R$ 24 milhões das intenções com duas empresas.

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24 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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As aprovações de crédito da Agência de Fomento do Estado da Bahia (Desenbahia) cresceram 15,4%, somando R$ 79,1 milhões, no primeiro semestre de 2009, contra R$ 68,6 milhões em igual período do ano passa-do. A cifra corresponde a 6.132 operações de financiamento. O resultado do período equivale a tudo o que foi aprovado pela instituição ao longo do exercício de 2005. Em 2008, a concessão de crédito chegou a R$ 133,1 milhões e a meta é alcançar R$ 145 milhões este ano.

Os resultados operacionais positivos demonstram o esforço na re-posta da agência aos efeitos da crise financeira internacional. Também revelam o crescimento da Desenbahia, que aprovou R$ 29 milhões, no primeiro semestre de 2006, saltando para R$ 37,6 milhões, em igual pe-ríodo de 2007, passando a R$ 68,6 milhões no exercício seguinte e, neste primeiro semestre de 2009, chegando aos R$ 79,1 milhões.

As linhas de crédito mais procuradas na Bahia são: ModerFrota (para aquisição de má-quinas e equipamentos, como tratores e co-lheitadeiras) e CrediFácil (para investimentos fixos e de capital de giro). Com a crise interna-cional, os bancos comerciais se retraíram e a agência assumiu papel de destaque, apoiando fortemente pequenos e médios negócios. O incremento na demanda também resulta do trabalho das agências de negócios no interior, descentralizando o acesso ao crédito e fomen-tando a economia.

De acordo com Luiz Alberto Petitinga, presidente da Desenbahia, o governo opera com o Fundo de Desenvolvimento Social e Econômico do Estado (Fundese), administra-do pela Desenbahia e que tem por objetivo fi-nanciar e/ou incentivar projetos de relevância para a economia baiana. Esse fundo tem um conselho deliberativo que analisa a pertinên-cia e a relevância do investimento.

A Bahia possui um programa de incentivo fiscal chamado Desenvolve, que inclui finan-ciamento do Icms, dilatação de prazo, entre outros benefícios. “É um programa que foi re-centemente calibrado para avaliar projetos de investimentos e sua relevância para a matriz produtiva baiana, dentro da nova visão estraté-gica do atual governo”. Antes de conceder o be-nefício fiscal ao empreendimento, são avaliados os impactos sobre renda, geração de empregos, agregação de valor na cadeia produtiva, desen-volvimento tecnológico e redução das desigual-dades regionais.

Da argamassa e asfalto aos calçados e automóveis

MAIS CRÉDITO PÓS-CRISE

Dinheiro para máquinas, capital de giro e apoio a pequenos e médios

Incentivo fiscal sob visão estratégica

DIVERSIDADE

AGêNCIA DE FOMENTO

LINHAS DE CRÉDITO

“DESENVOLVE”

Destaca-se também na Bahia, a atividade de produtos químicos, com investimentos de R$ 4,8 bilhões (6,6% do total), envolvendo 114 projetos de empresas voltadas principalmente para a fabricação de argamassas e asfaltos. Além desses setores, mere-ce destaque a atividade de Petróleo e derivados, que deverá investir entre implantações e ampliações cerca de

R$ 2 bilhões, em que constam cinco iniciativas: Alimentos e Bebidas (R$ 2,3 bilhões e 96 projetos), Eletricidade, Gás e Água Quente (R$ 3,7 bilhões e 12 projetos).

Esta política de atração de investimentos industriais tem contri-buído significativamente para a diversificação do parque industrial baiano, com a vinda de grandes empreendimentos voltados para a

produção de bens finais como empresas do ramo calçadista e automotivo. Ações governamen-tais com o objetivo de desenvol-ver o setor industrial baiano vêm ocorrendo desde 1991, com a im-plantação de programas de incen-tivos especiais.

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25Setembro/2009Nordeste VinteUm

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História social a render ambiguidades sem fim

Cangaço

Por Barros alves [email protected]

Lampião, o mais famoso dos bandoleiros. Terror dos sertões nordestinos por 20 anos da primeira metade do século

XX. Isso ninguém discute. Mas, afinal de contas, seria o finado cangaceiro um fascínora empedernido e

cruel? Ou apenas um sagaz personagem robinhoodiano a inscrever seu nome nas páginas da história do banditismo social, conforme pressupostos de

estudiosos como Eric Hobsbawn, o principal historiador da contemporaneidade?

Questões como estas foram amplamente discutidas durante a última semana de setembro de 2009, no Ceará, por ocasião do I Seminário Cariri Cangaço,

um ciclo de estudos e debates promovido pela Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço (Sbec).

O evento foi resultado de parceria entre a Universidade Regional do Cariri (URCA), o Instituto Cultural do Vale

Caririense (ICVC) e o Instituto Cultural do Cariri (ICC), com apoio logístico das prefeituras de Crato, Juazeiro do

Norte, Barbalha e Missão Velha.

ESPECIAL

26 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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História social a render ambiguidades sem fim

oordenados pelo advogado e pesquisador Manoel Seve-ro, sociólogos, historiadores, pesquisadores de literatura po-pular e até religiosos de vários estados brasileiros participaram do encontro. A programação contemplou visitas a locais onde Lampião protagonizou combates, como a Fazenda Piçarras, localizada em área limí-

trofe entre os municípios de Brejo Santo e Penaforte. Ali, foi morto o cangaceiro Sabino Gomes. O grupo visitou também a Irmandade dos Penitentes da Santa Cruz, em Barba-lha, além do Sítio Leitão, nos arredores da cidade, onde o arbítrio policial das volantes do governo fuzilou sumariamente cinco pessoas. Apenas uma delas do cangaço, o ado-lescente apelidado Lua Branca, da famigerada família dos Marcelinos.

E por que debater em pleno século XXI o cangaceirismo no Nordeste brasileiro, um tema tão árido, cheio de controvérias? Os relatos das ações dos protagonistas dessa saga, aí assomando o nome de Virgulino Ferreira da Silva, o lendário Lampião, permeiam o imaginário das atuais gerações. Tanto quanto daqueles que pertenceram a épocas e espaços próximos do teatro das lutas em que se mesclaram o misticismo e a violência de grupos sem lei nem rei, em uma terra adusta e inclemente.

O historiador cearense Ângelo Osmiro Barreto, presidente da Sociedade Brasileira de Estudos do Cangaço, explica: “Costumo dizer que o cangaço foi um fenômeno social, que parte das elites intelectuais teimam em não querer reconhe-cer como tal. Entretanto, aconteceu. Portanto, é história, e como história deve ser estudado. Não podemos fazer de con-ta que não aconteceu. Se o estudo do cangaço trata de violência, é porque a época era propícia para tal. As conjunturas sociais eram essas. Ao estudarmos a história social do Nordeste, jamais poderemos deixar à margem o misticismo, o coronelismo e muito menos o cangaço”.

Para o norte-riograndense Paulo Gastão, idealizador e primeiro presidente da Sbec: “A memória do povo nordes-tino está sendo preservada com muitas lutas e sacrifícios e os pesquisadores têm conseguido publicar trabalhos que retratam figuras importantes. Os registros do movimento bélico dos cangaceiros têm crescido com a publicação de livros, revistas, vídeos, filmes, peças de teatro, etc. Enfim, o cangaço em relação ao tempo deu-se por encerrado ontem, mas participantes diretos dessa saga ainda estão conosco: familiares, comerciantes, militares ainda estão vivos para contar a história”.

Observa Ângelo Osmiro que o cangaceiro ainda hoje desperta ambigüidades. Ao mesmo tempo em que desperta admiração pela valentia, roupas e chapéis vistosos, excessivo ouro que os enfeitavam; desperta repulsa, indignação pelos crimes bárbaros, assaltos, seqüestros e assassinatos que praticavam.

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27Setembro/2009Nordeste VinteUm

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O presidente da Sbec analisa analogicamente que o cangaceiro se diferencia do bandido atual por alguns aspectos, a começar pelas vestimentas espalhafato-

sas, representando o orgulho de ser, fazendo questão de aparecer como tal.

Ele lembra o viés social subjacente ao “exercício” do

cangaço, pois nenhum dos cangaceiros presos, ao se en-tregarem às autoridades, depois de anistiados, voltou a praticar qualquer tipo de delito, readaptando-se integral-mente à sociedade.

O escritor José Peixoto Júnior, cearense radicado em Brasília e um dos conferencistas do seminário, discorreu sobre “Os Marcelinos”, família de onde saíram vários can-gaceiros. Para ele, o cangaço como fenômeno típico, sem similar, continua a instigar pesquisadores e ficcionistas. “Alguns cangaceiros se transformaram em figuras míti-cas, assumiram a condição de heróis e seus feitos povo-am as imaginações”, sentencia Peixoto, ao mesmo tempo concordando que “quase todos foram criminosos frios e implacáveis, destituídos de qualquer preocupação ética e capazes das maiores atrocidades”.

De fato, no mundo do cangaço não havia lugar para a compaixão, mas tão-somente para as paixões exacerbadas em face da luta renhida pela sobrevivência em um am-biente onde a hostilidade não encontrava maniqueísmos. Estava presente em todos os cantos do cenário sócioeco-nômico e cultural de um Brasil rural. De um Nordeste que ainda patinava em busca de caminhos para sair do atraso e mesmo desconhecia os mais elementares raios de desenvolvimento.

Nesse ambiente de esgarçamento social e pobreza econômica, “surgiram os primei-ros bandoleiros ainda no século XIX”, lembra o médico e escritor caririense Na-poleão Tavares Neves, autor de centenas de artigos e das “crônicas cangaceiras”

que enfeixou no livro Cariri – cangaço, coiteiros e adjacências. O pesquisador dá conta de que na cidade de Jardim, por volta de 1875, havia um

cangaceiro famoso chamado João Calango, que por sua vez integrou o grupo de outro valente cangaceiro, Inocêncio Vermelho. “Com a morte de Vermelho, em 1876, Ca-lango assumiu a chefia do bando, matou muita gente, mas nunca foi processado. Era a Justiça. Sempre subordinada a um poderoso”, assinala Napoleão Neves.

Ele lembra ainda da figura de Antônio Silvino, que imperou na região Nordeste

Paixões sem compaixão, ATROCIDADES E REINTEGRAÇÃO

“ESGARÇADURAS SOCIAIS, COITEIROS E ADJACÊNCIAS”

VIÉS SOCIAL

Os escritores Antonio Amaury e Zé Peixoto Júnior, na fazenda Piçarra, cenário do último ato de um dos mais ferozes cangaceiros do grupo de Lampião: Sabino Gomes ou Sabino Goré

Napoleão Tavares Neves escreveu Cariri - cangaço, coiteiros e adjacências.

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De fato, sem olvidar o destemor de quantos adentraram no cangaço, há entre estu-diosos uma unanimidade em aceitar Lampião como mais importante nome na his-tória do cangaço. Seus feitos, que ele próprio fazia questão de dar à publicidade,

foram realçados pelos jornais da época e, sobretudo pelo cancioneiro popular, especialmente pelos poetas da Literatura de Cordel.

Naquele tempo, autores dos folhetos atuavam como verdadeiros jorna-listas e, ainda hoje, dispostos a cantar as façanhas e reportar atrocidades do famoso bandoleiro. Tanto é verdade, que na classificação técnica dos ciclos da Literatura de Cordel, há lugar de destaque para cangaceirismo e alguns autores determinam um ciclo especificamente para Lampião.

Marginal cruel e desatinado ou objeto de estudo nos quadrantes de uma visão que o coloca entre os bandidos sociais, tipo Robin Hood? As opiniões são as mais diversificadas e díspares, o que ficou claro durante a realização dos debates do I Cariri Cangaço.

Para o pesquisador Antônio Vilela de Sousa, autor do livro O Incrível Mundo do Cangaço, “Lampião era um produto do meio, de uma sociedade injusta, onde o coro-nel mandava e era o poder. É claro e evidente que ele foi um injustiçado. Saiu matando culpados e inocentes. Sua lei era a bala. Ele passou a respirar vingança e crime”.

CICLOS CANGACEIRISTASreportam disparidades de opiniões

LITERATURA E CORDEL

Grafite de Guilherme Augusto - funcionário da Petrobras, baseado em foto do cangaceiro, publicada no livro Antônio Silvino: O Rifle de Ouro, de Severino Barbosa

entre 1896 e 1914, quando foi preso em Taquaritinga (PE), por Teófanes Torres, oficial da Polícia Militar. Apelidado de Rifle

de Ouro, o cangaceiro pode ser citado na memória canga-ceira do Cariri, pois foi um dos comensais do coronel An-tônio Joaquim de Santana, da Serra do Mato, Missão Ve-lha, por volta de 1901-1902”, assegura o pesquisador.

A propósito, na mesma época, o médico Otacílio Macedo aproveitou a presença de Lampião em Juazeiro do Norte, em 1926, e entrevistou o famoso bandolei-ro, quando ele expressou vários conceitos a respeito de coisas do sertão, fatos e pessoas. Sobre Antônio Silvino

disse o seguinte: “A meu ver o cangaceiro mais valente do Nordeste foi Sinhô Pereira. Depois dele, Luís Padre. Pen-

so que Antônio Silvino foi um covarde, porque se entregou às forças do governo, em consequência de um pequeno ferimento”.

E para demonstrar seu destemor e dos que o acompa-nhavam diante dos que lhe davam caça, arrematou: “Já re-cebi quatro ferimentos graves. Dentre estes um na cabeça, do qual só por milagre escapei. Os meus companheiros, vários também têm sido feridos. Possuímos no grupo, pes-

soas habilitadas para tratar dos feridos, de modo que somos convenientemente tratados, por isto estou forte e perfeitamente sadio, sofrendo raramente de ligei-ros ataques reumáticos”. A matéria foi publicada no Jornal O Ceará.

Otacílio Macêdo do Crato (CE) que entrevistou Lampião,em Juazeiro (CE), em 1926

Cordéis reportaram os fatos envolvendo cangaceiros

29Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Vilela lembra que Lampião, além de ser muito religioso – ele próprio se declarou católico e respeitador dos padres ao médico Otacílio Macedo – gostava de dar esmolas, segundo depoimentos atribuídos ao cangaceiro Volta Seca: “Lampião metia a mão no seu bornal e tirava uma porção de notas para dar aos pobres. Também gostava de atirar moedas na rua para os meninos”.

De igual modo pensa Paulo Gastão, uma das autoridades no assunto, ao afir-mar que Lampião era produto do meio e foi levado ao Cangaço por fatores ligados à vida no sertão, tais como a ignorância, a seca, a ausência de governo e de justiça.

Vilela lembra as afirmações do falecido pesquisador Optato Gueiros, de origem re-ligiosa protestante, que em afirmativa peremptoriamente pascaliana, escreveu: “Lam-pião foi instrumento nas mãos de Deus para executar uma justiça que nem a polícia nem a justiça podiam fazer. Centenas de fascínoras foram expulsos da terra natal por Lampião, enquanto igual número era atraído para as suas fileiras, onde encontravam a morte ou a prisão”.

Por outro lado, análises fundamentadas em pressupostos ideológicos de feição esquerdista, muitas vezes olvidam o lado criminoso de Lampião e mesmo a sagacidade com que ele transitou entre os coronéis da época, em diplomático conluio. Preferem exaltar o fato de que o cangaceiro chegou a humilhar esses mesmos coronéis ao sequestrá-los e extorqui-los, forçando-os a firmarem acordos, cujos enunciados eram ditados pelo próprio Rei dos Cangaceiros. Tudo com vistas a uma relativa paz e se-gurança dos seus e de suas propriedades, ressaltam o fato de que as atitudes dos tais poderosos se submetiam às vontades do Capitão.

as análises sobre a vida de Lampião serão sempre marcadas pela paixão, como só ocorre com as figuras da história que carregam auréola mitológica. Ainda a propósito, deve-se levar em conside-

ração um fato incontestável realçado pelo historiador Ângelo Osmi-ro. Ele entende que Lampião tenha entrado no cangaço para prati-car uma possível vingança. Entretanto, assinala que Virgulino nunca matou seus dois principais inimigos: Zé Saturnino, o responsável pela sua entrada no cangaço; e Zé Lucena, apontado como matador de seu pai. Ambos morreram idosos.

“Ser cangaceiro para Lampião passou a ser meio de vida, como bem disse em Juazeiro, em entrevista ao médico Otacílio Macedo, que não abandonaria uma ‘profissão’ em que estava se dando bem”, lembra Osmiro.

MEIO DE VIDALITERATURA E CORDEL

Xilogravuras, retrataram o fenômeno sertanejo

Aos 23 anos, após o assassinato do pai, Lampião tornou-se cangaceiro

Virgulino Ferreira da Silva era o terceiro dos muitos filhos de José Ferreira da Silva e de Maria Lopes. Nasceu em 1898, como consta em sua certidão de batismo, e não em 1897, como citado de várias obras.

Antônio Vilela de Sousa, autor do livro O Incrível Mundo do Cangaço

Banditismo como

Sabe-se que Lampião, paradoxalmente ao permanente conflito que mantinha com as forças legais, teve importantes e públicos relacionamentos com prefeitos e deputados, po-líticos famosos e influentes em várias instâncias de governo. Sem contar o respeito que tinha por Padre Cícero, na época o homem mais poderoso do Nordeste. Neste pé, Lampião ainda listava em seu círculo de amizades nomes respeitáveis, tais como Eronides Carvalho, governador de Sergipe, que o presenteou certa feita com uma farda militar.

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É raro o registro da presença de mulheres na história do banditis-mo no mundo. Um motivo da não presença feminina nos bandos era evitar possíveis desavenças internas provocadas por motivos

passionais. Conta-se, por exemplo, que o cangaceiro Antônio Silvi-no, cujo nome de batismo era Manuel Batista de Moraes, teve filhos com cerca de 40 mulheres.

Uma das exceções a essa regra de prudência é o bando co-mandado por Virgulino Ferreira da Silva. E mesmo neste, a mu-lher só veio a ser aceita algum tempo depois de formado, porque havia resistência. Balão era um deles. Achava que o ingresso delas seria o começo do fim, uma vez que a fragilidade física atrapalha-va movimentos táticos do bando e a prática de relações sexuais deixava o cangaceiro de “corpo aberto”. Naturalmente místicos, eles acreditavam que tinham o “corpo fechado” e, para tanto, conservavam algumas crendices e faziam rezas diariamente.

Segundo o pesquisador João de Sousa Lima, autor do livro Ma-ria Bonita, a Rainha do Cangaço, “a entrada das mulheres nos ban-dos foi vista por alguns como a decadência e a desgraça do cangaço. Para outros, vieram para aplacar a fúria assassina e o desejo sexual disforme que tanto feriram e humilharam as famílias nordestinas”.

O pesquisador diz que “com a chegada e a permanência femi-nina, os cangaceiros adquiriram mais respeito para com as indefesas sertanejas, diminuindo consideravelmente os terríveis estupros”. O conferencista lembra que atribui-se a Sebastião Pereira da Silva, o fa-migerado Sinhô Pereira, a cujo bando pertenceu Lampião, a seguinte declaração: “Eu fiquei muito admirado quando soube que ele havia consentido que mulheres ingressassem no cangaço. Eu nunca permi-ti nem permitiria. Afinal, o Padre Cícero tinha profetizado: Lampião será invencível enquanto não houver mulher em seu bando”.

O próprio cangaceiro Balão disse tempos depois, em uma entrevista a jornal de circulação nacional: “Enquanto não apare-ceu mulher no cangaço, o cangaceiro brigava até enjoar. Depois,

passaram a evitar tiroteios. Bandos batiam logo em retirada para que fosse resguardada a integridade fí-sica das companheiras”.

MULHERES E BANDOS:

LITERATURA E CORDEL

Antônio Vilela de Sousa, autor do livro O Incrível Mundo do Cangaço

Maria Bonita. Até 1930, ou início de 31, não se tem registro da existência da mulher no Cangaço.

MULHERES. Para alguns cangaceiros a entrada das mulheres nos bandos foi vista como a decadência e desgraça do cangaço

Abrandamento da violência ou começo do fim?

31Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Corisco, um dos mais cruéis e ladinos líderes de subgrupos co-mandados por Lampião, não concordava com mulher no bando. Além da sua Dadá, claro, a quem havia raptado ainda menina,

estuprando-a, mas com quem permaneceu até ser assassinado. “De muié pra dá trabaio já chega a minha, num quero ôtra muié além de Dadá no meu grupo”, dizia Corisco. A companheira, que morreu em idade avançada, tinha grande ascendência sobre suas ações e, des-feito o bando de Lampião, além de problemas graves com Corisco, transformou-se na única mulher na história do cangaço a comandar um bando durante certo tempo.

Maria Bonita foi o caso romanesco mais célebre da história do cangaço no Nordeste brasileiro. Cha-mava-se Maria Gomes de Oliveira ou Maria de

Déa, a mãe dela. A literatura e a imaginação de muitos fez crescer, ao longo do tempo, o romanceiro em torno daquela que veio a se tornar a “Rainha do Cangaço”. Na verdade, quando Lampião convidou-a para segui-lo, já estava separada de seu marido, Zé de Nenê. A decisão final só ocorreu depois de um período de relacionamento afetivo. Nada repentino.

Maria Bonita, apelido que lhe foi dado não por Lam-pião, mas pela mídia da época, compartilhou o mundo violento do cangaço e o amor de Lampião,

durante nove anos. Engravidou quatro vezes e teve três abortos. Só vingou Expedita. Pesquisadores dão conta de que ela teve um filho, criado pela mãe e registrado como filho de Dona Déa. João Peitudo, nascido em Juazeiro do Norte, dizia-se filho de Lampião, mas jamais teve sua pa-ternidade reconhecida por exames de DNA.

CORISCO E DADÁ

LAMPIÃO E MARIA,

APELIDO PELA MÍDIA,

Dadá. Companheira de Corisco, foi a única a comandar um bando

Vera Lúcia, neta de lampião, uma linda e inteligente menina.

A muito custo e exclusividade

O romanesco mais célebre

Quatro gravidezes, três abortos

32 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Maria de Déa, a bonita Maria de Lampião ou Maria Gomes de Oliveira, nasceu no dia 8

de março de 1911, no Sítio Ma-lhada do Caiçara, em Curral dos Bois, atual Paulo Afonso, Bahia. Filha de José Gomes de Olivei-ra, conhecido como Zé Felipe, e Dona Maria Joaquina, a Dona Déa. Era a segunda numa famí-lia de dez irmãos. Casou aos 15 anos de idade com o primo, José Miguel da Silva, o Zé de Neném, sapateiro e reconhecido boêmio da região. Naquela época já era notório o forte gênio da morena fi-

lha de Zé Felipe. Costumeiramente, o casal estava envolvido em brigas face o ciú-me de Maria. A jovem se abrigava na casa dos pais. Foi em uma dessas oportunidades que, em 1929, teria havido o primeiro contato de Maria de Déa com o Rei dos Cangaceiros. Virgulino passara pelas terras do Sítio Tara do conhecido coiteiro Odilon Martins de Sá,

vulgo Odilon Café, e de-pois se dirigira para as terras da Malhada do Caiçara. Ali, por longos meses havia construí-do uma sólida base de sustentação em terras baianas, estava entre amigos. Ao se despedir da família de Zé Felipe, se dirige à morena Ma-ria e pergunta se sabe bordar. Ato contínuo deixa alguns lenços de seda para o ofício da sertaneja, prometendo voltar em breve para buscá-los. Já naquele

CANGAÇOTodas as Marias do

Maria Bonita. Envolveu-se com Lampião e mudou para sempre a feição do cangaço

momento o destino começava a traçar suas linhas na direção da maior mudança da his-tória do cangaço: a entrada das mulheres nos bandos cangaceiros. E assim; Maria, Durvinha, Aristéia, Moça, Adília, Dadá, Enedina, Cristina, Lídia, Eleonora, Quité-ria, Adelaide, Nenem, Sila, Rosinha... mu-dariam para sempre a feição do cangaço. (Blog cariricangaco.blogspot.com)

33Setembro/2009Nordeste VinteUm

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O fotógrafo José Geraldo Aguiar dis-corda radicalmente da versão ofi-cial sobre o fim do Rei do Canga-

ço. Depois de 17 anos de investigação, “descobriu” que o “Capitão Virgulino” não morreu em Angicos. Mas, findou os seus dias de nonagenário em pla-cidez de berço esplêndido. O trágico episódio de Angicos, no entender de Aguiar, configura uma farsa das mais bem elaboradas por Lampião com o concurso das forças do governo e o be-neplácito do tenente João Bezerra.

Não apenas isto. Toda a trama da fuga do cangaceiro teria sido negociada com o coronel Pedro Cândido, coitei-ro, oficialmente “traidor” e o tenente. Lampião, pela versão de Aguiar, teria feito amizade com João Bezerra que lhe for-necia armas e munições.

Detalhes narrativos e documentos, estão no no livro Lampião, o Invencível - Duas vidas, duas mortes, o outro lado da moeda, com prefácio de Paulo Gastão, um dos papas dos estudos de cangaceirismo. A obra foi lançada durante o Seminário Cariri Cangaço, sob o olhar de desprezo e pa-lavras de censura da maioria dos pesquisadores presentes ao encontro.

O autor, porém, permaneceu impassível diante das críti-

cas, reafirmando: “A verdade não pode se dobrar à mentira e eu, após 54 anos da farsa de Angicos, descobri Lampião vivo, no dia 15 de fevereiro de 1992, na cidade de São Francisco, no norte de Minas Gerais”.

José Geraldo de Aguiar sustenta que Lampião morreu em Buritis de Minas, no dia 3 de agosto de 1993, aos 96 anos de idade. Com a segurança em sua argumen-tação e detalhes dos contatos que manteve com o presumido Lampião, o pesquisador assegura: “No dia 28 de julho de 1938, em Angicos, no município de Poço Redondo,

no Estado de Sergipe, no Nordeste brasileiro, houve a im-postura do tenente João Bezerra com sua volante”.

Na reunião realizada no Clube Granjeiro, em Crato, na tarde do penúltimo dia de Seminário, o pesquisador Alcino Alves Costa, com vários livros publicados sobre o cangaço e prefeito de Poço Redondo em três gestões, propôs um aprofundamento das investigações sobre o prisma aborda-do por Aguiar, bem como a realização de um teste de DNA para que pudessem ser comprovadas ou não as afirmações do pesquisador. A proposta sequer foi apreciada. O pesqui-sador Ivanildo Oliveira, promotor de justiça, disse que tal iniciativa precisaria ser legalmente encampada pelos des-cendentes de Lampião.

Depois de desvarios e vida tão atribulada, não houvéramos de esperar boa morte para tão desatinado personagem. Há uma quase unanimidade entre pesquisadores e o

“mundo oficial” de que Lampião foi morto na grota de Angi-cos, hoje município de Poço Redondo, próximo da margem sergipana do Rio São Francisco, “um lugar perigoso para acampar, visto que a única saída era morro acima”.

O grupo foi massacrado pela tropa sob comando do tenente João Bezerra da Silva, ao alvorecer do dia 28 de julho de 1938. Praticamente todos os livros escritos exibem esta versão sobre a morte de Lampião. Entre eles, o mais apreciado é Assim Morreu Lampião, de autoria de Antônio Amaury Corrêa de Araújo.

“O INVENCÍVEL

A morte “oficial”

– DUAS MORTES, DUAS VIDAS, O OUTRO LADO DA MOEDA”, o livro

EM ANGICOS

• Lampiãomorreunonagenário?

Famosa foto das cabeças decepadas de Lampião e seu bando

Cartaz de procura prometia recompensa a quem capturasse ou matasse o Rei do Cangaço

34 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Novos horizontes e estabilidade para a

educação profissional

Caderno especial

Fiocruz e educação proFissional

atalhos para o mercado

A chegada da Fundação Oswaldo Cruz para o Ce-

ará, tema desta edição da Nordeste VinteUm, com entre-vista do presidente da Fiocruz, Paulo Gadelha, será acom-panhada da implantação de polo industrial e tecnológico de saúde. Um dos impactos diretos da ancoragem do em-preendimento no Estado é a atração dos investimentos de empresas das áreas de bio-tecnologia e dos negócios do complexo industrial brasileiro da saúde, que disputa merca-do com importados e possui potencial para exportação.

A unidade da Fiocruz no Estado é um marco tão im-portante quanto será, para a educação profissional, a apro-vação do projeto de lei 7.394, que cria o Fundo de Extensão da Educação Profissional. A perspectiva de um fluxo de recursos estáveil para o setor pode oferecer as condições financeiras para a construção de um atalho para a capacita-ção do contingente de brasi-leiros que está fora do merca-do de trabalho. O analfabetis-mo funcional que atinge mais de 80 milhões de pessoas no país é um desafio a ser ven-cido com soluções de educa-ção tecnológica e profissional para aqueles que não têm mais tempo de frequentar os cursos da escola regular.

Carta do Editor

07

12

Setembro de 2009 - númeroº 4

Novo CVT será construído no Porto do Mucuripe em Fortaleza

“Pxinxa” pesquisa preços nos supermercados

03

As rotas da pós-graduação por um

“doutor” em intercâmbio08

André Holanda. Docas do Ceará

Friedhelm Schwamborn. Doutor Honoris Causa da Universidade Federal do Ceará (UFC)

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tome scientia!

ti em pernambuco é cinco vezes maior que no ceará

O presidente da Câmara Municipal de Fortaleza, Salmito Filho (PT), disse que quer implantar no legislativo da cidade um organismo similar ao Con-selho de Altos Estudos e Avaliação Tec-nológica da Câmara Federal. A Assem-bléia Legislativa do Ceará já implantou o Conselho de Altos Estudos e Estudos Estratégicos, presidido por Eudoro Santana. Ambos foram orientados pelo

deputado Ariosto Holanda (PSB), que propôs a criação do Conselho na Câma-ra e a sua implantação, na gestão do ex-presidente João Paulo (PT-SP). Arios-to disse que vai sugerir ao presidente do legislativo cearense, Domingos Filho (PMDB), agora presidente do Colegiado das Assembléias Legislativas, para que implantem conselhos de altos estudos nos legislativos estaduais.

imortais da ciência em série de dvds

produção audiovisual homenageia cientistas

cvt no Fórum mundial de educação proFissional

legislativos querem altos estudos e avaliação tecnológica

Outro fruto da parceria da Seara da Ci-ência com a Funcap e a Sociedade Brasileira de Física é a série audiovisual Imortais da Ciência, inspirada na coleção de livros da Editora Odysseus, coordenada pelo físico Marcelo Gleiser. Para cada DVD é convidado um autor nacional para comentar a obra em duas gravações, que acontecem no auditório do Departamento de Física da UFC, aberta ao público e outra com professores que debatem com o autor as descobertas do cientista em questão. Cada autor convidado terá dois pro-gramas. Um com público e outro com debate, físicos e convidados locais, sobre o cientista

em foco. Einstein, o reformulador do Universo foi comentado por Cássio Vieira Leite. Newton e a órbita da Terra em um copo d´água, foi tema de exposição de Eduardo de Campos Valadares. A professora Maria Cristina Abdalla apresentou o tema Bohr, o arquiteto do áto-mo. Antonio F. R. de Toledo Piza falou sobre Schrödinger & Heisenberg – A Física além do senso comum. Na programação foi gravado o programa com Pablo Mariconda – o tema “Galileu e a nova Física”, Copérnico - Pioneiro Da Revolução Astronômica . Kepler – A desco-berta das leis do Movimento Planetário, ficará a cargo de Ronaldo Mourão.

A Seara da Ciência da UFC, que tem como diretor executivo Marcus Vale, produz material audiovisual de divulgação cientí-fica a homenagear cientistas cearenses de destaque por suas atividades na pesquisa científica, na inovação tecnológica ou na formação de novos valores. A iniciativa tem a parceria da Fundação Cearense de Apoio ao Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Funcap) e do Conselho de Desenvolvimento Científico e Tecnológico

(CNPq). O presidente da Funcap, Tarcísio Pequeno, articulou a produção da série de DVDs denominada Santo de Casa. Foram produzidos os documentários com entre-vistas e depoimentos de Francisco José Abreu Matos, Maria Marlúcia de Freitas Santiago, Miguel Cunha, Expedito Parente e Rodolfo Teófilo. A série é coordenada por Ilde Guedes, com assessoria científica de José Evangelista de Carvalho Moreira, am-bos da Seara da Ciência.

O Instituto Centec vai instalar em Brasília um Centro Vocacional Tecno-lógico (CVT) equipado com laboratórios de Física, Química e Biologia para demonstração no Fórum Mundial de Educação Pro-fissional e Tecnológica. A iniciativa terá o apoio da Secretaria da Ciência, Tec-nologia e Educação Supe-rior e do Instituto Federal de Educação (Ifce), com patrocínio da Secretaria de Ciência e Tecnologia para a Inclusão Digital (Secis) do Ministério da Ciência e Tecnologia.

[email protected]

Por Flamínio Araripe

O setor de Tecnologia da Informação (TI) em Pernambuco movimenta por ano R$ 1,9 bilhão e equivale a 3,5% do PIB do Es-tado (2007). Este dado do site do governo pernambucano é citado por Leonardo Ávila, executivo de negócios do Instituto Titan. Em comparação, diz a mesma fonte, o setor de TI cearense gira R$ 400 milhões, o equivalente a 0,6% do PIB (2007), com base em informações da Empresa de Tecnologia da Informa-ção do Ceará (Etice). Pelas contas, portanto, a economia do setor em Recife é cinco vezes maior do que a equivalente no estado vizinho.

2 ciênciA &tecnologiA /SeteMBRo de 2009nordeste VinteUm

Santo de casa. Série de DVDs

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Fundo de extensão

Comissão de Finanças e Tributação aprovou o Projeto de Lei 7.394/2006 que institui o Fundo de Extensão da Educação Profissional

(Feep), de autoria do deputado Ariosto Holanda (PSB-CE). Já aprovada nas Comissões de Ciência e Tecnologia e de Educação e Cultura, antes da votação em plenário, a matéria ainda passará pela Comissão de-Constituição e Justiça (CCJ).

O deputado informa que o pro-jeto tem origem no Conselho de Altos Estudos da Câmara dos Deputados e foi assinado por todos os deputados membros da-quele organismo.“O fundo se reveste da mais alta importância porque irá permitir ações permanen-tes de capacitação da população pela rota da ex-tensão, que tem como finalidade principal a trans-ferência de conhecimentos para os trabalhadores e para os pequenos negócios de modo a garantir que eles alcancem novos patamares do saber”.

Para Ariosto Holanda, o avanço tecnológico crescente está a exigir das pessoas atualização permanente de suas habilidades para que pos-sam entrar ou permanecer no mercado de tra-balho. “Já os pequenos negócios necessitam de ações inovadoras sobre os seus produtos ou pro-cessos para que possam continuar competindo. É o mecanismo da extensão que poderá levar co-nhecimentos para aqueles trabalhadores e para as micro e pequenas empresas”, afirma.

Como extensionistas, estão os professores dos institutos federais (IFs) dos quais faz parte o Ifce no Ceará, ex-Cefet, cujas unidades até o ano 2010 estarão presentes em 350 municípios do país. “São essas instituições, ágeis, flexíveis, competentes, comprometidas com a missão de capacitar as pessoas para o trabalho, e que ti-veram sua origem nas antigas escolas técnicas federais que poderão assumir essa nova missão, a extensão tecnológica”, disse o deputado.

Os recursos oriundos do PL 7394 irão garantir o

financiamento das bolsas dos professores extensio-nistas, dos materiais permanentes e dos materiais de consumo exigidos pelos programas de extensão.

Na interação com a sociedade, os professores dos institutos federais vão levar conheci-

mento, informação e assistência técnica para os trabalhadores, microempresá-rios e pequenos negócios.

Ariosto Holanda lembra que a política educacional, no que diz respei-

to ao ensino formal, encontra-se bem equacionada pelo Ministério da Educa-

ção por meio dos programas como Fun-deb, Prouni, Educação à Distância, Brasil Pro-

fissionalizado e outros. Há recursos fixados no orçamento para a educação fundamen-tal, ensino médio e educação superior, mas não existe ainda mecanismo que assegure ações de educação profissional para a extensão da educação profissional em benefício dos excluídos pelo sistema.

“Existe uma massa de trabalhadores fora da es-cola que precisa aprender e um universo de micro-empresas que necessita inovar. É pelas instituições que detém o saber, usando programas de extensão que poderemos assisti-los”, argumenta Ariosto Ho-landa. Para ele, com a aprovação do projeto de lei, o país poderá contar com a ação da extensão em massa voltada para diminuir o analfabetismo tecno-lógico dos trabalhadores e dos pequenos negócios.

O fundo a ser criado será composto ape-nas da transferência de parcelas de recursos de fundos já existentes, com prévias dotações orçamentárias, disse o relator do projeto na Co-missão de Finanças e Tributação, deputado João Dado (PDT-SP). “Não há criação ou aumento de despesas, apenas realocação de recursos com-patível com as finalidades do FAT e do Fndct, em uma convergência de ações concentradas nas áreas de educação e trabalho”, observa.

a

3 SeteMBRo de 2009 / ciênciA &tecnologiAnordeste VinteUm

Projeto de lei prevê a instituição de um fundo para financiar as atividades de extensão tecnológica no país. Constituído de parcelas do Fundo Nacional de Desenvolvimento Científico e Tecnológico (Fndct) e do Fundo de Amparo ao Trabalhador (FAT), está prestes a ser aprovado na Câmara Federal. São cerca de R$ 350 milhões previstos por ano

Novos horizoNtes e estabilidadepara a educação profissioNal

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Fundo de extensão

indefinição nesta modalidade da educação básica tem ocasionado fragmentação, dispersão e sobre-posição de ações. Falta uma políti-

ca pública permanente para a educação pro-fissional. Os recursos financeiros para o setor, conforme a pesquisadora, estão alocados nos ministérios do Trabalho, Educação, Defesa e Telecomunicações, entre outros. A dispersão acarreta sérios problemas, pois não existe de-finição de responsabilidade legal, fontes de re-cursos, custo por aluno, avaliação de gastos e coordenação de atividades.

Antônia de Abreu Sousa conclui que esta realidade passa a exigir uma política pública integrada e articulada entre as dimensões ad-ministrativas, financeiras, políticas e pedagó-gicas. O objetivo seria a transparência no uso de todos os recursos destinados a custear a formação técnica e tecnológica dos jovens e trabalhadores brasileiros.

A pesquisadora identificou no contexto da educação profissional as propostas de criação do Fundo de Desenvolvimento do Ensino Profis-sional e Qualificação do Trabalhador (Fundep), de autoria do senador Paulo Paim (PT-RS) que tramita no Congresso Nacional desde 2003, ainda sem aprovação, e do Fundo de Extensão da Educação Profissional (Feep), em tramita-ção desde 2006, do deputado Ariosto Holanda (PSB-CE).

A vinculação de recursos para a educação brasileira acontece desde a Constituição de 1934. A Carta de 1988 fixou 18% da arrecada-ção de impostos por parte da União e 25% nos estados, Distrito Federal e municípios. “Mas, deixou a educação profissional sem definição legal de recursos. Mesmo fazendo parte da educação básica, que tem financiamento ga-rantido, esta modalidade de ensino é coorde-nada de maneira separada, ficando à margem da educação básica e de seu financiamento, com exceção do ensino médio integrado ao en-sino técnico”, disse ela.

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Existe uma indefinição do financiamento da educação profissional no país, constata a pesquisadora Antônia de Abreu Sousa, do Instituto Federal de Educação do Ceará (Ifce). Ela estudou o problema no seu doutoramento na Universidade Federal do Ceará (UFC)

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União – 18% 99 da receita de impostos federais;

Estados – 25% 99 dos impostos que arrecadam, como também os que lhes são transferidos;

Municípios – 25% 99 das receitas resultantes de impostos, incluindo as transferências,

Sistema S – formado por 99Senai, Sesi, Senac, Sesc, Senar, Sebrae, Sest, Senat, Sescoop – tem legislação própria com receita protegida, sendo financiado pelas contribuições incidentes sobre a folha de pagamento das empresas maiores que suas homólogas. Esta arrecadação – R$ 4 a R$ 5 bilhões por ano – vem do repasse de terceiros da Previdência Social, sem a inclusão de venda de serviços.

viNculação de recursos à educação

4 ciênciA &tecnologiA /SeteMBRo de 2009nordeste VinteUm

FINANCIAMENTO DO ENSINO PROFISSIONALIzANTE

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Fundo de extensão

expansão da educação profissional e tecnológica nos últimos 12 anos teve

como única fonte de financiamen-to no âmbito do MEC o Programa de Expansão da Educação Profis-sional (Proep). Entre suas finalidades: in-

fraestrutura, construção e reforma de prédios, laboratórios, capacitação de profissionais de educação e consultorias.

Ao levantar a soma dos recursos apli-cados pelo país no ensino técnico em 2003 – mais de R$ 30 bilhões – Antônia Sousa se deparou com uma cifra que

achou descomunal. No mesmo ano, o orçamento total do MEC não che-gou a R$ 18,1 bilhões para todos os níveis de ensino.

“O problema é que esse valor está pulveri-zado em um sem-fim de projetos e programas espalhados nos ministérios, estados, municí-pios, promovidos pela iniciativa privada, pelo Sistema S ou por instituições da sociedade ci-vil”, critica a pesquisadora. Segundo ela, diante da falta de uma política coesa de financiamento da educação profissional, surge a proposta de criação de um fundo público, uma alternativa real, no momento, para se vincular e dispor de recursos fixos para a educação profissional pú-blica e comunitária.

O Fundep, proposto pelo senador Pau-

lo Paim, tem estimativa de R$ 4,4 bi-lhões com base na arrecadação de 2004, oriundos de 7% do pro-duto da arrecadação dos impostos sobre renda e proventos de qual-quer natureza e sobre produtos industrializados, excluindo-se as quotas

financeiras que constituem recursos do FUNDEF;

b) 5% dos recursos do FAT; c) 10% dos recursos recolhidos pela Pre-vidência e transferidos a terceiros e/ou entidades que compõem o Sistema S e o Fundo Aeroviário; d)

18% do total dos recursos do Fust e) contribuições, doações feitas por instituições de direito público ou privado, nacionais e interna-cionais, dotações orçamentárias do MEC e outros ministérios.

Já o Feep garantirá recursos da ordem de

R$ 400 milhões por ano para forta-lecer as iniciativas voltadas à capacitação da

população. São definidas como receitas do Feep 1,5% da dotação anual do FAT e 5% da dotação anual do Fndct.

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fuNdo público para evitar pulverização de recursos

5 SeteMBRo de 2009 / ciênciA &tecnologiAnordeste VinteUm

FUNDEP X PROEP

Antônia de Abreu Sousa questiona a falta de política pública para educação profissional

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Fundo de extensão

iagnóstico realizado pelo Conselho de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica da Câmara dos Deputados re-

comenda a aplicação de R$ 2,33 bi-lhões em ações para capacitação tec-nológica. A principal motivação para a realização deste diagnóstico foi a percepção do Conselho sobre o baixo número de alfabetizados funcionais no país, a partir dos dados do Institu-to Brasileiro de Geografia e Estatística (Ibge) e do Índice Nacional de Analfa-betismo Funcional (Inaf).

Os dados demonstraram que a população entre 15 e 64 anos soma

114 milhões, dos quais 85 milhões são analfabetos ou analfabetos fun-cionais. Isto significa que estas pesso-as estão excluídas do novo mercado de trabalho, na avaliação do conse-lho. A partir de então, Ariosto Holanda passou a defender a realização de um Programa de Apoio ao Desenvolvimen-to Humano em vez do Programa de Aceleração do Crescimento (PAC), já em andamento. Na opinião do depu-tado cearense, “a violência urbana é conseqüência direta da concentração de renda e do desemprego, situações que serão combatidas com as alterna-tivas propostas no estudo”.

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CVT, NIT E CID

diagnóstico se transforma em estudo intitulado Capacitação Tecnológica da População. Daí, surge a proposta de criação de três tipos diferentes de

centro de ensino, destinados principalmente aos trabalhadores que já perderam o acesso ao ensi-no formal. São eles: Centros Vocacionais Tecno-lógicos (CVTs), Núcleos de Informação Tecnológi-ca (NITs) e Centros de Inclusão Digital (CIDs).

O estudo prevê a construção de 30 CVTs por estado; a instalação de 1.350 NITs; a insta-lação de 2 mil CIDs; e a contratação de 10.750 bolsistas para operação dos centros. Nasce as-sim, em 2006, o Projeto de Lei nº. 7.394, que dispõe sobre o fomento à capacitação tecnoló-gica da população e seu financiamento. O PL deu entrada na Câmara Federal pelo Conselho

de Altos Estudos e Avaliação Tecnológica (Cae-at), órgão técnico assessor da Mesa Diretora, constituído por membros indicados pelas lide-ranças partidárias.

O PL nº. 7.394, define como Capacitação Tecnológica da População (CTP) o conjunto de ações de formação profissional com vista ao de-senvolvimento econômico e social, tendo como principal benefício a inclusão social e a geração de renda para os indivíduos. Serão beneficiários da lei os órgãos da administração direta, bem como os fundos especiais, autarquias, agências executivas e reguladoras, as fundações públicas, as empresas públicas, sociedades de economia mista, as organizações sociais e as demais enti-dades controladas direta ou indiretamente pela União, estados, Distrito Federal e municípios.

OceNtro de eNsiNo como saída

CAPACITAçãO TECNOLóGICA cvts são unidades de ensi-no com cursos formais e não formais que, mediante a instalação de laboratórios bem equipados, funcionam como locais irradiado-res de conhecimentos tangíveis e familiari-zados com a realidade sócioeconômica e vo-cação de cada região.

brasilA popula-ção entre 15 e 64 anos soma 114 milhões, dos quais 85 mi-lhões são analfabetos ou analfabetos funcionais

É preciso definir recursos fixos para educação profissional e tecnológica, pois embora sejam estabelecidos percentuais obrigatórios para a educação superior e educação básica no Ministério da Educação, a mesma garantia não foi ainda instituída quanto à capacitação tecnológica

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6 ciênciA &tecnologiA /SeteMBRo de 2009nordeste VinteUm

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“esforço aQuÉm” do Necessário

cvt portuário É modelo para outros portos do país

Fundo de extensão

deputado Ariosto Holanda pontua que a prática da transmissão do conheci-mento da universidade

para a comunidade é feita de forma muito tímida. Atribui como motivo a falta de financiamentos específicos e continuados, como bolsas de exten-são. O deputado informa que o governo anterior investiu mais de R$ 2 bilhões no Planfor, com cursos que treinaram mais de dois milhões de cidadãos.

Para ele, o resultado desse esfor-ço foi aquém do desejado. O progra-ma foi descontinuado devido a indí-cios de malversação constatados em auditorias do Tribunal de Contas da União (TCU) e da Controladoria Geral da União (CGU). Razões levaram a isso: a oferta dos cursos por instituições sem experi-

ência no setor e de cursos curtos para o aprendizado de uma pro-fissão. “É improvável a aquisição de competências profissionais em cursos de apenas 6 a 20 horas, como eram as cargas ho-rárias daqueles treinamentos” afirmou o parlamentar.

No atual governo, o Planfor mudou para Plano Nacional de Qualificação (PNQ), mas mesmo com a correção das imperfeições desejadas, não lhe foi dada a im-portância anterior, pois são des-tinados por ano para o programa apenas R$ 50 milhões do FAT. O

valor é considerado “ínfimo” em comparação aos R$ 10 bilhões anuais do FAT para pagamento do seguro desemprego e políticas de promoção do emprego.

O

7 SeteMBRo de 2009 / ciênciA &tecnologiAnordeste VinteUm

PLANFOR X PNQ

DOCAS DO CEARá

Centro Vocacional Tecnológico (CVT) Por-tuário que a Companhia Docas do Ceará constrói no Porto do Mucuripe em Forta-leza serve de modelo para outros portos

do país. O secretário Nacional de Portos, Pedro Brito, por meio de portaria, solicitou a todos os portos de administração federal que implantem centros de trei-namento e capacitação da mão de obra.

“Com a modernização dos portos, a mão de obra foi substituída pelas máquinas e muitas pessoas fi-caram fora do mercado de trabalho”, afirma Paulo André Holanda, diretor de InfraEstrutura e Gestão Portuária da Companhia Docas do Ceará. Segundo ele, a obra está prevista para ser entregue no dia 15 de dezembro, quando receberá equipamentos e mo-

O

bília para iniciar os cursos em fevereiro de 2010.Do investimento de R$ 1,6 milhão no CVT Portu-

ário, R$ 1,4 milhão provém de emenda do deputa-do Ariosto Holanda no orçamento da União por meio do Ministério da Ciência e Tecnologia. A Companhia Docas articula parcerias com a Petrobras e a Trans-petro para a oferta de cursos das áreas específicas do interesse das duas companhias estatais. Também são parceiros da iniciativa o Instituto Federal (Ifce), Instituto Centec e Secretaria da Ciência,Tecnologia e Educação Superior do Estado (Secitece).

Com 1,6 mil metros quadrados de área construída, o CVT Portuário terá laborató-rio eletromecânico, sala de videoconferên-cia, biblioteca e salas de aula. De acordo com Paulo André, está prevista a realização de cursos profissionalizantes na modalidade de edu-cação inicial e continuada, cursos técni-cos de nível médio e também cursos para a formação de tecnólogos de nível superior e até pós-graduação na unidade.

O público anual a ser atendido pelo CVT Portuá-rio é estimado em mil pessoas, oriundas de bairros do entorno e dos sindicatos que atuam no Porto do Mucuripe, entre os quais Estiva, Portuários, Amar-radores, Vigilantes, Conferentes e funcionários da Companhia Docas.

Presidente Lula entrega certificado a aluna do Plano Nacional de Qualificação Profissional, durante abertura do 5º Encontro Nacional do Prominp.

Obras do CVT projetado para promover a capacitação tecnológica da comunidade portuária na Companhia Docas do Ceará.

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entrevista

Nordeste VinteUm – O senhor dirigiu durante muitos anos o Daad no Rio de Janeiro. Qual é, pela sua experiência, o momento mais opor-tuno para um jovem brasileiro passar um pe-ríodo de estudos no exterior?Friedhelm Schwamborn. O momento depen-de da finalidade dos estudos, da meta a que a gente se propõe. Eu vejo em princípio três momentos diferentes para se sair para o exte-rior. O primeiro seria logo depois dos estudos secundários ou no início da graduação. Isso em geral para um estudo de língua aprofun-dado, preparando ao mesmo tempo um está-gio de estudos propriamente dito. Esses cur-sos de língua são oferecidos geralmente no verão nos Estados Unidos, Inglaterra, França e Alemanha. Mas, são bastante caros e tem poucas bolsas para esses cursos. O segun-do momento adequado seria logo depois da graduação para fazer o mestrado ou douto-rado no exterior. Esse é o momento oportu-no para um estudo mais aprofundado. Inclu-sive, devem ser cursos que não se oferecem no Brasil. Por exemplo, excelentes cursos de MBA (Master and Business Administration). Existem em vários países e poucas bolsas. A Alban, uma organização da Comunidade Euro-

péia, dá bolsas na Europa. Mas, para os estu-dantes que sentem uma vocação científica, o terceiro momento seria ir para o exterior fazer o doutorado.

NVU – Quais são as vantagens de um período de estudo no Exterior?FS. Além de receber uma formação aprofun-dada, uma melhor qualificação acadêmica, tem aspectos secundários muito importan-tes. É uma cultura geral que se aprofunda no Exterior, uma integração com uma sociedade diferente, de um país mais industrializado. Uma outra visão do mundo. O estudante tem que ser muito aplicado, ser dos melhores da turma. Só ganha uma bolsa para estudar no exterior quem tiver um rendimento acadêmico acima da média. É a condição básica. A outra é de preparar o pedido de bolsa, de se infor-mar e de observar as dicas que acabamos de dar. Cada país estrangeiro só vai escolher os melhores. Alguém que só tem um rendimen-to médio, tem pouquíssimas chances de es-tudos financiados, seja pela Capes, CNPq ou agência estrangeira.

NVU – É preciso ter bastante dinheiro para

f riedhelm Schwamborn trabalhou durante 25 anos no Serviço Acadêmico de Intercâmbio Alemão (Daad), dos quais 18 anos no Rio de Janeiro. Durante esse período, incentivou o fluxo

de estudantes cearenses para a Alemanha, o que lhe fez merecer o título de Doutor Honoris Causa pela Universidade Federal do Ceará (UFC). Hoje, aposentado, reside numa casa de praia no Leste cearense. Ele apoiou pelo Daad os estudos que embasaram o reconhecimento da Unesco ao GeoPark Araripe, projeto único nas Américas e no hemisfério Sul, localizado na divisa do Ceará com os estados do Piauí e do Pernambuco.

Na entrevista a seguir, Friedhelm Schwamborn fala da importância e das oportunidades para estudar no Exterior.

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8 ciênciA &tecnologiA /SeteMBRo de 2009nordeste VinteUm

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freqüentar uma universidade estrangeira? Quais são as possibilidades de ganhar uma bolsa de estudos?FS – Não necessariamente se precisa ter muito dinhei-ro. Lógico, quando se vai para os Estados Unidos, para a Inglaterra ou Austrália, que são os países que co-bram altas taxas de até US$ 30 mil e US$ 50 mil para estudos de graduação ou de mestrado. Aí sim, precisa de dinheiro. Geralmen-te, tem poucas bolsas para esses es-tudos de graduação ou de mestrado. Mas, também existem países que não conhecem taxas, que têm um sistema público de universidades, que cobram muito pouco. Por exemplo, França, Ale-manha e Espanha. Você pode estudar, praticamente, pelo mesmo preço que tem que desembolsar no Brasil quan-do um cearense vai para São Paulo. É o custo de vida que você tem que pro-videnciar. Na Alemanha, nós exigimos que um estudante estrangeiro tenha, mais ou menos, 700 euros, que são mais ou menos R$ 2 mil por mês para sobreviver e para ter uma situação le-gal no país. Há uma grande gama de ofertas de bolsas de vários países e também de agências brasileiras.

NVU – O domínio da língua estrangei-ra não constitui impedimento?FS – Nós estamos vivendo num mun-do globalizado onde é absolutamente necessário fa-lar várias línguas, também para os brasileiros. De ano em ano, essa exigência aumenta. Na Alemanha, por exemplo, o normal hoje é ter pelo menos duas, me-lhor, três línguas estrangeiras. Existem cursos de gra-duação na Europa onde você passa um ano na Fran-ça, um ano na Alemanha e um ano na Inglaterra, e se reconhecem títulos em todos os três países onde es-tuda. O brasileiro em geral tem grande facilidade para língua. Isso nós constatamos com todos os estudantes que vêm para a Alemanha. Eu gostaria ainda de di-zer que os cearenses são felizardos. Porque existe em Fortaleza uma rede de Institutos de Cultura mantida pela Universidade Federal do Ceará (UFC), em frente à Reitoria. Ali, oferecem cursos de inglês, francês, es-panhol e italiano a preços módicos. O cearense não tem desculpa para não aprender a base de uma língua estrangeira. Que poderá aperfeiçoar no exterior.

NVU – Quais são as suas dicas para alguém que pla-

neja um estudo no Exterior?FS – O mais importante é ter uma informação deta-lhada. Primeiro precisa saber o que você realmente quer. Qual é a meta dos seus estudos. Para isso, você se informa junto aos seus professores. Eu recomendo sempre falar com ex-bolsistas, ex-estudantes no exte-

rior para saber como é o estudo lá fora e, depois, fazer a sua escolha. Logicamente, os países têm espe-cialidades. São mais fracos em al-gumas áreas e mais fortes em ou-tras. Por exemplo, para fazer um bom MBA, eu certamente escolhe-ria os Estados Unidos ou a Ingla-terra. Para estudar Engenharia, a Capes recomenda a Alemanha. Para as modernas áreas médicas de genética e de neurociências, a Alemanha é muito forte, mas tam-bém em filosofia e música. Tudo isso tem que ser pesquisado a fundo, sabendo o que você quer, se quer tirar um grau acadêmico ou apenas um aprofundamento.

NVU – Em que áreas os países são fortes? FS – A França, de maneira geral, é forte em várias ciências básicas. Mas, eu aconselharia a França de qualquer modo para as Ciên-

cias Sociais, Ciências Políticas. Não só isso. Também em Medicina é muito forte. A China é difícil porque existem poucas opções de cursos em língua estran-geira, enquanto no Japão já tem bastante cursos em inglês. O Japão não é mais exótico. O Japão oferece excelentes cursos de pós-graduação em várias áreas diferentes. A Austrália e Nova zelândia são uma certa moda. A gente tem de dizer de modo geral que muitos países estão interessados em estrangeiros para ga-nhar dinheiro. Porque são muitas universidades ame-ricanas. A Inglaterra de modo geral fez uma indústria disso. Recentemente, eu li que na Austrália as taxas de estudantes estrangeiros, sobretudo asiáticos, já são a segunda maior renda do país. A Austrália está interessadíssima em ter estudantes estrangeiros que pagam as taxas que não são baixas. Entre os 1.700 brasileiros que estão estudando atualmente na Ale-manha, nós temos uma porcentagem bastante alta na área de Direto. O Direito brasileiro tem uma forte influência alemã.

9 SeteMBRo de 2009 / ciênciA &tecnologiAnordeste VinteUm

O brasileiro em geral tem grande facilidade para língua. Isso nós constatamos com todos os estudantes que vêm para a Alemanha

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ínio

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rotas da pós-graduação

Alemanha ofe-rece pós-gradu-ações em todas as áreas do co-

nhecimento. Com cerca de 330 universidades e mais de 11 mil cursos, quase um terço de doutorado. Mas, mesmo sem bolsa, vale a pena fazer a pós-graduação no país. Conforme a cida-de, vive-se como estudante já a partir de 500 a 700 euros por mês, graças a vantagens como seguro de saúde e transportes com descontos. O Daad possui bolsas sobretudo para o doutorado. Nos últimos cinco anos, 21 doutorandos cearenses foram aprovados na seleção. Mais Informações em www.daad.org.br ou no Daad Serviço Alemão de Intercâmbio Acadêmico (21) 2553-3296 ou (11) 3061-5331.

s MBAs britânicos costumam durar um ano. Em perí-odo integral, até

um ano e meio. A pós-gradu-ação no Reino Unido também se destaca em relação a custo-benefício, já que a maioria dos mestrados tem duração de apenas um ano. O Chevening é um programa de bolsas de estudos de pós-graduação voltado ao profissional, em início ou meio de carreira, que se destaque em sua área de atua-ção e queira se aperfeiçoar. Financiado pelo governo britâ-nico e administrado no Brasil pelo British Council, o progra-ma cobre cursos de pós-graduação no valor de até 12 mil libras. No Reino Unido, várias universidades administram suas próprias bolsas para estrangeiros. Informações adicio-nais no site do British Council www.educationuk.org.br.

governo francês pos-sui bolsas de excelên-cia específicas desti-nadas a estudantes

estrangeiros, tanto no nível do mestrado (Bolsas Eiffel) quanto do doutorado (Eiffel-Doctorat). Além delas, os alunos brasilei-ros também podem concorrer às bolsas Alban da comunidade européia ou ainda solicitar uma das bolsas que fazem parte dos programas de coope-ração existentes entre o Brasil e a França. O ensino superior ministrado nas universidades e em algumas

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ALEMANHAREINO UNIDO

FRANçA

seguro-saúde e traNsporte com descoNto

“cheveNNiNg” para profissioNais mbas em atÉ um aNo

cooperação com o brasil, gratuidades e seguro social

grandes écoles é gratuito. Alunos es-trangeiros beneficiam-se das mesmas facilidades oferecidas aos alunos franceses. A inscrição na universidade custa entre 200 e 500 euros por ano, o que inclui a seguridade social. Visto que cada aluno custa para o governo entre 10.000 e 14.000 euros, todos os estudantes do sistema universitá-rio francês podem ser considerados como bolsistas do governo francês. Além disso, o estudante pode solici-tar auxílio-moradia, beneficiar-se das tarifas preferenciais concedidas nas atividades culturais, nos transportes, etc. Cerca de dois mil estudantes bra-sileiros por ano vão à França para es-tudar – metade com bolsa. Ver tabela

no site da EduFrance www.edufrance.com.br, com todos os programas permanentes de bolsas existentes entre os dois governos, com indica-ções de nível e área de ensino.

10 ciênciA &tecnologiA /SeteMBRo de 2009nordeste VinteUm

Estudante brasileiro na França

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rotas da pós-graduação

m 2005, mais de 7 mil bra-sileiros se matricularam

em escolas e universi-dades australianas. A maior parte dos estu-dantes brasileiros ainda está matriculada em cursos de inglês, mas a procura por cursos universitários, principalmente os de pós-graduação, cresce a cada ano. O custo pode variar entre AU$12.000 e AU$20.000 por ano, dependen-do da área. As próprias universidades australianas oferecem bolsas de estudo para estudantes interna-cionais, principalmente para doutorados. Essas bol-sas podem ser encontradas no site de cada univer-sidade, ou através do site da Australian Education International (AEI), agência criada para atender estu-dantes internacionais - www.studyinaustralia.gov.au.

Centro de Infor-mação e Rela-ções Públicas ( Cirep) é o ser-

viço da Secretaria-Geral do Ministério da Educa-ção que informa, divulga e encaminha demandas sobre o sistema educativo português e os procedimentos administrativos a res-peito do sistema educativo. Avenida 5 de Outubro, 107 – 1069-018 Lisboa – [email protected] ou no www.institutocamoes.org.br ou http://www.sg.min-edu.pt/cirep_informacao.htm.

m 2002 a Co-munidade Euro-péia lançou um amplo progra-

ma de bolsas de pós-gra-duação (mestrado e dou-torado) ou de treinamento profissional, chamado Alban. É previsto que até 2010 cerca de 3.900 jovens latinoamerica-nos possam beneficiar-se deste programa nas universidades europeias. A duração da bolsa varia de seis meses a dois anos. Informações: www.programalban.org

Estados Unidos: www.ciee.org e www.info.incc.br/fulbrightPortugal: www.institutocamoes.ptCanadá: www.aucc.caJapão: www.jica.org.brEspanha: www.aeci.es

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AUSTRáLIA

PORTUGAL EUROPA

“moda” eNtre brasileiros e agêNcia para estraNgeiros

miNistÉrio da educação dá dicas pelo cirep

albaN beNeficiará cerca de 3.900 latiNo-americaNos

outras foNtes de iNformações: Sites com informações sobre os diversos aspectos de um estudo no exterior:

Existem também as bolsas de estudo oferecidas pelo governo australiano para mestrados e doutorados. Informações no site www.endeavour.dest.gov.au.

www.universia.com.brwww.estudar.org.brwww.faubai.org.brwww.ci.com.br

www.eu.int/ploteus/portalwww.eurydice.orgwww.cer.mre.gov.br

11 SeteMBRo de 2009 / ciênciA &tecnologiAnordeste VinteUm

Estudantes estrangeiros na Austrália

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resposta a esta pergunta é o foco do negócio da Azul Tecnologia, de Thiago Alves Costa de Araújo, ao criar o Pxinxa na incubadora do Centro de Pesquisa e Qualificação Tecnológica (Cpqt) do Instituto Federal de Educação (Ifce). A empresa desenvolve soluções por demanda para a web e sistemas customizados para corporações com clientes nas áreas de rastreamento veicular, desenvolvimento

de software e tem experiência na área de treinamento de gestão com a Arquimedes Empreendedorismo. Foi criado pela Azul um sistema para auxiliar uma empresa de consultoria

que treina pessoas na área de gestão com simulação de mercado na compra e venda de produtos, indicando quem consegue melhor competir. Todavia, é com o lançamento do Pxinxa que a empresa busca avançar num novo nicho de negócio, o de sistema web gratuito em que o consumidor pode consultar os preços dos produtos da feira do mês e toda a rede de supermercado cadastrada no sistema. Ao receber a lista de compras, o site do Pxinxa indica onde podem ser encontra-dos os produtos mais baratos e traça no mapa o roteiro para ir aos supermerca-dos com os preços mais atrativos.

Até o fim do ano, Thiago Araújo espera lançar o Pxinxa. Toda a infraestrutura técnica já está pronta. No momento, a empresa constrói a parceria com as redes de supermercado para que tenha maior volume de mercadorias para a pesquisa. Para ele, os supermercados vão ganhar indiretamente ao participarem do siste-

ma, uma vez que não vão precisar mais gastar com pes-quisa de mercado para saber os preços da concorrência, pois os relatórios serão extraídos do site.

aJá pensou em colocar a sua lista de compras em um site da internet que vai comparar os preços dos supermercados mais próximos da sua casa e apresentar os percentuais de economia?

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SOLUçõES POR DEMANDA

web gratuito

12 ciênciA &tecnologiA /SeteMBRo de 2009nordeste VinteUm

ciênciA &tecnologiA / jUnHo de 2009

Wilton Bezerra júnior Editor Executivo n [email protected] n [email protected] Bezerra Diretor Editor Adjunto n [email protected] Flamínio Araripe Editor Adjunto de Ciência e Tecnologia n [email protected]

Apoio escritório técnico de estudos econômicos do nordeste (etene) / Banco do nordeste do Brasil (BnB)Apoio técnico centro de Pesquisa e Qualificação tecnológica (cPQt)

diretor-executivo edson da Silva Almeidacolaboração Assessoria de comunicação Social do instituto Federal de educação, ciência e tecnologia do ceará (iFce) / jornalista Marlen danúsia

TODOS OS DIREITOS SÃO RESERVADOS. É proibida a reprodução total ou parcial, especialmente por sistemas gráficos, microfílmicos, fotográficos, reprográficos, fonográficos e videográficos ou qualquer outro meio ou processo existente ou que venha a ser criado. O CADERNO DE ciênciA &tecnologiA É UmA PARTE INTEgRANTE DA REVISTA noRdeSte VinteUM E NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAmENTE

editora Assaré ltda Me - Rua Waldery Uchôa, 567 A n Benfica, Fortaleza, Ceará n CEP: 60020-110e-mail: [email protected] - Fone/fax: (85) 3254.4469

Página inicial do site

Lista de produtosThiago Alves Costa de Araújo, criador do

Pxinxa na incubadora do Cpqt/Ifce.

Localização do local

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ciênciA &tecnologiA /SeteMBRo de 2009

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• Lampiãomorreunonagenário?

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NE rumo àInfRAESTRuTuRA

autossuficiência

A importância de garantir um suprimento de energia elétrica adequado para estimular novos investimentos está na ordem do dia no Brasil. Num cenário em que a fonte hidráulica ainda tem um peso enorme na matriz – e quanto mais chuva melhor –, o Nordeste desponta no mapa da produção renovável, com ventos, sol e até ondas do mar a favor da região. Historicamente dependente da produção de eletricidade de outras regiões do país, hoje nosso panorama muda: os estados nordestinos caminham para a autossuficiência na geração energética. Confira os detalhes do estudo exclusivo do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene/BNB)

36 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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de energiaautossuficiência

uma economia que cresce acima da média na-cional, onde o acesso ao crédito, o ganho real do salário mínimo e os programas de transferência de renda fazem explodir o consumo de bens duráveis

(geladeira, TV, rádio e, em menor proporção, freezer e máquina de lavar), a energia elétrica desempenha papel preponderan-te no desenvolvimento socioeconômico. Estamos falando do Nordeste, que desponta também como região estratégica para investimentos em geração e transmissão deste insumo indis-pensável ao ser humano.

A energia elétrica consumida no Nordeste brasileiro provém basicamente da fonte hidrelétrica, cujo ator principal é o rio São Francisco, o “Velho Chico” de águas tão disputadas. Contudo, de acordo com Francisco Diniz Bezerra, gerente da Central de

Informações Econômicas, Sociais e Tecnológicas (Ciest) do Escritório Técnico de Estudos Econômicos do Nordeste (Etene), do Banco do Nordeste (BNB), o potencial hidrelétrico remanescente economicamente viável na região encontra-se próximo do esgotamento. “Outras fontes são necessárias para suprir a demanda futura”, lembra Diniz.

Mestre em Engenharia da Produção, ele explica que “o Nordeste não só dispõe de fontes próprias como tem condições de importar insumos, como o gás natural e o carvão mineral, além de poder elevar sua capacidade de importação de eletricidade de outras re-giões, através do reforço no sistema de transmissão”. Uma alternativa de geração lembrada pelo técnico é a nuclear, possibilidade oficialmente aventada por autoridades do governo federal, mas com horizonte de concretização remoto até 2017.

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Francisco Diniz Bezerra, gerente da Ciest do Etene/BNB

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37Setembro/2009Nordeste VinteUm

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demanda por energia elé-trica tende a variar confor-me o ritmo da economia.

Se esta vai bem, o insumo é mais utilizado nas caldeiras industriais, pelo eufórico comércio e até pelo “seu José”, lá do interior, que aca-bou de comprar um computador para sua família.

Se despenca ladeira abaixo — como no último trimestre de 2008 —, apaga-se literalmente a luz no setor produtivo e a reação em cadeia é inversa à anterior. De janeiro a agosto deste ano, conforme dados da Empresa de Pesquisa Energética (EPE), o con-sumo nordestino chegou a 42.175 GWh, sendo puxado pela classe industrial (17.869 GWh), seguida da residencial (11.169 GWh) e comercial (6.113 GWh).

Ainda conforme a EPE, o au-mento de 6% no consumo residen-cial de energia elétrica em agosto deste ano foi puxado principalmen-te pelo Nordeste, onde a utilização do insumo expandiu-se em 12,6%. Na região, todos os estados revela-

ram aumento expressivo, destacan-do-se Pernambuco e Bahia.

Com relação ao consumo da classe comercial, a EPE cita que o Nordeste constituiu exceção no Brasil, mantendo o forte ritmo de crescimento (9,6%). Aumento este espalhado por todos os estados da região. Pernambuco se destacou com expansão em dois dígitos (12,5%), puxada por ampliação de shoppings e abertura de supermer-cados e outros estabelecimentos.

O consumo industrial de ener-gia elétrica na região Nordeste representa algo em torno de 17% da demanda nacional no segmen-to. Bahia e Maranhão concentram aproximadamente 62% da energia elétrica utilizada pelas indústrias regionais.

Na terra do axé, há predomi-nância das indústrias da cadeia metalúrgica. Na do reggae, a manufatura do alumínio respon-de por mais de 90% do consumo industrial. Os dois segmentos têm forte relação com o mercado externo.

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Ritmo da economia puxa consumo.Pernambuco e Bahia em destaque

Da caldeira ao computador Série Histórica - 1985/2008

Demanda do NE cresce maisrápido que o PIB regional

No Nordeste, a deman-da por energia cresceu a um ritmo mais acelerado que o PIB regional”, afirma Diniz. Na série histórica estudada pelo Etene, de 1985 a 2008, o consumo regional cresceu a uma taxa média de 4,2% ao ano. Teria sido maior, não fosse o racio-namento de 2001 – episódio ocorrido no governo tucano que tinha até ministro para gerenciar. Antes daquele ano (1985-2000), o incremento alcançado foi de 4,5% ao ano. Já de 2001 a 2008, a taxa média ficou em 5,5% anuais. No mesmo intervalo, o PIB nordestino cresceu apenas 2,5% ao ano.

No horizonte até 2017, estima-se que a demanda por energia elétrica no Subsiste-ma Nordeste sairá dos atuais 54.252 GWh para 85.510 GWh, em função das proje-ções indicarem um crescimento médio de 5,2% ao ano, num cenário pessimista, e de 5,6% anuais numa perspec-tiva otimista. “Os números demonstram a necessidade de investimentos em geração e transmissão a um patamar superior ao crescimento do PIB regional para que não falte energia à população local”, resu-me o gerente do Ciest/Etene.

38 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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P

Geração e Transmissão

PAC prevê investir R$ 29,3 bi. Energia limpa na pauta dos apelos

arte destes investimentos está prevista no Programa de Aceleração do Cresci-

mento (PAC). Serão alocados R$ 274,8 bilhões em geração e trans-missão, em todo o país até 2010. Na região Nordeste, a previsão de

fontes: pib: ibge (1985-2006) e bnb/etene/ciest (2007-2008); Energia elétrica: empresa de pesquisa energética (epe). Elaboração: bnb/etene/central de informações econômicas, sociais e tecnológicas (ciest)notas: 1. os valores de pib utilizados no cálculo dos números-índices foram atualizados para 2008 pelo índice de crescimento real; 2. os pibs de 1985 a 2001 foram obtidos a partir da metodologia antiga do ibge (referência 1985) e os pibs de 2002 a 2006 a partir da metodologia nova adotada pelo ibge (referência 2002); 3. os pibs de 2007 e 2008 são projeções realizadas pelo bnb/etene/ciest

Evolução do PIB e do consumo de energia elétrica no Nordeste

investimento chega a R$ 29,3 bi-lhões.

Para os ambientalistas, a lógica de investimentos do PAC em ener-gia poderia vir na direção da energia limpa. Está comprovado o podero-so potencial brasileiro, inclusive

nordestino, de energia eólica, solar e até da biomassa. Só o potencial eólico brasileiro está estimado em 143 GW – maior que toda energia elétrica brasileira instalada, mais de dez vezes o potencial gerador de Itaipu, que é de 12,6 GW.

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39Setembro/2009Nordeste VinteUm

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ara analisar a capacidade de oferta de energia elétrica no Nordeste, toma-se por base a

disponibilidade de água armazenada nos principais reservatórios do Brasil, já que a fonte hídrica é responsável pela maior parte da geração no Siste-ma Interligado Nacional (SIN). Isto sempre levando em conta a possibili-dade de intercâmbio de energia entre as regiões.

“O SIN obteve, no último mês de setembro, o melhor indicador desde 2000, o que representa um certo conforto na capacidade de su-prir a demanda de energia elétrica do país”. Obra da generosidade de São José para com o governo, dado o bom índice de precipitação pluviométrica

P no país entre 2008 e 2009.Na relação entre a energia ar-

mazenada nos reservatórios e a carga de energia do Subsistema Norte, de onde provém a maior parte das impor-tações de eletricidade do Nordeste, setembro último registrou indicador (1,89) acima da média histórica da sé-rie (setembro/2000-setembro/2009), correspondente a 1,83.

“É uma situação relativamente favorável ante a maioria dos anos pre-cedentes na capacidade de atender às suas necessidades energéticas e de exportar o excedente”, afirma Diniz. No Subsistema Nordeste, a relação “energia armazenada / carga de ener-gia” em setembro é a terceira melhor da série histórica analisada. “Assim,

é improvável que ocorra colapso no abastecimento de energia elétrica, pelo menos, até o fim de 2010”, ana-lisa o técnico.

Os três principais reservatórios da Bacia do São Francisco – Sobra-dinho, Três Marias e Luiz Gonzaga – estavam, em setembro último, com 70% da sua capacidade de total de ar-mazenamento, segundo melhor valor desde 2000.

O índice havia atingido 48,33%, em fevereiro de 2008, o terceiro me-nor valor da série histórica (fev/2000-fev/2008), superior apenas ao do ano do racionamento (2001), e ligeira-mente maior que o de fevereiro de 2003. Números que reforçam a im-portância de se buscar alternativas.

Generoso excedente

São José torna improvávelcolapso até o fim de 2010

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40 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Luz no fim do túneliniz explica que a matriz de geração de energia dos estados do Subsistema

Nordeste – exceto o Maranhão, pertencente ao Subsistema Nor-te – é composta por empreendi-mentos que usam a fonte hidráu-lica (68,78%), os combustíveis fósseis e biomassa (28,83%) e a eólica (2,38%). “Todas estas são fontes renováveis”, ressalta. Quanto à capacidade regional de geração termelétrica, de 4.595 MW, a maior parte da potência instalada (2.561 MW) vem de usinas movidas a gás natural, combustível que deverá ser, em parte, importado do Sudeste, através do Gasoduto Sudeste-Nordeste (Gasene), e do exte-rior, na forma de Gás Natural Líquido (GNL). Para tanto, é

D necessária a implantação de termi-nais de regaseificação, a exemplo do instalado no Porto do Pecém.

Vantagem de potencial com fontes renováveis

De acordo com o gerente do Ciest/Etene, a grande vantagem da região reside no fato de poder explorar seu potencial de geração em fontes renováveis, principal-mente eólica e biomassa. Além de contar com a construção de usinas termelétricas (movidas a carvão mineral, óleo diesel, óleo combustível e até gás natural), nucleares e hidrelétricas – estas últimas nas bacias dos rios São Francisco e Parna-íba, “aproveitando o potencial re-

manescente e economicamente viável”, ressalva.

Total de 30 empreendi-mentos ativados até 2013

Até 2013, devem entrar em ope-ração no território nordestino um total de 30 empreendimentos. “Dos 6.174 MW homologados pela Agência Nacional de Ener-gia Elétrica (Aneel) e previstos para serem implantados nesse período, 81,5% (5.032,6 MW) referem-se a usinas ter-melétricas (UTE), 18,0% (1.112 MW) a usinas hidre-létricas (UHE + PCH) e uma fração mínima de 0,5% (29,4

MW) a usinas eó-licas (EOL)”, res-salva Diniz.

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41Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Projetos de Usinas Termelétricas, Hidrelétricas e Eólicas previstos para o Nordeste até 2013

UF Nome da UsinaPrevisão para início de operação ( Em MW)

2009 2010 2011 2012 2013

USINAS TERMELÉTRICAS DE ENERGIA (UTE) 1105,3 929,7 1529,5 505,7 962,4

MA

Alumar 75,2

Porto do Itaqui (ex-Termomaranhão) 360,1

Sub Total 75,2 0,0 360,1 0,0 0,0

CE

José de Alencar 300,0

Maracanaú 168,0

Maracanaú II 73,7

Porto do Pecém I (ex-MPX) 720,3

Porto do Pecém II 360,0

Sub Total 468,0 0,0 794,0 0,0 360,0

RNTermonordeste 170,8

Sub Total 170,8 0,0 0,0 0,0

PB

Campina Grande 169,1

Santa Rita de Cássia 174,6

Termoparaíba 170,8

Sub Total 169,1 170,8 174,6 0,0 0,0

PE

Itatérmica Pernambuco

Pernambuco III 200,8

Pernambuco IV 200,8

Suape II 355,7

Termocabo

Termopower V 200,8

Termopower VI 200,8

U-50 150,0

Sub Total 0,0 0,0 200,8 505,7 602,4

BA

Bahia Pulp 95,0

Camaçari Muricy I 148,0

Camaçari Pólo de Apoio I 150,0

Global I 148,8

Global II 148,8

Itapebi 145,8

Monte Pascoal 144,8

Sub Total 393,0 588,2 0,0 0,0 0,0

PEQUENAS CENTRAIS HIDRELÉTRICAS (PCH) 0,0 25,0 0,0 0,0 0,0

BA Sítio Grande 25,0

USINAS HIDRELÉTRICAS (UHE) 0,0 135,9 815,3 135,9 0,0

BA/TO Estreito 135,9 815,3 135,9

CENTRAL GERADORA EOLIOELÉTRICA (EOL) 0,0 29,4 0,0 0,0 0,0

RNUsina Eólica Aratuá l 14,7

Usina Eólica Aratuá ll 14,7

TOTAL ANUAL 1105,3 1120,0 2344,8 641,6 962,4

TOTAL DE 2009 A 2013 6174,0

Fonte: ANEEL. Disponível em www.aneel.gov.br. Acesso em: 19 Out. 2009. Elaboração: BNB/ETENE/Central de Informações Econômicas, Sociais e Tecnológicas. Nota: Usina Termelétrica (UTE); Pequena Central Hidrelétrica (PCH); Usina Hidrelétrica (UHE); Usina Eolioelérica (EOL). LEGENDA: Usinas com obras em andamento - Não existem impedimentos para entrada em operação (contrato de concessão assinado, licença ambiental de instalação vigente e obras civis iniciadas e não interrompidas) - Existem impedimentos para entrada em operação (obras não iniciadas, atraso na obtenção das licenças ambientais)

42 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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gerente de Planejamento de Operação do Operador Na-cional do Sistema (ONS),

José Carlos Sili Salomão, frisa o im-portante papel das energias alternati-vas na complementaridade do forne-cimento e como podem ser integradas ao sistema elétrico brasileiro.

Uma vez que a base da geração (hidrelétricas) está sujeita à sazonali-dade (regime de chuvas), as demais energias limpas – em especial a bio-massa e a eólica – têm sinergia com a hidráulica e são fundamentais para

SAZONALIDADES

Papel complementar de fontes eólicas e de biomassa para integrar e suprir

Sistema Interligado Nacional, suas respectivas bacias hidrográficas e áreas de abrangência

O suprir o sistema. A biomassa, cujo auge de produção é de abril a outu-bro (safra da cana-de-açúcar), supre justamente a baixa vazão dos rios; enquanto a energia eólica entra de junho a outubro, quando os ventos sopram mais fortes.

Segundo Wilson Ferreira Ju-nior, presidente da CPFL, maior companhia privada do setor elétrico brasileiro, os ventos no Nordeste au-mentam exatamente quando baixa a vazão do rio São Francisco. “O Ceará e o Rio Grande do Norte têm poten-

cial de 12 mil GW de potência de ge-ração eólica”, afirma ele. E a safra de cana começa em novembro, quando termina a produção do Sudeste. A biomassa hoje responde por 1.000 MW durante a safra de 562 milhões de toneladas de cana. Na CPFL, a biomassa já representa 6% da energia comercializada.

Outra saída em curso para am-pliar o suprimento de energia nordes-tina é a transferência de cargas entre regiões. De acordo com o estudo do Etene, o Nordeste é integrado ao Sistema Interligado Nacional (SIN), possibilitando a importação de ener-gia elétrica dos subsistemas Norte e Sudeste-Centro-Oeste.

“Hoje, essa capacidade de im-portação é da ordem de 3.617 MW médios”, informa Diniz. Vale desta-car que o PAC prevê um reforço na interligação Norte-Nordeste pela construção da Linha de Transmissão Colinas-Milagres e da LT Açailândia-Presidente Dutra, consumindo recur-sos de R$ 992 milhões. Desta forma, a capacidade de importação do Nor-deste subirá para 5.850 MW médios a partir de 2010.

O preço da comercialização da energia elétrica cresceu substancialmente nos últimos anos, tanto no Brasil quanto no Nordeste. “Na região, a alta foi de 13,3% ao ano, passando de R$ 108,50 o MWh, em 2000, para R$ 259,80 o MWh no ano passado”, assinala Francisco Diniz. E as perspectivas, segundo ele, são de aumento das tarifas acima dos índices inflacionários - passados dez anos da privatização das companhias estaduais de distribuição. “A tendência é de uma maior participação das termelétricas na matriz energética brasileira, cujo custo de geração é superior ao das hidrelétricas”, frisa.

No bolso, o peso da tarifa acima da inflação

43Setembro/2009Nordeste VinteUm

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a avaliação do presidente da EPE, Mauricio Tolmasquim, o grande número de empresas

interessadas em investir na geração eólica permite antever uma forte competição no leilão, o que propicia-rá a contratação de energia a preços bastante atrativos para o consumi-dor. “Basta constatar que o total de capacidade inscrita equivale a cerca de dez usinas nucleares como a de

NE detém 73% dos projetos no primeiro leilão exclusivo de eólica

Forte concorrência pode dar em preços mais baixos

s ventos sopram a favor da energia limpa no Nordeste. A região obteve o maior nú-

mero de empreendimentos inscri-tos para o primeiro leilão de ener-gia exclusivamente voltado para contratação de fonte eólica no país, previsto pelo Governo Federal para o próximo dia 25 de novembro.

De acordo com a Empresa de Pesquisa Energética (EPE),

Vento forte no litoral

Consumidor

O

N

de 441 projetos, que juntos somam capacidade instalada de 13.341 MW, os estados nordes-tinos abocanharam 322 proje-tos (73% do total) e 9.549 MW de potência instalada (72% do total).

Três estados da região respon-deram por volumes expressivos na fase de cadastramento: Rio Gran-de do Norte, com 134 projetos

Angra 3”, destaca. No corte por ta-manho de projeto, a maior parte dos parques eólicos cadastrados na EPE apresenta potência instalada entre 25 e 50 MW: são 262 empreendimen-tos com 8.000 MW no total. Entre as centrais geradoras de grande porte, com potência acima de 100 MW, fo-ram inscritos seis projetos totalizan-do 806 MW de capacidade. Segundo informações da EPE, o certame será

realizado na modalidade de reserva, que se caracteriza pela contratação de um volume de energia além do que seria necessário para atender à demanda do mercado total do país. Os empreendimentos que oferta-rem os menores preços e forem contratados assinarão contratos para compra e venda de energia com 20 anos de duração, válidos a partir de 1° de julho de 2012.

somando 4.745 MW; Ceará, que detém 118 empreendimentos com potência de 2.743 MW; e Bahia, com 51 parques eó-licos com capacidade total de 1.575 MW. Da região Sul, fo-ram cadastrados 111 projetos (25%), cuja capacidade soma 3.594 MW (27%). Destaque para o Rio Grande do Sul, com 86 inscritos – 2.894 MW.

44 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Potencial de 300 mil MW eentraves à expansão e conexão

Imposto de 14% sobre importação

ara Laura Porto, diretora da Iber-drola Renováveis, líder mundial em energia eólica, o potencial brasilei-

ro nesta fonte passa de 300 mil MW. Ela lembra que, há cerca de 10 anos, quando foram iniciados os primeiros estudos, “nin-guém imaginava que o setor pudesse cres-cer tanto”. Tanto que o Plano Decenal de Energia tem uma inserção muito peque-na das eólicas. A executiva lista algumas dificuldades à expansão das usinas ainda existentes no Nordeste, como os cuidados no arrendamento de terra e os entraves de conexão à rede de distribuição local.

diretora da Iberdrola lembra que a exigência do governo de um índi-ce de 60% de nacionalização dos

equipamentos das usinas, marca do começo do Programa de Incentivo às Fontes Alter-nativas de Energia (Proinfa), foi “substituído” pelo imposto de 14% sobre a importação.

“É preciso sinalização de longo prazo”, reivindica, em coro com Lauro Fiúza, presi-dente da Associação Brasileira de Energia Eólica (ABEEólica) ressaltando que, mesmo questionáveis na época, todos os programas de sucesso no Brasil foram fruto de decisão estratégica e de longo prazo, como as gran-des hidrelétricas na década de 70, o Proál-cool e a prospecção de petróleo em águas profundas (pré-sal).

Usinas eólicas X meio ambiente

P A

LEILãO DE EóLICA – CADASTRAMENTO (PROJETOS E POTêNCIAS) POR ESTADO:

Estado N° de projetos Potência (MW)

Bahia 51 1.575

Ceará 118 2.743

Espírito Santo 6 153

Paraíba 1 20

Paraná 23 625

Piauí 16 413

Rio de Janeiro 2 45

Rio G. do Norte 134 4.745

Rio G. do Sul 86 2.894

Santa Catarina 2 75

Sergipe 2 54

TOTAL 441 13.341

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Chesf está pronta para suprir o NE

Investimentos e lucros

Trajetória contada em números

Maior lucro da história

e olho nas projeções de mer-cado divulgadas pela EPE – que apontam uma expansão

de 4,9% ao ano na demanda de ener-gia para o Nordeste, passando de 7.557 MW médios para 11.667 MW médios até 2017 –, a Chesf prevê expandir e diversificar seus investi-mentos. Tanto nos empreendimen-tos térmicos a gás natural e nuclear, quanto nos hidrelétricos do potencial remanescente na região e nos gran-des aproveitamentos do Norte.

A energia comercializada pela empresa atingiu o montante de 50.692 GWh em 2008, distribuído entre 21 estados e o Distrito Fede-ral, com destaque para a venda às distribuidoras no Ambiente de Con-tratação Regulada (ACR). Entre os estados com maior participação nas vendas da Chesf, no segmento de

>> Criada pelo Decreto-lei nº 8.031, de outubro de 1945>> Possui um sistema de geração que abrange sete estados: Alagoas, Bahia, Ceará, Paraíba, Pernambuco, Rio Grande do Norte e Sergipe. >> São 18.468 km de linhas de transmissão cujas primeiras instalações entraram em operação há 64 anos.>> O sistema de geração da Chesf é hidrotérmico, com predominância de usinas hidrelétricas, responsáveis por um percentual superior a 97% da produção total. >> Hoje, seu parque gerador possui 10.618 MW de potência instalada, sendo composto por 14 usinas hidrelétricas – supridas por nove reservatórios com capacidade máxima de armazenamento de 52 bilhões de metros cúbicos de água – e uma usina térmica bicombustível, com 350MW de potência instalada, localizada em Camaçari (BA). >> Dada a localização de suas principais usinas, recebe influência dos regimes hidro-lógicos das regiões Nordeste e Sudeste.

Os investimentos em ativos fixos para expansão e modernização da capacidade pro-dutiva da Chesf atingiram R$ 581,6 milhões.

O valor contabilizado está dividido em R$ 400 milhões na área de geração de energia, R$ 340,9 milhões em obras do sistema de transmissão, R$ 134 milhões no ressarcimento de Itaparica e R$ 66,7 milhões em infraestrutura.

O lucro líquido obtido em 2008, de R$ 1,437 milhão, representa um incremento de 120,2% sobre o do exercício imediatamente anterior.

Para o diretor presidente da Chesf, Dilton da Conti Oliveira, este resultado é explicado principalmente pelo aumento de 21,2% na receita operacional líquida, menor crescimento de custos e despesas operacio-nais (6,5%), melhor resultado financeiro e redução da incidência de Imposto de Renda sobre o lucro, em virtude da obtenção de incentivo fiscal.

D distribuição, dois são nordestinos: Pernambuco (7,7%) e Bahia (7,5%). Os principais foram São Paulo (19,9%), Rio de Janeiro (10,3%) e Paraná (9,8%). No Ambiente de Contratação Livre (ACL), os resulta-dos ficaram abaixo dos de 2007, com 118 contratos fechados e venda de 3.452 GWh em 2008.

A geração, entretanto, não foi muito bem. A companhia gerou 41.239 GWh, no ano passado, con-tra 57.301 GWh, em 2007, repre-sentando uma redução de 28,1%. O decréscimo foi motivado pelas con-dições energéticas do Sistema Inter-ligado Nacional (SIN) e à elevação do intercâmbio de energia de outras regiões para o Nordeste, em função da política de despacho centralizado exercido pelo Operador Nacional do Sistema Elétrico (ONS).

A Companhia Hidrelétrica do São Francisco (Chesf) segue, embalada pelos bons resultados obtidos em 2008, como a maior geradora de energia elétrica do Brasil. Além de apresentar um lucro líquido de R$ 1,437 bilhão no exercício passado – o maior da sua história –, a empresa integra o consórcio vencedor do Leilão de Gera-ção 0005/2008, que prevê nada menos do que a construção da Usina Hidrelétrica de Jirau, no Rio Madeira, em Porto Velho, Rondônia. Na empreitada, que irá con-sumir R$ 540 milhões de recursos próprios, detém 20% de participação e está ao lado das gigantes Eletrosul (20%) Camargo Corrêa Investimentos em Infraestrutura (9,9%) e Suez Energy South América Participações (50,1%).

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Pesquisador de Fortaleza aperfeiçoa geração eólica de pequeno porte

Obras da usina de ondascomeçam no Pecém

Como funciona

Regiões afastadas

No balanço do mar

rojeto do pesquisador-dou-tor Demercil de Souza Oli-veira Jr., da Universidade

Federal do Ceará (UFC), pretende estimular a geração distribuída de energia elétrica, via fonte eólica, para localidades afastadas das re-des elétricas. Para isso, quer aper-feiçoar um carregador de baterias para aerogeradores de pequeno porte, usados para extrair o máxi-mo de energia de sistemas eólicos

nergia limpa, renovável e que tem como fonte um dos maiores atrativos do Brasil

oito mil km de litoral, sendo três mil deles no Nordeste. É essa a proposta de uma equipe da Coordenação dos Programas de Pós-Graduação da Uni-versidade Federal do Rio de Janeiro (Coppe/Ufrj), que está à frente de um projeto para construir a primeira usina de ondas das Américas.

Financiado pela Eletrobrás e pelo Conselho Nacional de Desen-volvimento Científico e Tecnológico (CNPq), o projeto prevê a construção de uma usina-piloto, composta por 20 módulos, com capacidade de geração de 500 KW, que será implantada no

a usina funciona com a ajuda de flutua-dores que ficam submersos no mar, presos ao equipamento por meio de dois braços metálicos. com o movimento das ondas, esses blocos também se movem e produzem força para bombear a água do mar até reservatórios dentro da usina. a água terá sua pressão aumentada em uma câmara hiperbárica, fazendo com que o jato d’água saia do comparti-mento com uma força equivalente à de uma queda d’água de 500 metros de altura. esse jato move uma turbina, que gera finalmente a energia, repassada depois, para o sistema de distribuição.

P

E Porto do Pecém, a 60 km de Fortaleza, em parceria com o Governo do Ceará.

As obras de preparação de uma área no quebra-mar do Terminal de Múltiplas Utilidades do Pecém (Tmut) para abrigar a usina-piloto devem ficar prontas ainda este ano. O “engordamento” de uma área na parte leste do quebra-mar em cerca de 200 metros quadrados receberá as estacas nas quais serão montadas

de pequeno porte. O projeto está entre os semifinalistas da 5ª edição do Prêmio Santander de ciência e Inovação, na categoria Indústria.

Ao todo, são 32 projetos semifi-nalistas de pesquisadores-doutores do Brasil inteiro. Engenheiro ele-tricista graduado pela Universida-de Federal de Uberlândia (UFU), onde também se tornou mestre, e doutor pela Universidade Federal de Santa Catarina (Ufsc), Oliveira

Jr. explica que os carregadores de baterias para aerogeradores dis-poníveis hoje no mercado têm de-sempenho inadequado e se danifi-cam rapidamente com frequência. Exatamente por isso, ele entende ser possível criar um sistema com desempenho e robustez, atingin-do escala comercial, o que poderá estimular a geração distribuída de energia, por fonte eólica, em regi-ões afastadas das redes elétricas.

as pás da usina. Serão investidos no equipamento cerca de R$ 12 milhões, sendo R$ 1 milhão de contrapartida do Governo do Estado, em parceria com a Universidade Federal do Ceará, a Coppe/ Ufrj, Seinfra, Cearáportos e a multinacional Tractbel, que definiram o novo local da usina e o cronograma dos trabalhos.

Segundo o coordenador de Energia e Comunicações da Secretaria de Infraestrutura do Estado (Seinfra), Renato Rolim, a previsão é de que o protótipo funcione por três anos para avaliação da tecnologia que aproveita a regularidade dos ventos e freqüência das ondas do mar no litoral cearense para a produção de energia elétrica. Com 100 kW de produção, equivalen-te ao consumo de 60 casas do padrão médio de demanda energética no Estado, mesmo em fase de pesquisa, a energia vai ser aproveitada.

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Parâmetros:

polêmica expansão do parque gerador nuclear brasileiro, que consta do

Plano Nacional de Energia, prevê a construção de quatro a oito usinas até 2030. Segundo o presidente da Eletronuclear, Othon Pinheiro da Silva, cada geradora é avaliada em cerca de US$ 3 bilhões, o que já desperta o interesse de fabricantes internacionais de reatores. A em-presa trabalha para iniciar as obras em 2012, com a preparação de um terreno no Nordeste para receber as duas primeiras usinas, com início de operações da primeira entre 2019 e 2020.

Conforme a Eletronuclear, foram iniciados os estudos de localização da Central Nuclear do Nordeste, cuja região considerada

“de interesse” fica na faixa litorânea compreendida entre Salvador e Recife. Os sítios serão selecionados considerando futuras expansões da Central para até seis unidades de aproximadamente 1000 MWe, cada.

Os estados de Pernambuco, Bahia, Alagoas e Sergipe planejam fazer consórcio interestadual para disputar os empreendimentos. O Ceará acredita que leva alguma vantagem na disputa por dispor da reserva de urânio de Itataia, em Santa Quitéria, cujo contrato de concessão da exploração já foi assinado com as Indústrias Nu-cleares do Brasil (INB) e a Galvani Mineração.

No momento, a Eletronucle-ar está solicitando à Eletrobrás recursos para financiar a execução

das atividades que compõem o processo de seleção de sítios para essa central nuclear, através da Reserva Global de Reversão (RGR). O cronograma de atividades prevê 20 meses. A primeira fase, que con-siste na seleção das primeiras áreas candidatas, deve ser finalizada em quatro meses, a partir do efetivo início do processo. O valor global estimado no processo de seleção é R$ 20 milhões. Cerca de 15 a 20 áre-as candidatas serão identificadas.

Os sítios remanescentes serão estudados detalhadamente e clas-sificados em ordem de preferência a partir de seus atributos, restando cerca de quatro sítios excelentes, sob todos os critérios que com-põem o processo de seleção. Estes serão levados à decisão política.

ASítio nuclear nordestino vai abrigar duas usinasEntre Salvador e Recife

>> O custo de geração de energia solar é cinco vezes maior do que o da energia de ondas, que tem capacidade equivalente à da energia hidrelétrica;>> A energia solar responde apenas por cerca de 30% dessa mesma capacidade;>> A implantação dos protótipos prevê R$ 1 milhão por parte do Estado e R$ 11 milhões da Agência Nacional de Energia Elétrica (Aneel), >> Uma das vantagens é o seu baixo impacto ambiental

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Sítio nuclear nordestino vai abrigar duas usinas

CiClo de debates

ParticipeINFORMAÇÕES:

Editora Assaré (85) 3254.4469 www.nordestevinteum.com.br

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o livro A GRANDE ARTE DE ESTRIGAS constitui um depoi-mento memorial e, em se tratando do personagem que é, a desvendar seus labirintos e mundivivências. É também um contributo inestimável para a preservação da memória sobre a arte praticada entre os cabeças-chatas. ela não tem pátria e, a rigor, não tem naturalidade geográfica, a não ser pela circunstancialidade de que quem a produz, está em um determinado espaço. mas, ela nasce do espírito, que sopra onde quer. É essa liberdade plena que encontramos no fazer artístico de nilo de brito Firmeza, cujo nome se faz universal quando falamos de Estrigas. um pseudônimo que transpõe fronteiras e assoma no universo das artes plásticas cearenses e brasileiras como uma de suas mais

trazer para o ceará o primeiro selo de indicação geográfica que denomina a origem do cultivo de camarão. o selo é emitido pelo inpi, agrega valor ao camarão produzido na região da costa negra (litoral oeste do estado), e proporciona aos produtores o reconhecimento do merca-do. esse é um dos principais objetivos do i Festival internacional do camarão e do i encontro do arranjo produtivo local da carcinicultura no litoral oeste, que ocorre de 26 a 29 de novembro, na Fazenda cacimbas, localizada em acaraú, a 250 km de Fortaleza. o evento também quer incentivar a produção, discutir e viabilizar o aumento de exportações do crustáceo. haverá cursos, oficinas de capacitação, workshops, palestras, mesas redondas, festival gastronômico e shows. o encontro terá como tema “a cadeia produtiva do camarão cultivado: inovação, meio ambiente e competitividade, visando a sustentabilidade do setor”. o evento reunirá produtores, técnicos, empresários e chefs de cozinha nacionais e internacionais que irão levar ao público o que de melhor pode ser feito na culinária mundial com o camarão.

Arquiteto por profissão, mas também um exímio arquiteto de versos e ritmos. Sabe fazer letras de música com a mesma maestria com que domina a prancheta. O compositor cearense Sílvio Barreira já gravou vários CDs, o último dos quais Depois do Fim, em parceria com outros nomes de cancha, entre os quais Paulo Fa-çanha, Joaquim Ernesto, Márcio Resende, Ciribáh Soares e Roberto Flávio. Român-tico, permeia as composições de Depois do Fim sem a pieguice desenxabida. As composições são firmes, lúcidas, a carregar uma intensa luz de sol de verão.

ÀS RAIAS DO ABSTRACIONISMO, O TRANSBORDAR DE EMOÇÕES

SÍLVIO BARREIRA, “DEPOIS DO FIM”

[email protected]

preeminentes personalidades. essa memória crítica que está em A Grande Arte de Estrigas é o resultado de entrevistas realizadas pelo professor gilmar de carvalho com o artista em várias tardes de delei-tosos bate-papos no ateliê/museu do mondubim, bairro fortalezense onde o nonagenário pintor vive e reina intensamente no trono de sua grande arte. segundo pedro eymar barbosa costa, diretor do museu de arte da uFc, sua pintura, notadamente a paisagem, contém de forma clara a interferência das tensões criadas pelo modernismo ao abrir caminho para a expressão, tão bem ilustrada em

barrica, e para a plástica, a exemplo de bandeira. por isso, para zenon barreto, há em estrigas “um abandono total de todos os cânones que leva a maioria de seus trabalhos às raias do abstracionismo, e um transbordamento de emoções que se derrama sobre o papel num lirismo cromático comovedor.”

I fESTIvAL InTERnACIonAL Do CAMARão no CE

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Cabelos de Sansão saiu em LP no ano de 1982, pelo selo Lira Pau-listana. Hoje é um álbum remasterizado e lançado em CD pelo selo Sara-vá Discos, do cantor e compositor Zeca Baleiro. Acompanhado aos vio-lões por Felipe d’’Ávila e Cid Campos (parceiro na canção ‘Estrela do Mar’), que participaram das gravações deste disco histórico, Cabelos de Sansão foi o segundo lançamento do Lira Paulistana, logo depois de Beleléu, de Itamar Assumpção. No final dos anos 80, Zeca Baleiro encontrou numa loja em Botafogo, no Rio, um velho LP, com um cabe-ludo nu cavalgando um leão na capa. Na agulha,

revelava-se para o maranhense uma sonoridade inovadora. O tal cabeludo era Tiago Araripe. De lá para cá, Zeca não descan-sou enquanto não o encontrou pessoalmente. Tornaram-se parceiros, e tempos depois resolveram relançar o bolachão.

Cabelos de Sansão traz versão de Little Wing, de Jimi Hendrix, criada especialmente para o disco por Augusto de Campos, e tem a participação de nomes como Itamar Assumpção, Tetê Espíndola, Vânia Bastos, Oswaldinho do Acordeon e o len-dário Tony Osanah, entre outros. Hoje publicitário de destaque da agência Link – Comunicação e Propaganda, em Recife, Tiago, segundo Zeca, “à revelia de sua modéstia, é um mestre a quem se deve tributo”.

PARA A ESTANTEPARA ouvIRSaravá para os mágicos Cabelos de Sansão, de Tiago Araripe

ÁfRICA E AMÉRICA

O médico Napoleão Tavares Neves é uma múlti-pla personalidade literária dos verdes vales caririenses. Historiador a perquirir com rigor cartesiano os fatos que fazem a história da região. Revela-se, de igual modo, cronista de escola quando se empenha em contar os causos que marcaram os fundamentos da rústica mundivivência. Dos personagens que permeiam a história regional nos longes dos anos, iniciada pelo jornalista João Brígido com seus Apontamentos para a História do Cariri. Por agora, em bem cuidada edição, o “doutor” presenteia a comunidade com um livro de crônicas cangaceiras as quais intitulou de Cariri-Cangaço, Coiteiros e Adjacências. Trata-se de relatos resultantes de suas elucubrações de pesquisador, escritos em linguagem leve e escorreita. Os causos, em grande parte, lhes foram transmitidos pela oralidade, narrados por protagonistas dos fatos ou que deles tomaram conhecimento através de persona-gens de centro do furacão. Homens e mulheres a vivenciarem período de conflitos inimagináveis, em que a solução era pela diplomacia da ponta do punhal ou sob o império do bacamarte.

CRÔnICAS Do IMPÉRIo DoS PunHAIS E BACAMARTES

a companhia das letras acaba de reeditar o cinqüentenário livro Formação Econômica do Brasil, obra maior de Celso furtado. em edição de luxo, com direito a capa dura e caderno de fotos, a obra traz introdução do historiador Luiz felipe de Alencastro e fortuna crítica que vai do historiador nelson Werneck Sodré na época do lançamento a um estudo crítico do economista Mauri-cio Coutinho, de 2008.

mas o maior destaque dessa reedição vai para os documen-tos que reconstituem a biografia do clássico. um conjunto de resenhas e introduções à obra que ajudam a ratificar Formação Econômica do Brasil como um dos mais importantes livros de história econômica já escritos. todo o material foi organizado pela esposa do sociólogo, a presidente do centro celso Furtado, rosa d`aguiar Furtado.

segundo o próprio celso, sua idéia original era a de que o livro explicasse o país aos não brasileiros. acabou que o brasil também pôde se entender melhor. a obra destaca a história econômica do país, dos primórdios da colonização à industrialização do século passado e mostra um brasil não de ciclos econômicos estanques, mas de ciclos inter-relacionados e adequados à conjuntura mundial.

“um dos grandes livros tanto da literatura das ciências sociais brasileiras quanto da literatura do desenvolvimento em geral”, afirmou o economista americano especialista em economia brasileira, Werner baer. o lançamento da nova edição de Formação Econômica do Brasil ocorreu no seminário internacio-nal desenvolvimento regional do nordeste, em recife.

O documentário Ori, da cine-asta e socióloga Raquel Gerber, completa 20 anos de lançamento com a chegada aos cinemas de cópia digital restaurada e versão em DVD. O filme expõe as ligações entre a cultura africana, em parti-cular dos povos de língua yorubá do oeste da África, e os vários mo-vimentos de negros nas Américas. Um ensaio sobre as raízes africanas na cultura nacional. Imperdível.

DoCuMEnTÁRIo oRI CoMEMoRA 20 AnoS CoM LAnçAMEnTo DE DvD

foRMAção EConÔMICA Do BRASIL

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Graciliano Ramos: leitor d ealmas, sem panfletos e culpas

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ncravado no norte de Alago-as, em parte da microrregião de Palmeira dos Índios, anti-

gamente denominada de “Zona da Mata”, o município de Quebrangulo, a 120 quilômetros da capital Ma-ceió, em certa medida, talvez ainda tenha muito que lutar para divisar-se daqueles lugares comuns, clichês mesmo: “município nordestino, in-clemências do clima, miséria”.

Distingue-se na paisagem por ser todo entrecortado por pontes sobre os rios Paraíba do Meio e o Quebrangulinho, o que dá um as-pecto agradável a todos que o vi-sitam. Por possuir várias pontes a cortar o centro do município, deno-minaram-no de “Veneza Alagoana”. Além das igrejas, casas que formam um conjunto arquitetônico, estilo barroco do Brasil Colonial.

Mesmo sem obedecer a um pla-nejamento desde a povoação, as ruas são quase retilíneas e simétricas; tal-vez remetendo a uma ordem estética. Seguem direção em forma de cruz, o

que lembra o sentimento de religio-sidade de sua gente.

Hoje, na página do site oficial da prefeitura municipal, o slogan “Quebrangulo. Terra da Cultura”. Um aspecto remissivo à política de valorização de suas tradições popu-lares; sobretudo os folguedos que se mantêm vivos até hoje, como o Bumba-meu-Boi e o maracatu Nêga da Costa. Com mais de um século de existência, o local ainda não é de-senvolvido o suficiente para atrair e fixar mais habitantes. No Censo de 2007, a população do município era de pouco mais de 11 mil pessoas.

Quebrangulo hoje talvez fosse mais um secular e anônimo pedaço de terra esquecido pelo restante do Brasil caso não registrasse um filho ilustre, que faria o nome da cida-dezinha ultrapassar as fronteiras de Alagoas e do Brasil. Foi lá que, em 27 de outubro de 1892, apenas dois anos após a fundação do município, veio ao mundo o escritor Graciliano Ramos. A partir daí, as histórias de

LITERATuRA

Por Dháfine Mazza / [email protected]

Graciliano Ramos: leitor d ealmas, sem panfletos e culpas

Quebrangulo e da literatura brasilei-ra estavam marcadas para mudar.

Com narrativas que falam de for-ma concisa e profunda da realidade social nordestina, marcada pela seca e pela miséria, da personalidade e do gênero humano, Graciliano Ramos conquistou admiradores no Brasil e no exterior.

“Para a literatura brasileira, ele é fundamental. É um dos grandes escri-tores de sua geração. Ao contrário de alguns dessa época, não transforma sua literatura em simples engajamen-to, em panfleto ou denúncia pura e simples”, afirma a professora adjunta do Departamento de História da Uni-versidade Federal do Ceará (UFC) e doutora em Ciências Sociais pela Universidade Federal Rural do Rio de Janeiro, Ana Amélia de Moura Caval-cante de Melo, que estuda o autor e sua obra há 15 anos.

Para a pesquisadora, a obra de Graciliano Ramos permanece atu-al pela intensidade com que o au-tor aborda as questões da seca, da miséria e das angústias humanas. “Como todo bom escritor, é inteira-mente atual pelos temas que coloca, pela intensidade e por sua estética e narrativa. Sua literatura explorou ao limite as relações possíveis entre o homem, o meio físico e a socieda-de. Você pode datar essa produção especialmente pela preocupação de tematizar essa realidade do Nordes-te. Foi essa uma preocupação muito acentuada entre os escritores dessa geração, porém a profundidade dos personagens, o drama interior, a ten-são que a experiência desses perso-nagens gera, têm um alcance muito amplo, não perde vigor”, diz.

Prova disso é que estudos sobre a obra do autor continuam sendo feitos por diversos pesquisadores de todo o país. Somente nos últimos três anos, foram realizadas mais de 24 teses e dissertações sobre a obra do escritor. Os estudos vão desde análises dos personagens dos livros à visão do autor sobre o mundo e o seu modo de escrever.

Com estatura intelectual, moral e estilística suficientes para livrar sua literatura dos ranços político-ideológicos, a obra de Graciliano Ramos e a intensidade de seus sertões continuam

a mexer, e muito, com o presente dos dramas humanos. Pesquisadores de todo o país persistem a rebuscar um autor que narrava quase sem palavras, transformando o conteúdo em forma, onde a “secura” de estruturação da arte de contar primava mais por “dizer” do que por “falar”.. Nada menos do

que 24 teses e dissertações sobre a obra do escritor foram apresentadas nos últimos três anos. A maioria dos enfoques a

recair sobre personagens, visões de mundo do autor e seu modo de escrever. Prova também de que a memória de Graciliano não

anda tão apagada em muitos pedaços do seu próprio chão

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Uma das princi-pais características do texto de Graciliano Ramos é a objetivida-de e a simplicidade no modo de escrever, o que não implica a obten-ção de um texto pobre, muito pelo contrário. “A narrativa de Graciliano ilumina o conteúdo de seus romances, ele faz a crítica social incor-porada ao modo de narrar e, o que pa-rece paradoxo, quase sem palavras. Ele transforma todo seu conteúdo numa forma, numa estrutura narrativa seca,

Graciliano Ramos conheceu a dura face da vida ainda na infância, entre os mu-nicípios de Viçosa (AL), Palmeira dos Índios (AL) e Buíque (PE). Nas cidades onde passou, observou as pessoas, decorou gestos, sonhos e visões de mundo que, anos de-pois, seriam empregadas na construção de alguns dos seus personagens. Primogênito de 16 filhos, Graciliano precisou lidar com a falta de afeto dos pais, pessoas amarga-das pela trajetória de vida.

A imagem dos genitores, Sebastião Ramos de Oliveira e Maria Amélia Ferro Ramos, ficou marcada fortemente na mente e na alma de Graciliano Ramos, de maneira tão forte que nem o tempo conseguiu esmaecer. Já adulto, descreveu o pai: “Um homem sério, de testa larga (...), dentes fortes, queixo rijo, fala tremenda”. Da mãe, o autor escreveu: ““Uma senhora enfezada, agressiva, ranzinza, sempre a mexer-se, várias bossas na cabeça mal protegida por um cabelinho ralo, boca má, olhos maus que em mo-mentos de cólera se inflamavam com um brilho de loucura”, ente difícil que na harmonia conjugal “se amaciava, arredondava as arestas, afrouxava os dedos que batiam no cocuru-to, dobrados, e tinham dureza de martelos”. As memórias dessa época foram retratadas no livro Infância, onde o autor descreve o duro início de vida possível que teve.

Iluminação d os conteúd os pela forma d e contardura, que fala através do si-

lêncio, dos interstícios da fala dos seus personagens,

dos poucos gestos”, afir-ma a pesquisadora.

No ano passado, foi comemorado o aniver-

sário de 70 anos de Vidas Se-cas, considerada a principal obra

do autor pela forma como ele retrata a miséria do povo nordestino e a influ-ência do meio social na personalidade das pessoas, apresentando persona-gens humanos mais próximos de ani-mais e animais humanizados. Por oca-

sião das comemorações, a Editora Record lançou uma edição especial do livro, com fotos do renomado fotó-grafo Evandro Teixeira, que percorreu durante dez dias o sertão nordestino, cenário da vida de Graciliano Ramos e de seus personagens.

Mas, até se tornar o escritor in-ternacionalmente famoso, Graciliano Ramos provou o sabor amargo da vida dos quase condenados ao esqueci-mento. Sabor este que mais tarde seria transferido para as suas obras e seus personagens, que possuem muito do próprio autor.

RoMances

Infância nômad e, riqueza d e mundos, afetos d e menos

Cr onologia das principais obras d e Graciliano Ramos1933

Caetés1934

São Bernardo1936

Angústia1939 – A Terra dos Meninos Pelados

1938Vidas Secas

Sebastião Ramos de Oliveira, pai de Graciliano, 1908 >>

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Talvez pela falta de amor no lar, Graciliano Ramos tenha se dedicado com tanta paixão ao recato e recantos da escrita des-de cedo. Com 12 anos, fundou em Viçosa, o jornal Dilúculo, dedicado ao público infantil. Posteriormente, passou a es-

crever para o jornal Echo Viçosense. Entre 1906 e 1913, Graciliano Ra-mos também colabo-

O homem de hábitos simples, que detestava rádio, telefone, campainhas e pessoas que falavam alto atuou como comerciante, jornalista e político, sendo eleito prefeito de Palmeira dos Índios em 1927, função que abandonou em 1930, quando se transferiu para Maceió, onde foi nomeado diretor da Imprensa Oficial.

Três anos depois, Graciliano Ramos lançou seu pri-meiro livro: Caetés, obra que já trazia consigo as caracte-rísticas que marcariam toda a obra do autor. Em 1934, Graciliano lançou São Bernardo, considerado um dos romances mais densos da literatura brasileira, uma vez que o social e o psicológico se fundem na obra, resultan-do em uma análise profunda das relações humanas.

PRecocIDaDe

Jornalismo d esd e criança

Das letras e d o comér cio à política, homem d e hábitos simples

rou com a revista carioca O Malho e com os jornais Correio de Maceió e Jornal de Alagoas, onde publi-cava sonetos sob diferen-tes pseudônimos, como Feliciano de Olivença, Soeiro Lobato e Soares de Almeida Cunha.

Mas, Graciliano Ra-mos queria ir mais longe e, em 1914, embarcou para o Rio de Janeiro,

1942 – Brandão entre o mar e o amor

1944 – Histórias de Alexandre

1946 – Histórias Incompletas

1947Insônia

1945Infância

onde trabalhou como revisor de pro-vas tipográficas nos jornais cariocas

Correio da Manhã, A Tarde e O Século. No ano seguinte, Gra-

ciliano voltou para Palmeira dos Índios, onde traba-lhou como comerciante e jornalista.

Máquina de escrever do gabinete de Graciliano, quando prefeito, 2002

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1953 – Memórias do Cárcere

1954Viagem

1962Linhas Tortas

1962 – Viventes das Alagoas

Em março de 1936, Graciliano Ramos foi preso, acusado de ligação com o Partido Comunista. O fato de a prisão prescindir totalmente de proces-so não evitou a deportação do escritor em um porão de navio para o Rio de Janeiro. Em agosto do mesmo ano, é lançado o livro Angústia, que ganhou o prêmio Lima Barreto, concedido pela Revista Acadêmica.

DécaDa De 30

Comunismo e prisão antes d e Vidas SecasDepois de passar por diversos pre-

sídios e sofrer humilhações de toda sor-te, Graciliano Ramos foi libertado em janeiro de 1937. A experiência resultou no livro Memórias do Cárcere, publica-do postumamente em 1953.

No ano de 1938, Graciliano lança Vidas Secas, livro que conta a história de quatro pessoas e uma cachorrinha que se arrastam em uma peregrinação

silenciosa em meio à paisagem hostil do sertão nordestino. “Em Vidas Secas, pouco se fala, são os animais os mais eloqüentes, como a cadela Ba-leia. No entanto, esse mutismo é profundamente expressivo. Ele consegue realizar isso de maneira belíssima”, ana-lisa Ana Amélia de Moura Caval-cante de Melo.

Apesar de os temas áridos de seus primeiros livros irem de en-contro à visão pro-tetora e humana que s e tem hoje da infância, Graciliano Ramos escreveu, em 1939, o livro infantil A Terra dos Meninos Pe-lados. “Suas histórias infantis são fundadas nas mesmas experiências da vivência no sertão do Nordeste, no entanto, partem de um ponto de vista da realidade de uma criança. É um mundo de fantasias, de histórias inventadas, porém nele está toda a referência da infância do próprio Graciliano”, explica Melo. A Terra dos Meninos Pelados recebeu o prê-mio Literatura Infantil, concedido pelo Ministério da Educação.Retirantes de Cândido Portinari

56 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Em 1942 publica o romance Bran-dão entre o mar e o amor, escrito em

parceria com Jorge Amado, José Lins do Rego, Aníbal Machado e Rachel de Queiroz. O autor lança outros livros nos anos seguintes, entre literatura infantil e voltada para o público adulto. O sucesso das obras ultrapassa as fronteiras do Brasil e, em abril de 1952, ele e a esposa, Heloísa Medeiros Ra-mos, viajam à Tchecoslováquia e Rússia, onde teve romances tra-duzidos. O escritor visita também

França e Portugal, retornando ao

Brasil em junho do mesmo ano.A volta ao Brasil coincide com o

descobrimento do câncer no pulmão. Graciliano Ramos viaja para Buenos Ai-res, onde se submete a tratamento. É operado, mas os médicos não lhe dão muito tempo de vida. Em outubro de 1952, quando o autor completou 60 anos, seu aniversário foi lembrado em sessão solene na Câmara Municipal do Rio de Janeiro. Na ocasião, falaram sobre sua obras e personalidades como Jorge Amado, Peregrino Júnior, Miécio Tati, Heraldo Bruno e José Lins do Rego. Em seu nome, falou a filha Clara Ramos. Me-

ses depois, em março de 1953, o autor falece na Casa de Saúde e Maternidade São Vitor, no Rio de Janeiro.

A obra do autor se perpetuou com o lançamento de títulos iné-ditos, como Memórias do Cárcere e Viagem, e a publicação de seus livros em outros países. Em 1963, dez anos depois da morte de Graciliano Ra-mos, Vidas Secas foi adaptado para o cinema, obtendo reconhecimento internacional. Em 1980, foi a vez do livro São Bernardo, e três anos depois, a de Memórias do Cárcere ganhar sua versão para o cinema.

A temática de Graciliano Ramos, marcada pela injustiça social, miséria, fome, desigualdade e seca, ainda faz parte da realidade de milhares de brasileiros. Mesmo tipo de cenário onde o atual presidente do Brasil, Luiz Inácio Lula da Silva, nasceu e passou parte da infância. Assim como mui-tos nordestinos e o próprio Gracilia-no, Lula, nascido em Caetés, distrito de Garanhuns (PE), teve uma infân-cia pobre e difícil.

Com apenas sete anos de ida-de, viaja com a mãe e os irmãos em um “pau-de-arara” até São Pau-

lo para encontrar o pai. Essa e outras passagens da vida de Lula, desde seu

Sucesso internacional, câncer e ad eus aos 60 anos

Graciliano, Lula e a cara d o Brasil

1962 – Alexandre e outros heróis

1980Cartas

1984O estribo de prata

1992Cartas à Heloísa

MoRte

cIneMa

nascimento até se tornar presidente do Brasil, são contadas no filme Lula, o filho do Brasil, dirigido por Fábio Barreto. Estreia prevista para o início de 2010, o filme é baseado no livro homônimo da jornalista Denise Para-ná, ex-assessora do pre-sidente.

A obra conta como o imigrante nordestino trabalhou para vencer as dificuldades da vida, se tornou líder sindical, co-fundador do Partido dos Trabalhadores (PT) e conseguiu conquistar o cargo de presidente

da República após se candidatar cinco vezes. O primeiro presidente pernam-bucano do Brasil é considerado hoje pela revista americana Newsweek a 18ª pessoa mais poderosa no mundo.

O filme reúne ato-res renomados, como Glória Pires, que fará o papel da mãe de Lula, dona Lindu, e também pouco conhecidos do público, como Rui Ricar-do Dias, dentre outros atores que também in-terpretam o presidente em diferentes fases da sua vida.

57Setembro/2009Nordeste VinteUm

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O ChãO de GRaCIlIanOMais informações: Editora Tempo d’Imagem(85) 3262 2398/ 9994 0094 (Tiago Santana)(11) 9358 7036/ 3862 1098 (Isabel Santana)e-mail: [email protected]

PRêMIo conRaD Wessel

O Chão d e Graciliano, um lux o d e arte-r eportagem

O livro de arte-reportagem, O Chão de Graciliano, editado pela Tempo d’Imagem, mostra, em texto de Audálio Dantas e fotografias de Tiago Santa-na, a região de nascimento e criação literária de Graciliano Ramos.

Com versão em inglês e espanhol, é resultado de viagens ao sertão de Alagoas e Pernambuco, a partir de 2002, quando Tiago Santana realizou o primeiro ensaio fotográfico para a exposição “O Chão de Graciliano”, em 2003 (Sesc Pompéia, em São Paulo), considerada a mais importante até hoje realizada sobre a vida e a obra do escritor.

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iago

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58 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Os autores do livro têm em co-mum a origem nordestina. O jornalis-ta Audálio Dantas nasceu na pequena cidade de Tanque d’Arca, Alagoas, a poucos quilômetros de Quebrangulo, terra natal de Graciliano. Seu texto, uma reportagem literária, registra o tempo e o espaço do escritor em sua região. O passado e o presente muitas vezes se confundem, pois em muitos aspec-tos as condições do homem que nela vive permanecem pratica-mente as mesmas.

Cearense do Crato, o fotógrafo Tiago Santana cres-ceu vendo os romei-ros que buscavam milagres em Juazei-ro, cidade do Padre Cícero, ali perto.

Como a obra de

Os autor esGraciliano, o ensaio fotográfico de Tiago é centrado na figura do ho-mem, tendo a paisagem como mero pano de fundo. Na apresentação do livro, o jornalista Joel Silveira afir-mou: “O chão percorrido pelo fotó-grafo é o mesmo sobre o qual Gra-ciliano construiu a sua literatura, mas não é a paisagem, a terra qua-

se sempre dura e seca, que Tiago recolhe em sua câmera; o que ele registra é o homem que nela vive, sobrevive ou dela se retira quando de todo perde a esperança – eterno Fabiano”.

Pelo ensaio fotográ-fico de O Chão de Gra-ciliano, o fotógrafo Tiago Santana ganhou recen-temente o Prêmio Con-rado Wessel, o maior prêmio de Ciência, Cul-

tura e Arte do Brasil.

A Tempo d’Imagem é uma editora especializada em livros de f o tog r a f i a . Criada no Ceará, a edi-tora desen-volve projetos editoriais de documen-tação do Brasil, sempre trabalhando em parceria com renomados fotógra-fos de vários pontos do país. Além de obras documentais, a Editora Tempo d’Imagem investe em trabalhos auto-rais divulgando um panorama da foto-grafia brasileira contemporânea.

Em 2008 a Associação Paulista de Críticos de Arte, (APCA) concedeu o prêmio Melhores do Ano de 2007, ao livro O Chão de Graciliano na categoria Literatura/Reportagem. Audálio Dantas >>

Tiago Santana >>

59Setembro/2009Nordeste VinteUm

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EnTREvISTA

Unidade a ser instalada em Eusébio, município da região Metropolitana de Fortaleza, vai atrair investimento de empresas do setor. Com

orçamento de R$ 2 bilhões e 918 doutores em 2008, a Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz) toma decisão de implantar unidade no Ceará, o que equivale na área do conhecimento, a receber uma siderúrgica ou refinaria. Além de produzir vacinas, medicamentos e recursos

diagnósticos e investir R$ 151,762 milhões, somente no ano passado, em pesquisa e desenvolvimento tecnológico, a Fiocruz foi instituição

capaz de oferecer 18 cursos de mestrado acadêmico, 11 de mestrado profissional e 17 de doutorado no período entre 2005 e 2008

VAI INSTALAR POLO INDUSTRIAL E TecnoLógicodeSaúdenoceará

Por Flamínio Araripe / [email protected]

PAuLo ERnAnI GADELHA vIEIRA

aplicação do conhecimento na geração de produtos para o Sistema Único de Saúde (SUS) de modo a evitar a importação de insumos e ampliar a sua base

de cobertura territorial é assunto estratégico para o país. A iniciativa consubstancia o Programa Mais Saúde, estratégia do setor saúde para o Programa de Aceleração do Crescimento (PAC) do governo federal, que prevê nas ações da Fiocruz orçamen-to de R$ 1,016 bilhão no Plano Plurianual (PPA) e R$ 1,86 bilhão para expansão.

Os recursos são destinados à implantação do Centro de Desenvolvimento Cien-tífico e Tecnológico e à estruturação de cinco novas unidades da Fiocruz (Rondônia, Piauí, Ceará, Mato Grosso do Sul e Paraná). Vão financiar também a implantação de biotérios (lugar onde se conservam animais vivos para estudos experimentais), o aumento da produção de medicamentos pelos laboratórios oficiais e o atendimen-to a 80% das necessidades do Programa Nacional de Imunizações, envolvendo o domínio do ciclo tecnológico das vacinas do PNI.

FioCruz

aPaulo Gadelha, presidente da Fiocruz

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60 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Nordeste VinteUm — O que deter-mina e quais os planos da Funda-ção Oswaldo Cruz (Fiocruz), para ter uma unidade no Ceará? Paulo Ernani Gadelha Vieira — O Programa Mais Saúde, do Ministério da Saúde, prevê a instalação de novas unidades da Fiocruz em Mato Gros-so do Sul, Rondônia, Piauí e Ceará, além do Paraná, onde já inauguramos o Instituto Carlos Chagas (ICC). A presença da Fiocruz no Centro-Oeste, Norte e Nordeste contribuirá para a desconcentração regional e para o desenvolvimento do comple-xo econômico-industrial da Saúde. A implantação de unidades com ca-pacidade de produção científica e tecnológica em Saúde nessas regiões é fator importante para o desenvol-vimento: além de ampliar a geração de conhecimentos e tecnologias ca-pazes de melhorar as respostas do setor Saúde aos problemas regionais da população brasileira, contribui para o desenvolvimento econômico, fixando trabalhadores especializados nas várias regiões e fomentando a ca-deia de produção, com participação do setor produtivo regional e local. A instalação da Fiocruz em outros es-tados tem como objetivos, ainda, es-tabelecer novos objetos de pesquisa relacionados aos quadros ambiental e epidemiológico de cada região e otimizar a cooperação regional entre os setores acadêmico e empresarial. NVU — Qual o investimento da pró-pria Fiocruz e dos parceiros para instalar a unidade no Ceará? PEGV — O Governo do Estado do Ceará tem sido um grande parceiro. Inicialmente, ele já adquiriu o ter-reno, no valor de cerca de R$ 3,2 milhões. E acabou de assinar um convênio para repassar à Fiocruz,

até o final de 2010, o valor de cer-ca de R$ 1,4 milhão, para apoiar na preparação do projeto da unidade. Quanto aos investimentos da Fio-cruz, ela mantém desde fevereiro de 2009 um escritório no Ceará, que funciona no prédio Torre Saúde do Hospital São Mateus, e promo-ve o intercâmbio de profissionais e iniciativas para a estruturação das ações da fundação no estado. A Fiocruz também construirá e man-terá as instalações de sua unidade no terreno que será doado pelo Go-verno do Ceará. Uma vez instalada, ela será mantida por meio do orça-mento regular da Fiocruz e otimiza-da, contando com todo o suporte e competência técnica hoje existentes na fundação.

NVU — Onde ficará sediada a base da Fiocruz? Por que foi escolhido este local? Qual o cronograma da realização do projeto? PEGV — A unidade estará no muni-cípio de Eusébio, contínuo à capital Fortaleza. Eusébio é um município importante, em desenvolvimento integrado à Região Metropolitana de Fortaleza, e as autoridades locais têm apoiado a iniciativa. A unidade disporá de 11,4 hectares e está situ-ada em um terreno com área total de 50 hectares, onde se desenvolve-rá um polo industrial e tecnológico de Saúde. A área selecionada foi a mais próxima disponível com esse tamanho e capacidade de atender às demandas do polo, para o qual a unidade da Fiocruz servirá de ânco-ra. Após a desapropriação do terre-no, autorizada pelo juiz em outubro deste ano, e sua doação oficial à Fiocruz, que esperamos ocorrer ago-ra em novembro, a fundação fará o desenvolvimento do seu projeto.

Nesta entrevista, o presidente da Fiocruz, o médico cearense Paulo Ernani Gadelha Vieira, mestre em Medicina Social e doutor em Saúde Pública, confirma a decisão de instalar a unidade em área de 11,4 hectares no Eusébio. O terreno dispõe de 50 hectares no qual será desenvolvido um Polo Industrial e Tecnológico de Saú-de, tendo a Fiocruz como âncora para atração de empresas do setor. Tão logo ocorra a doação do terreno para o nome da Fiocruz – o que está sendo esperado para no-vembro, disse Paulo Gadelha, “a Fundação fará o desenvolvimento do seu projeto”.

61Setembro/2009Nordeste VinteUm

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NVU — Que instituições e atividades locais realizadas com afinidade às da Fiocruz somaram para a decisão de instalar uma base no Ceará? PEGV — Estão participando das dis-cussões preparatórias do projeto da unidade: o Governo do Estado do Ceará, por meio das secretarias de Saúde e de Ciência e Tecnologia e da Agência de Desenvolvimento Eco-nômico (Adece); a Universidade Fe-deral (UFC) e as três universidades estaduais; as escolas de Saúde Públi-ca do Ceará e a de Iguatu; a Escola de Formação em Saúde da Família de Sobral; a Secretaria de Saúde de Fortaleza; o Cossems/CE (Conselho de Secretarias e Secretários Muni-cipais de Saúde do Ceará); e a Federação das Indústrias do Ceará (FIEC). A partir de julho deste ano, junta-ram-se ao debate as uni-versidades federais e es-taduais do Rio Grande do Norte, Piauí e Maranhão, especialmente no Projeto do Mestrado Profissional em Rede em Saúde da Família. NVU — Por que a esco-lha do Ceará? PEGV — Inicialmente, a instalação da unidade no Ceará reforça a presen-ça da Fiocruz no Nordeste, onde a fundação já possui duas unidades: o Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz (CPqGM/Fio-cruz Bahia) e o Cen-tro de Pesquisa Aggeu Magalhães (CPqAM/Fiocruz Pernambuco). Destaca-se que o Ceará tem relevante dimensão po-lítica e econômica, papel estratégico para o desen-volvimento regional e acumula notórias com-petências acadêmicas e experiências em saúde pública. Soma-se a isso o decisivo apoio e manifesta-

ção de interesse do Governo do Es-tado, com o envolvimento direto do governador Cid Gomes. A instalação de uma unidade da Fiocruz no Ceará fortalecerá ainda mais a capacidade do Nordeste de produção científica e tecnológica em Saúde. São impor-tantes no Ceará, especialmente para a Fiocruz, o desenvolvimento da Estra-tégia de Saúde da Família, o estudo de fitofármacos e o desenvolvimento farmacológico. NVU — De que modo a Fiocruz pode somar com o surgimento ou a ins-talação de novas empresas de base tecnológica?

PEGV — A atuação da Fiocruz é a mais abrangente na

área da Saúde: ela de-senvolve atividades de pesquisa, desen-volvimento tecno-lógico, inovação, produção, ensino e

atenção à Saúde. Ou seja: a instituição par-

ticipa de todas as etapas da cadeia da Saúde, desde a pesquisa bá-sica até a transfor-mação dos conhe-cimentos científicos em produtos, pas-

sando pela prestação de serviços de referên-

cia e pela formação de re-cursos humanos, visando promover a saúde e a cidadania das popu-lações, sobretudo das mais pobres. A Fiocruz é estratégica para o Es-

tado brasileiro na área da Saúde: ao servir de âncora

para o fortalecimento do complexo econômico-industrial da Saúde, a Fundação coloca as prioridades so-ciais como nortea-doras do projeto de

desenvolvimento eco-nômico.

NVU — Quais as atividades da Fio-cruz na região Nordeste hoje? Há possibilidade de expansão para consolidar a Rede Nacional de Ci-ência e Tecnologia em Saúde, a exemplo do Ceará e Piauí? PEGV — A unidade do Ceará tem como objetivos principais fortalecer a atenção primária à Saúde e a Estraté-gia de Saúde da Família; atuar na área de pesquisa, desenvolvimento e inova-ção em fitofármacos; e realizar pesqui-sas científicas direcionadas à realidade ambiental e epidemiológica regional e local. A Fiocruz já conta com duas unidades instaladas no Nordeste: o Centro de Pesquisa Gonçalo Moniz (Bahia) e o Centro de Pesquisa Aggeu Magalhães (Pernambuco), bastante consolidados, com alto índice de pro-dutividade e uma importante atuação na formação de recursos humanos, por meio dos cursos de pós-graduação. No CPqGM, destacam-se pesquisas sobre Doença de Chagas, esquistossomose, leishmaniose, HIV/HTLV, HCV, ane-mia falciforme, meningites, leptospiro-se e, mais recentemente, estudos sobre doenças crônico-degenerativas e célu-las-tronco. Os trabalhos resultam em produtos e processos de interesse em Saúde pública, como, por exemplo, o desenvolvimento de um teste diagnós-tico para a leptospirose e a identifica-ção de antígenos com potencial para a produção de vacinas para leptospirose e leishmaniose. O CPqAM é Centro Colaborador da OMS na área de Saú-de e ambiente; referência nacional em filariose, peste e controle de culicíde-os vetores (mosquitos transmissores de doenças); e referência regional em doenças como Chagas, hantaviroses, leishmaniose e esquistossomose. Des-tacam-se, ainda, projetos para aprimo-rar vacinas e aperfeiçoar métodos de diagnóstico para doenças infecciosas e parasitárias. Também já está prevista a implantação de uma unidade da Fio-cruz no Piauí, que fará estudos sobre biomas, doenças infecciosas e saúde materno-infantil, entre outras áreas.

NVU — Há informação de que em-

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Promover a saúde e o desenvolvimento social, gerar e difundir conhecimento científico e tecnológico, ser um agente da cidadania. Estes são os conceitos que pau-tam a atuação da Fundação Oswaldo Cruz (Fiocruz), vinculada ao Ministério da Saúde, a mais destacada instituição de ciência e tecnologia em saúde da América Latina.

Criada em 25 de maio de 1900 — com o nome de Instituto Soroterápico Federal —, a Fiocruz nas-ceu com a missão de combater os grandes problemas da Saúde Pública brasileira. Para isso, moldou-se ao longo de sua história como centro de conhecimento da realidade do País e de valorização da medicina experimental.

Hoje, a instituição, vinculada ao Ministério da Saú-de, abriga atividades que incluem o desenvolvimen-to de pesquisas; a prestação de serviços hospitalares e ambulatoriais de referência em Saúde; a fabricação de vacinas, medicamentos, reagentes e kits de diagnóstico; o ensino e a formação de recursos humanos; a informa-ção e a comunicação em Saúde, Ciência e Tecnologia; o controle da qualidade de produtos e serviços; e a implementação de programas sociais. São mais de 7.500 servidores e profissionais com vínculos variados, uma força de trabalho que tem orgulho de estar a serviço da vida.

DEMOCRACIA E DIVERSIDADE. A Fiocruz tem sua base fincada num campus de 800.000 m2 no bairro de Manguinhos, Zona Norte do Rio de Janeiro. Em torno dos três históricos prédios do antigo Instituto Sorote-rápico Federal — o Pavilhão Mourisco, o Pavilhão do Relógio e a Cavalariça —, funcionam dez de suas 13 unidades técnico-científicas e todas as unidades de apoio técnico-administrativas. Outras cinco unidades situam-se nas cidades do Rio de Janeiro, Belo Horizonte, Salvador, Recife e Manaus.

Afora essas unidades fixas, a Fiocruz está presente em todo o território brasileiro, seja através do suporte ao Sistema Único de Saúde (SUS), na for-mulação de estratégias de Saúde Pública, nas atividades de seus pesquisa-dores, nas expedições científicas ou no alcance de seus serviços e produtos em Saúde.

O congresso Interno, composto por cerca de 300 dirigentes e dele-gados eleitos pelas unidades, é a instância máxima de representação da instituição. Sob a coordenação do presidente da Fiocruz, o grupo se reúne para deliberar sobre assuntos estratégicos, como projetos institucionais e alterações no regimento interno e no estatuto

Fonte: Portal Fiocruz ( www.fiocruz.br )

presas já manifestaram intenção de se instalar num pólo de fitofármaco a ser instalado no Eusébio. Como o senhor analisa esta concentração de empreendimentos neste seg-mento e numa proximidade geográ-fica da Fiocruz? PEGV -— Na verdade, não se trata de um polo de fitofármaco, mas de um polo de tecnologia em Saúde, que reu-nirá empresas de vários ramos. Até o momento, 13 empresas cearenses da área química manifestaram o interesse em participar do novo polo que terá a Fiocruz como âncora. A ideia do polo é aproximar a pesquisa da indústria, fortalecendo os arranjos produtivos lo-cais. Buscamos associar a pesquisa às demandas de mercado, com foco nas prioridades sociais e na redução dos déficits nacionais de autonomia de de-senvolvimento e produção do comple-xo econômico-industrial da Saúde. NVU — Que outros projetos a Fiocruz desenvolverá no Ceará? PEGV — O projeto mais adiantado é o do Mestrado Profissional em rede em Saúde da Família, coordenado pela Fiocruz com envolvimento de 17 instituições do Ceará, Rio Grande do Norte, Piauí e Maranhão. O projeto será discutido agora em novembro em uma oficina do Congresso da Abrasco (Associação Brasileira de Pós-Gra-duação em Saúde Coletiva), em Re-cife, e concluído até março de 2010, quando deverá ser submetido à Capes (Coordenação de Aperfeiçoamento de Pessoal de Nível Superior/Minis-tério da Educação). O Ministério da Saúde está apoiando fortemente essa iniciativa. As questões ambientais são determinantes das condições de Saú-de e a Fiocruz tem compromisso fun-damental com a preservação do meio ambiente. A fundação trabalha para que o polo seja modelo de desenvolvi-mento com preservação ambiental e, por solicitação do Governo do Ceará, contribuirá de modo especial para a seleção dos empreendimentos a serem desenvolvidos no local.

Conheça a FioCruz a serviço da vida

63Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Batalha das Trincheiras, como também é co-nhecido o episódio, ocorreu num tempo de precárias condições de vida, de produção açu-careira desorganizada, de fuga de negros, de

quilombos consolidados em Pernambuco. Em uma das poucas abordagens sobre o fato, o historiador Frei Manoel Calado relata que, em 1646, numerosa tropa de soldados holandeses ao ten-

tar ocupar a vila de Tejucupapo, foi rechaçada pela população, quase sem armas, num combate no qual as mulheres deram o tom da diferença.

Passados mais de 300 anos da Restauração Pernambucana, pouco mudou no pequeno distrito. De roçados de cana-de-açú-car e um manguezal, alguns séculos mais devastados do que o existente no Brasil colonial, extrai-se a substância de algumas

A Batalha para Tejucupapo

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O período de ocupação de Pernambuco pelos holandeses, entre 1630 e 1654, foi um dos mais documentados da história do Brasil. Apesar de vastas e diversificadas bibliografias e documentações visuais, parece contraditório que importantes episódios e personagens dessa etapa da história brasileira – como a Batalha de Tejucupapo, quando ocorreu, pela primeira vez no Brasil, a participação de um coletivo de mulheres em um conflito armado – ainda estejam desconhecidos, sejam pouco investigados ou carentes de registros precisos.

reconhecer heroínas

Por luciana [email protected]

EnSAIo

64 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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dezenas de famílias. A cata de mariscos corta as mãos, prejudica as colunas e corrói a beleza das mulheres descendentes daque-las históricas guerreiras.

Há de se frisar que foi também neste mesmo lugarejo mar-ginal, em pleno século XX, que dona Luzia Maria da Silva, en-fermeira do posto de saúde do lugar, repetia, constantemente, a expressão “sou uma heroína”, desempenhando este papel em todos os seus feitos, sem jamais ter ouvido falar com minúcias sobre batalha ocorrida ali, quando suas antepassadas tiveram importante função na resistência contra a invasão holandesa.

Em 1984, porém, um inesperado problema de saúde sur-giu para mudar sua vida, recuperar a história de Tejucupapo, a identidade de mulheres e elevar a auto-estima de seus con-terrâneos. Acometida de um nódulo em um dos seios, aportou em Recife, onde recebeu o apoio dos médicos e de uma colega enfermeira, que passou a tranquilizá-la sobre seu estado, repe-tindo, constantemente que “toda mulher de Tejucupapo é uma guerreira”. A reafirmação de seu fundamento fez-na estabelecer uma promessa a si mesma: a recuperação de sua saúde em troca da recuperação da história de Tejucupapo, da sua história.

Embora nunca tivesse assistido a um espetáculo cênico “oficial” em toda a sua vida, Dona Luzia arranjava tempo para escrever, dirigir e atuar, criando peças de teatro para propagar os ensinamentos bíblicos. Sua formação artística abraçava “apenas” as manifestações “oficiosas” do povo, como o coco, o pastoril e o bumba-meu-boi, tão presentes e basilares na constituição das sociedades da Mata Norte. O teatro, sem dúvida, foi a manei-ra mais sublime que dona Luzia encontrara para transformar a peleja das mulheres numa realidade restaurada, que passou a acontecer no último domingo de abril, ano após ano, desde 1993 até os dias de hoje, com o nome de A Batalha das Heroínas. A peça tem como protagonistas as próprias mulheres do lugarejo, “atrizes” recrutadas entre donas-de-casa, servidoras públicas e pescadeiras – como são chamadas aquelas que vivem da maré, catando mariscos para a venda na sede do distrito. No teatro, as mulheres trazem à tona as suas próprias vidas.

Por meio do teatro, a dimensão histórica da batalha ante-passada segue com a força épica de um fato atual, que rege a vida de toda a comunidade, em particular das mulheres teju-cupapenses. A Batalha das Heroínas marca o cotidiano e man-tém acesa a chama da luta contra a pobreza e todas as suas conseqüências negativas. As mulheres aguerridas continuam a comandar o destino da comunidade, enquanto imagem. As mulheres de hoje ainda são guiadas por um espírito de luta que, segundo relatam, se deve ao fato de “correr nas veias o sangue de Maria Camarão, a grande heroína da Batalha das

Trincheiras”. Elas dizem que no dia-a-dia haverá momentos de recuar e avançar, mas “o sangue de Maria Camarão sempre vai correr nas veias”, por isso, jamais abandonarão o campo de batalha, sem que tenham nas mãos a bandeira da vitória.

Este processo de amálgama entre o fato histórico e toda uma rede de símbolos ligados à batalha, aos costumes, às crenças, narrativas e atividades do lugar, é, justamente, o responsável por impulsionar Dona Luzia a manter o espetáculo A Batalha das Heroínas, atuando sobre o passado em ação presentificado. O poder da peleja antepassada e da restauração ritual da imagem da batalha pelo teatro conduz o lugarejo na resistência à preca-riedade e na luta por melhores condições de vida.

O troféu intitulado Tejucupapo; A mulher Nordeste Vin-teUm 2009 promovido pela Revista Nordeste VinteUm vem assim como forma de condecoração ao entrelaçamento destas mulheres heroínas de ontem com as histórias destas mulheres heroínas de agora, friccionando imagens do passado ao presen-te, no descortinar do imaginário de um Nordeste vivo e atual. A justa homenagem prestada pela Revista vem corroborar para afirmação da experiência universal do mito da heroína, apontan-do para as diferentes opressões, assim como as diversas formas de confronto e êxito das mulheres.

Luciana de F. Rocha P. de Lyra pesquisa acerca da comunidade de Tejucupapo e seu teatro, desde 2006, tomando como objeto do Doutoramento em Artes na Universidade Estadual de Campinas (Unicamp-SP). Esta mesma pesquisa também é parte do Núcleo de Antropologia da Performance e do drama - Napedra (Ppgas/USP e IA/Unicamp). A pes-quisadora é Mestre em Artes pela unicamp, especialista em Ensino da História das Artes e das Religiões pela Ufrpe e docente do departamento de Arquitetura, Design e Artes Visuais da Universidade de Guarulhos-SP.

o troféu intitulado Tejucupapo; A mulher Nordeste VinteUm 2009, promovido pela Revista nordeste vinteuM, vem assim como forma de condecoração ao entrelaçamento destas mulheres heroínas de ontem com as histórias destas mulheres heroínas de agora, friccionando imagens do passado ao presente, no descortinar do imaginário de um nordeste vivo e atual.

65Setembro/2009Nordeste VinteUm

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Aquarela Mino Castelo Branco66 Setembro/2009Nordeste VinteUm

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A diFERENçA ENTRE SEu vEíCuLO iMpRESSO E OS OuTROS

Cangaço e o “Brasil profundo” de Frederico Pernambucano de Mello

Crise

A blindagem nordestina

no subdesenvolvimento

Fundos setoriais

A ciência do

desequilíbrio regional

Nordeste mais perto de

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