170
Este livro é uma narrativa das realidades complexas do mercado de trabalho e da rotina de acesso e permanência nas organizações. Como estas relações costumam ser desiguais, resolvi disponibilizar na web e oferecer para os profissionais, um pequeno manual de boas práticas e estratégia para a carreira e recolocação. São histórias que trazem um pano de fundo de inteligência comportamental, que é a chave para se conseguir desde um bom emprego, até ser promovido e liderar um departamento. Na época, havia muita denúncia de golpes do emprego e outras fraudes contra as pessoas, de modo que listei muitos sites informativos que hoje já não existem. Então na edição eletrônica, retiramos as páginas e nos focamos no conteúdo e sua discussão sobre como ser aprovado nas seleções e, depois de empregado, “ser visível” no contexto do ambiente de trabalho. Espero que estas dicas e análises possam ser de utilidade às pessoas em sua vida corporativa, no mínimo podemos dar nossa versão otimista e bem humorada sobre o assunto. Boa Leitura! Prof. Luís Sérgio Lico Apoio Cultural A Consultive Labs é uma empresa jovem, inovadora e dinâmica. A cada dia encantamos mais profissionais e empresas com nosso trabalho: Palestras, Cursos e Soluções em Treinamento. Oferecemos abordagens eficientes, alinhando soluções à necessidades específicas. Buscamos solucionar as lacunas na relação entre pessoas e organizações, convergindo competências, afetos, modelos mentais e capacitação profissional. Facilitamos a integração entre os saberes, fazeres e comportamentos das pessoas, em relação às demandas e objetivos das corporações. Manter altos níveis de comprometimento e motivação não é somente importante para administrar conduzir bem uma empresa: é a melhor condição para uma rentabilidade sustentável! Para se obter resultados consistentes, equipes devem ser orientadas e estimuladas a agir na superação dos desafios. Para isso desenvolvemos projetos e soluções 100% customizadas para alcançar melhores índices de desempenho. Ações estratégicas eficientes, além de causar impacto, devem aumentar competências e melhorar o relacionamento. Devem ser sinceras e buscar resultados. Consulte nossas soluções para Educação Corporativa! Central de Atendimento: (11) 5011-9852 - [email protected] - www.consultivelabs.com.br Empresa certificada pelo Selo Wec de Qualidade em Treinamento - WEC - ISO 10015 O PROFISSIONAL INVISÍVEL

O_Profissional_Invisivel.pdf

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Este livro é uma narrativa das realidades complexas do mercado de trabalho e da rotina de acesso e permanência nas organizações. Como estas relações costumam ser desiguais, resolvi disponibilizar na web e oferecer para os profissionais, um pequeno manual de boas práticas e estratégia para a carreira e recolocação. São histórias que trazem um pano de fundo de inteligência comportamental, que é a chave para se conseguir desde um bom emprego, até ser promovido e liderar um departamento. Na época, havia muita denúncia de golpes do emprego e outras fraudes contra as pessoas, de modo que listei muitos sites informativos que hoje já não existem. Então na edição eletrônica, retiramos as páginas e nos focamos no conteúdo e sua discussão sobre como ser aprovado nas seleções e, depois de empregado, “ser visível” no contexto do ambiente de trabalho. Espero que estas dicas e análises possam ser de utilidade às pessoas em sua vida corporativa, no mínimo podemos dar nossa versão otimista e bem humorada sobre o assunto. Boa Leitura! Prof. Luís Sérgio Lico Apoio Cultural A Consultive Labs é uma empresa jovem, inovadora e dinâmica. A cada dia encantamos mais profissionais e empresas com nosso trabalho: Palestras, Cursos e Soluções em Treinamento. Oferecemos abordagens eficientes, alinhando soluções à necessidades específicas. Buscamos solucionar as lacunas na relação entre pessoas e organizações, convergindo competências, afetos, modelos mentais e capacitação profissional. Facilitamos a integração entre os saberes, fazeres e comportamentos das pessoas, em relação às demandas e objetivos das corporações. Manter altos níveis de comprometimento e motivação não é somente importante para administrar conduzir bem uma empresa: é a melhor condição para uma rentabilidade sustentável! Para se obter resultados consistentes, equipes devem ser orientadas e estimuladas a agir na superação dos desafios. Para isso desenvolvemos projetos e soluções 100% customizadas para alcançar melhores índices de desempenho. Ações estratégicas eficientes, além de causar impacto, devem aumentar competências e melhorar o relacionamento. Devem ser sinceras e buscar resultados. Consulte nossas soluções para Educação Corporativa!

Central de Atendimento: (11) 5011-9852 - [email protected] - www.consultivelabs.com.br Empresa certificada pelo Selo Wec de Qualidade em Treinamento - WEC - ISO 10015

O PROFISSIONAL INVISÍVEL

Lico, Luís Sérgio.

O profissional invisível: um manual prático para desempregados. Luís Sérgio Lico. Guarapari-ES. Ex Libris, 2007.

Bibliografia

1. Empregabilidade 2. Formação Profissional 3. Desemprego

ISBN 8590 287-17-3

Tudo na natureza é bipolar, ou tem um pólo positivo e um pólo

negativo. Há um macho e uma fêmea, um espírito e um fato, um norte e

um sul. O espírito é o positivo, o fato é o negativo. A vontade é o norte, a

ação é o pólo sul. O caráter pode ser classificado como tendo seu

natural lugar no norte. Distribui as correntes magnéticas do sistema.

Os espíritos fracos são atraídos para o pólo sul, ou pólo negativo. Só

vêem na ação o lucro, ou o prejuízo que podem encerrar. Não podem

vislumbrar um princípio, a não ser que este se abrigue noutra pessoa.

Não desejam ser amáveis, mas amados. Os de caráter gostam de ouvir

falar de seus defeitos; aos outros aborrecem as faltas; adoram os

acontecimentos; vinculam a estes um fato, uma conexão, uma certa

cadeia de circunstâncias e daí não passam. O grande homem sabe que

os eventos são seus servos: estes devem segui-lo... (e que) Nenhuma

mudança de circunstâncias pode mudar um defeito de caráter.

Emerson, Caráter.

Lico, Luís Sérgio.

O profissional invisível: um manual prático para desempregados. Luís Sérgio Lico. Guarapari-ES. Ex Libris, 2007.

Bibliografia

1. Empregabilidade 2. Formação Profissional 3. Desemprego

ISBN 8590 287-17-3

Tudo na natureza é bipolar, ou tem um pólo positivo e um pólo

negativo. Há um macho e uma fêmea, um espírito e um fato, um norte e

um sul. O espírito é o positivo, o fato é o negativo. A vontade é o norte, a

ação é o pólo sul. O caráter pode ser classificado como tendo seu

natural lugar no norte. Distribui as correntes magnéticas do sistema.

Os espíritos fracos são atraídos para o pólo sul, ou pólo negativo. Só

vêem na ação o lucro, ou o prejuízo que podem encerrar. Não podem

vislumbrar um princípio, a não ser que este se abrigue noutra pessoa.

Não desejam ser amáveis, mas amados. Os de caráter gostam de ouvir

falar de seus defeitos; aos outros aborrecem as faltas; adoram os

acontecimentos; vinculam a estes um fato, uma conexão, uma certa

cadeia de circunstâncias e daí não passam. O grande homem sabe que

os eventos são seus servos: estes devem segui-lo... (e que) Nenhuma

mudança de circunstâncias pode mudar um defeito de caráter.

Emerson, Caráter.

À Lourdes Betta Vasconcelos

INTRODUÇÃO

A Tempestade no Horizonte

A última vez havia sido em Janeiro e, de lá para cá a tempestade se

formara. Eu já desconfiava, pelas constantes argüições, perguntas e

comentários que algo estava por vir. No entanto acreditava que

aquilo deveria ser apenas mais uma daquelas reuniões

improdutivas, mas a realidade era outra. Quando os dois

encarregados me chamaram, com aquela expressão simpática, veio

a pancada:

- Bem, esta tarefa não é fácil. Então, vou direto ao assunto. Não é nada

pessoal, mas você está demitido!

- Olhe não fique ressentido com a gente, disse o outro. Na verdade a

empresa está se reestruturando e a diretoria industrial acredita que o

produto não precisa de promoção. Enfim, nós estamos apenas

cumprindo ordens. Vai haver mudanças e você sabe que o pessoal de

vendas não tem força para mudar nada e que as coisas estão difíceis.

Lembro de ter ficado olhando para aqueles dois e estoicamente

perguntado:

- Sem problema. Mas pensei que o Datake me diria isto e não vocês.

- Ele só volta de férias na segunda e vai direto para a fábrica, na posse do 1novo chatiô , disse o primeiro. Bom, na verdade ele não vai sair, fica no

conselho e vai continuar mandando em tudo, do mesmo jeito. Os

1 Presidente em japonês.

1312

papéis estão aqui. Você precisa assinar e semana que vem você faz a

homologação. Eles queriam que você devolvesse os tiques e o vale

transporte, mas aí eu achei sacanagem e, portanto, pode ficar com os

excedentes. Com desconto, claro.

- Obrigado, foi muita gentileza sua, emendei irônico.

- E você como está? O que pretende fazer? Disse o segundo. Você é

muito qualificado, acho que consegue coisa melhor. Até uma gerência.

Eu mesmo só não saio daqui porque não tenho nada em vista, mas se

aparecer nem penso duas vezes. Fui!

- Olha, o negócio agora é procurar outro emprego, respondi. Espero

que em algum lugar onde seja mais reconhecido. Mas a vida é assim

mesmo e vamos tocar para frente. Se vocês quiserem, eu posso passar

as previsões, os arquivos do forecast e deixar tudo arrumado.

- Desculpe, mas a instrução é que você deixe imediatamente a empresa.

Pode ir pegar suas coisas, se quiser, se não temos que acompanhá-lo

agora até a saída.

- Posso pegar minhas coisas? Puxa! Obrigado. Dá para esperar uns dez

minutos e depois me despedir do pessoal?

- Tudo bem, mas vai rápido que se na fábrica eles ficarem sabendo,

podemos ter problemas. Mas vem de lá um abraço e desejamos boa

sorte.

Fiquei ali pensando como as coisas mudaram em três anos. Logo

depois que eu entrei na fábrica, estava saindo um funcionário e o

pessoal mandou até buscar frango assado para a despedida. O

faturamento era de menos de um milhão mensal e havia pouca

gente ralando para cumprir as tarefas do departamento. Houve,

com o passar do tempo, outros desligamentos e sempre o mesmo

ritual do almoço. Agora eu dispunha de apenas alguns minutos

antes de ser enxotado, depois de trabalhar para que o faturamento

mensal chegasse à casa dos quatro milhões. Será que havia alguma

relação de causa e efeito entre as duas situações? Não saberia dizer,

exceto que as primeiras conquistas sempre são comemoradas,

depois tudo vira obrigação e as relações sociais acabam

desaparecendo no torvelinho das previsões de lucro.

De certa forma, após ouvir a ignominiosa expressão you're

fired, fica-se um pouco anestesiado. Na hora só se pensa em sair com

dignidade. Mas tem gente que acha divertido fazer isso, chegando

mesmo a obter orgasmos na televisão, posando de líder iluminado, 2portador de um ethos absoluto. Mas na verdade, o mundo

corporativo é de instância sempre eticamente inferior ao patamar

que o senso comum imagina, oscilando entre dois arcabouços

conceituais: punição e incompatibilidade. A primeira visa a

restabelecer uma ordem no discurso empresarial e é largamente

utilizado para com os desafetos, sendo baseada no preceito vigiar e 3punir. A segunda é de caráter mais sutil e se deve ao fato de, na

maioria dos casos, afastar o elemento impertinente que, no dia a dia,

questiona a modorra e a incompetência gerencial ou a ameaça por

deter melhores qualidades.

Enfim, era hora de dar no pé: Game over! Enquanto

buscava nas gavetas da mesinha antiga, recolher os poucos

pertences, era ladeado de pessoas, ali olhando, atemorizadas a

questionar quem seria o próximo. Então eu pensava que realmente

merecia coisa melhor. Afinal, eu ganhava pouco, trabalhava como

um escravo, aturava a bílis negra da grosseria gerencial, detinha

responsabilidades de um diretor, coordenava equipes, desenvolvia

a gestão operacional, corrigia as mancadas dos superiores, sugeria

estratégias vencedoras, tirava o lixo... Pois é! E lá na carteira de

trabalho estava estampado o acinte: assistente. Com certeza, com

minhas competências eu poderia, finalmente, encontrar uma

empresa socialmente responsável que me franqueasse a

oportunidade de receber um salário condizente com minha

experiência e, principalmente, um registro na carteira que retratasse

a realidade das funções que eu desempenhava. Naquele instante eu

acreditava que isso seria possível.

Então, após alguns abraços, demonstrações de afeto e boa

sorte (algumas sinceras), botei a viola no saco e saí para a rua. Peguei

mais uma última vez a lotação clandestina em direção ao metrô e,

dali, direto para casa. Recebi os meus direitos, faltou uma

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

2 Aqui, com sentido de moral inatacável (?).3 Sobre isto é interessante ver a obra homônima do filósofo Michel Foucault.

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papéis estão aqui. Você precisa assinar e semana que vem você faz a

homologação. Eles queriam que você devolvesse os tiques e o vale

transporte, mas aí eu achei sacanagem e, portanto, pode ficar com os

excedentes. Com desconto, claro.

- Obrigado, foi muita gentileza sua, emendei irônico.

- E você como está? O que pretende fazer? Disse o segundo. Você é

muito qualificado, acho que consegue coisa melhor. Até uma gerência.

Eu mesmo só não saio daqui porque não tenho nada em vista, mas se

aparecer nem penso duas vezes. Fui!

- Olha, o negócio agora é procurar outro emprego, respondi. Espero

que em algum lugar onde seja mais reconhecido. Mas a vida é assim

mesmo e vamos tocar para frente. Se vocês quiserem, eu posso passar

as previsões, os arquivos do forecast e deixar tudo arrumado.

- Desculpe, mas a instrução é que você deixe imediatamente a empresa.

Pode ir pegar suas coisas, se quiser, se não temos que acompanhá-lo

agora até a saída.

- Posso pegar minhas coisas? Puxa! Obrigado. Dá para esperar uns dez

minutos e depois me despedir do pessoal?

- Tudo bem, mas vai rápido que se na fábrica eles ficarem sabendo,

podemos ter problemas. Mas vem de lá um abraço e desejamos boa

sorte.

Fiquei ali pensando como as coisas mudaram em três anos. Logo

depois que eu entrei na fábrica, estava saindo um funcionário e o

pessoal mandou até buscar frango assado para a despedida. O

faturamento era de menos de um milhão mensal e havia pouca

gente ralando para cumprir as tarefas do departamento. Houve,

com o passar do tempo, outros desligamentos e sempre o mesmo

ritual do almoço. Agora eu dispunha de apenas alguns minutos

antes de ser enxotado, depois de trabalhar para que o faturamento

mensal chegasse à casa dos quatro milhões. Será que havia alguma

relação de causa e efeito entre as duas situações? Não saberia dizer,

exceto que as primeiras conquistas sempre são comemoradas,

depois tudo vira obrigação e as relações sociais acabam

desaparecendo no torvelinho das previsões de lucro.

De certa forma, após ouvir a ignominiosa expressão you're

fired, fica-se um pouco anestesiado. Na hora só se pensa em sair com

dignidade. Mas tem gente que acha divertido fazer isso, chegando

mesmo a obter orgasmos na televisão, posando de líder iluminado, 2portador de um ethos absoluto. Mas na verdade, o mundo

corporativo é de instância sempre eticamente inferior ao patamar

que o senso comum imagina, oscilando entre dois arcabouços

conceituais: punição e incompatibilidade. A primeira visa a

restabelecer uma ordem no discurso empresarial e é largamente

utilizado para com os desafetos, sendo baseada no preceito vigiar e 3punir. A segunda é de caráter mais sutil e se deve ao fato de, na

maioria dos casos, afastar o elemento impertinente que, no dia a dia,

questiona a modorra e a incompetência gerencial ou a ameaça por

deter melhores qualidades.

Enfim, era hora de dar no pé: Game over! Enquanto

buscava nas gavetas da mesinha antiga, recolher os poucos

pertences, era ladeado de pessoas, ali olhando, atemorizadas a

questionar quem seria o próximo. Então eu pensava que realmente

merecia coisa melhor. Afinal, eu ganhava pouco, trabalhava como

um escravo, aturava a bílis negra da grosseria gerencial, detinha

responsabilidades de um diretor, coordenava equipes, desenvolvia

a gestão operacional, corrigia as mancadas dos superiores, sugeria

estratégias vencedoras, tirava o lixo... Pois é! E lá na carteira de

trabalho estava estampado o acinte: assistente. Com certeza, com

minhas competências eu poderia, finalmente, encontrar uma

empresa socialmente responsável que me franqueasse a

oportunidade de receber um salário condizente com minha

experiência e, principalmente, um registro na carteira que retratasse

a realidade das funções que eu desempenhava. Naquele instante eu

acreditava que isso seria possível.

Então, após alguns abraços, demonstrações de afeto e boa

sorte (algumas sinceras), botei a viola no saco e saí para a rua. Peguei

mais uma última vez a lotação clandestina em direção ao metrô e,

dali, direto para casa. Recebi os meus direitos, faltou uma

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

2 Aqui, com sentido de moral inatacável (?).3 Sobre isto é interessante ver a obra homônima do filósofo Michel Foucault.

1514

merrequinha, mas não valia a pena discutir e dei o caso por

encerrado. Dia seguinte, acessei a internet e assinei um portal de

empregos, destes que iludem os desempregados contando que 4tiveram 222.219 visitantes ontem , e comecei a garimpar a tão

sonhada oportunidade. O que se passou nos meses posteriores foi

um festival de obscenidades, que de tanta mediocridade, mereceu

ser registrado em livro.

Para melhor compreensão, eu separei a narrativa

conceitual dos tópicos de ajuda para recolocação. De modo que, ao

final deste volume além de ter se divertido com o que me aconteceu,

você possa ter um manual que permita evitar as armadilhas que

certamente serão colocadas no seu caminho, caso fique

desempregado. Na primeira parte o objetivo é o relato das etapas

básicas do quotidiano da busca de emprego, onde utilizo - sempre

que possível - reflexões críticas sobre o assunto, de modo a

desvincular ciência dos dogmas da seleção de pessoal. Na segunda

parte estará uma relação das dicas, tabelas e procedimentos para

que você possa, de forma prática, conhecer melhor como se portar

nas avaliações e evitar a destruição de sua auto-estima.

Quero deixar claro que as minhas teses não são construídas

com base em qualquer instância vingativa ou rancor pessoal, pelo

ano que passei desempregado. E que se em alguns momentos

existam declarações ácidas estas refletem apenas a descrição

apaixonada da indignação. No contexto metodológico, tudo o que

fiz foi efetuar pequenas séries de reflexões sobre a micro-condição

da ação humana nas práticas profissionais instituídas, avaliando

como se processam estas relações.

O que mostrarei é como se constituiu uma perversa

estrutura de desqualificação do indivíduo, com base em discursos e

procedimentos pseudo-científicos, que está a favor de uma espúria

orientação mercantilista, administrativamente obsoleta e custosa. A

denúncia também abrange a validade ética de conceitos e ações de

Responsabilidade Social, que não incluam em seu escopo a

diminuição do assédio moral infringido aos candidatos nos

processos de contratação.

Trata-se de mascaramento obter certificados ou

marquetear ações nas comunidades, se o tratamento dispensado ao

“capital humano” a ser adquirido o transforme em cidadão de

segunda classe. Talvez seja a miopia das gestões modernas, igual à

compra de créditos-carbono ao invés da aquisição de tecnologias

não poluentes. Talvez seja endêmico, mas de forma nenhuma é

incontornável. Caso consiga demonstrar corretamente o viés

desnaturado das relações corporativas, a ineficácia de seus

instrumentos de seleção e sua daninha influência na sociedade me

sentirei satisfeito.

Antes de começar, relembro aqui um trecho do Professor

Gerárd Lebrun, grande pensador, que em uma de suas análises

sobre Michel Foucault, esbarrou profeticamente no tema que ilustra

este livro, décadas antes que fosse escrito, conforme reproduzo

abaixo:

Uma nova “economia do poder”... ainda grosseira e lacunar... Um

Leviatã que, em vez de simplesmente forçar os homens ao respeito,

trata de prevenir a sua turbulência, de constituí-los de antemão como

súditos maleáveis. Desta forma insidiosa de poder, Foucault já dizia

que era impossível descrevê-la em termos negativos (reprime,

recalca, censura...). “Na verdade, o poder produz; produz algo de

real; produz domínios de objetos e rituais de verdade”. Frase que

poderíamos encompridar indefinidamente. O poder produz, por

exemplo, os testes psicológicos que permitem - e aqui em São Paulo de

maneira particularmente escandalosa - colocar aos candidatos a

qualquer emprego questões grotescas sobre sua vida sexual etc... É

inesgotável a lista do que é produzido pelo poder disciplinar e 5inquisitorial. (Lebrun, p.80/81,1983)

O magistral ensaio de Lebrun foi publicado originalmente no Jornal

da Tarde de 14/07/1979. Já dá para perceber que o cerco se fechou

mais e mais, nos restando pouco ar para respirar. Em nosso mundo

atual e nas relações que regulam o mercado, a pessoa

desempregada é um ser invisível que luta para não perder sua

identidade, integridade e auto-estima. Hoje não se pode mais estar

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

4 A avaliação destas ferramentas milagrosas encontra-se na segunda parte. 5 Gerard Lebrun. Passeios ao Léu. Brasiliense, 1983.

1514

merrequinha, mas não valia a pena discutir e dei o caso por

encerrado. Dia seguinte, acessei a internet e assinei um portal de

empregos, destes que iludem os desempregados contando que 4tiveram 222.219 visitantes ontem , e comecei a garimpar a tão

sonhada oportunidade. O que se passou nos meses posteriores foi

um festival de obscenidades, que de tanta mediocridade, mereceu

ser registrado em livro.

Para melhor compreensão, eu separei a narrativa

conceitual dos tópicos de ajuda para recolocação. De modo que, ao

final deste volume além de ter se divertido com o que me aconteceu,

você possa ter um manual que permita evitar as armadilhas que

certamente serão colocadas no seu caminho, caso fique

desempregado. Na primeira parte o objetivo é o relato das etapas

básicas do quotidiano da busca de emprego, onde utilizo - sempre

que possível - reflexões críticas sobre o assunto, de modo a

desvincular ciência dos dogmas da seleção de pessoal. Na segunda

parte estará uma relação das dicas, tabelas e procedimentos para

que você possa, de forma prática, conhecer melhor como se portar

nas avaliações e evitar a destruição de sua auto-estima.

Quero deixar claro que as minhas teses não são construídas

com base em qualquer instância vingativa ou rancor pessoal, pelo

ano que passei desempregado. E que se em alguns momentos

existam declarações ácidas estas refletem apenas a descrição

apaixonada da indignação. No contexto metodológico, tudo o que

fiz foi efetuar pequenas séries de reflexões sobre a micro-condição

da ação humana nas práticas profissionais instituídas, avaliando

como se processam estas relações.

O que mostrarei é como se constituiu uma perversa

estrutura de desqualificação do indivíduo, com base em discursos e

procedimentos pseudo-científicos, que está a favor de uma espúria

orientação mercantilista, administrativamente obsoleta e custosa. A

denúncia também abrange a validade ética de conceitos e ações de

Responsabilidade Social, que não incluam em seu escopo a

diminuição do assédio moral infringido aos candidatos nos

processos de contratação.

Trata-se de mascaramento obter certificados ou

marquetear ações nas comunidades, se o tratamento dispensado ao

“capital humano” a ser adquirido o transforme em cidadão de

segunda classe. Talvez seja a miopia das gestões modernas, igual à

compra de créditos-carbono ao invés da aquisição de tecnologias

não poluentes. Talvez seja endêmico, mas de forma nenhuma é

incontornável. Caso consiga demonstrar corretamente o viés

desnaturado das relações corporativas, a ineficácia de seus

instrumentos de seleção e sua daninha influência na sociedade me

sentirei satisfeito.

Antes de começar, relembro aqui um trecho do Professor

Gerárd Lebrun, grande pensador, que em uma de suas análises

sobre Michel Foucault, esbarrou profeticamente no tema que ilustra

este livro, décadas antes que fosse escrito, conforme reproduzo

abaixo:

Uma nova “economia do poder”... ainda grosseira e lacunar... Um

Leviatã que, em vez de simplesmente forçar os homens ao respeito,

trata de prevenir a sua turbulência, de constituí-los de antemão como

súditos maleáveis. Desta forma insidiosa de poder, Foucault já dizia

que era impossível descrevê-la em termos negativos (reprime,

recalca, censura...). “Na verdade, o poder produz; produz algo de

real; produz domínios de objetos e rituais de verdade”. Frase que

poderíamos encompridar indefinidamente. O poder produz, por

exemplo, os testes psicológicos que permitem - e aqui em São Paulo de

maneira particularmente escandalosa - colocar aos candidatos a

qualquer emprego questões grotescas sobre sua vida sexual etc... É

inesgotável a lista do que é produzido pelo poder disciplinar e 5inquisitorial. (Lebrun, p.80/81,1983)

O magistral ensaio de Lebrun foi publicado originalmente no Jornal

da Tarde de 14/07/1979. Já dá para perceber que o cerco se fechou

mais e mais, nos restando pouco ar para respirar. Em nosso mundo

atual e nas relações que regulam o mercado, a pessoa

desempregada é um ser invisível que luta para não perder sua

identidade, integridade e auto-estima. Hoje não se pode mais estar

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

4 A avaliação destas ferramentas milagrosas encontra-se na segunda parte. 5 Gerard Lebrun. Passeios ao Léu. Brasiliense, 1983.

1716

fora das relações de produção, sob pena de perder o direito à

própria existência. Nos fios, teias e redes do poder se perde o

homem que não se encontra alojado nos cubículos de uma posição

laboral. Não dá mais para ir a outra província oferecer seus

préstimos a um novo senhor, que lhe permita usar suas terras para

tirar seu sustento. Muito menos pode almejar a vida autárquica ou

qualquer ataraxia.

Tudo se passa em uma tridimensionalidade escalar vista

como queda: O profissional que desaba em desempregado perde

mais que o emprego, perde uma máscara vital de trágica

essencialidade trans-histórica e, por definição alguns traços de sua

individualidade. Do profissional ao desempregado e daí ao

candidato, opera-se esta descaracterização, esta “morte do sujeito”,

agora capital humano, que passa a ser validado e analisado por

padrões utilitários e competenciais visando exclusivamente o

preenchimento de um dado perfil ou modelo estratégico. Eis a

redução ao absurdo.

A mecanização dos processos industriais, a absurda

maximização do retorno, a tecnologia e as bases econômicas que

envolvem nossa civilização determinam o que se entende por

emprego e excluem da sociedade quem não tem acesso ao trabalho.

Fora do mercado parece não haver condição de sobrevivência e,

dentro dele sofre-se, impotente, o jugo de todas as patologias

sociais.

Como consultor experimentado, posso perguntar sobre o

tempo de sobrevida deste modelo administrativo suicida, do “mais

por menos”, onde o que importa é “ganhar mercado” e maiores

margens com menores custos. Até quando esta sincronia se

sustenta? Como pensador me angustia a possibilidade em

perspectiva de que nada será tentado até que as economias políticas

de mercado entrem em colapso e o clima terrestre esteja

irremediavelmente degradado. Nas páginas seguintes vocês verão

estes reflexos como num espelho e também algumas possíveis saídas

deste labirinto, pois o cristal que aponta a sombra, também reflete o

sol. E se há um momento de tentarmos fazer algo é agora!

Boa leitura!

Desemprego e Subjetividade

Alguns dias depois de ter sido demitido, encarei a primeira cena de

competição na ante-sala de uma agência de empregos. Fazia um

calor insuportável e o local estava cheio de pessoas, vibrações e

pensamentos. Era difícil se esquivar das irradiações que permeavam

o ambiente. Pode parecer meio místico ou metafísico, mas não é

raro encontrar-se em situações como esta, onde, de repente se pode

sentir a densidade do ar. Um dia a ciência poderá explicar as

relações desta memória magnética, que tem origem nas emanações

dos organismos, pensamentos e sentimentos em grande diversidade

de graus. Como ainda não chegou o tempo desta grande fusão e

vivemos o auge da era das especialidades, por ora, basta dizer que

por esta conectividade de transferência, às vezes, até as mentes se

tornam visíveis. Porém, o mais funesto não era a vibração, mas os

métodos da agência.

Apesar de ter marcado hora, a secretária me disse que a

entrevista ainda tardaria uns vinte minutos para ocorrer, então,

saquei um livro da pasta e me pus a ler. De vez em quando, parava

para me arrumar nos almofadões do sofá da sala de espera, olhando

para os lados, como que a tentar espantar os olhares de viés. Eu era o

único sem paletó e gravata e, embora aquilo cheirasse a uma 6agência de recolocação , parecia estar no Circo Máximo, bem na

jaula das feras. O ser humano médio ainda não é capaz de desejar o

bem, de forma regular e contínua, muito menos quando está

concorrendo a algo, com alguém. A melhor expressão desta

egolatria é a atitude que se toma em sociedade, onde todos

procuram aparentar serem frios, calculistas, capazes e distantes.

Porém, para quem conhece o que se passa na alma, os olhares não

podem mentir, jamais. E muitos ali eram de puro pavor!

Finalmente chegou a minha vez. Fui colocado de frente a

uma pessoa, que imediatamente passou a verificar meu currículo e

fazer comentários sobre a necessidade de o mesmo estar elaborado

de forma objetiva, pois o mercado assim exigia. Disse que o meu não

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

6 Veja a classificação das agências nos tópicos da segunda parte.

1716

fora das relações de produção, sob pena de perder o direito à

própria existência. Nos fios, teias e redes do poder se perde o

homem que não se encontra alojado nos cubículos de uma posição

laboral. Não dá mais para ir a outra província oferecer seus

préstimos a um novo senhor, que lhe permita usar suas terras para

tirar seu sustento. Muito menos pode almejar a vida autárquica ou

qualquer ataraxia.

Tudo se passa em uma tridimensionalidade escalar vista

como queda: O profissional que desaba em desempregado perde

mais que o emprego, perde uma máscara vital de trágica

essencialidade trans-histórica e, por definição alguns traços de sua

individualidade. Do profissional ao desempregado e daí ao

candidato, opera-se esta descaracterização, esta “morte do sujeito”,

agora capital humano, que passa a ser validado e analisado por

padrões utilitários e competenciais visando exclusivamente o

preenchimento de um dado perfil ou modelo estratégico. Eis a

redução ao absurdo.

A mecanização dos processos industriais, a absurda

maximização do retorno, a tecnologia e as bases econômicas que

envolvem nossa civilização determinam o que se entende por

emprego e excluem da sociedade quem não tem acesso ao trabalho.

Fora do mercado parece não haver condição de sobrevivência e,

dentro dele sofre-se, impotente, o jugo de todas as patologias

sociais.

Como consultor experimentado, posso perguntar sobre o

tempo de sobrevida deste modelo administrativo suicida, do “mais

por menos”, onde o que importa é “ganhar mercado” e maiores

margens com menores custos. Até quando esta sincronia se

sustenta? Como pensador me angustia a possibilidade em

perspectiva de que nada será tentado até que as economias políticas

de mercado entrem em colapso e o clima terrestre esteja

irremediavelmente degradado. Nas páginas seguintes vocês verão

estes reflexos como num espelho e também algumas possíveis saídas

deste labirinto, pois o cristal que aponta a sombra, também reflete o

sol. E se há um momento de tentarmos fazer algo é agora!

Boa leitura!

Desemprego e Subjetividade

Alguns dias depois de ter sido demitido, encarei a primeira cena de

competição na ante-sala de uma agência de empregos. Fazia um

calor insuportável e o local estava cheio de pessoas, vibrações e

pensamentos. Era difícil se esquivar das irradiações que permeavam

o ambiente. Pode parecer meio místico ou metafísico, mas não é

raro encontrar-se em situações como esta, onde, de repente se pode

sentir a densidade do ar. Um dia a ciência poderá explicar as

relações desta memória magnética, que tem origem nas emanações

dos organismos, pensamentos e sentimentos em grande diversidade

de graus. Como ainda não chegou o tempo desta grande fusão e

vivemos o auge da era das especialidades, por ora, basta dizer que

por esta conectividade de transferência, às vezes, até as mentes se

tornam visíveis. Porém, o mais funesto não era a vibração, mas os

métodos da agência.

Apesar de ter marcado hora, a secretária me disse que a

entrevista ainda tardaria uns vinte minutos para ocorrer, então,

saquei um livro da pasta e me pus a ler. De vez em quando, parava

para me arrumar nos almofadões do sofá da sala de espera, olhando

para os lados, como que a tentar espantar os olhares de viés. Eu era o

único sem paletó e gravata e, embora aquilo cheirasse a uma 6agência de recolocação , parecia estar no Circo Máximo, bem na

jaula das feras. O ser humano médio ainda não é capaz de desejar o

bem, de forma regular e contínua, muito menos quando está

concorrendo a algo, com alguém. A melhor expressão desta

egolatria é a atitude que se toma em sociedade, onde todos

procuram aparentar serem frios, calculistas, capazes e distantes.

Porém, para quem conhece o que se passa na alma, os olhares não

podem mentir, jamais. E muitos ali eram de puro pavor!

Finalmente chegou a minha vez. Fui colocado de frente a

uma pessoa, que imediatamente passou a verificar meu currículo e

fazer comentários sobre a necessidade de o mesmo estar elaborado

de forma objetiva, pois o mercado assim exigia. Disse que o meu não

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

6 Veja a classificação das agências nos tópicos da segunda parte.

1918

estava bom, que precisava destacar alguns itens e daí, passou a fazer

um discurso sobre o mercado e as dificuldades de recolocação.

Insistiu na necessidade de se ter um perfil adequado e sobre a 7importância dos laudos comportamentais na admissão de uma

pessoa, apresentou um panorama do mercado atual em detalhes,

enfatizando vivamente suas dificuldades e a necessidade de

estratégias. Enfim, fiquei ali uma meia hora só a ouvindo falar e pude

contar que ela usou umas trinta e cinco vezes as palavras mercado,

perfil e laudo. Depois, pediu que eu falasse sobre minha experiência

e eu relatei toda minha trajetória profissional. Ela se disse encantada

e que havia duas ou mais vagas com o meu perfil e que a

remuneração era alta, os benefícios atraentes e ela iria, então, me

encaminhar para estas empresas, caso fosse de meu interesse.

Até aí era só felicidade. Eu sabia que me haviam

subestimado na fábrica, mas agora o mundo iria abrir suas portas e

todos veriam meu sucesso. Não durou muito a ilusão. Assim que

aceitei me candidatar à vaga, ela buscou uns papéis, me olhou

firmemente dentro dos olhos e disse que iria me explicar o

funcionamento do “processo”. E eu ali, atento a tudo o que ela fazia

ou dizia, pois não se pode deixar passar as oportunidades. Enquanto

isso a tensão psíquico-orgânico-emocional se elevava me fazendo

respirar fundo. Mas, nem bem ela começou a dizer que o

investimento era compensador e pouparia meses de espera por um

emprego, algo em mim perguntou: investimento? Tentei objetar

algo, sem que a conseguisse interromper. Sua atenção estava fixada

em controlar a situação, em me dominar a vontade. Como se fosse

uma paranormal do rapport, ela gesticulava nas ênfases, buscando

approach com meu consentimento interior. De forma a legitimar sua

atividade de intermediária se empenhava em mostrar que o

investimento era realmente compensador.

Desconfiado, recusei a oferta, mesmo porque fazia pouco

tempo que estava desempregado e não queria “apelar” logo de

cara. Foi um custo para eu conseguir terminar aquela entrevista. A

mulher não me deixava contra argumentar e muito menos sair. Cada

vez que eu me opunha e tentava levantar da cadeira, ela me

segurava no braço e com um tom de voz tipo “você precisa saber

antes que seja tarde”, me instava a permanecer. Ficou ali a desfiar seu

rosário de possibilidades, oferecendo descontos e parcelamento,

até que eu me enchi e fui curto e grosso, dizendo que nem me

interessava e precisava ir embora. Só respirei aliviado ao ganhar a

rua.

Aquilo tudo me deixou muito mal. Foi um desgaste muito

grande ter enfrentado esta situação, ter ido lá, ter me iludido,

gastado gasolina e estacionamento. Eu tinha esquecido de como era

procurar emprego, das coisas pelas quais se passa e tudo o que se

encontra nesta busca.

De repente, me dei conta de que poucos têm sensibilidade

o suficiente para compreender como estes e outros processos

afetam a personalidade de quem se encontra desempregado.

Afinal, a situação em si já é bem desconfortável - para dizer o mínimo

- para ser objeto de exploração através de um discurso de mercado.

Com tempo, as recusas e submetido a processos de avaliação

desconcertantes, abre-se um grande buraco na camada de ozônio

da auto-estima e através desta brecha agem os aproveitadores.

As condições estruturais da sociedade colaboram para que

isto ocorra desta maneira, afinal a massa de desempregados é tão

vasta, as oportunidades tão fechadas, as exigências cada vez

maiores, a distância entre o candidato e o empregador é tão grande,

que fica realmente cada vez mais difícil para o ser humano médio

conseguir uma nova oportunidade, a despeito de seus méritos.

Isto, porque a segmentação estratificada das funções no

trabalho, cada vez mais determina perfis de atuação específicos e

excludentes. Ou seja: na função a ser contratada deve-se fazer isto,

deste modo e não de outro. Para tanto se precisa da competência x,

da experiência y e da pessoa z. Meu São Bergson! Se não se pode

falar em espacialização do tempo como sendo a própria realidade

objetiva, quanto mais postular uma dimensão funcional enquanto

existência ideal, preconcebida para suprir determinada

necessidade!

As pessoas não são perfis construídos a partir de

necessidades práticas e empíricas, muito menos podem ser

reduzidas a isto. A busca de eficácia funcional e da multiplicidade

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

7 Veja o glossário no final da segunda parte, com todas as definições destes conceitos. A venda destes e outros “laudos” são ilegais, mas na prática alimentam uma indústria de picaretagem que se amplia a cada dia.

1918

estava bom, que precisava destacar alguns itens e daí, passou a fazer

um discurso sobre o mercado e as dificuldades de recolocação.

Insistiu na necessidade de se ter um perfil adequado e sobre a 7importância dos laudos comportamentais na admissão de uma

pessoa, apresentou um panorama do mercado atual em detalhes,

enfatizando vivamente suas dificuldades e a necessidade de

estratégias. Enfim, fiquei ali uma meia hora só a ouvindo falar e pude

contar que ela usou umas trinta e cinco vezes as palavras mercado,

perfil e laudo. Depois, pediu que eu falasse sobre minha experiência

e eu relatei toda minha trajetória profissional. Ela se disse encantada

e que havia duas ou mais vagas com o meu perfil e que a

remuneração era alta, os benefícios atraentes e ela iria, então, me

encaminhar para estas empresas, caso fosse de meu interesse.

Até aí era só felicidade. Eu sabia que me haviam

subestimado na fábrica, mas agora o mundo iria abrir suas portas e

todos veriam meu sucesso. Não durou muito a ilusão. Assim que

aceitei me candidatar à vaga, ela buscou uns papéis, me olhou

firmemente dentro dos olhos e disse que iria me explicar o

funcionamento do “processo”. E eu ali, atento a tudo o que ela fazia

ou dizia, pois não se pode deixar passar as oportunidades. Enquanto

isso a tensão psíquico-orgânico-emocional se elevava me fazendo

respirar fundo. Mas, nem bem ela começou a dizer que o

investimento era compensador e pouparia meses de espera por um

emprego, algo em mim perguntou: investimento? Tentei objetar

algo, sem que a conseguisse interromper. Sua atenção estava fixada

em controlar a situação, em me dominar a vontade. Como se fosse

uma paranormal do rapport, ela gesticulava nas ênfases, buscando

approach com meu consentimento interior. De forma a legitimar sua

atividade de intermediária se empenhava em mostrar que o

investimento era realmente compensador.

Desconfiado, recusei a oferta, mesmo porque fazia pouco

tempo que estava desempregado e não queria “apelar” logo de

cara. Foi um custo para eu conseguir terminar aquela entrevista. A

mulher não me deixava contra argumentar e muito menos sair. Cada

vez que eu me opunha e tentava levantar da cadeira, ela me

segurava no braço e com um tom de voz tipo “você precisa saber

antes que seja tarde”, me instava a permanecer. Ficou ali a desfiar seu

rosário de possibilidades, oferecendo descontos e parcelamento,

até que eu me enchi e fui curto e grosso, dizendo que nem me

interessava e precisava ir embora. Só respirei aliviado ao ganhar a

rua.

Aquilo tudo me deixou muito mal. Foi um desgaste muito

grande ter enfrentado esta situação, ter ido lá, ter me iludido,

gastado gasolina e estacionamento. Eu tinha esquecido de como era

procurar emprego, das coisas pelas quais se passa e tudo o que se

encontra nesta busca.

De repente, me dei conta de que poucos têm sensibilidade

o suficiente para compreender como estes e outros processos

afetam a personalidade de quem se encontra desempregado.

Afinal, a situação em si já é bem desconfortável - para dizer o mínimo

- para ser objeto de exploração através de um discurso de mercado.

Com tempo, as recusas e submetido a processos de avaliação

desconcertantes, abre-se um grande buraco na camada de ozônio

da auto-estima e através desta brecha agem os aproveitadores.

As condições estruturais da sociedade colaboram para que

isto ocorra desta maneira, afinal a massa de desempregados é tão

vasta, as oportunidades tão fechadas, as exigências cada vez

maiores, a distância entre o candidato e o empregador é tão grande,

que fica realmente cada vez mais difícil para o ser humano médio

conseguir uma nova oportunidade, a despeito de seus méritos.

Isto, porque a segmentação estratificada das funções no

trabalho, cada vez mais determina perfis de atuação específicos e

excludentes. Ou seja: na função a ser contratada deve-se fazer isto,

deste modo e não de outro. Para tanto se precisa da competência x,

da experiência y e da pessoa z. Meu São Bergson! Se não se pode

falar em espacialização do tempo como sendo a própria realidade

objetiva, quanto mais postular uma dimensão funcional enquanto

existência ideal, preconcebida para suprir determinada

necessidade!

As pessoas não são perfis construídos a partir de

necessidades práticas e empíricas, muito menos podem ser

reduzidas a isto. A busca de eficácia funcional e da multiplicidade

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

7 Veja o glossário no final da segunda parte, com todas as definições destes conceitos. A venda destes e outros “laudos” são ilegais, mas na prática alimentam uma indústria de picaretagem que se amplia a cada dia.

2120

das competências é uma nova forma de opressão histórica, somente

comparável à ditadura do relógio, instituída pela Revolução

Industrial. Este entendimento, que reduz o indivíduo à determinada

forma e o predispõe a determinado trajeto é fruto de décadas de

distanciamento progressivo nas relações patrão-empregado e do

excesso da oferta de mão de obra. Isto facilitou a criação de micro

redes de poder que atuam hoje através da intermediação

terceirizada, de forma a suprir os empregadores de recursos

humanos, tal como se tratasse de verdadeiras commodities.

O pensamento dominante é o de que deve existir total

adequação à função, o que em outros termos quer dizer: o que era

sonho na República de Platão tornou-se pesadelo hardcore

corporativo. Hoje é real a estratificação em castas funcionais de

acordo com o perfil, que teimam em conceber o ente humano

apenas como justaposição, somatória de competências, inatas ou 8identificáveis.

Mesmo desconstruíndo o mito da adequação como

instrumento da felicidade e considerando a constatação como uma

advertência profética, continuamos a não acreditar que um

sapateiro possa fazer bem outra coisa que não seja sapatos e,

portanto está fadado a esta atividade.

Duvidamos também que uma pessoa “de humanas” possa

se dar bem em funções comerciais; que um operário possa ter mais

criatividade que o diretor de marketing ou pretende-se idealidades

inexeqüíveis. Exigimos que haja múltiplas competências, diversos

níveis de formação, mas estranhamos aqueles que conseguem ser

bons em duas coisas ao mesmo tempo. Não são confiáveis as

pessoas que não se pode determinar para que servem ou que sejam

competentes em mais de uma realidade ou função.

Este fundacionalismo sistemático baseado num suposto

índice mágico para o valor da pessoa funcional relega milhões ao

ostracismo econômico (se é que não é parte imanente dos perversos

mecanismos de desemprego estrutural, necessários, segundo Marx

para que a máquina de consumo funcione.

Mas até ele revirou-se mais de uma vez na tumba), pelo

simples fato de apresentar-se como prática perversa e que ninguém

controla. Psicológica, política ou economicamente, vivemos em

plena ditadura dos indicadores.

Mas poderá ser discursivo-cultural o que é vendido como

científico? Em outras palavras, chegou-se agora a uma

especialização dos perfis de adequação homem x função x ambiente

funcional, em termos da técnica de aplicação. Pode-se, claramente,

analisar um sujeito, esquadrinhando seus componentes instintivos,

mentais, cognitivos e sensoriais; planilhando suas reações e

reduzindo sua essência a dados mensuráveis. Behaviorismo

administrativo?

O problema não é questionar como se processa a aplicação

da técnica, em razão de convenções éticas aceitas pelo “mercado”,

ou de seus instrumentos de tortura: dinâmicas e testes abertos,

situações limite, non-sense, entrevistas, avaliações. O problema é

como crer que possa existir uma neutralidade de paradigmas na

interpretação.

Quem interpreta já traz consigo sua própria interpretação,

seu momento que contamina qualquer isenção. Portanto, como se

escapa à crença em diagnósticos conclusivos, adequação,

construção de perfis, correta identificação do conteúdo sensório-

mental? Como se escapa do “assim aprendi, assim dizem os doutos,

portanto assim deverá ser?” Seja dito o mesmo do “assim pediu o

diretor da empresa”, ou da mediocridade funcional do “como

selecionador eu ganho menos do que este aí e ele vai ter que ralar

para me impressionar”, seja ele simpático à escola de Freud, Caligari

ou fã de gurus de auto-ajuda?

Calma! Prometo que logo depois da próxima parte, vamos

falar o português claro e ir direto ao assunto de como driblar as

dificuldades do desemprego. Antes há coisas importantes a dizer,

pois o que ocorre na verdade é que somos levados a acreditar que os

processos de avaliação pelos quais passamos representam o esforço

da empresa em realmente selecionar aqueles indivíduos que serão

adequados ao trabalho disponível.

Existe um “direito” aqui, que é o do empregador escolher o

melhor empregado, tal qual a dona de casa escolhe as melhores

frutas na banca do supermercado.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

8 Entre estes mitos encontra-se o CHA Competências, Habilidades e Atitudes, que é o cânone sagrado dos consultores e especialistas em RH. Através deste conceito santo - dizem - pode-se determinar o que se é, onde se é feliz, para que serve o indivíduo e até quanto tempo dura na evolução corporativa. As palavras de ordem são adequação e eficácia e eles canhestramente agem como se realmente acreditassem nisto como uma verdadeira mathesis universalis.

2120

das competências é uma nova forma de opressão histórica, somente

comparável à ditadura do relógio, instituída pela Revolução

Industrial. Este entendimento, que reduz o indivíduo à determinada

forma e o predispõe a determinado trajeto é fruto de décadas de

distanciamento progressivo nas relações patrão-empregado e do

excesso da oferta de mão de obra. Isto facilitou a criação de micro

redes de poder que atuam hoje através da intermediação

terceirizada, de forma a suprir os empregadores de recursos

humanos, tal como se tratasse de verdadeiras commodities.

O pensamento dominante é o de que deve existir total

adequação à função, o que em outros termos quer dizer: o que era

sonho na República de Platão tornou-se pesadelo hardcore

corporativo. Hoje é real a estratificação em castas funcionais de

acordo com o perfil, que teimam em conceber o ente humano

apenas como justaposição, somatória de competências, inatas ou 8identificáveis.

Mesmo desconstruíndo o mito da adequação como

instrumento da felicidade e considerando a constatação como uma

advertência profética, continuamos a não acreditar que um

sapateiro possa fazer bem outra coisa que não seja sapatos e,

portanto está fadado a esta atividade.

Duvidamos também que uma pessoa “de humanas” possa

se dar bem em funções comerciais; que um operário possa ter mais

criatividade que o diretor de marketing ou pretende-se idealidades

inexeqüíveis. Exigimos que haja múltiplas competências, diversos

níveis de formação, mas estranhamos aqueles que conseguem ser

bons em duas coisas ao mesmo tempo. Não são confiáveis as

pessoas que não se pode determinar para que servem ou que sejam

competentes em mais de uma realidade ou função.

Este fundacionalismo sistemático baseado num suposto

índice mágico para o valor da pessoa funcional relega milhões ao

ostracismo econômico (se é que não é parte imanente dos perversos

mecanismos de desemprego estrutural, necessários, segundo Marx

para que a máquina de consumo funcione.

Mas até ele revirou-se mais de uma vez na tumba), pelo

simples fato de apresentar-se como prática perversa e que ninguém

controla. Psicológica, política ou economicamente, vivemos em

plena ditadura dos indicadores.

Mas poderá ser discursivo-cultural o que é vendido como

científico? Em outras palavras, chegou-se agora a uma

especialização dos perfis de adequação homem x função x ambiente

funcional, em termos da técnica de aplicação. Pode-se, claramente,

analisar um sujeito, esquadrinhando seus componentes instintivos,

mentais, cognitivos e sensoriais; planilhando suas reações e

reduzindo sua essência a dados mensuráveis. Behaviorismo

administrativo?

O problema não é questionar como se processa a aplicação

da técnica, em razão de convenções éticas aceitas pelo “mercado”,

ou de seus instrumentos de tortura: dinâmicas e testes abertos,

situações limite, non-sense, entrevistas, avaliações. O problema é

como crer que possa existir uma neutralidade de paradigmas na

interpretação.

Quem interpreta já traz consigo sua própria interpretação,

seu momento que contamina qualquer isenção. Portanto, como se

escapa à crença em diagnósticos conclusivos, adequação,

construção de perfis, correta identificação do conteúdo sensório-

mental? Como se escapa do “assim aprendi, assim dizem os doutos,

portanto assim deverá ser?” Seja dito o mesmo do “assim pediu o

diretor da empresa”, ou da mediocridade funcional do “como

selecionador eu ganho menos do que este aí e ele vai ter que ralar

para me impressionar”, seja ele simpático à escola de Freud, Caligari

ou fã de gurus de auto-ajuda?

Calma! Prometo que logo depois da próxima parte, vamos

falar o português claro e ir direto ao assunto de como driblar as

dificuldades do desemprego. Antes há coisas importantes a dizer,

pois o que ocorre na verdade é que somos levados a acreditar que os

processos de avaliação pelos quais passamos representam o esforço

da empresa em realmente selecionar aqueles indivíduos que serão

adequados ao trabalho disponível.

Existe um “direito” aqui, que é o do empregador escolher o

melhor empregado, tal qual a dona de casa escolhe as melhores

frutas na banca do supermercado.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

8 Entre estes mitos encontra-se o CHA Competências, Habilidades e Atitudes, que é o cânone sagrado dos consultores e especialistas em RH. Através deste conceito santo - dizem - pode-se determinar o que se é, onde se é feliz, para que serve o indivíduo e até quanto tempo dura na evolução corporativa. As palavras de ordem são adequação e eficácia e eles canhestramente agem como se realmente acreditassem nisto como uma verdadeira mathesis universalis.

O problema não é a lógica, mas o princípio ético envolvido:

os que não se “adequam” ao perfil, simplesmente não servem para

nada (nem outra função na empresa, o que é absurdo!) e, portanto

devem ser descartados. Ora! Para uma maçã, tudo bem!

Os critérios de podridão são claros, mas e nos seres

humanos: o que eu posso afirmar (com certeza) sobre eles? Quais os

indícios que dizem que este e não aquele irá trazer benefício ou

prejuízo à empresa? Como não confundir situação psicológica com

a ontologia do ser que é examinado? Como saber quais as

competências reais?

Resumão: É um samba do crioulo doido. Na maioria das

vezes, ideologia e senso comum temperada com a falácia dos

“modelos de gestão”. E como tal, criada pelas nossas próprias

crenças, estrutura econômica e modos de aceitar o mundo. Estar

preparado para lidar com esta situação é imprescindível para se

obter sucesso ao enfrentar as selvas dogmáticas dos recursos

humanos e das contraditórias lógicas da produção. Este estar

preparado, significa se por a salvo do modo superficial com que

avaliam os desempregados e manter a auto-estima e a capacidade

de reagir a qualquer situação. Nisto, a filosofia sempre pode ajudar!

Uma Saída Filosófica

Usaremos uma aproximação com a tese da “redução

fenomenológica”, que é a que mais se adapta à realidade sui generis

do mercado. Isto quer dizer que partiremos já de um mundo que

existe e está dado, no qual também estamos imersos. De modo que

não ficaremos perguntando se é bom ou mau, mas que existe sem

dúvida, ao mesmo tempo em que é construído pela nossa ação

direta nele. Portanto, em grande medida fruto de nossa liberdade.

Esta preexistência já instala de início uma conclusão: Existe uma

irredutibilidade lógica e ontológica entre razão e comportamento.

Ninguém pode ser reduzido a instâncias psicológicas, pois

seu construto interno não é meramente comportamental, 9psicobiológico, mas também vontade e autoconsciência. Existem

óbvios padrões de resposta emocional e comportamental, onde

podem ser testadas as nossas reações, indicados desvios, porém

estas análises não determinam a qualificação do indivíduo: somente

constatam tendências que atuam no presente, que é o momento da

própria análise. No entanto, o “mercado” acredita que não. Assim

fica claro que o buraco é mais fundo, pois além de termos que lidar

com um ecossistema social agressivo, cujo primeiro motor é

invisível e caprichoso (mercado: um verdadeiro deus grego), os

próprios instrumentos que são aprovados para nossa avaliação, a

priori não são capazes de nos avaliar, senão muito imperfeitamente.

Tentaremos resolver esta sinuca de bico, e demoraremos um pouco

mais, em respeito à sua inteligência. Mas nem por isso deixe, se

quiser, de ir já lendo os próximos capítulos, que são mais práticos.

Depois de alguns alemães do passado, acreditar que

existam valores fixos e benéficos, atrás de determinados discursos

ficou muito difícil. Hoje já distinguimos entre forma e conteúdo, mas

isto também não significa que somos capazes de reagir a alguma

coisa melhor que o ceticismo ou ao utilitarismo preferencial. No

entanto, existe uma sociedade estruturada em valores e sem a

crença neles é quase impossível conviver em sociedade. Até aí tudo

bem: o que nos propomos é: não ouvir o discurso tecnocrático com

os ouvidos do homem de bem. Ouçamos as vozes que nos dirigem,

nos oferecem coisas e soluções, mas de maneira a compreender,

além do conteúdo, o sentido. Somente com estas indicações, 10podemos surfar sobre as ondas de informação, normas, leis,

costumes, expectativas, desejos, modos de ser, exigências e o non-

sense de nossa cultura, evitando nos arrebentar contra os recifes das

doenças e neuroses urbanas.

Para isso, é preciso lembrar a cada instante, de ter cuidado 11antes de ofertar o coração com intensidade fatal ou julgar-se um

inútil só porque bateu com a cara no muro. Uma maneira de se

interpretar um dado contexto, evitando quaisquer armadilhas

retóricas à sua compreensão é perguntar a si mesmo duas coisas

simples:

2322

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

9 E para bilhões, além de mim, também com a crença racional justificada de que somos portadores de uma alma.

10 Fluctua nec mergitur...11 Proíba-se de jogar pérolas aos porcos... Aprenda que porcos gostam de milho, lama e ração.

O problema não é a lógica, mas o princípio ético envolvido:

os que não se “adequam” ao perfil, simplesmente não servem para

nada (nem outra função na empresa, o que é absurdo!) e, portanto

devem ser descartados. Ora! Para uma maçã, tudo bem!

Os critérios de podridão são claros, mas e nos seres

humanos: o que eu posso afirmar (com certeza) sobre eles? Quais os

indícios que dizem que este e não aquele irá trazer benefício ou

prejuízo à empresa? Como não confundir situação psicológica com

a ontologia do ser que é examinado? Como saber quais as

competências reais?

Resumão: É um samba do crioulo doido. Na maioria das

vezes, ideologia e senso comum temperada com a falácia dos

“modelos de gestão”. E como tal, criada pelas nossas próprias

crenças, estrutura econômica e modos de aceitar o mundo. Estar

preparado para lidar com esta situação é imprescindível para se

obter sucesso ao enfrentar as selvas dogmáticas dos recursos

humanos e das contraditórias lógicas da produção. Este estar

preparado, significa se por a salvo do modo superficial com que

avaliam os desempregados e manter a auto-estima e a capacidade

de reagir a qualquer situação. Nisto, a filosofia sempre pode ajudar!

Uma Saída Filosófica

Usaremos uma aproximação com a tese da “redução

fenomenológica”, que é a que mais se adapta à realidade sui generis

do mercado. Isto quer dizer que partiremos já de um mundo que

existe e está dado, no qual também estamos imersos. De modo que

não ficaremos perguntando se é bom ou mau, mas que existe sem

dúvida, ao mesmo tempo em que é construído pela nossa ação

direta nele. Portanto, em grande medida fruto de nossa liberdade.

Esta preexistência já instala de início uma conclusão: Existe uma

irredutibilidade lógica e ontológica entre razão e comportamento.

Ninguém pode ser reduzido a instâncias psicológicas, pois

seu construto interno não é meramente comportamental, 9psicobiológico, mas também vontade e autoconsciência. Existem

óbvios padrões de resposta emocional e comportamental, onde

podem ser testadas as nossas reações, indicados desvios, porém

estas análises não determinam a qualificação do indivíduo: somente

constatam tendências que atuam no presente, que é o momento da

própria análise. No entanto, o “mercado” acredita que não. Assim

fica claro que o buraco é mais fundo, pois além de termos que lidar

com um ecossistema social agressivo, cujo primeiro motor é

invisível e caprichoso (mercado: um verdadeiro deus grego), os

próprios instrumentos que são aprovados para nossa avaliação, a

priori não são capazes de nos avaliar, senão muito imperfeitamente.

Tentaremos resolver esta sinuca de bico, e demoraremos um pouco

mais, em respeito à sua inteligência. Mas nem por isso deixe, se

quiser, de ir já lendo os próximos capítulos, que são mais práticos.

Depois de alguns alemães do passado, acreditar que

existam valores fixos e benéficos, atrás de determinados discursos

ficou muito difícil. Hoje já distinguimos entre forma e conteúdo, mas

isto também não significa que somos capazes de reagir a alguma

coisa melhor que o ceticismo ou ao utilitarismo preferencial. No

entanto, existe uma sociedade estruturada em valores e sem a

crença neles é quase impossível conviver em sociedade. Até aí tudo

bem: o que nos propomos é: não ouvir o discurso tecnocrático com

os ouvidos do homem de bem. Ouçamos as vozes que nos dirigem,

nos oferecem coisas e soluções, mas de maneira a compreender,

além do conteúdo, o sentido. Somente com estas indicações, 10podemos surfar sobre as ondas de informação, normas, leis,

costumes, expectativas, desejos, modos de ser, exigências e o non-

sense de nossa cultura, evitando nos arrebentar contra os recifes das

doenças e neuroses urbanas.

Para isso, é preciso lembrar a cada instante, de ter cuidado 11antes de ofertar o coração com intensidade fatal ou julgar-se um

inútil só porque bateu com a cara no muro. Uma maneira de se

interpretar um dado contexto, evitando quaisquer armadilhas

retóricas à sua compreensão é perguntar a si mesmo duas coisas

simples:

2322

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

9 E para bilhões, além de mim, também com a crença racional justificada de que somos portadores de uma alma.

10 Fluctua nec mergitur...11 Proíba-se de jogar pérolas aos porcos... Aprenda que porcos gostam de milho, lama e ração.

2524

1 - O que diz este dizer, este discurso ou signo que acabei de ouvir, ver ou

apreender?

2 - O que não disse este dizer, este discurso, isto que acabei de ouvir e

apreender?

Normalmente dizemos que “entendemos” ou “compreendemos”

uma frase, um gesto, uma situação, sem a menor noção do que

estamos afirmando. Outras tantas, dizemos a nós mesmos que

estamos de “acordo” com tal e qual modo de ação, mesmo não

sabendo bem sobre todas as conseqüências que poderá advir no

tempo e no espaço. Enfim, parece da natureza dos humanos,

assentir que se compreende tudo, quando apenas apreende uma

parte, talvez pelas cobranças de nossa cultura, acreditamos que

“devemos” compreender e, de pronto, responder a esta

compreensão, afirmando alguma coisa de essencial sobre o que foi

compreendido. No entanto, compreender significa mais que

apreender, pois envolve complexas operações racionais,

emocionais e comportamentais.

Não pode ser confundido com a mera sensação do

conhecimento, mesmo porque conhecimento não é sensação:

aquilo que eu vejo ou apreendo não significa que eu compreenda o

que vejo ou sinto. Deste modo, a fórmula acima pode nos tirar de

muitos apuros e evitar grandes melindres ulteriores, caso sigamos

sua aplicação. Pode acreditar que funciona na maioria dos casos.

Mas o que significa o primeiro item? E o segundo então?

Que raios quer dizer aquilo que não se disse? Como assim? Certo!

Vamos ao manual de instruções:

Em primeiro lugar, devemos deixar claro que existem em

nós duas forças atuando em conjunto: razão e inteligência. Uma é

diferente, mas complementar a outra, não sendo a mesma e nem

agindo de igual maneira. A inteligência é a sublimação do instinto e

opera em vista à utilidade, portanto, descartando tudo aquilo que

não é imediatamente necessário ou construindo ferramental

adequado para se lidar com determinada situação ou dificuldade. A

inteligência parte da análise: decompõe para descobrir, quantificar

e regulamentar a generalização.

Trata-se de um princípio de seleção, de um instrumento de

ação sobre o mundo que age com vistas a controlá-lo, a submetê-lo

às nossas vontades e necessidades. A razão, por seu lado é reflexão,

que partindo da síntese das multiplicidades em uma

autoconsciência, incorpora a linguagem, a expressão, a

conceituação, a memória, a compreensão de todas as percepções,

instrumentos e, principalmente suas finalidades. A razão é capaz de

transcender aos mecanismos de controle da matéria e desenvolve 12um ethos , com o qual se inter-relaciona com o mundo e norteia

suas ações e escolhas. Dito isso, vamos em frente.

Quando alguém diz, por exemplo, que hoje vai chover,

normalmente não corremos a comprar um guarda-chuva, mas

antes arriscamos um prognóstico, baseados em algum indício ou

crença. Poucas vezes analisamos as possibilidades de que isto

realmente ocorra, ou seja: quais as probabilidades de que este dizer

se refira, em seu sentido, a uma urgência ou realidade imediata. Na

maioria das vezes nossas respostas são precárias. Atuamos em

relação a crenças pessoais e projeções, dando-lhes ar de ciência:

confiamos ou não na pessoa que disse aquilo, olhamos para o céu,

apostamos se é possível ou não que chova. Mas paramos por aí: não

desejamos saber realmente se irá chover. E se isto ocorrer, não

queremos estender a análise às áreas de risco da cidade, aos pontos

de alagamento, às possíveis vítimas de afogamento, em cobrar do

Estado uma solução para as enchentes, no que isto significa em

termos de qualidade de vida e saneamento, não estudamos os

custos e benefícios de forma racional e generalizada em busca de

soluções que possam ser aplicadas: simplesmente nos atemos ao

nosso trajeto, interesses e expectativas pessoais. Isto significa que

selecionamos utilitariamente as conseqüências em função de nossas

necessidades, através da função inteligente de nosso ser, mormente

se restringido a pálido uso: se não nos importunar, não nos interessa.

Isto prova que, a despeito de nossas iluminadas crenças, ciência,

moral e cidadania não são sinônimos. Nem andam lado a lado rumo

a um futuro brilhante de progresso e conforto. Assim, mesmo que

chova forte, diminuiremos os inconvenientes, de qualquer maneira

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

12 Aqui com sentido de caráter.

2524

1 - O que diz este dizer, este discurso ou signo que acabei de ouvir, ver ou

apreender?

2 - O que não disse este dizer, este discurso, isto que acabei de ouvir e

apreender?

Normalmente dizemos que “entendemos” ou “compreendemos”

uma frase, um gesto, uma situação, sem a menor noção do que

estamos afirmando. Outras tantas, dizemos a nós mesmos que

estamos de “acordo” com tal e qual modo de ação, mesmo não

sabendo bem sobre todas as conseqüências que poderá advir no

tempo e no espaço. Enfim, parece da natureza dos humanos,

assentir que se compreende tudo, quando apenas apreende uma

parte, talvez pelas cobranças de nossa cultura, acreditamos que

“devemos” compreender e, de pronto, responder a esta

compreensão, afirmando alguma coisa de essencial sobre o que foi

compreendido. No entanto, compreender significa mais que

apreender, pois envolve complexas operações racionais,

emocionais e comportamentais.

Não pode ser confundido com a mera sensação do

conhecimento, mesmo porque conhecimento não é sensação:

aquilo que eu vejo ou apreendo não significa que eu compreenda o

que vejo ou sinto. Deste modo, a fórmula acima pode nos tirar de

muitos apuros e evitar grandes melindres ulteriores, caso sigamos

sua aplicação. Pode acreditar que funciona na maioria dos casos.

Mas o que significa o primeiro item? E o segundo então?

Que raios quer dizer aquilo que não se disse? Como assim? Certo!

Vamos ao manual de instruções:

Em primeiro lugar, devemos deixar claro que existem em

nós duas forças atuando em conjunto: razão e inteligência. Uma é

diferente, mas complementar a outra, não sendo a mesma e nem

agindo de igual maneira. A inteligência é a sublimação do instinto e

opera em vista à utilidade, portanto, descartando tudo aquilo que

não é imediatamente necessário ou construindo ferramental

adequado para se lidar com determinada situação ou dificuldade. A

inteligência parte da análise: decompõe para descobrir, quantificar

e regulamentar a generalização.

Trata-se de um princípio de seleção, de um instrumento de

ação sobre o mundo que age com vistas a controlá-lo, a submetê-lo

às nossas vontades e necessidades. A razão, por seu lado é reflexão,

que partindo da síntese das multiplicidades em uma

autoconsciência, incorpora a linguagem, a expressão, a

conceituação, a memória, a compreensão de todas as percepções,

instrumentos e, principalmente suas finalidades. A razão é capaz de

transcender aos mecanismos de controle da matéria e desenvolve 12um ethos , com o qual se inter-relaciona com o mundo e norteia

suas ações e escolhas. Dito isso, vamos em frente.

Quando alguém diz, por exemplo, que hoje vai chover,

normalmente não corremos a comprar um guarda-chuva, mas

antes arriscamos um prognóstico, baseados em algum indício ou

crença. Poucas vezes analisamos as possibilidades de que isto

realmente ocorra, ou seja: quais as probabilidades de que este dizer

se refira, em seu sentido, a uma urgência ou realidade imediata. Na

maioria das vezes nossas respostas são precárias. Atuamos em

relação a crenças pessoais e projeções, dando-lhes ar de ciência:

confiamos ou não na pessoa que disse aquilo, olhamos para o céu,

apostamos se é possível ou não que chova. Mas paramos por aí: não

desejamos saber realmente se irá chover. E se isto ocorrer, não

queremos estender a análise às áreas de risco da cidade, aos pontos

de alagamento, às possíveis vítimas de afogamento, em cobrar do

Estado uma solução para as enchentes, no que isto significa em

termos de qualidade de vida e saneamento, não estudamos os

custos e benefícios de forma racional e generalizada em busca de

soluções que possam ser aplicadas: simplesmente nos atemos ao

nosso trajeto, interesses e expectativas pessoais. Isto significa que

selecionamos utilitariamente as conseqüências em função de nossas

necessidades, através da função inteligente de nosso ser, mormente

se restringido a pálido uso: se não nos importunar, não nos interessa.

Isto prova que, a despeito de nossas iluminadas crenças, ciência,

moral e cidadania não são sinônimos. Nem andam lado a lado rumo

a um futuro brilhante de progresso e conforto. Assim, mesmo que

chova forte, diminuiremos os inconvenientes, de qualquer maneira

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

12 Aqui com sentido de caráter.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

e não temos que ficar pensando nos “problemas dos outros”. Isto é o

que faz o homem comum, pois não é um assunto de grande

importância e afinal quem está na chuva é para se molhar, diz o

néscio. Amanhã é outro dia.

Mas esta situação simples, levada a um outro contexto

pode resultar em acidentes graves. É o caso de quando vamos

assinar um contrato ou financiamento e uma das muitas cláusulas

impõe sanções exorbitantes em caso de não cumprimento e, mesmo

lendo o documento, acreditamos que não é o caso de preocupação,

pois nossa situação imediata é confortável. Além do mais,

acreditamos poder contestar depois na Justiça ou fazer algum

acordo se as coisas derem errado. Mas e se você, de repente, perder

o emprego? Sequer lembrou de fazer um seguro? Não? E agora?

Descobriu relendo o contrato que a dívida passa de pai para filho? O

banco não quer negociar? Não tem nenhum acesso ao STF? Pode

perder a casa e todos os bens? Não consegue emprego porque o seu

nome está no SPC? Ai, Jesus!! O mundo está contra mim!! Deus me

abandonou!! Eu sou um azarado!!

Nada disso! Você ajudou a construir o mundo, seja agindo

ou ficando na moita cuidando da própria vida. É horroroso?

Lamento, mas em alguma instância ele possui sua chancela, sua

autorização para ser assim e não de outro modo. Poucas vezes

refletimos sobre o que realmente significam aquelas sanções que

ignoramos a extensão ou procuramos responder quais suas reais

conseqüências - na prática -, daquilo que acreditamos e aprovamos.

A especulação dourada do reducionismo hedonista-materialista se

esvai quando se pergunta: Até onde poderia o infrator ser atingido?

E se o infrator for eu? Deveremos ou não assinar? Em que medida

existem direitos que me protejam? Existe isonomia entre as

garantias? Quem é ingênuo a ponto de acreditar que um credor não

utilizará todos os instrumentos ao seu dispor para receber o que foi

acertado, que leia o Mercador de Veneza, de Shakespeare ou fique

devendo dinheiro a um banco que ouve você. Portanto, eis um caso

prático onde é importante saber exatamente o que quer dizer aquilo

que se disse: quais as reais implicações, os significados, as

conseqüências, as implicações, os desdobramentos, as ações agora,

durante e depois! O filósofo age assim: procura saber antes para não

ter que se lamentar mais tarde!

Claro que não precisamos ser assim tão dramáticos, mas

ajuda a ilustrar o que nos acontece quando tentamos utilizar uma

maneira única de abordar várias situações. No emprego e também

fora dele somos vítimas de nosso modo de encarar as coisas: de

como compreendemos os contextos, do modo como reagimos a

determinadas situações, de nossa falta de precaução ou de tato, da

maneira pela qual acreditamos que as coisas sejam assim ou assado,

dos valores que aceitamos, da distância entre nosso discurso e a

prática, dos problemas que nos ocorrem nas relações humanas e no

trabalho, de nossas opiniões, projeções e conhecimentos. Enfim,

muito do que nos acontece é porque, de certo modo, deixamos que

acontecesse ou contribuímos para isso. E nada dói mais do que

sentir que ninguém nos avisou sobre os perigos ali na frente. Mas, eu

pergunto: será que realmente não houve algum tipo de aviso ou

fomos nós mesmos que não demos atenção a sinais claros,

empenhados que estávamos em fazer valer nossas próprias

conjecturas? Antes de nos sentirmos magoados por situações

inesperadas ou olhares irônicos carregados com mensagens do tipo:

agora você sabe de tudo e tá na rua, mané! Vejamos o que podemos

fazer para nunca mais cairmos tão facilmente nas armadilhas

corporativas, mantendo a auto-estima, o profissionalismo e

reconstruindo a carreira.

No segundo item, a avaliação é um pouco mais imprecisa e

intuitiva, mas muito importante em seus termos de negatividade, ou

seja: o que foi excluído? Esta é a instância da negação de algo, um

não-vir-a-ser. Mas, antes pode significar também a exclusão pela

afirmação. Como? Simples: se dissermos que isto é azul, então não é

verde, ou seja, ao afirmar algo é automático aceitar que este algo

não é outro, mas somente este algo. Não é um silêncio de leis, onde

reina a mais absurda liberdade, porém uma norma contrária: se não

dissemos, não se pode fazer!! Por outro lado, pode ser entendido

que a negação também é uma condição de desconstrução do que

foi dito, buscando verificar se no intervalo aberto pelo que não foi

afirmado ou determinado, existe ou não algum tipo de mensagem,

de compromisso tácito, sutil, subliminar que pressupõe algo que

deveríamos saber. É como perceber a função das pausas na música:

elas são o elemento de ligação entre as notas que constroem a

2726

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

e não temos que ficar pensando nos “problemas dos outros”. Isto é o

que faz o homem comum, pois não é um assunto de grande

importância e afinal quem está na chuva é para se molhar, diz o

néscio. Amanhã é outro dia.

Mas esta situação simples, levada a um outro contexto

pode resultar em acidentes graves. É o caso de quando vamos

assinar um contrato ou financiamento e uma das muitas cláusulas

impõe sanções exorbitantes em caso de não cumprimento e, mesmo

lendo o documento, acreditamos que não é o caso de preocupação,

pois nossa situação imediata é confortável. Além do mais,

acreditamos poder contestar depois na Justiça ou fazer algum

acordo se as coisas derem errado. Mas e se você, de repente, perder

o emprego? Sequer lembrou de fazer um seguro? Não? E agora?

Descobriu relendo o contrato que a dívida passa de pai para filho? O

banco não quer negociar? Não tem nenhum acesso ao STF? Pode

perder a casa e todos os bens? Não consegue emprego porque o seu

nome está no SPC? Ai, Jesus!! O mundo está contra mim!! Deus me

abandonou!! Eu sou um azarado!!

Nada disso! Você ajudou a construir o mundo, seja agindo

ou ficando na moita cuidando da própria vida. É horroroso?

Lamento, mas em alguma instância ele possui sua chancela, sua

autorização para ser assim e não de outro modo. Poucas vezes

refletimos sobre o que realmente significam aquelas sanções que

ignoramos a extensão ou procuramos responder quais suas reais

conseqüências - na prática -, daquilo que acreditamos e aprovamos.

A especulação dourada do reducionismo hedonista-materialista se

esvai quando se pergunta: Até onde poderia o infrator ser atingido?

E se o infrator for eu? Deveremos ou não assinar? Em que medida

existem direitos que me protejam? Existe isonomia entre as

garantias? Quem é ingênuo a ponto de acreditar que um credor não

utilizará todos os instrumentos ao seu dispor para receber o que foi

acertado, que leia o Mercador de Veneza, de Shakespeare ou fique

devendo dinheiro a um banco que ouve você. Portanto, eis um caso

prático onde é importante saber exatamente o que quer dizer aquilo

que se disse: quais as reais implicações, os significados, as

conseqüências, as implicações, os desdobramentos, as ações agora,

durante e depois! O filósofo age assim: procura saber antes para não

ter que se lamentar mais tarde!

Claro que não precisamos ser assim tão dramáticos, mas

ajuda a ilustrar o que nos acontece quando tentamos utilizar uma

maneira única de abordar várias situações. No emprego e também

fora dele somos vítimas de nosso modo de encarar as coisas: de

como compreendemos os contextos, do modo como reagimos a

determinadas situações, de nossa falta de precaução ou de tato, da

maneira pela qual acreditamos que as coisas sejam assim ou assado,

dos valores que aceitamos, da distância entre nosso discurso e a

prática, dos problemas que nos ocorrem nas relações humanas e no

trabalho, de nossas opiniões, projeções e conhecimentos. Enfim,

muito do que nos acontece é porque, de certo modo, deixamos que

acontecesse ou contribuímos para isso. E nada dói mais do que

sentir que ninguém nos avisou sobre os perigos ali na frente. Mas, eu

pergunto: será que realmente não houve algum tipo de aviso ou

fomos nós mesmos que não demos atenção a sinais claros,

empenhados que estávamos em fazer valer nossas próprias

conjecturas? Antes de nos sentirmos magoados por situações

inesperadas ou olhares irônicos carregados com mensagens do tipo:

agora você sabe de tudo e tá na rua, mané! Vejamos o que podemos

fazer para nunca mais cairmos tão facilmente nas armadilhas

corporativas, mantendo a auto-estima, o profissionalismo e

reconstruindo a carreira.

No segundo item, a avaliação é um pouco mais imprecisa e

intuitiva, mas muito importante em seus termos de negatividade, ou

seja: o que foi excluído? Esta é a instância da negação de algo, um

não-vir-a-ser. Mas, antes pode significar também a exclusão pela

afirmação. Como? Simples: se dissermos que isto é azul, então não é

verde, ou seja, ao afirmar algo é automático aceitar que este algo

não é outro, mas somente este algo. Não é um silêncio de leis, onde

reina a mais absurda liberdade, porém uma norma contrária: se não

dissemos, não se pode fazer!! Por outro lado, pode ser entendido

que a negação também é uma condição de desconstrução do que

foi dito, buscando verificar se no intervalo aberto pelo que não foi

afirmado ou determinado, existe ou não algum tipo de mensagem,

de compromisso tácito, sutil, subliminar que pressupõe algo que

deveríamos saber. É como perceber a função das pausas na música:

elas são o elemento de ligação entre as notas que constroem a

2726

melodia, ao mesmo tempo em que são como os pilares desta mesma

construção. Retirem-se as pausas e temos apenas um amontoado de

ruídos sem sentido. Verificar o que não foi dito significa antecipar-se

a qualquer má interpretação, a qualquer “eu achei que fosse

diferente”. Usar estas regrinhas pode auxiliar muito nas relações de

compreensão que constituem nossa vida.

Mas, como dizem os que sabem, a obra uma vez lançada

distancia-se do autor e adquire realidade própria, além do querer

dizer existe a necessária mediação pelo interlocutor, em uma

relação de interpretação. Sendo assim, são vocês que devem tirar as

conclusões sobre o que vou relatar acerca do que realmente

aconteceu...

CAPÍTULO I

DOCES ENTREVISTAS

São Paulo, Janeiro de 2005 - Início da Saga

As semanas se passavam e nada parecia acontecer. Depois de passar

por várias entrevistas, senti que alguma coisa estava empacando

meus objetivos. Normalmente era chamado por telefone para um

processo seletivo, marcavam uma primeira visita, eu comparecia,

falava sobre minha história, meu perfil, minhas metas, como havia

sido dispensado, o porquê da minha formação educacional e por aí

caminhava a conversação. Invariavelmente eram sempre as

mesmas perguntas, quase que na mesma seqüência e feitas de forma

semi-mecânica. Eu procurava responder com empenho, colocando

ênfase nas partes que tinha mais experiência ou conhecimento,

inclusive destacando pontos relevantes e citando exemplos e

situações. Procurava demonstrar o maior interesse, embora quase

nada sobre as vagas me fosse dito - mistério insondável e que é

normal, na maioria dos casos. Mas como os processos não iam para

frente, fiquei desconfiado, pois parecia que eu não agradava logo de

cara. Foi quando eu me toquei que havia algo errado: eu estava

sendo sincero demais!

De repente, ficou claro que eu devia fazer correções na

rota. Afinal, eu estava há alguns anos fora do contingente que está aí

no esforço insano para arrumar outro emprego. Tinha que me

adaptar, urgentemente ao novo padrão, se quisesse conseguir uma

oportunidade em breve. E isto não deveria ser problema, pois

LUÍS SÉRGIO LICO

28

melodia, ao mesmo tempo em que são como os pilares desta mesma

construção. Retirem-se as pausas e temos apenas um amontoado de

ruídos sem sentido. Verificar o que não foi dito significa antecipar-se

a qualquer má interpretação, a qualquer “eu achei que fosse

diferente”. Usar estas regrinhas pode auxiliar muito nas relações de

compreensão que constituem nossa vida.

Mas, como dizem os que sabem, a obra uma vez lançada

distancia-se do autor e adquire realidade própria, além do querer

dizer existe a necessária mediação pelo interlocutor, em uma

relação de interpretação. Sendo assim, são vocês que devem tirar as

conclusões sobre o que vou relatar acerca do que realmente

aconteceu...

CAPÍTULO I

DOCES ENTREVISTAS

São Paulo, Janeiro de 2005 - Início da Saga

As semanas se passavam e nada parecia acontecer. Depois de passar

por várias entrevistas, senti que alguma coisa estava empacando

meus objetivos. Normalmente era chamado por telefone para um

processo seletivo, marcavam uma primeira visita, eu comparecia,

falava sobre minha história, meu perfil, minhas metas, como havia

sido dispensado, o porquê da minha formação educacional e por aí

caminhava a conversação. Invariavelmente eram sempre as

mesmas perguntas, quase que na mesma seqüência e feitas de forma

semi-mecânica. Eu procurava responder com empenho, colocando

ênfase nas partes que tinha mais experiência ou conhecimento,

inclusive destacando pontos relevantes e citando exemplos e

situações. Procurava demonstrar o maior interesse, embora quase

nada sobre as vagas me fosse dito - mistério insondável e que é

normal, na maioria dos casos. Mas como os processos não iam para

frente, fiquei desconfiado, pois parecia que eu não agradava logo de

cara. Foi quando eu me toquei que havia algo errado: eu estava

sendo sincero demais!

De repente, ficou claro que eu devia fazer correções na

rota. Afinal, eu estava há alguns anos fora do contingente que está aí

no esforço insano para arrumar outro emprego. Tinha que me

adaptar, urgentemente ao novo padrão, se quisesse conseguir uma

oportunidade em breve. E isto não deveria ser problema, pois

LUÍS SÉRGIO LICO

28

bastava me atualizar, fazer uma reciclagem dos conhecimentos,

reescrever o currículo, colocar uma fatiota combinando com a

gravata para os devidos efeitos práticos (a aparência transmite

seriedade, profissionalismo, postura moral, adequação, capacidade

e outros delírios) e logo, logo, teria bons resultados. Não foi bem

assim que correram as coisas, como veremos no restante deste

capítulo, onde me dedico a relatar todos os incidentes de percurso

que devem ser evitados.

1 - O Perigo Objetivo:

Numa entrevista não se procura saber o que realmente se é. Aquele

papo quebra gelo de “vamos nos conhecer melhor” é apenas um

impulso inicial para a conversa. Tenha sempre em mente que aquela

pessoa que está lhe entrevistando faz isto, pelo menos, 50 vezes ao

dia - todos os dias! Desse jeito, é normal que à tarde esta pessoa nem

lembre mais com quem falou há duas horas atrás. Sua importância

como indivíduo praticamente inexiste, o que interessa e preencher a

vaga para o cliente que aguarda o candidato ideal.

Além disso, considere que existe absurdo excesso de

pretendentes ao emprego, e isto fez com que esta pessoa tenha

passado antes de falar com você horas na internet garimpando

currículos ou abrindo e lendo uns 250 e-mails para selecionar 5 ou 6

possíveis eleitos. Neste contexto, a objetividade é a regra de ouro, que

como tudo possui exceções.

Assim que constatei que não podia ficar perdendo

preciosas oportunidades porque não conseguia responder com

clarividência aos questionamentos, decidi mudar de estratégia. Eu

deveria, a partir de agora, deixar de falar com tanta ênfase nas

minhas competências e passar a tentar responder de forma clara,

concisa e objetiva às perguntas. Foi outro desastre! Se antes o

excesso de entrelinhas não me dava chance, porque o mala do

entrevistador “não conseguia achar um foco”, agora o discurso

sintético fazia com que fosse avaliado como um inepto

desinteressado ou com horizontes estreitos. A situação desafiava

minha razão e, então, procurei auxílio especializado.

Buscar emprego era uma questão de técnica. Dali para

diante eu rebateria com precisão quaisquer argumentos, sendo

assertivo, deixando claro que minhas aptidões me levavam a ser

proativo, “empregável”, pluridisciplinar. Busquei as ferramentas e

opiniões aceitas e dei com os burros n'água. Ser objetivo requer

cuidado! É preciso avaliar muitas outras coisas, além das respostas

que se dá numa entrevista. Uma das últimas vezes que tentei seguir

as instruções dos artigos de jornais e palestrantes genéricos resultou

no caso abaixo:

- Em que sua formação em filosofia pode contribuir para o crescimento

da empresa? Porque você decidiu escolher esta carreira? Perguntava a

entrevistadora.

- Uma formação superior em áreas do conhecimento pode ser útil em

muitos casos, é importante possuir condições de refletir e planejar com

razoável índice de eficiência para poder cumprir as metas. Para

organizar as coisas é preciso ter métodos. Dominar os processos de

apreensão permite determinar linhas de atuação para o que se quer

conseguir. Esta visão ajuda até nas análises de redução de custos e

possibilita criar canais de interatividade para integração com a equipe.

- Mas se você se interessa pela área do conhecimento, porque está aqui?

Não vejo como isto pode ajudar o departamento comercial a vender

mais. Você tinha que ter feito administração em função de seus cargos

anteriores. Você mudou de rumo ou mudaram suas expectativas?

- Como assim? Titubeei. Estas minhas experiências e formação superior

só vêm a somar...

- Seu perfil foge da descrição do cargo. Você passou por muitas

empresas, disse que gosta de refletir, que acha importante ter método e

planejar. Não consigo fechar um foco em você. Só sei que preciso é de

alguém que se dedique a construir tabelas em Excel, conheça

marketing, promoção e dê suporte ao gerente. Não alguém que faça

perguntas ou que fique viajando no horário de expediente. Veja bem:

não sou eu que falo isso, as pessoas são assim.

- Justamente! Eu já atuei com tudo isso e pode ter certeza que um

profissional com a minha trajetória consegue planilhar um

departamento! O que eu não vejo é uma relação de causa e efeito com

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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bastava me atualizar, fazer uma reciclagem dos conhecimentos,

reescrever o currículo, colocar uma fatiota combinando com a

gravata para os devidos efeitos práticos (a aparência transmite

seriedade, profissionalismo, postura moral, adequação, capacidade

e outros delírios) e logo, logo, teria bons resultados. Não foi bem

assim que correram as coisas, como veremos no restante deste

capítulo, onde me dedico a relatar todos os incidentes de percurso

que devem ser evitados.

1 - O Perigo Objetivo:

Numa entrevista não se procura saber o que realmente se é. Aquele

papo quebra gelo de “vamos nos conhecer melhor” é apenas um

impulso inicial para a conversa. Tenha sempre em mente que aquela

pessoa que está lhe entrevistando faz isto, pelo menos, 50 vezes ao

dia - todos os dias! Desse jeito, é normal que à tarde esta pessoa nem

lembre mais com quem falou há duas horas atrás. Sua importância

como indivíduo praticamente inexiste, o que interessa e preencher a

vaga para o cliente que aguarda o candidato ideal.

Além disso, considere que existe absurdo excesso de

pretendentes ao emprego, e isto fez com que esta pessoa tenha

passado antes de falar com você horas na internet garimpando

currículos ou abrindo e lendo uns 250 e-mails para selecionar 5 ou 6

possíveis eleitos. Neste contexto, a objetividade é a regra de ouro, que

como tudo possui exceções.

Assim que constatei que não podia ficar perdendo

preciosas oportunidades porque não conseguia responder com

clarividência aos questionamentos, decidi mudar de estratégia. Eu

deveria, a partir de agora, deixar de falar com tanta ênfase nas

minhas competências e passar a tentar responder de forma clara,

concisa e objetiva às perguntas. Foi outro desastre! Se antes o

excesso de entrelinhas não me dava chance, porque o mala do

entrevistador “não conseguia achar um foco”, agora o discurso

sintético fazia com que fosse avaliado como um inepto

desinteressado ou com horizontes estreitos. A situação desafiava

minha razão e, então, procurei auxílio especializado.

Buscar emprego era uma questão de técnica. Dali para

diante eu rebateria com precisão quaisquer argumentos, sendo

assertivo, deixando claro que minhas aptidões me levavam a ser

proativo, “empregável”, pluridisciplinar. Busquei as ferramentas e

opiniões aceitas e dei com os burros n'água. Ser objetivo requer

cuidado! É preciso avaliar muitas outras coisas, além das respostas

que se dá numa entrevista. Uma das últimas vezes que tentei seguir

as instruções dos artigos de jornais e palestrantes genéricos resultou

no caso abaixo:

- Em que sua formação em filosofia pode contribuir para o crescimento

da empresa? Porque você decidiu escolher esta carreira? Perguntava a

entrevistadora.

- Uma formação superior em áreas do conhecimento pode ser útil em

muitos casos, é importante possuir condições de refletir e planejar com

razoável índice de eficiência para poder cumprir as metas. Para

organizar as coisas é preciso ter métodos. Dominar os processos de

apreensão permite determinar linhas de atuação para o que se quer

conseguir. Esta visão ajuda até nas análises de redução de custos e

possibilita criar canais de interatividade para integração com a equipe.

- Mas se você se interessa pela área do conhecimento, porque está aqui?

Não vejo como isto pode ajudar o departamento comercial a vender

mais. Você tinha que ter feito administração em função de seus cargos

anteriores. Você mudou de rumo ou mudaram suas expectativas?

- Como assim? Titubeei. Estas minhas experiências e formação superior

só vêm a somar...

- Seu perfil foge da descrição do cargo. Você passou por muitas

empresas, disse que gosta de refletir, que acha importante ter método e

planejar. Não consigo fechar um foco em você. Só sei que preciso é de

alguém que se dedique a construir tabelas em Excel, conheça

marketing, promoção e dê suporte ao gerente. Não alguém que faça

perguntas ou que fique viajando no horário de expediente. Veja bem:

não sou eu que falo isso, as pessoas são assim.

- Justamente! Eu já atuei com tudo isso e pode ter certeza que um

profissional com a minha trajetória consegue planilhar um

departamento! O que eu não vejo é uma relação de causa e efeito com

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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minha formação. Conhecimento não é importante? Minha experiência

é clara, inclusive, já fui responsável por equipes de grande porte e

administrava alto valor de budget.

- Sei. Bom, como eu dizia, eu estou aqui para ver se há adequação do

candidato ao perfil da vaga. Você parece ser proativo, questiona as

circunstâncias, mas não sei se esta postura é a que o cliente precisa...

Veja bem, se o candidato não se encaixa completamente em um mapa

característico, depois ele não vai se sentir feliz trabalhando, não é

mesmo? Mais importante que um emprego é estar bem consigo mesmo!

Não adianta eu selecionar alguém e ele não se realizar no emprego.

Você sabe que o foco na carreira é 100% da vida de um profissional.

- Olha! Veja...O que eu quero dizer... Tentei cortar, desesperado, pois

não conseguia entender como se pode ficar bem consigo mesmo

estando desempregado, mas sem sucesso.

- Bom, esta é apenas uma primeira etapa e se você for aprovado

entraremos em contato.

- ...é que posso contribuir com minhas competências, tanto para tarefas

operacionais, quanto interagindo com a equipe ou a gerência. Enfim,

procuro ser útil em todos os momentos e tento estar informado sobre as

diversas tendências e ferramentas.

- Sei. Você tem uma formação generalista, suspirou ela. Bom, eu não

posso adiantar mais nada sobre a vaga, nem os vencimentos, pois a

vaga é fechada, mas de qualquer jeito, o próximo passo é encaminhar

seu currículo para a empresa. Obrigado por ter vindo. Aguarde um

contato!

O exemplo acima é coisa comum a todos os que estão a procura de

emprego: como responder se você serve ou não ao cargo se não

dizem nada sobre ele. Tudo parece uma série infindável de peneiras

e a pior coisa que você pode fazer é usar dos conselhos de

especialistas.

O ponto aqui é saber sondar a entrevistadora para que ela

abra possibilidades de você interagir e não ser analisado e

descartado por um perfil estreito demais. Se não for assim o contato

para uma segunda fase ou o famoso “feedback” só virá na primeira

quarta-feira depois do dia de São Nunca. Veja a seguir como ser

“objetivo”, na acepção mercadológica do termo que significa algo

como “cumprir os requisitos exigidos” e que não consiste somente

em dar respostas racionais e eficazes:

- Em que sua formação em filosofia pode contribuir para o crescimento

da empresa? Porque você decidiu escolher esta carreira?

- Primeiro porque tenho interesse na área do conhecimento e a razão

sempre deve ser aplicada tanto na vida profissional ou pessoal. Outra

coisa é que, há tempos eu sentia a necessidade de complementar meus

estudos, de me atualizar. Outro ponto é como recusar as oportunidades

conquistadas? Eu fui um dos melhores colocados no vestibular e por

isso a universidade me ofereceu uma bolsa integral. Eu procuro

aproveitar o que aprendi no dia a dia. Foi um grande desafio voltar a

estudar, mas com determinação e disciplina conciliei bem as coisas.

Agora pretendo fazer uma pós em alguma área promissora, talvez mais

próxima de minhas atividades.

- Certo! O ideal era você ter feito administração em função de seus 13cargos anteriores. Mas o importante é estar disposto a aprender e a se

atualizar constantemente. Bom. Formação superior completa, este

item já foi. Me fale agora um pouco mais sobre seus conhecimentos em

Excel, sobre esta sua experiência em marketing e suas expectativas em

relação à função.

- Conheço bem o pacote Office, atuei por anos em marketing, vendas e

sou bilíngüe. Além do que está no currículo e do que já falamos, o que

mais eu posso dizer é esperar contribuir com minhas competências,

tanto para tarefas operacionais, quanto interagindo com a equipe ou a

gerência. Enfim, procurar ser útil em todos os momentos, me

dedicando ao máximo.

- Sei. Resumindo você procura ser abrangente, sem ser generalista.

Panorâmico, mas mantém um foco determinado na função.

Experiência, interesses, formação acho que já vimos tudo. Bem! Eu não

13 Ah! A estupidez humana! Quem é o recrutador que não sentiu vontade de dar palpites os mais disparatados na vida das pessoas, sem nenhum critério! O que impede um filósofo de ser um bom administrador ou um administrador de ser um excelente poeta? Somente a ignorância, a mediocridade e o preconceito dos que vivem sob o jugo do senso comum e das abomináveis tecnocracias é que pode ser tão infeliz ao considerar as capacidades alheias...

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

3332

minha formação. Conhecimento não é importante? Minha experiência

é clara, inclusive, já fui responsável por equipes de grande porte e

administrava alto valor de budget.

- Sei. Bom, como eu dizia, eu estou aqui para ver se há adequação do

candidato ao perfil da vaga. Você parece ser proativo, questiona as

circunstâncias, mas não sei se esta postura é a que o cliente precisa...

Veja bem, se o candidato não se encaixa completamente em um mapa

característico, depois ele não vai se sentir feliz trabalhando, não é

mesmo? Mais importante que um emprego é estar bem consigo mesmo!

Não adianta eu selecionar alguém e ele não se realizar no emprego.

Você sabe que o foco na carreira é 100% da vida de um profissional.

- Olha! Veja...O que eu quero dizer... Tentei cortar, desesperado, pois

não conseguia entender como se pode ficar bem consigo mesmo

estando desempregado, mas sem sucesso.

- Bom, esta é apenas uma primeira etapa e se você for aprovado

entraremos em contato.

- ...é que posso contribuir com minhas competências, tanto para tarefas

operacionais, quanto interagindo com a equipe ou a gerência. Enfim,

procuro ser útil em todos os momentos e tento estar informado sobre as

diversas tendências e ferramentas.

- Sei. Você tem uma formação generalista, suspirou ela. Bom, eu não

posso adiantar mais nada sobre a vaga, nem os vencimentos, pois a

vaga é fechada, mas de qualquer jeito, o próximo passo é encaminhar

seu currículo para a empresa. Obrigado por ter vindo. Aguarde um

contato!

O exemplo acima é coisa comum a todos os que estão a procura de

emprego: como responder se você serve ou não ao cargo se não

dizem nada sobre ele. Tudo parece uma série infindável de peneiras

e a pior coisa que você pode fazer é usar dos conselhos de

especialistas.

O ponto aqui é saber sondar a entrevistadora para que ela

abra possibilidades de você interagir e não ser analisado e

descartado por um perfil estreito demais. Se não for assim o contato

para uma segunda fase ou o famoso “feedback” só virá na primeira

quarta-feira depois do dia de São Nunca. Veja a seguir como ser

“objetivo”, na acepção mercadológica do termo que significa algo

como “cumprir os requisitos exigidos” e que não consiste somente

em dar respostas racionais e eficazes:

- Em que sua formação em filosofia pode contribuir para o crescimento

da empresa? Porque você decidiu escolher esta carreira?

- Primeiro porque tenho interesse na área do conhecimento e a razão

sempre deve ser aplicada tanto na vida profissional ou pessoal. Outra

coisa é que, há tempos eu sentia a necessidade de complementar meus

estudos, de me atualizar. Outro ponto é como recusar as oportunidades

conquistadas? Eu fui um dos melhores colocados no vestibular e por

isso a universidade me ofereceu uma bolsa integral. Eu procuro

aproveitar o que aprendi no dia a dia. Foi um grande desafio voltar a

estudar, mas com determinação e disciplina conciliei bem as coisas.

Agora pretendo fazer uma pós em alguma área promissora, talvez mais

próxima de minhas atividades.

- Certo! O ideal era você ter feito administração em função de seus 13cargos anteriores. Mas o importante é estar disposto a aprender e a se

atualizar constantemente. Bom. Formação superior completa, este

item já foi. Me fale agora um pouco mais sobre seus conhecimentos em

Excel, sobre esta sua experiência em marketing e suas expectativas em

relação à função.

- Conheço bem o pacote Office, atuei por anos em marketing, vendas e

sou bilíngüe. Além do que está no currículo e do que já falamos, o que

mais eu posso dizer é esperar contribuir com minhas competências,

tanto para tarefas operacionais, quanto interagindo com a equipe ou a

gerência. Enfim, procurar ser útil em todos os momentos, me

dedicando ao máximo.

- Sei. Resumindo você procura ser abrangente, sem ser generalista.

Panorâmico, mas mantém um foco determinado na função.

Experiência, interesses, formação acho que já vimos tudo. Bem! Eu não

13 Ah! A estupidez humana! Quem é o recrutador que não sentiu vontade de dar palpites os mais disparatados na vida das pessoas, sem nenhum critério! O que impede um filósofo de ser um bom administrador ou um administrador de ser um excelente poeta? Somente a ignorância, a mediocridade e o preconceito dos que vivem sob o jugo do senso comum e das abomináveis tecnocracias é que pode ser tão infeliz ao considerar as capacidades alheias...

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

3332

posso adiantar mais nada sobre a vaga, nem os vencimentos. Eu vou

encaminhar hoje mesmo para a empresa e depois dou um retorno.

Obrigado por ter vindo.

Notaram a significativa diferença de rumo que a conversa tomou?

Se existe uma ordem nos discursos, que os limitem ou determine seu

protocolo, ele ao mesmo tempo é totalmente variável em suas

direções. Isto é porque todo diálogo também segue uma orientação

psicológica, ou seja: o que mudou o rumo da conversa foi ter

“aceitado” a opinião implícita do entrevistador e levado a situação

não para o âmbito da formação, mas para a da oportunidade.

Prof iss ionais comprometidos não desperdiçam

oportunidades e se elas demonstram algum grau de esforço e

concentração para serem realizadas, você será visto com melhores

olhos ainda. Se no primeiro caso o descarte fora imediato, no

segundo existe uma real chance de acontecer um retorno. Foi

necessário mentir? Não! Apenas adequar o discurso à objetividade

aberta das inúmeras possibilidades.

Isso, porém, só vem com o tempo e é a razão de ser deste

Manual: levar ao seu conhecimento coisas que poderiam demorar

meses ou anos para você se dar conta.

2 - A Armadilha do Fale sobre Si mesmo

Invariavelmente você terá que passar por isso: falar sobre si mesmo.

Mas o que significa isso? Formalmente, querem saber suas

inclinações, o que faz nas horas vagas, ver como se diverte, se presta

algum serviço voluntário, do que gosta ou não gosta, enfim compor

um quadro de sua personalidade fora do escritório.

Na prática querem saber se existe alguma tendência,

hábito incompatível ou que se relacione negativamente com algum

ponto chave do perfil. Normalmente agimos de um jeito ou outro,

conforme o local e circunstância, ou seja: não vamos trabalhar de

bermuda e camiseta, nem arrotamos cerveja no intervalo do jogo,

como fazemos em casa. E mesmo se gostarmos de ficar descalços ou

meditar na sala sem roupa, no trabalho a coisa é diferente.

O caso é que nem todos pensam assim, há que se lidar tanto

com os discursos dos psicólogos, quanto com o que é aceito ou não,

medianamente pela nossa sociedade e cultura. A reta razão nos

informa sobre nosso livre arbítrio, mas as pessoas nem sempre agem

racionalmente. A Constituição garante liberdade de expressão, de

culto, ir e vir e tudo o mais, mas não vá se fiando muito nisso. A lei

proíbe aos empregadores qualquer discriminação por raça, sexo,

preferência sexual ou convicções pessoais e nem por isso eles

deixarão o preconceito de lado. Se você tem Orkut então, delete ou

modifique completamente: eles vão olhar, pode ter certeza! Lembre

do método de perguntar o que quer dizer a pergunta. O perigo

reside justamente aí: ser franco! Ai daquele que achar que suas

inclinações pessoais são inofensivas ou irrelevantes para o processo

seletivo.

O que importa ao selecionador é poder compor um quadro

de seus afetos, percepções e interesses, de forma que ele possa

mapear sua personalidade e dar seu veredicto. Veja só um exemplo

do que pode acontecer ao falar-se ingenuamente de si mesmo:

- Me fale um pouco mais de seus interesses pessoais. Me diga quem é

você!

- Eu gosto de jogar bola, reunir os amigos no fim de semana, assistir

televisão. Vez por outra vamos ao cinema, na saída vamos a um

barzinho ou algum evento. Eu sou muito sociável, faço amigos com

facilidade, gosto de estar em grupo e aproveitar as horas de lazer. Sou

bem humorado e otimista. Acredito que não teria dificuldade em me

adaptar a qualquer serviço.

- Entendo...Mas o que motiva você. O que faz a vida valer a pena?

- Tudo isso! Eu quero é buscar formas de ser feliz, de me realizar, ter

prosperidade, fazer uma carreira, um dia ter filhos e constituir família.

- Mas você não acha que valeria mais a pena estar buscando se

aprimorar?

- ?!?

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

3534

posso adiantar mais nada sobre a vaga, nem os vencimentos. Eu vou

encaminhar hoje mesmo para a empresa e depois dou um retorno.

Obrigado por ter vindo.

Notaram a significativa diferença de rumo que a conversa tomou?

Se existe uma ordem nos discursos, que os limitem ou determine seu

protocolo, ele ao mesmo tempo é totalmente variável em suas

direções. Isto é porque todo diálogo também segue uma orientação

psicológica, ou seja: o que mudou o rumo da conversa foi ter

“aceitado” a opinião implícita do entrevistador e levado a situação

não para o âmbito da formação, mas para a da oportunidade.

Prof iss ionais comprometidos não desperdiçam

oportunidades e se elas demonstram algum grau de esforço e

concentração para serem realizadas, você será visto com melhores

olhos ainda. Se no primeiro caso o descarte fora imediato, no

segundo existe uma real chance de acontecer um retorno. Foi

necessário mentir? Não! Apenas adequar o discurso à objetividade

aberta das inúmeras possibilidades.

Isso, porém, só vem com o tempo e é a razão de ser deste

Manual: levar ao seu conhecimento coisas que poderiam demorar

meses ou anos para você se dar conta.

2 - A Armadilha do Fale sobre Si mesmo

Invariavelmente você terá que passar por isso: falar sobre si mesmo.

Mas o que significa isso? Formalmente, querem saber suas

inclinações, o que faz nas horas vagas, ver como se diverte, se presta

algum serviço voluntário, do que gosta ou não gosta, enfim compor

um quadro de sua personalidade fora do escritório.

Na prática querem saber se existe alguma tendência,

hábito incompatível ou que se relacione negativamente com algum

ponto chave do perfil. Normalmente agimos de um jeito ou outro,

conforme o local e circunstância, ou seja: não vamos trabalhar de

bermuda e camiseta, nem arrotamos cerveja no intervalo do jogo,

como fazemos em casa. E mesmo se gostarmos de ficar descalços ou

meditar na sala sem roupa, no trabalho a coisa é diferente.

O caso é que nem todos pensam assim, há que se lidar tanto

com os discursos dos psicólogos, quanto com o que é aceito ou não,

medianamente pela nossa sociedade e cultura. A reta razão nos

informa sobre nosso livre arbítrio, mas as pessoas nem sempre agem

racionalmente. A Constituição garante liberdade de expressão, de

culto, ir e vir e tudo o mais, mas não vá se fiando muito nisso. A lei

proíbe aos empregadores qualquer discriminação por raça, sexo,

preferência sexual ou convicções pessoais e nem por isso eles

deixarão o preconceito de lado. Se você tem Orkut então, delete ou

modifique completamente: eles vão olhar, pode ter certeza! Lembre

do método de perguntar o que quer dizer a pergunta. O perigo

reside justamente aí: ser franco! Ai daquele que achar que suas

inclinações pessoais são inofensivas ou irrelevantes para o processo

seletivo.

O que importa ao selecionador é poder compor um quadro

de seus afetos, percepções e interesses, de forma que ele possa

mapear sua personalidade e dar seu veredicto. Veja só um exemplo

do que pode acontecer ao falar-se ingenuamente de si mesmo:

- Me fale um pouco mais de seus interesses pessoais. Me diga quem é

você!

- Eu gosto de jogar bola, reunir os amigos no fim de semana, assistir

televisão. Vez por outra vamos ao cinema, na saída vamos a um

barzinho ou algum evento. Eu sou muito sociável, faço amigos com

facilidade, gosto de estar em grupo e aproveitar as horas de lazer. Sou

bem humorado e otimista. Acredito que não teria dificuldade em me

adaptar a qualquer serviço.

- Entendo...Mas o que motiva você. O que faz a vida valer a pena?

- Tudo isso! Eu quero é buscar formas de ser feliz, de me realizar, ter

prosperidade, fazer uma carreira, um dia ter filhos e constituir família.

- Mas você não acha que valeria mais a pena estar buscando se

aprimorar?

- ?!?

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

3534

Se houvesse uma câmera registrando as anotações do

entrevistador poderíamos ver que o diagnóstico pessoal seria

desanimador: nenhum “risquinho” positivo no canto de seu

currículo. Caso pudéssemos ler sua mente o que ali encontraríamos

poderia oscilar entre “bebum e sedentário” “integrante de torcida

organizada”, “frívolo e superficial”, “sexopata delirante”, “pretende

ter filhos e gozar de licença maternidade” se for mulher ou “faltar

para ir ao médico” se for homem”. No mínimo terão a certeza de que

você não entendeu a pergunta.

Quando um entrevistador não questiona exatamente sobre

seus hábitos no lazer, o que ele quer saber é como você se vê: como

se descreve. Evitar mencionar planos futuros que se choquem com a

intenção do empregador também é saudável.

A resposta mais acertada na situação seria:

- Me fale um pouco mais de seus interesses pessoais. Me diga quem é

você!

- Sou uma pessoa dinâmica, procuro estar sempre em atividade. Tenho

um raciocínio ágil, mas reflito antes de emitir uma opinião. Gosto de

estar informado sobre o que se passa ao meu redor. Sou sincero, leal,

determinado e persistente. Procuro acertar logo da primeira vez em

qualquer tarefa e procuro atuar em equipe. Nas horas de lazer, gosto de

esportes, estar com a família, de encontrar amigos e, quando posso, vou

ao cinema ou outro programa.

- Se pudesse faria algum curso ou outra atividade?

- Sim claro. Inclusive, sou voluntário em uma instituição, a cada quinze

dias.

- É sempre bom estar realizando coisas, não é mesmo? Pretende ter

filhos?

- Acho que não é o momento, meu objetivo agora é estruturar minha

carreira, quem sabe fazer uma especialização. Daqui a alguns anos e

havendo condições, quem sabe?

- Você está certíssimo! É preciso estar primeiro preparado.

A diferença é notável, concorda? A mesma câmera oculta

agora nos daria a imagem de alguns pontos positivos marcados no

currículo, ao passo em que na mente do entrevistador haveria estas

conjecturas: “comprometido e sociável”, “responsável”, “saudável

com gosto pela cultura”. Mas o que foi dito de diferente da primeira

vez? Muito pouca coisa. O importante é o “modo” pelo qual se

abordou o mesmo assunto, a maneira diferente. Trocamos o futebol

e os amigos, pelo conceito esporte e falou-se mais de si mesmo,

proporcionando a continuidade do diálogo e evitando qualquer

ameaça ao empregador. Um dos motivos desta abordagem é saber

se você não está enganando na entrevista, pois os hábitos e

expectativas revelam muito sobre como você provavelmente se

comportaria numa função. Tenha por regra que não é a coisa isolada

que você diz que determina ou não a continuidade da entrevista. É o

cruzamento das informações que fornece ao avaliador um quadro 14geral da situação, trata-se de uma Kpi sinistra. O que quer que diga

sobre si mesmo, o faça de maneira assertiva, pontual e positiva.

Deste modo as palavras-chave para o sucesso nesta fase do

diálogo são os conceitos. Definir-se conceitualmente significa ter

domínio de suas representações, ou seja: saber quem se é e poder

dizer de forma clara e sucinta seus interesses e objetivos. Seja

persuasivo e aja com naturalidade e não se esqueça de que além de

avaliar o que diz o discurso, deve-se não fugir do senso comum, a

não ser que a situação exija. Não é um jogo de truco, mas de pôquer.

3 - De Frente ao Desconhecido

Estar na posição de entrevistado não é uma condição confortável.

Muitas vezes nem mais lembramos para quem enviamos o currículo

e de repente nos chamam e pronto: aqui estamos nós em frente a

alguém que pode mudar o rumo de nossas vidas. Este estranho que

nos faz as mais disparatadas perguntas é o início de nossa

caminhada, rumo ao novo emprego: luz no fim do longo túnel de

nossas contas atrasadas e ansiedades diversas. O que fazer nestas

situações?

14 Indicadores de performance são as construções gráficas resultantes no cruzamento de vários aspectos.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

3736

Se houvesse uma câmera registrando as anotações do

entrevistador poderíamos ver que o diagnóstico pessoal seria

desanimador: nenhum “risquinho” positivo no canto de seu

currículo. Caso pudéssemos ler sua mente o que ali encontraríamos

poderia oscilar entre “bebum e sedentário” “integrante de torcida

organizada”, “frívolo e superficial”, “sexopata delirante”, “pretende

ter filhos e gozar de licença maternidade” se for mulher ou “faltar

para ir ao médico” se for homem”. No mínimo terão a certeza de que

você não entendeu a pergunta.

Quando um entrevistador não questiona exatamente sobre

seus hábitos no lazer, o que ele quer saber é como você se vê: como

se descreve. Evitar mencionar planos futuros que se choquem com a

intenção do empregador também é saudável.

A resposta mais acertada na situação seria:

- Me fale um pouco mais de seus interesses pessoais. Me diga quem é

você!

- Sou uma pessoa dinâmica, procuro estar sempre em atividade. Tenho

um raciocínio ágil, mas reflito antes de emitir uma opinião. Gosto de

estar informado sobre o que se passa ao meu redor. Sou sincero, leal,

determinado e persistente. Procuro acertar logo da primeira vez em

qualquer tarefa e procuro atuar em equipe. Nas horas de lazer, gosto de

esportes, estar com a família, de encontrar amigos e, quando posso, vou

ao cinema ou outro programa.

- Se pudesse faria algum curso ou outra atividade?

- Sim claro. Inclusive, sou voluntário em uma instituição, a cada quinze

dias.

- É sempre bom estar realizando coisas, não é mesmo? Pretende ter

filhos?

- Acho que não é o momento, meu objetivo agora é estruturar minha

carreira, quem sabe fazer uma especialização. Daqui a alguns anos e

havendo condições, quem sabe?

- Você está certíssimo! É preciso estar primeiro preparado.

A diferença é notável, concorda? A mesma câmera oculta

agora nos daria a imagem de alguns pontos positivos marcados no

currículo, ao passo em que na mente do entrevistador haveria estas

conjecturas: “comprometido e sociável”, “responsável”, “saudável

com gosto pela cultura”. Mas o que foi dito de diferente da primeira

vez? Muito pouca coisa. O importante é o “modo” pelo qual se

abordou o mesmo assunto, a maneira diferente. Trocamos o futebol

e os amigos, pelo conceito esporte e falou-se mais de si mesmo,

proporcionando a continuidade do diálogo e evitando qualquer

ameaça ao empregador. Um dos motivos desta abordagem é saber

se você não está enganando na entrevista, pois os hábitos e

expectativas revelam muito sobre como você provavelmente se

comportaria numa função. Tenha por regra que não é a coisa isolada

que você diz que determina ou não a continuidade da entrevista. É o

cruzamento das informações que fornece ao avaliador um quadro 14geral da situação, trata-se de uma Kpi sinistra. O que quer que diga

sobre si mesmo, o faça de maneira assertiva, pontual e positiva.

Deste modo as palavras-chave para o sucesso nesta fase do

diálogo são os conceitos. Definir-se conceitualmente significa ter

domínio de suas representações, ou seja: saber quem se é e poder

dizer de forma clara e sucinta seus interesses e objetivos. Seja

persuasivo e aja com naturalidade e não se esqueça de que além de

avaliar o que diz o discurso, deve-se não fugir do senso comum, a

não ser que a situação exija. Não é um jogo de truco, mas de pôquer.

3 - De Frente ao Desconhecido

Estar na posição de entrevistado não é uma condição confortável.

Muitas vezes nem mais lembramos para quem enviamos o currículo

e de repente nos chamam e pronto: aqui estamos nós em frente a

alguém que pode mudar o rumo de nossas vidas. Este estranho que

nos faz as mais disparatadas perguntas é o início de nossa

caminhada, rumo ao novo emprego: luz no fim do longo túnel de

nossas contas atrasadas e ansiedades diversas. O que fazer nestas

situações?

14 Indicadores de performance são as construções gráficas resultantes no cruzamento de vários aspectos.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

3736

Seguindo a regra do verificar os dizeres, vamos ao segundo

caso, que é analisar o que está implícito na descrição de um

componente. As funções de recrutamento e seleção, além do

escopo das técnicas de verificação dos perfis adequados, também

inclui a atmosfera de quem realiza a função. Embutido no cargo

temos que considerar o ”não dito”, aqui, como a rotina estafante que

é normal, hoje em dia, em qualquer empresa. Um exemplo clássico é

a situação em que ao anunciar a vaga, o selecionador recebe de

volta um número muito grande de currículos, nos mais diversos

formatos e contendo as mais variadas informações.

Ele deve então, proceder à análise e separação de todo este

material. Se a empresa for grande, quem entrevista recebe os

currículos e um parecer, se não, é a mesma pessoa que

seleciona/entrevista e até aplica os testes. Imagine então este sujeito

tendo que verificar - por vaga ou por dia - 300 vezes a mesma grade

de textos, caçando por entre eles, as informações necessárias e

diferenciais. Além disso, ele deve ter outras tarefas, portanto torna-

se motivo de irritação, caso seu currículo não seja fácil de ler e de 15localizar aquilo que ele deseja , bem como possua excesso ou falta

destas mesmas informações. Sem mencionar fatores gramaticais ou

estilísticos. Um bom começo pode determinar uma boa entrevista,

mesmo que por simpatia.

O passo seguinte é estar em frente à pessoa, na hora e dia

marcados. Sempre possível, chegue com antecedência, para que

possa respirar e acalmar-se; colocar o pensamento em dia, tomar

um café, ir ao banheiro, enfim: ter tempo para analisar a situação em

sua volta e estar livre de pressões. Ao aguardar, não demonstre sua

impaciência, pois você pode estar sendo observado, mas sem

neurose: muitas empresas simplesmente são desorganizadas e você

ainda tomará muito chá de cadeira. Certifique-se de perguntar se

não haverá custos ao candidato e toda a informação que puder lhe

ser adiantada. Se já souber do que se trata a vaga e possuir o nome

da empresa, entre na internet e pesquise sobre suas atividades,

valores e missão. Isto demonstrará seu interesse e oferecerá canais

de conversação.

Caso contrário procure sondar qual a ênfase que o

entrevistador dá à descrição do cargo e procure focar suas

competências nas suas habilidades e experiências correlatas. Se

nem isso for possível, mantenha-se atento e cordial, buscando

mostrar uma imagem coerente e objetiva de si mesmo. Na sala de

espera, procure sentar-se confortavelmente e dissipar as tensões.

Ao ser chamado, encaminhe-se imediatamente em

direção à pessoa que o receberá, com passos firmes e seguros.

Mantenha contato visual e aperte as mãos, tomando cuidado para

retribuir a força do aperto, na mesma proporção em que recebe,

evitando ser efusivo ou demorado demais. Uma vez convidado a

entrar, seja solícito e polido, acomode-se bem na cadeira e fixe os

olhos na pessoa. Evite ficar sorrindo todo o tempo ou fazendo gestos

excessivos, pois não é o caso, no entanto não é para ficar de cara feia

e esquecer o senso de humor.

Busque ser natural, sem perder a concentração no que está

sendo dito, nesta hora, por três linguagens específicas: a

argumentativa; a gestual; a intuitiva ou empática. Na primeira, trata-

se de se expressar, raciocinar e argumentar, bem como analisar

corretamente o que é exigido, dito ou não dito pelo interlocutor; na

segunda, trata-se do indicador de suas emoções, postura e estado

psicológico; a terceira é uma questão metafísica, mas importante: há

um elã vital que nos une, e que está além do campo da razão, no

entanto pertence ao domínio da percepção. A intuição é capaz de

penetrar no absoluto da situação e encontrar (ou não) uma

“simpatia”, uma aproximação entre dois seres ou objetos de nosso

conhecimento.

Por isso é recomendável que você esteja atento não

somente ao que vai dizer, mas principalmente “como” vai fazê-lo.

Discorrer longamente sobre suas habilidades em ser direto e

conciso é, por exemplo, um contra-senso: quem é direto usa poucas

palavras e quem é conciso consegue atingir o nervo, com

freqüência, logo na primeira vez. Falar é uma arte que deve ser

levada a sério.

Outro ponto é o exagero nos exemplos: se pedirem para

você ilustrar determinada situação, como suas realizações ou o

porquê foi demitido, não se perca em minúcias ou queira construir 15 Veja quais são as informações importantes sobre de currículos, no apêndice.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

3938

Seguindo a regra do verificar os dizeres, vamos ao segundo

caso, que é analisar o que está implícito na descrição de um

componente. As funções de recrutamento e seleção, além do

escopo das técnicas de verificação dos perfis adequados, também

inclui a atmosfera de quem realiza a função. Embutido no cargo

temos que considerar o ”não dito”, aqui, como a rotina estafante que

é normal, hoje em dia, em qualquer empresa. Um exemplo clássico é

a situação em que ao anunciar a vaga, o selecionador recebe de

volta um número muito grande de currículos, nos mais diversos

formatos e contendo as mais variadas informações.

Ele deve então, proceder à análise e separação de todo este

material. Se a empresa for grande, quem entrevista recebe os

currículos e um parecer, se não, é a mesma pessoa que

seleciona/entrevista e até aplica os testes. Imagine então este sujeito

tendo que verificar - por vaga ou por dia - 300 vezes a mesma grade

de textos, caçando por entre eles, as informações necessárias e

diferenciais. Além disso, ele deve ter outras tarefas, portanto torna-

se motivo de irritação, caso seu currículo não seja fácil de ler e de 15localizar aquilo que ele deseja , bem como possua excesso ou falta

destas mesmas informações. Sem mencionar fatores gramaticais ou

estilísticos. Um bom começo pode determinar uma boa entrevista,

mesmo que por simpatia.

O passo seguinte é estar em frente à pessoa, na hora e dia

marcados. Sempre possível, chegue com antecedência, para que

possa respirar e acalmar-se; colocar o pensamento em dia, tomar

um café, ir ao banheiro, enfim: ter tempo para analisar a situação em

sua volta e estar livre de pressões. Ao aguardar, não demonstre sua

impaciência, pois você pode estar sendo observado, mas sem

neurose: muitas empresas simplesmente são desorganizadas e você

ainda tomará muito chá de cadeira. Certifique-se de perguntar se

não haverá custos ao candidato e toda a informação que puder lhe

ser adiantada. Se já souber do que se trata a vaga e possuir o nome

da empresa, entre na internet e pesquise sobre suas atividades,

valores e missão. Isto demonstrará seu interesse e oferecerá canais

de conversação.

Caso contrário procure sondar qual a ênfase que o

entrevistador dá à descrição do cargo e procure focar suas

competências nas suas habilidades e experiências correlatas. Se

nem isso for possível, mantenha-se atento e cordial, buscando

mostrar uma imagem coerente e objetiva de si mesmo. Na sala de

espera, procure sentar-se confortavelmente e dissipar as tensões.

Ao ser chamado, encaminhe-se imediatamente em

direção à pessoa que o receberá, com passos firmes e seguros.

Mantenha contato visual e aperte as mãos, tomando cuidado para

retribuir a força do aperto, na mesma proporção em que recebe,

evitando ser efusivo ou demorado demais. Uma vez convidado a

entrar, seja solícito e polido, acomode-se bem na cadeira e fixe os

olhos na pessoa. Evite ficar sorrindo todo o tempo ou fazendo gestos

excessivos, pois não é o caso, no entanto não é para ficar de cara feia

e esquecer o senso de humor.

Busque ser natural, sem perder a concentração no que está

sendo dito, nesta hora, por três linguagens específicas: a

argumentativa; a gestual; a intuitiva ou empática. Na primeira, trata-

se de se expressar, raciocinar e argumentar, bem como analisar

corretamente o que é exigido, dito ou não dito pelo interlocutor; na

segunda, trata-se do indicador de suas emoções, postura e estado

psicológico; a terceira é uma questão metafísica, mas importante: há

um elã vital que nos une, e que está além do campo da razão, no

entanto pertence ao domínio da percepção. A intuição é capaz de

penetrar no absoluto da situação e encontrar (ou não) uma

“simpatia”, uma aproximação entre dois seres ou objetos de nosso

conhecimento.

Por isso é recomendável que você esteja atento não

somente ao que vai dizer, mas principalmente “como” vai fazê-lo.

Discorrer longamente sobre suas habilidades em ser direto e

conciso é, por exemplo, um contra-senso: quem é direto usa poucas

palavras e quem é conciso consegue atingir o nervo, com

freqüência, logo na primeira vez. Falar é uma arte que deve ser

levada a sério.

Outro ponto é o exagero nos exemplos: se pedirem para

você ilustrar determinada situação, como suas realizações ou o

porquê foi demitido, não se perca em minúcias ou queira construir 15 Veja quais são as informações importantes sobre de currículos, no apêndice.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

3938

um “panorama”, para depois concluir. Freqüentemente isto leva a

perder o foco no assunto que está sendo tratado e enveredar a

conversa para a trivialidade ou - o que é pior - aborrecer

profundamente o interlocutor.

A questão dos gestos também é importante. Se você está

tentando passar a imagem de alguém responsável, que não se

intimida com a pressão, mas suas mãos e pés não conseguem ficar

quietos no lugar, pode estar certo de que o considerarão mentiroso,

mesmo que esteja apenas ansioso. Se os gestos forem muito bruscos,

pode passar a impressão de que é autoritário ou descontrolado,

mesmo que sua ingênua intenção tenha sido apenas a de dar

“ênfase” em algum aspecto. Ficar quieto, encorujado e responder

somente se for perguntado, também não é bom: afinal, você está ali

para se vender como a melhor opção para o emprego e, portanto,

deve possuir iniciativa. A regra aqui é a do conforto: sente-se

confortavelmente, se quiser mudar de posição faça de forma

natural, não exagere nos gestos, não se reprima a ponto de parecer

um boneco de pau, não avance sobre a mesa ou fique mexendo nos

objetos em cima dela, não abaixe a cabeça ou fique agarrado no

braço da cadeira, evite cruzar braços e pernas, enfim: fique

confortável, pois você é o convidado!

O caso da intuição merece uma atenção especial, pois

versa também sobre os seus sentimentos. Se você considera o

interlocutor seu inimigo, poderá estar criando um no momento em

que pensa assim. Mesmo que o seu entrevistador lhe pareça

excessivamente rigoroso, ou, por outro lado, um completo

despreparado para o cargo, quer o trate bem ou trate mal, lembre-se

de que ele é humano e por isso partilha da faculdade intuitiva de

“pressentir” hostilidade, desprezo ou insegurança. Esta linguagem

se dá tanto em nível intelectivo quanto no campo das afecções.

Nunca ouviu a célebre frase: Não fui com a cara de fulano,

meu santo não bate com o dele. Porque será? Crendice?

Superstição? Negativo: Exceto nos casos em que identificamos

ameaça ou nos sentimos excluídos, o que mais abominamos nos

outros é nos vermos refletidos neles, ou seja, identificar nos

interlocutores aqueles defeitos que possuímos, mas que nunca

admitimos como pertencentes a nós. Já a intuição é capaz de

penetrar na duração e, ali, apreender uma multiplicidade de

sentidos que não podem ser verbalizados, mas que existem no

objeto de nossa atenção. Em outras palavras, além das linguagens

corporal e racional, temos também uma linguagem da consciência e

da cultura.

Mas também não considere que este momento é de vida ou

morte, lembre-se de que você e apenas uma parte do material de

trabalho do selecionador, com o qual se relacionará por algum

tempo, sendo muito provável que nunca mais venha a vê-lo de

novo. Deste modo, não exagere a importância de uma entrevista

frustrada para sua auto-estima: você não está sendo avaliado “em

si”, mas somente se é adequado ou não à determinada função, por

critérios que nem sempre são os melhores, mais justos ou mais

aceitáveis. Claro que todo mundo espera de um Manual, as

respostas corretas, mas tenha sempre em mente que isto não é um

conceito aceitável: não existem respostas prontas! De qualquer

forma, procuramos fazer o melhor, em caso de dúvidas consulte os

anexos. Também não se esqueça que a realidade empregatícia dos

que trabalham em RH não é um mar de rosas, portanto, cuide-se

para não ser o “alvo” das frustrações destes profissionais. Mas a

grande crítica é com relação à especialização e tato: muito poucos

são competentes nestes quesitos.

4 - Perfil e Postura

Na seqüência das semanas, fui chamado para uma entrevista, bem

cedo. Cheguei ao local meio em cima da hora, nem pude tomar

café, estava com fome, esbaforido e então, fui colocado numa

cadeira desconfortável dentro de uma saleta abafada. O escritório

estava todo escuro, parecia que as pessoas ainda não tinham

chegado. Fiquei ali um bom tempo até que fui chamado por uma

entrevistadora, que logo me indicou uma sala envidraçada mais

adiante. A pessoa sequer me olhou, encaminhando-se rápida para

lá, na minha frente.

Nem bem ela fechou a porta, eu já ouvi a fatídica pergunta:

- Qual é o seu perfil? Disse isso, enquanto olhava para os papéis em

cima da mesa, provavelmente meu currículo. Fiquei maluco. Ela

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4140

um “panorama”, para depois concluir. Freqüentemente isto leva a

perder o foco no assunto que está sendo tratado e enveredar a

conversa para a trivialidade ou - o que é pior - aborrecer

profundamente o interlocutor.

A questão dos gestos também é importante. Se você está

tentando passar a imagem de alguém responsável, que não se

intimida com a pressão, mas suas mãos e pés não conseguem ficar

quietos no lugar, pode estar certo de que o considerarão mentiroso,

mesmo que esteja apenas ansioso. Se os gestos forem muito bruscos,

pode passar a impressão de que é autoritário ou descontrolado,

mesmo que sua ingênua intenção tenha sido apenas a de dar

“ênfase” em algum aspecto. Ficar quieto, encorujado e responder

somente se for perguntado, também não é bom: afinal, você está ali

para se vender como a melhor opção para o emprego e, portanto,

deve possuir iniciativa. A regra aqui é a do conforto: sente-se

confortavelmente, se quiser mudar de posição faça de forma

natural, não exagere nos gestos, não se reprima a ponto de parecer

um boneco de pau, não avance sobre a mesa ou fique mexendo nos

objetos em cima dela, não abaixe a cabeça ou fique agarrado no

braço da cadeira, evite cruzar braços e pernas, enfim: fique

confortável, pois você é o convidado!

O caso da intuição merece uma atenção especial, pois

versa também sobre os seus sentimentos. Se você considera o

interlocutor seu inimigo, poderá estar criando um no momento em

que pensa assim. Mesmo que o seu entrevistador lhe pareça

excessivamente rigoroso, ou, por outro lado, um completo

despreparado para o cargo, quer o trate bem ou trate mal, lembre-se

de que ele é humano e por isso partilha da faculdade intuitiva de

“pressentir” hostilidade, desprezo ou insegurança. Esta linguagem

se dá tanto em nível intelectivo quanto no campo das afecções.

Nunca ouviu a célebre frase: Não fui com a cara de fulano,

meu santo não bate com o dele. Porque será? Crendice?

Superstição? Negativo: Exceto nos casos em que identificamos

ameaça ou nos sentimos excluídos, o que mais abominamos nos

outros é nos vermos refletidos neles, ou seja, identificar nos

interlocutores aqueles defeitos que possuímos, mas que nunca

admitimos como pertencentes a nós. Já a intuição é capaz de

penetrar na duração e, ali, apreender uma multiplicidade de

sentidos que não podem ser verbalizados, mas que existem no

objeto de nossa atenção. Em outras palavras, além das linguagens

corporal e racional, temos também uma linguagem da consciência e

da cultura.

Mas também não considere que este momento é de vida ou

morte, lembre-se de que você e apenas uma parte do material de

trabalho do selecionador, com o qual se relacionará por algum

tempo, sendo muito provável que nunca mais venha a vê-lo de

novo. Deste modo, não exagere a importância de uma entrevista

frustrada para sua auto-estima: você não está sendo avaliado “em

si”, mas somente se é adequado ou não à determinada função, por

critérios que nem sempre são os melhores, mais justos ou mais

aceitáveis. Claro que todo mundo espera de um Manual, as

respostas corretas, mas tenha sempre em mente que isto não é um

conceito aceitável: não existem respostas prontas! De qualquer

forma, procuramos fazer o melhor, em caso de dúvidas consulte os

anexos. Também não se esqueça que a realidade empregatícia dos

que trabalham em RH não é um mar de rosas, portanto, cuide-se

para não ser o “alvo” das frustrações destes profissionais. Mas a

grande crítica é com relação à especialização e tato: muito poucos

são competentes nestes quesitos.

4 - Perfil e Postura

Na seqüência das semanas, fui chamado para uma entrevista, bem

cedo. Cheguei ao local meio em cima da hora, nem pude tomar

café, estava com fome, esbaforido e então, fui colocado numa

cadeira desconfortável dentro de uma saleta abafada. O escritório

estava todo escuro, parecia que as pessoas ainda não tinham

chegado. Fiquei ali um bom tempo até que fui chamado por uma

entrevistadora, que logo me indicou uma sala envidraçada mais

adiante. A pessoa sequer me olhou, encaminhando-se rápida para

lá, na minha frente.

Nem bem ela fechou a porta, eu já ouvi a fatídica pergunta:

- Qual é o seu perfil? Disse isso, enquanto olhava para os papéis em

cima da mesa, provavelmente meu currículo. Fiquei maluco. Ela

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nem sequer tinha me dado bom dia ou se apresentado e queria

saber qual era o meu perfil? Que raio de espelunca era aquela?

Resolvi dar o troco:

- Bom dia! Meu nome é Luís, você deseja especificar qual parte de meu

currículo?

- Vamos direto ao ponto: Me fale sobre seu perfil, interesses e

habilidades.

- Bom! Ajudaria saber qual é a vaga em questão, pois você já deve ter

verificado que possuo muitas competências e sou experiente em uma

boa gama de setores;

- A vaga é fechada e falaremos dela depois. Eu estou perguntando pelo

seu perfil.

- Certo, mas pode me esclarecer melhor o que considera relevante?

16- Você não esta entendeeeendooou? Mi dê o seu perfil! Qual sua

dificuldade nisto?

- Mas como eu posso reduzir meus conhecimentos, habilidades e

interesses a um perfil? Eu sou um profissional e, se não me engano

também sou um ser humano, tenho múltiplas competências e

experiências, opiniões formadas, longa trajetória de vida, de modo que

sou irredutível a uma mera preposição. Ora! Respondi, já com a

adrenalina a mil.

- Você não tem preposições? Olha aqui! E aqui! E também aqui! Este

currículo está cheio de preposições! Disse ela, marcando raivosamente

todos os itens gramaticais de meu currículo.

- Você deve estar brincando, retruquei. Afinal o que se passa aqui? O

que isso tem a ver?

Para resumir, depois nos acalmamos e conversamos mais um pouco,

porém o estrago já havia sido feito e era irremediável para mim -

para ela eu não sei -, mas também não lhe foi agradável, pois eu

dissera algumas poucas e boas. Pior para mim, pois até hoje nem sei

que vaga era aquela. Mas num panorama geral a posteriori, deu para

verificar o plano-seqüência dos erros que resultou no desastre: a

conjunção da pressa, fome e má acomodação aliada ao descaso e

excesso de objetividade tinha sido explosiva. No mais, eu também

era novato como desempregado e não atinei para o sentido da

pergunta. Quando um entrevistador pede o seu perfil, o que ele

quer é um resumão estruturado de suas atividades mais relevantes,

em ordem cronológica linear ascendente, seguido de

considerações pertinentes sobre sua conduta e hábitos, mais

algumas informações relevantes (que somente são relevantes para

ele: vai saber quais são!). E tudo o mais sintético, prático e rápido

possível, ou seja: sua autobiografia profissional em poucas e

convincentes palavras. Padrãozão!

Eu havia levado as coisas para o lado pessoal, emocional,

cósmico, plural e me senti ofendido com o tratamento recebido.

Fora a cena ridícula de ela rasurar meu currículo, não sei se causada

pela minha intempestiva defesa da natureza e condição humana, ou

por que ela era desabotinada mesmo, o caso é que tudo podia ter

sido contornado. Sim, caso eu soubesse exatamente o que era o raio

do perfil e tivesse uma postura mais centrada, não deixando que

minhas opiniões pudessem interferir ou como ocorreu: ser

dominado completamente pela bile e chutar o pau da barraca, as

coisas iriam se passar de outra maneira. O exemplo acima reforça a

tese de que não se deve encarar as impertinências e imprevistos

como um ataque pessoal a nosso já dolorido ego de desempregado.

No mais das vezes o procedimento de se formar uma idéia

da soma das capacidades e qualidades do entrevistado é saudável.

Afinal, se você fosse um empregador, gostaria de saber o mais

possível se este ou aquele determinado profissional é ou não

adequado para as funções. Só que aqui não se trata de adquirir uma

mercadoria qualquer: estamos lidando com pessoas. Assim, o

raciocínio deve se orientar por uma instância ética mínima e não se

ater apenas nos dados mensuráveis do “produto”. Depois,

considere que não se trata de um jogo de quebra-cabeças, onde se

procura a peça que se “encaixa”, mas ter-se em mente a

possibilidade de adaptação. Lamentavelmente, com a velocidade

dos processos modernos, ninguém mais quer perder tempo 16 Aquele tom de voz irritadiço, anasalado, agressivo e completamente desrespeitoso.

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4342

nem sequer tinha me dado bom dia ou se apresentado e queria

saber qual era o meu perfil? Que raio de espelunca era aquela?

Resolvi dar o troco:

- Bom dia! Meu nome é Luís, você deseja especificar qual parte de meu

currículo?

- Vamos direto ao ponto: Me fale sobre seu perfil, interesses e

habilidades.

- Bom! Ajudaria saber qual é a vaga em questão, pois você já deve ter

verificado que possuo muitas competências e sou experiente em uma

boa gama de setores;

- A vaga é fechada e falaremos dela depois. Eu estou perguntando pelo

seu perfil.

- Certo, mas pode me esclarecer melhor o que considera relevante?

16- Você não esta entendeeeendooou? Mi dê o seu perfil! Qual sua

dificuldade nisto?

- Mas como eu posso reduzir meus conhecimentos, habilidades e

interesses a um perfil? Eu sou um profissional e, se não me engano

também sou um ser humano, tenho múltiplas competências e

experiências, opiniões formadas, longa trajetória de vida, de modo que

sou irredutível a uma mera preposição. Ora! Respondi, já com a

adrenalina a mil.

- Você não tem preposições? Olha aqui! E aqui! E também aqui! Este

currículo está cheio de preposições! Disse ela, marcando raivosamente

todos os itens gramaticais de meu currículo.

- Você deve estar brincando, retruquei. Afinal o que se passa aqui? O

que isso tem a ver?

Para resumir, depois nos acalmamos e conversamos mais um pouco,

porém o estrago já havia sido feito e era irremediável para mim -

para ela eu não sei -, mas também não lhe foi agradável, pois eu

dissera algumas poucas e boas. Pior para mim, pois até hoje nem sei

que vaga era aquela. Mas num panorama geral a posteriori, deu para

verificar o plano-seqüência dos erros que resultou no desastre: a

conjunção da pressa, fome e má acomodação aliada ao descaso e

excesso de objetividade tinha sido explosiva. No mais, eu também

era novato como desempregado e não atinei para o sentido da

pergunta. Quando um entrevistador pede o seu perfil, o que ele

quer é um resumão estruturado de suas atividades mais relevantes,

em ordem cronológica linear ascendente, seguido de

considerações pertinentes sobre sua conduta e hábitos, mais

algumas informações relevantes (que somente são relevantes para

ele: vai saber quais são!). E tudo o mais sintético, prático e rápido

possível, ou seja: sua autobiografia profissional em poucas e

convincentes palavras. Padrãozão!

Eu havia levado as coisas para o lado pessoal, emocional,

cósmico, plural e me senti ofendido com o tratamento recebido.

Fora a cena ridícula de ela rasurar meu currículo, não sei se causada

pela minha intempestiva defesa da natureza e condição humana, ou

por que ela era desabotinada mesmo, o caso é que tudo podia ter

sido contornado. Sim, caso eu soubesse exatamente o que era o raio

do perfil e tivesse uma postura mais centrada, não deixando que

minhas opiniões pudessem interferir ou como ocorreu: ser

dominado completamente pela bile e chutar o pau da barraca, as

coisas iriam se passar de outra maneira. O exemplo acima reforça a

tese de que não se deve encarar as impertinências e imprevistos

como um ataque pessoal a nosso já dolorido ego de desempregado.

No mais das vezes o procedimento de se formar uma idéia

da soma das capacidades e qualidades do entrevistado é saudável.

Afinal, se você fosse um empregador, gostaria de saber o mais

possível se este ou aquele determinado profissional é ou não

adequado para as funções. Só que aqui não se trata de adquirir uma

mercadoria qualquer: estamos lidando com pessoas. Assim, o

raciocínio deve se orientar por uma instância ética mínima e não se

ater apenas nos dados mensuráveis do “produto”. Depois,

considere que não se trata de um jogo de quebra-cabeças, onde se

procura a peça que se “encaixa”, mas ter-se em mente a

possibilidade de adaptação. Lamentavelmente, com a velocidade

dos processos modernos, ninguém mais quer perder tempo 16 Aquele tom de voz irritadiço, anasalado, agressivo e completamente desrespeitoso.

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“ensinando o serviço”, a pessoa deve já começar correndo contra o

tempo e pegar o ônibus andando. Nem integrações ou explicações

mais detalhadas sobre a função e estrutura são fornecidas e o fulano

já é colocado lá na mesa para “produzir”.

Se estrategicamente isto é inadmissível, acrescente-se que

também é um verdadeiro tiro no pé das próprias conceituações de

T&D (Treinamento e Desenvolvimento) atuais. Normalmente o

perfil é sempre aproximado ou imagético, o que exclui a maior parte

dos candidatos com alto potencial para capacitação posterior, uma

vez que não considera potencialidades e curso de vida. Além do

mais, a empresa que contratou a consultoria de RH vai também

pagar outros consultores para treinar as suas equipes e então,

quando descobrem que os “perfis” contratados não “respondem”

adequadamente ao treinamento ou ficam presos a uma suposta 17“zona de conforto” eles se ressentem. Magoam-se: Surpresa! A

equipe não é a “ideal”, estamos investindo sem ter retorno... Não

adianta treinar... Então, um dia de baixa no mercado, alguém olha as

planilhas de custo vem a idéia brilhante: vamos demitir quem não se

adapta, “reestruturar” o departamento, criar novos perfis e

atribuições para resolver o problema...analisar gaps de

competências...assim vamos produzir mais. É a típica atitude-coisa

que alimenta o processo infernal da incoerência, dos erros não

localizados. Na outra ponta o pessoal de R&S (Recrutamento e

Seleção) não conseguirá identificar lhufas...

Enfim: podemos definir perfil como o escopo das

competências e experiências que formam a trajetória do

profissional, aliado ao seu aspecto comportamental. Cada um

construiu a sua trajetória e possui experiências - no mais das vezes -

únicas, de modo que cada um tem seu próprio perfil. Não é disso

que estamos falando. Falamos da somatória, das escolhas, das

formações, dos interesses que levam alguém a ser engenheiro ou

poeta, bem como aquilo que desenvolveram em suas carreiras, as

funções exercidas e que se enquadram ou não em determinados

cargos. A trajetória de cada indivíduo não é linear, nada impedindo

que haja retrocessos ou mesmo desenvolvimento de novas 18capacidades, mas defender a meritocracia não significa que todos

possam fazer qualquer coisa. Por exemplo: de nada adianta você ser

competente como auxiliar de escritório e pleitear uma vaga de

químico industrial: você não se encaixa no perfil, pelo menos até

que adquira conhecimento técnico, experiência e postura. Deu

para entender? Não? Bom, vamos aos detalhes.

O que se chama genericamente de perfil é um vocábulo

que se encontra meio gasto pelo uso excessivo, aplicação

inadequada e pretensão de ser conceito final de uma dada situação

de coisas. É como o hórrido a nível de: inexistente, forma

gramaticalmente incorreta e muita gente pensa que ao dizer esta

excrescência está falando bonito... Ai, meus sais! Mas não fiquemos

parados aqui, vamos à fonte. Segundo o dicionário Aurélio significa:

S.m. 1.Contorno de um rosto de uma pessoa vista de lado; 2.O aspecto

ou representação gráfica dum objeto que é visto só de um lado; 3.

Contorno, silhueta; 4. Descrição de uma pessoa com traços mais ou

menos rápidos. Como podem ver, não há nada na etimologia da

palavra que afirme se tratar de algo completo, mas ao contrário,

parcial.

Entretanto, nem sempre as palavras traduzem o que se vê

na prática, deste modo, para um psicólogo e/ou um profissional de

recursos humanos, a palavra transforma-se em conceito,

transforma-se em todo e vem a significar, literalmente o seguinte: A

um dado conjunto de características e de impulsos desencadeantes de

comportamentos existentes e atuantes em cada pessoa dá-se o nome de

perfil psicológico.

Justificativa para o uso do perfil nas empresas: adequar o

indivíduo às funções de forma mais produtiva. A crença básica é a de

que quando um profissional exerce uma atividade condizente e

17 Citação preferida dos instrutores quando notam que seu “treinamento revolucionário” não surtiu efeitos. Quando não se levantam indicadores pré-evento e a coisa desanda é melhor culpar a equipe e salvar os honorários. Pior que isso só os execráveis Power Points motivacionais com flores, citações de almanaque e trechos de filmes como “A Vida é Bela”.

18 Filósofos da bioética, como Singer, afirmam com propriedade, não existir igualdade de oportunidades, mas somente igualdade de interesses. Este é o panorama triste que nos leva a hipérbole da instrumentalização do uso. Uma saída possível seria a formação de sistemas de recompensas baseados tanto no mérito - que é a verificação da competência explícita - quanto na sua adequação em função da ordem social, sem desprezar a características da subjetividade.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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“ensinando o serviço”, a pessoa deve já começar correndo contra o

tempo e pegar o ônibus andando. Nem integrações ou explicações

mais detalhadas sobre a função e estrutura são fornecidas e o fulano

já é colocado lá na mesa para “produzir”.

Se estrategicamente isto é inadmissível, acrescente-se que

também é um verdadeiro tiro no pé das próprias conceituações de

T&D (Treinamento e Desenvolvimento) atuais. Normalmente o

perfil é sempre aproximado ou imagético, o que exclui a maior parte

dos candidatos com alto potencial para capacitação posterior, uma

vez que não considera potencialidades e curso de vida. Além do

mais, a empresa que contratou a consultoria de RH vai também

pagar outros consultores para treinar as suas equipes e então,

quando descobrem que os “perfis” contratados não “respondem”

adequadamente ao treinamento ou ficam presos a uma suposta 17“zona de conforto” eles se ressentem. Magoam-se: Surpresa! A

equipe não é a “ideal”, estamos investindo sem ter retorno... Não

adianta treinar... Então, um dia de baixa no mercado, alguém olha as

planilhas de custo vem a idéia brilhante: vamos demitir quem não se

adapta, “reestruturar” o departamento, criar novos perfis e

atribuições para resolver o problema...analisar gaps de

competências...assim vamos produzir mais. É a típica atitude-coisa

que alimenta o processo infernal da incoerência, dos erros não

localizados. Na outra ponta o pessoal de R&S (Recrutamento e

Seleção) não conseguirá identificar lhufas...

Enfim: podemos definir perfil como o escopo das

competências e experiências que formam a trajetória do

profissional, aliado ao seu aspecto comportamental. Cada um

construiu a sua trajetória e possui experiências - no mais das vezes -

únicas, de modo que cada um tem seu próprio perfil. Não é disso

que estamos falando. Falamos da somatória, das escolhas, das

formações, dos interesses que levam alguém a ser engenheiro ou

poeta, bem como aquilo que desenvolveram em suas carreiras, as

funções exercidas e que se enquadram ou não em determinados

cargos. A trajetória de cada indivíduo não é linear, nada impedindo

que haja retrocessos ou mesmo desenvolvimento de novas 18capacidades, mas defender a meritocracia não significa que todos

possam fazer qualquer coisa. Por exemplo: de nada adianta você ser

competente como auxiliar de escritório e pleitear uma vaga de

químico industrial: você não se encaixa no perfil, pelo menos até

que adquira conhecimento técnico, experiência e postura. Deu

para entender? Não? Bom, vamos aos detalhes.

O que se chama genericamente de perfil é um vocábulo

que se encontra meio gasto pelo uso excessivo, aplicação

inadequada e pretensão de ser conceito final de uma dada situação

de coisas. É como o hórrido a nível de: inexistente, forma

gramaticalmente incorreta e muita gente pensa que ao dizer esta

excrescência está falando bonito... Ai, meus sais! Mas não fiquemos

parados aqui, vamos à fonte. Segundo o dicionário Aurélio significa:

S.m. 1.Contorno de um rosto de uma pessoa vista de lado; 2.O aspecto

ou representação gráfica dum objeto que é visto só de um lado; 3.

Contorno, silhueta; 4. Descrição de uma pessoa com traços mais ou

menos rápidos. Como podem ver, não há nada na etimologia da

palavra que afirme se tratar de algo completo, mas ao contrário,

parcial.

Entretanto, nem sempre as palavras traduzem o que se vê

na prática, deste modo, para um psicólogo e/ou um profissional de

recursos humanos, a palavra transforma-se em conceito,

transforma-se em todo e vem a significar, literalmente o seguinte: A

um dado conjunto de características e de impulsos desencadeantes de

comportamentos existentes e atuantes em cada pessoa dá-se o nome de

perfil psicológico.

Justificativa para o uso do perfil nas empresas: adequar o

indivíduo às funções de forma mais produtiva. A crença básica é a de

que quando um profissional exerce uma atividade condizente e

17 Citação preferida dos instrutores quando notam que seu “treinamento revolucionário” não surtiu efeitos. Quando não se levantam indicadores pré-evento e a coisa desanda é melhor culpar a equipe e salvar os honorários. Pior que isso só os execráveis Power Points motivacionais com flores, citações de almanaque e trechos de filmes como “A Vida é Bela”.

18 Filósofos da bioética, como Singer, afirmam com propriedade, não existir igualdade de oportunidades, mas somente igualdade de interesses. Este é o panorama triste que nos leva a hipérbole da instrumentalização do uso. Uma saída possível seria a formação de sistemas de recompensas baseados tanto no mérito - que é a verificação da competência explícita - quanto na sua adequação em função da ordem social, sem desprezar a características da subjetividade.

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adequada às suas características psicológicas, ele trabalha mais feliz

e se dedica com mais afinco às suas atribuições, proporciona mais

retorno financeiro ao empregador, assim como maior satisfação

pessoal, mantendo o equilíbrio emocional e evitando o stress.

Então, podemos concluir que se trata de instrumento, um agente

facilitador que pode trazer algum subsídio para a tomada de decisão

no processo seletivo e na contratação, nunca um diagnóstico

fechado.

O mesmo se dá com postura, palavra que serve a um sem

número de aplicações, mas veja o que o Aurélio nos aponta: S.f. 1.

Posição do corpo; atitude. 2. Aspecto físico. 3. Substância

embelezadora; cosmético. 4. Os ovos postos por uma ave durante certo

tempo. 5. Preceito municipal escrito, que obriga os munícipes a

cumprirem certos deveres de ordem pública. Ilustrativo, não?

Interessante imaginar até uma relação entre ser, estar, parecer e

obedecer. Já para os profissionais do ramo, no entanto a palavra

significa apenas: Adequação (ou não) das reações comportamentais a

determinadas situações, desafios e demandas, respeitando-se as

práticas vigentes e aceitas. Em outras palavras, busca-se verificar

aqui se existe a adequação das características da personalidade ao

perfil do trabalho. Isto se faz, basicamente porque o objetivo maior

por trás destes conceitos psicológicos não é a melhoria do homem, a

busca de sua felicidade ou permitir a ele o acesso a uma função que

alimentará sua família, mas meramente obter uma produtividade

maior, com menor custo, reduzindo o turn over e o índice de 19absenteísmo.

É óbvio que diferentes características de personalidade são

importantes para trabalhos diferentes. Os famosos tipos junguianos

(introvertido/extrovertido) são uma faceta do que falamos,

normalmente sendo usados para “classificar” os espécimes

humanos que se candidatam para um posto de trabalho. Afinal,

parece estúpido colocar uma pessoa introvertida para ser

vendedora, ou ao contrário, alguém extrovertido para ser um fiscal

da tesouraria de um banco. Imagine, então, uma pessoa meiga e

tolerante alocada no setor de cobranças ou alguém bem durão,

pavio curto, que adora o confronto, como responsável pelo

atendimento ao consumidor. Não vai funcionar, mesmo! Porém este

pessoal de recursos humanos esquece de que Jung também

pregava um monismo holístico, uma totalidade e, sua obra é

vastíssima, não cabendo em uma apostila.

Além disso, nada implica que mesmo pessoas, de tipos

diferentes não possam se sair bem em situações extemporâneas. O

perigo é o modo de se apropriar, recortar, isolar esta ou aquela

asserção de um pensador profundo e transformá-la em techné

(técnica), em conceito, em metáfora, esquecendo sua raiz, as

verdadeiras preocupações originais.

Isto é estar a serviço do capital selvagem e não do

humanismo ou da ciência. As organizações costumam tomar

decisões absurdas na hora de preparar uma descrição de cargo e os

profissionais que deveriam esclarecer os erros dos tecnocratas,

simplesmente dizem amém e, ao invés, buscam encaixar a peça

redonda na caixa quadrada, porque “assim são as coisas, assim

funciona o mercado”.

Agora que os meandros dos significados estão descritos,

cabe frisar que perfil e postura significam a qualidade das

construções profissionais e a reação do indivíduo à determinada

situação, contexto ou atividade social. Entretanto não significam em

absoluto o que se é, mas como se age naquele instante.

Apesar de ser extremamente subjetiva uma avaliação

pontual sobre determinada reação a determinado estímulo, face a

determinado contexto é justamente o que você irá se deparar na sua

caminhada rumo a um novo emprego. Isto, porque a despeito de

toda a erudição conquistada lendo este Manual, dificilmente você

escapará de ter que lidar com os magos negros do senso comum.

Portanto, cuidado: em caso de dúvida, seja o áureo medíocre! Num

processo seletivo comum, diga exatamente o que se espera ouvir,

sempre de forma positiva e polida, mesmo que isso seja a maior

obviedade do mundo. As pessoas normalmente se ressentem de

quem sabe mais, desempenha melhor ou não age de acordo com “o

perfil”. Evite afrontar a pequenez e tudo sairá bem.19 Estes palavrões significam, respectivamente: índice de demissão/contratação e o índice de faltas e atrasos.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

4746

adequada às suas características psicológicas, ele trabalha mais feliz

e se dedica com mais afinco às suas atribuições, proporciona mais

retorno financeiro ao empregador, assim como maior satisfação

pessoal, mantendo o equilíbrio emocional e evitando o stress.

Então, podemos concluir que se trata de instrumento, um agente

facilitador que pode trazer algum subsídio para a tomada de decisão

no processo seletivo e na contratação, nunca um diagnóstico

fechado.

O mesmo se dá com postura, palavra que serve a um sem

número de aplicações, mas veja o que o Aurélio nos aponta: S.f. 1.

Posição do corpo; atitude. 2. Aspecto físico. 3. Substância

embelezadora; cosmético. 4. Os ovos postos por uma ave durante certo

tempo. 5. Preceito municipal escrito, que obriga os munícipes a

cumprirem certos deveres de ordem pública. Ilustrativo, não?

Interessante imaginar até uma relação entre ser, estar, parecer e

obedecer. Já para os profissionais do ramo, no entanto a palavra

significa apenas: Adequação (ou não) das reações comportamentais a

determinadas situações, desafios e demandas, respeitando-se as

práticas vigentes e aceitas. Em outras palavras, busca-se verificar

aqui se existe a adequação das características da personalidade ao

perfil do trabalho. Isto se faz, basicamente porque o objetivo maior

por trás destes conceitos psicológicos não é a melhoria do homem, a

busca de sua felicidade ou permitir a ele o acesso a uma função que

alimentará sua família, mas meramente obter uma produtividade

maior, com menor custo, reduzindo o turn over e o índice de 19absenteísmo.

É óbvio que diferentes características de personalidade são

importantes para trabalhos diferentes. Os famosos tipos junguianos

(introvertido/extrovertido) são uma faceta do que falamos,

normalmente sendo usados para “classificar” os espécimes

humanos que se candidatam para um posto de trabalho. Afinal,

parece estúpido colocar uma pessoa introvertida para ser

vendedora, ou ao contrário, alguém extrovertido para ser um fiscal

da tesouraria de um banco. Imagine, então, uma pessoa meiga e

tolerante alocada no setor de cobranças ou alguém bem durão,

pavio curto, que adora o confronto, como responsável pelo

atendimento ao consumidor. Não vai funcionar, mesmo! Porém este

pessoal de recursos humanos esquece de que Jung também

pregava um monismo holístico, uma totalidade e, sua obra é

vastíssima, não cabendo em uma apostila.

Além disso, nada implica que mesmo pessoas, de tipos

diferentes não possam se sair bem em situações extemporâneas. O

perigo é o modo de se apropriar, recortar, isolar esta ou aquela

asserção de um pensador profundo e transformá-la em techné

(técnica), em conceito, em metáfora, esquecendo sua raiz, as

verdadeiras preocupações originais.

Isto é estar a serviço do capital selvagem e não do

humanismo ou da ciência. As organizações costumam tomar

decisões absurdas na hora de preparar uma descrição de cargo e os

profissionais que deveriam esclarecer os erros dos tecnocratas,

simplesmente dizem amém e, ao invés, buscam encaixar a peça

redonda na caixa quadrada, porque “assim são as coisas, assim

funciona o mercado”.

Agora que os meandros dos significados estão descritos,

cabe frisar que perfil e postura significam a qualidade das

construções profissionais e a reação do indivíduo à determinada

situação, contexto ou atividade social. Entretanto não significam em

absoluto o que se é, mas como se age naquele instante.

Apesar de ser extremamente subjetiva uma avaliação

pontual sobre determinada reação a determinado estímulo, face a

determinado contexto é justamente o que você irá se deparar na sua

caminhada rumo a um novo emprego. Isto, porque a despeito de

toda a erudição conquistada lendo este Manual, dificilmente você

escapará de ter que lidar com os magos negros do senso comum.

Portanto, cuidado: em caso de dúvida, seja o áureo medíocre! Num

processo seletivo comum, diga exatamente o que se espera ouvir,

sempre de forma positiva e polida, mesmo que isso seja a maior

obviedade do mundo. As pessoas normalmente se ressentem de

quem sabe mais, desempenha melhor ou não age de acordo com “o

perfil”. Evite afrontar a pequenez e tudo sairá bem.19 Estes palavrões significam, respectivamente: índice de demissão/contratação e o índice de faltas e atrasos.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

4746

5 - Na Sala de Espera: Comportamento, Projeto e Apresentação

Uma das situações mais entediantes que existem é ficar aboletado

num sofá, cadeira ou mesmo em pé, aguardando ser chamado para

uma entrevista. Como já dissemos: Ao aguardar, não demonstre sua

impaciência, pois você pode estar sendo observado, mas sem

neurose, pois a recepcionista pode ser apenas recepcionista, não

uma psicóloga disfarçada. É fato que muitas empresas simplesmente

são desorganizadas e você deve estar preparado para o famoso chá

de cadeira. Aproveite o tempo para fazer observações úteis,

utilizando a técnica do vendedor-pracista de análise presencial.

Todo bom vendedor sabe que ao fazer uma prospecção

deve estar atento a todos os detalhes. Esta é a sua situação atual:

verificando um terreno novo e explorando uma oportunidade de

vender seu melhor produto - você! Então, o que ele faz? Primeiro ele

observa a fachada da loja, depois entra e verifica a disposição das

prateleiras, o design da vitrine, a quantidade de funcionários, o

volume de produtos, se há estoque aparente, se a atmosfera é

acolhedora ou séria, o movimento dos clientes e somente depois

disso é que se apresenta cordial e sorridente. De tudo o que ele

observou, já pode fazer uma idéia se o cliente tem ou não potencial

para comprar, se o negócio parece ir bem, se existem ou não

produtos dos concorrentes e quais os preços praticados, se deve

abordar o dono ou o comprador desta ou daquela maneira. No caso

do candidato a emprego, funciona da mesma forma, embora numa

ordem diferente de fatores e interpretações.

Ao entrar, apresente-se direta e cordialmente à recepção,

informando o motivo de você estar ali e com quem deseja falar. Após

esta apresentação, não vá correndo sentar e ficar ali inerte, com a

pasta ou a bolsa sobre os joelhos, mas aproveite para observar

atentamente o local. Veja como é a decoração, o tipo de revistas que

estão à disposição, verifique se existem produtos, maquetes,

mostruários ou qualquer painel informativo sobre a empresa.

Analise quem se encontra ao seu lado: sejam possíveis candidatos,

funcionários, repare na movimentação, em como se vestem ou se

portam. Procure acomodar-se da melhor maneira possível,

buscando uma posição sóbria e confortável de modo a evitar ficar

rígido e acumulando tensões desnecessárias. Veja também se se

trata de local sério ou é mais um matadouro. Normalmente salas

abarrotadas de candidatos não querem dizer que a empresa cobre

pelos serviços, porém é um indicador importante verificar as

expressões de quem sai pela porta e vai embora. De tudo isto você

pode retirar informações preciosas sobre qual é o tipo de comprador

que aguarda você, enquanto não é anunciado.

Antes de tudo, porém - e lamentavelmente - é necessário

você ter preparado seu projeto decorativo, que não difere

substancialmente entre homens e mulheres. Ir a qualquer entrevista

exige um processo de preparação visual que é, na verdade uma

variação sobre o mesmo tema: para os homens terno e gravata;

mulheres, tailleur e salto, numa sinfonia em preto ou tons escuros.

Não sei quem é o estafermo que efetuou pesquisas cromoterápicas

que definam que os tons escuros transmitem sobriedade, respeito

ou equivalência em habilidades concretas, mas sei que isto conta ao

senso comum. Para os varões, recomendam-se escapar de sapatos,

cintos e gravatas extravagantes.

Se você não é comediante, obeso ou marqueteiro deixe os

suspensórios e a gravata borboleta em casa, aprenda a fazer um nó

bem feito e evitar a todo custo calçar meias claras com sapatos

escuros. Vá lá um corte em azul ou marrom, mas somente se já foi

alguma vez e não quer repetir o costume. A não ser que o seu ramo

de atuação seja informal, nem pense em aparecer de jeans e camisa.

Aprenda também a conviver com o terno para não parecer um saco

de batatas, quando estiver sentado. O truque é puxar um pouco a

parte de trás do paletó e sentar em cima, assim você fica esticado.

Evite encher os bolsos de coisas, deixando tudo numa providencial

pasta ou mala de mão.

Para as mulheres a carga de preconceito ainda é maior.

Outro dia vi uma capa de revista que mostrava uma mesma e linda

mulher vestida de dois jeitos diferentes:

A) Tailleur preto, cabelos lambidos e lisos, sem qualquer acessório, no

máximo uns nanômetros de base e batom, camisa preta de gola,

bolsinha pequena preta e salto altíssimo de bico...cafonérrima e;

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

4948

5 - Na Sala de Espera: Comportamento, Projeto e Apresentação

Uma das situações mais entediantes que existem é ficar aboletado

num sofá, cadeira ou mesmo em pé, aguardando ser chamado para

uma entrevista. Como já dissemos: Ao aguardar, não demonstre sua

impaciência, pois você pode estar sendo observado, mas sem

neurose, pois a recepcionista pode ser apenas recepcionista, não

uma psicóloga disfarçada. É fato que muitas empresas simplesmente

são desorganizadas e você deve estar preparado para o famoso chá

de cadeira. Aproveite o tempo para fazer observações úteis,

utilizando a técnica do vendedor-pracista de análise presencial.

Todo bom vendedor sabe que ao fazer uma prospecção

deve estar atento a todos os detalhes. Esta é a sua situação atual:

verificando um terreno novo e explorando uma oportunidade de

vender seu melhor produto - você! Então, o que ele faz? Primeiro ele

observa a fachada da loja, depois entra e verifica a disposição das

prateleiras, o design da vitrine, a quantidade de funcionários, o

volume de produtos, se há estoque aparente, se a atmosfera é

acolhedora ou séria, o movimento dos clientes e somente depois

disso é que se apresenta cordial e sorridente. De tudo o que ele

observou, já pode fazer uma idéia se o cliente tem ou não potencial

para comprar, se o negócio parece ir bem, se existem ou não

produtos dos concorrentes e quais os preços praticados, se deve

abordar o dono ou o comprador desta ou daquela maneira. No caso

do candidato a emprego, funciona da mesma forma, embora numa

ordem diferente de fatores e interpretações.

Ao entrar, apresente-se direta e cordialmente à recepção,

informando o motivo de você estar ali e com quem deseja falar. Após

esta apresentação, não vá correndo sentar e ficar ali inerte, com a

pasta ou a bolsa sobre os joelhos, mas aproveite para observar

atentamente o local. Veja como é a decoração, o tipo de revistas que

estão à disposição, verifique se existem produtos, maquetes,

mostruários ou qualquer painel informativo sobre a empresa.

Analise quem se encontra ao seu lado: sejam possíveis candidatos,

funcionários, repare na movimentação, em como se vestem ou se

portam. Procure acomodar-se da melhor maneira possível,

buscando uma posição sóbria e confortável de modo a evitar ficar

rígido e acumulando tensões desnecessárias. Veja também se se

trata de local sério ou é mais um matadouro. Normalmente salas

abarrotadas de candidatos não querem dizer que a empresa cobre

pelos serviços, porém é um indicador importante verificar as

expressões de quem sai pela porta e vai embora. De tudo isto você

pode retirar informações preciosas sobre qual é o tipo de comprador

que aguarda você, enquanto não é anunciado.

Antes de tudo, porém - e lamentavelmente - é necessário

você ter preparado seu projeto decorativo, que não difere

substancialmente entre homens e mulheres. Ir a qualquer entrevista

exige um processo de preparação visual que é, na verdade uma

variação sobre o mesmo tema: para os homens terno e gravata;

mulheres, tailleur e salto, numa sinfonia em preto ou tons escuros.

Não sei quem é o estafermo que efetuou pesquisas cromoterápicas

que definam que os tons escuros transmitem sobriedade, respeito

ou equivalência em habilidades concretas, mas sei que isto conta ao

senso comum. Para os varões, recomendam-se escapar de sapatos,

cintos e gravatas extravagantes.

Se você não é comediante, obeso ou marqueteiro deixe os

suspensórios e a gravata borboleta em casa, aprenda a fazer um nó

bem feito e evitar a todo custo calçar meias claras com sapatos

escuros. Vá lá um corte em azul ou marrom, mas somente se já foi

alguma vez e não quer repetir o costume. A não ser que o seu ramo

de atuação seja informal, nem pense em aparecer de jeans e camisa.

Aprenda também a conviver com o terno para não parecer um saco

de batatas, quando estiver sentado. O truque é puxar um pouco a

parte de trás do paletó e sentar em cima, assim você fica esticado.

Evite encher os bolsos de coisas, deixando tudo numa providencial

pasta ou mala de mão.

Para as mulheres a carga de preconceito ainda é maior.

Outro dia vi uma capa de revista que mostrava uma mesma e linda

mulher vestida de dois jeitos diferentes:

A) Tailleur preto, cabelos lambidos e lisos, sem qualquer acessório, no

máximo uns nanômetros de base e batom, camisa preta de gola,

bolsinha pequena preta e salto altíssimo de bico...cafonérrima e;

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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B) Casaquinho e calça clara, blusa meio decote, cabelos soltos,

maquiada, salto médio e confortável, bolsa combinando, visual

agradável.

Adivinha então qual era a chamada da capa? Era a tenebrosa e hiper

preconceituosa: “Você é analisada em dois segundos antes de ser 20aprovada ou descartada”.

Já imaginou qual era o modelito “aprovado” pelos padrões

estilísticos profissionais “permitidos”: claro que era a da bruxa de

velório, ou modelo insossa opção A. Portanto, vale também aqui

esquecer qualquer traço que valorize suas formas ou optar pela

tendência fashion atual. Use o pretinho básico e, se não tiver - ou

puder - componha um visual conservador. O mesmo é recomendado

para esmaltes, brincos, perfumes, batons e outros componentes do

arsenal estético feminino. A não ser que vá trabalhar na Prada,

esteja preparada para não dar na vista, ao mesmo tempo deixando

claro que sabe escolher a composição conforme a ocasião. Mesmo

porque poderá atrair a antipatia alheia se exagerar ou faltar. Se o

selecionador for homem, cuidado com sentir-se incomodada ou

entusiasmada com olhares ou simpatia, pode ser um teste. Fique

atenta, serena e responda sempre de forma objetiva, mas sem frieza.

Se for mulher, redobre a guarda: não entre no clássico jogo de

competição e ironia.

Já adiantamos também quais os procedimentos após ouvir

seu nome: Passos firmes, desembaraço, polidez, cordialidade.

Expresse sua satisfação por estar ali, mas nada de muita efusão ou

fortes apertos de mão: existem muitas pessoas que odeiam

cumprimentos afetuosos com desconhecidos e somente o fazem

porque o protocolo exige - retribua na mesma moeda o tempo e a

pressão das mãos. Aquilo que já dissemos sobre os gestos, após estar

frente ao entrevistador também deve ser observado. Não se

esqueça que existe um problema de territorialidade com a natureza

das relações humanas, ou seja: é de muito bom tom que você não

“invada” o espaço dos outros, seja fisicamente ou mesmo

intelectualmente.Procure preservar suas opiniões, conhecimentos

e comentários pessoais para si mesmo, ou quando seja instado a

fazê-lo. Seja como o vendedor: não venda para empresas, mas

venda para pessoas. São pessoas que compram e elas podem ser

influenciadas. Veja como:

A pior coisa que você pode fazer em uma entrevista é

“aproveitar o gancho” de um jargão do ramo psicológico e tentar

dar aula ao entrevistador. Ou então corrigir o interlocutor

intempestivamente. Se fizer, praticamente você é carta fora do

baralho. Não se esqueça que talvez a pessoa que está lhe

entrevistando ganhe muito menos do que a sua pretensão salarial,

portanto, se você a insultar ou se mostrar arrogante - mesmo

subliminarmente - estará colocando seu pescoço sob a lâmina da

guilhotina e aí baubau! Ao contrário, seu maior esforço nestes

momentos é ganhar a adequada simpatia e a atenção técnica

daquele que está com o encargo da seleção. Mesmo que a pessoa

lhe aborreça, perturbe, ironize, diminua, trate você como um

código de barras, seja ético e respeitoso. Tente ganhar sua confiança

para que a relação não retroceda a um estado de natureza 21hobbesiano.

Esta prática também o auxiliará na recusa de propostas 22indecentes de venda de emprego ou mesmo de funções com

remunerações desprezíveis, porque você estará concentrado no

contexto, extraindo o máximo da situação de forma racional. Assim,

não será vampirizado e poderá resistir a quaisquer ataques à sua

auto-estima, ficando numa situação emocional mais confortável.

Como ninguém é perfeito, saindo de lá, você pode aliviar suas

tensões chutando todas as latas que encontrar até chegar em casa

ou dobrar a sessão na academia. Entrementes, procure verificar que

20 É o fim da picada que alguém possa ser analisado de forma imediata. O terror alocado sobre o pseudo “poder” dos avaliadores dita estilos e modos de proceder, no entanto é importante ficar atento a estas tendências. Não há poder ou formação a não ser o da ignorância do jornalista. Nenhum profissional de seleção sério ou psicólogo ético faria uma análise meramente subjetiva, baseada em segundos de avaliação ou conceitos de moda. Mas o mundo não é o ideal e sequer talvez o melhor daqueles que nos possam ser dados como possíveis. Fora isso, ligue os depuradores culturais: Revistas têm de ser apelativas para poder vender, portanto cuide de “limar” onde exageram na dose, porque exageram!

21 Segundo Hobbes, no Leviatã, o estado natural dos homens é a guerra de todos contra todos - lupus homo hominis - o homem é o lobo do homem, ou seja, a coisa pode acabar mal se não houver repressão legal às paixões.22 Exceção à regra: se quiser, proteste a vontade e inclusive denuncie qualquer prática ilegal ou antiética.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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B) Casaquinho e calça clara, blusa meio decote, cabelos soltos,

maquiada, salto médio e confortável, bolsa combinando, visual

agradável.

Adivinha então qual era a chamada da capa? Era a tenebrosa e hiper

preconceituosa: “Você é analisada em dois segundos antes de ser 20aprovada ou descartada”.

Já imaginou qual era o modelito “aprovado” pelos padrões

estilísticos profissionais “permitidos”: claro que era a da bruxa de

velório, ou modelo insossa opção A. Portanto, vale também aqui

esquecer qualquer traço que valorize suas formas ou optar pela

tendência fashion atual. Use o pretinho básico e, se não tiver - ou

puder - componha um visual conservador. O mesmo é recomendado

para esmaltes, brincos, perfumes, batons e outros componentes do

arsenal estético feminino. A não ser que vá trabalhar na Prada,

esteja preparada para não dar na vista, ao mesmo tempo deixando

claro que sabe escolher a composição conforme a ocasião. Mesmo

porque poderá atrair a antipatia alheia se exagerar ou faltar. Se o

selecionador for homem, cuidado com sentir-se incomodada ou

entusiasmada com olhares ou simpatia, pode ser um teste. Fique

atenta, serena e responda sempre de forma objetiva, mas sem frieza.

Se for mulher, redobre a guarda: não entre no clássico jogo de

competição e ironia.

Já adiantamos também quais os procedimentos após ouvir

seu nome: Passos firmes, desembaraço, polidez, cordialidade.

Expresse sua satisfação por estar ali, mas nada de muita efusão ou

fortes apertos de mão: existem muitas pessoas que odeiam

cumprimentos afetuosos com desconhecidos e somente o fazem

porque o protocolo exige - retribua na mesma moeda o tempo e a

pressão das mãos. Aquilo que já dissemos sobre os gestos, após estar

frente ao entrevistador também deve ser observado. Não se

esqueça que existe um problema de territorialidade com a natureza

das relações humanas, ou seja: é de muito bom tom que você não

“invada” o espaço dos outros, seja fisicamente ou mesmo

intelectualmente.Procure preservar suas opiniões, conhecimentos

e comentários pessoais para si mesmo, ou quando seja instado a

fazê-lo. Seja como o vendedor: não venda para empresas, mas

venda para pessoas. São pessoas que compram e elas podem ser

influenciadas. Veja como:

A pior coisa que você pode fazer em uma entrevista é

“aproveitar o gancho” de um jargão do ramo psicológico e tentar

dar aula ao entrevistador. Ou então corrigir o interlocutor

intempestivamente. Se fizer, praticamente você é carta fora do

baralho. Não se esqueça que talvez a pessoa que está lhe

entrevistando ganhe muito menos do que a sua pretensão salarial,

portanto, se você a insultar ou se mostrar arrogante - mesmo

subliminarmente - estará colocando seu pescoço sob a lâmina da

guilhotina e aí baubau! Ao contrário, seu maior esforço nestes

momentos é ganhar a adequada simpatia e a atenção técnica

daquele que está com o encargo da seleção. Mesmo que a pessoa

lhe aborreça, perturbe, ironize, diminua, trate você como um

código de barras, seja ético e respeitoso. Tente ganhar sua confiança

para que a relação não retroceda a um estado de natureza 21hobbesiano.

Esta prática também o auxiliará na recusa de propostas 22indecentes de venda de emprego ou mesmo de funções com

remunerações desprezíveis, porque você estará concentrado no

contexto, extraindo o máximo da situação de forma racional. Assim,

não será vampirizado e poderá resistir a quaisquer ataques à sua

auto-estima, ficando numa situação emocional mais confortável.

Como ninguém é perfeito, saindo de lá, você pode aliviar suas

tensões chutando todas as latas que encontrar até chegar em casa

ou dobrar a sessão na academia. Entrementes, procure verificar que

20 É o fim da picada que alguém possa ser analisado de forma imediata. O terror alocado sobre o pseudo “poder” dos avaliadores dita estilos e modos de proceder, no entanto é importante ficar atento a estas tendências. Não há poder ou formação a não ser o da ignorância do jornalista. Nenhum profissional de seleção sério ou psicólogo ético faria uma análise meramente subjetiva, baseada em segundos de avaliação ou conceitos de moda. Mas o mundo não é o ideal e sequer talvez o melhor daqueles que nos possam ser dados como possíveis. Fora isso, ligue os depuradores culturais: Revistas têm de ser apelativas para poder vender, portanto cuide de “limar” onde exageram na dose, porque exageram!

21 Segundo Hobbes, no Leviatã, o estado natural dos homens é a guerra de todos contra todos - lupus homo hominis - o homem é o lobo do homem, ou seja, a coisa pode acabar mal se não houver repressão legal às paixões.22 Exceção à regra: se quiser, proteste a vontade e inclusive denuncie qualquer prática ilegal ou antiética.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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qualquer progresso que você possa fazer em termos de tolerância e

sublimação equivale a anos luz de evolução, deste modo procure

perdoar e esquecer os muitos instrumentos de provação que você

encontrará no caminho, disfarçados de entrevistadores,

contratadores, chefes, líderes, consultores, especialistas,

concorrentes e todos os que possuem o dom de ferir. É melhor

pensar assim, pois como dizia Gandhi, se for olho por olho, sempre,

um dia todos terminarão cegos.

Embora a metodologia, os valores ideologizados, o sistema

sócio-econômico-cultural como um todo massacre o indivíduo,

aquele que detêm temporariamente alguma relação de poder, por

ele mesmo é apenas a frágil instância desta relação. Tente descobrir

onde vai dar o caminho. Dentro das complexas relações que

constituem o tecido social e profissional, os indivíduos que exercem

funções, tendem a ser guiados por técnicas, procedimentos e

crenças justificadas sobre valores concretos as quais nunca 23questionam. A ordem das relações se estabelece, porém, dentro de

uma lógica de produção e maximização, onde o que importa são a

quantidade de resultados e a eficácia das ações. Isto coloca a

subjetividade e o próprio indivíduo à mercê de uma série de

avaliações, nem sempre plausíveis. Isto é onde acaba a linha de

produção. Aprenda a linguagem das máquinas.

Tenha em mente que o entrevistador é um ser humano

comum, mas cujo material de trabalho são as pessoas. Se o sistema

de operações pode parecer medieval, dada a brutalidade dos

direcionamentos em busca da adequação ao perfil solicitado, quem

dirige o processo não é necessariamente um inquisidor. Fora dali ele

pode ser bom pai, boa mãe, bom amigo, bom samaritano, embora

no exercício de suas funções e, pelo fato de deter poder sobre sua

contratação ele possa lhe parecer um carrasco - mesmo se assim for,

como tal, ele lhe pede o perdão -, em nome do que seu tipo de

emprego lhe obriga a fazer. Embora o caso não seja de coerção, mas

de crença e escolha; principalmente de evolução destes processos

arcaicos, vale a analogia. Meu conselho é simples: Mudem-se os

meios pelos quais a sociedade opera e desaparecerão os também

verdugos.

6 - Meio Ambiente Hostil

Digam o que disserem os retóricos inflamados das nobres virtudes

dos profissionais de recursos humanos, a verdade empírica é que

para quem está do outro lado da mesa (ou do balcão, depende!) a

sala de entrevistas é um espaço alienígena. A geografia competitiva

e desconhecida da situação fornece mais motivos de ansiedade e de

insegurança, do que propriamente um “desafio”, tornando-se,

portanto, uma arena onde se deverá travar um combate mortal.

Ao leitor desavisado, poderá parecer que eu estou aqui a

desfiar um longo rosário de queixas e recriminações contra estes

profissionais, um revanchismo contra o que é considerado como

crença social na “ciência exata e positiva” da psicologia - porque ela

tem papel dominante nas instâncias de avaliação, sejam quais forem

os objetivos - ou no mínimo dando vazão aos meus instintos

psicopatológicos numa catarse literária. Nada disso! É importante

verificar que o intuito aqui é registrar a prática moderna de

contratação e quais os impactos que os mecanismos, instrumentos,

visões e técnicas aceitas têm nos indivíduos. Se há alguma acidez

nas minhas considerações, estas se dirigem - sim - ao utilitarismo

preferencial das sociedades de consumo, seu modus operandi, cujo

único valor é o lucro e cuja maior preocupação é aumentar a

extração, produção, conquistar mercados e baixar os custos, seja a

que custo ético for. Disciplinas fundamentais têm sido cooptadas

para este projeto, no mais das vezes desfigurando seu corpo

doutrinário e seus profissionais.

Senão, vejamos: o que realmente é o escopo das doutrinas

que analisamos?

Uma teoria pode ser desenvolvida através de sérias

pesquisas e estudos, mas isto não significa que sua adequação

prática seja orientada conforme uma prioridade que permita elevar

o espírito. Vivemos o segundo milênio da civilização ocidental,

numa sociedade que está estruturada dentro de infinitas séries de

relações entre microcosmo e macrocosmo. Temos de um lado as

micro relações afetivas, sociais e culturais que são estabelecidas

pela vida cotidiana dos indivíduos e, de outro os aparatos do Estado,

dos mercados, das instituições e suas interações globais. Até aí, tudo 23 Se o fizesse entrava em crise, pois questionaria a si mesmo e o alcance de suas atitudes...

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

5352

qualquer progresso que você possa fazer em termos de tolerância e

sublimação equivale a anos luz de evolução, deste modo procure

perdoar e esquecer os muitos instrumentos de provação que você

encontrará no caminho, disfarçados de entrevistadores,

contratadores, chefes, líderes, consultores, especialistas,

concorrentes e todos os que possuem o dom de ferir. É melhor

pensar assim, pois como dizia Gandhi, se for olho por olho, sempre,

um dia todos terminarão cegos.

Embora a metodologia, os valores ideologizados, o sistema

sócio-econômico-cultural como um todo massacre o indivíduo,

aquele que detêm temporariamente alguma relação de poder, por

ele mesmo é apenas a frágil instância desta relação. Tente descobrir

onde vai dar o caminho. Dentro das complexas relações que

constituem o tecido social e profissional, os indivíduos que exercem

funções, tendem a ser guiados por técnicas, procedimentos e

crenças justificadas sobre valores concretos as quais nunca 23questionam. A ordem das relações se estabelece, porém, dentro de

uma lógica de produção e maximização, onde o que importa são a

quantidade de resultados e a eficácia das ações. Isto coloca a

subjetividade e o próprio indivíduo à mercê de uma série de

avaliações, nem sempre plausíveis. Isto é onde acaba a linha de

produção. Aprenda a linguagem das máquinas.

Tenha em mente que o entrevistador é um ser humano

comum, mas cujo material de trabalho são as pessoas. Se o sistema

de operações pode parecer medieval, dada a brutalidade dos

direcionamentos em busca da adequação ao perfil solicitado, quem

dirige o processo não é necessariamente um inquisidor. Fora dali ele

pode ser bom pai, boa mãe, bom amigo, bom samaritano, embora

no exercício de suas funções e, pelo fato de deter poder sobre sua

contratação ele possa lhe parecer um carrasco - mesmo se assim for,

como tal, ele lhe pede o perdão -, em nome do que seu tipo de

emprego lhe obriga a fazer. Embora o caso não seja de coerção, mas

de crença e escolha; principalmente de evolução destes processos

arcaicos, vale a analogia. Meu conselho é simples: Mudem-se os

meios pelos quais a sociedade opera e desaparecerão os também

verdugos.

6 - Meio Ambiente Hostil

Digam o que disserem os retóricos inflamados das nobres virtudes

dos profissionais de recursos humanos, a verdade empírica é que

para quem está do outro lado da mesa (ou do balcão, depende!) a

sala de entrevistas é um espaço alienígena. A geografia competitiva

e desconhecida da situação fornece mais motivos de ansiedade e de

insegurança, do que propriamente um “desafio”, tornando-se,

portanto, uma arena onde se deverá travar um combate mortal.

Ao leitor desavisado, poderá parecer que eu estou aqui a

desfiar um longo rosário de queixas e recriminações contra estes

profissionais, um revanchismo contra o que é considerado como

crença social na “ciência exata e positiva” da psicologia - porque ela

tem papel dominante nas instâncias de avaliação, sejam quais forem

os objetivos - ou no mínimo dando vazão aos meus instintos

psicopatológicos numa catarse literária. Nada disso! É importante

verificar que o intuito aqui é registrar a prática moderna de

contratação e quais os impactos que os mecanismos, instrumentos,

visões e técnicas aceitas têm nos indivíduos. Se há alguma acidez

nas minhas considerações, estas se dirigem - sim - ao utilitarismo

preferencial das sociedades de consumo, seu modus operandi, cujo

único valor é o lucro e cuja maior preocupação é aumentar a

extração, produção, conquistar mercados e baixar os custos, seja a

que custo ético for. Disciplinas fundamentais têm sido cooptadas

para este projeto, no mais das vezes desfigurando seu corpo

doutrinário e seus profissionais.

Senão, vejamos: o que realmente é o escopo das doutrinas

que analisamos?

Uma teoria pode ser desenvolvida através de sérias

pesquisas e estudos, mas isto não significa que sua adequação

prática seja orientada conforme uma prioridade que permita elevar

o espírito. Vivemos o segundo milênio da civilização ocidental,

numa sociedade que está estruturada dentro de infinitas séries de

relações entre microcosmo e macrocosmo. Temos de um lado as

micro relações afetivas, sociais e culturais que são estabelecidas

pela vida cotidiana dos indivíduos e, de outro os aparatos do Estado,

dos mercados, das instituições e suas interações globais. Até aí, tudo 23 Se o fizesse entrava em crise, pois questionaria a si mesmo e o alcance de suas atitudes...

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bem: trata-se apenas de ver as coisas como estão, como nos

aparecem. O problema é que todo este complexo mecanismo move-

se, orientado por uma lógica de produção, poder e acumulação

privada, onde os indivíduos podem ser comparados a meros - e

substituíveis - componentes de desgaste.

Quando você compra uma bicicleta, pode verificar no

manual que normalmente não se dá grandes garantias para as peças

que compõe as engrenagens de movimento, mas sim à estrutura.

Ora, é claro que a corrente, o pedal e a roda livre se desgastam mais,

pois são estas partes do mecanismo que produzem o atrito

necessário para que exista o movimento. O engraçado é verificar

que são justamente estas as partes mais desconsideradas. O mesmo

acontece com as relações produtivas em quaisquer setores da

economia: as ocupações da produção geram a riqueza em

produtos, em troca de salário, suportando os atritos da fabricação,

enquanto que outros segmentos suportam os percalços da logística

e, para encurtar, finalmente os benefícios são auferidos, usufruídos e

geridos pelas camadas que detém os “direitos”, poderes ou o

controle do processo produção-distribuição.

Disto infere-se que seria bem grande a diminuição das

margens obtidas no negócio, caso fosse dada garantia e assistência

plena aos itens de desgaste. Ora! Esta mesma base unilinear do

pensamento cumulativo de bens - sacrossanta relação

custo/benefício - sai do insumo, matéria e tributos para serem

levados às práticas de manuseio dos estoques de recursos humanos

disponíveis ou captados. As corporações estratificam o

escalonamento funcional em níveis estanques onde reina a planilha.

Em torno das funções, criam-se normas, procedimentos e todo um

aparato burocrático - conflitante - de modo a garantir a demanda,

elevar metas, conseguir benefícios e concentrar o poder decisório.

Ninguém se engane: estão superadas as distinções entre valor de

uso e troca, ouvem-se traços discursivos de sustentabilidade, mas o

que importa é a contínua produção e conseqüente descarte.

Teoricamente, haveria recolhimento de impostos que

seriam revertidos para a melhora das condições de vida, maior

disponibilidade de produtos, mais oportunidades iguais para todos,

porém isto é balela. Inserido como coisa dentro deste panorama,

torna-se claro que o papel do indivíduo é infinitamente menor do

que as mercadorias e serviços de que é capaz de produzir ou

realizar. Então, surge outro fantasma: seguindo este mesmo

raciocínio, é evidente que a preocupação de quem detém os meios

de produção, os empregadores e financiadores, é voltar sua atenção

para os elos desta cadeia de conseqüências e fazer com que o

mecanismo corporativo funcione bem, sempre produzindo mais, a

menor custo e com maior eficiência. Mas isto não ocorre bem assim.

Desgaste é igual à concessão de benefício, portanto a

lógica tacanha da produção é imputar o vício, como inerente à

“natureza” do produto - ao contrário de produzir peças melhores,

que durem mais, faz-se o inverso para “garantir mercado”. Por isso,

contratam, formam ou desenham “especialistas” e especialidades

para lhes providenciar no ecossistema humano, as cabeças, corpos,

comportamentos e membros de que precisam. Se, por um lado

enquanto produzem, tentam se eximir de responsabilidades por

quebras, falhas e outros dolos em seu agir, naturalizando a

apropriação dentro dos sistemas de valores, crenças e práticas - que

movimentam a máquina criada para ser mantida e consumida; por

outro demandam a formação de novos comportamentos, mais 24compatíveis com desejos e necessidades de uso e descarte para

que sejam alocados nas suas baias e produzam acima das

expectativas até o fim de sua vida útil.

Mas nem tudo são cinzas. Vamos dar crédito, é claro, às

inúmeras vertentes, que trabalham em prol da excelência na

formação e atuação profissional com vistas à ética e ao

comportamento civilizado, na responsabilidade social, ciência,

reciclagem e outros posicionamentos dignos. São poucos, mas

justamente impedem que as técnicas e instrumentos da psicologia se

reduzam a meras ferramentas nas mãos de trogloditas

administrativo-financeiros. Buscam mesmo, inocular nas teorias

jurídico-administrativas a necessidade de haver uma compleição

teórica mais abrangente do objeto das principais atenções e

cuidados: o indivíduo em sua dignidade de ser. Esta complexa esfera

24 Pense em como é bom ser sido assertivo na hora de ser demitido, acreditando ter contribuído para a empresa. Isto é que é ter espírito de equipe!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

5554

bem: trata-se apenas de ver as coisas como estão, como nos

aparecem. O problema é que todo este complexo mecanismo move-

se, orientado por uma lógica de produção, poder e acumulação

privada, onde os indivíduos podem ser comparados a meros - e

substituíveis - componentes de desgaste.

Quando você compra uma bicicleta, pode verificar no

manual que normalmente não se dá grandes garantias para as peças

que compõe as engrenagens de movimento, mas sim à estrutura.

Ora, é claro que a corrente, o pedal e a roda livre se desgastam mais,

pois são estas partes do mecanismo que produzem o atrito

necessário para que exista o movimento. O engraçado é verificar

que são justamente estas as partes mais desconsideradas. O mesmo

acontece com as relações produtivas em quaisquer setores da

economia: as ocupações da produção geram a riqueza em

produtos, em troca de salário, suportando os atritos da fabricação,

enquanto que outros segmentos suportam os percalços da logística

e, para encurtar, finalmente os benefícios são auferidos, usufruídos e

geridos pelas camadas que detém os “direitos”, poderes ou o

controle do processo produção-distribuição.

Disto infere-se que seria bem grande a diminuição das

margens obtidas no negócio, caso fosse dada garantia e assistência

plena aos itens de desgaste. Ora! Esta mesma base unilinear do

pensamento cumulativo de bens - sacrossanta relação

custo/benefício - sai do insumo, matéria e tributos para serem

levados às práticas de manuseio dos estoques de recursos humanos

disponíveis ou captados. As corporações estratificam o

escalonamento funcional em níveis estanques onde reina a planilha.

Em torno das funções, criam-se normas, procedimentos e todo um

aparato burocrático - conflitante - de modo a garantir a demanda,

elevar metas, conseguir benefícios e concentrar o poder decisório.

Ninguém se engane: estão superadas as distinções entre valor de

uso e troca, ouvem-se traços discursivos de sustentabilidade, mas o

que importa é a contínua produção e conseqüente descarte.

Teoricamente, haveria recolhimento de impostos que

seriam revertidos para a melhora das condições de vida, maior

disponibilidade de produtos, mais oportunidades iguais para todos,

porém isto é balela. Inserido como coisa dentro deste panorama,

torna-se claro que o papel do indivíduo é infinitamente menor do

que as mercadorias e serviços de que é capaz de produzir ou

realizar. Então, surge outro fantasma: seguindo este mesmo

raciocínio, é evidente que a preocupação de quem detém os meios

de produção, os empregadores e financiadores, é voltar sua atenção

para os elos desta cadeia de conseqüências e fazer com que o

mecanismo corporativo funcione bem, sempre produzindo mais, a

menor custo e com maior eficiência. Mas isto não ocorre bem assim.

Desgaste é igual à concessão de benefício, portanto a

lógica tacanha da produção é imputar o vício, como inerente à

“natureza” do produto - ao contrário de produzir peças melhores,

que durem mais, faz-se o inverso para “garantir mercado”. Por isso,

contratam, formam ou desenham “especialistas” e especialidades

para lhes providenciar no ecossistema humano, as cabeças, corpos,

comportamentos e membros de que precisam. Se, por um lado

enquanto produzem, tentam se eximir de responsabilidades por

quebras, falhas e outros dolos em seu agir, naturalizando a

apropriação dentro dos sistemas de valores, crenças e práticas - que

movimentam a máquina criada para ser mantida e consumida; por

outro demandam a formação de novos comportamentos, mais 24compatíveis com desejos e necessidades de uso e descarte para

que sejam alocados nas suas baias e produzam acima das

expectativas até o fim de sua vida útil.

Mas nem tudo são cinzas. Vamos dar crédito, é claro, às

inúmeras vertentes, que trabalham em prol da excelência na

formação e atuação profissional com vistas à ética e ao

comportamento civilizado, na responsabilidade social, ciência,

reciclagem e outros posicionamentos dignos. São poucos, mas

justamente impedem que as técnicas e instrumentos da psicologia se

reduzam a meras ferramentas nas mãos de trogloditas

administrativo-financeiros. Buscam mesmo, inocular nas teorias

jurídico-administrativas a necessidade de haver uma compleição

teórica mais abrangente do objeto das principais atenções e

cuidados: o indivíduo em sua dignidade de ser. Esta complexa esfera

24 Pense em como é bom ser sido assertivo na hora de ser demitido, acreditando ter contribuído para a empresa. Isto é que é ter espírito de equipe!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

5554

que envolve faculdades, sentimentos e competências, merece

alguma avaliação positiva em função de suas qualidades e

possibilidades, não somente pela materialidade de sua produção ou

sua adequação a um uso. Mas porque, a grande maioria crê mesmo

estar atuando em prol de algo que se encontra além da discussão

sobre o “bem”. Que seja! Incipit!

No entanto é preciso frear os ímpetos administrativos, sem

cair nas mazelas dos discursos políticos. Embora sejam bilhões de

habitantes a circular por aí, não somos e nem podemos ser mais

considerados apenas como “recurso” disponível, matéria-prima,

subsídio, porém entidades vivas e autoconscientes.

Mas aceitando-se ou não o chamado desemprego

estrutural, como constituinte das relações econômicas e sociais, não

se pode - sem conseqüências - aceitar isto como desejável ou deixar

de posicionar-se a razão contra este estado de coisas, mesmo que

seja através de pequenas e meritórias ações locais. Mas, em todo

caso, dada a singularidade humana, e mesmo depois de tudo isso

posto, algum gaiato poderia dizer, assertivamente:

- Crise, que crise? Tudo são oportunidades! Nosso modo de vida exaure

o planeta? Provoca fome, violência e miséria? No mínimo denigre o

indivíduo? Não é bem assim! E mesmo se for, tem solução, você é um

“negativo”, que vê tudo pelo pior lado. Temos que ser práticos:

Mantemos os privilégios e distribuímos alguns benefícios. A vida

sempre vai ser assim: ao vencedor, as batatas. Por que mudar, então? As

coisas vão se ajeitar. Se bem que, a cada dia fica mais difícil sair na rua.

Mas para o amanhã, vai bastar blindar a porta, o apê, o carro para ir ao

serviço, implantar o chip anti-seqüestro, cápsula de morfina anti-

tortura e nunca esquecer de usar protetor solar fator 30.000, mesmo

aqui, dentro do escritório. Fácil! Não? Você tem que se adaptar. Se

preocupar para quê? Ética lhe dá o que comer? Se liga rapá!

Ufa! Credo! O pior é que conheço uns tipos que diriam isto, achando

que são sérios. Eles existem mesmo. São os chamados “líderes-

servidores negativos”, não porque influenciem pessoas, mas pelo

contrário, impedem de tomar alguma atitude coerente, servindo de

âncoras ao status quo vigente

Agora, o aquecimento global e as blindagens

arquitetônicas contra a violência urbana já são partes da realidade

de mercado e, se quiserem eu recomendo uma empresa séria no

ramo.

Mas, vamos falar de coisas mais amenas: que tal um “perfil”

daqueles que nos entrevistam? Uma fotografia deste terreno

acidentado, por onde temos que caminhar até o objetivo

empregatício. Como eles trabalham? Quais as etapas? O que é

relevante? O que fazer? O que querem dizer os conceitos? O que

eles esperam de nós? Para isso precisamos mapear os módulos

básicos que norteiam um processo de seleção e sua nomenclatura,

para saber no que acreditam e como agem nossos avaliadores.

Tentamos resumir este monte de informações, conforme a tabela a

seguir. Cá entre nós, se você conseguir a oportunidade de emprego,

que tal contribuir para um mundo melhor?

Alguns destes instrumentos, técnicas e abordagens são

legitimamente úteis, cientificamente válidos e seu uso está

amparado e regulamentado pelos conselhos e órgãos de classe. 25Estas instituições, conselhos de classe e associações, há muito

dispõe de severos códigos de ética relacionados às atividades

desenvolvidas, bem como aos produtos (testes) aplicados. Inclusive

25 Maiores informações veja na seção final do livro ou vá direto ao Google.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

5756

que envolve faculdades, sentimentos e competências, merece

alguma avaliação positiva em função de suas qualidades e

possibilidades, não somente pela materialidade de sua produção ou

sua adequação a um uso. Mas porque, a grande maioria crê mesmo

estar atuando em prol de algo que se encontra além da discussão

sobre o “bem”. Que seja! Incipit!

No entanto é preciso frear os ímpetos administrativos, sem

cair nas mazelas dos discursos políticos. Embora sejam bilhões de

habitantes a circular por aí, não somos e nem podemos ser mais

considerados apenas como “recurso” disponível, matéria-prima,

subsídio, porém entidades vivas e autoconscientes.

Mas aceitando-se ou não o chamado desemprego

estrutural, como constituinte das relações econômicas e sociais, não

se pode - sem conseqüências - aceitar isto como desejável ou deixar

de posicionar-se a razão contra este estado de coisas, mesmo que

seja através de pequenas e meritórias ações locais. Mas, em todo

caso, dada a singularidade humana, e mesmo depois de tudo isso

posto, algum gaiato poderia dizer, assertivamente:

- Crise, que crise? Tudo são oportunidades! Nosso modo de vida exaure

o planeta? Provoca fome, violência e miséria? No mínimo denigre o

indivíduo? Não é bem assim! E mesmo se for, tem solução, você é um

“negativo”, que vê tudo pelo pior lado. Temos que ser práticos:

Mantemos os privilégios e distribuímos alguns benefícios. A vida

sempre vai ser assim: ao vencedor, as batatas. Por que mudar, então? As

coisas vão se ajeitar. Se bem que, a cada dia fica mais difícil sair na rua.

Mas para o amanhã, vai bastar blindar a porta, o apê, o carro para ir ao

serviço, implantar o chip anti-seqüestro, cápsula de morfina anti-

tortura e nunca esquecer de usar protetor solar fator 30.000, mesmo

aqui, dentro do escritório. Fácil! Não? Você tem que se adaptar. Se

preocupar para quê? Ética lhe dá o que comer? Se liga rapá!

Ufa! Credo! O pior é que conheço uns tipos que diriam isto, achando

que são sérios. Eles existem mesmo. São os chamados “líderes-

servidores negativos”, não porque influenciem pessoas, mas pelo

contrário, impedem de tomar alguma atitude coerente, servindo de

âncoras ao status quo vigente

Agora, o aquecimento global e as blindagens

arquitetônicas contra a violência urbana já são partes da realidade

de mercado e, se quiserem eu recomendo uma empresa séria no

ramo.

Mas, vamos falar de coisas mais amenas: que tal um “perfil”

daqueles que nos entrevistam? Uma fotografia deste terreno

acidentado, por onde temos que caminhar até o objetivo

empregatício. Como eles trabalham? Quais as etapas? O que é

relevante? O que fazer? O que querem dizer os conceitos? O que

eles esperam de nós? Para isso precisamos mapear os módulos

básicos que norteiam um processo de seleção e sua nomenclatura,

para saber no que acreditam e como agem nossos avaliadores.

Tentamos resumir este monte de informações, conforme a tabela a

seguir. Cá entre nós, se você conseguir a oportunidade de emprego,

que tal contribuir para um mundo melhor?

Alguns destes instrumentos, técnicas e abordagens são

legitimamente úteis, cientificamente válidos e seu uso está

amparado e regulamentado pelos conselhos e órgãos de classe. 25Estas instituições, conselhos de classe e associações, há muito

dispõe de severos códigos de ética relacionados às atividades

desenvolvidas, bem como aos produtos (testes) aplicados. Inclusive

25 Maiores informações veja na seção final do livro ou vá direto ao Google.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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são responsáveis diante da lei, pela avaliação científica dos mesmos,

de acordo com normas internacionais e literatura disponível. Mas, a

existência, por si só destas instâncias, não significa que o uso prático

seja fiscalizado conforme deveria, portanto há que se ter muito

cuidado e, caso desconfie de arbitrariedades, não hesite: denuncie.

Somente assim existirá possibilidade de começar a sanear o

mercado de empregos e permitirá aos responsáveis tomar as

medidas cabíveis a cada caso.

Sei também que estes processos são embasados num

discurso de “mão-dupla”, do tipo: buscamos os que são adequados

ao cargo, mas quem busca também deve ver se o cargo é adequado

a si mesmo, portanto se não for agora, sempre haverá uma

oportunidade futura. Mas o que interessa ao presente

desempregado é livrar-se o mais rapidamente possível de sua

incômoda situação, daí que toda esta arenga sobre adequação não

serve de mínimo consolo quando se é preterido. Se o pão nosso de

cada dia não está assegurado, que importa saber a distinção entre as

nuances e diferenciais de nossa personalidade?

Se não há a possibilidade de retomar imediatamente uma

atividade produtiva, que interesse pode haver em aguardar um

feedback? No mais, quem garante que os testes aplicados pelo

mercado de seleção realmente funcionam como deveriam?

Selecionar o mais adequado a um perfil significa realmente

selecionar o melhor? Estatísticas informais apontam que este

problemão tende a ser resolvido nos próximos 50 anos, nos quais

psicólogos, cientistas, filósofos, administradores e economistas

continuarão a socar-se mutuamente, disputando a primazia teórica,

porém há sempre o risco de os políticos colocarem os outros

litigantes a nocaute. O ideal, portanto seria uma esfera de

intersecção dos conhecimentos, rumo a uma melhor condição

prática de coexistência.

Mas vamos também deixar de lado este exercício de

futurologia para nos dedicarmos a descobrir como interpretar o que

é solicitado por este estado aparentemente caótico de coisas. O

importante neste ponto é ter em mente que existe um considerável

abismo entre os interesses do candidato e os da empresa, mas que

pode ser solucionado por um esforço de vontade, dedicação e,

porque não, fé. Ao candidato a determinação é que se prepare e

atualize, ao selecionador que tenha bom senso e ao empregador

que se disponha a reconhecer sua força de trabalho. As duas

últimas, embora dentro de nossas esperanças, fogem um pouco à

nossa alçada, mas a primeira nos permitirá uma oportunidade de

emprego e daí para frente, recomeçar de onde havíamos parado.

Para isso a única alternativa é não confiarmos apenas na

leitura de manuais que nos digam como fazer numa entrevista,

dinâmica ou jogos empresariais ou comportamentais. Se não

houver o mínimo de conteúdo no candidato, pode esquecer

qualquer roteiro ou resumo. O negócio é estar empregado, fazendo

tudo para continuar “empregável”, mesmo antes que suas antenas

captem que a casa pode cair, vá à luta e busque conhecimentos e

desenvolva talentos. Isto, de um lado evitará uma demissão,

podendo até gerar uma promoção.

Na pior das hipóteses a busca contínua de qualificação o

deixará preparado para buscar uma nova e mais alta posição.

Portanto, além de prosseguir com tato e jogo de cintura nos

processos seletivos, vá também em busca de qualidade. A palavra

de ordem é capacitação: aprenda algo mais a cada ano e recicle seus

conhecimentos. Seja em que classe social você esteja, sempre pode

ter oportunidade de aprender. Fazendo assim, estará ao mesmo

tempo trabalhando sua auto-imagem e estima, e isto fará com que o

terreno acidentado não pareça algo intransponível, além de facilitar

sua contratação.

7 - Produtos e Serviços: Como me Qualificar?

Fechando esta primeira parte do percurso, devemos dar toda a

importância ao que chamamos de qualificação ou educação

contínua. Muitos profissionais pensam que uma vez formados,

acabou-se o ciclo de aprendizado e que doravante irão seguir as

orientações e necessidades da empresa ou perseguir seus objetivos

pessoais.

Este é um típico pensamento que não mais tem lugar no

século de velocidade e imensa massa de informações que permeia

os locais onde vivemos. É certo que não é possível mais acompanhar

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

5958

são responsáveis diante da lei, pela avaliação científica dos mesmos,

de acordo com normas internacionais e literatura disponível. Mas, a

existência, por si só destas instâncias, não significa que o uso prático

seja fiscalizado conforme deveria, portanto há que se ter muito

cuidado e, caso desconfie de arbitrariedades, não hesite: denuncie.

Somente assim existirá possibilidade de começar a sanear o

mercado de empregos e permitirá aos responsáveis tomar as

medidas cabíveis a cada caso.

Sei também que estes processos são embasados num

discurso de “mão-dupla”, do tipo: buscamos os que são adequados

ao cargo, mas quem busca também deve ver se o cargo é adequado

a si mesmo, portanto se não for agora, sempre haverá uma

oportunidade futura. Mas o que interessa ao presente

desempregado é livrar-se o mais rapidamente possível de sua

incômoda situação, daí que toda esta arenga sobre adequação não

serve de mínimo consolo quando se é preterido. Se o pão nosso de

cada dia não está assegurado, que importa saber a distinção entre as

nuances e diferenciais de nossa personalidade?

Se não há a possibilidade de retomar imediatamente uma

atividade produtiva, que interesse pode haver em aguardar um

feedback? No mais, quem garante que os testes aplicados pelo

mercado de seleção realmente funcionam como deveriam?

Selecionar o mais adequado a um perfil significa realmente

selecionar o melhor? Estatísticas informais apontam que este

problemão tende a ser resolvido nos próximos 50 anos, nos quais

psicólogos, cientistas, filósofos, administradores e economistas

continuarão a socar-se mutuamente, disputando a primazia teórica,

porém há sempre o risco de os políticos colocarem os outros

litigantes a nocaute. O ideal, portanto seria uma esfera de

intersecção dos conhecimentos, rumo a uma melhor condição

prática de coexistência.

Mas vamos também deixar de lado este exercício de

futurologia para nos dedicarmos a descobrir como interpretar o que

é solicitado por este estado aparentemente caótico de coisas. O

importante neste ponto é ter em mente que existe um considerável

abismo entre os interesses do candidato e os da empresa, mas que

pode ser solucionado por um esforço de vontade, dedicação e,

porque não, fé. Ao candidato a determinação é que se prepare e

atualize, ao selecionador que tenha bom senso e ao empregador

que se disponha a reconhecer sua força de trabalho. As duas

últimas, embora dentro de nossas esperanças, fogem um pouco à

nossa alçada, mas a primeira nos permitirá uma oportunidade de

emprego e daí para frente, recomeçar de onde havíamos parado.

Para isso a única alternativa é não confiarmos apenas na

leitura de manuais que nos digam como fazer numa entrevista,

dinâmica ou jogos empresariais ou comportamentais. Se não

houver o mínimo de conteúdo no candidato, pode esquecer

qualquer roteiro ou resumo. O negócio é estar empregado, fazendo

tudo para continuar “empregável”, mesmo antes que suas antenas

captem que a casa pode cair, vá à luta e busque conhecimentos e

desenvolva talentos. Isto, de um lado evitará uma demissão,

podendo até gerar uma promoção.

Na pior das hipóteses a busca contínua de qualificação o

deixará preparado para buscar uma nova e mais alta posição.

Portanto, além de prosseguir com tato e jogo de cintura nos

processos seletivos, vá também em busca de qualidade. A palavra

de ordem é capacitação: aprenda algo mais a cada ano e recicle seus

conhecimentos. Seja em que classe social você esteja, sempre pode

ter oportunidade de aprender. Fazendo assim, estará ao mesmo

tempo trabalhando sua auto-imagem e estima, e isto fará com que o

terreno acidentado não pareça algo intransponível, além de facilitar

sua contratação.

7 - Produtos e Serviços: Como me Qualificar?

Fechando esta primeira parte do percurso, devemos dar toda a

importância ao que chamamos de qualificação ou educação

contínua. Muitos profissionais pensam que uma vez formados,

acabou-se o ciclo de aprendizado e que doravante irão seguir as

orientações e necessidades da empresa ou perseguir seus objetivos

pessoais.

Este é um típico pensamento que não mais tem lugar no

século de velocidade e imensa massa de informações que permeia

os locais onde vivemos. É certo que não é possível mais acompanhar

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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as mudanças e que nosso cérebro acabará se adaptando à

seletivamente alienar-se, para que possa tornar tolerável a própria

angústia.

É certo também que a cada dia, as escolhas feitas com

propriedade determinarão cada vez mais nosso futuro e que ficará

difícil reparar erros de percurso, em virtude desta mesma

velocidade das mudanças. Se o mundo não é mais o que era

antigamente, ainda existe em nós uma incrível capacidade de

adaptação que pode nos proporcionar um ajuste mais ou menos

confortável na situação patrimonial e existencial. Se tudo são

commodities, nem mais a prestação de serviços resolve: deve-se ter

uma posição de aliança estratégica com seus objetivos. Agregar

valor a si mesmo e se tratar - nesta fase - como produto. Ter apoio no

relacionamento e excelência.

A estratificação social ainda pode atingir índices

alarmantes, antes que sejam adotadas medidas de compensação ou

de resolução. Deste modo, estar ao abrigo de quaisquer injunções

de ordem mundial pode depender única e exclusivamente da

capacidade de cada um de prever as mudanças e agir de acordo

com o que é solicitado pelo encadeamento das situações. Isto vale

também para aqueles que estão em busca de seu primeiro emprego

e que não podem contar com o beneplácito de serem aprovados no 26estreito funil dos programas de trainees. Sobre isto é interessante

notar que grande parte dos índices de desemprego vem do fato de as

empresas estarem cada vez mais voltadas a formar sua própria mão

de obra, com pessoal oriundo de faculdades de primeira linha e se

recusarem a dar oportunidade a quem nunca trabalhou ou já tem

alguma experiência.

Sei de todas as dificuldades de voltar a estudar, mesmo

porque fiquei uns vinte anos sem fazer isto e quando tive, por força

das circunstâncias e de meu desejo, retornar a estudar foi 27complicado. Uma porque eu era o “velhinho” da classe e outra

porque não temos mais a mesma energia de antes. Mas, se eu não

tivesse feito um esforço eu nem estaria aqui escrevendo “estas mal

traçadas linhas”. Existem hoje uma série de programas de

qualificação, particulares, Entidades de Classe, Ongs ou

governamentais e até mesmo nas ações de responsabilidade social

das empresas, como as universidades corporativas, basta procurar e

informar-se.

Também há uma oferta bem maior de bolsas para os que se

saem bem nos vestibulares. Muitas instituições oferecem descontos,

ampla e variada gama de cursos e seminários gratuitos. O advento

da informática descobriu novos horizontes e ao mesmo tempo

extinguiu várias profissões, assim, não ficar parado é a melhor

maneira de não ficar para trás. Para facilitar esta busca, colocamos

um apêndice no final, com vários links e endereços úteis. Basta uma

procurada na web para verificar que cada vez mais estas

oportunidades de qualificação são acessíveis aos pobres mortais.

Além do mais, quem procura acha e àquele que pede algo se dará!

Mas, voltando ao assunto das mudanças, exigências e

competências, dêem só uma olhada nos quadros que apresentamos

abaixo, sobre esta evolução:

26 Aqui também existem armadilhas. Procure os departamentos de integração de sua escola ou universidade...27 Havia outros mais velhos e fiz grandes amigos na graduação, no entanto era penoso saber que não podia acompanhar nem fisicamente nem intelectualmente a elasticidade da galera mais nova...

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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as mudanças e que nosso cérebro acabará se adaptando à

seletivamente alienar-se, para que possa tornar tolerável a própria

angústia.

É certo também que a cada dia, as escolhas feitas com

propriedade determinarão cada vez mais nosso futuro e que ficará

difícil reparar erros de percurso, em virtude desta mesma

velocidade das mudanças. Se o mundo não é mais o que era

antigamente, ainda existe em nós uma incrível capacidade de

adaptação que pode nos proporcionar um ajuste mais ou menos

confortável na situação patrimonial e existencial. Se tudo são

commodities, nem mais a prestação de serviços resolve: deve-se ter

uma posição de aliança estratégica com seus objetivos. Agregar

valor a si mesmo e se tratar - nesta fase - como produto. Ter apoio no

relacionamento e excelência.

A estratificação social ainda pode atingir índices

alarmantes, antes que sejam adotadas medidas de compensação ou

de resolução. Deste modo, estar ao abrigo de quaisquer injunções

de ordem mundial pode depender única e exclusivamente da

capacidade de cada um de prever as mudanças e agir de acordo

com o que é solicitado pelo encadeamento das situações. Isto vale

também para aqueles que estão em busca de seu primeiro emprego

e que não podem contar com o beneplácito de serem aprovados no 26estreito funil dos programas de trainees. Sobre isto é interessante

notar que grande parte dos índices de desemprego vem do fato de as

empresas estarem cada vez mais voltadas a formar sua própria mão

de obra, com pessoal oriundo de faculdades de primeira linha e se

recusarem a dar oportunidade a quem nunca trabalhou ou já tem

alguma experiência.

Sei de todas as dificuldades de voltar a estudar, mesmo

porque fiquei uns vinte anos sem fazer isto e quando tive, por força

das circunstâncias e de meu desejo, retornar a estudar foi 27complicado. Uma porque eu era o “velhinho” da classe e outra

porque não temos mais a mesma energia de antes. Mas, se eu não

tivesse feito um esforço eu nem estaria aqui escrevendo “estas mal

traçadas linhas”. Existem hoje uma série de programas de

qualificação, particulares, Entidades de Classe, Ongs ou

governamentais e até mesmo nas ações de responsabilidade social

das empresas, como as universidades corporativas, basta procurar e

informar-se.

Também há uma oferta bem maior de bolsas para os que se

saem bem nos vestibulares. Muitas instituições oferecem descontos,

ampla e variada gama de cursos e seminários gratuitos. O advento

da informática descobriu novos horizontes e ao mesmo tempo

extinguiu várias profissões, assim, não ficar parado é a melhor

maneira de não ficar para trás. Para facilitar esta busca, colocamos

um apêndice no final, com vários links e endereços úteis. Basta uma

procurada na web para verificar que cada vez mais estas

oportunidades de qualificação são acessíveis aos pobres mortais.

Além do mais, quem procura acha e àquele que pede algo se dará!

Mas, voltando ao assunto das mudanças, exigências e

competências, dêem só uma olhada nos quadros que apresentamos

abaixo, sobre esta evolução:

26 Aqui também existem armadilhas. Procure os departamentos de integração de sua escola ou universidade...27 Havia outros mais velhos e fiz grandes amigos na graduação, no entanto era penoso saber que não podia acompanhar nem fisicamente nem intelectualmente a elasticidade da galera mais nova...

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Algumas conclusões já são possíveis, entre elas que a velocidade das

transformações da tecnologia e dos mercados exige uma adaptação

contínua. Ninguém pode acompanhar o ritmo sem atualização. O

profissional de sucesso é o que tem conhecimentos, pois sucesso

sem esforço e estudo é tão difícil quanto lutar sozinho contra um

leão. A sua capacidade de aplicar o conhecimento na prática, ou

seja: saber fazer algo com eficiência e qualidade é que garante um

futuro de realizações. Invista em você mesmo, porque nestes

tempos bicudos de competitividade, ninguém dá valor a quem não

conquista seu próprio espaço. É duro dizer isso: mas assim são as

coisas!

Antigamente, o mais importante era planejar, organizar e

controlar com mão de ferro. Hoje, o mais importante é influenciar,

facilitar, inspirar, motivar, ensinar, coordenar, empreender, realizar,

prever, efetivar, economizar, persuadir, comunicar e liderar.

Qualidade não é mais o diferencial competitivo, é apenas mais uma

das premissas dos negócios. Não existe mais uma brecha temporal

corporativa para formar excelência profissional e sim excelência

pessoal. É evidente que pessoas excelentes serão profissionais

naturalmente excelentes. Tanto para arrumar emprego quanto para

crescer profissionalmente é preciso ter foco no desempenho,

motivação e resultado. Mais do que isso: Não existe resultado

mensurável se não se agir no sentido de fomentar possibilidades de

aumentar a participação no mercado. Lucros a curto prazo ou os

projetos são descartados. Pessoas também mudam as organizações,

assim como as organizações mudam e dispõe de pessoas. Nem

sempre a receita funciona. Para isso é preciso mais que

competências! A pressão é do balacobaco!

Hoje se deseja algo muito além das tradicionais posturas

profissionais, embora continuem a pagar menos do que você

merece: disso ninguém abre mão!

Mesmo em nível hierárquico intermediário, o que se quer

desejar serão profissionais especialistas, inteligentes, produtivos sob

longos períodos, resistentes à pressão, de mente aberta, assertivos,

empreendedores, sociáveis, éticos, eficazes, estáveis, bem-

humorados, motivados, comprometidos, competentes,

pluridisciplinares, carismáticos e com alto equilíbrio de inteligência

emocional. Mas como estes espécimes não existem na natureza,

forjam-se máscaras e desenham-se processos. Mesmo que os

houvesse, a norma é: mesmo contratados os candidatos ideais, eles

serão demitidos pouco depois por ameaçarem a modorra

empresarial ou o chefete imediato. Dilbert forever!

É por tudo isso que eu insisto na busca de conhecimento

(atenção: informação não é conhecimento) e na qualificação e

capacitação tanto para seu segmento, quanto para novas áreas de

atuação. O grande “gargalo”, que impede as pessoas de arrumarem

logo um novo e bom emprego é que os currículos, perfis e

competências dos candidatos que chegam aos entrevistadores para

concorrer a uma vaga são tão similares (cerca de 70%) que qualquer

diferencial de qualidade pode fazer diferença crucial para a

contratação ou não de determinado profissional. O segundo ponto

é tudo aquilo que já falamos sobre como se portar em entrevistas e o

que deve ser feito ou evitado. Um terceiro momento permeia toda a

discussão e impõe um limite à crença nos benefícios da

padronização dos processos: Resistir à massificação destrutiva das

sistemáticas de recolocação é possível pelo poder de afirmação do

valor pessoal. Sem esta perspectiva você estará fragilizado e

qualquer resistência será fútil. No mais, o que se verá a seguir é um

pequeno panorama multifacetado dos modelos, instrumentos

conceitos e critérios de seleção atualmente perpetrados. Muitos

exclusivamente baseados nos famigerados testes, outros mais

eficientes e éticos. Diremos que este caminho não precisa ser

palmilhado, mas sempre é bom saber onde foram colocados os

explosivos conceituais e que tipo de ação, postura ou

comportamento os detona.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

6362

Algumas conclusões já são possíveis, entre elas que a velocidade das

transformações da tecnologia e dos mercados exige uma adaptação

contínua. Ninguém pode acompanhar o ritmo sem atualização. O

profissional de sucesso é o que tem conhecimentos, pois sucesso

sem esforço e estudo é tão difícil quanto lutar sozinho contra um

leão. A sua capacidade de aplicar o conhecimento na prática, ou

seja: saber fazer algo com eficiência e qualidade é que garante um

futuro de realizações. Invista em você mesmo, porque nestes

tempos bicudos de competitividade, ninguém dá valor a quem não

conquista seu próprio espaço. É duro dizer isso: mas assim são as

coisas!

Antigamente, o mais importante era planejar, organizar e

controlar com mão de ferro. Hoje, o mais importante é influenciar,

facilitar, inspirar, motivar, ensinar, coordenar, empreender, realizar,

prever, efetivar, economizar, persuadir, comunicar e liderar.

Qualidade não é mais o diferencial competitivo, é apenas mais uma

das premissas dos negócios. Não existe mais uma brecha temporal

corporativa para formar excelência profissional e sim excelência

pessoal. É evidente que pessoas excelentes serão profissionais

naturalmente excelentes. Tanto para arrumar emprego quanto para

crescer profissionalmente é preciso ter foco no desempenho,

motivação e resultado. Mais do que isso: Não existe resultado

mensurável se não se agir no sentido de fomentar possibilidades de

aumentar a participação no mercado. Lucros a curto prazo ou os

projetos são descartados. Pessoas também mudam as organizações,

assim como as organizações mudam e dispõe de pessoas. Nem

sempre a receita funciona. Para isso é preciso mais que

competências! A pressão é do balacobaco!

Hoje se deseja algo muito além das tradicionais posturas

profissionais, embora continuem a pagar menos do que você

merece: disso ninguém abre mão!

Mesmo em nível hierárquico intermediário, o que se quer

desejar serão profissionais especialistas, inteligentes, produtivos sob

longos períodos, resistentes à pressão, de mente aberta, assertivos,

empreendedores, sociáveis, éticos, eficazes, estáveis, bem-

humorados, motivados, comprometidos, competentes,

pluridisciplinares, carismáticos e com alto equilíbrio de inteligência

emocional. Mas como estes espécimes não existem na natureza,

forjam-se máscaras e desenham-se processos. Mesmo que os

houvesse, a norma é: mesmo contratados os candidatos ideais, eles

serão demitidos pouco depois por ameaçarem a modorra

empresarial ou o chefete imediato. Dilbert forever!

É por tudo isso que eu insisto na busca de conhecimento

(atenção: informação não é conhecimento) e na qualificação e

capacitação tanto para seu segmento, quanto para novas áreas de

atuação. O grande “gargalo”, que impede as pessoas de arrumarem

logo um novo e bom emprego é que os currículos, perfis e

competências dos candidatos que chegam aos entrevistadores para

concorrer a uma vaga são tão similares (cerca de 70%) que qualquer

diferencial de qualidade pode fazer diferença crucial para a

contratação ou não de determinado profissional. O segundo ponto

é tudo aquilo que já falamos sobre como se portar em entrevistas e o

que deve ser feito ou evitado. Um terceiro momento permeia toda a

discussão e impõe um limite à crença nos benefícios da

padronização dos processos: Resistir à massificação destrutiva das

sistemáticas de recolocação é possível pelo poder de afirmação do

valor pessoal. Sem esta perspectiva você estará fragilizado e

qualquer resistência será fútil. No mais, o que se verá a seguir é um

pequeno panorama multifacetado dos modelos, instrumentos

conceitos e critérios de seleção atualmente perpetrados. Muitos

exclusivamente baseados nos famigerados testes, outros mais

eficientes e éticos. Diremos que este caminho não precisa ser

palmilhado, mas sempre é bom saber onde foram colocados os

explosivos conceituais e que tipo de ação, postura ou

comportamento os detona.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

6362

CAPÍTULO II

A MARATONA DOS TESTES

A guisa de introdução, além do que já no início deste livro pudemos

relatar (a lúcida e profética opinião do Prof. Gérard Lebrun), sobre o

tema. Eis uma reportagem também antiga, mas deveras

interessante, acerca da briga que ainda se arrasta nos tribunais: de

um lado o Ministério Público, de outro a indústria de testes 28psicológicos. Vejam só o que está rolando há tempos:

Ministério Público pede proibição de todos

os testes psicológicos no Brasil

Fonte: Jornal O Globo - 06 de novembro de 2004 - Carolina

Brígido

BRASÍLIA. O procurador da República no Distrito Federal Carlos

Henrique Martins Lima entrou com ação civil pública na Justiça

Federal pedindo a proibição da comercialização e a suspensão do

uso de qualquer tipo de teste psicológico em território nacional.

Lima alegou que os testes não foram regulamentados e por isso

não seguem um padrão de qualidade.

O procurador também pediu à Justiça Federal a apreensão dos

produtos disponíveis no mercado até que o Ministério da Saúde

crie procedimentos para a concessão de registro do teste. Os testes

psicológicos são aplicados há décadas no Brasil, inclusive na

admissão em empregos e concessão de habilitação de motoristas.

Só o Conselho de Psicologia realiza o controle.

28 Veja no anexo os links para várias entrevistas sobre o tema.

Como nunca foram regulamentados pelo Sistema Único de Saúde

(SUS), só o Conselho Federal de Psicologia (CFP) vem realizando o

controle, por meio de uma resolução de 2001. Segundo o

Ministério Público Federal, o procedimento é ilegal. O procurador

informou que o conselho só poderia regulamentar os produtos se a

lei lhe desse essa atribuição ou se o Ministério da Saúde publicasse

uma aprovação, o que nunca ocorreu.

O Ministério Público Federal também pede na ação que o CFP se

abstenha de aprovar os testes. O presidente do conselho, Ricardo

Moretzsohn, explicou que não se opõe à fiscalização do ministério,

mas disse que a entidade tem condições de exercer a atividade.

Como vêem, além de cientificamente questionáveis (em sua

eficácia), a maioria dos testes “à venda” no Brasil para avaliar os

candidatos, pode ser também ilegal pela falta de registro e de

uniformidade na qualidade. Como o CFP não tem pessoal suficiente

para fiscalizar, a coisa rola solta e até o MP entrou na questão. Mas, a

verdade é que somos todos “avaliados” por estes instrumentos em

função única de um “perfil”. Mesmo que eles sejam baseados em

premissas técnicas confiáveis, a orientação ética (?) de aplicação é

de uma insensibilidade total.

Tratados todos como meros “espécimes”, “capital

humano”, “recurso humano” e outros eufemismos que não

escondem a orientação econômico-pragmática e utilitarista de suas

diretrizes somos considerados apenas como “matéria-prima”

renovável e que pode ser explorada e manejada sem causar

nenhum dano ao “meio ambiente social”. Afinal, segundo estes

canhestros neopositivistas, insumos e recursos são partes da

natureza à disposição do homem (que detém os meios de produção)

e a natureza deve ser dominada em proveito próprio, não

importando outras considerações. Como já dissemos,

comportamentos podem ser mensurados, no entanto eles não dão a

medida do profissional e muito menos do indivíduo. Assim, apenas

referem-se os testes a responder uma pergunta: tenho ou não tenho

um perfil exigido pelo empregador, esta pessoa se encaixa ou não se

encaixa. Só isso, nada mais.

Há apenas alguns anos, esta situação se resolvia através de

um funcionário que efetuava o R&S (Recrutamento e Seleção),

agora em face à conjuntura social e economia de mercado, tornou-

se impraticável a seleção manual. Resumindo um pouco: Estamos

na cova dos leões, ou melhor, no mato sem cachorro, veja por que:

1 - Softwares de Triagem de Currículos

Antes de entrarmos no tema espinhoso dos modernos instrumentos

de tortura seletiva, vamos dar uma palavrinha sobre como tudo

realmente tem início: a escolha dos currículos.

Até alguns anos atrás, o procedimento corriqueiro de

quem procurava um empregado ou precisava substituir alguém, era

anunciar a vaga, esperar a chegada dos currículos pelo correio e, de

posse de toda a papelada, analisar, fazer a triagem e chamar os

escolhidos para uma conversa preliminar (que muitas vezes já

resultava em contratação). Com a “globalização” dos mercados, o

aumento das exigências profissionais e a popularização da internet,

isto virou coisa do passado. Hoje os currículos são enviados por e-

mail, já com a foto do candidato ou garimpados em enormes bancos

de currículos disponíveis em empresas especializadas, em

mecanismos de busca por palavras-chave. A versão mais comum é a

dos sites e bancos de empregos, onde você digita algumas palavras e

o mecanismo de busca varre os arquivos buscando as referências.

Outro são os softwares específicos e programas desenhados para as 29consultorias de Recursos Humanos.

Por um aspecto isto veio a facilitar enormemente o

trabalho de quem seleciona e contrata, pois podem contar com uma

maior agilidade e segurança nos processos, já que há empresas

terceirizadas que prestam serviços, consultores e outros

“opiniólogos” que trabalham para melhorar os critérios e o perfil dos

contratados, enfim, a tecnologia proporcionou uma verdadeira

panacéia de ferramentas para o setor. Mas não para quem está

buscando um emprego, é claro! E, também em outros aspectos,

29 Hoje isto é realidade e somado ao e-recruitment aloca os candidatos ao mundo virtual. Só se materializam as oportunidades de entrevista com seres humanos, após passadas as baterias de testes e os nefandos protocolos de targeting (segmentações em busca da melhor produção). Mas o cerne da questão não muda: vagas importantes somente são preenchidas por indicação. Questão de Q.I ou de karma!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

6766

Como nunca foram regulamentados pelo Sistema Único de Saúde

(SUS), só o Conselho Federal de Psicologia (CFP) vem realizando o

controle, por meio de uma resolução de 2001. Segundo o

Ministério Público Federal, o procedimento é ilegal. O procurador

informou que o conselho só poderia regulamentar os produtos se a

lei lhe desse essa atribuição ou se o Ministério da Saúde publicasse

uma aprovação, o que nunca ocorreu.

O Ministério Público Federal também pede na ação que o CFP se

abstenha de aprovar os testes. O presidente do conselho, Ricardo

Moretzsohn, explicou que não se opõe à fiscalização do ministério,

mas disse que a entidade tem condições de exercer a atividade.

Como vêem, além de cientificamente questionáveis (em sua

eficácia), a maioria dos testes “à venda” no Brasil para avaliar os

candidatos, pode ser também ilegal pela falta de registro e de

uniformidade na qualidade. Como o CFP não tem pessoal suficiente

para fiscalizar, a coisa rola solta e até o MP entrou na questão. Mas, a

verdade é que somos todos “avaliados” por estes instrumentos em

função única de um “perfil”. Mesmo que eles sejam baseados em

premissas técnicas confiáveis, a orientação ética (?) de aplicação é

de uma insensibilidade total.

Tratados todos como meros “espécimes”, “capital

humano”, “recurso humano” e outros eufemismos que não

escondem a orientação econômico-pragmática e utilitarista de suas

diretrizes somos considerados apenas como “matéria-prima”

renovável e que pode ser explorada e manejada sem causar

nenhum dano ao “meio ambiente social”. Afinal, segundo estes

canhestros neopositivistas, insumos e recursos são partes da

natureza à disposição do homem (que detém os meios de produção)

e a natureza deve ser dominada em proveito próprio, não

importando outras considerações. Como já dissemos,

comportamentos podem ser mensurados, no entanto eles não dão a

medida do profissional e muito menos do indivíduo. Assim, apenas

referem-se os testes a responder uma pergunta: tenho ou não tenho

um perfil exigido pelo empregador, esta pessoa se encaixa ou não se

encaixa. Só isso, nada mais.

Há apenas alguns anos, esta situação se resolvia através de

um funcionário que efetuava o R&S (Recrutamento e Seleção),

agora em face à conjuntura social e economia de mercado, tornou-

se impraticável a seleção manual. Resumindo um pouco: Estamos

na cova dos leões, ou melhor, no mato sem cachorro, veja por que:

1 - Softwares de Triagem de Currículos

Antes de entrarmos no tema espinhoso dos modernos instrumentos

de tortura seletiva, vamos dar uma palavrinha sobre como tudo

realmente tem início: a escolha dos currículos.

Até alguns anos atrás, o procedimento corriqueiro de

quem procurava um empregado ou precisava substituir alguém, era

anunciar a vaga, esperar a chegada dos currículos pelo correio e, de

posse de toda a papelada, analisar, fazer a triagem e chamar os

escolhidos para uma conversa preliminar (que muitas vezes já

resultava em contratação). Com a “globalização” dos mercados, o

aumento das exigências profissionais e a popularização da internet,

isto virou coisa do passado. Hoje os currículos são enviados por e-

mail, já com a foto do candidato ou garimpados em enormes bancos

de currículos disponíveis em empresas especializadas, em

mecanismos de busca por palavras-chave. A versão mais comum é a

dos sites e bancos de empregos, onde você digita algumas palavras e

o mecanismo de busca varre os arquivos buscando as referências.

Outro são os softwares específicos e programas desenhados para as 29consultorias de Recursos Humanos.

Por um aspecto isto veio a facilitar enormemente o

trabalho de quem seleciona e contrata, pois podem contar com uma

maior agilidade e segurança nos processos, já que há empresas

terceirizadas que prestam serviços, consultores e outros

“opiniólogos” que trabalham para melhorar os critérios e o perfil dos

contratados, enfim, a tecnologia proporcionou uma verdadeira

panacéia de ferramentas para o setor. Mas não para quem está

buscando um emprego, é claro! E, também em outros aspectos,

29 Hoje isto é realidade e somado ao e-recruitment aloca os candidatos ao mundo virtual. Só se materializam as oportunidades de entrevista com seres humanos, após passadas as baterias de testes e os nefandos protocolos de targeting (segmentações em busca da melhor produção). Mas o cerne da questão não muda: vagas importantes somente são preenchidas por indicação. Questão de Q.I ou de karma!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

6766

contribuiu para reduzir o valor dos profissionais que trabalham em

Recursos Humanos. Como? Fazendo com que muitos dos milhares

de egressos de cursos superiores, em sua rotina comum de trabalho,

sejam apenas operadores de programas de computador ou simples

tabuladores de resultados de testes e não mais especialistas em

comportamento e competências. A ditadura das avaliações

padronizadas não somente aflige aos desempregados, como

também atingiu em cheio a dignidade de bons profissionais, muitos

dos quais passam os dias a checar relatórios, fazer tabelas e

remunerar os horários trabalhados.

Lembro-me que na década de 80 eu trabalhava em um

grande jornal, fazendo diagramação e cuidando da montagem das

matérias em grandes chapas de aço, que depois eram fotografadas e

levadas para as rotativas. Um belo dia, eles instalaram na redação,

novos computadores e máquinas que operavam com um novo

programa e isto simplesmente extinguiu a nossa profissão! Agora

você faz tudo on line. Fazer o quê? É o pogréssio! A nota triste é que a

empresa - baluarte da democracia e pluralismo civil - nem se

preocupou em absorver ou requalificar a mão de obra: não sobrou

ninguém por ali, todo mundo foi para o olho da rua em poucos

meses.

Mesmo nos dias de hoje, ainda não é bom dar motivos! As

mudanças quase que nos atropelam, tamanha a sua mobilidade e

velocidade. Como já dissemos um dos novos instrumentos de

seleção que estão sendo alardeados por aí, a despeito de suas

nefastas conseqüências, são os softwares de triagem de currículos.

Trata-se, como sabemos de um aplicativo de busca e leitura de textos

que faz pesquisas por tópicos ou palavras chave, destinado, é claro,

a poupar tempo e buscar “precisão” na escolha dos candidatos

ideais. Este robô, escaneia e interpreta, maquinalmente, as

diretrizes de sua busca, baseado nos inputs digitados, ou seja:

alguém precisa contratar um assistente comercial, com 3 anos de

experiência, formado em administração ou área correlata, salário

tal, idade entre 25 e 35 anos etc, etc. Faz-se o anúncio e direciona-se

uma caixa postal. Antes, o selecionador já digitou os dados

desejados no programa, que passa - automaticamente - em revista

os e-mails recebidos, com também varre a web em busca de

selecionar estes critérios em bancos de currículos. Após, ele

apresenta uma lista de currículos selecionados com o percentual de

acerto provável e então o responsável pela vaga começa a

selecionar quem interessa ou não.

Tudo isso seria muito bom se o programa também pudesse

“analisar” o material recolhido, mas isto ele ainda não é capaz de

fazer. Qual o problema? Recusar quem não se encaixe nas

determinações de cara, rejeitando as inconsistências a priori. Além

de deixar passar informações importantes sobre a sua história

profissional, o aplicativo não as correlaciona: ele é apenas um leitor

eletrônico. Como assim? Veja: suponha que você responda ao

anúncio. Digamos que tenha uns 5 anos de experiência na função,

pretensão compatível, possua vastas competências, grandes

realizações, cursos atuais, seja bilíngüe, mas sua formação é em

relações internacionais e tenha 36 anos. O que acontece?

Simplesmente o programa vai desconsiderar o seu currículo,

porque ele não apresentou similaridade com o que foi colocado

como parâmetro de busca! E o seu querido e-mail vai para a lixeira!

Caput! Adiós pampa mia! Mesmo se for uma versão mais sofisticada

do programa que possa ranquear o conteúdo secundário, ele irá

deixar você na última fila e o selecionador vai entender que você

possui apenas uma pequena parte do que é pedido pelo perfil da

vaga e, devido à quantidade absurda de mensagens que são

recebidas, nem vai se dar ao trabalho de ler. Ou seja: o selecionador

antes, selecionava, hoje apenas faz conferências e isto, qualquer um

faz, não precisa ser especialista. Para quê eu vou pagar um psicólogo

ou bacharel em gestão se o trabalho pode ser feito por uma

competência um pouco acima do analfabetismo funcional?

Duvidam? Vou contar uma história. Um pouco menos de

um mês depois da última entrevista, fui chamado para participar de

uma dinâmica de grupo, para um cargo em uma multinacional

francesa do ramo comercial. Até aí beleza, eu estava já há algum

tempo sem notícias. O que aconteceu por lá é que foi digno de nota.

Na hora marcada eu estava sentado junto com mais alguns

participantes, aguardando começar a prova, quando chegou mais

um candidato. A entrevistadora perguntou seu nome e se ele havia

já enviado o currículo. A pessoa disse que sim e então ela chamou a

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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contribuiu para reduzir o valor dos profissionais que trabalham em

Recursos Humanos. Como? Fazendo com que muitos dos milhares

de egressos de cursos superiores, em sua rotina comum de trabalho,

sejam apenas operadores de programas de computador ou simples

tabuladores de resultados de testes e não mais especialistas em

comportamento e competências. A ditadura das avaliações

padronizadas não somente aflige aos desempregados, como

também atingiu em cheio a dignidade de bons profissionais, muitos

dos quais passam os dias a checar relatórios, fazer tabelas e

remunerar os horários trabalhados.

Lembro-me que na década de 80 eu trabalhava em um

grande jornal, fazendo diagramação e cuidando da montagem das

matérias em grandes chapas de aço, que depois eram fotografadas e

levadas para as rotativas. Um belo dia, eles instalaram na redação,

novos computadores e máquinas que operavam com um novo

programa e isto simplesmente extinguiu a nossa profissão! Agora

você faz tudo on line. Fazer o quê? É o pogréssio! A nota triste é que a

empresa - baluarte da democracia e pluralismo civil - nem se

preocupou em absorver ou requalificar a mão de obra: não sobrou

ninguém por ali, todo mundo foi para o olho da rua em poucos

meses.

Mesmo nos dias de hoje, ainda não é bom dar motivos! As

mudanças quase que nos atropelam, tamanha a sua mobilidade e

velocidade. Como já dissemos um dos novos instrumentos de

seleção que estão sendo alardeados por aí, a despeito de suas

nefastas conseqüências, são os softwares de triagem de currículos.

Trata-se, como sabemos de um aplicativo de busca e leitura de textos

que faz pesquisas por tópicos ou palavras chave, destinado, é claro,

a poupar tempo e buscar “precisão” na escolha dos candidatos

ideais. Este robô, escaneia e interpreta, maquinalmente, as

diretrizes de sua busca, baseado nos inputs digitados, ou seja:

alguém precisa contratar um assistente comercial, com 3 anos de

experiência, formado em administração ou área correlata, salário

tal, idade entre 25 e 35 anos etc, etc. Faz-se o anúncio e direciona-se

uma caixa postal. Antes, o selecionador já digitou os dados

desejados no programa, que passa - automaticamente - em revista

os e-mails recebidos, com também varre a web em busca de

selecionar estes critérios em bancos de currículos. Após, ele

apresenta uma lista de currículos selecionados com o percentual de

acerto provável e então o responsável pela vaga começa a

selecionar quem interessa ou não.

Tudo isso seria muito bom se o programa também pudesse

“analisar” o material recolhido, mas isto ele ainda não é capaz de

fazer. Qual o problema? Recusar quem não se encaixe nas

determinações de cara, rejeitando as inconsistências a priori. Além

de deixar passar informações importantes sobre a sua história

profissional, o aplicativo não as correlaciona: ele é apenas um leitor

eletrônico. Como assim? Veja: suponha que você responda ao

anúncio. Digamos que tenha uns 5 anos de experiência na função,

pretensão compatível, possua vastas competências, grandes

realizações, cursos atuais, seja bilíngüe, mas sua formação é em

relações internacionais e tenha 36 anos. O que acontece?

Simplesmente o programa vai desconsiderar o seu currículo,

porque ele não apresentou similaridade com o que foi colocado

como parâmetro de busca! E o seu querido e-mail vai para a lixeira!

Caput! Adiós pampa mia! Mesmo se for uma versão mais sofisticada

do programa que possa ranquear o conteúdo secundário, ele irá

deixar você na última fila e o selecionador vai entender que você

possui apenas uma pequena parte do que é pedido pelo perfil da

vaga e, devido à quantidade absurda de mensagens que são

recebidas, nem vai se dar ao trabalho de ler. Ou seja: o selecionador

antes, selecionava, hoje apenas faz conferências e isto, qualquer um

faz, não precisa ser especialista. Para quê eu vou pagar um psicólogo

ou bacharel em gestão se o trabalho pode ser feito por uma

competência um pouco acima do analfabetismo funcional?

Duvidam? Vou contar uma história. Um pouco menos de

um mês depois da última entrevista, fui chamado para participar de

uma dinâmica de grupo, para um cargo em uma multinacional

francesa do ramo comercial. Até aí beleza, eu estava já há algum

tempo sem notícias. O que aconteceu por lá é que foi digno de nota.

Na hora marcada eu estava sentado junto com mais alguns

participantes, aguardando começar a prova, quando chegou mais

um candidato. A entrevistadora perguntou seu nome e se ele havia

já enviado o currículo. A pessoa disse que sim e então ela chamou a

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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pessoa responsável pela seleção, que ouviu o caso e saiu para

imprimir o material. Minutos depois ela voltou e disse: - Moço, você

tem uma cópia do currículo aí? É que minha caixa postal está lotada,

somente hoje eu já recebi 530 mensagens para esta vaga e não

consegui localizar o seu e-mail! E eu também estou sozinha na

recepção. Já sei, você sabe o nome de seu e-mail? Assim eu acho mais

fácil! Inacreditável! Todos nos olhamos, espantados, tanto pelo

inusitado da situação, quanto pela quantidade de candidatos para

uma única vaga. Parece mentira, mas é a pura verdade.

A dinâmica também se mostrou um desastre, porque entre

os candidatos selecionados por tal método, apesar de alguma

homogeneidade, o que se encontrava era uma disparidade enorme

nas experiências e no perfil. A vaga era para analista de promoção

de e-commerce. Havia no mínimo três ou quatro jovens, com MBA,

mas que nunca tinham trabalhado diretamente com a área

comercial e eram bem crus em negociação, embora arrotassem 30impertinentemente a todo instante, clichês de planejamento.

Outros tinham vivência em backoffice de marketing, mas não

atuaram com promoção, outros, enfim, vinham de logística,

finanças e gravadoras. Eu, ali no meio! Quando dividiram os grupos,

descobriram que não éramos em número par e fiquei como

mediador. O que vi foi um espetáculo de egos, cada um tentando se

sobrepor aos outros e não conseguindo trabalhar em grupo, nem

escutar as ponderações do mediador. No final, deu-se o confronto,

com o francês responsável pela empresa observando - e o que foi

pior - dando palpite em tudo, impedindo o desenrolar da

negociação que fora proposta pela dinâmica e se irritando porque

as coisas não saiam do jeito que ele queria. Foi lamentável! Não sei

que bicho que deu, mas acho que eles tiveram que recomeçar tudo

da estaca zero. Um mês depois recebi o e-mail de agradecimento

pela participação.

Para ilustrar, dê só uma olhada numa outra antiga 31reportagem da Folha , sobre o assunto:

Folha Online - 2003 - DISPUTA ELETRÔNICA:

Triagem virtual divide opinião de empresas

Dentre as possibilidades oferecidas pelos softwares de gestão de

pessoas (gerenciamento de banco de dados, triagem por

palavras-chave, encaminhamento de respostas e de

convocações, atualização do currículo feita pelo candidato,

definição do perfil ideal da vaga)... A agilidade na triagem de

candidatos é o ponto mais comentado entre os profissionais

ouvidos pela Folha. Com o desemprego em alta, a quantidade

de currículos recebidos aumenta, e poder selecionar

eletronicamente e com maior precisão passa a ser o sonho de

consumo do RH. "Num sistema manual, uma pessoa leva cerca

de três horas por dia lendo currículos. Com a triagem eletrônica,

esse tempo cai para uma hora por dia, e a empresa ganha duas

horas operacionais de cada profissional envolvido. Só não é

interessante se isso não for bem analisado e gerar demissões",

diz Rogerio Leme, 32, diretor da AncoraRH, que desenvolve

sistemas para recrutamento.

No programa de estágios de 2002 da Ford, pela primeira vez

todo o processo de triagem foi feito pela internet. "De 2.383

inscritos, 260 foram selecionados para a primeira fase, e todos

foram avisados por e-mail. Isso é viável para processos

grandes, quando não podemos convocar todos os candidatos",

pondera Barbaroto. Franco conta que a redução de custos

também é significativa. "Antes gastávamos R$ 3.000 por mês

com cartas agradecendo a participação em seleções. Hoje

gastamos 10% desse valor.

Uma pesquisa de abril da consultoria Price Waterhouse-

Coopers sobre práticas e estratégias de gestão de pessoas

aponta algumas tendências sobre a informatização do RH. O

estudo foi feito em 47 países, incluindo o Brasil, em 1.055

empresas, sempre com seus principais executivos de RH. O

benefício trazido pelos softwares de recrutamento seria, em tese,

livrar o recrutador da triagem manual dos currículos e de outras

tarefas. "Com menos finalistas, o tempo para uma entrevista

pessoal pode ser maior e melhor explorado", argumenta Miriam

Barbaroto, 26, analista de RH da Ford, empresa que utiliza

programa de computador para recrutamento e seleção.

30 Tipo: Break even point, kpis, targeting, market share, forecasting e outros. Que traduzimos aqui: ponto de retorno financeiro, indicadores de desempenho, segmentação, participação em mercado, prognósticos. 31

http://www2.uol.com.br/aprendiz/guiadeempregos/primeiro/noticias/ge160903.htm#3

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

7170

pessoa responsável pela seleção, que ouviu o caso e saiu para

imprimir o material. Minutos depois ela voltou e disse: - Moço, você

tem uma cópia do currículo aí? É que minha caixa postal está lotada,

somente hoje eu já recebi 530 mensagens para esta vaga e não

consegui localizar o seu e-mail! E eu também estou sozinha na

recepção. Já sei, você sabe o nome de seu e-mail? Assim eu acho mais

fácil! Inacreditável! Todos nos olhamos, espantados, tanto pelo

inusitado da situação, quanto pela quantidade de candidatos para

uma única vaga. Parece mentira, mas é a pura verdade.

A dinâmica também se mostrou um desastre, porque entre

os candidatos selecionados por tal método, apesar de alguma

homogeneidade, o que se encontrava era uma disparidade enorme

nas experiências e no perfil. A vaga era para analista de promoção

de e-commerce. Havia no mínimo três ou quatro jovens, com MBA,

mas que nunca tinham trabalhado diretamente com a área

comercial e eram bem crus em negociação, embora arrotassem 30impertinentemente a todo instante, clichês de planejamento.

Outros tinham vivência em backoffice de marketing, mas não

atuaram com promoção, outros, enfim, vinham de logística,

finanças e gravadoras. Eu, ali no meio! Quando dividiram os grupos,

descobriram que não éramos em número par e fiquei como

mediador. O que vi foi um espetáculo de egos, cada um tentando se

sobrepor aos outros e não conseguindo trabalhar em grupo, nem

escutar as ponderações do mediador. No final, deu-se o confronto,

com o francês responsável pela empresa observando - e o que foi

pior - dando palpite em tudo, impedindo o desenrolar da

negociação que fora proposta pela dinâmica e se irritando porque

as coisas não saiam do jeito que ele queria. Foi lamentável! Não sei

que bicho que deu, mas acho que eles tiveram que recomeçar tudo

da estaca zero. Um mês depois recebi o e-mail de agradecimento

pela participação.

Para ilustrar, dê só uma olhada numa outra antiga 31reportagem da Folha , sobre o assunto:

Folha Online - 2003 - DISPUTA ELETRÔNICA:

Triagem virtual divide opinião de empresas

Dentre as possibilidades oferecidas pelos softwares de gestão de

pessoas (gerenciamento de banco de dados, triagem por

palavras-chave, encaminhamento de respostas e de

convocações, atualização do currículo feita pelo candidato,

definição do perfil ideal da vaga)... A agilidade na triagem de

candidatos é o ponto mais comentado entre os profissionais

ouvidos pela Folha. Com o desemprego em alta, a quantidade

de currículos recebidos aumenta, e poder selecionar

eletronicamente e com maior precisão passa a ser o sonho de

consumo do RH. "Num sistema manual, uma pessoa leva cerca

de três horas por dia lendo currículos. Com a triagem eletrônica,

esse tempo cai para uma hora por dia, e a empresa ganha duas

horas operacionais de cada profissional envolvido. Só não é

interessante se isso não for bem analisado e gerar demissões",

diz Rogerio Leme, 32, diretor da AncoraRH, que desenvolve

sistemas para recrutamento.

No programa de estágios de 2002 da Ford, pela primeira vez

todo o processo de triagem foi feito pela internet. "De 2.383

inscritos, 260 foram selecionados para a primeira fase, e todos

foram avisados por e-mail. Isso é viável para processos

grandes, quando não podemos convocar todos os candidatos",

pondera Barbaroto. Franco conta que a redução de custos

também é significativa. "Antes gastávamos R$ 3.000 por mês

com cartas agradecendo a participação em seleções. Hoje

gastamos 10% desse valor.

Uma pesquisa de abril da consultoria Price Waterhouse-

Coopers sobre práticas e estratégias de gestão de pessoas

aponta algumas tendências sobre a informatização do RH. O

estudo foi feito em 47 países, incluindo o Brasil, em 1.055

empresas, sempre com seus principais executivos de RH. O

benefício trazido pelos softwares de recrutamento seria, em tese,

livrar o recrutador da triagem manual dos currículos e de outras

tarefas. "Com menos finalistas, o tempo para uma entrevista

pessoal pode ser maior e melhor explorado", argumenta Miriam

Barbaroto, 26, analista de RH da Ford, empresa que utiliza

programa de computador para recrutamento e seleção.

30 Tipo: Break even point, kpis, targeting, market share, forecasting e outros. Que traduzimos aqui: ponto de retorno financeiro, indicadores de desempenho, segmentação, participação em mercado, prognósticos. 31

http://www2.uol.com.br/aprendiz/guiadeempregos/primeiro/noticias/ge160903.htm#3

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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Solução: Dá até calafrios saber que hoje estes softwares estão bem

mais desenvolvidos. A única saída para enfrentar isto é fazer

currículos personalizados, pelo menos alguns, para que, de acordo

com o que é solicitado no anúncio, você tenha maiores chances de

ser escolhido. Outro ponto é continuar insistindo, pois nem todas as

agências trabalham com estes softwares, se bem que se a situação

continuar deste jeito, eles não terão escolha e deverão adotar este

sistema. Enquanto isso previna-se e procure destacar o que você

tem de melhor no foco e perfil da vaga, como se fosse um pescador

que seleciona iscas, anzóis e varas diferentes, conforme o peixe que

deseja pegar. Dá algum trabalho, mas os resultados serão melhores.

Just do it!

2 - A Lógica das Figurinhas

É importante que seus leitores entendam o custo de contratação.

Existe uma enorme despesa com o recrutamento e o estágio inicial

de contratação. Qualquer coisa que o empregador possa fazer

para assegurar que o encaixe seja bom, geralmente vale a pena ser 32

feito.

(Carter, 2001)

O raciocínio acima - uma espécie de padrão patronal - esconde um

sofisma de justificação, pois afirma justamente o que se pretende

provar. Em primeiro lugar os gastos com os processos seletivos

significam investimento e não despesas já que funcionários são 33recursos e não custos - Peter Drucker já dizia isto em 1960 -, no

mais, quem for o escolhido lutará para ser efetivado na função e

assim, tentará cumprir os ideais da companhia e seu trabalho

reverterá em lucros.

Além disso, quem garante que mesmo contratado o

profissional mais adequado ao perfil da vaga, ele seja reconhecido e

bem tratado, ou que a empresa honrará as promessas feitas na

admissão? Se não for, haverá afastamento, desmotivação,

absenteísmo, e isto gerará mais postos em aberto pela máxima culpa 34do empregador e de seus conselheiros. Portanto, é fácil generalizar

35a situação e colocar toda a carga negativa dos erros de Rh em cima

dos candidatos, afinal os consultores ganham das empresas e não

dos desempregados. A verdadeira pergunta é: trata-se de construir

parcerias frutíferas ou efetivar a exploração de curto prazo? O que

esconde a delirante ênfase no discurso acerca do candidato “ideal”?

Será que já chegamos ao ponto de colocar mark-ups nos

empregados?

Além disso, o argumento também pode se reduzido a pó,

caso se constate que a empresa investe porque está crescendo e não

porque tenha “responsabilidade social” ou acredite em wellfare

state. Contrata-se porque precisa de maior staff para fazer frente às

demandas existentes, imediatas ou previstas. Contrata-se para

“reparar” os erros de avaliação, de construção de perfil e até mesmo

porque o candidato “ideal” não funcionou... Ou foi para a 36concorrência ganhar o dobro!

32Extraído de:

33 Não que seja meu autor preferido, mas ele foi responsável por conhecermos melhor R. Deming. Este sim, um gênio.

http://www.universiabrasil.net/nextwave/ver_materia.jsp?materia=131&subcanal=3

34 É lamentável, mas normalmente as empresas preferem suportar altos índices de turn-over que melhorar salários, condições de trabalho ou o clima organizacional. Deve dar retorno ou esconder incompetências. Sei lá!35 Eis meu ponto de vista, afinal. Não somente técnica de “gestão”, mas uma imbricação (que é suposta, embora não ocorra sempre) com o humano naquilo em que seja mais digno, responsável, livre e produtivo. Existem outras estratégias e mensurações válidas que as atualmente praticadas. Ao redundar tautologicamente o humano à equivalência do capital, exige-se, a administração rentável e controlada do mesmo. Atrela-se “conhecimento” a custo e segue-se daí que as flutuações de mercado determinam até quando se torna conveniente mantê-lo no budget. A expulsão do que deveria ser a esfera mais relevante, se dá, na prática das empresas, por motivos mecânicos. Joga-se o trigo e fica-se com o Joio. Mas, se as transferências interbancárias são indolores, o fechamento de fábricas ou extinção de postos de trabalho demonstra a interface direta com o “sujeito que conhece”. Em extremos esta posição indica a “coisificação” denunciada por Drummond, só que agora sabidamente alocada dentro de uma sistemática para gerir apenas o Recurso, pois (parafraseando Nietzsche) se jogarmos fora o mundo ideal, jogamos também aquilo que é real, ou seja: o Humano.36 Não esqueço do gerente que iria vir para um conglomerado ao qual prestava consultoria. Meses se passaram na busca do candidato ideal (e o meio de campo da empresa parado, aguardando o novo chefão). Finalmente um semideus foi contratado: ficou duas semanas e foi embora. Quando perguntei à diretora o porquê de tal situação ela disse: fizeram a ele uma proposta indecente e eu não pude cobrir. E agora? Perguntei. Temos que recuperar o tempo perdido, disse ela resignadamente. O incrível é que a empresária possuía altíssima capacidade diretiva e mesmo assim caiu no conto do RHgário, quer dizer, do vigário. No final, desistiram da contratação e continuaram com seus problemas internos. É sobre este aspecto daninho a ambos os lados é que eu me refiro...

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Solução: Dá até calafrios saber que hoje estes softwares estão bem

mais desenvolvidos. A única saída para enfrentar isto é fazer

currículos personalizados, pelo menos alguns, para que, de acordo

com o que é solicitado no anúncio, você tenha maiores chances de

ser escolhido. Outro ponto é continuar insistindo, pois nem todas as

agências trabalham com estes softwares, se bem que se a situação

continuar deste jeito, eles não terão escolha e deverão adotar este

sistema. Enquanto isso previna-se e procure destacar o que você

tem de melhor no foco e perfil da vaga, como se fosse um pescador

que seleciona iscas, anzóis e varas diferentes, conforme o peixe que

deseja pegar. Dá algum trabalho, mas os resultados serão melhores.

Just do it!

2 - A Lógica das Figurinhas

É importante que seus leitores entendam o custo de contratação.

Existe uma enorme despesa com o recrutamento e o estágio inicial

de contratação. Qualquer coisa que o empregador possa fazer

para assegurar que o encaixe seja bom, geralmente vale a pena ser 32

feito.

(Carter, 2001)

O raciocínio acima - uma espécie de padrão patronal - esconde um

sofisma de justificação, pois afirma justamente o que se pretende

provar. Em primeiro lugar os gastos com os processos seletivos

significam investimento e não despesas já que funcionários são 33recursos e não custos - Peter Drucker já dizia isto em 1960 -, no

mais, quem for o escolhido lutará para ser efetivado na função e

assim, tentará cumprir os ideais da companhia e seu trabalho

reverterá em lucros.

Além disso, quem garante que mesmo contratado o

profissional mais adequado ao perfil da vaga, ele seja reconhecido e

bem tratado, ou que a empresa honrará as promessas feitas na

admissão? Se não for, haverá afastamento, desmotivação,

absenteísmo, e isto gerará mais postos em aberto pela máxima culpa 34do empregador e de seus conselheiros. Portanto, é fácil generalizar

35a situação e colocar toda a carga negativa dos erros de Rh em cima

dos candidatos, afinal os consultores ganham das empresas e não

dos desempregados. A verdadeira pergunta é: trata-se de construir

parcerias frutíferas ou efetivar a exploração de curto prazo? O que

esconde a delirante ênfase no discurso acerca do candidato “ideal”?

Será que já chegamos ao ponto de colocar mark-ups nos

empregados?

Além disso, o argumento também pode se reduzido a pó,

caso se constate que a empresa investe porque está crescendo e não

porque tenha “responsabilidade social” ou acredite em wellfare

state. Contrata-se porque precisa de maior staff para fazer frente às

demandas existentes, imediatas ou previstas. Contrata-se para

“reparar” os erros de avaliação, de construção de perfil e até mesmo

porque o candidato “ideal” não funcionou... Ou foi para a 36concorrência ganhar o dobro!

32Extraído de:

33 Não que seja meu autor preferido, mas ele foi responsável por conhecermos melhor R. Deming. Este sim, um gênio.

http://www.universiabrasil.net/nextwave/ver_materia.jsp?materia=131&subcanal=3

34 É lamentável, mas normalmente as empresas preferem suportar altos índices de turn-over que melhorar salários, condições de trabalho ou o clima organizacional. Deve dar retorno ou esconder incompetências. Sei lá!35 Eis meu ponto de vista, afinal. Não somente técnica de “gestão”, mas uma imbricação (que é suposta, embora não ocorra sempre) com o humano naquilo em que seja mais digno, responsável, livre e produtivo. Existem outras estratégias e mensurações válidas que as atualmente praticadas. Ao redundar tautologicamente o humano à equivalência do capital, exige-se, a administração rentável e controlada do mesmo. Atrela-se “conhecimento” a custo e segue-se daí que as flutuações de mercado determinam até quando se torna conveniente mantê-lo no budget. A expulsão do que deveria ser a esfera mais relevante, se dá, na prática das empresas, por motivos mecânicos. Joga-se o trigo e fica-se com o Joio. Mas, se as transferências interbancárias são indolores, o fechamento de fábricas ou extinção de postos de trabalho demonstra a interface direta com o “sujeito que conhece”. Em extremos esta posição indica a “coisificação” denunciada por Drummond, só que agora sabidamente alocada dentro de uma sistemática para gerir apenas o Recurso, pois (parafraseando Nietzsche) se jogarmos fora o mundo ideal, jogamos também aquilo que é real, ou seja: o Humano.36 Não esqueço do gerente que iria vir para um conglomerado ao qual prestava consultoria. Meses se passaram na busca do candidato ideal (e o meio de campo da empresa parado, aguardando o novo chefão). Finalmente um semideus foi contratado: ficou duas semanas e foi embora. Quando perguntei à diretora o porquê de tal situação ela disse: fizeram a ele uma proposta indecente e eu não pude cobrir. E agora? Perguntei. Temos que recuperar o tempo perdido, disse ela resignadamente. O incrível é que a empresária possuía altíssima capacidade diretiva e mesmo assim caiu no conto do RHgário, quer dizer, do vigário. No final, desistiram da contratação e continuaram com seus problemas internos. É sobre este aspecto daninho a ambos os lados é que eu me refiro...

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Não é preciso ser especialista, para saber que os

empregadores querem ter o máximo de segurança possível antes de

se arriscarem a fazer uma contratação e por isso, gastam os tubos

com empresas de seleção para localizarem e extraírem do mercado

os candidatos adequados. Mas, mesmo que o perfil se encaixe

perfeitamente nas qualificações exigidas, estas empresas acreditam

que não conhecem de verdade o candidato enquanto ele não for

submetido a extensivas baterias de testes, que indiquem

características de personalidade ou antecipem possíveis

dificuldades interpessoais. Tudo em nome das sagradas técnicas de

seleção. Porém, é importante notar que alguns destes testes passam

dos limites ao recolherem informações pessoais desnecessárias que

muitas pessoas consideram ofensivas, inclusive de cunho sexual.

Outros, menos esdrúxulos, tentam medir a capacidade de

sanar problemas e determinar potencial para tarefas mais

específicas, como supervisão de equipes. As empresas que usam

estas ferramentas de entrevista têm por “filosofia” que você não é o

conteúdo de seu currículo, biografia ou o que é apresentado

pessoalmente: eles acreditam que a lista de habilidades e de técnicas

não reflete de fato quem você realmente é, mas sim, o que o teste

revelaria. Existe, portanto o bom senso. A nota triste é que a grande

maioria deles, bem como o escopo de sua aplicação não está de

acordo com o que é regulamentado por lei e até o Ministério Público

entrou recentemente na briga por moralizar este pandemônio em 37que se transformaram os processos seletivos. Muitas coisas

importam e, deste modo, inúmeros são os aspectos ditos relevantes

que deveriam ser trabalhados mais apropriadamente, no entanto

apenas podemos apresentar as percepções e crenças racionais

justificadas com as quais nos relacionamos em maior profundidade.

Esta instância é a das relações de duração, reciprocidade e

diferença: recortes que nos apropriamos e ordenamos segundo as

compreensões e linguagens que dispomos para atuar no mundo.

Enfim. É isto! Vamos voltar às figurinhas.

Os testes, em geral se propõem a verificar alguns

pressupostos e possuem inúmeras diferenciações, conforme

estiverem eles mais próximos da área acadêmica ou da crendice do

indivíduo, mercado e organizações. No mais das vezes se trata de

exercícios segmentados em relação às competências ou

38capacitações categoria funcional adotada: operacional, executiva,

diretiva, temporária, técnica ou expertise. Falemos dos mais

comuns como aqueles em que você vê diante de uma série de

figuras geométricas incompletas - muitas vezes sem nexo - que

devem ser indicadas, organizadas ou selecionadas pelo candidato.

Normalmente este teste é apenas de atenção, pois um exame mais

acurado das figuras vai revelar uma disposição lógica de movimento

e proporção, ou seja: a resposta certa é aquela que segue a seqüência

de direção em que aparecem ou desaparecem partes da figura.

Mesmo que inicialmente assustem, não é com estes que é preciso se

preocupar. Existem outros que pretendem verificar os mil

pormenores da personalidade do candidato, num processo de

análise e síntese “associacionista”. É incrível a nossa originalidade:

Geramos laudos e avaliações, cada vez mais detalhados e

complexos, mas sem a devida garantia e segurança de que

conseguimos identificar o que avaliamos. De brinde, selecionamos

algumas sugestões de leitura sobre os lados positivos (Lado A) e

negativos (Lado B) destes modernos instrumentos de stress.

Habilidade com Figuras Seqüenciais:

Lado A: São questionários de avaliação de habilidade com figuras

seqüenciais, geométricas ou assimétricas e procuram verificar qual

o grau de precisão e rapidez em lidar com figuras e sinais de lógica

pura. Isto indica as tendências analíticas do candidato e seu poder

de decisão e concatenação. Lado B: Análise não é tudo. Se fosse

assim, não existiriam outras áreas do conhecimento, inclusive a

psicologia, que por definição é irredutível à lógica. Este teste não

revela, senão os mecanismos superficiais de raciocínio, já que seu

enunciado pode não ser apreendido de início, mas isso não indica

que você é inepto. Ao fazer estes testes, verifique bem o que é

pedido, fique calmo e avalie as possibilidades: encaixe, movimento,

construção e seqüência das figuras (horário/anti-horário etc).

37 Vide Lébrun e as matérias no apêndice.

38 Capacidades são imanentes ao indivíduo, competências podem ser construções teóricas vazias. Identificar quem é capaz dentro do ambiente significa investir na formação de perfis adequados estabelecendo diferenciais.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

7574

Não é preciso ser especialista, para saber que os

empregadores querem ter o máximo de segurança possível antes de

se arriscarem a fazer uma contratação e por isso, gastam os tubos

com empresas de seleção para localizarem e extraírem do mercado

os candidatos adequados. Mas, mesmo que o perfil se encaixe

perfeitamente nas qualificações exigidas, estas empresas acreditam

que não conhecem de verdade o candidato enquanto ele não for

submetido a extensivas baterias de testes, que indiquem

características de personalidade ou antecipem possíveis

dificuldades interpessoais. Tudo em nome das sagradas técnicas de

seleção. Porém, é importante notar que alguns destes testes passam

dos limites ao recolherem informações pessoais desnecessárias que

muitas pessoas consideram ofensivas, inclusive de cunho sexual.

Outros, menos esdrúxulos, tentam medir a capacidade de

sanar problemas e determinar potencial para tarefas mais

específicas, como supervisão de equipes. As empresas que usam

estas ferramentas de entrevista têm por “filosofia” que você não é o

conteúdo de seu currículo, biografia ou o que é apresentado

pessoalmente: eles acreditam que a lista de habilidades e de técnicas

não reflete de fato quem você realmente é, mas sim, o que o teste

revelaria. Existe, portanto o bom senso. A nota triste é que a grande

maioria deles, bem como o escopo de sua aplicação não está de

acordo com o que é regulamentado por lei e até o Ministério Público

entrou recentemente na briga por moralizar este pandemônio em 37que se transformaram os processos seletivos. Muitas coisas

importam e, deste modo, inúmeros são os aspectos ditos relevantes

que deveriam ser trabalhados mais apropriadamente, no entanto

apenas podemos apresentar as percepções e crenças racionais

justificadas com as quais nos relacionamos em maior profundidade.

Esta instância é a das relações de duração, reciprocidade e

diferença: recortes que nos apropriamos e ordenamos segundo as

compreensões e linguagens que dispomos para atuar no mundo.

Enfim. É isto! Vamos voltar às figurinhas.

Os testes, em geral se propõem a verificar alguns

pressupostos e possuem inúmeras diferenciações, conforme

estiverem eles mais próximos da área acadêmica ou da crendice do

indivíduo, mercado e organizações. No mais das vezes se trata de

exercícios segmentados em relação às competências ou

38capacitações categoria funcional adotada: operacional, executiva,

diretiva, temporária, técnica ou expertise. Falemos dos mais

comuns como aqueles em que você vê diante de uma série de

figuras geométricas incompletas - muitas vezes sem nexo - que

devem ser indicadas, organizadas ou selecionadas pelo candidato.

Normalmente este teste é apenas de atenção, pois um exame mais

acurado das figuras vai revelar uma disposição lógica de movimento

e proporção, ou seja: a resposta certa é aquela que segue a seqüência

de direção em que aparecem ou desaparecem partes da figura.

Mesmo que inicialmente assustem, não é com estes que é preciso se

preocupar. Existem outros que pretendem verificar os mil

pormenores da personalidade do candidato, num processo de

análise e síntese “associacionista”. É incrível a nossa originalidade:

Geramos laudos e avaliações, cada vez mais detalhados e

complexos, mas sem a devida garantia e segurança de que

conseguimos identificar o que avaliamos. De brinde, selecionamos

algumas sugestões de leitura sobre os lados positivos (Lado A) e

negativos (Lado B) destes modernos instrumentos de stress.

Habilidade com Figuras Seqüenciais:

Lado A: São questionários de avaliação de habilidade com figuras

seqüenciais, geométricas ou assimétricas e procuram verificar qual

o grau de precisão e rapidez em lidar com figuras e sinais de lógica

pura. Isto indica as tendências analíticas do candidato e seu poder

de decisão e concatenação. Lado B: Análise não é tudo. Se fosse

assim, não existiriam outras áreas do conhecimento, inclusive a

psicologia, que por definição é irredutível à lógica. Este teste não

revela, senão os mecanismos superficiais de raciocínio, já que seu

enunciado pode não ser apreendido de início, mas isso não indica

que você é inepto. Ao fazer estes testes, verifique bem o que é

pedido, fique calmo e avalie as possibilidades: encaixe, movimento,

construção e seqüência das figuras (horário/anti-horário etc).

37 Vide Lébrun e as matérias no apêndice.

38 Capacidades são imanentes ao indivíduo, competências podem ser construções teóricas vazias. Identificar quem é capaz dentro do ambiente significa investir na formação de perfis adequados estabelecendo diferenciais.

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7574

Pró Atividade:

Lado A: Avalia qual energia disponível para a realização de tarefas

que exijam empenho, interesse e dedicação e também o grau de

força e entusiasmo para a realização de tarefas. É o verificador do 39famoso quociente de hands on. Lado B: A quantidade de energia é

regida pelo biorritmo e, portanto, variável, além disso, pode estar

momentaneamente indisponível ou bloqueada e a pessoa perde

ânimo para realizações pessoais e profissionais. Nem sempre o

selecionador tem em mente que o candidato apresenta pouca

energia em função da baixa auto-estima advinda do desemprego.

No mais das vezes a seleção é “linha de produção”. Ao fazer este

teste, busque apresentar bom ânimo, mesmo que no momento isso

seja difícil.

Habilidade de Concentração:

Lado A: Avalia a habilidade do candidato em identificar ínfimos

detalhes entre uma série de outros estímulos semelhantes. Muitas

tarefas exigem atenção minuciosa a pequenos detalhes. Estas

atividades apresentam uma série de estímulos diferentes, nos quais a

máxima atenção é importante para que não se incida em erro, como

digitação de documentos. Lado B: Avaliar rapidez e exatidão nas

tarefas é um dado circunstancial. Nada impede a ocorrência de

erros futuros. Um digitador em local silencioso produz muito, mas

mesmo assim precisa de revisão. Se o chefe fica gritando na mesa ao

lado, não há como produzir e revisar, a não ser com MBA em um

mosteiro Zen. Ao fazer este teste, procure estar calmo e administrar

o tempo.

Avaliadores Globais:

Lado A: Avalia o dinamismo interno de uma pessoa, o quanto ela

tem de energia em atividade para tarefas. Indicar o grau de

confiança que ela deposita em seus julgamentos lógicos para

tomada de decisões. Verifica o quanto prefere ou não, tomar

decisões mais com os sentimentos ou com a razão no ambiente

profissional. Mensura a flexibilidade ou rigidez de princípios morais

interiores e por último, referir-se ao peso que esta pessoa dá aos

ganhos materiais. Lado B: Esta lista não pode ser um indicador

completo de uma pessoa, pois muitas das tendências podem ser

conflitantes e, mesmo assim, eficazes profissionalmente. Cícero

distinguia entre prudência e justiça, ou seja, se for levado ao pé da

letra a razão e a ética, ninguém pode vender mais nada que

contenha conservantes químicos impunemente. Se o fizer estará

sendo prudente, mas faltando com a justiça. Se não o fizer será

taxado de tolo, porém estará sendo ético. Por outro lado a sede de

ganhos pode não significar empreendedorismo e sim, ambição.

Estes testes falham porque são direcionados a um perfil, ora passivo,

ora agressivo, onde uma ou outra instância predomina, de acordo

com a vaga. Portanto, ao responder, verifique a descrição da vaga e

opte por destacar aquilo que é diretamente relevante.

Integridade Profissional

Lado A: Avalia a aderência frente a princípios éticos e de cidadania.

Valores éticos e morais são avaliados neste questionário, que propõe

escolhas individuais de situações do cotidiano. Tenciona verificar a

aquisição de valores de ética profissional, social e criação familiar.

Lado B: Um juízo ético é uma instância a posteriori podendo ser ou

não aceito por determinados grupos e nada impede de se responder

obviedades e amenidades aceitas. Então, trata-se de mera

convenção onde não importam os juízos reflexivos. Portanto, este

questionário espelhará muito mais parâmetros comparativos de

rigidez ética do que moralidade em si. Não avalia contextos ou

atitudes. Posso colecionar saquinhos de chá e, ao mesmo tempo

economizar milhões para a empresa.

39 Nem toda a citação do bastião “conceitual” em administrês ou sócio-economês grifadas em inglês (rimou de novo!) quer enfatizar um ponto essencial: pode ser irônica também. Afinal se lá fora isto se parece com “mãos prontas para agir”, aqui significa mão na massa. E agora? Quanto vai existir de bolo e quantos serão pegos em flagrante?

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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Pró Atividade:

Lado A: Avalia qual energia disponível para a realização de tarefas

que exijam empenho, interesse e dedicação e também o grau de

força e entusiasmo para a realização de tarefas. É o verificador do 39famoso quociente de hands on. Lado B: A quantidade de energia é

regida pelo biorritmo e, portanto, variável, além disso, pode estar

momentaneamente indisponível ou bloqueada e a pessoa perde

ânimo para realizações pessoais e profissionais. Nem sempre o

selecionador tem em mente que o candidato apresenta pouca

energia em função da baixa auto-estima advinda do desemprego.

No mais das vezes a seleção é “linha de produção”. Ao fazer este

teste, busque apresentar bom ânimo, mesmo que no momento isso

seja difícil.

Habilidade de Concentração:

Lado A: Avalia a habilidade do candidato em identificar ínfimos

detalhes entre uma série de outros estímulos semelhantes. Muitas

tarefas exigem atenção minuciosa a pequenos detalhes. Estas

atividades apresentam uma série de estímulos diferentes, nos quais a

máxima atenção é importante para que não se incida em erro, como

digitação de documentos. Lado B: Avaliar rapidez e exatidão nas

tarefas é um dado circunstancial. Nada impede a ocorrência de

erros futuros. Um digitador em local silencioso produz muito, mas

mesmo assim precisa de revisão. Se o chefe fica gritando na mesa ao

lado, não há como produzir e revisar, a não ser com MBA em um

mosteiro Zen. Ao fazer este teste, procure estar calmo e administrar

o tempo.

Avaliadores Globais:

Lado A: Avalia o dinamismo interno de uma pessoa, o quanto ela

tem de energia em atividade para tarefas. Indicar o grau de

confiança que ela deposita em seus julgamentos lógicos para

tomada de decisões. Verifica o quanto prefere ou não, tomar

decisões mais com os sentimentos ou com a razão no ambiente

profissional. Mensura a flexibilidade ou rigidez de princípios morais

interiores e por último, referir-se ao peso que esta pessoa dá aos

ganhos materiais. Lado B: Esta lista não pode ser um indicador

completo de uma pessoa, pois muitas das tendências podem ser

conflitantes e, mesmo assim, eficazes profissionalmente. Cícero

distinguia entre prudência e justiça, ou seja, se for levado ao pé da

letra a razão e a ética, ninguém pode vender mais nada que

contenha conservantes químicos impunemente. Se o fizer estará

sendo prudente, mas faltando com a justiça. Se não o fizer será

taxado de tolo, porém estará sendo ético. Por outro lado a sede de

ganhos pode não significar empreendedorismo e sim, ambição.

Estes testes falham porque são direcionados a um perfil, ora passivo,

ora agressivo, onde uma ou outra instância predomina, de acordo

com a vaga. Portanto, ao responder, verifique a descrição da vaga e

opte por destacar aquilo que é diretamente relevante.

Integridade Profissional

Lado A: Avalia a aderência frente a princípios éticos e de cidadania.

Valores éticos e morais são avaliados neste questionário, que propõe

escolhas individuais de situações do cotidiano. Tenciona verificar a

aquisição de valores de ética profissional, social e criação familiar.

Lado B: Um juízo ético é uma instância a posteriori podendo ser ou

não aceito por determinados grupos e nada impede de se responder

obviedades e amenidades aceitas. Então, trata-se de mera

convenção onde não importam os juízos reflexivos. Portanto, este

questionário espelhará muito mais parâmetros comparativos de

rigidez ética do que moralidade em si. Não avalia contextos ou

atitudes. Posso colecionar saquinhos de chá e, ao mesmo tempo

economizar milhões para a empresa.

39 Nem toda a citação do bastião “conceitual” em administrês ou sócio-economês grifadas em inglês (rimou de novo!) quer enfatizar um ponto essencial: pode ser irônica também. Afinal se lá fora isto se parece com “mãos prontas para agir”, aqui significa mão na massa. E agora? Quanto vai existir de bolo e quantos serão pegos em flagrante?

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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Inteligência Emocional

Lado A: A avaliação de Inteligência Emocional fundamenta-se na

teoria das Inteligências Múltiplas, entendendo-se inteligência

emocional como o composto de duas inteligências da teoria de

base: a inteligência interpessoal e a intrapessoal. Pretende-se

verificar os níveis de autocontrole emocional, equilíbrio entre razão

e emoção, além de avaliar as competências de relacionamento.

Lado B: “Inteligência Emocional” é uma metáfora que mascara uma

hipótese razoável de as afecções sejam “controláveis” através de

instâncias intelectivas ou até possuírem seu próprio centro racional.

Mas, isto seria um contra-senso ao conceito, já que a inteligência é

de natureza utilitária e não condiz ontologicamente com as

emoções e, mormente, antagônica. Se há um componente racional

em tudo o que existe há algo aqui a ser estudado, mas não define

tipos de inteligência.

Visão Geral dos Testes:

Segundo a visão do Lado A e as próprias empresas que 40comercializam os testes , eles são uma excelente ferramenta para

identificar as potencialidades e perfil de um ou mais candidatos. De

acordo com isto, permitem que o recrutador compare os resultados

de diversos candidatos, podendo, assim, selecionar para a próxima

etapa do recrutamento somente aqueles profissionais com o perfil

desejado. A meta é possibilitar a análise rápida e eficaz das

características de um único candidato e descartar aqueles que não

são compatíveis. Resumo da ópera: trata-se mais de facilitar o dia a

dia administrativo da seleção de pessoal, que propriamente de

verificar as reais potencialidades que podem ser desenvolvidas. É a

lógica da linha de produção e tem raízes econômicas e

operacionais, já que existe um verdadeiro mercado da recolocação

e muitas empresas disputam espaço e clientes para o chamado

outsourcing.

Do Lado B, pouco se tem falado, mas é preciso atenção e, a

respeito deste mercado de terceirização, veja só a opinião de 41alguém que está no ramo:

De um modo geral esse tipo de seleção de pessoal é feita, em várias

empresas, para as áreas administrativas, técnicas, operacionais e

comerciais, em todos os níveis, inclusive gerência média. A razão

de tantos recorrerem a esses serviços, se deve ao fato de ser muitas

as vantagens oferecidas, principalmente no que diz respeito a

menos tempo, dinheiro e esforço gastos.

No entanto, O grande problema ocorre quando os testes

psicológicos usados não são adequados. As técnicas psicológicas

são muito úteis para se compreender melhor certas características

pessoais a fim de avaliar candidatos em processos de seleção.

Contudo, como "técnicas" exigem do selecionador uma boa

formação em psicologia, além de conhecimento teórico e

experiência profissional. Caso contrário, o que vai prevalecer é o

senso-comum. Afinal de contas, até mesmo estes instrumentos

não devem oferecer uma palavra final na avaliação de uma

pessoa.

Há empresas que, sob a capa de "testes psicológicos", inventam

procedimentos sem os critérios que validam as práticas

psicológicas. Existe uma falta de clareza em relação ao âmbito da

Psicologia. O uso de mapa astral, técnicas (pretensamente)

asiáticas, exóticas ou ainda dinâmicas quaisquer, não podem ser

consideradas como válidas, do ponto de vista do saber

psicológico.

O atual panorama da terceirização da seleção de pessoal,

portanto, constitui um estímulo ao senso-comum, pois a falta de

respaldo técnico de procedimentos ditos "psicológicos" por parte

de terceirizados e terceirizando, proporciona uma demanda

equivocada da avaliação psicológica.

(Carvalho Castro)

O que isto quer dizer? Nada mais, nada menos do que já cansamos

de dizer: que a formação do entrevistador e, aliás de qualquer

profissional de Recursos Humanos deve ser a mais sólida possível,

pois a mera aplicação da mecânica de testes não significa muita

40 Os dados foram extraídos de vários sites especializados e bancos de emprego. Veja a relação na seção links. 41 Extraída de: www.psicometria.com.br

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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Inteligência Emocional

Lado A: A avaliação de Inteligência Emocional fundamenta-se na

teoria das Inteligências Múltiplas, entendendo-se inteligência

emocional como o composto de duas inteligências da teoria de

base: a inteligência interpessoal e a intrapessoal. Pretende-se

verificar os níveis de autocontrole emocional, equilíbrio entre razão

e emoção, além de avaliar as competências de relacionamento.

Lado B: “Inteligência Emocional” é uma metáfora que mascara uma

hipótese razoável de as afecções sejam “controláveis” através de

instâncias intelectivas ou até possuírem seu próprio centro racional.

Mas, isto seria um contra-senso ao conceito, já que a inteligência é

de natureza utilitária e não condiz ontologicamente com as

emoções e, mormente, antagônica. Se há um componente racional

em tudo o que existe há algo aqui a ser estudado, mas não define

tipos de inteligência.

Visão Geral dos Testes:

Segundo a visão do Lado A e as próprias empresas que 40comercializam os testes , eles são uma excelente ferramenta para

identificar as potencialidades e perfil de um ou mais candidatos. De

acordo com isto, permitem que o recrutador compare os resultados

de diversos candidatos, podendo, assim, selecionar para a próxima

etapa do recrutamento somente aqueles profissionais com o perfil

desejado. A meta é possibilitar a análise rápida e eficaz das

características de um único candidato e descartar aqueles que não

são compatíveis. Resumo da ópera: trata-se mais de facilitar o dia a

dia administrativo da seleção de pessoal, que propriamente de

verificar as reais potencialidades que podem ser desenvolvidas. É a

lógica da linha de produção e tem raízes econômicas e

operacionais, já que existe um verdadeiro mercado da recolocação

e muitas empresas disputam espaço e clientes para o chamado

outsourcing.

Do Lado B, pouco se tem falado, mas é preciso atenção e, a

respeito deste mercado de terceirização, veja só a opinião de 41alguém que está no ramo:

De um modo geral esse tipo de seleção de pessoal é feita, em várias

empresas, para as áreas administrativas, técnicas, operacionais e

comerciais, em todos os níveis, inclusive gerência média. A razão

de tantos recorrerem a esses serviços, se deve ao fato de ser muitas

as vantagens oferecidas, principalmente no que diz respeito a

menos tempo, dinheiro e esforço gastos.

No entanto, O grande problema ocorre quando os testes

psicológicos usados não são adequados. As técnicas psicológicas

são muito úteis para se compreender melhor certas características

pessoais a fim de avaliar candidatos em processos de seleção.

Contudo, como "técnicas" exigem do selecionador uma boa

formação em psicologia, além de conhecimento teórico e

experiência profissional. Caso contrário, o que vai prevalecer é o

senso-comum. Afinal de contas, até mesmo estes instrumentos

não devem oferecer uma palavra final na avaliação de uma

pessoa.

Há empresas que, sob a capa de "testes psicológicos", inventam

procedimentos sem os critérios que validam as práticas

psicológicas. Existe uma falta de clareza em relação ao âmbito da

Psicologia. O uso de mapa astral, técnicas (pretensamente)

asiáticas, exóticas ou ainda dinâmicas quaisquer, não podem ser

consideradas como válidas, do ponto de vista do saber

psicológico.

O atual panorama da terceirização da seleção de pessoal,

portanto, constitui um estímulo ao senso-comum, pois a falta de

respaldo técnico de procedimentos ditos "psicológicos" por parte

de terceirizados e terceirizando, proporciona uma demanda

equivocada da avaliação psicológica.

(Carvalho Castro)

O que isto quer dizer? Nada mais, nada menos do que já cansamos

de dizer: que a formação do entrevistador e, aliás de qualquer

profissional de Recursos Humanos deve ser a mais sólida possível,

pois a mera aplicação da mecânica de testes não significa muita

40 Os dados foram extraídos de vários sites especializados e bancos de emprego. Veja a relação na seção links. 41 Extraída de: www.psicometria.com.br

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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coisa. Aliás, como já vimos, nem avaliar precisamente se pode exigir

de um “teste”. Na ânsia de “preencher o perfil” e atender o cliente, o

que vale é apelar para os prognósticos da buena dicha

organizacional. Esta situação é comum no mercado e não vai mudar

tão cedo. Mas, a bem da verdade, um profissional de seleção sério e

bem preparado (graduado, de preferência) dá mais valor ao que ele

realmente “extrai” do candidato em termos de competências e

potencial, do que o que é verificado por avaliadores padrão.

Morou? Mas cuidado! Nada de enfrentar o selecionador, impor-se

ou zombar nas respostas que você vai entrar literalmente pelo cano. 42Use menos Sun Tzu e mais Von Clausewitz.

3 - Associação Livre e Perguntas sem Nexo

Veja só o que pode estar escrito num questionário qualquer para 43você responder :

1 - Trabalhar com prazos de entrega te dá uma onda?

a) Não, mas trabalhar com prazos de entrega é um mal necessário que a

maioria de nós tem que encarar.

b) Não. Trabalhar com prazos de entrega é muito preocupante. Prefiro

estabelecer meu próprio ritmo.

c) Sim, acredito que opero bem sob stress.

2 - Você está preso num engarrafamento. Qual seria sua reação mais

provável?

a) Raiva.

b) Frustração.

c) Tédio.

3 - Se uma pessoa do sexo oposto lhe atrai, você:

a) Não perde a oportunidade e marca um encontro.

b) Prefere não se arriscar, embora se sinta tentado e acabe se culpando

por isso.

c) Não se incomoda com que os outros vão pensar.

4 - Você está para conseguir uma promoção. Qual seria sua reação mais

provável?

a) Posso ser impiedoso para conseguir o que quero.

b) É fácil concentrar minha atenção numa única coisa por períodos

bem longos.

c) Estaria preparado para desistir de tudo o que ame na vida, em troca

de sucesso na carreira que escolhi.

Como é que um ser humano normal pode responder a uma única

alternativa, se algumas destas questões, simplesmente não toleram

alternativas cabíveis? Eu detesto ser pressionado com prazos, mas

procuro cumpri-los religiosamente. Também nem sempre fico

entediado num engarrafamento, posso cantar ou ouvir música.

Talvez criar uma conspiração imaginária contra o governo ou o meu

chefe. E, quando tenho um relacionamento com alguém ou sou

casado, não me importa o quanto seja linda a secretária, que não

terei inclinações a cantá-la. Mesmo que estiver cotado para uma

promoção eu não preciso enfiar uma faca nas costas de meus

concorrentes para conseguir o cargo, aliás, muito pelo contrário. O

pecado é pensar indutivamente, do particular ao geral...

No entanto, alguns selecionadores (empresas que

compraram os testes) acreditam só haver uma resposta possível que

é identificada com o perfil do candidato e se recusam a aceitar que a

maioria das pessoas simplesmente não pense ou aja desta maneira

(o que é muito saudável). Ninguém questiona porque os testes “são

assim” e quais as margens de dissociação aceitáveis sem perda de

foco. Nestes casos, fica aquela vontade de abrir um novo

quadradinho e escrever: n.d.a para não dizer coisa pior. Queria

deixar um recado: Joguem fora estas apostilas xerocadas avaliem

com instrumentos eficazes, eliminando aquilo que seja

constrangedor ou desnecessário. Posso como candidato, oferecer

alta qualidade e comprometimento e tenho o direito de ser

investigado de forma inteligente. Por estas e outras que não acredito

em criar padrões identificados por padrões, mas esta é apenas a

minha opinião. Lá fora eles não buscam o saber, mas o processo

como prioridade. Busca-se completar tabulações eficientes para

gerir processos, identificar perfis e checar competências. Buscam

apenas certificar-se de que a reposição da peça foi completada com

sucesso.

42 Em Da Guerra, Carl Von Clausewitz ao menos admite alguma espécie de ética do confronto. Sun Tzu é mais punk.43 Os dados foram extraídos de vários sites especializados e bancos de emprego. Veja a relação na seção links.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

8180

coisa. Aliás, como já vimos, nem avaliar precisamente se pode exigir

de um “teste”. Na ânsia de “preencher o perfil” e atender o cliente, o

que vale é apelar para os prognósticos da buena dicha

organizacional. Esta situação é comum no mercado e não vai mudar

tão cedo. Mas, a bem da verdade, um profissional de seleção sério e

bem preparado (graduado, de preferência) dá mais valor ao que ele

realmente “extrai” do candidato em termos de competências e

potencial, do que o que é verificado por avaliadores padrão.

Morou? Mas cuidado! Nada de enfrentar o selecionador, impor-se

ou zombar nas respostas que você vai entrar literalmente pelo cano. 42Use menos Sun Tzu e mais Von Clausewitz.

3 - Associação Livre e Perguntas sem Nexo

Veja só o que pode estar escrito num questionário qualquer para 43você responder :

1 - Trabalhar com prazos de entrega te dá uma onda?

a) Não, mas trabalhar com prazos de entrega é um mal necessário que a

maioria de nós tem que encarar.

b) Não. Trabalhar com prazos de entrega é muito preocupante. Prefiro

estabelecer meu próprio ritmo.

c) Sim, acredito que opero bem sob stress.

2 - Você está preso num engarrafamento. Qual seria sua reação mais

provável?

a) Raiva.

b) Frustração.

c) Tédio.

3 - Se uma pessoa do sexo oposto lhe atrai, você:

a) Não perde a oportunidade e marca um encontro.

b) Prefere não se arriscar, embora se sinta tentado e acabe se culpando

por isso.

c) Não se incomoda com que os outros vão pensar.

4 - Você está para conseguir uma promoção. Qual seria sua reação mais

provável?

a) Posso ser impiedoso para conseguir o que quero.

b) É fácil concentrar minha atenção numa única coisa por períodos

bem longos.

c) Estaria preparado para desistir de tudo o que ame na vida, em troca

de sucesso na carreira que escolhi.

Como é que um ser humano normal pode responder a uma única

alternativa, se algumas destas questões, simplesmente não toleram

alternativas cabíveis? Eu detesto ser pressionado com prazos, mas

procuro cumpri-los religiosamente. Também nem sempre fico

entediado num engarrafamento, posso cantar ou ouvir música.

Talvez criar uma conspiração imaginária contra o governo ou o meu

chefe. E, quando tenho um relacionamento com alguém ou sou

casado, não me importa o quanto seja linda a secretária, que não

terei inclinações a cantá-la. Mesmo que estiver cotado para uma

promoção eu não preciso enfiar uma faca nas costas de meus

concorrentes para conseguir o cargo, aliás, muito pelo contrário. O

pecado é pensar indutivamente, do particular ao geral...

No entanto, alguns selecionadores (empresas que

compraram os testes) acreditam só haver uma resposta possível que

é identificada com o perfil do candidato e se recusam a aceitar que a

maioria das pessoas simplesmente não pense ou aja desta maneira

(o que é muito saudável). Ninguém questiona porque os testes “são

assim” e quais as margens de dissociação aceitáveis sem perda de

foco. Nestes casos, fica aquela vontade de abrir um novo

quadradinho e escrever: n.d.a para não dizer coisa pior. Queria

deixar um recado: Joguem fora estas apostilas xerocadas avaliem

com instrumentos eficazes, eliminando aquilo que seja

constrangedor ou desnecessário. Posso como candidato, oferecer

alta qualidade e comprometimento e tenho o direito de ser

investigado de forma inteligente. Por estas e outras que não acredito

em criar padrões identificados por padrões, mas esta é apenas a

minha opinião. Lá fora eles não buscam o saber, mas o processo

como prioridade. Busca-se completar tabulações eficientes para

gerir processos, identificar perfis e checar competências. Buscam

apenas certificar-se de que a reposição da peça foi completada com

sucesso.

42 Em Da Guerra, Carl Von Clausewitz ao menos admite alguma espécie de ética do confronto. Sun Tzu é mais punk.43 Os dados foram extraídos de vários sites especializados e bancos de emprego. Veja a relação na seção links.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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Desde que Freud desconfiou que existia algo além do

princípio de prazer e experimentou a associação livre de

significados (para que fosse possível romper com as resistências pré-

conscientes que guardavam os mecanismos das neuroses de

repetição) e levá-las a um patamar mais sadio das neuroses de

transferência, estancando as histerias, esta técnica foi cada vez mais

deturpada pelos pesquisadores ulteriores.

Hoje, acredita-se que se falar em cachorro quente e

chocolate ao leite no café da manhã, pode levar a identificar uma

instância psicopatológica qualquer no eterno confronto entre eros e 44thanatos. Mas os que adaptaram as técnicas psicanalíticas ao

mundo corporativo nem se preocuparam com a filosofia ou a

medicina, simplesmente, orientaram os resultados para as práticas

mais relevantes às empresas. Outro caso emblemático destes testes é

o dos questionários que lhe pedem satisfação sobre tendências

sexuais e cujas respostas podem ser inadmissíveis para alguns

sistemas de crenças ou cidadãos moralmente comuns.

Mas cuidado aí! Não são os testes os verdadeiros monstros

deste circo de horrores, pois eles servem apenas de instrumentos de

medição que em alguns casos, funcionam. Não importa assuntar

quais foram os interesses comerciais ou doutrinários por trás da

confecção destes questionários. Vamos deixar a resolução do nó

ético ou metodológico para os filósofos do porvir.

O problema real, para o candidato é sempre de

compreensão e ação. Não importa sua opinião, a do professor ou o

parecer do Procon, o teste estará lá e será preciso fazê-lo ou então

desistir da vaga (lembra da “redução fenomenológica”? É isso aí:

aceitar o mundo como dado e a partir daí compreendê-lo). Por

exemplo, você é chamado a fazer alguns testes para uma vaga, cujo

perfil é operacional, ou seja, cumprir ordens e fazer com que as

coisas aconteçam.

Então, lá vem o questionário para verificar se você está

adequado ou não, ao perfil. Num dos mais comuns, com nome de

mamífero matreiro, você terá longas baterias de perguntas versando

sobre como age no lazer, trabalho, escola, na rua etc. Na maioria das

vezes são duas alternativas a escolher, nem sempre compatíveis

com seu modo de ser e que precisam ser respondidas em certa

ordem.

As perguntas são invariavelmente fechadas - senão

contraditórias, eu diria - sempre do tipo: você age de forma: a)

impessoal e lógica; b) sentimental e pessoal ou c) se aborrece com

tarefas repetitivas; d) aceita bem ser liderado e por aí vai. Ora, se

você - a despeito de sua capacidade - anota nas respostas que é do

tipo sentimental ou empreendedor e estrategista, você pode até

estar dizendo a verdade sobre a imagem, a representação mental

que tem de si mesmo, mas aí a vaga já era. Por quê? Porque o perfil

pedia apenas quem obedeça e seja pontual e organizado; não quem

possa dar a entender que irá se intrometer na vida do departamento,

questionar o poder ou pretenda corrigir as estultices que encontrar

pelo caminho. Qual a relação entre ser planejador, empreendedor e

a possibilidade de não ser um bom funcionário operacional?

Nenhuma. Depende apenas de quem bolou o teste e disse que

resultados x ou y significam/apontam necessariamente a, b ou c.

Não há razão científica, apenas projeções. Entre a pergunta O que é

a Ciência afinal? E as práticas que definem conhecimento eu lembro

o que dizia Nietzsche: não há fatos, apenas interpretações.

Mais uma vez, aqui é o caso de se verificar o que quer e o

que não quer dizer o enunciado das perguntas e dos discursos.

Assim, antes de fazer qualquer teste, procure saber o perfil da vaga

ou pelo menos que lhe falem um pouco a respeito da descrição do

cargo. Depois você vai responder às perguntas de forma a dar uma

maior ênfase naquilo que está dentro do desejado por aquela

posição específica. Vai fraudar? De jeito nenhum! Testes não dizem

quem você é, apenas como está e se comporta no momento

imediatamente presente. Se você acordou saudoso, melancólico

estará propenso escolher as respostas que mais se pareçam com seu

estado de alma momentâneo e quem avaliar este teste, pode

considerá-lo um sonhador incorrigível, uma pessoa não prática. Se

você foi empurrado no metrô e destratado pela recepcionista, suas

respostas poderão levar o avaliador entender que você é algo

instável. Se você sofreu alguma decepção sentimental recente que o

44 Relação entre desejo e morte, através da dualidade do princípio de prazer e princípio de realidade. Deleuze faz uma leitura interessante do tema ao propor um monismo de fundo à insistência freudiana na dualidade constituinte. Mas isso é outro assunto...

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

8382

Desde que Freud desconfiou que existia algo além do

princípio de prazer e experimentou a associação livre de

significados (para que fosse possível romper com as resistências pré-

conscientes que guardavam os mecanismos das neuroses de

repetição) e levá-las a um patamar mais sadio das neuroses de

transferência, estancando as histerias, esta técnica foi cada vez mais

deturpada pelos pesquisadores ulteriores.

Hoje, acredita-se que se falar em cachorro quente e

chocolate ao leite no café da manhã, pode levar a identificar uma

instância psicopatológica qualquer no eterno confronto entre eros e 44thanatos. Mas os que adaptaram as técnicas psicanalíticas ao

mundo corporativo nem se preocuparam com a filosofia ou a

medicina, simplesmente, orientaram os resultados para as práticas

mais relevantes às empresas. Outro caso emblemático destes testes é

o dos questionários que lhe pedem satisfação sobre tendências

sexuais e cujas respostas podem ser inadmissíveis para alguns

sistemas de crenças ou cidadãos moralmente comuns.

Mas cuidado aí! Não são os testes os verdadeiros monstros

deste circo de horrores, pois eles servem apenas de instrumentos de

medição que em alguns casos, funcionam. Não importa assuntar

quais foram os interesses comerciais ou doutrinários por trás da

confecção destes questionários. Vamos deixar a resolução do nó

ético ou metodológico para os filósofos do porvir.

O problema real, para o candidato é sempre de

compreensão e ação. Não importa sua opinião, a do professor ou o

parecer do Procon, o teste estará lá e será preciso fazê-lo ou então

desistir da vaga (lembra da “redução fenomenológica”? É isso aí:

aceitar o mundo como dado e a partir daí compreendê-lo). Por

exemplo, você é chamado a fazer alguns testes para uma vaga, cujo

perfil é operacional, ou seja, cumprir ordens e fazer com que as

coisas aconteçam.

Então, lá vem o questionário para verificar se você está

adequado ou não, ao perfil. Num dos mais comuns, com nome de

mamífero matreiro, você terá longas baterias de perguntas versando

sobre como age no lazer, trabalho, escola, na rua etc. Na maioria das

vezes são duas alternativas a escolher, nem sempre compatíveis

com seu modo de ser e que precisam ser respondidas em certa

ordem.

As perguntas são invariavelmente fechadas - senão

contraditórias, eu diria - sempre do tipo: você age de forma: a)

impessoal e lógica; b) sentimental e pessoal ou c) se aborrece com

tarefas repetitivas; d) aceita bem ser liderado e por aí vai. Ora, se

você - a despeito de sua capacidade - anota nas respostas que é do

tipo sentimental ou empreendedor e estrategista, você pode até

estar dizendo a verdade sobre a imagem, a representação mental

que tem de si mesmo, mas aí a vaga já era. Por quê? Porque o perfil

pedia apenas quem obedeça e seja pontual e organizado; não quem

possa dar a entender que irá se intrometer na vida do departamento,

questionar o poder ou pretenda corrigir as estultices que encontrar

pelo caminho. Qual a relação entre ser planejador, empreendedor e

a possibilidade de não ser um bom funcionário operacional?

Nenhuma. Depende apenas de quem bolou o teste e disse que

resultados x ou y significam/apontam necessariamente a, b ou c.

Não há razão científica, apenas projeções. Entre a pergunta O que é

a Ciência afinal? E as práticas que definem conhecimento eu lembro

o que dizia Nietzsche: não há fatos, apenas interpretações.

Mais uma vez, aqui é o caso de se verificar o que quer e o

que não quer dizer o enunciado das perguntas e dos discursos.

Assim, antes de fazer qualquer teste, procure saber o perfil da vaga

ou pelo menos que lhe falem um pouco a respeito da descrição do

cargo. Depois você vai responder às perguntas de forma a dar uma

maior ênfase naquilo que está dentro do desejado por aquela

posição específica. Vai fraudar? De jeito nenhum! Testes não dizem

quem você é, apenas como está e se comporta no momento

imediatamente presente. Se você acordou saudoso, melancólico

estará propenso escolher as respostas que mais se pareçam com seu

estado de alma momentâneo e quem avaliar este teste, pode

considerá-lo um sonhador incorrigível, uma pessoa não prática. Se

você foi empurrado no metrô e destratado pela recepcionista, suas

respostas poderão levar o avaliador entender que você é algo

instável. Se você sofreu alguma decepção sentimental recente que o

44 Relação entre desejo e morte, através da dualidade do princípio de prazer e princípio de realidade. Deleuze faz uma leitura interessante do tema ao propor um monismo de fundo à insistência freudiana na dualidade constituinte. Mas isso é outro assunto...

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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fez desacreditar temporariamente no amor e fizer o teste, o 45resultado mostrará alguém tão frio e lógico quanto um vulcano.

Sempre ao ser avaliado, confie em si mesmo, respire, controle-se e

pense somente como profissional.

Afinal, a construção de tais produtos e serviços para o fim

de seleção não é uma iniciativa isenta, ela possui pressupostos. A

busca da fraqueza e da inconsistência nos raciocínios devolutivos,

acabou criando uma orientação metodológica que despotencializa

os benefícios. No caso, mais uma vez reafirmamos que não se trata

de simplesmente afrontar os que trabalham em um dado segmento

profissional, mas sim, verificar suas práticas e conseqüências. Existe

uma lenda urbana a respeito da imparcialidade da ciência, mas isto

não corresponde à verdade, pois que qualquer objetivação, mesmo

a mais empírica é sempre precedida de uma tese que lhe indica a

direção (ou de um interesse econômico que financiou a pesquisa).

Talvez a única instância em que isso se torna possível é quando se

propõe - sempre no exemplo dos testes e sua aplicação - inicialmente

buscar o perfil atual do indivíduo e sua provável constituição, a fim

de compreendê-lo em seu momento. Mas com o significado de

buscar este perfil com fins à construção de um panorama a ser

abordado, posteriormente, sob uma perspectiva terapêutica e 46eticamente válida: um phamakós. Aqui o pressuposto justifica a

técnica, sendo esta a instância onde a ciência cumpre sua maior

missão, pois sua objetivação está direcionada a um bem geral e a

premissa se dilui, espalhando benefícios.

A premissa de mercado - a busca do perfil profissional - que

de antemão determina um x útil, já exclui de suas preocupações,

todo o restante do alfabeto pela negação através da afirmação, não

se interessando por nada mais. Esta premissa inicial invalida a

imparcialidade em vista de utilidade manifesta. Não é científica a

aplicação de quaisquer testes para fins de seleção, pois se a pesquisa

já está direcionada a um resultado predeterminado, ela é

tendenciosa. Deste modo, mesmo que o teste seja elaborado

cientificamente, a sua aplicação pode invalidar esta condição. Além

do mais, confunde causa e efeito, conteúdo e forma, pois a

somatória de tais ou quais qualidades não indica - na prática diária -

qual o grau de uso das mesmas pelo sujeito, seja em termos técnico

ou morais: tendência não é fato, assim como potência não é ato.

Deste modo, nada logicamente determina que o x exigido no perfil

idealizado não possa ser cumprido com mais eficiência por a, b ou j.

Como vêem a ignorância na distinção entre forma e

conteúdo é o que penaliza o homem, pois leva a confundir o que é

pessoa e o que é perfil, sendo que, dentro do processo, onde não se

identificar um prévio perfil de dados, ignora-se também a pessoa.

Não importa se ela possa ou não desenvolver este perfil melhor e

mais produtivamente, do que aquele em que lhe foram encontrados

tais tendências e indícios. Ninguém é x, porque possui x qualidades e

competências, este x profissional foi criado por quem deseja

encontrar alguém que aja como tal, para cuidar de seus interesses

de mercado.

O erro jurássico é creditar sub-repticiamente a práxis, que

estas qualificações sejam a pessoa: que estes indicadores lhe

constituam a realidade ontológica e não fenomênica. Que deva ser

encontrado um fariseu que as incorpore plenamente ou que possa

ser identificada a quantidade desejada de “virtudes”, quando tudo

se trata de aproximações, apenas. Cansei de ouvir: Ah! Se você fosse

mais assim... seria bem o perfil da vaga... Se você fosse mais assado

poderia ser contratado. Caiu a ficha da confusão entre o ente e o

“agente” profissional? Ser preterido por uma crença que perfis

sejam ou devam estar contidos em pessoas, de forma clara e

indubitável, senão elas não servem ou podem desenvolver estas

capacidades, devia ser considerado crime hediondo. Por estas e

outras razões, estar apto a saber jogar o jogo dos testes é

imprescindível para sua contratação. Mesmo porque a maioria se

constitui preconceito, embora a lei não tenha alcance nestes

ambientes (ainda).

Não estamos dizendo com isso que se trata de manipular

quaisquer resultados, mas estudar quais as relações entre suas reais

capacidades e experiência com o perfil determinado pela vaga e

agir em conformidade. Responderá sinceramente, no entanto, irá

mostrar que, além do estreito foco - característica principal dos 45 Vida longa e próspera, Sr.Spock!46 Medicamentos, processo de cura.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

8584

fez desacreditar temporariamente no amor e fizer o teste, o 45resultado mostrará alguém tão frio e lógico quanto um vulcano.

Sempre ao ser avaliado, confie em si mesmo, respire, controle-se e

pense somente como profissional.

Afinal, a construção de tais produtos e serviços para o fim

de seleção não é uma iniciativa isenta, ela possui pressupostos. A

busca da fraqueza e da inconsistência nos raciocínios devolutivos,

acabou criando uma orientação metodológica que despotencializa

os benefícios. No caso, mais uma vez reafirmamos que não se trata

de simplesmente afrontar os que trabalham em um dado segmento

profissional, mas sim, verificar suas práticas e conseqüências. Existe

uma lenda urbana a respeito da imparcialidade da ciência, mas isto

não corresponde à verdade, pois que qualquer objetivação, mesmo

a mais empírica é sempre precedida de uma tese que lhe indica a

direção (ou de um interesse econômico que financiou a pesquisa).

Talvez a única instância em que isso se torna possível é quando se

propõe - sempre no exemplo dos testes e sua aplicação - inicialmente

buscar o perfil atual do indivíduo e sua provável constituição, a fim

de compreendê-lo em seu momento. Mas com o significado de

buscar este perfil com fins à construção de um panorama a ser

abordado, posteriormente, sob uma perspectiva terapêutica e 46eticamente válida: um phamakós. Aqui o pressuposto justifica a

técnica, sendo esta a instância onde a ciência cumpre sua maior

missão, pois sua objetivação está direcionada a um bem geral e a

premissa se dilui, espalhando benefícios.

A premissa de mercado - a busca do perfil profissional - que

de antemão determina um x útil, já exclui de suas preocupações,

todo o restante do alfabeto pela negação através da afirmação, não

se interessando por nada mais. Esta premissa inicial invalida a

imparcialidade em vista de utilidade manifesta. Não é científica a

aplicação de quaisquer testes para fins de seleção, pois se a pesquisa

já está direcionada a um resultado predeterminado, ela é

tendenciosa. Deste modo, mesmo que o teste seja elaborado

cientificamente, a sua aplicação pode invalidar esta condição. Além

do mais, confunde causa e efeito, conteúdo e forma, pois a

somatória de tais ou quais qualidades não indica - na prática diária -

qual o grau de uso das mesmas pelo sujeito, seja em termos técnico

ou morais: tendência não é fato, assim como potência não é ato.

Deste modo, nada logicamente determina que o x exigido no perfil

idealizado não possa ser cumprido com mais eficiência por a, b ou j.

Como vêem a ignorância na distinção entre forma e

conteúdo é o que penaliza o homem, pois leva a confundir o que é

pessoa e o que é perfil, sendo que, dentro do processo, onde não se

identificar um prévio perfil de dados, ignora-se também a pessoa.

Não importa se ela possa ou não desenvolver este perfil melhor e

mais produtivamente, do que aquele em que lhe foram encontrados

tais tendências e indícios. Ninguém é x, porque possui x qualidades e

competências, este x profissional foi criado por quem deseja

encontrar alguém que aja como tal, para cuidar de seus interesses

de mercado.

O erro jurássico é creditar sub-repticiamente a práxis, que

estas qualificações sejam a pessoa: que estes indicadores lhe

constituam a realidade ontológica e não fenomênica. Que deva ser

encontrado um fariseu que as incorpore plenamente ou que possa

ser identificada a quantidade desejada de “virtudes”, quando tudo

se trata de aproximações, apenas. Cansei de ouvir: Ah! Se você fosse

mais assim... seria bem o perfil da vaga... Se você fosse mais assado

poderia ser contratado. Caiu a ficha da confusão entre o ente e o

“agente” profissional? Ser preterido por uma crença que perfis

sejam ou devam estar contidos em pessoas, de forma clara e

indubitável, senão elas não servem ou podem desenvolver estas

capacidades, devia ser considerado crime hediondo. Por estas e

outras razões, estar apto a saber jogar o jogo dos testes é

imprescindível para sua contratação. Mesmo porque a maioria se

constitui preconceito, embora a lei não tenha alcance nestes

ambientes (ainda).

Não estamos dizendo com isso que se trata de manipular

quaisquer resultados, mas estudar quais as relações entre suas reais

capacidades e experiência com o perfil determinado pela vaga e

agir em conformidade. Responderá sinceramente, no entanto, irá

mostrar que, além do estreito foco - característica principal dos 45 Vida longa e próspera, Sr.Spock!46 Medicamentos, processo de cura.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

8584

perfis - determinado pela empresa, você tem condição de sair-se

bem nas atribuições do cargo por sua versatilidade e

adaptabilidade. Isto significa que você deve se ater à descrição do

cargo e reforçar as alternativas que tenham relação direta com suas

competências em relação ao perfil exigido. Saiba que 80% destes

testes somente são aplicados em níveis hierárquicos menores e,

portanto, no caso do exemplo que demos anteriormente, que era

uma função nitidamente administrativo-operacional, se você se

deparar com questões tipo: a) planejo meu dia antecipadamente ou

b) executo as tarefas determinadas, é lógico que deverá optar pela

segunda alternativa.

Apenas algumas respostas nessa direção são suficientes para evitar

ser excluído por crenças do tipo: quem não tem alto índice de

ambição ou testosterona não pode liderar e ser um bom chefe ou

este não serve porque respondeu que tem propensão a escutar os

problemas dos outros e isto não é muito compatível com finanças.

Portanto, nada de ficar chocado com as perguntas, analise-as e

confronte as respostas com o contexto em que são pedidas e em

relação às atribuições do cargo pretendido. Imagine-se no cargo,

suas atribuições e qual a expectativa esperada de você.

Mas veja bem: os testes repetem as perguntas em diferentes

situações, de propósito, pois eles não são ingênuos e “cercam”

aqueles que chutam ou tentam manipular os resultados. Portanto

atenção: não vá se contradizer, apenas decida-se por responder o

mais próximo possível do que é esperado pelo candidato “ideal” em

relação às suas próprias capacidades. Não entendeu? Explico: Não

importa se você é normalmente reservado, impessoal e opte por

escolher que é sociável, se isto não lhe causa problemas existenciais

e pode conviver com esta exigência. Ou seja, mais inclinado a

planejar que executar e, no entanto, concorre a uma vaga

operacional, pois mesmo tendo este ou aquele tipo de disposição na

personalidade, não há razão científica que diga que não vá se sair

bem nas funções a que se candidata.

Você pode, é claro, ter que se adaptar e modificar suas

disposições, mas isso pode lhe ser muito útil: pois se falta

“teoricamente” ao sentimental um pouco de lógica, cabe ao

analítico buscar um pouco de sentimento. O que quero dizer, enfim

é que mesmo sendo uma pedra de gelo, você conseguiria se

imaginar como uma pessoa leal, produtiva, comprometida com a

equipe e a empresa? Se você pode imaginar ou sentir que sim, então

tasque lá a resposta mais apropriada a partir deste ponto de vista

pragmático e não pessoal. Esqueça por um momento como é agora

e concentre-se no que poderia ser e fazer com qualidade e

satisfação, embora seja distinto de suas preferências atuais. Se não

consegue nem pensar no assunto, então a vaga não é para você.

Deixe a questão em branco.

Finalmente, e não menos importante é dizer que o teste de

associação descontínua, ou livre, não tem respostas certas ou 47erradas. O que eles medem são tendências comportamentais. Por

isso não devem ser interpretados como valorativos, apenas como

indicadores. Daí que aquele candidato que se detém a analisar as

perguntas do ponto de vista de sua real adequação e não de seus

valores e crenças, pode direcionar as respostas para um patamar

mais próximo do perfil desejado pela vaga. Resumindo: verdade

não é apenas o que se acredita como tal, mas também, condição de

possibilidade de que as coisas sejam daquele jeito. Um dos exemplos

clássicos é aquele tipo de questionário que exige ser respondido de

dois pontos de vista: o seu e dos empregadores/equipe. São muitas

perguntas tipo como os outros o vêem ou o que esperam de você e o

que você vê ou espera que os outros esperem de você.

Muitas pessoas (eu mesmo, inclusive), têm inclinação de

marcar a maioria das ocorrências possíveis de ambos os lados, por

uma questão de abrangência e experiências anteriores. Mas isto não

corresponde à verdade, pois nem todos ficam prestando a atenção

ao que fazemos o dia inteiro. Portanto, se você responder um monte

de quesitos, pode ter certeza de que estará dizendo ao selecionador:

tenho medo que isso aconteça, me cobro demais, já vi situações

47 Mesmo que os neurofisiólogos, psicólogos evolutivos e céticos atuais esperneiem, eles ainda debatem o problema bergsoniano. Claro que em “Matéria e Memória” Bergson criticava a justaposição de estados de consciência, ou seja: não somos causados por secreções, enzimas ou hormônios. Atualizando a biologia, estamos na discussão sobre se somos ou não sinapses e redes neurais. Além do mais, behavioristas e radicais de toda a espécie também falharam, inclusive sociólogos e economistas. Deste modo, apenas podemos consentir, cientificamente (e Chalmers nos ajude) que mensuramos aglomerados de tendências e padrões não repetitivos. A filosofia progride, sempre!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

8786

perfis - determinado pela empresa, você tem condição de sair-se

bem nas atribuições do cargo por sua versatilidade e

adaptabilidade. Isto significa que você deve se ater à descrição do

cargo e reforçar as alternativas que tenham relação direta com suas

competências em relação ao perfil exigido. Saiba que 80% destes

testes somente são aplicados em níveis hierárquicos menores e,

portanto, no caso do exemplo que demos anteriormente, que era

uma função nitidamente administrativo-operacional, se você se

deparar com questões tipo: a) planejo meu dia antecipadamente ou

b) executo as tarefas determinadas, é lógico que deverá optar pela

segunda alternativa.

Apenas algumas respostas nessa direção são suficientes para evitar

ser excluído por crenças do tipo: quem não tem alto índice de

ambição ou testosterona não pode liderar e ser um bom chefe ou

este não serve porque respondeu que tem propensão a escutar os

problemas dos outros e isto não é muito compatível com finanças.

Portanto, nada de ficar chocado com as perguntas, analise-as e

confronte as respostas com o contexto em que são pedidas e em

relação às atribuições do cargo pretendido. Imagine-se no cargo,

suas atribuições e qual a expectativa esperada de você.

Mas veja bem: os testes repetem as perguntas em diferentes

situações, de propósito, pois eles não são ingênuos e “cercam”

aqueles que chutam ou tentam manipular os resultados. Portanto

atenção: não vá se contradizer, apenas decida-se por responder o

mais próximo possível do que é esperado pelo candidato “ideal” em

relação às suas próprias capacidades. Não entendeu? Explico: Não

importa se você é normalmente reservado, impessoal e opte por

escolher que é sociável, se isto não lhe causa problemas existenciais

e pode conviver com esta exigência. Ou seja, mais inclinado a

planejar que executar e, no entanto, concorre a uma vaga

operacional, pois mesmo tendo este ou aquele tipo de disposição na

personalidade, não há razão científica que diga que não vá se sair

bem nas funções a que se candidata.

Você pode, é claro, ter que se adaptar e modificar suas

disposições, mas isso pode lhe ser muito útil: pois se falta

“teoricamente” ao sentimental um pouco de lógica, cabe ao

analítico buscar um pouco de sentimento. O que quero dizer, enfim

é que mesmo sendo uma pedra de gelo, você conseguiria se

imaginar como uma pessoa leal, produtiva, comprometida com a

equipe e a empresa? Se você pode imaginar ou sentir que sim, então

tasque lá a resposta mais apropriada a partir deste ponto de vista

pragmático e não pessoal. Esqueça por um momento como é agora

e concentre-se no que poderia ser e fazer com qualidade e

satisfação, embora seja distinto de suas preferências atuais. Se não

consegue nem pensar no assunto, então a vaga não é para você.

Deixe a questão em branco.

Finalmente, e não menos importante é dizer que o teste de

associação descontínua, ou livre, não tem respostas certas ou 47erradas. O que eles medem são tendências comportamentais. Por

isso não devem ser interpretados como valorativos, apenas como

indicadores. Daí que aquele candidato que se detém a analisar as

perguntas do ponto de vista de sua real adequação e não de seus

valores e crenças, pode direcionar as respostas para um patamar

mais próximo do perfil desejado pela vaga. Resumindo: verdade

não é apenas o que se acredita como tal, mas também, condição de

possibilidade de que as coisas sejam daquele jeito. Um dos exemplos

clássicos é aquele tipo de questionário que exige ser respondido de

dois pontos de vista: o seu e dos empregadores/equipe. São muitas

perguntas tipo como os outros o vêem ou o que esperam de você e o

que você vê ou espera que os outros esperem de você.

Muitas pessoas (eu mesmo, inclusive), têm inclinação de

marcar a maioria das ocorrências possíveis de ambos os lados, por

uma questão de abrangência e experiências anteriores. Mas isto não

corresponde à verdade, pois nem todos ficam prestando a atenção

ao que fazemos o dia inteiro. Portanto, se você responder um monte

de quesitos, pode ter certeza de que estará dizendo ao selecionador:

tenho medo que isso aconteça, me cobro demais, já vi situações

47 Mesmo que os neurofisiólogos, psicólogos evolutivos e céticos atuais esperneiem, eles ainda debatem o problema bergsoniano. Claro que em “Matéria e Memória” Bergson criticava a justaposição de estados de consciência, ou seja: não somos causados por secreções, enzimas ou hormônios. Atualizando a biologia, estamos na discussão sobre se somos ou não sinapses e redes neurais. Além do mais, behavioristas e radicais de toda a espécie também falharam, inclusive sociólogos e economistas. Deste modo, apenas podemos consentir, cientificamente (e Chalmers nos ajude) que mensuramos aglomerados de tendências e padrões não repetitivos. A filosofia progride, sempre!

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assim e não gostei, o inferno são os outros eles me vigiam o tempo

todo, entre outras. O ideal nestas situações é fazer uma criteriosa

seleção e marcar apenas as respostas realmente mais importantes,

selecionando três campos: profissional, comportamento,

expectativas assim você constrói um perfil neutro e focado. De vinte

e tantas, responda pelo menos um quarto, o resto deixe para lá. Se

tiver que escolher entre ser compreensivo e organizado, não hesite

em optar pela segunda hipótese. Não se esqueça que estes testes

mostram também os chamados “níveis de energia”, portanto nunca

se esqueça de colocar pelo menos uma resposta do tipo sou firme,

objetivo ou entusiasta na parte pessoal, pois se não colocar podem

interpretar como uma pessoa desanimada. Nem sempre menos é

mais.

Como já dissemos, se você não é do tipo mandão ou

controlador, mas sente que é capaz de agir assim, bem como

continuar a desenvolver suas habilidades em liderar e conseguir

resultados não hesite em responder que possui esta capacidade. Se

não é o caso, se você nem se imagina liderando alguém, planejando

corte de custos ou abominaria desenvolver a capacidade necessária

para ficar mexendo o dia inteiro em arquivos, então esqueça o

assunto, pois será flagrado como contraditório pelo entrevistador.

Seja verdadeiro com seus potenciais, ao mesmo tempo em que é

verdadeiro com suas preferências, habilidades e experiências e a

vaga poderá ser sua.

4 - Você é apenas aquilo que escreve na Redação:

Outro indicador importante dos processos de seleção é a expressão

estruturada de idéias, análise e impressões sobre um tema dado.

Estas competências são geralmente avaliadas através de uma

redação, instrumento que permite verificar com bastante

profundidade as competências e nível cultural de um candidato.

Escrever, assim como falar, também é uma arte que deve ser

cultivada em toda a sua extensão, seja pelo amor ao conhecimento,

respeito às normas cultas e gramaticalmente aceitas, seja por mera

necessidade prática. Com certeza o discurso, suma condição de

possibilidade para realizar-se a comunicação dentro da sociedade,

dá-se de forma intersubjetiva, ou seja: falamos algo que alguém

possa compreender, nos dirigindo para além de nós mesmos.

Também se dá como àquilo que seja registrado em signos

identificáveis, portadores de um sentido inteligível a qualquer ente

que fale a mesma linguagem ou partilhe a mesma cultura. Ao lado

da necessidade de que nossas mensagens sejam compreensíveis,

coloca-se a obrigação de que elas possuam condições suficientes

para que isso possa acontecer. Falar um bom português é o mínimo

que se exige de um brasileiro.

Mas, embora todo o universo conspire para que as pessoas

possam se expressar de forma correta e conveniente, muitos ainda

estão longe de dominar satisfatoriamente sua língua natal. É preciso

um esforço para ilustrar-se. Tudo bem! Tudo bem! Eu sei que no

Brasil, existem 90 milhões sem ação, verdadeiro exército de

analfabetos funcionais. Isto é fruto, claro, das condições histórico-

culturais, das desigualdades econômicas, do sucateamento do

Estado e toda a parafernália retórica sobre o assunto, mas eu prefiro

crer que isto é apenas uma parte do problema. No fundo destas

questões mais complexas, se esconde um elemento mais soturno,

afinal seja quem ou quais grupos detenham o poder, este é sempre

estabelecido sobre uma linguagem que legitima a sua manutenção,

portanto, quem souber decifrar esta linguagem, está apto a partilhar

do mesmo poder ou controlar e interferir em seus mecanismos! No

mínimo, terá clareza sobre tudo o que se passa. Isto eles não

querem, de jeito nenhum. Quanto menos mãos alcançam o tacho

de marmelo, mais sobra de doce.

Deixando as teorias da conspiração de lado e voltando à

simples redação, a sua importância, seja em vestibulares ou

processos de seleção é a mesma: você é aquilo que escreve. A

totalidade de seu horizonte de eventos e possibilidades está ali,

impresso pelas suas próprias mãos. Saber o que fazer, então é

fundamental. Mas, ao contrário do que pensam - e

lamentavelmente do que fazem por aí - precisamos separar o que é

natureza da obra produzida, das reais intenções do seu autor.

Expressar-se corretamente é uma coisa, passível de análise e

mensuração, conforme dissemos acima. Interpretação de textos é

outro departamento e não leva em conta a estrutura formal daquilo

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

8988

assim e não gostei, o inferno são os outros eles me vigiam o tempo

todo, entre outras. O ideal nestas situações é fazer uma criteriosa

seleção e marcar apenas as respostas realmente mais importantes,

selecionando três campos: profissional, comportamento,

expectativas assim você constrói um perfil neutro e focado. De vinte

e tantas, responda pelo menos um quarto, o resto deixe para lá. Se

tiver que escolher entre ser compreensivo e organizado, não hesite

em optar pela segunda hipótese. Não se esqueça que estes testes

mostram também os chamados “níveis de energia”, portanto nunca

se esqueça de colocar pelo menos uma resposta do tipo sou firme,

objetivo ou entusiasta na parte pessoal, pois se não colocar podem

interpretar como uma pessoa desanimada. Nem sempre menos é

mais.

Como já dissemos, se você não é do tipo mandão ou

controlador, mas sente que é capaz de agir assim, bem como

continuar a desenvolver suas habilidades em liderar e conseguir

resultados não hesite em responder que possui esta capacidade. Se

não é o caso, se você nem se imagina liderando alguém, planejando

corte de custos ou abominaria desenvolver a capacidade necessária

para ficar mexendo o dia inteiro em arquivos, então esqueça o

assunto, pois será flagrado como contraditório pelo entrevistador.

Seja verdadeiro com seus potenciais, ao mesmo tempo em que é

verdadeiro com suas preferências, habilidades e experiências e a

vaga poderá ser sua.

4 - Você é apenas aquilo que escreve na Redação:

Outro indicador importante dos processos de seleção é a expressão

estruturada de idéias, análise e impressões sobre um tema dado.

Estas competências são geralmente avaliadas através de uma

redação, instrumento que permite verificar com bastante

profundidade as competências e nível cultural de um candidato.

Escrever, assim como falar, também é uma arte que deve ser

cultivada em toda a sua extensão, seja pelo amor ao conhecimento,

respeito às normas cultas e gramaticalmente aceitas, seja por mera

necessidade prática. Com certeza o discurso, suma condição de

possibilidade para realizar-se a comunicação dentro da sociedade,

dá-se de forma intersubjetiva, ou seja: falamos algo que alguém

possa compreender, nos dirigindo para além de nós mesmos.

Também se dá como àquilo que seja registrado em signos

identificáveis, portadores de um sentido inteligível a qualquer ente

que fale a mesma linguagem ou partilhe a mesma cultura. Ao lado

da necessidade de que nossas mensagens sejam compreensíveis,

coloca-se a obrigação de que elas possuam condições suficientes

para que isso possa acontecer. Falar um bom português é o mínimo

que se exige de um brasileiro.

Mas, embora todo o universo conspire para que as pessoas

possam se expressar de forma correta e conveniente, muitos ainda

estão longe de dominar satisfatoriamente sua língua natal. É preciso

um esforço para ilustrar-se. Tudo bem! Tudo bem! Eu sei que no

Brasil, existem 90 milhões sem ação, verdadeiro exército de

analfabetos funcionais. Isto é fruto, claro, das condições histórico-

culturais, das desigualdades econômicas, do sucateamento do

Estado e toda a parafernália retórica sobre o assunto, mas eu prefiro

crer que isto é apenas uma parte do problema. No fundo destas

questões mais complexas, se esconde um elemento mais soturno,

afinal seja quem ou quais grupos detenham o poder, este é sempre

estabelecido sobre uma linguagem que legitima a sua manutenção,

portanto, quem souber decifrar esta linguagem, está apto a partilhar

do mesmo poder ou controlar e interferir em seus mecanismos! No

mínimo, terá clareza sobre tudo o que se passa. Isto eles não

querem, de jeito nenhum. Quanto menos mãos alcançam o tacho

de marmelo, mais sobra de doce.

Deixando as teorias da conspiração de lado e voltando à

simples redação, a sua importância, seja em vestibulares ou

processos de seleção é a mesma: você é aquilo que escreve. A

totalidade de seu horizonte de eventos e possibilidades está ali,

impresso pelas suas próprias mãos. Saber o que fazer, então é

fundamental. Mas, ao contrário do que pensam - e

lamentavelmente do que fazem por aí - precisamos separar o que é

natureza da obra produzida, das reais intenções do seu autor.

Expressar-se corretamente é uma coisa, passível de análise e

mensuração, conforme dissemos acima. Interpretação de textos é

outro departamento e não leva em conta a estrutura formal daquilo

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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que se quis dizer, mas principalmente, o sentido e a lógica interna do

texto. Mesmo tendo o texto, como obra, vida própria e distinta de

quem o fez, carrega seu estilo e pertence a um gênero. Mesmo aí

existem regras que devem ser obedecidas, em função, não de um

arbítrio, mas da finalidade. Nosso interesse é exorcizar alguns tabus

sobre as redações, reconhecendo, ao mesmo tempo seu estatuto.

Primeiro item: Redação não é romance, poesia, conto ou e-mail.

Redação é prosa curta e deve conter começo, meio e fim, seguindo

um tema que pode ser livre ou não. Ao redigir, você deve usar

corretamente os sinais ortográficos, evitar construções

gramaticalmente incoerentes, rimas, ditos ou expressões 48populares. Usar sintaxes eletrônicas, tbém naum eh lgaw, muito

menos escrever aquilo que na hora vier na telha. Não é tão longa

quanto a história de sua vida ou deve versar sobre seus desejos e

opiniões, mas estritamente demonstrar sua análise sobre aquilo que

foi pedido. Em alguns processos seletivos, exige-se determinado

número de linhas e que o candidato assine ou coloque seu nome no

final. A regra corporativa mais essencial é a da obediência, desse

modo, se pedirem para você escrever vinte linhas, não passe ou

fique muito aquém deste limite.

Segundo item: Como não se trata de concurso literário, o que será

verificado pelo selecionador, além do solicitado é se alguma

experiência ou traço de personalidade aproveitável e adequado ao

perfil da vaga pode ser encontrado em sua opinião. Aí é que entra a

sabedoria daquele que, mesmo instado a escrever sobre flores na

primavera, possa relacionar o tema - de algum modo criativo - com

suas competências, visão otimista e produtiva de atuar no mundo.

Versatilidade, criatividade, originalidade e estilo também são partes

importantes da construção de um texto. Além disso, busca-se

verificar como se estrutura sua opinião, se sabe defender seus

pontos de vista, se os argumentos são razoáveis e tudo o mais. Se

você gosta ou não de flores, não é problema de quem seleciona, mas

como no caso, estamos lidando não só com a técnica e

conhecimento, mas com interpretações, sempre é bom lembrar do

velho teste de desenhar uma casinha e uma árvore. Aí você, que mal

sabe desenhar e nem tem noção das leis da perspectiva, vai lá e

rabisca uma casinha e um coqueiro, pois o seu sonho de consumo

sempre foi ter uma casa na praia e isto demonstra persistência e

vontade. Danou-se! Aquilo que à primeira vista parecia algo

virtuoso ou elogioso se transforma em pesadelo.

Interpretação: A casinha é tida como o seu eu, se for torta ou mal

ajambrada, faltando uma porta, você será considerado relapso,

inseguro, instável, irresponsável (construiu uma casa na areia). Já o

coqueiro é a pá de cal na sua ingênua pretensão à vaga, pois, dizem

os doutos, que isto significa a falta de raízes e de estrutura sólida em

suas pretensões de vida. Fuja dos estereótipos e cuidado com tudo o

que fala, escreve, pensa ou sente, pois pode ser usado contra você.

Acredite, se quiser!

Terceiro Item: Do que já foi exposto, cabe relacionar que, da mesma

forma com que trabalhamos com metáforas e conceitos na

construção de um texto, estes devem ser bem colocados para evitar

desastres. Fazer analogias ou comparações é algo que deve ser

estudado antes de se colocar no papel. Uma coisa é fazer uma

aproximação relevante com fatos e circunstâncias, transferindo as

qualidades de uma coisa para a outra, para reforçar o sentido de

compreensão ou amplitude de contexto. Outra coisa é dizer algo

sobre aquilo que não se sabe ou não domina no idioma, correndo o

risco de afirmar que alhos são iguais a bugalhos. Neste ponto evite

ao máximo as construções cheias de “estilo” ou frases de efeito:

muitas delas podem simplesmente nada significar. Acima do

vocabulário ornamental, existe o sentido, que é dado pela boa

cultura (geral e específica) e são mais importantes para tornar

compreensível quaisquer discursos que palavras rebuscadas. Textos

objetivos devem ser claros: é melhor utilizar o pouco que se sabe,

construindo um texto bem estruturado, onde se possa localizar suas

idéias com facilidade, do que pecar pelo exagero e obscuridade:

afaste o risco de parecer pedante ou incorrer em situações de non-

sense.48 Se for o caso e couber no que estiver discorrendo, use sempre aspas.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

9190

que se quis dizer, mas principalmente, o sentido e a lógica interna do

texto. Mesmo tendo o texto, como obra, vida própria e distinta de

quem o fez, carrega seu estilo e pertence a um gênero. Mesmo aí

existem regras que devem ser obedecidas, em função, não de um

arbítrio, mas da finalidade. Nosso interesse é exorcizar alguns tabus

sobre as redações, reconhecendo, ao mesmo tempo seu estatuto.

Primeiro item: Redação não é romance, poesia, conto ou e-mail.

Redação é prosa curta e deve conter começo, meio e fim, seguindo

um tema que pode ser livre ou não. Ao redigir, você deve usar

corretamente os sinais ortográficos, evitar construções

gramaticalmente incoerentes, rimas, ditos ou expressões 48populares. Usar sintaxes eletrônicas, tbém naum eh lgaw, muito

menos escrever aquilo que na hora vier na telha. Não é tão longa

quanto a história de sua vida ou deve versar sobre seus desejos e

opiniões, mas estritamente demonstrar sua análise sobre aquilo que

foi pedido. Em alguns processos seletivos, exige-se determinado

número de linhas e que o candidato assine ou coloque seu nome no

final. A regra corporativa mais essencial é a da obediência, desse

modo, se pedirem para você escrever vinte linhas, não passe ou

fique muito aquém deste limite.

Segundo item: Como não se trata de concurso literário, o que será

verificado pelo selecionador, além do solicitado é se alguma

experiência ou traço de personalidade aproveitável e adequado ao

perfil da vaga pode ser encontrado em sua opinião. Aí é que entra a

sabedoria daquele que, mesmo instado a escrever sobre flores na

primavera, possa relacionar o tema - de algum modo criativo - com

suas competências, visão otimista e produtiva de atuar no mundo.

Versatilidade, criatividade, originalidade e estilo também são partes

importantes da construção de um texto. Além disso, busca-se

verificar como se estrutura sua opinião, se sabe defender seus

pontos de vista, se os argumentos são razoáveis e tudo o mais. Se

você gosta ou não de flores, não é problema de quem seleciona, mas

como no caso, estamos lidando não só com a técnica e

conhecimento, mas com interpretações, sempre é bom lembrar do

velho teste de desenhar uma casinha e uma árvore. Aí você, que mal

sabe desenhar e nem tem noção das leis da perspectiva, vai lá e

rabisca uma casinha e um coqueiro, pois o seu sonho de consumo

sempre foi ter uma casa na praia e isto demonstra persistência e

vontade. Danou-se! Aquilo que à primeira vista parecia algo

virtuoso ou elogioso se transforma em pesadelo.

Interpretação: A casinha é tida como o seu eu, se for torta ou mal

ajambrada, faltando uma porta, você será considerado relapso,

inseguro, instável, irresponsável (construiu uma casa na areia). Já o

coqueiro é a pá de cal na sua ingênua pretensão à vaga, pois, dizem

os doutos, que isto significa a falta de raízes e de estrutura sólida em

suas pretensões de vida. Fuja dos estereótipos e cuidado com tudo o

que fala, escreve, pensa ou sente, pois pode ser usado contra você.

Acredite, se quiser!

Terceiro Item: Do que já foi exposto, cabe relacionar que, da mesma

forma com que trabalhamos com metáforas e conceitos na

construção de um texto, estes devem ser bem colocados para evitar

desastres. Fazer analogias ou comparações é algo que deve ser

estudado antes de se colocar no papel. Uma coisa é fazer uma

aproximação relevante com fatos e circunstâncias, transferindo as

qualidades de uma coisa para a outra, para reforçar o sentido de

compreensão ou amplitude de contexto. Outra coisa é dizer algo

sobre aquilo que não se sabe ou não domina no idioma, correndo o

risco de afirmar que alhos são iguais a bugalhos. Neste ponto evite

ao máximo as construções cheias de “estilo” ou frases de efeito:

muitas delas podem simplesmente nada significar. Acima do

vocabulário ornamental, existe o sentido, que é dado pela boa

cultura (geral e específica) e são mais importantes para tornar

compreensível quaisquer discursos que palavras rebuscadas. Textos

objetivos devem ser claros: é melhor utilizar o pouco que se sabe,

construindo um texto bem estruturado, onde se possa localizar suas

idéias com facilidade, do que pecar pelo exagero e obscuridade:

afaste o risco de parecer pedante ou incorrer em situações de non-

sense.48 Se for o caso e couber no que estiver discorrendo, use sempre aspas.

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Portanto, de todos os mecanismos de avaliação existentes,

a redação é o que melhor expressa a condição geral de um

candidato, uma vez que se trata da forma pela qual a pessoa emite

seus juízos sobre algo ou alguém. Assim é importante que o texto seja

construído de forma a permitir que um terceiro que o leia,

compreenda exatamente o que se quis dizer. É claro que em função

da clareza e objetividade não se deva compor frases telegráficas ou

mesmo lacônicas. O que se pretende em uma redação é que exista

“um contar de histórias”, que seja relevante, que faça sentido e,

onde os raciocínios e opiniões ali expressos possuam lógica e

justificação entre si. Faça isso!

5 - Dinâmicas: Dados Imediatos sobre o Ridículo em Grupo:

Para melhor confrontar a realidade expressa no título acima, com o

que pensam os especialistas, vamos ver inicialmente as definições

tradicionais e depois voltaremos ao que interessa:

Seja no âmbito das escolas construtivistas ou não, da educação, da

formação e do trabalho com equipes existem técnicas conhecidas

como “dinâmicas de grupo”, as quais têm como objetivo primordial

facilitar e promover inter-relações interpessoais e individuais. No

plano teórico, estas atividades contribuem para facilitar e

aperfeiçoar a ação dos grupos, em virtude do seu poder de ativação

dos impulsos e motivações individuais e de estimulação tanto da

dinâmica interna (indivíduo - grupo) como da externa (grupo -

grupos), de forma a potenciar a integração das forças existentes no

grupo e as direcionarem para as metas estabelecidas.

Alguns analistas e comentadores as classificam como:

"Qualquer situação em que você reúna pessoas para uma atividade 49conjunta, com um objetivo específico, caracteriza uma dinâmica".

A meu ver, esta descrição é tão genérica que serve até para definir as

atividades de uma diretoria, facção, quadrilha, lobby de construtora

ou grupo de políticos. Mas, segundo eles, dinâmica é a atividade que

leva o grupo a uma movimentação, a um trabalho em que se

perceba, por exemplo, como cada pessoa se comporta no coletivo,

como é a comunicação, o nível de iniciativa, a liderança, o processo

de pensamento, o nível de frustração, se aceita bem o fato de não ter

sua idéia levada em conta. Enfim, trata-se de um processo dirigido

de observação onde os selecionadores procuram descobrir e

avaliar como as pessoas do grupo se comportam em relação a cada

componente e vice-versa. O problema não é a teoria, mas como por

ser “apropriada”.

Estas atividades são subdivididas em “momentos”, onde se

procura guiar os acontecimentos. Em sua forma estrutural,

assemelha-se aos laboratórios de teatro, mas sem nenhuma função

estética ou lúdica. Nestes jogos corporativos mergulha-se no

universo dos conceitos-minuto que se pretendem suficiente em si

para ditar as regras a toda consciência, comportamento ou função.

Estes muitos e imensos edifícios feitos de leis, modos, memórias,

imagens, crenças e valores estão no centro desta paisagem onírica e

mutável. Uma atmosfera inquieta ronda o local suspeito onde será

realizada a competição, em nossos dias tão civilizada, pois não mata

ou maltrata, apenas exclui, demite e isola aquele considerado

culpado de estar distante do perfil. Neste instante, na mente de 50todos os que estão presentes na sala 101 não cala a pergunta: Será

que tem alguém aqui melhor que eu? Mas deixemos você curioso e

falaremos disso mais para frente.

As fases normais de uma dinâmica são um pouco variadas

em ordem, mas contém pelo menos algumas situações padrão, que

são: a apresentação, o entrosamento e a atividade principal. Na

primeira é usual que o candidato dirija-se ao grupo e diga quem “é”,

“quais” seus principais feitos e sua história resumida. No

aquecimento, quebra-se o gelo e procura-se fazer os candidatos

interagirem, como, por exemplo, formando equipes. A atividade

principal pode ser qualquer coisa, desde a criação de um produto, a

execução de um projeto, uma campanha de marketing ou operação

logística. Propõe-se aos candidatos que tenham criatividade, jogo

de cintura, dinamismo, clareza de idéias, conhecimento do

mercado, visão, comportamento em relação ao grupo, sintonia, e o

49 Tatiana Wernikoff, IPO - Instituto de Psicologia Organizacional in www.grandesprofissionais.com.br

50 A temida sala de tortura de 1984, George Orwell, o “inventor” do Big Brother.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

9392

Portanto, de todos os mecanismos de avaliação existentes,

a redação é o que melhor expressa a condição geral de um

candidato, uma vez que se trata da forma pela qual a pessoa emite

seus juízos sobre algo ou alguém. Assim é importante que o texto seja

construído de forma a permitir que um terceiro que o leia,

compreenda exatamente o que se quis dizer. É claro que em função

da clareza e objetividade não se deva compor frases telegráficas ou

mesmo lacônicas. O que se pretende em uma redação é que exista

“um contar de histórias”, que seja relevante, que faça sentido e,

onde os raciocínios e opiniões ali expressos possuam lógica e

justificação entre si. Faça isso!

5 - Dinâmicas: Dados Imediatos sobre o Ridículo em Grupo:

Para melhor confrontar a realidade expressa no título acima, com o

que pensam os especialistas, vamos ver inicialmente as definições

tradicionais e depois voltaremos ao que interessa:

Seja no âmbito das escolas construtivistas ou não, da educação, da

formação e do trabalho com equipes existem técnicas conhecidas

como “dinâmicas de grupo”, as quais têm como objetivo primordial

facilitar e promover inter-relações interpessoais e individuais. No

plano teórico, estas atividades contribuem para facilitar e

aperfeiçoar a ação dos grupos, em virtude do seu poder de ativação

dos impulsos e motivações individuais e de estimulação tanto da

dinâmica interna (indivíduo - grupo) como da externa (grupo -

grupos), de forma a potenciar a integração das forças existentes no

grupo e as direcionarem para as metas estabelecidas.

Alguns analistas e comentadores as classificam como:

"Qualquer situação em que você reúna pessoas para uma atividade 49conjunta, com um objetivo específico, caracteriza uma dinâmica".

A meu ver, esta descrição é tão genérica que serve até para definir as

atividades de uma diretoria, facção, quadrilha, lobby de construtora

ou grupo de políticos. Mas, segundo eles, dinâmica é a atividade que

leva o grupo a uma movimentação, a um trabalho em que se

perceba, por exemplo, como cada pessoa se comporta no coletivo,

como é a comunicação, o nível de iniciativa, a liderança, o processo

de pensamento, o nível de frustração, se aceita bem o fato de não ter

sua idéia levada em conta. Enfim, trata-se de um processo dirigido

de observação onde os selecionadores procuram descobrir e

avaliar como as pessoas do grupo se comportam em relação a cada

componente e vice-versa. O problema não é a teoria, mas como por

ser “apropriada”.

Estas atividades são subdivididas em “momentos”, onde se

procura guiar os acontecimentos. Em sua forma estrutural,

assemelha-se aos laboratórios de teatro, mas sem nenhuma função

estética ou lúdica. Nestes jogos corporativos mergulha-se no

universo dos conceitos-minuto que se pretendem suficiente em si

para ditar as regras a toda consciência, comportamento ou função.

Estes muitos e imensos edifícios feitos de leis, modos, memórias,

imagens, crenças e valores estão no centro desta paisagem onírica e

mutável. Uma atmosfera inquieta ronda o local suspeito onde será

realizada a competição, em nossos dias tão civilizada, pois não mata

ou maltrata, apenas exclui, demite e isola aquele considerado

culpado de estar distante do perfil. Neste instante, na mente de 50todos os que estão presentes na sala 101 não cala a pergunta: Será

que tem alguém aqui melhor que eu? Mas deixemos você curioso e

falaremos disso mais para frente.

As fases normais de uma dinâmica são um pouco variadas

em ordem, mas contém pelo menos algumas situações padrão, que

são: a apresentação, o entrosamento e a atividade principal. Na

primeira é usual que o candidato dirija-se ao grupo e diga quem “é”,

“quais” seus principais feitos e sua história resumida. No

aquecimento, quebra-se o gelo e procura-se fazer os candidatos

interagirem, como, por exemplo, formando equipes. A atividade

principal pode ser qualquer coisa, desde a criação de um produto, a

execução de um projeto, uma campanha de marketing ou operação

logística. Propõe-se aos candidatos que tenham criatividade, jogo

de cintura, dinamismo, clareza de idéias, conhecimento do

mercado, visão, comportamento em relação ao grupo, sintonia, e o

49 Tatiana Wernikoff, IPO - Instituto de Psicologia Organizacional in www.grandesprofissionais.com.br

50 A temida sala de tortura de 1984, George Orwell, o “inventor” do Big Brother.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

9392

principal, de que forma cada integrante contribui para isso. Outras

avaliações levam em conta as posturas corporais, capacidade de

argumentação, conhecimento do assunto proposto, estratégia e

poder de negociação, relacionamento interpessoal, facilidade de

expor idéias, maturidade e nível cultural.

O objetivo é checar capacidade de compreensão, de

síntese, liderança, habilidade analítica, aceitação do que foi exposto

pelos oponentes, poder de negociação, coesão do grupo e

maturidade.

Não bastasse este elenco de pretensões, ainda procura-se

definir as crenças, ações e opções. Para isso escora-se em axiomas

interpretativos, tais como se fossem verdadeiros veredictos: diante

de uma situação em que um barco está afundando, lança-se a

pergunta: a quem você salvaria? O mediador diz o perfil de cada um

dos ocupantes do barco e cada candidato faz sua escolha. Seria a

menina surda? O sacerdote? O criminoso armado? A grávida

doente? O executivo forte? Salvaria a si mesmo?

Esse tipo de dinâmica visa identificar os seus valores

determinantes (econômico, religioso, humano) e se você é uma

pessoa mais sonhadora, prática, organizada ou desregrada. E as

bases para isso são dadas por suas escolhas e comportamento a

respeito de quem se salva no barco afundando ou em quais objetos 51você levaria para a Lua. Como diria o Sr. Spock: Fascinante!

Agora que conhecemos a opinião corrente no universo de

Recursos Humanos, tanto em sua descrição funcional quanto em

sua colorida utopia, vamos ao que realmente querem dizer estas

afirmações e também o não afirmado - mas implícito - nas condições

dos dados imediatos da consciência no ambiente de laboratório, ou

seja: no ambiente das manifestações empíricas e mensuráveis, onde

mais uma vez, notamos (como qualquer cientista sabe) que as

condições de experimentação podem significar o sucesso ou

fracasso da experiência. Esta situação pode determinar a priori,

além dos valores de verdade, a validade das respostas obtidas.

Imagine uma cepa de bactérias a serem modificadas geneticamente

em uma empresa bioquímica e que estejam elas, acondicionadas

em um recipiente não-estéril, de qualquer forma contaminado por

algum elemento estranho.

Uma vez efetuada a experiência, a mesma será invalidada,

pois sua execução não preenche as condições ideais, necessárias e

cientificamente aceitáveis: ela, no caso, não é isenta na construção

de seus valores de verdade por um erro operacional. Uma segunda

conseqüência seria a de não poder repetir-se a mesma experiência,

sem resultados discrepantes, caso fosse esterilizado o recipiente. O

terceiro ponto é inferir que o método experimental contém uma

verdade empírica valorativa, ou seja: a razão não permite, pelo erro

de princípio, generalizar em lei os resultados obtidos, nem se

admitirá - até novos testes - que o monstro porventura criado na

experiência com bactérias seja algo fora o resultado necessário que

ocorre quando se misturam as substâncias a ou b, ou se faz isto ou

aquilo, já que se defende justamente o contrário. Onde há

inconsistência lógico-metodológica? Ela está justamente onde falha

a ciência no campo de verdades que interessam ao homem: Na

aplicação adequada, na generalização dos conceitos, na qualidade

desta aplicação, conforme existam mais ou menos condições

normais de temperatura, pressão e conhecimento.

Para melhor entender o escopo do que chamamos ciência,

vejamos uma interessante opinião sobre seus aspectos de

desenvolvimento e contínuo progresso: “A falha está em pensar que

esse progresso seja real. A ciência, no geral, chega mais perto da

verdade do mundo que outros sistemas de crença, é nós temos

testemunhado seu sucesso pragmático em aumentar o poder

humano. Mas, do ponto de vista ético, o conhecimento é neutro,

desprovido de valor - pode tanto nos levar a realizações

maravilhosas quanto atender a propósitos terríveis... A ciência não é 52essencial para a felicidade”.

Trocando em miúdos, isto quer dizer que um produto da

ciência, não pode ser também imparcial, seja artefato, tese ou

técnica, já que a forma de uso imputa ao mesmo uma direção, um

valor moral ou a ausência deste. Mas, isso significa que também não 51 Fico imaginando quanta metodologia é necessária para criar um teste destes para o “mercado” e o que seria mensurado objetivamente no curso dos acontecimentos (e não me venham com esta de “campo do fluir”...). 52 John Gray in Veja de 23/11/2005.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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principal, de que forma cada integrante contribui para isso. Outras

avaliações levam em conta as posturas corporais, capacidade de

argumentação, conhecimento do assunto proposto, estratégia e

poder de negociação, relacionamento interpessoal, facilidade de

expor idéias, maturidade e nível cultural.

O objetivo é checar capacidade de compreensão, de

síntese, liderança, habilidade analítica, aceitação do que foi exposto

pelos oponentes, poder de negociação, coesão do grupo e

maturidade.

Não bastasse este elenco de pretensões, ainda procura-se

definir as crenças, ações e opções. Para isso escora-se em axiomas

interpretativos, tais como se fossem verdadeiros veredictos: diante

de uma situação em que um barco está afundando, lança-se a

pergunta: a quem você salvaria? O mediador diz o perfil de cada um

dos ocupantes do barco e cada candidato faz sua escolha. Seria a

menina surda? O sacerdote? O criminoso armado? A grávida

doente? O executivo forte? Salvaria a si mesmo?

Esse tipo de dinâmica visa identificar os seus valores

determinantes (econômico, religioso, humano) e se você é uma

pessoa mais sonhadora, prática, organizada ou desregrada. E as

bases para isso são dadas por suas escolhas e comportamento a

respeito de quem se salva no barco afundando ou em quais objetos 51você levaria para a Lua. Como diria o Sr. Spock: Fascinante!

Agora que conhecemos a opinião corrente no universo de

Recursos Humanos, tanto em sua descrição funcional quanto em

sua colorida utopia, vamos ao que realmente querem dizer estas

afirmações e também o não afirmado - mas implícito - nas condições

dos dados imediatos da consciência no ambiente de laboratório, ou

seja: no ambiente das manifestações empíricas e mensuráveis, onde

mais uma vez, notamos (como qualquer cientista sabe) que as

condições de experimentação podem significar o sucesso ou

fracasso da experiência. Esta situação pode determinar a priori,

além dos valores de verdade, a validade das respostas obtidas.

Imagine uma cepa de bactérias a serem modificadas geneticamente

em uma empresa bioquímica e que estejam elas, acondicionadas

em um recipiente não-estéril, de qualquer forma contaminado por

algum elemento estranho.

Uma vez efetuada a experiência, a mesma será invalidada,

pois sua execução não preenche as condições ideais, necessárias e

cientificamente aceitáveis: ela, no caso, não é isenta na construção

de seus valores de verdade por um erro operacional. Uma segunda

conseqüência seria a de não poder repetir-se a mesma experiência,

sem resultados discrepantes, caso fosse esterilizado o recipiente. O

terceiro ponto é inferir que o método experimental contém uma

verdade empírica valorativa, ou seja: a razão não permite, pelo erro

de princípio, generalizar em lei os resultados obtidos, nem se

admitirá - até novos testes - que o monstro porventura criado na

experiência com bactérias seja algo fora o resultado necessário que

ocorre quando se misturam as substâncias a ou b, ou se faz isto ou

aquilo, já que se defende justamente o contrário. Onde há

inconsistência lógico-metodológica? Ela está justamente onde falha

a ciência no campo de verdades que interessam ao homem: Na

aplicação adequada, na generalização dos conceitos, na qualidade

desta aplicação, conforme existam mais ou menos condições

normais de temperatura, pressão e conhecimento.

Para melhor entender o escopo do que chamamos ciência,

vejamos uma interessante opinião sobre seus aspectos de

desenvolvimento e contínuo progresso: “A falha está em pensar que

esse progresso seja real. A ciência, no geral, chega mais perto da

verdade do mundo que outros sistemas de crença, é nós temos

testemunhado seu sucesso pragmático em aumentar o poder

humano. Mas, do ponto de vista ético, o conhecimento é neutro,

desprovido de valor - pode tanto nos levar a realizações

maravilhosas quanto atender a propósitos terríveis... A ciência não é 52essencial para a felicidade”.

Trocando em miúdos, isto quer dizer que um produto da

ciência, não pode ser também imparcial, seja artefato, tese ou

técnica, já que a forma de uso imputa ao mesmo uma direção, um

valor moral ou a ausência deste. Mas, isso significa que também não 51 Fico imaginando quanta metodologia é necessária para criar um teste destes para o “mercado” e o que seria mensurado objetivamente no curso dos acontecimentos (e não me venham com esta de “campo do fluir”...). 52 John Gray in Veja de 23/11/2005.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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será o conhecimento tão neutro eticamente já que ninguém produz

sem visar a algum fim determinado. Se eu desenvolvo uma nova

arma laser, não posso dizer que não sabia para que fins ela se

destina: ataque ou defesa, mas sempre de forma a derrubar o

oponente. Portanto, não posso afirmar que se eu guardar a arma e

não for nunca utilizá-la, não fará mal a quem quer que seja, isto não

importa, o que importa é que existe uma finalidade determinada ou

o objeto perde o propósito de existência: para quê construir algo se

não sei de antemão para que servirá?

Sendo a instância ética a da ação, ela se desenrola não

somente quando eu desejo agir desta ou daquela maneira, mas

também em porque produzo os instrumentos que me permitirão a

ação e, assim, o produto é parte integrante do agir, seja pela

apropriação do que está à minha volta, seja pela construção

tecnológica visando a efetivação da intenção, que se dá nas

escolhas e nos atos.

Levado este raciocínio para as ciências humanas, veremos

que não é somente em laboratórios de pesquisa que existem

contaminações que estragam uma experiência. Uma dinâmica de

grupo é uma dessas situações onde deveria existir uma boa assepsia,

ao lado de respeito e reconhecimento aos valores humanos, que

não se resumam a competências e habilidades profissionais. No

entanto, é um daqueles espaços teóricos mais poluídos pelos

vapores tóxicos dos pré-conceitos, práticas insensatas e das

tecnologias castradoras do comportamento. Uma “lúdica” e

“participativa” dinâmica é, no mais das vezes invasiva, alienígena,

incômoda: fonte de violência e desespero. Poucos sabem desenhá-

las e menos são os que estão aptos à sua aplicação e

desenvolvimento.

A realidade para o candidato é sempre muito, muito

diferente das definições edulcoradas. Ainda lembro bem de uma

experiência pela qual passei, já no meio ano do trajeto ao sonhado

emprego:

- Eu estava sentado ali há pelo menos meia hora, pensava comigo

mesmo. Revia na mente todo o trajeto desde o metrô, até chegar à sala

onde se apertavam umas doze pessoas. Lugar quente, apesar do ar-

condicionado na parede, que ninguém se atrevia a ligar. Aliás, depois

do cumprimento que fiz - e alguns responderam - ao entrar lá, as

pessoas evitavam olhar diretamente uma para as outras. Isto era

particularmente complicado, pois éramos muitos, uns de frente aos

outros. Eu sentia o paletó começar a encharcar de suor. Ambiente

pesado e quieto onde o tempo demorava a passar.

- Será que dá para ligar o ar? Perguntei a alguém. Vocês não estão com

calor?

Não houve comentário, exceto um fulano que resmungou baixinho:

- Pô! Tá muito calor, será que está funcionando?

- É só ligar ali na tomada, emendei.

- Ai! Acho melhor não, respondeu temeroso o da frente. Vamos esperar

alguém chegar.

- Se quiser ligar, você é quem sabe. Eu vou esperar, ameaçou a moça ao

meu lado.

- Acho que não tem problema, insisti sem obter resposta.

Então eu notei uma saraivada de olhares, expressões e mentes que

se fixaram em mim como ostras grudadas num recife. Eles estavam

como que esperando um movimento para projetarem-se e me

dissecarem. Naquele vero instante, me senti analisado nos mais

ínfimos detalhes, alvo das mais absurdas considerações. Meio

ressabiado com a reação, me acomodei à cadeira e disfarcei

fingindo mexer no celular. O calor continuava. Ficamos ali,

esgrimindo olhares, que ao inadvertidamente se tocarem,

desviavam-se. Hostilidade, angústia. De repente entra uma

selecionadora e pergunta:

- Nossa! Vocês não estão com calor aqui? Porque não ligaram o ar?

Ao que muitos imediatamente responderam:

- Deixa comigo, disse um, eu já ia ligar mesmo.

- Já devia ter ligado antes, disse outro mais distante, aqui tá muito

abafado.

- Melhor abrir a janela, para não ficar muito frio, disse a outra já se

levantando.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

9796

será o conhecimento tão neutro eticamente já que ninguém produz

sem visar a algum fim determinado. Se eu desenvolvo uma nova

arma laser, não posso dizer que não sabia para que fins ela se

destina: ataque ou defesa, mas sempre de forma a derrubar o

oponente. Portanto, não posso afirmar que se eu guardar a arma e

não for nunca utilizá-la, não fará mal a quem quer que seja, isto não

importa, o que importa é que existe uma finalidade determinada ou

o objeto perde o propósito de existência: para quê construir algo se

não sei de antemão para que servirá?

Sendo a instância ética a da ação, ela se desenrola não

somente quando eu desejo agir desta ou daquela maneira, mas

também em porque produzo os instrumentos que me permitirão a

ação e, assim, o produto é parte integrante do agir, seja pela

apropriação do que está à minha volta, seja pela construção

tecnológica visando a efetivação da intenção, que se dá nas

escolhas e nos atos.

Levado este raciocínio para as ciências humanas, veremos

que não é somente em laboratórios de pesquisa que existem

contaminações que estragam uma experiência. Uma dinâmica de

grupo é uma dessas situações onde deveria existir uma boa assepsia,

ao lado de respeito e reconhecimento aos valores humanos, que

não se resumam a competências e habilidades profissionais. No

entanto, é um daqueles espaços teóricos mais poluídos pelos

vapores tóxicos dos pré-conceitos, práticas insensatas e das

tecnologias castradoras do comportamento. Uma “lúdica” e

“participativa” dinâmica é, no mais das vezes invasiva, alienígena,

incômoda: fonte de violência e desespero. Poucos sabem desenhá-

las e menos são os que estão aptos à sua aplicação e

desenvolvimento.

A realidade para o candidato é sempre muito, muito

diferente das definições edulcoradas. Ainda lembro bem de uma

experiência pela qual passei, já no meio ano do trajeto ao sonhado

emprego:

- Eu estava sentado ali há pelo menos meia hora, pensava comigo

mesmo. Revia na mente todo o trajeto desde o metrô, até chegar à sala

onde se apertavam umas doze pessoas. Lugar quente, apesar do ar-

condicionado na parede, que ninguém se atrevia a ligar. Aliás, depois

do cumprimento que fiz - e alguns responderam - ao entrar lá, as

pessoas evitavam olhar diretamente uma para as outras. Isto era

particularmente complicado, pois éramos muitos, uns de frente aos

outros. Eu sentia o paletó começar a encharcar de suor. Ambiente

pesado e quieto onde o tempo demorava a passar.

- Será que dá para ligar o ar? Perguntei a alguém. Vocês não estão com

calor?

Não houve comentário, exceto um fulano que resmungou baixinho:

- Pô! Tá muito calor, será que está funcionando?

- É só ligar ali na tomada, emendei.

- Ai! Acho melhor não, respondeu temeroso o da frente. Vamos esperar

alguém chegar.

- Se quiser ligar, você é quem sabe. Eu vou esperar, ameaçou a moça ao

meu lado.

- Acho que não tem problema, insisti sem obter resposta.

Então eu notei uma saraivada de olhares, expressões e mentes que

se fixaram em mim como ostras grudadas num recife. Eles estavam

como que esperando um movimento para projetarem-se e me

dissecarem. Naquele vero instante, me senti analisado nos mais

ínfimos detalhes, alvo das mais absurdas considerações. Meio

ressabiado com a reação, me acomodei à cadeira e disfarcei

fingindo mexer no celular. O calor continuava. Ficamos ali,

esgrimindo olhares, que ao inadvertidamente se tocarem,

desviavam-se. Hostilidade, angústia. De repente entra uma

selecionadora e pergunta:

- Nossa! Vocês não estão com calor aqui? Porque não ligaram o ar?

Ao que muitos imediatamente responderam:

- Deixa comigo, disse um, eu já ia ligar mesmo.

- Já devia ter ligado antes, disse outro mais distante, aqui tá muito

abafado.

- Melhor abrir a janela, para não ficar muito frio, disse a outra já se

levantando.

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- Regula ali a temperatura no botão de cima.

- Ai que bom! Agora vai refrescar!

- Não liguei porque não estava com calor. Se alguém tivesse pedido eu

faria.

Enfim, o silêncio sepucral de antes estava perdido para sempre.

Cada um, como que acionado por molas queria se prestar a fazer o

que antes lhes incomodava, agora com um enorme sorriso no rosto.

Bastou uma interferência de alguém “neutro”, fora do grupo e a

modificação fora completa. O que havia antes naquela sala que

parecia ter poder para gerar tal tensão cumulativa por coisa de

somenos? Nada mais que pessoas, seus sentimentos, pensamentos e

opiniões formadas sobre como se comportar frente a

desconhecidos. Junte-se a isso um ambiente fisicamente

desconfortável, lotado de competidores e temos a explicação. É

sobre este aspecto que vamos falar, dando a devida importância ao

contexto psicobiosocial e não somente ao psicológico, pois há muito

mais nos seres humanos que a somatória de suas habilidades ou

competências profissionais.53Estar na condição de desempregado significa

experienciar situações de violenta tensão e exclusão, as quais têm

um impacto relevante sobre toda a estrutura do ser e sua relação

com a realidade. Envolve desde o sistema pessoal de crenças do

indivíduo, até suas relações valorativas consigo próprio, com a

sociedade, a economia e os círculos familiares. Para facilitar a

divisão, diremos que no mínimo temos que lidar com três instâncias

naturais e, pelo menos, duas esferas transcendentes aos processos

da matéria. O que nos é naturalmente dado são os seis sentidos

corporais, uma civilização que é regida pelo tempo, espaço,

história, cultura e um lugar no ecossistema planetário com direito a

todos os instintos. Internamente possuímos o sentimento, a

memória, a intuição, a consciência e, mesmo que alguns discordem,

até uma alma.

Dito isto, vejamos o que realmente acontece, a despeito

das conclusões que abriram este capítulo:

Estar sob pressão, constante, de todos estes mecanismos e

inter-relações em todos os níveis é ter uma carga dramática de

significados, escolhas, ações e decisões que se tem que tomar

pesando sobre o ombro a cada passo dado. Errar significa, ao senso

comum mais que a desonra, significa a continuidade da privação e

toda sua coorte de problemas.

Desconhecer ou desprezar as complexas relações entre

todas as instâncias que compõe o homem, em função de um perfil é

reduzi-lo a uma insignificância. Suas emoções, atitudes,

pensamentos e comportamentos não somente são frutos da escolha

pessoal, mas deste atrito e sinergia entre todos os fatores envolvidos.

No mecanismo acima descrito ainda se insere a etiqueta social

determinando um protocolo de atitudes, os perfis profissionais

exigindo competências, os jornais e revistas estampando

procedimentos, especialistas inventando necessidades, o mercado

exigindo retorno, as empresas clamando por excelência.

Tudo o que se relaciona com estas demandas, mormente

vai de encontro com a singela pretensão do candidato, que é a

oportunidade de trabalho. Este esmagamento coloca o candidato

em posição de animal acuado, pois só pode se defender com a

crença no valor de sua força produtiva. Que, embora diminuída em

seu valor, é ainda e sempre a principal pedra angular do edifício

corporativo, fonte de toda motivação, invenção e progresso.

Dificilmente as tabelas de desempenho podem configurar com

exatidão o que é ou não a realidade de quem se submete à peneira,

pois ignora as necessidades de quem lhe bate às portas e julga

desespero, o que pode ser simplesmente o apelo por uma chance.

No mais das vezes a análise é superficial, crítica ou atende a

interesses inconfessáveis.

Para o candidato, trata-se de expor-se de forma ridícula,

invasiva e coercitiva, onde, conforme o caso pode passar por

situações como: ficar agachado no chão de paletó e gravata,

montando torres com jornal e dois clipes, fazer uma regressão em

busca da criança interior, pegar e construir algo com os objetos que

encontra espalhados pela sala, desenhar um projeto e expressá-lo

por mímica, buscar convencer sobre determinado assunto pessoas

instruídas a reagir de forma contrária para que surja a polêmica; 53 Se quiserem podem usar eufemismos, como: Phd, disponível, em busca de colocação, retornando ao mercado, etc.

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- Regula ali a temperatura no botão de cima.

- Ai que bom! Agora vai refrescar!

- Não liguei porque não estava com calor. Se alguém tivesse pedido eu

faria.

Enfim, o silêncio sepucral de antes estava perdido para sempre.

Cada um, como que acionado por molas queria se prestar a fazer o

que antes lhes incomodava, agora com um enorme sorriso no rosto.

Bastou uma interferência de alguém “neutro”, fora do grupo e a

modificação fora completa. O que havia antes naquela sala que

parecia ter poder para gerar tal tensão cumulativa por coisa de

somenos? Nada mais que pessoas, seus sentimentos, pensamentos e

opiniões formadas sobre como se comportar frente a

desconhecidos. Junte-se a isso um ambiente fisicamente

desconfortável, lotado de competidores e temos a explicação. É

sobre este aspecto que vamos falar, dando a devida importância ao

contexto psicobiosocial e não somente ao psicológico, pois há muito

mais nos seres humanos que a somatória de suas habilidades ou

competências profissionais.53Estar na condição de desempregado significa

experienciar situações de violenta tensão e exclusão, as quais têm

um impacto relevante sobre toda a estrutura do ser e sua relação

com a realidade. Envolve desde o sistema pessoal de crenças do

indivíduo, até suas relações valorativas consigo próprio, com a

sociedade, a economia e os círculos familiares. Para facilitar a

divisão, diremos que no mínimo temos que lidar com três instâncias

naturais e, pelo menos, duas esferas transcendentes aos processos

da matéria. O que nos é naturalmente dado são os seis sentidos

corporais, uma civilização que é regida pelo tempo, espaço,

história, cultura e um lugar no ecossistema planetário com direito a

todos os instintos. Internamente possuímos o sentimento, a

memória, a intuição, a consciência e, mesmo que alguns discordem,

até uma alma.

Dito isto, vejamos o que realmente acontece, a despeito

das conclusões que abriram este capítulo:

Estar sob pressão, constante, de todos estes mecanismos e

inter-relações em todos os níveis é ter uma carga dramática de

significados, escolhas, ações e decisões que se tem que tomar

pesando sobre o ombro a cada passo dado. Errar significa, ao senso

comum mais que a desonra, significa a continuidade da privação e

toda sua coorte de problemas.

Desconhecer ou desprezar as complexas relações entre

todas as instâncias que compõe o homem, em função de um perfil é

reduzi-lo a uma insignificância. Suas emoções, atitudes,

pensamentos e comportamentos não somente são frutos da escolha

pessoal, mas deste atrito e sinergia entre todos os fatores envolvidos.

No mecanismo acima descrito ainda se insere a etiqueta social

determinando um protocolo de atitudes, os perfis profissionais

exigindo competências, os jornais e revistas estampando

procedimentos, especialistas inventando necessidades, o mercado

exigindo retorno, as empresas clamando por excelência.

Tudo o que se relaciona com estas demandas, mormente

vai de encontro com a singela pretensão do candidato, que é a

oportunidade de trabalho. Este esmagamento coloca o candidato

em posição de animal acuado, pois só pode se defender com a

crença no valor de sua força produtiva. Que, embora diminuída em

seu valor, é ainda e sempre a principal pedra angular do edifício

corporativo, fonte de toda motivação, invenção e progresso.

Dificilmente as tabelas de desempenho podem configurar com

exatidão o que é ou não a realidade de quem se submete à peneira,

pois ignora as necessidades de quem lhe bate às portas e julga

desespero, o que pode ser simplesmente o apelo por uma chance.

No mais das vezes a análise é superficial, crítica ou atende a

interesses inconfessáveis.

Para o candidato, trata-se de expor-se de forma ridícula,

invasiva e coercitiva, onde, conforme o caso pode passar por

situações como: ficar agachado no chão de paletó e gravata,

montando torres com jornal e dois clipes, fazer uma regressão em

busca da criança interior, pegar e construir algo com os objetos que

encontra espalhados pela sala, desenhar um projeto e expressá-lo

por mímica, buscar convencer sobre determinado assunto pessoas

instruídas a reagir de forma contrária para que surja a polêmica; 53 Se quiserem podem usar eufemismos, como: Phd, disponível, em busca de colocação, retornando ao mercado, etc.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

9998

disputar com o grupo, encenar uma situação onde fala sobre suas

fraquezas e forças, fazer passa anel e ter que descobrir a regra para

completar a frase ou perde a vez; defender as respostas dadas ao

grupo sobre perguntas contraditórias; fazer escolhas em situações

limite com alternativas sem nexo, mediar uma discussão acalorada,

recortar figuras de revistas e explicar seu significado; cantar e dançar

as canções propostas ao grupo, bater palmas e inventar slogans,

escolher alguém para ser eliminado, justificar as razões de seu

desemprego, dizer seus defeitos ao grupo e muito mais. A dimensão

burlesca está no objetivo final, dado pela lógica do só restará um!

Tudo isso então, que seria apenas dimensão lúdica para os

especialistas, se torna uma plataforma de lançamento de mísseis,

pela tensão e objetivos, que não são os do livre jogo - da diversão no

tempo da festa -, mas de combate onde ferimos e somos feridos em

decorrência das ações em campo. Das sensações de agrado e

desagrado que nos cercam, de acordo com nossa percepção dos

fatos e valores envolvidos. Do sentir ou não a fortuna indo embora

em meio às exigências que nos gritam sua urgência implacável. Não

é uma terapia ou terapêutica que promova a purgação de nossas

dores e recalques através de uma catarse, porque não se está

fazendo outra coisa senão disputar uma vaga.

Esta face oculta invalida quaisquer argumentos que

preguem as vantagens das vivências dinâmicas, pois o que está

ocorrendo é uma avaliação. Este desconforto conceitual é inegável

aos participantes que não buscam a catarse ou a metáfora criativa,

mas competem entre os perfeitos estranhos ali presentes.

Apropriaram-se mal de Vigotsky, Freire e outros defensores da práxis

intervencionista.

Senão vejamos: Como é que realmente se apresentam e se

comportam os candidatos admitidos nos jogos corporativos, que

são a coqueluche moderna dos estereótipos funcionais? Como já

citamos teoricamente este instrumento deveria fazer ressaltar a

atuação e o relacionamento entre grupos e indivíduos, de modo a

destacar as qualidades, mediado por um facilitador. Mas o que

ocorre é uma guerra de todos contra todos, onde o que fica

realmente claro são as necessidades pessoais se sobrepujando umas

às outras, em detrimento de quaisquer benesses humanitárias ou

espírito de equipe. Por quê? Por que quem está na condição de

candidato não possui nenhum espírito olímpico, apenas deseja

vencer o processo de seleção. Isto contraria a tese dos

selecionadores que buscam o perfil ideal, já que ninguém se

interessa por “contribuir”, “participar”, “interagir”, “compreender

as necessidades da empresa” ou “aceitar colaborar com os mais

aptos”, mas tão somente em fazer sobressair suas habilidades, nem

que seja à custa de seus instintos mais primitivos.

Não é uma meritocracia, uma “mediação proximal”, mas

um combate feroz onde não se fazem prisioneiros, seja entre os

competidores, seja entre os analistas e candidatos.

Cansei de ver situações como esta, mas uma me pareceu

singular e por isso, merece ser contada na íntegra:

- Eu estava ali há algum tempo. Como sempre, a observar desde como

estavam vestidos os outros candidatos, sua possível idade, tanto como

se portavam na sala de espera. O relógio escoava lento, arrastando-se a

cada segundo, enquanto aguardávamos a chegada do diretor, que

junto com outra pessoa, iniciaria a atividade. Tentava me concentrar na

folha de papel sobre a carteira, relendo as respostas que eu dera ao

questionário. Os outros ainda escreviam me dando espaço para

vaguear os pensamentos entre minhas esperanças e frustrações.

- A sala era grande e fria, pensei. O anúncio pedia candidatos para a

área comercial de uma importadora de produtos médico-cirúrgicos,

que tencionava posicionar-se mais fortemente no mercado onde

atuava. O salário era baixo, precisava também usar o próprio carro, ter

celular e computador, mas disseram que haveria bonificações e

benefícios. Eu sabia que na verdade não estaria sendo empregado, mas

fazendo um investimento em parceria com a empresa. Mas minha

situação estava apertada, o dinheiro que recebi na rescisão já tinha ido

embora, precisava arriscar uma atividade, mesmo que significasse um

passo atrás naquilo que chamamos de carreira. Então, me restava

esperar. Até que chegaram.

- Boa tarde, o Sr.Shuami, o Lustrécio, o Cramílson, o Óriston e eu vamos

todos acompanhar este exercício, fazendo observações, anotações e

perguntas. Por favor, levem as cadeiras e coloquem encostadas à

parede, de frente para nós. Cada um de vocês tem cinco minutos para

se apresentar, depois vamos iniciar a atividade. Entenderam?

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

101100

disputar com o grupo, encenar uma situação onde fala sobre suas

fraquezas e forças, fazer passa anel e ter que descobrir a regra para

completar a frase ou perde a vez; defender as respostas dadas ao

grupo sobre perguntas contraditórias; fazer escolhas em situações

limite com alternativas sem nexo, mediar uma discussão acalorada,

recortar figuras de revistas e explicar seu significado; cantar e dançar

as canções propostas ao grupo, bater palmas e inventar slogans,

escolher alguém para ser eliminado, justificar as razões de seu

desemprego, dizer seus defeitos ao grupo e muito mais. A dimensão

burlesca está no objetivo final, dado pela lógica do só restará um!

Tudo isso então, que seria apenas dimensão lúdica para os

especialistas, se torna uma plataforma de lançamento de mísseis,

pela tensão e objetivos, que não são os do livre jogo - da diversão no

tempo da festa -, mas de combate onde ferimos e somos feridos em

decorrência das ações em campo. Das sensações de agrado e

desagrado que nos cercam, de acordo com nossa percepção dos

fatos e valores envolvidos. Do sentir ou não a fortuna indo embora

em meio às exigências que nos gritam sua urgência implacável. Não

é uma terapia ou terapêutica que promova a purgação de nossas

dores e recalques através de uma catarse, porque não se está

fazendo outra coisa senão disputar uma vaga.

Esta face oculta invalida quaisquer argumentos que

preguem as vantagens das vivências dinâmicas, pois o que está

ocorrendo é uma avaliação. Este desconforto conceitual é inegável

aos participantes que não buscam a catarse ou a metáfora criativa,

mas competem entre os perfeitos estranhos ali presentes.

Apropriaram-se mal de Vigotsky, Freire e outros defensores da práxis

intervencionista.

Senão vejamos: Como é que realmente se apresentam e se

comportam os candidatos admitidos nos jogos corporativos, que

são a coqueluche moderna dos estereótipos funcionais? Como já

citamos teoricamente este instrumento deveria fazer ressaltar a

atuação e o relacionamento entre grupos e indivíduos, de modo a

destacar as qualidades, mediado por um facilitador. Mas o que

ocorre é uma guerra de todos contra todos, onde o que fica

realmente claro são as necessidades pessoais se sobrepujando umas

às outras, em detrimento de quaisquer benesses humanitárias ou

espírito de equipe. Por quê? Por que quem está na condição de

candidato não possui nenhum espírito olímpico, apenas deseja

vencer o processo de seleção. Isto contraria a tese dos

selecionadores que buscam o perfil ideal, já que ninguém se

interessa por “contribuir”, “participar”, “interagir”, “compreender

as necessidades da empresa” ou “aceitar colaborar com os mais

aptos”, mas tão somente em fazer sobressair suas habilidades, nem

que seja à custa de seus instintos mais primitivos.

Não é uma meritocracia, uma “mediação proximal”, mas

um combate feroz onde não se fazem prisioneiros, seja entre os

competidores, seja entre os analistas e candidatos.

Cansei de ver situações como esta, mas uma me pareceu

singular e por isso, merece ser contada na íntegra:

- Eu estava ali há algum tempo. Como sempre, a observar desde como

estavam vestidos os outros candidatos, sua possível idade, tanto como

se portavam na sala de espera. O relógio escoava lento, arrastando-se a

cada segundo, enquanto aguardávamos a chegada do diretor, que

junto com outra pessoa, iniciaria a atividade. Tentava me concentrar na

folha de papel sobre a carteira, relendo as respostas que eu dera ao

questionário. Os outros ainda escreviam me dando espaço para

vaguear os pensamentos entre minhas esperanças e frustrações.

- A sala era grande e fria, pensei. O anúncio pedia candidatos para a

área comercial de uma importadora de produtos médico-cirúrgicos,

que tencionava posicionar-se mais fortemente no mercado onde

atuava. O salário era baixo, precisava também usar o próprio carro, ter

celular e computador, mas disseram que haveria bonificações e

benefícios. Eu sabia que na verdade não estaria sendo empregado, mas

fazendo um investimento em parceria com a empresa. Mas minha

situação estava apertada, o dinheiro que recebi na rescisão já tinha ido

embora, precisava arriscar uma atividade, mesmo que significasse um

passo atrás naquilo que chamamos de carreira. Então, me restava

esperar. Até que chegaram.

- Boa tarde, o Sr.Shuami, o Lustrécio, o Cramílson, o Óriston e eu vamos

todos acompanhar este exercício, fazendo observações, anotações e

perguntas. Por favor, levem as cadeiras e coloquem encostadas à

parede, de frente para nós. Cada um de vocês tem cinco minutos para

se apresentar, depois vamos iniciar a atividade. Entenderam?

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

101100

Colocamos as pesadas cadeiras sobre um palco, e ficamos

frente ao tribunal, com a selecionadora sentada mais ao fundo. A

iluminação forte dificultava enxergar direito as expressões dos

analistas. Como ninguém queria começar a falar, indicaram um

nome, fazendo-o se levantar e pediram informações sobre seu perfil,

as atividades, as expectativas. Ele foi questionado por não dizer sua

idade e o bairro onde morava. O segundo levantou e com base no

que o primeiro já tinha dito, reforçou seu endereço e falou sobre sua

vida, sendo questionado sobre alguns produtos da empresa. A

seguinte iniciou com seus dados completos, sua vida, falou sobre

alguns produtos e lhe perguntaram algo sobre descontos. A próxima

se apresentou, falou de si, de seus dados, de produtos da empresa e

descontos e tributação, sendo-lhe perguntado como agiria numa

negociação.

Todos iam assim, completando as respostas com mais

dados e perguntas, o que fazia com que demorassem cada vez mais,

ultrapassando em muito o limite estabelecido de tempo. Isto é

bastante comum nas dinâmicas: os outros observam as todas as

falhas e argumentos. Ao chegar sua vez tentam parecer melhores

que os anteriores, explorando novas possibilidades e se o facilitador

não é atento, tomam o espaço e tempo dos outros de forma injusta.

Por isso, não é bom nem ser o primeiro nem o último, já que um terá

que iniciar o jogo e tenderá a ser abrangente e o outro quase não

terá o que falar de forma original, que não tenha sido abordado

antes, além do problema do tempo. Dinâmicas e apresentações são

aborrecidas para quem avalia, de modo que em algum ponto do

percurso saturam os que são ou não são habituados a estes

processos que procuram encurtá-lo.

Este foi o meu caso, eu estava colocado na última cadeira e

tive que esperar todos se manifestarem. Ao chegar a minha vez a

apresentação já durava pelo menos uma hora, sendo que ao me

levantar e começar a falar resolvi ser brilhante e assertivo: disse que

iria ser conciso, por amor à brevidade. Nem bem disse as primeiras

palavras e fui - como os outros - interrompido:

- Vamos acelerar mais o andamento, diga o que quero saber: você tem

experiência comercial?

- Sim, como está em meu currículo, eu tenho bastante experiência,

respondi espantado.

- Eu quero que você explique o que é esta sua experiência, retrucou o

primeiro.

Então discorri sobre minhas atividades com desembaraço,

elencando fatos e situações, não deixando a peteca cair. Os outros

candidatos olhavam meio intimidados com minha performance,

mas pela cara do analista, ele não estava satisfeito. A coisa estava

tensa demais, com os outros entrevistadores também fazendo

perguntas, mas sempre como pessoas compreensivas, afáveis, o

perguntador carrancudo era o diretor. Pelos meus cálculos já

durava umas duas horas, eles queriam ser rápidos, mas, a todo o

momento interrompiam, gerando mais esclarecimentos, até que

finalmente pediram para elaborar uma exposição final sobre

técnicas de venda, que convencesse o diretor:

- Quero que me digam uma coisa: por que eu contrataria vocês? Por

que seriam úteis para a empresa? Por que motivo eu deveria comprar

estes produtos?

Os candidatos se revezavam na tentativa de se “vender” como

melhor opção, e eu ali pensando que para o custo que teria para

trabalhar, as exigências estavam sendo demasiadas. Não ia ser uma

posição de assalariado confortável em seu departamento, mas algo

que dependeria em grande parte de intenso esforço e motivação,

pois teria que sair a campo e garantir mercado. Achava que esta

parceria só pendia para um lado, mas enfim! Resolvi utilizar uma

solução que sempre dera certo comigo quando em situações tensas,

que é sorrir e aliviar o clima, apontando soluções utilizando uma

linguagem coloquial com um toque de humor.

- Você disse que é persistente, falou o diretor, e se o cliente não quiser

lhe atender e eu exija que ele seja incorporado à nossa carteira. O que

você faz? A secretária tem ordens para não lhe atender de jeito

nenhum!

- No contato com clientes e na prospecção é importante além da

determinação, criatividade. Eu tentaria de todas as formas: cartas,

folders, telefonemas, e-mails, sinais de fumaça, pombo correio,

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

103102

Colocamos as pesadas cadeiras sobre um palco, e ficamos

frente ao tribunal, com a selecionadora sentada mais ao fundo. A

iluminação forte dificultava enxergar direito as expressões dos

analistas. Como ninguém queria começar a falar, indicaram um

nome, fazendo-o se levantar e pediram informações sobre seu perfil,

as atividades, as expectativas. Ele foi questionado por não dizer sua

idade e o bairro onde morava. O segundo levantou e com base no

que o primeiro já tinha dito, reforçou seu endereço e falou sobre sua

vida, sendo questionado sobre alguns produtos da empresa. A

seguinte iniciou com seus dados completos, sua vida, falou sobre

alguns produtos e lhe perguntaram algo sobre descontos. A próxima

se apresentou, falou de si, de seus dados, de produtos da empresa e

descontos e tributação, sendo-lhe perguntado como agiria numa

negociação.

Todos iam assim, completando as respostas com mais

dados e perguntas, o que fazia com que demorassem cada vez mais,

ultrapassando em muito o limite estabelecido de tempo. Isto é

bastante comum nas dinâmicas: os outros observam as todas as

falhas e argumentos. Ao chegar sua vez tentam parecer melhores

que os anteriores, explorando novas possibilidades e se o facilitador

não é atento, tomam o espaço e tempo dos outros de forma injusta.

Por isso, não é bom nem ser o primeiro nem o último, já que um terá

que iniciar o jogo e tenderá a ser abrangente e o outro quase não

terá o que falar de forma original, que não tenha sido abordado

antes, além do problema do tempo. Dinâmicas e apresentações são

aborrecidas para quem avalia, de modo que em algum ponto do

percurso saturam os que são ou não são habituados a estes

processos que procuram encurtá-lo.

Este foi o meu caso, eu estava colocado na última cadeira e

tive que esperar todos se manifestarem. Ao chegar a minha vez a

apresentação já durava pelo menos uma hora, sendo que ao me

levantar e começar a falar resolvi ser brilhante e assertivo: disse que

iria ser conciso, por amor à brevidade. Nem bem disse as primeiras

palavras e fui - como os outros - interrompido:

- Vamos acelerar mais o andamento, diga o que quero saber: você tem

experiência comercial?

- Sim, como está em meu currículo, eu tenho bastante experiência,

respondi espantado.

- Eu quero que você explique o que é esta sua experiência, retrucou o

primeiro.

Então discorri sobre minhas atividades com desembaraço,

elencando fatos e situações, não deixando a peteca cair. Os outros

candidatos olhavam meio intimidados com minha performance,

mas pela cara do analista, ele não estava satisfeito. A coisa estava

tensa demais, com os outros entrevistadores também fazendo

perguntas, mas sempre como pessoas compreensivas, afáveis, o

perguntador carrancudo era o diretor. Pelos meus cálculos já

durava umas duas horas, eles queriam ser rápidos, mas, a todo o

momento interrompiam, gerando mais esclarecimentos, até que

finalmente pediram para elaborar uma exposição final sobre

técnicas de venda, que convencesse o diretor:

- Quero que me digam uma coisa: por que eu contrataria vocês? Por

que seriam úteis para a empresa? Por que motivo eu deveria comprar

estes produtos?

Os candidatos se revezavam na tentativa de se “vender” como

melhor opção, e eu ali pensando que para o custo que teria para

trabalhar, as exigências estavam sendo demasiadas. Não ia ser uma

posição de assalariado confortável em seu departamento, mas algo

que dependeria em grande parte de intenso esforço e motivação,

pois teria que sair a campo e garantir mercado. Achava que esta

parceria só pendia para um lado, mas enfim! Resolvi utilizar uma

solução que sempre dera certo comigo quando em situações tensas,

que é sorrir e aliviar o clima, apontando soluções utilizando uma

linguagem coloquial com um toque de humor.

- Você disse que é persistente, falou o diretor, e se o cliente não quiser

lhe atender e eu exija que ele seja incorporado à nossa carteira. O que

você faz? A secretária tem ordens para não lhe atender de jeito

nenhum!

- No contato com clientes e na prospecção é importante além da

determinação, criatividade. Eu tentaria de todas as formas: cartas,

folders, telefonemas, e-mails, sinais de fumaça, pombo correio,

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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mandaria amostras, convidaria para almoçar. Se nada desse certo, eu

visitaria a empresa, mandaria flores para a secretária, iria a algum

evento que ele comparecesse, procuraria amigos em comum que

pudessem me apresentá-lo. Seria cara de pau o suficiente para poder

conseguir contatá-lo. Além disso, teríamos que analisar quais os nossos

diferenciais e verificar o real motivo deste cliente não estar comprando,

afinal pode ser falha nossa e se for, deve ser corrigida, concluí certo de

ter atingido o alvo. Ledo engano.

- E porque razão, Sr. Luís, eu deveria contratar um cara de pau para

minha empresa? O negócio aqui é comercial, é resultado e não blá-blá-

blá. Se não vender tá na rua, se não consegue chegar no cliente você

não tem capacidade. Você quer gastar dinheiro sem saber o quanto o

cara vai comprar? Que retorno você me garante? O que vocês acham?

Disse, apontando para os outros na sala.

- Mas, em casos extremos, estes hold outs precisam ser cativados de

alguma maneira, não é custo é investimento, tentei inferir, dirigindo-me

aos outros, de modo a manter o domínio da situação. Mas o que

aconteceu é que fui atropelado pelos demais candidatos, que antes

inexpressivos e cordatos, iniciaram um ataque coordenado e

simultâneo à minha posição.

- Eu não perderia tempo com ele, eu venderia para os concorrentes...

- Eu continuava a tentar, mas sempre vendendo para todo mundo, até

que ele comprasse. Manteria as metas, abriria novas frentes...

- Negócio é negócio, eu apresentaria um preço lá embaixo, mesmo que

perdesse toda minha comissão, depois que ele virasse cliente eu

recuperava na quantidade e programação.

- Eu dava tudo isso para ele, mas com pedido mínimo e venda casada.

- Eu conheço o cara, ele ia me atender porque já me conhece. Eu

conheço todo o ramo!

- Gente! Não existe esse negócio de não conseguir ser atendido!

Imagine...tá brincando.

- Vendedor que é vendedor vai lá e tira o pedido na marra, se for

preciso! Conquista o cliente.

- Acho que ninguém aqui falou de pós-venda. Não é conquistar. É

cativar o cliente...

Pego em meio ao fogo cruzado, os meus escudos defletores foram

desativados e me vi abatido em questão de segundos. A coisa toda

degringolou em uma balbúrdia e ninguém mais se entendia. Nada

mais pude fazer a não ser olhar em volta e aguardar a próxima

pergunta, que não houve. Pediram para que eu sentasse e ainda

ficamos lá mais algum tempo antes que nos dispensassem, com

aquela promessa de um contato futuro. Nem preciso dizer que não

fui selecionado para as próximas etapas, afinal cometi o erro de

subestimar a capacidade de união no perigo, que no caso eu

representava aos demais candidatos. Fora isso, tinha me atrevido a

questionar a eficácia da postura do diretor prepotente. Ficou como

lição que poucos aceitam críticas a seus erros organizacionais!

A maioria das empresas não que saber de suas falhas internas

- administrativas, financeiras, produtivas, éticas e comerciais - mas

apenas ganhar dinheiro, acreditando piamente ser problema dos

funcionários o desempenho insatisfatório no mercado.

Para essas empresas, manter a margem é tudo, o resto é

bobagem. Toda a orientação é em prol do imediato retorno ao

capital investido, em níveis cada vez maiores, seja sobre qual atrito

corporativo for. Estimulam a ambição como motor de arranque e

aplicam regras de metas hiperbólicas a serem continuamente

alcançadas; por outro lado mantém as ameaças de punição como

elemento motivador constante, esperando gerar o dinamismo

necessário que elevará o grau de competitividade, pela

agressividade, instrumento com o qual eles sonham açambarcar o

maior naco possível de mercado. C'est la vie? Não deveria. Qualquer

força, natural ou econômica é destrutiva se não houver limites e

proteções ao que é do âmbito humano.

Enfim, a conclusão que se pode tirar do que dissemos sobre

as dinâmicas é que não se trata apenas de jogos inocentes, onde

todos estão dispostos a fazer o melhor para a equipe. Nem é um

momento mágico de sinergia e assertividade, onde as competências

florescem e são recolhidas pelos lídimos entrevistadores.

Os candidatos, como gladiadores, que estão ali dispostos

em círculo sabem que se não conseguirem anular seus oponentes,

estarão fora da partida.

Portanto, a questão toda se resume numa só palavra:

estratégia. Não se pode oferecer todo seu potencial de uma vez, pois

ameaçará os demais que se unirão para derrubá-lo, a qualquer

preço. Nem se deve ocultar suas competências e habilidades, pois

estará sendo observado.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

104 105

mandaria amostras, convidaria para almoçar. Se nada desse certo, eu

visitaria a empresa, mandaria flores para a secretária, iria a algum

evento que ele comparecesse, procuraria amigos em comum que

pudessem me apresentá-lo. Seria cara de pau o suficiente para poder

conseguir contatá-lo. Além disso, teríamos que analisar quais os nossos

diferenciais e verificar o real motivo deste cliente não estar comprando,

afinal pode ser falha nossa e se for, deve ser corrigida, concluí certo de

ter atingido o alvo. Ledo engano.

- E porque razão, Sr. Luís, eu deveria contratar um cara de pau para

minha empresa? O negócio aqui é comercial, é resultado e não blá-blá-

blá. Se não vender tá na rua, se não consegue chegar no cliente você

não tem capacidade. Você quer gastar dinheiro sem saber o quanto o

cara vai comprar? Que retorno você me garante? O que vocês acham?

Disse, apontando para os outros na sala.

- Mas, em casos extremos, estes hold outs precisam ser cativados de

alguma maneira, não é custo é investimento, tentei inferir, dirigindo-me

aos outros, de modo a manter o domínio da situação. Mas o que

aconteceu é que fui atropelado pelos demais candidatos, que antes

inexpressivos e cordatos, iniciaram um ataque coordenado e

simultâneo à minha posição.

- Eu não perderia tempo com ele, eu venderia para os concorrentes...

- Eu continuava a tentar, mas sempre vendendo para todo mundo, até

que ele comprasse. Manteria as metas, abriria novas frentes...

- Negócio é negócio, eu apresentaria um preço lá embaixo, mesmo que

perdesse toda minha comissão, depois que ele virasse cliente eu

recuperava na quantidade e programação.

- Eu dava tudo isso para ele, mas com pedido mínimo e venda casada.

- Eu conheço o cara, ele ia me atender porque já me conhece. Eu

conheço todo o ramo!

- Gente! Não existe esse negócio de não conseguir ser atendido!

Imagine...tá brincando.

- Vendedor que é vendedor vai lá e tira o pedido na marra, se for

preciso! Conquista o cliente.

- Acho que ninguém aqui falou de pós-venda. Não é conquistar. É

cativar o cliente...

Pego em meio ao fogo cruzado, os meus escudos defletores foram

desativados e me vi abatido em questão de segundos. A coisa toda

degringolou em uma balbúrdia e ninguém mais se entendia. Nada

mais pude fazer a não ser olhar em volta e aguardar a próxima

pergunta, que não houve. Pediram para que eu sentasse e ainda

ficamos lá mais algum tempo antes que nos dispensassem, com

aquela promessa de um contato futuro. Nem preciso dizer que não

fui selecionado para as próximas etapas, afinal cometi o erro de

subestimar a capacidade de união no perigo, que no caso eu

representava aos demais candidatos. Fora isso, tinha me atrevido a

questionar a eficácia da postura do diretor prepotente. Ficou como

lição que poucos aceitam críticas a seus erros organizacionais!

A maioria das empresas não que saber de suas falhas internas

- administrativas, financeiras, produtivas, éticas e comerciais - mas

apenas ganhar dinheiro, acreditando piamente ser problema dos

funcionários o desempenho insatisfatório no mercado.

Para essas empresas, manter a margem é tudo, o resto é

bobagem. Toda a orientação é em prol do imediato retorno ao

capital investido, em níveis cada vez maiores, seja sobre qual atrito

corporativo for. Estimulam a ambição como motor de arranque e

aplicam regras de metas hiperbólicas a serem continuamente

alcançadas; por outro lado mantém as ameaças de punição como

elemento motivador constante, esperando gerar o dinamismo

necessário que elevará o grau de competitividade, pela

agressividade, instrumento com o qual eles sonham açambarcar o

maior naco possível de mercado. C'est la vie? Não deveria. Qualquer

força, natural ou econômica é destrutiva se não houver limites e

proteções ao que é do âmbito humano.

Enfim, a conclusão que se pode tirar do que dissemos sobre

as dinâmicas é que não se trata apenas de jogos inocentes, onde

todos estão dispostos a fazer o melhor para a equipe. Nem é um

momento mágico de sinergia e assertividade, onde as competências

florescem e são recolhidas pelos lídimos entrevistadores.

Os candidatos, como gladiadores, que estão ali dispostos

em círculo sabem que se não conseguirem anular seus oponentes,

estarão fora da partida.

Portanto, a questão toda se resume numa só palavra:

estratégia. Não se pode oferecer todo seu potencial de uma vez, pois

ameaçará os demais que se unirão para derrubá-lo, a qualquer

preço. Nem se deve ocultar suas competências e habilidades, pois

estará sendo observado.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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Sua atuação deve ser pontual e eficaz, de forma a

nocautear, sendo duro quando preciso e, em alguns casos, deixar

bem à mostra sua diplomacia e humildade. A correta proporção 54entre estes ingredientes resulta em boas chances. Antes de

hipocrisia hedonista, a estratégia trata da crítica a este modelo, pois

se lida com transvalorações e limites. E o que deve ser encontrado

nesta busca é o equilíbrio entre virtude e prudência, entre ética e

justiça, entre vontade e necessidade, entre a consciência e mercado

nos instantâneos móveis de todos os relacionamentos. Há que se

jogar com nobreza de espírito, conhecimentos e força de caráter,

mas sem descuidar dos golpes que provêem dos abismos da

ferocidade humana.

No mais, ainda existe o problema de quem interpreta e

aplica as dinâmicas. Em última nota, cabe dizer que estas técnicas

uma vez colocadas em ação por técnicos competentes, no plano

teórico e prático, consistirão em instrumentos a serem utilizados de

forma complementar, de apoio e não enquanto objeto ou objetivo

único. Portanto, a concretização, o sucesso na aplicação de uma

atividade pedagógica, de uma didática, dinâmica ou programação

recreativa, depende também do investimento na qualificação do

agente aplicador. De como ele interage e trabalha as características

intrínsecas dos participantes, como direciona e lida com o clima

gerado no grupo durante as situações, responde pela mediação,

como acopla a tranqüilidade e leveza à sua respectiva discussão e

integração, enfim, como responde globalmente por tudo e faz trazer

à tona não o competidor implacável: mas as reais formações,

qualificações e virtudes dos candidatos. Caso não haja esta alta

qualificação dos facilitadores e entrevistadores - o que é raro - a

coisa desanda em um sem número de variáveis e os aspectos lúdicos

e pedagógicos desaparecem em meio ao tumulto.

6 - Observação contínua: Normas para os Enjaulados

Estar participando de entrevistas, dinâmicas, testes e tudo aquilo

que se configura como processo seletivo, envolve muito mais do

que a inteligência, a experiência e as competências para tanto.

Significa que você vai passar grande parte de seu tempo preso em

salas de espera, escritórios e auditórios fazendo atividades ou

respondendo a perguntas e questionários. Fosse somente isto e tudo

estaria bem afinal, o mundo corporativo está muito longe de

qualquer perfeição e um pouco de paciência e jogo de cintura para

lidar com situações de stress e tensão é até saudável. Porém, a coisa

não é assim tão simples, porque, além de tudo isso, você também é

avaliado pelo modo como se comporta em tais ante-salas do

inferno.

Desde que começaram as pesquisas e observações sobre

modelos de comunicação não-verbal, a paranóia é parte integrante 55das avaliações sobre possíveis significados das expressões

corporais. Existem alguns trabalhos sérios sobre o assunto, claro,

mas como toda teoria da subjetividade, estes postulados não podem

ser utilizadas diretamente em toda e qualquer situação, nem tiradas

conclusões de forma apressada, quiçá temerária. O perigo é a

universalização, a aplicação generalizada de conceitos que

somente são válidos em âmbito estrito e sob condições ideais, numa

adaptação sem cuidado para o pragmático mundo corporativo.

Ora, um processo seletivo nunca é condição ideal, pois

além da fragilidade natural observada nos candidatos a um

emprego, soma-se a isso um verdadeiro circo de horrores onde são

manipuladas as expectativas em função de um perfil e não de um

panorama. Mas no senso comum que grassa nos corredores do setor

de seleção predomina a idéia que basta ter um dicionário básico de 56psicologia no bolso , alguns best sellers sazonais na gaveta e testes

comprados em boas casas do ramo para que se possa sair por aí

fazendo diagnósticos: Veja só o que me aconteceu:

- De novo estava ali, aguardando numa sala para ser chamado à

entrevista, pensava.

O calor sufocante da manhã fora substituído por uma tempestade

daquelas. Lá fora, raios e trovões. Após algum tempo mofando na

carteira, me indicaram uma nova sala para aguardar. Fiquei uns

54 Para maiores detalhes sobre postura pessoal em dinâmicas, continue lendo e, se quiser, consulte os links do apêndice.

55 Que me perdoe Pierre Weil e suas Relações Humanas na Família e no Trabalho, mas a coisa hoje saiu dos trilhos e existe uma verdadeira hipostasia de interpretações, as mais estapafúrdias possíveis sobre este importante tema.56 Isto não substitui uma faculdade, mesmo de terceira linha...Enfim, dá no mesmo.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

106 107

Sua atuação deve ser pontual e eficaz, de forma a

nocautear, sendo duro quando preciso e, em alguns casos, deixar

bem à mostra sua diplomacia e humildade. A correta proporção 54entre estes ingredientes resulta em boas chances. Antes de

hipocrisia hedonista, a estratégia trata da crítica a este modelo, pois

se lida com transvalorações e limites. E o que deve ser encontrado

nesta busca é o equilíbrio entre virtude e prudência, entre ética e

justiça, entre vontade e necessidade, entre a consciência e mercado

nos instantâneos móveis de todos os relacionamentos. Há que se

jogar com nobreza de espírito, conhecimentos e força de caráter,

mas sem descuidar dos golpes que provêem dos abismos da

ferocidade humana.

No mais, ainda existe o problema de quem interpreta e

aplica as dinâmicas. Em última nota, cabe dizer que estas técnicas

uma vez colocadas em ação por técnicos competentes, no plano

teórico e prático, consistirão em instrumentos a serem utilizados de

forma complementar, de apoio e não enquanto objeto ou objetivo

único. Portanto, a concretização, o sucesso na aplicação de uma

atividade pedagógica, de uma didática, dinâmica ou programação

recreativa, depende também do investimento na qualificação do

agente aplicador. De como ele interage e trabalha as características

intrínsecas dos participantes, como direciona e lida com o clima

gerado no grupo durante as situações, responde pela mediação,

como acopla a tranqüilidade e leveza à sua respectiva discussão e

integração, enfim, como responde globalmente por tudo e faz trazer

à tona não o competidor implacável: mas as reais formações,

qualificações e virtudes dos candidatos. Caso não haja esta alta

qualificação dos facilitadores e entrevistadores - o que é raro - a

coisa desanda em um sem número de variáveis e os aspectos lúdicos

e pedagógicos desaparecem em meio ao tumulto.

6 - Observação contínua: Normas para os Enjaulados

Estar participando de entrevistas, dinâmicas, testes e tudo aquilo

que se configura como processo seletivo, envolve muito mais do

que a inteligência, a experiência e as competências para tanto.

Significa que você vai passar grande parte de seu tempo preso em

salas de espera, escritórios e auditórios fazendo atividades ou

respondendo a perguntas e questionários. Fosse somente isto e tudo

estaria bem afinal, o mundo corporativo está muito longe de

qualquer perfeição e um pouco de paciência e jogo de cintura para

lidar com situações de stress e tensão é até saudável. Porém, a coisa

não é assim tão simples, porque, além de tudo isso, você também é

avaliado pelo modo como se comporta em tais ante-salas do

inferno.

Desde que começaram as pesquisas e observações sobre

modelos de comunicação não-verbal, a paranóia é parte integrante 55das avaliações sobre possíveis significados das expressões

corporais. Existem alguns trabalhos sérios sobre o assunto, claro,

mas como toda teoria da subjetividade, estes postulados não podem

ser utilizadas diretamente em toda e qualquer situação, nem tiradas

conclusões de forma apressada, quiçá temerária. O perigo é a

universalização, a aplicação generalizada de conceitos que

somente são válidos em âmbito estrito e sob condições ideais, numa

adaptação sem cuidado para o pragmático mundo corporativo.

Ora, um processo seletivo nunca é condição ideal, pois

além da fragilidade natural observada nos candidatos a um

emprego, soma-se a isso um verdadeiro circo de horrores onde são

manipuladas as expectativas em função de um perfil e não de um

panorama. Mas no senso comum que grassa nos corredores do setor

de seleção predomina a idéia que basta ter um dicionário básico de 56psicologia no bolso , alguns best sellers sazonais na gaveta e testes

comprados em boas casas do ramo para que se possa sair por aí

fazendo diagnósticos: Veja só o que me aconteceu:

- De novo estava ali, aguardando numa sala para ser chamado à

entrevista, pensava.

O calor sufocante da manhã fora substituído por uma tempestade

daquelas. Lá fora, raios e trovões. Após algum tempo mofando na

carteira, me indicaram uma nova sala para aguardar. Fiquei uns

54 Para maiores detalhes sobre postura pessoal em dinâmicas, continue lendo e, se quiser, consulte os links do apêndice.

55 Que me perdoe Pierre Weil e suas Relações Humanas na Família e no Trabalho, mas a coisa hoje saiu dos trilhos e existe uma verdadeira hipostasia de interpretações, as mais estapafúrdias possíveis sobre este importante tema.56 Isto não substitui uma faculdade, mesmo de terceira linha...Enfim, dá no mesmo.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

106 107

cinco minutos, olhando em torno, dez minutos e não vinha

ninguém. Resolvi aproveitar o tempo sozinho para assoar o nariz,

limpar meus óculos, coçar o joelho, ajeitar um pouco o terno, de

forma a estar mais à vontade e apresentável. Quinze minutos e eu já

estava bocejando, quando entrou a pessoa que ia me entrevistar.

- Olá! Desculpe o atraso eu estava terminando outra atividade, vamos

conversar?

- Claro! Estou à sua disposição.

Fiquei lá mais de quarenta minutos, respondendo às perguntas.

Como em muitos outros locais que onde fui entrevistado, a cadeira

me deixava muito em frente à mesa e minhas pernas ficavam meio

prensadas, o que me obrigava a me arrumar toda hora. A cadeira

era pesada e eu não conseguia empurrá-la para trás. Sentar e ficar

ali como um dois de paus não é meu estilo, eu não sou o tipo de

pessoa que consegue sentar sem que me incline para um lado ou

outro. Além disso, eu costumo gesticular, e não sei ficar com as mãos

paradas em cima do colo, inda mais demorando como estava o

interrogatório. Enfim, mesmo me contendo e, às vezes estudando

cautelosamente os meus gestos, não sou de forma nenhuma

inexpressivo.

O que me chamou a atenção, quase no final é que ela

ficava olhando por cima de mim, como se recebesse instruções de

alguém. Às vezes fazia uns gestos. Como havia uma infinidade de

outras saletas, separadas por divisórias de vidro e madeira,

instintivamente virei a cabeça, e recebi um sinal de advertência:

- Sr. Luís, por favor, não é nada. Vamos manter a atenção. Já estamos

terminando.

- Sim, pois não!

Depois desta chamada e já um tanto vencido pela tensão e o

cansaço, eu ainda encontrei forças para me concentrar em cada

gesto que ela fazia e para onde seus olhares se dirigiam. Descobri

que ela fixava os olhos em um ponto focal neutro, do qual podia

acompanhar toda a minha movimentação e postura. Era como se

ela estivesse ao mesmo tempo presente e buscando uma posição de

completo distanciamento. Mas também podia ser que estivessem

me observando de outro lugar. Finalmente acabara o suplício e, de

novo, veio àquela velha estória do aguarde um contato. Pedi para ir

ao banheiro. Ao retornar, mais aliviado, fui em busca da saída. Meio

perdido, acabei passando por um corredor, onde se reuniam

algumas pessoas e ouvindo, quase sem querer, a sentença, de mim

oculta:

- E aí? Fechou a vaga?

- Muito inseguro pro meu gosto. Não parava quieto no lugar! Sabe

aquele tipo besta que tenta compreender tudo o que se passa? Tenta dar

resposta para tudo? Ai que saco! Tive até que chamar a atenção. Esta

vaga tá difícil de fechar! Que dia, viu? Ninguém merece!

- Vai para o teste ou não vai? Preciso fechar a turma esta semana ou o

cliente não paga.

- Perca de tempo! Tenho mais quatro, fora um banco de candidatos

enorme para triar.

- Falando nisso, quem vai dividir comigo as dinâmicas da terça? Eu tô

sozinha cuidando de oito seletivas diferentes e umas trocentas

prospecções. Você faz isso Amadeu?

- Amanhã eu vejo se eu atendo uma parte, beleza?

Resolvi passar batido, tinha ouvido o suficiente por um dia.

Enquanto saía e ganhava o elevador, eles devem ter ficado lá a

conversar sobre as agruras de seu ofício. Para mim só restava

empreender uma descida de vinte andares e voltar para casa. Ficou

um nó na garganta. Eu queria sumir para dentro da terra, mas como

a chuva não dava trégua, resolvi refrescar a cuca e saí caminhando

em meio ao temporal. Nem adiantava reclamar, pois aquele não

parecia ter sido meu dia e além de tudo, havia esquecido o guarda-

chuva...

Outra Roubada...

Um mês depois de cair a ficha, me vi frente à antítese desta

malfadada experiência. Eu jurava que agora estava pronto para

mais uma empreitada, mas o que a memória registrou foi diferente.

Diário de bordo, data estelar 2.005 mark 10, notas do capitão:

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

108 109

cinco minutos, olhando em torno, dez minutos e não vinha

ninguém. Resolvi aproveitar o tempo sozinho para assoar o nariz,

limpar meus óculos, coçar o joelho, ajeitar um pouco o terno, de

forma a estar mais à vontade e apresentável. Quinze minutos e eu já

estava bocejando, quando entrou a pessoa que ia me entrevistar.

- Olá! Desculpe o atraso eu estava terminando outra atividade, vamos

conversar?

- Claro! Estou à sua disposição.

Fiquei lá mais de quarenta minutos, respondendo às perguntas.

Como em muitos outros locais que onde fui entrevistado, a cadeira

me deixava muito em frente à mesa e minhas pernas ficavam meio

prensadas, o que me obrigava a me arrumar toda hora. A cadeira

era pesada e eu não conseguia empurrá-la para trás. Sentar e ficar

ali como um dois de paus não é meu estilo, eu não sou o tipo de

pessoa que consegue sentar sem que me incline para um lado ou

outro. Além disso, eu costumo gesticular, e não sei ficar com as mãos

paradas em cima do colo, inda mais demorando como estava o

interrogatório. Enfim, mesmo me contendo e, às vezes estudando

cautelosamente os meus gestos, não sou de forma nenhuma

inexpressivo.

O que me chamou a atenção, quase no final é que ela

ficava olhando por cima de mim, como se recebesse instruções de

alguém. Às vezes fazia uns gestos. Como havia uma infinidade de

outras saletas, separadas por divisórias de vidro e madeira,

instintivamente virei a cabeça, e recebi um sinal de advertência:

- Sr. Luís, por favor, não é nada. Vamos manter a atenção. Já estamos

terminando.

- Sim, pois não!

Depois desta chamada e já um tanto vencido pela tensão e o

cansaço, eu ainda encontrei forças para me concentrar em cada

gesto que ela fazia e para onde seus olhares se dirigiam. Descobri

que ela fixava os olhos em um ponto focal neutro, do qual podia

acompanhar toda a minha movimentação e postura. Era como se

ela estivesse ao mesmo tempo presente e buscando uma posição de

completo distanciamento. Mas também podia ser que estivessem

me observando de outro lugar. Finalmente acabara o suplício e, de

novo, veio àquela velha estória do aguarde um contato. Pedi para ir

ao banheiro. Ao retornar, mais aliviado, fui em busca da saída. Meio

perdido, acabei passando por um corredor, onde se reuniam

algumas pessoas e ouvindo, quase sem querer, a sentença, de mim

oculta:

- E aí? Fechou a vaga?

- Muito inseguro pro meu gosto. Não parava quieto no lugar! Sabe

aquele tipo besta que tenta compreender tudo o que se passa? Tenta dar

resposta para tudo? Ai que saco! Tive até que chamar a atenção. Esta

vaga tá difícil de fechar! Que dia, viu? Ninguém merece!

- Vai para o teste ou não vai? Preciso fechar a turma esta semana ou o

cliente não paga.

- Perca de tempo! Tenho mais quatro, fora um banco de candidatos

enorme para triar.

- Falando nisso, quem vai dividir comigo as dinâmicas da terça? Eu tô

sozinha cuidando de oito seletivas diferentes e umas trocentas

prospecções. Você faz isso Amadeu?

- Amanhã eu vejo se eu atendo uma parte, beleza?

Resolvi passar batido, tinha ouvido o suficiente por um dia.

Enquanto saía e ganhava o elevador, eles devem ter ficado lá a

conversar sobre as agruras de seu ofício. Para mim só restava

empreender uma descida de vinte andares e voltar para casa. Ficou

um nó na garganta. Eu queria sumir para dentro da terra, mas como

a chuva não dava trégua, resolvi refrescar a cuca e saí caminhando

em meio ao temporal. Nem adiantava reclamar, pois aquele não

parecia ter sido meu dia e além de tudo, havia esquecido o guarda-

chuva...

Outra Roubada...

Um mês depois de cair a ficha, me vi frente à antítese desta

malfadada experiência. Eu jurava que agora estava pronto para

mais uma empreitada, mas o que a memória registrou foi diferente.

Diário de bordo, data estelar 2.005 mark 10, notas do capitão:

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

108 109

avaliar com muito cuidado as respostas e não subestimar o efeito da

concentração em grupo. Bem, estava eu lá, aguardando ser

atendido em outra seletiva, desta vez para um grande projeto de

treinamento para o lançamento de uma montadora americana.

Éramos uns vinte e poucos candidatos, quando houve a triagem e

agora contávamos com doze finalistas, aguardando ser anunciados.

Após a recepção, fomos colocados numa ampla sala e

pediram para que aguardássemos. Isto era por volta de meio dia e

até as três horas nada de acontecer a dinâmica. A tarefa era fazer

uma apresentação para um grupo de selecionadores e

observadores da própria empresa. Após algum tempo ali, as pessoas

dividiram-se em dois grupos, um dos quais demonstrava o franco

relacionamento anterior dos mesmos. Descobri, pelas conversas,

que eles haviam trabalhado para a prestadora de serviços que

efetuava a seleção anteriormente e agora retornavam para um novo

projeto. Neste meio tempo conversávamos, mas aquele papo vazio,

sobre fatos profissionais.

Lá pelas tantas, resolvi dar uma volta pelo andar, pois

alguém falou da existência de uma garrafa de café ou de uma copa.

O lugar estava cheio de tipos estranhos, e sentia aquela velha

sensação de peso no ar que transformava a sala moderna e clean em 57um verdadeiro locus suspectus. O que motivou minha iniciativa foi

estar sentado ao lado de um alemãozão irritado, que não parava de

mexer em seu notebook, resmungando e bufando sem parar pela

demora e, por outro que estava histérico, porque tinha ficado de

levar a mulher no médico e a coisa não terminava para ele poder

sair. Também tinha o grupinho das mulheres que sentou na ponta da

mesa e há horas falava sem parar, sem mencionar o papo chato que

os demais encenavam com ares de especialistas. Aquilo estava me

revirando o estômago e eu nem tinha almoçado. Meus últimos

trocados eu gastara numa lan house para gravar em cd a 58apresentação e ainda bem que não levei disquete , pois a coisa ali

era de pen drive para cima. Achei a tal garrafa e depois do café, saí 59para fumar um cigarro.

Fiquei enrolando um bom tempo nas escadas de incêndio

até que voltei para a sala. A situação ali não havia mudado, todos

continuava aguardando. Muito tempo depois e chegaram os

observadores da montadora para o início do processo. As mulheres

foram chamadas primeiro, cada uma entrava numa sala preparada

para a exposição e parecia nunca mais sair dali. Depois foi a vez do

alemão, que agora reclamava que ia perder o vôo. Engraçado notar

que, não obstante sua rudeza, ele era excepcionalmente bem

tratado. Foi um, foi outro e eu ali, curtindo uma imensa agonia. Os

que restavam comentavam o desenrolar dos fatos ou

congratulavam-se por suas técnicas didáticas, mas o que sobressaia

em seus olhos era a carga estática negativa de ansiedade e

apreensão. Comecei a me sentir mal e mesmo tendo me distanciado

para o lado das janelas em busca de ar fresco, não passava o efeito

warp típico da sensação de pressão baixa. Logo começou o enjôo, a

dor de cabeça e então, uma conclusão brilhante me ocorreu: eram

quase seis da tarde e tudo que havia ingerido eram vários cafés!

O resultado fora previsível: quando entrei na salinha

escura para finalmente poder fazer a minha apresentação, eu já não

era mais o mesmo. Estava um bagaço. Só não tinha ido embora por

causa da necessidade. De frente às quatro pessoas, que me

observavam sentadas em uma mesinha eu discorri sobre os

fundamentos de um treinamento bem planejado e até que fiz uma

boa exposição, mas um detalhe me havia escapado. Detalhe este

que versava sobre a ignorância sobre a construção do

conhecimento. Devido ao mal estar e cansaço eu nem mencionara

as técnicas comuns e aceitas de convencimento aos vendedores,

mas me concentrei em não enganá-los com promessas e motivá-los

consistentemente. Putz! Os caras me olhavam como se estivessem

vendo um alienígena.

Claro que o que eles queriam ouvir eram argumentos

padrão tipo “como encantar o cliente”, fazer o “walk around”, e as

outras obviedades que teriam o poder de causar “impacto” no

vendedor. Eu que fizera uma apresentação estruturada e com

conteúdo, fora classificada de “sem foco”, “prolixo”. Na miopia dos

bordões do marketing brasileiro que abusa da saturação, ninguém

consegue aceitar que alguém viesse discorrer sobre pontos

57 Local perigoso, suspeito, insalubre, pantanoso.58 Hoje tenho pen drive, notebook e servidores, mas na época, nem dava, pois meu querido Celeron 433 ainda funcionava, mas com o drive 3 ½ quebrado há anos...59 Eu ainda fumava naquela época. Viram como se pode melhorar? Basta ter fé, conhecimento e Vontade!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

110 111

avaliar com muito cuidado as respostas e não subestimar o efeito da

concentração em grupo. Bem, estava eu lá, aguardando ser

atendido em outra seletiva, desta vez para um grande projeto de

treinamento para o lançamento de uma montadora americana.

Éramos uns vinte e poucos candidatos, quando houve a triagem e

agora contávamos com doze finalistas, aguardando ser anunciados.

Após a recepção, fomos colocados numa ampla sala e

pediram para que aguardássemos. Isto era por volta de meio dia e

até as três horas nada de acontecer a dinâmica. A tarefa era fazer

uma apresentação para um grupo de selecionadores e

observadores da própria empresa. Após algum tempo ali, as pessoas

dividiram-se em dois grupos, um dos quais demonstrava o franco

relacionamento anterior dos mesmos. Descobri, pelas conversas,

que eles haviam trabalhado para a prestadora de serviços que

efetuava a seleção anteriormente e agora retornavam para um novo

projeto. Neste meio tempo conversávamos, mas aquele papo vazio,

sobre fatos profissionais.

Lá pelas tantas, resolvi dar uma volta pelo andar, pois

alguém falou da existência de uma garrafa de café ou de uma copa.

O lugar estava cheio de tipos estranhos, e sentia aquela velha

sensação de peso no ar que transformava a sala moderna e clean em 57um verdadeiro locus suspectus. O que motivou minha iniciativa foi

estar sentado ao lado de um alemãozão irritado, que não parava de

mexer em seu notebook, resmungando e bufando sem parar pela

demora e, por outro que estava histérico, porque tinha ficado de

levar a mulher no médico e a coisa não terminava para ele poder

sair. Também tinha o grupinho das mulheres que sentou na ponta da

mesa e há horas falava sem parar, sem mencionar o papo chato que

os demais encenavam com ares de especialistas. Aquilo estava me

revirando o estômago e eu nem tinha almoçado. Meus últimos

trocados eu gastara numa lan house para gravar em cd a 58apresentação e ainda bem que não levei disquete , pois a coisa ali

era de pen drive para cima. Achei a tal garrafa e depois do café, saí 59para fumar um cigarro.

Fiquei enrolando um bom tempo nas escadas de incêndio

até que voltei para a sala. A situação ali não havia mudado, todos

continuava aguardando. Muito tempo depois e chegaram os

observadores da montadora para o início do processo. As mulheres

foram chamadas primeiro, cada uma entrava numa sala preparada

para a exposição e parecia nunca mais sair dali. Depois foi a vez do

alemão, que agora reclamava que ia perder o vôo. Engraçado notar

que, não obstante sua rudeza, ele era excepcionalmente bem

tratado. Foi um, foi outro e eu ali, curtindo uma imensa agonia. Os

que restavam comentavam o desenrolar dos fatos ou

congratulavam-se por suas técnicas didáticas, mas o que sobressaia

em seus olhos era a carga estática negativa de ansiedade e

apreensão. Comecei a me sentir mal e mesmo tendo me distanciado

para o lado das janelas em busca de ar fresco, não passava o efeito

warp típico da sensação de pressão baixa. Logo começou o enjôo, a

dor de cabeça e então, uma conclusão brilhante me ocorreu: eram

quase seis da tarde e tudo que havia ingerido eram vários cafés!

O resultado fora previsível: quando entrei na salinha

escura para finalmente poder fazer a minha apresentação, eu já não

era mais o mesmo. Estava um bagaço. Só não tinha ido embora por

causa da necessidade. De frente às quatro pessoas, que me

observavam sentadas em uma mesinha eu discorri sobre os

fundamentos de um treinamento bem planejado e até que fiz uma

boa exposição, mas um detalhe me havia escapado. Detalhe este

que versava sobre a ignorância sobre a construção do

conhecimento. Devido ao mal estar e cansaço eu nem mencionara

as técnicas comuns e aceitas de convencimento aos vendedores,

mas me concentrei em não enganá-los com promessas e motivá-los

consistentemente. Putz! Os caras me olhavam como se estivessem

vendo um alienígena.

Claro que o que eles queriam ouvir eram argumentos

padrão tipo “como encantar o cliente”, fazer o “walk around”, e as

outras obviedades que teriam o poder de causar “impacto” no

vendedor. Eu que fizera uma apresentação estruturada e com

conteúdo, fora classificada de “sem foco”, “prolixo”. Na miopia dos

bordões do marketing brasileiro que abusa da saturação, ninguém

consegue aceitar que alguém viesse discorrer sobre pontos

57 Local perigoso, suspeito, insalubre, pantanoso.58 Hoje tenho pen drive, notebook e servidores, mas na época, nem dava, pois meu querido Celeron 433 ainda funcionava, mas com o drive 3 ½ quebrado há anos...59 Eu ainda fumava naquela época. Viram como se pode melhorar? Basta ter fé, conhecimento e Vontade!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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importantes como ação contínua, postura ética, perspectivas de

longo prazo e ainda sugerisse que se devia respeitar a inteligência da 60equipe. Para encurtar, dias depois recebi um e-mail pela

participação e a campanha da montadora já estava berrando na TV.

O interessante foi notar que o tal lançamento do “carro

diferenciado” era simplesmente uma maquiagem da versão

anterior, com menos potência, com poucos opcionais de série e

preço até mais elevado. O tonto aqui não havia se tocado que o

objetivo real da campanha relâmpago não era alavancar as vendas

de um produto consagrado, motivar a equipe, manter a união rumo

a um objetivo, criar mercado e fidelizar o cliente, avante ao futuro

glorioso. Mas sim, convencer, por ora, os profissionais - que

conhecem mecânica e acabamento - a vender um carro de

qualidade inferior com a mesma gana e entusiasmo que fariam se

oferecessem ao cliente algo realmente espetacular, ou seja: dobrar

suas resistências naturais e convencê-los das vantagens do gato

sobre a lebre. Qualidade? Cuidado ao utilizar este conceito! Pode

ser prejudicial ao seu futuro emprego. Afinal como os chineses já

descobriram há muito tempo, algo descartável, ordinário, mas

muito bem apresentado vende tanto quanto algo que funcione e

satisfaça por longo tempo.

Mas eu estou fugindo do assunto. O exemplo que

realmente ilustra a incômoda situação de estar sendo observado - e

avaliado - foi o que ocorreu em uma outra dinâmica, tempos depois.

Como sempre, lá estava eu pensando na vida com o mesmo 61entusiasmo do jabuti Osmar , quando tocou o telefone e me

chamaram para uma entrevista.

Dia seguinte lá estava eu na Vila Olímpia, buscando vaga

para estacionar e cumprindo todo o ritual de travar o volante, tirar o

cachimbo da bobina, escapar do flanelinha. Já que estava mesmo

um pouco adiantado, resolvi tomar um café e andei até uma padoca

próxima. Depois fui até o hall de entrada do edifício e dei de cara

com muitas pessoas também aguardando.

Outras mais foram chegando, se ajuntando, até que

alguém veio e indicou uma sala para que nos acomodássemos. Num

quadro branco estavam algumas anotações: o salário, os poucos

benefícios, as muitas obrigações da descrição do cargo e o nome do

entrevistador.

Por mais algum tempo continuaram chegando pessoas, até

que a sala ficou lotada. O homem abriu para perguntas e alguns

começaram a questionar o cargo, o baixo salário, as condições de

trabalho, que não tinham sido informados corretamente e, enfim,

choveram reclamações dos que se achavam mais qualificados. O

sujeito nem se abalou, riu e disse que se era assim, então não

deveriam perder tempo e retirar-se. Depois que os descontentes se

levantaram, ele continuou a operação informando que ao contrário

do que era usual, a resposta para os candidatos reprovados sairia na

hora e no final do dia já teriam preenchido a vaga. Dito isso, pediu

uma redação, forma humana, acrósticos, tudo no verso dos

currículos - para facilitar, segundo ele. Quando todos acabaram,

houve uma pausa e fomos para o corredor tomar água e ficar

batendo papo, conhecendo as pessoas. Mesmo com os que saíram

ainda restava umas quinze almas por ali.

Fui ao banheiro e lavei o rosto para me manter o mais

desperto possível, quando voltei para a sala o entrevistador estava

com vários currículos na mão. Para meu espanto, conforme os

nomes eram anunciados os candidatos se levantavam e iam

embora. Ficamos eu e mais três pessoas a aguardar o

prosseguimento do processo indubitavelmente rápido, mas, pelo

menos, eu era um dos finalistas. Depois veio mais uma hora de jogos

com perguntas idiotas do tipo: você é contra ou a favor do aborto, da

eutanásia, da erradicação dos pobres. Tudo para verificar o nível de

stress e competição nos argumentos de cada um. Eu estava me

dando bem, mas os outros competidores, percebendo que não

podiam me vencer pelo raciocínio, optaram por enclausurar-se em

posturas simpáticas, tentando “ganhar” o entrevistador pelo senso

comum, tipo: prefiro não convencer, mas ser o mais adequado e

coerente (para não dizer, subserviente).

60 Verdade seja dita: Coisa raríssima nestes dias de “faça o que eu digo e não faça o que eu faço”.61 Era uma piada que meu professor de Lógica sempre contava na faculdade sobre um jabuti preguiçoso.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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importantes como ação contínua, postura ética, perspectivas de

longo prazo e ainda sugerisse que se devia respeitar a inteligência da 60equipe. Para encurtar, dias depois recebi um e-mail pela

participação e a campanha da montadora já estava berrando na TV.

O interessante foi notar que o tal lançamento do “carro

diferenciado” era simplesmente uma maquiagem da versão

anterior, com menos potência, com poucos opcionais de série e

preço até mais elevado. O tonto aqui não havia se tocado que o

objetivo real da campanha relâmpago não era alavancar as vendas

de um produto consagrado, motivar a equipe, manter a união rumo

a um objetivo, criar mercado e fidelizar o cliente, avante ao futuro

glorioso. Mas sim, convencer, por ora, os profissionais - que

conhecem mecânica e acabamento - a vender um carro de

qualidade inferior com a mesma gana e entusiasmo que fariam se

oferecessem ao cliente algo realmente espetacular, ou seja: dobrar

suas resistências naturais e convencê-los das vantagens do gato

sobre a lebre. Qualidade? Cuidado ao utilizar este conceito! Pode

ser prejudicial ao seu futuro emprego. Afinal como os chineses já

descobriram há muito tempo, algo descartável, ordinário, mas

muito bem apresentado vende tanto quanto algo que funcione e

satisfaça por longo tempo.

Mas eu estou fugindo do assunto. O exemplo que

realmente ilustra a incômoda situação de estar sendo observado - e

avaliado - foi o que ocorreu em uma outra dinâmica, tempos depois.

Como sempre, lá estava eu pensando na vida com o mesmo 61entusiasmo do jabuti Osmar , quando tocou o telefone e me

chamaram para uma entrevista.

Dia seguinte lá estava eu na Vila Olímpia, buscando vaga

para estacionar e cumprindo todo o ritual de travar o volante, tirar o

cachimbo da bobina, escapar do flanelinha. Já que estava mesmo

um pouco adiantado, resolvi tomar um café e andei até uma padoca

próxima. Depois fui até o hall de entrada do edifício e dei de cara

com muitas pessoas também aguardando.

Outras mais foram chegando, se ajuntando, até que

alguém veio e indicou uma sala para que nos acomodássemos. Num

quadro branco estavam algumas anotações: o salário, os poucos

benefícios, as muitas obrigações da descrição do cargo e o nome do

entrevistador.

Por mais algum tempo continuaram chegando pessoas, até

que a sala ficou lotada. O homem abriu para perguntas e alguns

começaram a questionar o cargo, o baixo salário, as condições de

trabalho, que não tinham sido informados corretamente e, enfim,

choveram reclamações dos que se achavam mais qualificados. O

sujeito nem se abalou, riu e disse que se era assim, então não

deveriam perder tempo e retirar-se. Depois que os descontentes se

levantaram, ele continuou a operação informando que ao contrário

do que era usual, a resposta para os candidatos reprovados sairia na

hora e no final do dia já teriam preenchido a vaga. Dito isso, pediu

uma redação, forma humana, acrósticos, tudo no verso dos

currículos - para facilitar, segundo ele. Quando todos acabaram,

houve uma pausa e fomos para o corredor tomar água e ficar

batendo papo, conhecendo as pessoas. Mesmo com os que saíram

ainda restava umas quinze almas por ali.

Fui ao banheiro e lavei o rosto para me manter o mais

desperto possível, quando voltei para a sala o entrevistador estava

com vários currículos na mão. Para meu espanto, conforme os

nomes eram anunciados os candidatos se levantavam e iam

embora. Ficamos eu e mais três pessoas a aguardar o

prosseguimento do processo indubitavelmente rápido, mas, pelo

menos, eu era um dos finalistas. Depois veio mais uma hora de jogos

com perguntas idiotas do tipo: você é contra ou a favor do aborto, da

eutanásia, da erradicação dos pobres. Tudo para verificar o nível de

stress e competição nos argumentos de cada um. Eu estava me

dando bem, mas os outros competidores, percebendo que não

podiam me vencer pelo raciocínio, optaram por enclausurar-se em

posturas simpáticas, tentando “ganhar” o entrevistador pelo senso

comum, tipo: prefiro não convencer, mas ser o mais adequado e

coerente (para não dizer, subserviente).

60 Verdade seja dita: Coisa raríssima nestes dias de “faça o que eu digo e não faça o que eu faço”.61 Era uma piada que meu professor de Lógica sempre contava na faculdade sobre um jabuti preguiçoso.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

112 113

Finda esta etapa, o sujeito nos colocou para correr e disse

que até as seis horas daria um telefonema. Quem não o recebesse

podia ir cantar em outra freguesia. Estou até hoje aguardando o

telefone tocar, e isto, é claro que não vai acontecer. Provavelmente

eu fui o melhor, mais articulado, arrojado, empreendedor e

racional. Mas como o cargo não era executivo, e sim operacional,

devem ter achado que eu não “servia”.

Na maioria das vezes, destacar-se não significa aprovação,

mas pelo contrário, rejeição. É preciso adequar o discurso para o

que está previsto no perfil ou você, por melhor que seja, estará

descartado. Veja, no final do livro, um “causo” interessante que

ocorreu com Winston Churchill e que tem circulado na internet: a 62inteligência e capacidade sempre ameaçam os medíocres. E estes

revidam ferozmente. Que foi? Nunca viu novela! É real!

O mais engraçado é que a empresa não fechou a vaga. Por

mais de dois meses ainda vi o mesmo anúncio em jornais e sites de

empregos. O que será que aconteceu? Os candidatos não se

habituaram ao clima serrano do Rio? Os naturebas não gostaram

dos candidatos aprovados à corte de facão? Ou se tratava de mais

uma armadilha? Eis mais um mistério que ronda os perdidos nas

selvas do desemprego e que nenhuma ciência ou metafísica jamais

responderá!

No entanto, novamente a filosofia pode dar algumas pistas,

dentre estes paus e pedras do meio do caminho, situando a

relevância do respeito à condição humana, valorizando condutas

afirmativas e propondo a proteção do indivíduo contra danos

subjetivos:

Se nos sujeitarmos a um poder irresponsável, descobriremos,

antes de mais nada, que existem muitas coisas que não somos

livres para dizer ou fazer. Acima de tudo, precisaremos ter certeza

de evitar dizer ou fazer algo que possa ser interpretado pelos

mandatários como ato de desafio, competição ou crítica. Também

descobriremos que nos falta a liberdade de nos abstermos de dizer

ou fazer certas coisas. Quando chamados a aconselhar nossos

mandatários ou comentar seu comportamento, nos veremos

constrangidos a endossar toda e qualquer política que eles já

desejem implementar. Mais sério ainda é o permanente dano

psicológico infligido por essas formas de autocensura... A servidão

inevitavelmente alimenta o servilismo. Quando toda uma nação é

impedida de exercer seus mais elevados talentos e virtudes, essas

qualidades começam a atrofiar e as pessoas gradualmente

mergulham numa abjeta condição de torpor e apatia.63(Skinner,2002)

62 Continue lendo e aprenda um pouco mais sobre como se apresentar numa primeira vez.

63 Quentin Skinner - A Third Concept of Liberty in London Review of Books, vol. 24, nr.7, 2002.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

114 115

Finda esta etapa, o sujeito nos colocou para correr e disse

que até as seis horas daria um telefonema. Quem não o recebesse

podia ir cantar em outra freguesia. Estou até hoje aguardando o

telefone tocar, e isto, é claro que não vai acontecer. Provavelmente

eu fui o melhor, mais articulado, arrojado, empreendedor e

racional. Mas como o cargo não era executivo, e sim operacional,

devem ter achado que eu não “servia”.

Na maioria das vezes, destacar-se não significa aprovação,

mas pelo contrário, rejeição. É preciso adequar o discurso para o

que está previsto no perfil ou você, por melhor que seja, estará

descartado. Veja, no final do livro, um “causo” interessante que

ocorreu com Winston Churchill e que tem circulado na internet: a 62inteligência e capacidade sempre ameaçam os medíocres. E estes

revidam ferozmente. Que foi? Nunca viu novela! É real!

O mais engraçado é que a empresa não fechou a vaga. Por

mais de dois meses ainda vi o mesmo anúncio em jornais e sites de

empregos. O que será que aconteceu? Os candidatos não se

habituaram ao clima serrano do Rio? Os naturebas não gostaram

dos candidatos aprovados à corte de facão? Ou se tratava de mais

uma armadilha? Eis mais um mistério que ronda os perdidos nas

selvas do desemprego e que nenhuma ciência ou metafísica jamais

responderá!

No entanto, novamente a filosofia pode dar algumas pistas,

dentre estes paus e pedras do meio do caminho, situando a

relevância do respeito à condição humana, valorizando condutas

afirmativas e propondo a proteção do indivíduo contra danos

subjetivos:

Se nos sujeitarmos a um poder irresponsável, descobriremos,

antes de mais nada, que existem muitas coisas que não somos

livres para dizer ou fazer. Acima de tudo, precisaremos ter certeza

de evitar dizer ou fazer algo que possa ser interpretado pelos

mandatários como ato de desafio, competição ou crítica. Também

descobriremos que nos falta a liberdade de nos abstermos de dizer

ou fazer certas coisas. Quando chamados a aconselhar nossos

mandatários ou comentar seu comportamento, nos veremos

constrangidos a endossar toda e qualquer política que eles já

desejem implementar. Mais sério ainda é o permanente dano

psicológico infligido por essas formas de autocensura... A servidão

inevitavelmente alimenta o servilismo. Quando toda uma nação é

impedida de exercer seus mais elevados talentos e virtudes, essas

qualidades começam a atrofiar e as pessoas gradualmente

mergulham numa abjeta condição de torpor e apatia.63(Skinner,2002)

62 Continue lendo e aprenda um pouco mais sobre como se apresentar numa primeira vez.

63 Quentin Skinner - A Third Concept of Liberty in London Review of Books, vol. 24, nr.7, 2002.

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CAPÍTULO III

NA COVA DOS LEÕES

1 - Na frente do empregador: O Teatro do Chefe

Se vocês conseguiram manter a sanidade através do longo e

tenebroso percurso entre a seleção, testes e entrevistas, fatalmente

se depararão com uma última e não menos importante etapa de sua

via crucis: se apresentar ao empregador. Normalmente, os

contratadores não confiam totalmente nas agências e pedem para

“conhecer e aprovar” os candidatos finalistas. A palavra final

sempre é deles, já que dificilmente uma empresa ou selecionador

vai abrir o bico em caso de alguma escolha equivocada, eles são

pragmáticos demais para isso (querem é concluir o processo e

receber os honorários. Se não der certo, iniciam a seleção do zero, e

vão lá cobrar de novo dos stakeholders, hahaha!). Portanto, prepare-

se para viver um esquete manjado, gasto, do tipo enlatado trash

americano, onde no interrogatório existe o policial bonzinho e o

malvado.

Cair nesta esparrela significa botar a perder todo o seu

esforço e orações. Não se esqueça que nem Deus pode se imiscuir

no livre arbítrio humano, deste modo, esteja pronto para negociar

com esta dupla dinâmica. Por vezes é um só, que se mostra afável ou

duro, conforme a ocasião. Mas normalmente são dois,

desempenhando um teatrinho de fantoches. Nestas situações, o

mais importante é não acreditar nem por um minuto no que as

aparências indicam, pois se trata de uma situação armada para os

incautos, que se crendo quase aprovados, abrem a guarda e aí,

baubau!

Veja só você, ali, na frente de dois desconhecidos: um

simpático e comunicativo e outro sério e circunspecto, com seu

currículo na mão. O primeiro faz tudo para cativar sua atenção e aí

você só responde a ele, instintivamente ignorando ou desprezando

o outro, ameaçador. O cara levanta a voz, extrovertido e você, feliz,

acompanha o jogo. Ele dá risada e você se sente em casa e arrisca

até umas tiradas de efeito, engraçadas mesmo. O outro, só

observando e querendo saber sobre coisas profissionais. O primeiro

amenizando todos os enfoques apresenta-se como o subalterno do

chefe “bravo”, mas que pode ser manipulado com jeitinho e você

indo na dele. Eles trocam olhares a todo o momento, cúmplices que

são, e você agora discorre abertamente sobre seus sentimentos,

posição política, futebol, sobre o que ama e odeia, além de ter a

ousadia de contradizer o caladão, pois concorda com o bem falante.

Perdeu, cara!

O objetivo aqui é saber qual a chance de você ser um

completo irresponsável, se resiste à pressão, a uma “boa conversa”,

se obedece ou não à hierarquia. Querem, na realidade, saber se

você pode ser diplomático e confiante o suficiente para afirmar suas

opiniões e não ofender as posições contrárias. Querem saber como

você se comportaria de fato, se sabe ou não o que diz saber. Se você

caiu na lábia do “amigo”, deu atenção só a ele, ficou bem

demonstrado que sua personalidade é maleável “demais” ou, com

certeza, você deixou escapar alguma minúcia que eles abominam e

você já Elvis! Pelo contrário, se você detestou a intimidade,

acautelou-se e ficou de olho apenas no taciturno, também não foi

muito bem, já que na vida real o maluco pode ser ele e, deste modo,

mesmo agindo como o “sério”, você não se mostrou autêntico. Além

dos problemas de uma “escolha” entre os dois tipos de abordagem,

existe também a questão de simpatia ou antipatia. Poucas pessoas

possuem um arcabouço ético ou psicológico suficiente para

enfrentar quem é potencialmente melhor que si. Se você foi muito

brilhante, naturalmente é um ente ameaçador e será descartado na

hora, pela covardia inerente ao mundo cão.

Se, você apenas optou por um dos dois lados, certamente

despertou antipatia no que foi preterido e também estará fora. Se

você não conseguiu ser franco, autêntico, afável e objetivo o

suficiente, também dançou. Sem mencionar que existem disputas

de poder dentro de uma empresa e que uma escolha certa

(contratarem você, por exemplo), pode ser anulada pela

mesquinharia e egoísmo tipicamente humanos. Acredite no que

digo: não existe uma ética corporativa ou sociedade empresarial

perfeita baseada apenas na qualificação e experiência. Isto é uma

ideologia que nos vendem os manuais administrativos de auto-

ajuda. A realidade, como sempre pode ser outra. Veja só um caso

real - aconteceu comigo - um pouco antes de me demitirem na

indústria kamikaze onde eu trabalhava:

64- Luíííís, gritou o chefe da sala de reuniões, venha aqui já!

- Pois não? Você me chamou?

- Já passa das 14h30 e o Datake não chegou. As promotoras estão

esperando há um tempão e você vai me ajudar na seleção. Sentaí que

vou explicar o esqueminha. Prestenção. Ó, o negócio é o seguinte: uma

hora você é o mala, se faz de sério e depois é a minha vez de apertar.

Outra coisa: você não me abra a boca quando eu estiver falando. Essa

mania que você tem de contemporizar é irritante. Não estamos aqui

buscando o lado melhor das coisas, nem temos tempo a perder.

Estamos contratando, captou? Vai lá e manda a primeira entrar. Eu

começo.

- Certo...Você é quem manda.

- Vai, vai logo.

Uma a uma eu conduzi as candidatas para dentro da sala e ali,

iniciávamos uma bateria de perguntas pessoais e profissionais.

Queríamos saber de todos os “ses”: se eram casadas; se tinham

filhos; se pretendiam engravidar; se agüentavam pressão; se

lidavam com clientes insatisfeitos, se moravam longe, quais os

objetivos, porque estavam ali, o que esperavam da vida e as

fazíamos repetirem tudo o que já estava escrito no currículo como

nas fichas que haviam preenchido antes. Verificávamos as

respostas: se os objetivos eram compatíveis (se não tinham,

cortávamos, se eram ambiciosas demais, cortávamos também, pois

sabíamos que nunca haveria promoções e, na verdade, a vaga era

64 Impossível não relacionar minha situação com a de Mortadelo...

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

118 119

Veja só você, ali, na frente de dois desconhecidos: um

simpático e comunicativo e outro sério e circunspecto, com seu

currículo na mão. O primeiro faz tudo para cativar sua atenção e aí

você só responde a ele, instintivamente ignorando ou desprezando

o outro, ameaçador. O cara levanta a voz, extrovertido e você, feliz,

acompanha o jogo. Ele dá risada e você se sente em casa e arrisca

até umas tiradas de efeito, engraçadas mesmo. O outro, só

observando e querendo saber sobre coisas profissionais. O primeiro

amenizando todos os enfoques apresenta-se como o subalterno do

chefe “bravo”, mas que pode ser manipulado com jeitinho e você

indo na dele. Eles trocam olhares a todo o momento, cúmplices que

são, e você agora discorre abertamente sobre seus sentimentos,

posição política, futebol, sobre o que ama e odeia, além de ter a

ousadia de contradizer o caladão, pois concorda com o bem falante.

Perdeu, cara!

O objetivo aqui é saber qual a chance de você ser um

completo irresponsável, se resiste à pressão, a uma “boa conversa”,

se obedece ou não à hierarquia. Querem, na realidade, saber se

você pode ser diplomático e confiante o suficiente para afirmar suas

opiniões e não ofender as posições contrárias. Querem saber como

você se comportaria de fato, se sabe ou não o que diz saber. Se você

caiu na lábia do “amigo”, deu atenção só a ele, ficou bem

demonstrado que sua personalidade é maleável “demais” ou, com

certeza, você deixou escapar alguma minúcia que eles abominam e

você já Elvis! Pelo contrário, se você detestou a intimidade,

acautelou-se e ficou de olho apenas no taciturno, também não foi

muito bem, já que na vida real o maluco pode ser ele e, deste modo,

mesmo agindo como o “sério”, você não se mostrou autêntico. Além

dos problemas de uma “escolha” entre os dois tipos de abordagem,

existe também a questão de simpatia ou antipatia. Poucas pessoas

possuem um arcabouço ético ou psicológico suficiente para

enfrentar quem é potencialmente melhor que si. Se você foi muito

brilhante, naturalmente é um ente ameaçador e será descartado na

hora, pela covardia inerente ao mundo cão.

Se, você apenas optou por um dos dois lados, certamente

despertou antipatia no que foi preterido e também estará fora. Se

você não conseguiu ser franco, autêntico, afável e objetivo o

suficiente, também dançou. Sem mencionar que existem disputas

de poder dentro de uma empresa e que uma escolha certa

(contratarem você, por exemplo), pode ser anulada pela

mesquinharia e egoísmo tipicamente humanos. Acredite no que

digo: não existe uma ética corporativa ou sociedade empresarial

perfeita baseada apenas na qualificação e experiência. Isto é uma

ideologia que nos vendem os manuais administrativos de auto-

ajuda. A realidade, como sempre pode ser outra. Veja só um caso

real - aconteceu comigo - um pouco antes de me demitirem na

indústria kamikaze onde eu trabalhava:

64- Luíííís, gritou o chefe da sala de reuniões, venha aqui já!

- Pois não? Você me chamou?

- Já passa das 14h30 e o Datake não chegou. As promotoras estão

esperando há um tempão e você vai me ajudar na seleção. Sentaí que

vou explicar o esqueminha. Prestenção. Ó, o negócio é o seguinte: uma

hora você é o mala, se faz de sério e depois é a minha vez de apertar.

Outra coisa: você não me abra a boca quando eu estiver falando. Essa

mania que você tem de contemporizar é irritante. Não estamos aqui

buscando o lado melhor das coisas, nem temos tempo a perder.

Estamos contratando, captou? Vai lá e manda a primeira entrar. Eu

começo.

- Certo...Você é quem manda.

- Vai, vai logo.

Uma a uma eu conduzi as candidatas para dentro da sala e ali,

iniciávamos uma bateria de perguntas pessoais e profissionais.

Queríamos saber de todos os “ses”: se eram casadas; se tinham

filhos; se pretendiam engravidar; se agüentavam pressão; se

lidavam com clientes insatisfeitos, se moravam longe, quais os

objetivos, porque estavam ali, o que esperavam da vida e as

fazíamos repetirem tudo o que já estava escrito no currículo como

nas fichas que haviam preenchido antes. Verificávamos as

respostas: se os objetivos eram compatíveis (se não tinham,

cortávamos, se eram ambiciosas demais, cortávamos também, pois

sabíamos que nunca haveria promoções e, na verdade, a vaga era

64 Impossível não relacionar minha situação com a de Mortadelo...

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temporária), se não chegariam atrasadas, de faltar para levar filhos

ao médico, qual a cor da pele, tipo físico, como estavam vestidas,

evidências de orientação sexual ou se haveria “facilidades” de

abordagem sexual posterior, se eram articuladas, se poderiam ser

treinadas, enfim: todo um escopo dos mais abjetos, ilegais e sub-

reptícios era tido como “critério”. Mas no final quem decidia era o

cara, sozinho. Eu estava ali apenas porque obedecia a ordens.

Nos intervalos, trocávamos de função e fazíamos um

resumo da entrevista. Durante as perguntas, um ficava de olho no

outro para frisar ou denunciar alguma coisa fora dos padrões.

Depois eram feitas anotações nos currículos e separados para

apresentar ao gerente, que depois iria falar com as que foram

se lec ionadas . Mui tas daquelas coi tadas , sent indo -se

“compreendidas” pelo empregador, contavam seus sonhos e

esperanças de vir a trabalhar numa “empresa grande”, que isto iria

dar uma chance de melhorar o futuro de seus filhos, ajudarem em

casa, voltar a estudar, casar, pagar suas dívidas, arrumar um

emprego, ser efetivada e tudo o que é normal, sadio e desejável em

qualquer pessoa. Mas estas eram as suas famosas últimas palavras...

Tive que ter estômago para agüentar aquela tarde

interminável. Foram mais de 20 entrevistas para selecionarmos um

time de 8 pessoas. Qualquer menção a situações e opiniões que eles

achavam estar “fora do perfil” era motivo de perder pontos na

avaliação. No final, de todas as candidatas que eu selecionei por

suas competências, experiência no perfil da vaga e - principalmente 65- por sua necessidade real de emprego , foram descartadas. Eu, que

a despeito da advertência inicial já havia levado algumas duras, por

me intrometer nos juízos do chefe, mesmo assim arrisquei e bati o pé

para contratar uma que me pareceu especial. Afinal, eu seria o

supervisor em campo e precisava de ao menos uma profissional que

desse conta do recado e não alguém sem capacidades. Assim,

convenci-o de que ela era interessante e ele acabou descartando

outra que nem sequer sabia assinar o nome direito, mas tinha dotes

estéticos inegáveis. Foi a contragosto, quase queimei meu filme,

mas ela saiu e a mais competente acabou sendo contratada.

Como ilustrou a experiência acima, sempre que você

estiver na mesma situação pense e pondere, muito, suas respostas e

não se deixe levar pela onda. Nada é o que parece ser. Procure ser

afável, desembaraçado e até sociável, mas imponha-se um limite e

não saia dele. Não tente impressionar os dois ao mesmo tempo, pois

eles estarão usando de posturas e discursos diferentes e, como diz a

Bíblia, não dá para servir a dois senhores. Seja o mais autêntico

possível, inclusive procure deixar bem claro que você é uma pessoa

que consegue enfrentar pressões. Isto significa que se tiver que

discordar dos dois em assuntos de ordem ética ou polêmica, sinta-se

à vontade.

Outro ponto deste breve capítulo são as entrevistas finais

que são levadas a cabo por uma só pessoa. Talvez sejam as mais

perigosas, pois além de você sentir na pele que é estar quase lá, o

nervosismo pode botar tudo a perder. Sem mencionar que nestes

casos, o clima agradável pode ser a mais fatal e traiçoeira armadilha

que você já enfrentou na sua vida profissional. Veja só pelo que

passou este humilde narrador, quando caiu nesta esparrela:

- Bom dia! Prazer em conhecer! Sente-se, disse o anfitrião, afável e

generoso. Nossa! Seu currículo é impressionante. Parece que encontrei

quem estava procurando. Vamos lá! Me diga um pouco mais sobre

você.

- Bom, eu agradeço muito estar sendo recebido. Na verdade procuro

uma oportunidade de poder oferecer minha dedicação. Tenho grande

experiência em marketing, vendas e na parte promocional e acredito

que posso contribuir muito para o desempenho da equipe.

- Sei. Nossa empresa trabalha com armas e pretendemos expandir

nossos negócios junto aos órgãos militares e de segurança. O que temos

em mente é uma pessoa que possa fazer a interface entre a parte de

relações públicas, marketing e promoção. Você se julga apto para a

vaga? Tem facilidade em chegar até aqui? Está estudando? Quais seus

objetivos?

Entusiasmado com a recepção comecei a discorrer sobre o que

sabia fazer, sobre a alegria de estar ali, que não via nenhum

problema com o produto (odeio armas!) e estava à total disposição

da empresa. Mas, enquanto falava, uma sensação emergiu de meu 65 Ninguém trabalha mais e motivadamente que um empregado agradecido. Isto, só os consultores não vêem.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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temporária), se não chegariam atrasadas, de faltar para levar filhos

ao médico, qual a cor da pele, tipo físico, como estavam vestidas,

evidências de orientação sexual ou se haveria “facilidades” de

abordagem sexual posterior, se eram articuladas, se poderiam ser

treinadas, enfim: todo um escopo dos mais abjetos, ilegais e sub-

reptícios era tido como “critério”. Mas no final quem decidia era o

cara, sozinho. Eu estava ali apenas porque obedecia a ordens.

Nos intervalos, trocávamos de função e fazíamos um

resumo da entrevista. Durante as perguntas, um ficava de olho no

outro para frisar ou denunciar alguma coisa fora dos padrões.

Depois eram feitas anotações nos currículos e separados para

apresentar ao gerente, que depois iria falar com as que foram

se lec ionadas . Mui tas daquelas coi tadas , sent indo -se

“compreendidas” pelo empregador, contavam seus sonhos e

esperanças de vir a trabalhar numa “empresa grande”, que isto iria

dar uma chance de melhorar o futuro de seus filhos, ajudarem em

casa, voltar a estudar, casar, pagar suas dívidas, arrumar um

emprego, ser efetivada e tudo o que é normal, sadio e desejável em

qualquer pessoa. Mas estas eram as suas famosas últimas palavras...

Tive que ter estômago para agüentar aquela tarde

interminável. Foram mais de 20 entrevistas para selecionarmos um

time de 8 pessoas. Qualquer menção a situações e opiniões que eles

achavam estar “fora do perfil” era motivo de perder pontos na

avaliação. No final, de todas as candidatas que eu selecionei por

suas competências, experiência no perfil da vaga e - principalmente 65- por sua necessidade real de emprego , foram descartadas. Eu, que

a despeito da advertência inicial já havia levado algumas duras, por

me intrometer nos juízos do chefe, mesmo assim arrisquei e bati o pé

para contratar uma que me pareceu especial. Afinal, eu seria o

supervisor em campo e precisava de ao menos uma profissional que

desse conta do recado e não alguém sem capacidades. Assim,

convenci-o de que ela era interessante e ele acabou descartando

outra que nem sequer sabia assinar o nome direito, mas tinha dotes

estéticos inegáveis. Foi a contragosto, quase queimei meu filme,

mas ela saiu e a mais competente acabou sendo contratada.

Como ilustrou a experiência acima, sempre que você

estiver na mesma situação pense e pondere, muito, suas respostas e

não se deixe levar pela onda. Nada é o que parece ser. Procure ser

afável, desembaraçado e até sociável, mas imponha-se um limite e

não saia dele. Não tente impressionar os dois ao mesmo tempo, pois

eles estarão usando de posturas e discursos diferentes e, como diz a

Bíblia, não dá para servir a dois senhores. Seja o mais autêntico

possível, inclusive procure deixar bem claro que você é uma pessoa

que consegue enfrentar pressões. Isto significa que se tiver que

discordar dos dois em assuntos de ordem ética ou polêmica, sinta-se

à vontade.

Outro ponto deste breve capítulo são as entrevistas finais

que são levadas a cabo por uma só pessoa. Talvez sejam as mais

perigosas, pois além de você sentir na pele que é estar quase lá, o

nervosismo pode botar tudo a perder. Sem mencionar que nestes

casos, o clima agradável pode ser a mais fatal e traiçoeira armadilha

que você já enfrentou na sua vida profissional. Veja só pelo que

passou este humilde narrador, quando caiu nesta esparrela:

- Bom dia! Prazer em conhecer! Sente-se, disse o anfitrião, afável e

generoso. Nossa! Seu currículo é impressionante. Parece que encontrei

quem estava procurando. Vamos lá! Me diga um pouco mais sobre

você.

- Bom, eu agradeço muito estar sendo recebido. Na verdade procuro

uma oportunidade de poder oferecer minha dedicação. Tenho grande

experiência em marketing, vendas e na parte promocional e acredito

que posso contribuir muito para o desempenho da equipe.

- Sei. Nossa empresa trabalha com armas e pretendemos expandir

nossos negócios junto aos órgãos militares e de segurança. O que temos

em mente é uma pessoa que possa fazer a interface entre a parte de

relações públicas, marketing e promoção. Você se julga apto para a

vaga? Tem facilidade em chegar até aqui? Está estudando? Quais seus

objetivos?

Entusiasmado com a recepção comecei a discorrer sobre o que

sabia fazer, sobre a alegria de estar ali, que não via nenhum

problema com o produto (odeio armas!) e estava à total disposição

da empresa. Mas, enquanto falava, uma sensação emergiu de meu 65 Ninguém trabalha mais e motivadamente que um empregado agradecido. Isto, só os consultores não vêem.

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inconsciente. Algo de inseguro estava se apresentando e ia

crescendo. Eu estava botando para fora todas as minhas energias,

no afã de convencer e manter a empatia com o dono da empresa,

mas sentia que me enfraquecia a cada frase dita. Quanto mais me

empenhava, mais as palavras me escapavam e lutava contra mim

mesmo para parecer coerente. Era estranho me sentir assim, no

entanto, continuei. Eu precisava aproveitar o momento e

impressionar o homem a todo custo. Assim falei até as tampas e só

parei quando, já exausto, percebi que não tinha mais nada para

acrescentar. Quando eu finalmente deixei que ele falasse, fui

abatido à queima roupa por uma situação inesperada:

- Well, I think I get very enough about your experience. Listen very

carefully: the person I have in mind must be so proficient and it's

mandatory. I want a quite objective explanation regarding your way to

obtain these desirable targets. Would you like to resume this? What you

really want of us? Let me know how you run your english, and remember: 66

from now on you're straight making your choices!

De um momento para outro, a vaga impressão de insegurança se

transformou em pânico explícito. Diante daquela ameaça, eu

simplesmente não conseguia articular meu raciocínio. Houve uma

súbita transformação no clima. O gentil empresário deixara cair a

máscara e mostrava suas afiadas garras. Comecei a suar, primeiro

porque pressenti que falara demais em meu idioma nativo e, depois,

porque estava claro que iria ser contratado ou dispensado a partir

das próximas frases. Enquanto isso, o homem me olhava fixamente

nos olhos, observando cada movimento. De repente eu gelei. Fazia

tempo que não falava em inglês, embora tivesse excelentes

conhecimentos na língua. Mas, não estava esperando ser

entrevistado assim, no máximo um teste escrito ou coisa do gênero.

Tinha que agir rápido. Achei que precisava responder prontamente,

então engoli em seco e comecei:

- Shure. So… I…I …you know…is quite difficult to explain myself in single

words. I would like to say that's an opportunity to reestart my career and I'll

try to do my best. I beg you pardon me, because my last personal

conversation in english was such a long time ago…Look… I mean…All I

really want to say it's I'm feel a little rusty, by now. But, you know…it's a

matter of practicise. I have all the required knowledge and really need this

position. I'm shure to offer my colaboration in all whole required 67

assignments.68

- Oh, really? I can bear it!

Desnecessário continuar com a novela, já que não houve final feliz.

Quando se está em determinada faixa etária, as pessoas acham que

você deve ser um expertise em tudo o que faz ou diz. Ninguém

admite a mínima hesitação. É um pensamento retrógrado supor que

os adultos devem dominar o mundo e todas as suas relações, porque

são adultos. Mas, infelizmente não são somente as crianças que

acham não existir insegurança ou improvisação quando se é

grande.

Tivesse eu alguns anos a menos e, certamente minha

momentânea falta de efeito solo seria relevada, com

condescendência até. Não agora. Eles querem perfeições a preços

módicos e qualquer indicador de alteridade e/ou alteração é fator

de discriminação quando conjugado com a idade. Lembro que,

antes de sair ele ainda perguntou a minha idade, ficou me olhando

e, metaforicamente, deduzi seus pensamentos que diziam algo

como: Que pena! Ele parecia que tinha qualificações, mas não

passava de uma casca vazia! Não vale a pena perder mais tempo, o

melhor é chamar o próximo da lista.

66 Tradução aproximada: Bem, eu penso que já ouvi mais que o suficiente sobre sua experiência. Ouça com muita atenção: a pessoa que eu tenho em mente deve ser muito proficiente e isto é obrigatório. Eu quero agora uma explanação bem objetiva acerca de como você fará para obter as metas desejadas. Poderia resumir isto? O que você realmente espera de nós? Deixe-me saber como vai seu inglês e, lembre-se: a partir de agora tudo depende só de você!

67 Tradução aproximada (as correções dos erros estão entre parênteses): Certo...Então...Eu...Eu...Você sabe...É muito difícil explanar tudo sobre mim mesmo (about me = sobre mim) em simples (few = poucas) palavras. Eu gostaria de dizer que esta é uma oportunidade de recomeçar minha carreira e eu tentarei fazer o meu melhor. Eu quero que você me desculpe porque minha última conversação pessoal (personal = era desnecessário dizer isto) em inglês foi há muito tempo atrás...Veja...Eu queria...Eu quero dizer que eu me sinto um pouco enferrujado, por ora. Mas isto é questão de prática, voe compreende. Eu possuo todos os conhecimentos requeridos e realmente preciso muito deste emprego. Estou certo de poder oferecer minha colaboração em tudo o que for requerido para as tarefas.68 Tradução ao pé da letra: Fala sério? Eu acho que posso viver com isso!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

122 123

inconsciente. Algo de inseguro estava se apresentando e ia

crescendo. Eu estava botando para fora todas as minhas energias,

no afã de convencer e manter a empatia com o dono da empresa,

mas sentia que me enfraquecia a cada frase dita. Quanto mais me

empenhava, mais as palavras me escapavam e lutava contra mim

mesmo para parecer coerente. Era estranho me sentir assim, no

entanto, continuei. Eu precisava aproveitar o momento e

impressionar o homem a todo custo. Assim falei até as tampas e só

parei quando, já exausto, percebi que não tinha mais nada para

acrescentar. Quando eu finalmente deixei que ele falasse, fui

abatido à queima roupa por uma situação inesperada:

- Well, I think I get very enough about your experience. Listen very

carefully: the person I have in mind must be so proficient and it's

mandatory. I want a quite objective explanation regarding your way to

obtain these desirable targets. Would you like to resume this? What you

really want of us? Let me know how you run your english, and remember: 66

from now on you're straight making your choices!

De um momento para outro, a vaga impressão de insegurança se

transformou em pânico explícito. Diante daquela ameaça, eu

simplesmente não conseguia articular meu raciocínio. Houve uma

súbita transformação no clima. O gentil empresário deixara cair a

máscara e mostrava suas afiadas garras. Comecei a suar, primeiro

porque pressenti que falara demais em meu idioma nativo e, depois,

porque estava claro que iria ser contratado ou dispensado a partir

das próximas frases. Enquanto isso, o homem me olhava fixamente

nos olhos, observando cada movimento. De repente eu gelei. Fazia

tempo que não falava em inglês, embora tivesse excelentes

conhecimentos na língua. Mas, não estava esperando ser

entrevistado assim, no máximo um teste escrito ou coisa do gênero.

Tinha que agir rápido. Achei que precisava responder prontamente,

então engoli em seco e comecei:

- Shure. So… I…I …you know…is quite difficult to explain myself in single

words. I would like to say that's an opportunity to reestart my career and I'll

try to do my best. I beg you pardon me, because my last personal

conversation in english was such a long time ago…Look… I mean…All I

really want to say it's I'm feel a little rusty, by now. But, you know…it's a

matter of practicise. I have all the required knowledge and really need this

position. I'm shure to offer my colaboration in all whole required 67

assignments.68

- Oh, really? I can bear it!

Desnecessário continuar com a novela, já que não houve final feliz.

Quando se está em determinada faixa etária, as pessoas acham que

você deve ser um expertise em tudo o que faz ou diz. Ninguém

admite a mínima hesitação. É um pensamento retrógrado supor que

os adultos devem dominar o mundo e todas as suas relações, porque

são adultos. Mas, infelizmente não são somente as crianças que

acham não existir insegurança ou improvisação quando se é

grande.

Tivesse eu alguns anos a menos e, certamente minha

momentânea falta de efeito solo seria relevada, com

condescendência até. Não agora. Eles querem perfeições a preços

módicos e qualquer indicador de alteridade e/ou alteração é fator

de discriminação quando conjugado com a idade. Lembro que,

antes de sair ele ainda perguntou a minha idade, ficou me olhando

e, metaforicamente, deduzi seus pensamentos que diziam algo

como: Que pena! Ele parecia que tinha qualificações, mas não

passava de uma casca vazia! Não vale a pena perder mais tempo, o

melhor é chamar o próximo da lista.

66 Tradução aproximada: Bem, eu penso que já ouvi mais que o suficiente sobre sua experiência. Ouça com muita atenção: a pessoa que eu tenho em mente deve ser muito proficiente e isto é obrigatório. Eu quero agora uma explanação bem objetiva acerca de como você fará para obter as metas desejadas. Poderia resumir isto? O que você realmente espera de nós? Deixe-me saber como vai seu inglês e, lembre-se: a partir de agora tudo depende só de você!

67 Tradução aproximada (as correções dos erros estão entre parênteses): Certo...Então...Eu...Eu...Você sabe...É muito difícil explanar tudo sobre mim mesmo (about me = sobre mim) em simples (few = poucas) palavras. Eu gostaria de dizer que esta é uma oportunidade de recomeçar minha carreira e eu tentarei fazer o meu melhor. Eu quero que você me desculpe porque minha última conversação pessoal (personal = era desnecessário dizer isto) em inglês foi há muito tempo atrás...Veja...Eu queria...Eu quero dizer que eu me sinto um pouco enferrujado, por ora. Mas isto é questão de prática, voe compreende. Eu possuo todos os conhecimentos requeridos e realmente preciso muito deste emprego. Estou certo de poder oferecer minha colaboração em tudo o que for requerido para as tarefas.68 Tradução ao pé da letra: Fala sério? Eu acho que posso viver com isso!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

122 123

De nada adiantaria explicar que eu tinha sim, as

competências requeridas e que o que dizia era verdade. Os juízos de

valor, uma vez efetuados são irredutíveis ao bom senso. Descobrira,

afinal, de onde vinha minha insegurança: vinha da possibilidade

iminente de conseguir o tão sonhado e necessário emprego! Era um

alerta psíquico que estava querendo me dizer para ir mais devagar,

para medir mais as palavras, para - como na música - utilizar as

pausas para causar efeito. Era a voz da minha experiência que me

gritava lá de dentro: cuidado, ele vai atacar!

Mas, na ânsia de conseguir o que estava tão perto, confiei

que seria compreendido, que o importante era a minha experiência, 69a minha intensidade de dedicação e esqueci que as pessoas não

medem nada mais senão o desempenho. Eu estava tão empolgado

em mostrar-me capaz que acabei dando a entender que era o oposto

daquilo. Mesmo se tivesse balbuciado, engasgado ou tossido, porém

tivesse mantido o controle de meus nervos e não tivesse me

apressado para responder a tudo prontamente, de maneira

definitiva, teria sido contratado. Nas entrevistas, como na vida, um

pouco de conhecimento de técnicas de teatro é de muita valia.

Tivesse eu agido de forma mais estudada e não seria presa de minha

ansiedade. A ironia é que depois de sair dali, eu estava pronto a

declamar Shakespeare, mas na hora que realmente importava,

vacilei.

De tudo isso, tiramos duas importantes conclusões: uma é

que devemos confiar mais em nossas intuições do que em juízos

“racionais” sobre o ambiente e as pessoas ao nosso redor: afinal, 70tudo pode ser uma bem urdida farsa. A segunda é que não

devemos nos deixar envolver, excessivamente, por nossas

expectativas e desejos, pois elas podem nos colocar em sérias

dificuldades. E, como na antiguidade, ao seguir olhando as estrelas,

caímos no poço em frente e, no final, ainda temos que agüentar o

sarcasmo de quem nos viu desabar.

2 - Postura e Comprometimento: Fugir da Falta e do Excesso

Como foi dito anteriormente, ainda não podemos nos esquecer

daquilo que foi e sempre será objeto de reflexão por parte daqueles

que desejam um conhecimento mais efetivo sobre como se portar

diante das circunstâncias. Se lembrarmos de pesquisar os que nos

antecederam, verificaremos que algo de valioso foi escrito há mais

de 2.300 anos. Estou falando de Ética a Nicômaco, um dos livros

atribuídos a Aristóteles e que pode nos dar pistas importantes sobre

como devemos encarar a vida e as relações que mantemos com o

mundo. Trata-se de um clássico, em linguagem um pouco pesada,

mas - muito grosso modo - nos informa que devemos sempre buscar

o meio termo. Não o meio termo linear entre duas medidas

diferentes, mas o nosso meio termo entre medidas diferentes,

através de um exercício de virtudes.

E virtude pode ser definida como o funcionamento de

acordo com a sua constituição própria, em máximo grau de

excelência. Não se quer dizer aqui se trate de uma escolha entre 71bens, mas a mais desejável de todas as coisas , sendo algo absoluto e

auto-suficiente, a própria finalidade da ação. Mas esta ação deve-se

se dar no intervalo entre o excesso e a falta, seguindo de acordo com

a regra justa, pois tanto o excesso quanto a deficiência destroem a força 72do agente. Esta mediação, esta mediocridade áurea é justamente

em relação a nós mesmos e nunca entre extremos conceituais. Aliás,

a virtude é, então, esta disposição de caráter relacionada com a

escolha e consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós,

a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem 73dotado de sabedoria prática.

Ao mesmo tempo, o conceito está diretamente ligado à

escolha, onde existe um papel preponderante a ser cumprido pelas

paixões, uma vez que devemos levar em conta os meios para os

quais se dirigem estas escolhas e não propriamente aos fins, que se

encontram dados. O importante é saber se posicionar em relação aos

meios adequados para que se processe uma instância de liberdade, 69 Eu superaria até minha ojeriza por armas e teria sido um bom colaborador. Mas, c'est la vie! Por um lado foi bom, pois todas estas experiências me permitiram escrever este livro e você foi beneficiado!70 Na verdade, tendemos a confundir juízos emocionais com racionais e, assim, metemos os pés pelas mãos!

71 Ética a Nicômaco, 1097b, 15/20.72 Justamente o que descrevemos no capítulo anterior...73 Ética a Nicômaco, II, 1106a.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

124 125

De nada adiantaria explicar que eu tinha sim, as

competências requeridas e que o que dizia era verdade. Os juízos de

valor, uma vez efetuados são irredutíveis ao bom senso. Descobrira,

afinal, de onde vinha minha insegurança: vinha da possibilidade

iminente de conseguir o tão sonhado e necessário emprego! Era um

alerta psíquico que estava querendo me dizer para ir mais devagar,

para medir mais as palavras, para - como na música - utilizar as

pausas para causar efeito. Era a voz da minha experiência que me

gritava lá de dentro: cuidado, ele vai atacar!

Mas, na ânsia de conseguir o que estava tão perto, confiei

que seria compreendido, que o importante era a minha experiência, 69a minha intensidade de dedicação e esqueci que as pessoas não

medem nada mais senão o desempenho. Eu estava tão empolgado

em mostrar-me capaz que acabei dando a entender que era o oposto

daquilo. Mesmo se tivesse balbuciado, engasgado ou tossido, porém

tivesse mantido o controle de meus nervos e não tivesse me

apressado para responder a tudo prontamente, de maneira

definitiva, teria sido contratado. Nas entrevistas, como na vida, um

pouco de conhecimento de técnicas de teatro é de muita valia.

Tivesse eu agido de forma mais estudada e não seria presa de minha

ansiedade. A ironia é que depois de sair dali, eu estava pronto a

declamar Shakespeare, mas na hora que realmente importava,

vacilei.

De tudo isso, tiramos duas importantes conclusões: uma é

que devemos confiar mais em nossas intuições do que em juízos

“racionais” sobre o ambiente e as pessoas ao nosso redor: afinal, 70tudo pode ser uma bem urdida farsa. A segunda é que não

devemos nos deixar envolver, excessivamente, por nossas

expectativas e desejos, pois elas podem nos colocar em sérias

dificuldades. E, como na antiguidade, ao seguir olhando as estrelas,

caímos no poço em frente e, no final, ainda temos que agüentar o

sarcasmo de quem nos viu desabar.

2 - Postura e Comprometimento: Fugir da Falta e do Excesso

Como foi dito anteriormente, ainda não podemos nos esquecer

daquilo que foi e sempre será objeto de reflexão por parte daqueles

que desejam um conhecimento mais efetivo sobre como se portar

diante das circunstâncias. Se lembrarmos de pesquisar os que nos

antecederam, verificaremos que algo de valioso foi escrito há mais

de 2.300 anos. Estou falando de Ética a Nicômaco, um dos livros

atribuídos a Aristóteles e que pode nos dar pistas importantes sobre

como devemos encarar a vida e as relações que mantemos com o

mundo. Trata-se de um clássico, em linguagem um pouco pesada,

mas - muito grosso modo - nos informa que devemos sempre buscar

o meio termo. Não o meio termo linear entre duas medidas

diferentes, mas o nosso meio termo entre medidas diferentes,

através de um exercício de virtudes.

E virtude pode ser definida como o funcionamento de

acordo com a sua constituição própria, em máximo grau de

excelência. Não se quer dizer aqui se trate de uma escolha entre 71bens, mas a mais desejável de todas as coisas , sendo algo absoluto e

auto-suficiente, a própria finalidade da ação. Mas esta ação deve-se

se dar no intervalo entre o excesso e a falta, seguindo de acordo com

a regra justa, pois tanto o excesso quanto a deficiência destroem a força 72do agente. Esta mediação, esta mediocridade áurea é justamente

em relação a nós mesmos e nunca entre extremos conceituais. Aliás,

a virtude é, então, esta disposição de caráter relacionada com a

escolha e consistente numa mediania, isto é, a mediania relativa a nós,

a qual é determinada por um princípio racional próprio do homem 73dotado de sabedoria prática.

Ao mesmo tempo, o conceito está diretamente ligado à

escolha, onde existe um papel preponderante a ser cumprido pelas

paixões, uma vez que devemos levar em conta os meios para os

quais se dirigem estas escolhas e não propriamente aos fins, que se

encontram dados. O importante é saber se posicionar em relação aos

meios adequados para que se processe uma instância de liberdade, 69 Eu superaria até minha ojeriza por armas e teria sido um bom colaborador. Mas, c'est la vie! Por um lado foi bom, pois todas estas experiências me permitiram escrever este livro e você foi beneficiado!70 Na verdade, tendemos a confundir juízos emocionais com racionais e, assim, metemos os pés pelas mãos!

71 Ética a Nicômaco, 1097b, 15/20.72 Justamente o que descrevemos no capítulo anterior...73 Ética a Nicômaco, II, 1106a.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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onde se é possível realizar a ação apropriada. A ética de Aristóteles

lida com a idéia de responsabilidade e as impressões do bem, no

dinamismo do ser é que determinam o foco nas escolhas, pois o ser

sempre se dirige à sua realização e nunca à sua negação, ao não ser.

É inútil, portanto, a razão ignorar as paixões, mas deve-se

dialogar com elas, pois os afetos nascem na alma e possuem certa

verdade. Há motores que vêm dos afetos e não só do raciocínio

prático, desta forma, a escolha que é subsumida na virtude contém 74(deve-se orientar), por si, a busca da mediedade e os meios

adequados para a ação correta, entendida no contexto de

apropriada e digna de um ser racional. Estão orientadas para um

horizonte de plenitude (felicidade), não em relação à utilidade ou 75no âmbito da autonomia mas na afirmação da realização humana.

O que este papo filosófico quer dizer? Simples: que existe

sempre erro na falta ou no excesso. Que qualquer posição adequada á

qualquer objetivo deve ser uma condição de equilíbrio. Parece

claro que as revistas e publicações espetaculosas abusam dos

discursos sobre perseguir obsessivamente os sonhos e ter

determinação inquebrantável e ser obcecado por metas e

resultados. Besteira.

Pare e pense em quantas pessoas estão, ou cabem, no

apertado topo da pirâmide e você verá que isto só funciona para

poucos e em determinadas condições. Não é toda hora que se deve

agir como se o mundo fosse acabar se você não conseguir alcançar

objetivos que lhes são exigidos, ou que você se impõe para ser,

realizado, próspero ou feliz.

Vender uma imagem ou discurso de completa dedicação

profissional, deixando de lado a qualidade de vida, os valores éticos

e fraternos que devem nortear uma sociedade sã em prol de uma

competitividade desenfreada é o que está levando nosso planeta ao

colapso. No entanto, é o que precisam vender aqueles que detêm o

poder, ou serão em pouco tempo destituídos dele, seja em qual

escala for exercido este mando. Se tudo continuar assim,

parafraseando o poeta, eles com certeza passarão, mas nós não

iremos passarinhar, pois nada mais restará: tudo terá sido

consumido.

Aliás, este é um discurso bem perverso e de viés

ideologizante: ele encobre a realidade do pouco que você

realmente pode alcançar com a nuvem cor de rosa dos apelos de

“sucesso” - assim como bilhões de seres humanos, você

provavelmente nunca chegará ao topo do mundo e nem será o

próximo presidente ou um novo Steve Jobs - de forma a manter

você “motivado” a produzir o máximo pelo mesmo salário.

Salvo as exceções que validam esta regra, todos nós

sonhamos e nos queimamos por dentro imaginando como seria se

conseguíssemos ser quem desejamos, ter o emprego ideal, a mulher

perfeita, ganhar na loteria ou achar um tesouro escondido no final

do arco-íris. Mas, na realidade, se pode contar nos dedos a

quantidade de pessoas que realmente conseguem seus anos de

prazer, ócio e fama, mandando na sociedade com suas empresas,

opiniões ou desejos. O resto dos mortais se divide entre sonhos

inatingíveis, vidas simples, anônimas, pequenas alegrias e

lamentações pelo fracasso. 76No entanto, é para nós os sinos dobram e somos nós que

realmente construímos a civilização e a sociedade, não eles, os

“formadores de opinião”. Ademais, mesmo que se a riqueza fosse

igualmente distribuída entre todos os habitantes da Terra, não daria

para as necessidades de todos e, em menos de um ano, haveria

novamente ricos e pobres, pelo bom ou mau uso de seu capital e de

suas capacidades.

O que importa, é descobrir em que se é realmente bom,

para que possa, então, de forma segura ter uma chance a mais. Não

obstante, é preciso saber que mesmo nesta atividade, talvez não se

seja bem-sucedido, enquanto que, por outro lado, sempre se

poderá ganhar o viver com dignidade e algum bom conforto, caso

sejamos apenas nós mesmos em qualquer função, desde que Deus

nos abençoe e o governo não atrapalhe.

74 Meio termo entre os extremos de nossas possibilidades (não das dos outros). Um atleta pode precisar de muita comida e energia, mas uma pessoa comum não. É inútil, portanto fazer uma média simples entre o que comemos e o que come o atleta. O meio termo é o ideal entre aquilo que constitui nosso máximo e o que se parece como o mínimo indispensável.75 Como no caso dos filósofos modernos, mais especificamente em relação a Kant.

76 Ouça Losing It do grupo canadense Rush.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

126 127

onde se é possível realizar a ação apropriada. A ética de Aristóteles

lida com a idéia de responsabilidade e as impressões do bem, no

dinamismo do ser é que determinam o foco nas escolhas, pois o ser

sempre se dirige à sua realização e nunca à sua negação, ao não ser.

É inútil, portanto, a razão ignorar as paixões, mas deve-se

dialogar com elas, pois os afetos nascem na alma e possuem certa

verdade. Há motores que vêm dos afetos e não só do raciocínio

prático, desta forma, a escolha que é subsumida na virtude contém 74(deve-se orientar), por si, a busca da mediedade e os meios

adequados para a ação correta, entendida no contexto de

apropriada e digna de um ser racional. Estão orientadas para um

horizonte de plenitude (felicidade), não em relação à utilidade ou 75no âmbito da autonomia mas na afirmação da realização humana.

O que este papo filosófico quer dizer? Simples: que existe

sempre erro na falta ou no excesso. Que qualquer posição adequada á

qualquer objetivo deve ser uma condição de equilíbrio. Parece

claro que as revistas e publicações espetaculosas abusam dos

discursos sobre perseguir obsessivamente os sonhos e ter

determinação inquebrantável e ser obcecado por metas e

resultados. Besteira.

Pare e pense em quantas pessoas estão, ou cabem, no

apertado topo da pirâmide e você verá que isto só funciona para

poucos e em determinadas condições. Não é toda hora que se deve

agir como se o mundo fosse acabar se você não conseguir alcançar

objetivos que lhes são exigidos, ou que você se impõe para ser,

realizado, próspero ou feliz.

Vender uma imagem ou discurso de completa dedicação

profissional, deixando de lado a qualidade de vida, os valores éticos

e fraternos que devem nortear uma sociedade sã em prol de uma

competitividade desenfreada é o que está levando nosso planeta ao

colapso. No entanto, é o que precisam vender aqueles que detêm o

poder, ou serão em pouco tempo destituídos dele, seja em qual

escala for exercido este mando. Se tudo continuar assim,

parafraseando o poeta, eles com certeza passarão, mas nós não

iremos passarinhar, pois nada mais restará: tudo terá sido

consumido.

Aliás, este é um discurso bem perverso e de viés

ideologizante: ele encobre a realidade do pouco que você

realmente pode alcançar com a nuvem cor de rosa dos apelos de

“sucesso” - assim como bilhões de seres humanos, você

provavelmente nunca chegará ao topo do mundo e nem será o

próximo presidente ou um novo Steve Jobs - de forma a manter

você “motivado” a produzir o máximo pelo mesmo salário.

Salvo as exceções que validam esta regra, todos nós

sonhamos e nos queimamos por dentro imaginando como seria se

conseguíssemos ser quem desejamos, ter o emprego ideal, a mulher

perfeita, ganhar na loteria ou achar um tesouro escondido no final

do arco-íris. Mas, na realidade, se pode contar nos dedos a

quantidade de pessoas que realmente conseguem seus anos de

prazer, ócio e fama, mandando na sociedade com suas empresas,

opiniões ou desejos. O resto dos mortais se divide entre sonhos

inatingíveis, vidas simples, anônimas, pequenas alegrias e

lamentações pelo fracasso. 76No entanto, é para nós os sinos dobram e somos nós que

realmente construímos a civilização e a sociedade, não eles, os

“formadores de opinião”. Ademais, mesmo que se a riqueza fosse

igualmente distribuída entre todos os habitantes da Terra, não daria

para as necessidades de todos e, em menos de um ano, haveria

novamente ricos e pobres, pelo bom ou mau uso de seu capital e de

suas capacidades.

O que importa, é descobrir em que se é realmente bom,

para que possa, então, de forma segura ter uma chance a mais. Não

obstante, é preciso saber que mesmo nesta atividade, talvez não se

seja bem-sucedido, enquanto que, por outro lado, sempre se

poderá ganhar o viver com dignidade e algum bom conforto, caso

sejamos apenas nós mesmos em qualquer função, desde que Deus

nos abençoe e o governo não atrapalhe.

74 Meio termo entre os extremos de nossas possibilidades (não das dos outros). Um atleta pode precisar de muita comida e energia, mas uma pessoa comum não. É inútil, portanto fazer uma média simples entre o que comemos e o que come o atleta. O meio termo é o ideal entre aquilo que constitui nosso máximo e o que se parece como o mínimo indispensável.75 Como no caso dos filósofos modernos, mais especificamente em relação a Kant.

76 Ouça Losing It do grupo canadense Rush.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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No entanto, este pouco pode ser muito em vários aspectos

(ter casa própria, na praia, carro novo filhos na escola, contas em dia

etc), e não significa que não seja bom. Você pode ser um vencedor

naquilo que faz e gostar de atuar no que trabalha, subir posições e

tudo o mais. Porém, é extremamente difícil que você consiga ser o

número um em tudo, saia na capa de revistas, seja uma celebridade

internacional. Isto é ilusão, e como toda a ilusão, daqui a algum

tempo ela se desfaz. E mesmo que você conseguisse ser o

bambambam, quem garante que daqui a seis meses alguém se

lembraria? Não vê o triste exemplo de tanta gente que daria tudo por

uma entrevista e vive implorando e fazendo coisas absurdas por

causa de um segundo na televisão?

Porque ninguém mais quer saber deles? É porque não tem

talento, capacidade ou são considerados “velhos” e descartáveis.

Este mesmo mercado que reverenciamos é um deus cruel e

sanguinário que se alimenta de seus adoradores e sacerdotes. 77Cícero tratou do tema, com muita propriedade e até hoje suas

análises são atuais. Portanto, existe vida feliz além da fama e da

competição desenfreada. Com isso, queremos dizer que não será

com a destruição de nossos valores e personalidade que

justificaremos a aquisição de alguns bens de consumo necessários e

outros supérfluos. Ninguém aqui é contra ganhar dinheiro ou

agarrar oportunidades, mas sim saber que nem tudo vale a pena em

se tratando de subir na vida. É um mito que atravessa todas as

gerações, desde o pós-guerra, que o trabalho extenuante, o

abandono do tempo em família, o ocaso de si, em prol do sustento

da família, a dedicação “100%” à empresa e um mísero final de

semana de embriaguez e esporte, como compensação deve tornar-

se o padrão ideal dos cidadãos das democracias da liberdade.

A condição de instabilidade social, assim como o próprio

aumento dos índices de violência é gerado por esta política insana:

relegar tudo à condição de uma formulação econômica ou de

consumo. Quem não consegue ou se revolta ou se frustra e quase

todos tem um pouco disto dentro de si. Nem todos somos

estereótipos ou conseguiremos alcançar modelos de perfeição: Se

homens, não somos todos igualmente fortes, belos, másculos,

carismáticos, bem sucedidos ou seguros. Se mulheres, nem todas

são magras, loiras, irresistíveis, onde não paira a sombra da TPM,

celulite ou rugas.

Toda a diversidade é importante. Imagine um mundo

absolutamente uniforme, o que viria à sua mente? Na minha

aparece uma floresta imensa de pinheiros habitada somente por 78pardais. Na prática é impossível, tanto a mim quanto aos gregos

antigos, desconsiderar as diferenças, seja de grau ou de natureza.

Não somos apenas organismos que, com outros animais, reagem às

circunstâncias ambientais com determinadas respostas

comportamentais. Portanto, não podemos ser reduzidos a

instâncias psicológicas, justaposição de estados que demandem

comportamentos em função de acontecimentos ou que eles possam

sequer ser previstos ou antecipados (nem os patológicos) com

clareza meridiana. Não podemos ser, da mesma forma, entidades

mensuráveis, delineadas por cargos, atribuições, histogramas,

pirâmides de Maslow, diagramas de Paretto ou curvas ABC. Pelo

contrário, com isso nos tornamos cada vez mais invisíveis.

Não somos um conjunto de dados que pode ser analisado

por um software qualquer e daí extraída uma tabela de alocações,

de descrições de funções e de vida. Há algo de imenso onde termina

o horizonte empírico e que é a “essência” da existência e não se

reduz ao mundo analítico. O que provam as pretensas hierarquias

de satisfações e realizações? Se perdermos esta guerra, ou nos

mantivermos apáticos e “adestráveis”, estaremos condenados a um

admirável mundo novo, onde nada mais seremos do que aquilo que

formos designados pelo organograma social.

Mas o que isso tem a ver com a árdua procura do emprego

e com o fim de nossa condição amorfa de invisibilidade e

sofrimento? Quero dizer que, dadas as condições em que este

mundo se encontra suas relações estruturais de sociedade e

produção, é imperativo poder acompanhar sua evolução e nos

reintegramos em uma síntese superior. Mais filosofia? Não: trata-se

de ter em mente que as reais metas são aquelas possíveis de serem

77 Vale a pena ler Da República, principalmente o capítulo VI: O Sonho de Cipião.

78 Marcelo Moreira dizia isto a respeito de um mundo cético, onde as verdades teóricas seriam apenas fenomênicas.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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No entanto, este pouco pode ser muito em vários aspectos

(ter casa própria, na praia, carro novo filhos na escola, contas em dia

etc), e não significa que não seja bom. Você pode ser um vencedor

naquilo que faz e gostar de atuar no que trabalha, subir posições e

tudo o mais. Porém, é extremamente difícil que você consiga ser o

número um em tudo, saia na capa de revistas, seja uma celebridade

internacional. Isto é ilusão, e como toda a ilusão, daqui a algum

tempo ela se desfaz. E mesmo que você conseguisse ser o

bambambam, quem garante que daqui a seis meses alguém se

lembraria? Não vê o triste exemplo de tanta gente que daria tudo por

uma entrevista e vive implorando e fazendo coisas absurdas por

causa de um segundo na televisão?

Porque ninguém mais quer saber deles? É porque não tem

talento, capacidade ou são considerados “velhos” e descartáveis.

Este mesmo mercado que reverenciamos é um deus cruel e

sanguinário que se alimenta de seus adoradores e sacerdotes. 77Cícero tratou do tema, com muita propriedade e até hoje suas

análises são atuais. Portanto, existe vida feliz além da fama e da

competição desenfreada. Com isso, queremos dizer que não será

com a destruição de nossos valores e personalidade que

justificaremos a aquisição de alguns bens de consumo necessários e

outros supérfluos. Ninguém aqui é contra ganhar dinheiro ou

agarrar oportunidades, mas sim saber que nem tudo vale a pena em

se tratando de subir na vida. É um mito que atravessa todas as

gerações, desde o pós-guerra, que o trabalho extenuante, o

abandono do tempo em família, o ocaso de si, em prol do sustento

da família, a dedicação “100%” à empresa e um mísero final de

semana de embriaguez e esporte, como compensação deve tornar-

se o padrão ideal dos cidadãos das democracias da liberdade.

A condição de instabilidade social, assim como o próprio

aumento dos índices de violência é gerado por esta política insana:

relegar tudo à condição de uma formulação econômica ou de

consumo. Quem não consegue ou se revolta ou se frustra e quase

todos tem um pouco disto dentro de si. Nem todos somos

estereótipos ou conseguiremos alcançar modelos de perfeição: Se

homens, não somos todos igualmente fortes, belos, másculos,

carismáticos, bem sucedidos ou seguros. Se mulheres, nem todas

são magras, loiras, irresistíveis, onde não paira a sombra da TPM,

celulite ou rugas.

Toda a diversidade é importante. Imagine um mundo

absolutamente uniforme, o que viria à sua mente? Na minha

aparece uma floresta imensa de pinheiros habitada somente por 78pardais. Na prática é impossível, tanto a mim quanto aos gregos

antigos, desconsiderar as diferenças, seja de grau ou de natureza.

Não somos apenas organismos que, com outros animais, reagem às

circunstâncias ambientais com determinadas respostas

comportamentais. Portanto, não podemos ser reduzidos a

instâncias psicológicas, justaposição de estados que demandem

comportamentos em função de acontecimentos ou que eles possam

sequer ser previstos ou antecipados (nem os patológicos) com

clareza meridiana. Não podemos ser, da mesma forma, entidades

mensuráveis, delineadas por cargos, atribuições, histogramas,

pirâmides de Maslow, diagramas de Paretto ou curvas ABC. Pelo

contrário, com isso nos tornamos cada vez mais invisíveis.

Não somos um conjunto de dados que pode ser analisado

por um software qualquer e daí extraída uma tabela de alocações,

de descrições de funções e de vida. Há algo de imenso onde termina

o horizonte empírico e que é a “essência” da existência e não se

reduz ao mundo analítico. O que provam as pretensas hierarquias

de satisfações e realizações? Se perdermos esta guerra, ou nos

mantivermos apáticos e “adestráveis”, estaremos condenados a um

admirável mundo novo, onde nada mais seremos do que aquilo que

formos designados pelo organograma social.

Mas o que isso tem a ver com a árdua procura do emprego

e com o fim de nossa condição amorfa de invisibilidade e

sofrimento? Quero dizer que, dadas as condições em que este

mundo se encontra suas relações estruturais de sociedade e

produção, é imperativo poder acompanhar sua evolução e nos

reintegramos em uma síntese superior. Mais filosofia? Não: trata-se

de ter em mente que as reais metas são aquelas possíveis de serem

77 Vale a pena ler Da República, principalmente o capítulo VI: O Sonho de Cipião.

78 Marcelo Moreira dizia isto a respeito de um mundo cético, onde as verdades teóricas seriam apenas fenomênicas.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

128 129

alcançadas com esforço, mas que nenhuma obsessão deve se

interpor em nosso caminho caso não seja absolutamente necessária.

Veja bem o que você é agora e o que foi quando era criança: o ser

consiste na contínua alteração de si mesmo - uma unidade movente,

como diria Bergson. Estamos em contínuo processo de constituição

e assim, a cada momento, somos outros, embora continuemos no

fundo os mesmos.

Conclusão: O homem deve ser superado a cada passo, em

direção a uma realização maior. Esta realização não se dá apenas

seguindo as instruções descritas nos manuais de executivos, que

mormente determinam pisar na garganta dos outros e praticar

políticas de terra arrasada, mas sim, na contínua superação de

nossas dificuldades e na compreensão de como podemos voltar a

nos tornar visíveis ao mundo.

Afinal, que mal há em não conseguir consumir tudo o que

nos é oferecido pelo marketing aviltante? Qual o crime que

cometemos se não se puder dar tudo e mais um pouco a nossos filhos

(de modo a aplacar nossa consciência e nossa inabilidade frente aos

desafios do educar), que normas sociais violarão aqueles que são

honestos e recusam propina? Que pecado mortal pesa sobre nossas

cabeças quando nos conformamos em uma vida medianamente

próspera? Porque devemos levar vantagem em tudo? Que destino

cruel nos aguarda, pelo fato de sermos esclarecidos e recusarmos a

ignorância? Será lançado o anátema (ou fatwa) sobre nós quando

impomos limites à nossa ambição e ferocidade? E se recusarmos

compactuar com este degradante estado de coisas, qual será a nossa 79pena? Temos realmente de ter tudo? Todas estas perguntas

somente possuem uma resposta: um mundo melhor será construído

através de nossos agires na realidade e não na busca incessante de

aprovação, oportunidade, padrão de consumo e status social.

Assim, desde que não falte o necessário e se possa ir

levando a vida, não se amofine ou desespere: são milhões na mesma

condição. Isto não quer dizer que você deva se contentar com

pouco ou aceitar passivamente o chicote no lombo, mas apenas e

simplesmente, deixar claro que você não está sozinho e que - com

trabalho, qualificação e determinação - conseguirá realizar sonhos.

Agora, acreditar que agindo como se estivesse com um encosto e

não ser capaz de ver nada à sua frente, a não ser uma idéia única e

repetitiva - o chamado comportamento obsessivo/compulsivo -

apenas se tornará uma pessoa sem horizontes, cristalizada em suas

próprias convicções; altamente vulnerável às opiniões alheias.

Depois os consultores, analistas e gurus lançam novas modas e você

fica superado, palavra-conceito que hoje, perante o deus mercado,

equivale a uma sentença de morte.

Aprender a desistir, quando isto é estratégico pode ser a

mais potente arma tática que você pode dispor. Aprender a

conviver com um pouco menos do que você acha que merece,

também pode reforçar suas defesas e fazer com que você se

qualifique para alcançar o que deseja. Aprender a equilibrar suas

reações, frente aos desafios e dificuldades fará com que seja

fortalecido. Aprender a ter paciência em momentos de crise,

equivale a traçar uma grande campanha de reconquista.

Compreender que em nenhum dos extremos se encontra a

realização é agir com sabedoria. Fechando a questão,

relembramos: todo o excesso diminui nosso vigor, portanto, aja com

prudência, em todas as ocasiões, buscando um equilíbrio entre os

pontos eqüidistantes.

3 - Processos Suspensos e o Mico do No Feedback

Uma das coisas que mais revolta o candidato, dentro do universo

dos processos seletivos é uma situação de desrespeito,

popularmente chamada de “síndrome de espera do feedback”. Eu

não sei por que este pessoal adora uma palavrinha estrangeira, mas

eu juro que já vi muita gente sentir orgasmos trifásicos ao falar de

boca cheia: recruitment, management, supply chain, stakeholders.

Não sou nenhum partidário de Aldo Rebelo, mas sinceramente

acho que é preciso por um freio nesta psicose, nesta falta de auto-80estima do brasileiro. Tudo é feedback! Que raio eles querem dizer

81com retroalimentação?

79 Se todos os países pudessem ter o padrão de vida americano, necessitaríamos da matéria prima de 4 planetas Terra!

80 Com tanta palavra e verbo e a gente fica usando os anglicismos. Não é a toa que os argentinos nos chamam de macaquitos! Só para constar: stakeholder é qualquer um interessado em um projeto (ou objeto dele)81 Diga-se, de passagem, que retorno e retroalimentação (realimentação) são conceitos diferentes, o que prova a sandice deste pessoal!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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alcançadas com esforço, mas que nenhuma obsessão deve se

interpor em nosso caminho caso não seja absolutamente necessária.

Veja bem o que você é agora e o que foi quando era criança: o ser

consiste na contínua alteração de si mesmo - uma unidade movente,

como diria Bergson. Estamos em contínuo processo de constituição

e assim, a cada momento, somos outros, embora continuemos no

fundo os mesmos.

Conclusão: O homem deve ser superado a cada passo, em

direção a uma realização maior. Esta realização não se dá apenas

seguindo as instruções descritas nos manuais de executivos, que

mormente determinam pisar na garganta dos outros e praticar

políticas de terra arrasada, mas sim, na contínua superação de

nossas dificuldades e na compreensão de como podemos voltar a

nos tornar visíveis ao mundo.

Afinal, que mal há em não conseguir consumir tudo o que

nos é oferecido pelo marketing aviltante? Qual o crime que

cometemos se não se puder dar tudo e mais um pouco a nossos filhos

(de modo a aplacar nossa consciência e nossa inabilidade frente aos

desafios do educar), que normas sociais violarão aqueles que são

honestos e recusam propina? Que pecado mortal pesa sobre nossas

cabeças quando nos conformamos em uma vida medianamente

próspera? Porque devemos levar vantagem em tudo? Que destino

cruel nos aguarda, pelo fato de sermos esclarecidos e recusarmos a

ignorância? Será lançado o anátema (ou fatwa) sobre nós quando

impomos limites à nossa ambição e ferocidade? E se recusarmos

compactuar com este degradante estado de coisas, qual será a nossa 79pena? Temos realmente de ter tudo? Todas estas perguntas

somente possuem uma resposta: um mundo melhor será construído

através de nossos agires na realidade e não na busca incessante de

aprovação, oportunidade, padrão de consumo e status social.

Assim, desde que não falte o necessário e se possa ir

levando a vida, não se amofine ou desespere: são milhões na mesma

condição. Isto não quer dizer que você deva se contentar com

pouco ou aceitar passivamente o chicote no lombo, mas apenas e

simplesmente, deixar claro que você não está sozinho e que - com

trabalho, qualificação e determinação - conseguirá realizar sonhos.

Agora, acreditar que agindo como se estivesse com um encosto e

não ser capaz de ver nada à sua frente, a não ser uma idéia única e

repetitiva - o chamado comportamento obsessivo/compulsivo -

apenas se tornará uma pessoa sem horizontes, cristalizada em suas

próprias convicções; altamente vulnerável às opiniões alheias.

Depois os consultores, analistas e gurus lançam novas modas e você

fica superado, palavra-conceito que hoje, perante o deus mercado,

equivale a uma sentença de morte.

Aprender a desistir, quando isto é estratégico pode ser a

mais potente arma tática que você pode dispor. Aprender a

conviver com um pouco menos do que você acha que merece,

também pode reforçar suas defesas e fazer com que você se

qualifique para alcançar o que deseja. Aprender a equilibrar suas

reações, frente aos desafios e dificuldades fará com que seja

fortalecido. Aprender a ter paciência em momentos de crise,

equivale a traçar uma grande campanha de reconquista.

Compreender que em nenhum dos extremos se encontra a

realização é agir com sabedoria. Fechando a questão,

relembramos: todo o excesso diminui nosso vigor, portanto, aja com

prudência, em todas as ocasiões, buscando um equilíbrio entre os

pontos eqüidistantes.

3 - Processos Suspensos e o Mico do No Feedback

Uma das coisas que mais revolta o candidato, dentro do universo

dos processos seletivos é uma situação de desrespeito,

popularmente chamada de “síndrome de espera do feedback”. Eu

não sei por que este pessoal adora uma palavrinha estrangeira, mas

eu juro que já vi muita gente sentir orgasmos trifásicos ao falar de

boca cheia: recruitment, management, supply chain, stakeholders.

Não sou nenhum partidário de Aldo Rebelo, mas sinceramente

acho que é preciso por um freio nesta psicose, nesta falta de auto-80estima do brasileiro. Tudo é feedback! Que raio eles querem dizer

81com retroalimentação?

79 Se todos os países pudessem ter o padrão de vida americano, necessitaríamos da matéria prima de 4 planetas Terra!

80 Com tanta palavra e verbo e a gente fica usando os anglicismos. Não é a toa que os argentinos nos chamam de macaquitos! Só para constar: stakeholder é qualquer um interessado em um projeto (ou objeto dele)81 Diga-se, de passagem, que retorno e retroalimentação (realimentação) são conceitos diferentes, o que prova a sandice deste pessoal!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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No popular trata-se de uma alimentação por trás!

Quiéisso? Aiaiai! Além do mico que é estar na condição de

desempregado, ainda tem que conviver com as manias, siglas e

esquisitices deste pessoal? Não bastaria dizer pura e simplesmente,

retorno? Não! Aí a brincadeira perderia a graça. O legal é

transformar o discurso em uma peça quase ininteligível para não-

iniciados - através de colagem de conceitos - de modo que o mais

absurdo vire o mais correto.

E assim, eles vivem falando de estratégias de T&D, onde se

supõe que se deva fazer um LNT e depois medir os KPIs, sem

esquecer de anexar o Report no parecer da análise 360º, antes de

dizer se haverá Entrepreneuring. Para entender o índice de CHA,

deve-se alocar a política de RH para se adequar ao TQM , alongar o

perfil de R&S, ver o que sobra para os programas de QVT e aí

priorizar somente os MBAs e para quem não se encaixar BVP! (o

bicho vai pegar, rimou haha!). Mas, enfim: eles falam, falam e nunca

estão dispostos a cumprir com suas assertivas promessas. Depois

que você passou por várias etapas do processo, que incluíram testes,

entrevistas, mais testes e entrevistas, finalmente você receberá esta

orientação: aguarde um feedback. Não ligue. Nós ligaremos ou

mandaremos uma mensagem e informaremos sobre os passos

seguintes.

Aí o infeliz vai para casa corroendo-se de ansiedade e

esperanças, marcaram o retorno para a terça-feira e ainda é quinta,

então terá que esperar alguns dias e passar o fim de semana em

oração. Seu tempo será gasto rezando terços, fazendo promessas,

acendendo velas na frente do monitor para que o imail chegue logo

e concordando racionalmente (vai que existe mesmo) com tudo o

que o sincretismo manda para afastar o azar e tomando cuidado

para não fazer nada de errado. Pois, na situação (que de tão

grotesca, nem sei como classificar) devem ser seguidas à risca, senão

a mandinga não funciona.

Então, finalmente chega o dia tão esperado, mas ninguém

dá o menor sinal de vida. Você entra duzentas vezes na web,

conexão discada, horário comercial e nada na caixa postal. Você

gasta seus últimos trocados em pulsos, até que tomado de profundo

senso de indignação, liga para a tal agência ou empresa e tenta falar

com a pessoa. Aí você descobre o quanto vale os discursos e teorias

de Administração e Recursos Humanos, colocadas na prática, ao

ouvir:

- Quem quer falar? Ela não pode atender agora. Espere aí, vou

perguntar.

- Fulana...é o beltrano sobre o processo X. A outra responde:

- Não conheço! É candidato? Olha, diga que se não recebeu contato é

porque não foi aprovado. Não, não posso atender agora. Para seu

desespero, volta a primeira voz:

- Moço, você não foi aprovado é por isso que não entramos em contato.

Ora, isto é lógico: se tivesse sido chamado é porque tinha sido

aprovado. Não, não damos este tipo de informação, se o candidato não

passou não se trata de saber onde errou, mas devia ser porque não

cabia no perfil da vaga. Calma, moço, a vaga foi fechada há alguns dias

atrás. Porque não ligou antes? Não, não precisa mandar o currículo de

novo ele ficará aqui por seis meses e se tiver uma vaga nós lhe

chamaremos. Isso. Fique tranqüilo. É. Boa Tarde.

- Ai que homem chato, não desligava. Fulana...Fulaaana...Se você já

acabou este processo posso descartar os currículos dos reprovados?

Pode? Vou jogar hein? Pode mesmo? Ai que bom, não agüentava mais

esta papelada em cima da minha mesa. Ih, lascou minha unha!

E lá fora, um homem violentado em suas esperanças, desliga o

telefone mudo, enquanto o coração da tarde se entristecia. Estala,

coração de vidro pintado!

Assim, além do amargo na língua, eis que sobra algo do

veneno lógico dos incas venusianos de recrutamento e seleção, que

merece nossa atenção:

Premissa 1 - Se você foi bem, será contatado.

Premissa 2 - Em qualquer caso, para ser contatado deve aguardar.

Conclusão - Logo, se você aguardar, receberá um contato.

Parece verdadeiro, não? Só tem um problema: a lógica não tem

preocupações com a verdade, mas com a validade das construções

lingüísticas e racionais. Não vou aqui cansar seus neurônios com

uma demonstração através de tabelas de verdade ou outros

operadores semânticos, mas sim fazer algo mais simples,

decompondo os componentes do silogismo:

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

132 133

No popular trata-se de uma alimentação por trás!

Quiéisso? Aiaiai! Além do mico que é estar na condição de

desempregado, ainda tem que conviver com as manias, siglas e

esquisitices deste pessoal? Não bastaria dizer pura e simplesmente,

retorno? Não! Aí a brincadeira perderia a graça. O legal é

transformar o discurso em uma peça quase ininteligível para não-

iniciados - através de colagem de conceitos - de modo que o mais

absurdo vire o mais correto.

E assim, eles vivem falando de estratégias de T&D, onde se

supõe que se deva fazer um LNT e depois medir os KPIs, sem

esquecer de anexar o Report no parecer da análise 360º, antes de

dizer se haverá Entrepreneuring. Para entender o índice de CHA,

deve-se alocar a política de RH para se adequar ao TQM , alongar o

perfil de R&S, ver o que sobra para os programas de QVT e aí

priorizar somente os MBAs e para quem não se encaixar BVP! (o

bicho vai pegar, rimou haha!). Mas, enfim: eles falam, falam e nunca

estão dispostos a cumprir com suas assertivas promessas. Depois

que você passou por várias etapas do processo, que incluíram testes,

entrevistas, mais testes e entrevistas, finalmente você receberá esta

orientação: aguarde um feedback. Não ligue. Nós ligaremos ou

mandaremos uma mensagem e informaremos sobre os passos

seguintes.

Aí o infeliz vai para casa corroendo-se de ansiedade e

esperanças, marcaram o retorno para a terça-feira e ainda é quinta,

então terá que esperar alguns dias e passar o fim de semana em

oração. Seu tempo será gasto rezando terços, fazendo promessas,

acendendo velas na frente do monitor para que o imail chegue logo

e concordando racionalmente (vai que existe mesmo) com tudo o

que o sincretismo manda para afastar o azar e tomando cuidado

para não fazer nada de errado. Pois, na situação (que de tão

grotesca, nem sei como classificar) devem ser seguidas à risca, senão

a mandinga não funciona.

Então, finalmente chega o dia tão esperado, mas ninguém

dá o menor sinal de vida. Você entra duzentas vezes na web,

conexão discada, horário comercial e nada na caixa postal. Você

gasta seus últimos trocados em pulsos, até que tomado de profundo

senso de indignação, liga para a tal agência ou empresa e tenta falar

com a pessoa. Aí você descobre o quanto vale os discursos e teorias

de Administração e Recursos Humanos, colocadas na prática, ao

ouvir:

- Quem quer falar? Ela não pode atender agora. Espere aí, vou

perguntar.

- Fulana...é o beltrano sobre o processo X. A outra responde:

- Não conheço! É candidato? Olha, diga que se não recebeu contato é

porque não foi aprovado. Não, não posso atender agora. Para seu

desespero, volta a primeira voz:

- Moço, você não foi aprovado é por isso que não entramos em contato.

Ora, isto é lógico: se tivesse sido chamado é porque tinha sido

aprovado. Não, não damos este tipo de informação, se o candidato não

passou não se trata de saber onde errou, mas devia ser porque não

cabia no perfil da vaga. Calma, moço, a vaga foi fechada há alguns dias

atrás. Porque não ligou antes? Não, não precisa mandar o currículo de

novo ele ficará aqui por seis meses e se tiver uma vaga nós lhe

chamaremos. Isso. Fique tranqüilo. É. Boa Tarde.

- Ai que homem chato, não desligava. Fulana...Fulaaana...Se você já

acabou este processo posso descartar os currículos dos reprovados?

Pode? Vou jogar hein? Pode mesmo? Ai que bom, não agüentava mais

esta papelada em cima da minha mesa. Ih, lascou minha unha!

E lá fora, um homem violentado em suas esperanças, desliga o

telefone mudo, enquanto o coração da tarde se entristecia. Estala,

coração de vidro pintado!

Assim, além do amargo na língua, eis que sobra algo do

veneno lógico dos incas venusianos de recrutamento e seleção, que

merece nossa atenção:

Premissa 1 - Se você foi bem, será contatado.

Premissa 2 - Em qualquer caso, para ser contatado deve aguardar.

Conclusão - Logo, se você aguardar, receberá um contato.

Parece verdadeiro, não? Só tem um problema: a lógica não tem

preocupações com a verdade, mas com a validade das construções

lingüísticas e racionais. Não vou aqui cansar seus neurônios com

uma demonstração através de tabelas de verdade ou outros

operadores semânticos, mas sim fazer algo mais simples,

decompondo os componentes do silogismo:

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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1 - Não sei se fui bem. E se não fui nunca serei avisado disto.

2 - Se fui serei contatado, em todo caso devo aguardar (mas posso estar

enganado).

3 - Não adianta aguardar porque ninguém vai ligar mesmo...

Realmente, o que mais deixa os candidatos exaustos é a persistência

e energia gastas na sustentação da esperança de que, após a

maratona de testes e entrevistas, finalmente alguém irá ligar. Não

existe nada mais desrespeitoso, insensível ou deselegante do que

alguém marcar algo e não cumprir. Isto prova a qualidade (ou falta)

dos processos seletivos aplicados em terras tupiniquins. O

engraçado é que os caras sempre dizem, sorrindo que “logo”

entrarão em contato e sentem verdadeiro horror em deixar um

telefone ou algum meio de nós, candidatos, obtermos respostas.

Não bastasse isto, quando cobramos a promessa, somos tratados

como alienígenas ou malucos.

É o fim da picada! Esta situação parece muito com aquela

velha piada do paulista, do carioca e do mineiro: O mineiro, quando

encontra um conhecido, aguarda primeiro um convite e depois

retribui. O carioca é todo simpático e termina sempre a conversa

dizendo: aparece um dia desses lá em casa. Se o outro for mesmo, o

cara fica louco da vida. Não era para ir, era só força de expressão,

morou? Já o paulista, para demonstrar apreço, faz o convite e se a

pessoa não aparecer ele é que fica muito bravo. Era para ir e ele 82ficou esperando. Será que estamos dominados pela cultura do

Projac?

Bem, não importa. O que deve ser levado em conta é que

devemos sempre exigir de volta o mesmo grau de comprometimento e

objetividade que qualquer processo seletivo exige de nós. Empresas

que não cumprem requisitos mínimos como dar um retorno sobre as

avaliações ou a situação do andamento do processo, não devem ser

consideradas de qualidade. Uma quebra de confiança, logo no

início pode revelar muito sobre os métodos praticados no dia a dia.

Embora quase 70% das empresas façam isto cabe a nós, candidatos,

não deixar a peteca cair. Antes de apertar a mão do selecionador e

ouvir a terrível frase, deixe bem claro que você está celebrando ali

um acordo, com prazo determinado e que existe a expectativa de

cumprimento. Questione sobre a necessidade ou não de você tomar

a iniciativa de entrar em contato, em que fase se encontra a seleção,

quantos candidatos estão concorrendo, qual o número de vagas, se

existe algo mais que deva informar, se o recrutador tem mais algo a

perguntar e, principalmente, pegue o cartão de visitas da agência.

Estas providências poderão lhe proporcionar um

panorama sobre o real andamento do processo. Assim, você poderá

se dedicar a outras candidaturas e não fica perdendo tempo,

tentando descobrir os “valores” e “missão” da empresa, decorando

produtos e tudo o mais, se não aparentar haver muitas chances para

você. Pergunte sempre! Não tenha medo ou receio de “estragar”

suas chances na seletiva, porque o recrutador tem obrigação de lhe

informar sobre as exigências do processo. Se ele não fizer ou se

recusar a lhe dar maiores detalhes, desconfie da competência ou

das intenções do selecionador.

Tenha em mente que a sua dignidade é garantida por lei e

que ninguém pode ficar aí escolhendo candidatos a esmo,

deixando-os “no escuro”, ao mesmo tempo em que exige satisfações

de sua vida profissional, pessoal e emocional. Deixe claro que está ali

para um diálogo, não para ser escolhido como se faz com um punhado

de feijões. Renuncie à subserviência e sempre encare o entrevistador

de igual para igual. Nunca abaixe a cabeça para ele e nem

contemporize quando não for o caso, pois ele está ali para testar seus

princípios e se você deixar ele o levará a uma sinuca de bico, de

onde será difícil sair empregado. O selecionador não é seu “amigo”, 83nem muito menos um “parceiro” na busca por um emprego. Ele é

um capataz contratado para escolher, entre muitos, qual o tipo de

funcionário que se daria melhor em determinada empresa e função

(ou não). Ele não está interessado em descobrir o seu “potencial”,

saber o quanto você poderia “contribuir”, mas sim, em analisar se

existe como justificar ao cliente a sua contratação. Nada mais. Caiu a

ficha?

Quem acha que eu trabalho uma moral dos fracos, dos

“ressentidos”, não sabe o alcance de suas inferências ou faz muito

tempo que não fica desempregado. O predador, o “forte”, exibe sua

natural exuberância, porém ela é diretamente proporcional às suas

82 Há melhor exemplo disso, do que o popular Samba do Arnesto?

83 A não ser que você esteja pagando uma recolocação, mas aí o risco é todo seu. Pode funcionar ou não.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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1 - Não sei se fui bem. E se não fui nunca serei avisado disto.

2 - Se fui serei contatado, em todo caso devo aguardar (mas posso estar

enganado).

3 - Não adianta aguardar porque ninguém vai ligar mesmo...

Realmente, o que mais deixa os candidatos exaustos é a persistência

e energia gastas na sustentação da esperança de que, após a

maratona de testes e entrevistas, finalmente alguém irá ligar. Não

existe nada mais desrespeitoso, insensível ou deselegante do que

alguém marcar algo e não cumprir. Isto prova a qualidade (ou falta)

dos processos seletivos aplicados em terras tupiniquins. O

engraçado é que os caras sempre dizem, sorrindo que “logo”

entrarão em contato e sentem verdadeiro horror em deixar um

telefone ou algum meio de nós, candidatos, obtermos respostas.

Não bastasse isto, quando cobramos a promessa, somos tratados

como alienígenas ou malucos.

É o fim da picada! Esta situação parece muito com aquela

velha piada do paulista, do carioca e do mineiro: O mineiro, quando

encontra um conhecido, aguarda primeiro um convite e depois

retribui. O carioca é todo simpático e termina sempre a conversa

dizendo: aparece um dia desses lá em casa. Se o outro for mesmo, o

cara fica louco da vida. Não era para ir, era só força de expressão,

morou? Já o paulista, para demonstrar apreço, faz o convite e se a

pessoa não aparecer ele é que fica muito bravo. Era para ir e ele 82ficou esperando. Será que estamos dominados pela cultura do

Projac?

Bem, não importa. O que deve ser levado em conta é que

devemos sempre exigir de volta o mesmo grau de comprometimento e

objetividade que qualquer processo seletivo exige de nós. Empresas

que não cumprem requisitos mínimos como dar um retorno sobre as

avaliações ou a situação do andamento do processo, não devem ser

consideradas de qualidade. Uma quebra de confiança, logo no

início pode revelar muito sobre os métodos praticados no dia a dia.

Embora quase 70% das empresas façam isto cabe a nós, candidatos,

não deixar a peteca cair. Antes de apertar a mão do selecionador e

ouvir a terrível frase, deixe bem claro que você está celebrando ali

um acordo, com prazo determinado e que existe a expectativa de

cumprimento. Questione sobre a necessidade ou não de você tomar

a iniciativa de entrar em contato, em que fase se encontra a seleção,

quantos candidatos estão concorrendo, qual o número de vagas, se

existe algo mais que deva informar, se o recrutador tem mais algo a

perguntar e, principalmente, pegue o cartão de visitas da agência.

Estas providências poderão lhe proporcionar um

panorama sobre o real andamento do processo. Assim, você poderá

se dedicar a outras candidaturas e não fica perdendo tempo,

tentando descobrir os “valores” e “missão” da empresa, decorando

produtos e tudo o mais, se não aparentar haver muitas chances para

você. Pergunte sempre! Não tenha medo ou receio de “estragar”

suas chances na seletiva, porque o recrutador tem obrigação de lhe

informar sobre as exigências do processo. Se ele não fizer ou se

recusar a lhe dar maiores detalhes, desconfie da competência ou

das intenções do selecionador.

Tenha em mente que a sua dignidade é garantida por lei e

que ninguém pode ficar aí escolhendo candidatos a esmo,

deixando-os “no escuro”, ao mesmo tempo em que exige satisfações

de sua vida profissional, pessoal e emocional. Deixe claro que está ali

para um diálogo, não para ser escolhido como se faz com um punhado

de feijões. Renuncie à subserviência e sempre encare o entrevistador

de igual para igual. Nunca abaixe a cabeça para ele e nem

contemporize quando não for o caso, pois ele está ali para testar seus

princípios e se você deixar ele o levará a uma sinuca de bico, de

onde será difícil sair empregado. O selecionador não é seu “amigo”, 83nem muito menos um “parceiro” na busca por um emprego. Ele é

um capataz contratado para escolher, entre muitos, qual o tipo de

funcionário que se daria melhor em determinada empresa e função

(ou não). Ele não está interessado em descobrir o seu “potencial”,

saber o quanto você poderia “contribuir”, mas sim, em analisar se

existe como justificar ao cliente a sua contratação. Nada mais. Caiu a

ficha?

Quem acha que eu trabalho uma moral dos fracos, dos

“ressentidos”, não sabe o alcance de suas inferências ou faz muito

tempo que não fica desempregado. O predador, o “forte”, exibe sua

natural exuberância, porém ela é diretamente proporcional às suas

82 Há melhor exemplo disso, do que o popular Samba do Arnesto?

83 A não ser que você esteja pagando uma recolocação, mas aí o risco é todo seu. Pode funcionar ou não.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

134 135

necessidades e sua voracidade cessa, ao sentir-se satisfeito. No

homem, a ambição a cobiça e vontade de potência que hoje se

expressa na “vontade de controle” e daí degringola facilmente para

uma “vontade de sistema”, não tem um limite para suas satisfações.

Portanto, aqui não é o caso de lembrar a ausência de compaixão que

existe na natureza para justificar a competição, citarmos aforismos

ou muito menos de identificar uma falácia naturalista, pois estamos

saindo da mesma premissa básica. Aliás, trata-se de uma

constatação de egolatria e megalomania corporativas em

proporções tais que os nefandos sistemas de “racionais” Weber ou

Taylor hoje parecem contos da carochinha.

Voltando ao assunto, a imposição de uma exigência de

respostas por parte dos responsáveis pelos processos seletivos, além

de manter você longe de uma sociologia do “clown”, pode lhe

poupar muitos desgostos com os vários processos seletivos que são

simplesmente interrompidos e ninguém é avisado. Seja por desleixo

da empresa, que muda de idéia ao sabor das conveniências e

incompetências (ou pauras) da média gerência e se esquece que

está lidando com pessoas e não com “recursos” ou “insumos”. Seja

por reviravoltas no mercado, na política, na bolsa ou problemas

com selecionadores e consultores que saem e entram de agências a

toda hora, seja, enfim pelo batimento irregular das asas das

borboletas azuis em Bornéu, sempre existe a possibilidade dos

processos serem suspensos. Portanto, o quanto mais cedo você

souber a respeito, mais cedo se conformará e partirá para outra,

evitando passar o que eu passei, na situação abaixo:

- Bom, Luís, você chegou à fase final do processo. Agora o que

queremos é que você desenvolva uma estratégia detalhada do

treinamento para ser aplicado em 1.000 treinandos em todo o Brasil.

Depois você irá apresentar o trabalho ao diretor-geral do

hipermercado. Se ele gostar, está aprovado, disse para mim a

consultora de ínterim management.

- Estou muito feliz e farei um ótimo projeto, pode ter certeza, disse-lhe

confiante.

- Então nos vemos na central de compras daqui a dois dias. Leve a

apresentação em cd.

As duas noites seguintes eu fiquei acordado, montando,

revisando e ampliando o projeto que consumiu mais esforço e

neurônios do que no tempo em que eu ficava na balada.

Quando acabei, eu tinha feito um planejamento-monstro,

detalhadíssimo, com hierarquias definidas de processos, planilhas,

análises e meios, cuja sinopse chegava a umas 50 lâminas de power

point. Arrematando isso, um calhamaço de papel, descrevendo os

passos mais importantes, logística, indicadores, avaliações e por aí

vai.

Tudo para uma vaga de supervisor de treinamento em uma

multinacional francesa. Estava quase lá! Sentia isto no ar!

No dia marcado, nos encontramos no imponente saguão

da recepção e ficamos, eu e a consultora, a conversarmos sobre

amenidades e lendo os banners sobre a campanha de ética no

trabalho da empresa. Antes de entrarmos, ela me sussurrou no

ouvido:

- Olha, se ele pedir para copiar o projeto, não deixe. Ok?

- Mas, por quê?

- Não, nada. Deixa pra lá. O diretor já vem vindo. Vamos.

Achei aquilo um absurdo. Talvez, pensei, ela gostasse de um outro

candidato e estava tentando me colocar numa fria. Imagina que eu

ia negar algo ao todo poderoso da rede. Entramos. Logo verifiquei

que o local era um infindável corredor cheio de cubículos e

divisórias de vidro, como saletas. Um grande departamento de

compras. Sentamos, nos apresentamos e coloquei o cd para rodar.

Antes de começar as explicações a consultora brincou,

dizendo que o diretor era formado em filosofia também. Foi o

máximo! Finalmente alguém que nunca poderia questionar a

validade de se fazer um curso de humanas, pois seu cargo era de alta

hierarquia. No mais, isto criou uma imediata empatia e então, passei

a discorrer sobre o ambicioso projeto, enquanto era observado

pelos dois e - tinha a certeza - por mais gente, escondida num dos

outros cubículos.

Certa altura da apresentação, quando entramos na fase de

implantação e as variáveis, o homem deu um grito:

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

136 137

necessidades e sua voracidade cessa, ao sentir-se satisfeito. No

homem, a ambição a cobiça e vontade de potência que hoje se

expressa na “vontade de controle” e daí degringola facilmente para

uma “vontade de sistema”, não tem um limite para suas satisfações.

Portanto, aqui não é o caso de lembrar a ausência de compaixão que

existe na natureza para justificar a competição, citarmos aforismos

ou muito menos de identificar uma falácia naturalista, pois estamos

saindo da mesma premissa básica. Aliás, trata-se de uma

constatação de egolatria e megalomania corporativas em

proporções tais que os nefandos sistemas de “racionais” Weber ou

Taylor hoje parecem contos da carochinha.

Voltando ao assunto, a imposição de uma exigência de

respostas por parte dos responsáveis pelos processos seletivos, além

de manter você longe de uma sociologia do “clown”, pode lhe

poupar muitos desgostos com os vários processos seletivos que são

simplesmente interrompidos e ninguém é avisado. Seja por desleixo

da empresa, que muda de idéia ao sabor das conveniências e

incompetências (ou pauras) da média gerência e se esquece que

está lidando com pessoas e não com “recursos” ou “insumos”. Seja

por reviravoltas no mercado, na política, na bolsa ou problemas

com selecionadores e consultores que saem e entram de agências a

toda hora, seja, enfim pelo batimento irregular das asas das

borboletas azuis em Bornéu, sempre existe a possibilidade dos

processos serem suspensos. Portanto, o quanto mais cedo você

souber a respeito, mais cedo se conformará e partirá para outra,

evitando passar o que eu passei, na situação abaixo:

- Bom, Luís, você chegou à fase final do processo. Agora o que

queremos é que você desenvolva uma estratégia detalhada do

treinamento para ser aplicado em 1.000 treinandos em todo o Brasil.

Depois você irá apresentar o trabalho ao diretor-geral do

hipermercado. Se ele gostar, está aprovado, disse para mim a

consultora de ínterim management.

- Estou muito feliz e farei um ótimo projeto, pode ter certeza, disse-lhe

confiante.

- Então nos vemos na central de compras daqui a dois dias. Leve a

apresentação em cd.

As duas noites seguintes eu fiquei acordado, montando,

revisando e ampliando o projeto que consumiu mais esforço e

neurônios do que no tempo em que eu ficava na balada.

Quando acabei, eu tinha feito um planejamento-monstro,

detalhadíssimo, com hierarquias definidas de processos, planilhas,

análises e meios, cuja sinopse chegava a umas 50 lâminas de power

point. Arrematando isso, um calhamaço de papel, descrevendo os

passos mais importantes, logística, indicadores, avaliações e por aí

vai.

Tudo para uma vaga de supervisor de treinamento em uma

multinacional francesa. Estava quase lá! Sentia isto no ar!

No dia marcado, nos encontramos no imponente saguão

da recepção e ficamos, eu e a consultora, a conversarmos sobre

amenidades e lendo os banners sobre a campanha de ética no

trabalho da empresa. Antes de entrarmos, ela me sussurrou no

ouvido:

- Olha, se ele pedir para copiar o projeto, não deixe. Ok?

- Mas, por quê?

- Não, nada. Deixa pra lá. O diretor já vem vindo. Vamos.

Achei aquilo um absurdo. Talvez, pensei, ela gostasse de um outro

candidato e estava tentando me colocar numa fria. Imagina que eu

ia negar algo ao todo poderoso da rede. Entramos. Logo verifiquei

que o local era um infindável corredor cheio de cubículos e

divisórias de vidro, como saletas. Um grande departamento de

compras. Sentamos, nos apresentamos e coloquei o cd para rodar.

Antes de começar as explicações a consultora brincou,

dizendo que o diretor era formado em filosofia também. Foi o

máximo! Finalmente alguém que nunca poderia questionar a

validade de se fazer um curso de humanas, pois seu cargo era de alta

hierarquia. No mais, isto criou uma imediata empatia e então, passei

a discorrer sobre o ambicioso projeto, enquanto era observado

pelos dois e - tinha a certeza - por mais gente, escondida num dos

outros cubículos.

Certa altura da apresentação, quando entramos na fase de

implantação e as variáveis, o homem deu um grito:

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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- Nossa! O que é isso? Maravilha! Muito complexo!

- Nem tanto, trata-se apenas do fluxograma de aplicação em primeiro

nível, retruquei, ainda pode haver correções e desvios, embora tenha

previsto um ciclo de paradas e avaliações.

- Você está usando o PDCA? Muito bom, prossiga.

E eu todo feliz continuei a minha arenga sobre as fases do processo,

sistemas de recompensa, adequação multinível, LNT e tudo o mais.

No final veio a pergunta:

- Você me disponibiliza uma cópia?

- Mas é claro! Assim você pode analisar com cuidado e discutiremos os

detalhes depois, disse triunfante, certo de que estava com os dois pés

dentro da empresa.

Despedimos-nos e a consultora ficou de nos dar uma posição dentro

de no máximo duas semanas, pois o diretor iria viajar etc. Marcamos

uma data para contato e fui embora para casa, sonhar com meu

novo emprego e passei os próximos dias conhecendo mais a

empresa e pesquisando. Mas, passaram-se as duas semanas e nada

de um contato.

Resolvi mandar um e-mail. Sem resposta. Liguei, não

estavam. Outro e-mail e então um retorno lacônico: estamos

aguardando ele voltar. Dias depois, telefonei: pediram-me para

“visitar” as lojas e fazer observações de campo. Fui lá, gastei o pouco

dinheiro que tinha para pôr gasolina, fui a várias lojas, fiz relatórios,

acabei com o meu último cartucho de tinta da impressora

imprimindo o material e fiquei esperando. Nada. Tive mais fé. Não

adiantou.

Mantive a esperança. Nenhum contato. Resisti ao

desânimo. Sem retorno. Eu já não sabia mais o que fazer, pois havia

se passado três meses e não havia posição sobre o processo. Então

num último e-mail veio a bomba: processo suspenso por tempo

indeterminado. Fiquei sem ação, completamente desolado. Liguei

para um amigo que trabalhou comigo na fábrica e estava na mesma

seletiva, mas para outro cargo, e então ele me abriu os olhos para a

dura realidade:

- Ô, Luisão! Você não ouviu na tv que eles compraram a Rede Gib? Tá

tudo parado por causa disso. Veio até uma nova diretoria do exterior e

tudo o mais. Aquela lasanha que você me prometeu parece que vai ter

que esperar. É a vida! Bola pra frente meu irmão!

Depois de me deixar cair no sofá, desalentado, eu me lembrei da

advertência da consultora. Além de o processo ter dançado, todo o

material do projeto estava com eles, que bem poderiam utilizar sem

custo algum. Senti que fora usado, mais que isso: um completo

idiota. Nunca mais ouvi falar deles e, sinceramente, até hoje evito

entrar em suas lojas para fazer compras, tamanho o dano que me foi

infringido. Demorei um bom tempo até me recuperar e conseguir

levantar o moral. Mas, para eles isto não significou nada e nenhuma

satisfação me foi dada, a despeito de tudo.

Mas, um processo não é somente suspenso por fatores que

aliem decisões de mercado, problemas de comunicação

interdepartamental ou pelo típico caos administrativo - e ético -, que

vigora nas grandes empresas, em geral. Muitos outros

recrutamentos são suspensos ou cancelados pela suprema

incompetência dos próprios empregadores em traçar um perfil de

cargo que seja adequado a determinadas funções que se deseja

criar, ou substituir na empresa. Nisto eu concordo com o pessoal de

recursos humanos: é uma pedreira lidar com estes clientes!

Senão, veja só o último causo que tenho para lhes contar,

antes de entramos propriamente nas partes mais técnicas e práticas

deste alfarrábio:

- Mais um dia ou menos um dia? Seja o que for, acho que esta semana

vai, conversava eu com meus botões, enquanto descia as escadas do

metrô e entrava no vagão.

Durante a viagem, o balanço monótono do trem me fazia dormitar.

Quando, enfim, cansei de ficar “pescando”, programei meu relógio

interno para me acordar dali a quatro estações e apaguei até chegar

em meu destino. Subi, virei à esquerda nos bloqueios e fui descendo

a rua, naquela fria manhã de julho. Atravessei o terminal da Vila

Mariana e desci a Lins de Vasconcelos em direção ao Cambuci,

parando de quando em quando para conferir a numeração. Ao

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- Nossa! O que é isso? Maravilha! Muito complexo!

- Nem tanto, trata-se apenas do fluxograma de aplicação em primeiro

nível, retruquei, ainda pode haver correções e desvios, embora tenha

previsto um ciclo de paradas e avaliações.

- Você está usando o PDCA? Muito bom, prossiga.

E eu todo feliz continuei a minha arenga sobre as fases do processo,

sistemas de recompensa, adequação multinível, LNT e tudo o mais.

No final veio a pergunta:

- Você me disponibiliza uma cópia?

- Mas é claro! Assim você pode analisar com cuidado e discutiremos os

detalhes depois, disse triunfante, certo de que estava com os dois pés

dentro da empresa.

Despedimos-nos e a consultora ficou de nos dar uma posição dentro

de no máximo duas semanas, pois o diretor iria viajar etc. Marcamos

uma data para contato e fui embora para casa, sonhar com meu

novo emprego e passei os próximos dias conhecendo mais a

empresa e pesquisando. Mas, passaram-se as duas semanas e nada

de um contato.

Resolvi mandar um e-mail. Sem resposta. Liguei, não

estavam. Outro e-mail e então um retorno lacônico: estamos

aguardando ele voltar. Dias depois, telefonei: pediram-me para

“visitar” as lojas e fazer observações de campo. Fui lá, gastei o pouco

dinheiro que tinha para pôr gasolina, fui a várias lojas, fiz relatórios,

acabei com o meu último cartucho de tinta da impressora

imprimindo o material e fiquei esperando. Nada. Tive mais fé. Não

adiantou.

Mantive a esperança. Nenhum contato. Resisti ao

desânimo. Sem retorno. Eu já não sabia mais o que fazer, pois havia

se passado três meses e não havia posição sobre o processo. Então

num último e-mail veio a bomba: processo suspenso por tempo

indeterminado. Fiquei sem ação, completamente desolado. Liguei

para um amigo que trabalhou comigo na fábrica e estava na mesma

seletiva, mas para outro cargo, e então ele me abriu os olhos para a

dura realidade:

- Ô, Luisão! Você não ouviu na tv que eles compraram a Rede Gib? Tá

tudo parado por causa disso. Veio até uma nova diretoria do exterior e

tudo o mais. Aquela lasanha que você me prometeu parece que vai ter

que esperar. É a vida! Bola pra frente meu irmão!

Depois de me deixar cair no sofá, desalentado, eu me lembrei da

advertência da consultora. Além de o processo ter dançado, todo o

material do projeto estava com eles, que bem poderiam utilizar sem

custo algum. Senti que fora usado, mais que isso: um completo

idiota. Nunca mais ouvi falar deles e, sinceramente, até hoje evito

entrar em suas lojas para fazer compras, tamanho o dano que me foi

infringido. Demorei um bom tempo até me recuperar e conseguir

levantar o moral. Mas, para eles isto não significou nada e nenhuma

satisfação me foi dada, a despeito de tudo.

Mas, um processo não é somente suspenso por fatores que

aliem decisões de mercado, problemas de comunicação

interdepartamental ou pelo típico caos administrativo - e ético -, que

vigora nas grandes empresas, em geral. Muitos outros

recrutamentos são suspensos ou cancelados pela suprema

incompetência dos próprios empregadores em traçar um perfil de

cargo que seja adequado a determinadas funções que se deseja

criar, ou substituir na empresa. Nisto eu concordo com o pessoal de

recursos humanos: é uma pedreira lidar com estes clientes!

Senão, veja só o último causo que tenho para lhes contar,

antes de entramos propriamente nas partes mais técnicas e práticas

deste alfarrábio:

- Mais um dia ou menos um dia? Seja o que for, acho que esta semana

vai, conversava eu com meus botões, enquanto descia as escadas do

metrô e entrava no vagão.

Durante a viagem, o balanço monótono do trem me fazia dormitar.

Quando, enfim, cansei de ficar “pescando”, programei meu relógio

interno para me acordar dali a quatro estações e apaguei até chegar

em meu destino. Subi, virei à esquerda nos bloqueios e fui descendo

a rua, naquela fria manhã de julho. Atravessei o terminal da Vila

Mariana e desci a Lins de Vasconcelos em direção ao Cambuci,

parando de quando em quando para conferir a numeração. Ao

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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chegar, olhei o prédio antigo e fui entrando. Cumprimentei o

zelador e fui para os elevadores. Sobe! Entrei. Pouco depois saltei no

quinto, conferi mais uma vez o nome da pessoa e adentrei na

recepção da agência.

Mais uma operação começava. Duas cópias do currículo,

com todos os dados ordenados, objetivos, destacando as

competências, experiência e perfil não bastavam. Era sempre

preciso preencher a bendita ficha de admissão, com os mesmos

dados do currículo. Nas saletas, a mesma fauna de sempre. Tipos

estranhos, bem ou mal vestidos, olhando para você como se fosse

um potencial competidor, ou, no mínimo, um animal curioso.

Enfim! O negócio era sentar, preencher a ficha e aguardar

ser chamado. Como sempre, o pior ainda estava por vir, em forma

de entrevista.

- Bom dia! Sou a Sirlene, sente-se e vamos falar de seu perfil.

- Bom dia! Como vai? Minha experiência é ampla e variada, passei por

diversas empresas em vários segmentos, exercendo funções de

responsabilidade com ênfase para...

Continuamos ali por uma boa meia hora e, aparentemente, tudo

estava bem. No final, vieram algumas questões sobre

desenvolvimento de produtos, prospecção, abertura de mercado e

o be-a-bá do marketing promocional. Respondi com clareza todas as

perguntas e ela respondeu:

- Olha, acho que podemos marcar uma visita à empresa. Por mim você

pode ser indicado sem problemas, devido à sua experiência e suas

competências. Você pode ir até lá agora? Só vou ligar avisando, porque

este cliente é um pouco exigente, mas eu volto em um momento.

Fiquei ali admirado, sonhando com a porta que começava a se abrir.

Com certeza, pensava, como estou indo já indicado pela agência, o

pessoal da empresa só vai querer me conhecer e daí eu estava a um

passo de finalmente ser contratado. Mas aí veio a bomba:

- Sr. Luís. Eu nem sei o que dizer... Mas o Sr. tem formação em mecânica

industrial? Eles querem uma pessoa para gestão de marketing,

treinamento e promoção, que possua tanto longa experiência

comercial como formação técnica em manutenção de máquinas. 84

Ajudaria se tiver alguma experiência em T&D, CEP e em motivação de

equipes. Parece que vai ter que ajudar na fábrica também. Eu não

entendo! Este cliente toda a hora muda o perfil...

- Claro que não tenho formação em mecânica, caso contrário não

estaria pleiteando uma vaga em trade marketing! Afinal é para sujar a

mão de graxa ou para atuar no mercado?

- Me desculpe, mas então o perfil não se completa e eu fico com seu

currículo para outra oportunidade.

- Mas nem um alienígena completaria este perfil, esbravejei. O que eles 85

querem afinal?

Como a letra da música, voltei para casa, abatido e desencantado

com a vida. Que coisa! Revisitei os pensamentos e folhinhas e

constatei a passagem inexorável do tempo. Salvo um ou outro bico,

em um ano havia totalizado dezenas entrevistas e dinâmicas,

centenas de testes; enviara quase 5.000 currículos, inúmeras

ligações, gastara muita sola de sapato e uma incrível soma de

dinheiro em transporte, papelada e itens de apresentação. A coisa

estava feia e esperava em Deus algo mudar.

Mas, como já disseram (e com razão) tudo é mudança e o 86mundo é opinião. Algumas semanas depois, fui contratado como

consultor empresarial em uma empresa de treinamento e passei

outro ano viajando por todo o País e desenvolvendo cursos e

atuando intensivamente em análise de gestão comercial em

grandes empresas. Ralava dias, noites, finais de semana e feriados,

mas “produzia” contente e hiperativo. Poderia ser este o ponto final

de uma trajetória do operário do conhecimento, explorado

delicadamente, que vai envelhecendo até entrar finalmente no

eterno anonimato.

Mas os absurdos não pararam de ocorrer quando fui

contratado, pelo contrário, pude observar como consultor outras

séries de disparates organizacionais que seriam trágicos se não

fossem cômicos nos desgastes e conseqüências e danos psicológicos

causados ou potenciais. As inovações, a tecnologia, as abordagens e

84 Cep = Controle estatístico do processo. Não ria, eu realmente passei por isso!85 Such a monkey business...86 Marco Aurélio, Meditações.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

140 141

chegar, olhei o prédio antigo e fui entrando. Cumprimentei o

zelador e fui para os elevadores. Sobe! Entrei. Pouco depois saltei no

quinto, conferi mais uma vez o nome da pessoa e adentrei na

recepção da agência.

Mais uma operação começava. Duas cópias do currículo,

com todos os dados ordenados, objetivos, destacando as

competências, experiência e perfil não bastavam. Era sempre

preciso preencher a bendita ficha de admissão, com os mesmos

dados do currículo. Nas saletas, a mesma fauna de sempre. Tipos

estranhos, bem ou mal vestidos, olhando para você como se fosse

um potencial competidor, ou, no mínimo, um animal curioso.

Enfim! O negócio era sentar, preencher a ficha e aguardar

ser chamado. Como sempre, o pior ainda estava por vir, em forma

de entrevista.

- Bom dia! Sou a Sirlene, sente-se e vamos falar de seu perfil.

- Bom dia! Como vai? Minha experiência é ampla e variada, passei por

diversas empresas em vários segmentos, exercendo funções de

responsabilidade com ênfase para...

Continuamos ali por uma boa meia hora e, aparentemente, tudo

estava bem. No final, vieram algumas questões sobre

desenvolvimento de produtos, prospecção, abertura de mercado e

o be-a-bá do marketing promocional. Respondi com clareza todas as

perguntas e ela respondeu:

- Olha, acho que podemos marcar uma visita à empresa. Por mim você

pode ser indicado sem problemas, devido à sua experiência e suas

competências. Você pode ir até lá agora? Só vou ligar avisando, porque

este cliente é um pouco exigente, mas eu volto em um momento.

Fiquei ali admirado, sonhando com a porta que começava a se abrir.

Com certeza, pensava, como estou indo já indicado pela agência, o

pessoal da empresa só vai querer me conhecer e daí eu estava a um

passo de finalmente ser contratado. Mas aí veio a bomba:

- Sr. Luís. Eu nem sei o que dizer... Mas o Sr. tem formação em mecânica

industrial? Eles querem uma pessoa para gestão de marketing,

treinamento e promoção, que possua tanto longa experiência

comercial como formação técnica em manutenção de máquinas. 84

Ajudaria se tiver alguma experiência em T&D, CEP e em motivação de

equipes. Parece que vai ter que ajudar na fábrica também. Eu não

entendo! Este cliente toda a hora muda o perfil...

- Claro que não tenho formação em mecânica, caso contrário não

estaria pleiteando uma vaga em trade marketing! Afinal é para sujar a

mão de graxa ou para atuar no mercado?

- Me desculpe, mas então o perfil não se completa e eu fico com seu

currículo para outra oportunidade.

- Mas nem um alienígena completaria este perfil, esbravejei. O que eles 85

querem afinal?

Como a letra da música, voltei para casa, abatido e desencantado

com a vida. Que coisa! Revisitei os pensamentos e folhinhas e

constatei a passagem inexorável do tempo. Salvo um ou outro bico,

em um ano havia totalizado dezenas entrevistas e dinâmicas,

centenas de testes; enviara quase 5.000 currículos, inúmeras

ligações, gastara muita sola de sapato e uma incrível soma de

dinheiro em transporte, papelada e itens de apresentação. A coisa

estava feia e esperava em Deus algo mudar.

Mas, como já disseram (e com razão) tudo é mudança e o 86mundo é opinião. Algumas semanas depois, fui contratado como

consultor empresarial em uma empresa de treinamento e passei

outro ano viajando por todo o País e desenvolvendo cursos e

atuando intensivamente em análise de gestão comercial em

grandes empresas. Ralava dias, noites, finais de semana e feriados,

mas “produzia” contente e hiperativo. Poderia ser este o ponto final

de uma trajetória do operário do conhecimento, explorado

delicadamente, que vai envelhecendo até entrar finalmente no

eterno anonimato.

Mas os absurdos não pararam de ocorrer quando fui

contratado, pelo contrário, pude observar como consultor outras

séries de disparates organizacionais que seriam trágicos se não

fossem cômicos nos desgastes e conseqüências e danos psicológicos

causados ou potenciais. As inovações, a tecnologia, as abordagens e

84 Cep = Controle estatístico do processo. Não ria, eu realmente passei por isso!85 Such a monkey business...86 Marco Aurélio, Meditações.

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práticas além de desnaturarem-se em relação à ciência originadora,

ainda renegavam seus pressupostos. As pessoas manipulando

processos e ferramentas de maneira tosca, evidenciando o

despreparo, personalismos ou a avidez do retorno. Há muito ainda

por dizer. Tanto que já sei como pode continuar a história: vou

sistematizar as principais idéias e práticas que contribuem para

afundar uma empresa e escrever o segundo volume do manual.

Nesse meio tempo, verifiquei que não mais podia ficar

correndo atrás das oportunidades: Eu tinha que começar a construí-

las. E, assim, ao final de algum tempo naquela empresa me vi na

situação de optar por crescer ou estagnar. Então comecei a

pavimentar esta estrada chamada oportunidade e fazê-la

condizente com minhas capacidades. No final de 2006, após

administrar com sucesso um projeto de grande porte para uma

montadora de renome, me desliguei. Dois anos atrás e estaria cru,

receoso do futuro, mas agora estava, pelo contrário com os

machados afiados. Fui em frente e fundei meu próprio estúdio de

consultoria, que é especializada em programas especiais para

desenvolvimento e motivação. A procura tem sido surpreendente e

crescemos dia a dia. Quanto aos disparates, procuro eliminar estas

insanidades organizacionais, capacitando pessoas através de uma 87metodologia ou processo que designo por campo transcendental ,

pois é uma área de ressonância e interação ao redor da presença

individual. Pessoas excelentes se tornam profissionais excelentes.

Mas, enquanto eu entrava e saía do olho do furacão, como

todo personagem eu tinha também que manter uma vida dupla: a

de candidato e pesquisador. Como bolsista de uma grande

universidade, durante o curso destes fenômenos eu ainda tinha que 88estudar muito para concluir com méritos o meu mestrado. Dada à

qualidade da formação, as cobranças eram muitas, mas isto

contribuía para o melhor. Aliás, se não fossem os programas que me

foram oferecidos pela São Judas - aos quais me habilitei -, e à

capacidade humana e técnica de seu corpo docente e

coordenadores, eu ainda estaria no rés-do-chão empresarial.

O fato de ter continuado a estudar e instado a apresentar

textos, dar aulas, representava a confiança em minhas

potencialidades. Ter sido sempre estimulado a dar o melhor de mim

foi definitivo para manter a auto-estima, nos períodos mais negros.

Mesmo nos dias mais solitários, em meio a passeios pelo campus,

aguardando o telefone tocar para uma entrevista, recolhi bons

frutos: Desenvolvi um projeto acadêmico que recebeu uma Bolsa

Capes, apresentei vários trabalhos em simpósios, escrevi livros,

encontrei amigos, artistas e pensadores de alto estofo intelectual de

várias instituições. No meio da tormenta, coisas e pessoas para se

agradecer.

Por isso, não posso me queixar já que agora - devido a toda

esta experiência e formação - consigo oferecer diferenciais que

encantam os clientes, sou respeitado no meu segmento de atuação,

tenho formado uma boa rede de relacionamentos e sou

freqüentemente solicitado para palestras e projetos, dentre os quais

está a publicação deste livro pela Ex Libris. Mas isto é apenas o (re)

começo, sei que a estabilidade somente virá quando completar

minha formação acadêmica e puder trabalhar mais próximo ao

contexto de minha expertise em pesquisa. Quero crer que isto será

possível e eu não tenha que me juntar aos amigos que saíram do país

em busca do reconhecimento de seu trabalho.

Esta é uma etapa estratégica para poder respirar e alçar

vôos maiores, uma vez que meu objetivo é mais amplo. Outro ponto

é deixar claro que as avaliações que efetuei não buscam atacar

disciplinas, procedimentos técnicos, profissões ou campos do

conhecimento. Também passo ao largo de taxinomias e

considerações epistemológicas. Teorias válidas e aceitáveis que

quando aplicadas acarretam danos são inúteis operacional ou

eticamente. Práticas danosas que se instalam ao arrepio da reflexão,

também o são. Apenas relatei o que foi registrado pela perspectiva

de um homem comum, perdido entre uma selva de exigências

incoerentes, cuja essentia lhe escapa.

São reflexões contemporaneamente fragmentárias,

relacionais, próprias de quem sofre e denuncia o descaso, a desídia

e a incompetência em valorizar o humano. De qualquer forma,

como reflexão eu deixo o texto abaixo, extraído do conhecido

87 Minha singela homenagem ao Prof. Bento Prado Jr, eminente pensador, que este ano adentrou o céu dos filósofos.88 É difícil, mas as ondas contras as quais resisto não são suficientes para me fazer naufragar: Fluctua nec mergitur!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

142 143

práticas além de desnaturarem-se em relação à ciência originadora,

ainda renegavam seus pressupostos. As pessoas manipulando

processos e ferramentas de maneira tosca, evidenciando o

despreparo, personalismos ou a avidez do retorno. Há muito ainda

por dizer. Tanto que já sei como pode continuar a história: vou

sistematizar as principais idéias e práticas que contribuem para

afundar uma empresa e escrever o segundo volume do manual.

Nesse meio tempo, verifiquei que não mais podia ficar

correndo atrás das oportunidades: Eu tinha que começar a construí-

las. E, assim, ao final de algum tempo naquela empresa me vi na

situação de optar por crescer ou estagnar. Então comecei a

pavimentar esta estrada chamada oportunidade e fazê-la

condizente com minhas capacidades. No final de 2006, após

administrar com sucesso um projeto de grande porte para uma

montadora de renome, me desliguei. Dois anos atrás e estaria cru,

receoso do futuro, mas agora estava, pelo contrário com os

machados afiados. Fui em frente e fundei meu próprio estúdio de

consultoria, que é especializada em programas especiais para

desenvolvimento e motivação. A procura tem sido surpreendente e

crescemos dia a dia. Quanto aos disparates, procuro eliminar estas

insanidades organizacionais, capacitando pessoas através de uma 87metodologia ou processo que designo por campo transcendental ,

pois é uma área de ressonância e interação ao redor da presença

individual. Pessoas excelentes se tornam profissionais excelentes.

Mas, enquanto eu entrava e saía do olho do furacão, como

todo personagem eu tinha também que manter uma vida dupla: a

de candidato e pesquisador. Como bolsista de uma grande

universidade, durante o curso destes fenômenos eu ainda tinha que 88estudar muito para concluir com méritos o meu mestrado. Dada à

qualidade da formação, as cobranças eram muitas, mas isto

contribuía para o melhor. Aliás, se não fossem os programas que me

foram oferecidos pela São Judas - aos quais me habilitei -, e à

capacidade humana e técnica de seu corpo docente e

coordenadores, eu ainda estaria no rés-do-chão empresarial.

O fato de ter continuado a estudar e instado a apresentar

textos, dar aulas, representava a confiança em minhas

potencialidades. Ter sido sempre estimulado a dar o melhor de mim

foi definitivo para manter a auto-estima, nos períodos mais negros.

Mesmo nos dias mais solitários, em meio a passeios pelo campus,

aguardando o telefone tocar para uma entrevista, recolhi bons

frutos: Desenvolvi um projeto acadêmico que recebeu uma Bolsa

Capes, apresentei vários trabalhos em simpósios, escrevi livros,

encontrei amigos, artistas e pensadores de alto estofo intelectual de

várias instituições. No meio da tormenta, coisas e pessoas para se

agradecer.

Por isso, não posso me queixar já que agora - devido a toda

esta experiência e formação - consigo oferecer diferenciais que

encantam os clientes, sou respeitado no meu segmento de atuação,

tenho formado uma boa rede de relacionamentos e sou

freqüentemente solicitado para palestras e projetos, dentre os quais

está a publicação deste livro pela Ex Libris. Mas isto é apenas o (re)

começo, sei que a estabilidade somente virá quando completar

minha formação acadêmica e puder trabalhar mais próximo ao

contexto de minha expertise em pesquisa. Quero crer que isto será

possível e eu não tenha que me juntar aos amigos que saíram do país

em busca do reconhecimento de seu trabalho.

Esta é uma etapa estratégica para poder respirar e alçar

vôos maiores, uma vez que meu objetivo é mais amplo. Outro ponto

é deixar claro que as avaliações que efetuei não buscam atacar

disciplinas, procedimentos técnicos, profissões ou campos do

conhecimento. Também passo ao largo de taxinomias e

considerações epistemológicas. Teorias válidas e aceitáveis que

quando aplicadas acarretam danos são inúteis operacional ou

eticamente. Práticas danosas que se instalam ao arrepio da reflexão,

também o são. Apenas relatei o que foi registrado pela perspectiva

de um homem comum, perdido entre uma selva de exigências

incoerentes, cuja essentia lhe escapa.

São reflexões contemporaneamente fragmentárias,

relacionais, próprias de quem sofre e denuncia o descaso, a desídia

e a incompetência em valorizar o humano. De qualquer forma,

como reflexão eu deixo o texto abaixo, extraído do conhecido

87 Minha singela homenagem ao Prof. Bento Prado Jr, eminente pensador, que este ano adentrou o céu dos filósofos.88 É difícil, mas as ondas contras as quais resisto não são suficientes para me fazer naufragar: Fluctua nec mergitur!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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89diálogo da Morsa e das Ostras , de Lewis Carroll, para que meditem

na real seqüência dos discursos e que aprendam a entendê-los de

forma a evitar interpretações ingênuas e, principalmente, deixar se

levar por promessas vãs:

Está na hora de falarmos sobre sapatos, lacres e reis, de se o mar está

fervendo, ou se os porcos tem asas, talvez!

904 - Resumo da Ópera: Pequenas Grandes Coisas a Evitar

A - Não tenha medo de recomeçar, mesmo que a oportunidade

esteja em outro ramo.

Veja só: No início da década de 90, a coisa estava feia: Hiperinflação,

planos fracassados, o pessoal tentando implantar o Real e eu tinha

acabado de sair de uma grande multinacional, num plano de

demissões...Um amigo me falou que tinha uma vaga de vendedor de

peças de bicicletas. Eu agradeci a gentileza, mas pensei: ele devia

estar louco. Vendedor? É fim de carreira! Mas, como a situação

estava apertada, resolvi tentar a sorte. Tinha acabado de comprar

meu primeiro carro e lá fui eu para a Baixada Santista, porta mala

cheio de amostras e tabelas de preço. Não conhecia o ramo e nem as

cidades. Só que no primeiro dia eu vendi R$ 5.000,00. Nos meses

subseqüentes - com algum esforço, é claro - já estava vendendo de

R$ 40.000,00 a R$ 70.000,00. Depois arrumei outras representadas,

abri uma firma e dois anos depois estava com minha própria loja.

Adquiri grandes conhecimentos em negociação, fiz bons amigos e

durante dez anos esta foi a minha vida. Eu estaria lá até agora se o

governo FHC não tivesse ajudado a quebrar milhares de empresas

na alta do dólar. Depois disso, voltei ao mercado e tive outras

oportunidades. O importante não é a minha história, mas saber que

sempre existem possibilidades se você acreditar e tiver

determinação.

B - Não se sinta desmotivado com os resultados das “análises”

que fazem sobre você.

A maioria dos testes e avaliações apresenta resultados tão

disparatados e conflitantes, que é improvável que haja índices de

acerto superiores a 30%. Claro, alguma coisa você pode identificar

como “parte” de você e outras correlações. No entanto, não se fie

muito nisto, pois como eu já disse antes, tudo depende de como

você estava “se sentindo” na hora de preencher as respostas. No

mais as possibilidades de que estes testes digam como você é

“realmente” podem ser tão remotas quanto ganhar na loteria.

Os textos parecem, no mais das vezes, os prognósticos

daqueles sites de mapa astral, que já tem o texto pré-configurado e

só fazem encaixes conforme os dados que são inseridos. Mantenha

sempre a cabeça erguida e seja prático: Aprenda com as

experiências. Não desanime. No entanto, se notou alguma coisa em

seu comportamento que “bate” com o resultado ruim da avaliação,

não perca tempo e comece agora mesmo a buscar mecanismos de

melhorar a si mesmo.

C - Não procure passar a idéia de ser um infalível especialista:

Se você não construiu uma carreira até o pós-doutorado, então

deve tomar cuidado com o que fala e escreve nas seletivas. Não

critique os processos e pessoas de sua última empresa ou defina-se

como expertise. Sua postura pode ser confundida com arrogância e

despreparo, a despeito de suas muitas habilidades e experiência.

Mesmo com a generalização dos conceitos e das

denominações de cargo, procure sempre lembrar que algumas

coisas não mudam: se você não possui formação compatível com o

que afirma, será tratado como impostor. Lamentavelmente a

sociedade se apóia nos títulos e diplomas para aceitar opiniões e

considerar-se segura (mesmo que você seja um completo imbecil,

mas possua formação de primeira linha, eles acreditarão em você).

Outra coisa é lidar com o preconceito: se você mandava na

empresa, mas estava registrado como assistente o que vale para os

selecionadores é o registro em carteira e não a realidade dos fatos.

89 Alice no País do Espelho. A Morsa falava sem parar, distraindo as Ostras, enquanto as devorava.90 Fechando a parte expositiva, vamos ao resumo do que foi abordado e mais uma série de comentários, dicas e informações. Não se esqueça de verificar no final, informações importantes sobre o mercado e serviços aos candidatos.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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89diálogo da Morsa e das Ostras , de Lewis Carroll, para que meditem

na real seqüência dos discursos e que aprendam a entendê-los de

forma a evitar interpretações ingênuas e, principalmente, deixar se

levar por promessas vãs:

Está na hora de falarmos sobre sapatos, lacres e reis, de se o mar está

fervendo, ou se os porcos tem asas, talvez!

904 - Resumo da Ópera: Pequenas Grandes Coisas a Evitar

A - Não tenha medo de recomeçar, mesmo que a oportunidade

esteja em outro ramo.

Veja só: No início da década de 90, a coisa estava feia: Hiperinflação,

planos fracassados, o pessoal tentando implantar o Real e eu tinha

acabado de sair de uma grande multinacional, num plano de

demissões...Um amigo me falou que tinha uma vaga de vendedor de

peças de bicicletas. Eu agradeci a gentileza, mas pensei: ele devia

estar louco. Vendedor? É fim de carreira! Mas, como a situação

estava apertada, resolvi tentar a sorte. Tinha acabado de comprar

meu primeiro carro e lá fui eu para a Baixada Santista, porta mala

cheio de amostras e tabelas de preço. Não conhecia o ramo e nem as

cidades. Só que no primeiro dia eu vendi R$ 5.000,00. Nos meses

subseqüentes - com algum esforço, é claro - já estava vendendo de

R$ 40.000,00 a R$ 70.000,00. Depois arrumei outras representadas,

abri uma firma e dois anos depois estava com minha própria loja.

Adquiri grandes conhecimentos em negociação, fiz bons amigos e

durante dez anos esta foi a minha vida. Eu estaria lá até agora se o

governo FHC não tivesse ajudado a quebrar milhares de empresas

na alta do dólar. Depois disso, voltei ao mercado e tive outras

oportunidades. O importante não é a minha história, mas saber que

sempre existem possibilidades se você acreditar e tiver

determinação.

B - Não se sinta desmotivado com os resultados das “análises”

que fazem sobre você.

A maioria dos testes e avaliações apresenta resultados tão

disparatados e conflitantes, que é improvável que haja índices de

acerto superiores a 30%. Claro, alguma coisa você pode identificar

como “parte” de você e outras correlações. No entanto, não se fie

muito nisto, pois como eu já disse antes, tudo depende de como

você estava “se sentindo” na hora de preencher as respostas. No

mais as possibilidades de que estes testes digam como você é

“realmente” podem ser tão remotas quanto ganhar na loteria.

Os textos parecem, no mais das vezes, os prognósticos

daqueles sites de mapa astral, que já tem o texto pré-configurado e

só fazem encaixes conforme os dados que são inseridos. Mantenha

sempre a cabeça erguida e seja prático: Aprenda com as

experiências. Não desanime. No entanto, se notou alguma coisa em

seu comportamento que “bate” com o resultado ruim da avaliação,

não perca tempo e comece agora mesmo a buscar mecanismos de

melhorar a si mesmo.

C - Não procure passar a idéia de ser um infalível especialista:

Se você não construiu uma carreira até o pós-doutorado, então

deve tomar cuidado com o que fala e escreve nas seletivas. Não

critique os processos e pessoas de sua última empresa ou defina-se

como expertise. Sua postura pode ser confundida com arrogância e

despreparo, a despeito de suas muitas habilidades e experiência.

Mesmo com a generalização dos conceitos e das

denominações de cargo, procure sempre lembrar que algumas

coisas não mudam: se você não possui formação compatível com o

que afirma, será tratado como impostor. Lamentavelmente a

sociedade se apóia nos títulos e diplomas para aceitar opiniões e

considerar-se segura (mesmo que você seja um completo imbecil,

mas possua formação de primeira linha, eles acreditarão em você).

Outra coisa é lidar com o preconceito: se você mandava na

empresa, mas estava registrado como assistente o que vale para os

selecionadores é o registro em carteira e não a realidade dos fatos.

89 Alice no País do Espelho. A Morsa falava sem parar, distraindo as Ostras, enquanto as devorava.90 Fechando a parte expositiva, vamos ao resumo do que foi abordado e mais uma série de comentários, dicas e informações. Não se esqueça de verificar no final, informações importantes sobre o mercado e serviços aos candidatos.

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Portanto, se for o caso de realçar suas competências,

procure enfatizar os aspectos práticos de sua atuação. Se suas

pretensões são operacionais, nem tente bancar o esperto: o que se

busca é alguém que saiba cumprir ordens e atingir metas. Se você

não se conforma com isso, procure aprimorar-se faça uma nova

faculdade ou uma pós-graduação na área de seu maior interesse.

D - Palavras impronunciáveis em qualquer seleção:

Seja qual for o cargo ou função ao qual você está se candidatando,

no momento de expor ao selecionador as suas experiências e perfil,

preste muita atenção com o que vai dizer.

Evite a qualquer custo metáforas criativas ou analogias

circunstanciais. Algumas palavras e conceitos são proibidos para

quem quer arrumar um emprego. Se você disser que trabalha até

ficar doente, ou é pau para toda obra, que não era compreendido, está

se reciclando ou precisa muito do emprego, pode parecer coisa

inocente, mas veja só o que será entendido pelos selecionadores:

A - Você fica doente (não serve); B - Não tem foco ou especialidade

(quem faz tudo é ajudante geral); C - Não sabe agir em equipe

(criadores de casos são incompreendidos). D - Se você não é

capacitado, não se candidate. E - Está desesperado (aceita qualquer

coisa = você é qualquer coisa).

Evite também lugares comuns como: suar a camisa (prefira:

dedicação, superar desafios), crescer na empresa (prefira:

desenvolver minha carreira), começar de baixo (se não gostou da

vaga, porque veio?), matar a pau (prefira: resolvo problemas) e

outras expressões populares.

Enfim, os exemplos são inúmeros, portanto risque de seu

vocabulário qualquer palavra, locução ou expressão que indique

fraqueza, desânimo, casos pessoais, não integração ou possibilidade

de reivindicação.

E - Gestos que não devem ser feitos:

Pode parecer coisa de Lombroso, aquele cara que garantia ter

descoberto uma “ciência” para distinguir criminosos dos homens 91comuns, apenas analisando suas feições. Mas pessoas sérias já

92escreveram livros sobre isto, inclusive no Brasil , embora estes

pesquisadores não se atrevessem a ir tão longe assim e deixassem

claras as limitações da tese. No entanto, os seus discípulos que leram

seus livros nos cursinhos rápidos das universidades de

conveniência, ou na hora do almoço, acreditam sinceramente que

uma pessoa pode ser definida por seus gestos. Muitos outros “papas”

de administração e psicologia, também escreveram sobre isto, mas

não é o caso de ficar aqui com apelos a argumentos de autoridade,

que no mais estão superados desde a Idade Moderna.

O foco central da questão é que - e isto certamente ocorre -,

alguns estados emocionais podem ser lidos através de uma

linguagem não simbólica. É o caso da chamada comunicação não

verbal, onde os gestos podem indicar estados de espírito, como por

exemplo: mexer os pés sem parar indica nervosismo, cruzar as

pernas e braços significa retração e distanciamento. Talvez, apontar

o pé na direção da porta signifique que se queira ir embora, mostrar

o cotovelo a alguém ao lado tem o sentido de que não se está

interessado nele, por a mão na boca significa que se deve calar,

morder um lápis significa que se está tentando extrair uma resposta

de algo e por aí vai. A advertência, no entanto é que: Nem todos os

itens deste teatro gestual, possuem uma significação única. Este é o

ponto que quero ressaltar. Mas, tome cuidado, pois alguns chavões

retirados dos manuais serão sempre utilizados contra o candidato,

portanto evite:

91 Incrível, mas foi verdade. Esta técnica chegou até a ser muito utilizada no fim do século XIX e início do século XX, chamava-se fisiognomia. Certamente foi inspirada na passagem em que o trácio Zópiro, ao dialogar com Sócrates, gabava-se de conhecer profundamente a cada um, somente de olhar para sua face. No trecho, recolhido por Nietzsche, se não me engano em O Nascimento da Tragédia. Zópiro classificou Sócrates de imbecil, sensual e depravado. Enquanto os outros presentes ao diálogo tentaram linchar o trácio, Sócrates interveio e disse: Ele está certo sobre meus defeitos, mas eu os superei todos pela força de minha razão!92 Falo aqui do best-seller de RH: Relações Humanas na Família e no Trabalho, de Pierre Weil e Roland Tupankow.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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Portanto, se for o caso de realçar suas competências,

procure enfatizar os aspectos práticos de sua atuação. Se suas

pretensões são operacionais, nem tente bancar o esperto: o que se

busca é alguém que saiba cumprir ordens e atingir metas. Se você

não se conforma com isso, procure aprimorar-se faça uma nova

faculdade ou uma pós-graduação na área de seu maior interesse.

D - Palavras impronunciáveis em qualquer seleção:

Seja qual for o cargo ou função ao qual você está se candidatando,

no momento de expor ao selecionador as suas experiências e perfil,

preste muita atenção com o que vai dizer.

Evite a qualquer custo metáforas criativas ou analogias

circunstanciais. Algumas palavras e conceitos são proibidos para

quem quer arrumar um emprego. Se você disser que trabalha até

ficar doente, ou é pau para toda obra, que não era compreendido, está

se reciclando ou precisa muito do emprego, pode parecer coisa

inocente, mas veja só o que será entendido pelos selecionadores:

A - Você fica doente (não serve); B - Não tem foco ou especialidade

(quem faz tudo é ajudante geral); C - Não sabe agir em equipe

(criadores de casos são incompreendidos). D - Se você não é

capacitado, não se candidate. E - Está desesperado (aceita qualquer

coisa = você é qualquer coisa).

Evite também lugares comuns como: suar a camisa (prefira:

dedicação, superar desafios), crescer na empresa (prefira:

desenvolver minha carreira), começar de baixo (se não gostou da

vaga, porque veio?), matar a pau (prefira: resolvo problemas) e

outras expressões populares.

Enfim, os exemplos são inúmeros, portanto risque de seu

vocabulário qualquer palavra, locução ou expressão que indique

fraqueza, desânimo, casos pessoais, não integração ou possibilidade

de reivindicação.

E - Gestos que não devem ser feitos:

Pode parecer coisa de Lombroso, aquele cara que garantia ter

descoberto uma “ciência” para distinguir criminosos dos homens 91comuns, apenas analisando suas feições. Mas pessoas sérias já

92escreveram livros sobre isto, inclusive no Brasil , embora estes

pesquisadores não se atrevessem a ir tão longe assim e deixassem

claras as limitações da tese. No entanto, os seus discípulos que leram

seus livros nos cursinhos rápidos das universidades de

conveniência, ou na hora do almoço, acreditam sinceramente que

uma pessoa pode ser definida por seus gestos. Muitos outros “papas”

de administração e psicologia, também escreveram sobre isto, mas

não é o caso de ficar aqui com apelos a argumentos de autoridade,

que no mais estão superados desde a Idade Moderna.

O foco central da questão é que - e isto certamente ocorre -,

alguns estados emocionais podem ser lidos através de uma

linguagem não simbólica. É o caso da chamada comunicação não

verbal, onde os gestos podem indicar estados de espírito, como por

exemplo: mexer os pés sem parar indica nervosismo, cruzar as

pernas e braços significa retração e distanciamento. Talvez, apontar

o pé na direção da porta signifique que se queira ir embora, mostrar

o cotovelo a alguém ao lado tem o sentido de que não se está

interessado nele, por a mão na boca significa que se deve calar,

morder um lápis significa que se está tentando extrair uma resposta

de algo e por aí vai. A advertência, no entanto é que: Nem todos os

itens deste teatro gestual, possuem uma significação única. Este é o

ponto que quero ressaltar. Mas, tome cuidado, pois alguns chavões

retirados dos manuais serão sempre utilizados contra o candidato,

portanto evite:

91 Incrível, mas foi verdade. Esta técnica chegou até a ser muito utilizada no fim do século XIX e início do século XX, chamava-se fisiognomia. Certamente foi inspirada na passagem em que o trácio Zópiro, ao dialogar com Sócrates, gabava-se de conhecer profundamente a cada um, somente de olhar para sua face. No trecho, recolhido por Nietzsche, se não me engano em O Nascimento da Tragédia. Zópiro classificou Sócrates de imbecil, sensual e depravado. Enquanto os outros presentes ao diálogo tentaram linchar o trácio, Sócrates interveio e disse: Ele está certo sobre meus defeitos, mas eu os superei todos pela força de minha razão!92 Falo aqui do best-seller de RH: Relações Humanas na Família e no Trabalho, de Pierre Weil e Roland Tupankow.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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- Cruzar os braços ou enroscar as pernas na cadeira (resistência,

proteção).

- Colocar os cotovelos sobre a mesa ou inclinar-se demais à frente

(invasão de espaço).

- Abaixar a cabeça ou os olhos enquanto fala (medo, subserviência,

fraqueza).

- Encolher-se, ou refestelar-se na cadeira (insegurança ou arrogância)

- Apontar o dedo, bater na mesa ou fazer outros gestos bruscos

(intimidação, ameaça).

- Não sorrir, ou sorrir em demasia (negativismo ou desafio, falta de

personalidade ou tolice).

- Movimentar-se e ajeitar-se o tempo todo (insatisfação, desconforto,

irritação).

- Ficar rígido, duro e sem movimentos (travado, inflexível,

desorientado).

Como se pode ver, o limite das interpretações é o subjetivismo de

cada selecionador. Como dizia Foucault, a interpretação levada a

extremos, aniquila o próprio intérprete, não restando nada a ser

interpretado. Os próprios conceitos são genéricos e dizer que existe

uma escala que possa medir a intensidade e veracidade destas

linguagens é uma verdadeira contradição em termos. Se

epistemologicamente há problemas conceituais, imagine no dia a

dia da seleção com alguém tocando a linha de produção de

candidatos. Além do mais, ninguém ali vai considerar se a cadeira é

ou não confortável, se há espaço para seus pés, se faz calor ou se a 93perna, de repente começou a coçar , se o seu espaço foi invadido

bruscamente ou se as perguntas feitas foram tão ridículas que fique

difícil não rir ou chorar, entre outros senões. Sem mencionar o

salário... Assim, procure ficar á vontade, sem exagerar, e sentar-se

confortavelmente, procurando observar os gestos do selecionador

e cuidar para que o seu gestual seja firme, sóbrio e gentil.

F - Enfrente com dignidade o Preconceito:

Pensa que isto só acontece com negros, mulheres, favelados, 94cadeirantes, homosexuais e outras minorias? Você está

redondamente enganado. Em nosso país, na ingrata faina de se

conseguir um emprego você estará exposto a uma série de

constrangimentos. Um dos motivos pelos quais eu fiquei mais de um

ano desempregado foi por que cometi o crime hediondo de

ultrapassar a barreira dos quarenta anos! Apesar de ser ilegal, a

maioria das empresas costuma fixar parâmetros para a contratação

que, mormente, colocam de fora pessoas produtivas, experientes e

dedicadas. Isto, porque na lógica tacanha dos processos produtivos,

os empresários costumam buscar candidatos que possam render o

máximo e, contra todo o bom senso, acredita-se que uma pessoa é

velha se passou de determinada idade.

Veja só a contradição: se você é jovem, não tem

experiência e não consegue emprego. Se já passou da faixa

“apropriada”, “competitiva”, sua experiência e maturidade não

valem nada. Fora isto, existe a discrepância de encaixar suas

competências nos malditos perfis: Se você é da área comercial,

querem que seja também engenheiro, se é da área técnica, querem

também que faça decoração, se é contador deve entender de fluxo

de produção, se é operário tem que saber lidar com administração,

se é office boy tem que falar inglês, se é secretária tem que fazer café,

no final, se você tiver estas e outras qualificações, dirão que não

serve porque é um generalista! Como é que se vai fazer? Como dizia

minha avó: aonde nós vamos parar? Força, irmão! Mantenha sua

cabeça erguida, não se deixe abater e desafie o preconceito, seja

explícito ou disfarçado com conceitos administrativos e setoriais. Se

for o caso, denuncie aos órgãos competentes, pois ninguém pode

ser discriminado por idade, cor, sexo, deficiência, religião ou

qualquer outra condição. Meu conselho é que, nas entrevistas, tente

abrir os olhos do selecionador para suas capacidades, reforçando

que elas somente são excelentes e úteis, em função da sua idade e

experiência.

G - Não fique aí parado, desenvolva alguma habilidade nova:

Se você ainda acha que emprego é das 08h00 às 18h00, com uma

hora de almoço, benefícios, férias anuais, dissídio e o fim de semana

é cerveja, samba e futebol, cuidado! Esta espécie de vida está em

extinção. Foi-se o tempo em que o segundo grau bastava para

qualquer um ser “alguém” na vida, afinal era só arrumar um

93 O homem é um animal que se coça em público, dizia Angeli.94 Talvez fosse mais correto falar em maiorias...Mas, vocês entenderam.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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- Cruzar os braços ou enroscar as pernas na cadeira (resistência,

proteção).

- Colocar os cotovelos sobre a mesa ou inclinar-se demais à frente

(invasão de espaço).

- Abaixar a cabeça ou os olhos enquanto fala (medo, subserviência,

fraqueza).

- Encolher-se, ou refestelar-se na cadeira (insegurança ou arrogância)

- Apontar o dedo, bater na mesa ou fazer outros gestos bruscos

(intimidação, ameaça).

- Não sorrir, ou sorrir em demasia (negativismo ou desafio, falta de

personalidade ou tolice).

- Movimentar-se e ajeitar-se o tempo todo (insatisfação, desconforto,

irritação).

- Ficar rígido, duro e sem movimentos (travado, inflexível,

desorientado).

Como se pode ver, o limite das interpretações é o subjetivismo de

cada selecionador. Como dizia Foucault, a interpretação levada a

extremos, aniquila o próprio intérprete, não restando nada a ser

interpretado. Os próprios conceitos são genéricos e dizer que existe

uma escala que possa medir a intensidade e veracidade destas

linguagens é uma verdadeira contradição em termos. Se

epistemologicamente há problemas conceituais, imagine no dia a

dia da seleção com alguém tocando a linha de produção de

candidatos. Além do mais, ninguém ali vai considerar se a cadeira é

ou não confortável, se há espaço para seus pés, se faz calor ou se a 93perna, de repente começou a coçar , se o seu espaço foi invadido

bruscamente ou se as perguntas feitas foram tão ridículas que fique

difícil não rir ou chorar, entre outros senões. Sem mencionar o

salário... Assim, procure ficar á vontade, sem exagerar, e sentar-se

confortavelmente, procurando observar os gestos do selecionador

e cuidar para que o seu gestual seja firme, sóbrio e gentil.

F - Enfrente com dignidade o Preconceito:

Pensa que isto só acontece com negros, mulheres, favelados, 94cadeirantes, homosexuais e outras minorias? Você está

redondamente enganado. Em nosso país, na ingrata faina de se

conseguir um emprego você estará exposto a uma série de

constrangimentos. Um dos motivos pelos quais eu fiquei mais de um

ano desempregado foi por que cometi o crime hediondo de

ultrapassar a barreira dos quarenta anos! Apesar de ser ilegal, a

maioria das empresas costuma fixar parâmetros para a contratação

que, mormente, colocam de fora pessoas produtivas, experientes e

dedicadas. Isto, porque na lógica tacanha dos processos produtivos,

os empresários costumam buscar candidatos que possam render o

máximo e, contra todo o bom senso, acredita-se que uma pessoa é

velha se passou de determinada idade.

Veja só a contradição: se você é jovem, não tem

experiência e não consegue emprego. Se já passou da faixa

“apropriada”, “competitiva”, sua experiência e maturidade não

valem nada. Fora isto, existe a discrepância de encaixar suas

competências nos malditos perfis: Se você é da área comercial,

querem que seja também engenheiro, se é da área técnica, querem

também que faça decoração, se é contador deve entender de fluxo

de produção, se é operário tem que saber lidar com administração,

se é office boy tem que falar inglês, se é secretária tem que fazer café,

no final, se você tiver estas e outras qualificações, dirão que não

serve porque é um generalista! Como é que se vai fazer? Como dizia

minha avó: aonde nós vamos parar? Força, irmão! Mantenha sua

cabeça erguida, não se deixe abater e desafie o preconceito, seja

explícito ou disfarçado com conceitos administrativos e setoriais. Se

for o caso, denuncie aos órgãos competentes, pois ninguém pode

ser discriminado por idade, cor, sexo, deficiência, religião ou

qualquer outra condição. Meu conselho é que, nas entrevistas, tente

abrir os olhos do selecionador para suas capacidades, reforçando

que elas somente são excelentes e úteis, em função da sua idade e

experiência.

G - Não fique aí parado, desenvolva alguma habilidade nova:

Se você ainda acha que emprego é das 08h00 às 18h00, com uma

hora de almoço, benefícios, férias anuais, dissídio e o fim de semana

é cerveja, samba e futebol, cuidado! Esta espécie de vida está em

extinção. Foi-se o tempo em que o segundo grau bastava para

qualquer um ser “alguém” na vida, afinal era só arrumar um

93 O homem é um animal que se coça em público, dizia Angeli.94 Talvez fosse mais correto falar em maiorias...Mas, vocês entenderam.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

148 149

emprego, dar duro e depois de alguns anos passar a agir assim para

suportar as frustrações e “esquecer” os problemas. O que conta hoje

é qualidade: Qualidade de vida, qualidade acadêmica, qualidade

técnica, excelência pessoal, psicológica e profissional. Se você

parou, volte a estudar. Se ainda não conclui os estudos, não pare até

o Pós-Doutorado!

Se você não desenvolver sempre novas competências,

habilidades e conhecimentos pode esperar a demissão em

curtíssimo prazo! Se você não está empregado ou nem conseguiu

ainda seu primeiro emprego pense nisto com carinho: aproveite o

tempo disponível para se atualizar em alguma coisa útil a si, à

profissão e ao mundo. Hoje não se pode mais dizer que se está

empregado, mas que é “empregável”, ou seja: que possui, reúne e

dispõe de capacidades reais para - além de fazer seu serviço - ser útil

à empresa de outras formas e à comunidade também. Lembre-se de

um velho ditado chinês: Se você come até ficar velho, também pode

aprender até ficar velho. Entendeu? Nem precisa investir muito

tempo, seja prático: se você é da área comercial, leia a Você S/A ou a

Venda Mais, adquira um lugar numa palestra da Consultive Labs ou

vá visitar uma feira de negócios. É de outra área ou não é o caso,

mesmo assim refresque a mente e visite um Museu ou Exposição.

H - Faça uma Reforma Íntima e se transforme em uma pessoa

melhor:

Este é o momento exato de revisar suas crenças e abandonar

paradigmas. Não existe profissional excelente sem que o indivíduo

possua altos padrões de excelência pessoal. Não se iluda em tentar

oferecer algo que não exista dentro de si mesmo e achar que fará

sucesso. Ninguém mantém ou alcança um triunfo a não ser pela

força da vontade. Nada é por acaso, portanto, as condições de

possibilidade devem estar estabelecidas antes de qualquer coisa

existir e funcionar.

Você acha realmente que é do jeito que imagina? Que sua

visão de mundo realmente se aplica? Será que a maioria das pessoas

em volta não tem uma idéia completamente diversa de como você

realmente se comporta? Ilusão: Largue este corpo que não é teu!

Acorde para a realidade em movimento: duração é simultaneidade

e tudo o que fica parado enferruja! Abandone imediatamente a

velha condição modorrenta e preconceituosa e olhe para dentro de

si. Será que não há nada mesmo para ser mudado, atualizado e

higienizado? Veja se pode dizer isto de si mesmo:

Como, até hoje, te conduziste para com os deuses, para com teus

pais, teus irmãos, tua mulher, teus filhos, teus professores, teus

preceptores, teus amigos, teus próximos, teus subordinados? Vê se

à tua conduta em relação a eles se aplica, até agora, o verso: “A

ninguém fazer mal, de ninguém maldizer”... Se não é justo, não o

faças; se não é verdade, não o digas; tua vontade é livre...No

discurso é mister ser atento às palavras e nos empreendimentos

aos atos: procurar aqui o objetivo e lá o sentido.95

(Marco Aurélio)

I - Considerações para um Novo Horizonte de Eventos: O RH no

Poder?

Resumamos aqui e justifiquemos depois: Há uma enorme lacuna

ética e regimental no universo trabalhista e que sequer é previsto na

CLT anciã. Mas estes golpes, que mudam apenas de logotipo não são

realmente o grande problema. Sempre haverá canalhas. A

economia de mercado ainda sustenta um desemprego “estrutural”

que atinge índices sempre alarmantes e fomenta todo o tipo de

estelionato. Caso de polícia, Golpe do Emprego, Venda de Laudos,

Ministério Público, mas não é o ponto final. O que enfrentamos no

bojo desta situação extrapola a malícia do malfeitor ou a

incompetência de nosso modelo de sociedade. Lutamos hoje para

saber quem decide os aspectos humanos nas empresas e qual o

novo horizonte de eventos para os gestores de Recursos Humanos.

O que aqui demonstramos, invoca certa dose de omissão

por parte de uma classe profissional importante, intelectualmente

eclética, criativa, formadora de opinião. Vivem no mais, dentro de

sua normatividade apática e filosofia utilitária, onde comandam

importantes funções. Estes botos são os responsáveis - diretos ou

95 Marco Aurélio: Meditações - LV - XXXII, LXII -XVII e LVII - IV.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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emprego, dar duro e depois de alguns anos passar a agir assim para

suportar as frustrações e “esquecer” os problemas. O que conta hoje

é qualidade: Qualidade de vida, qualidade acadêmica, qualidade

técnica, excelência pessoal, psicológica e profissional. Se você

parou, volte a estudar. Se ainda não conclui os estudos, não pare até

o Pós-Doutorado!

Se você não desenvolver sempre novas competências,

habilidades e conhecimentos pode esperar a demissão em

curtíssimo prazo! Se você não está empregado ou nem conseguiu

ainda seu primeiro emprego pense nisto com carinho: aproveite o

tempo disponível para se atualizar em alguma coisa útil a si, à

profissão e ao mundo. Hoje não se pode mais dizer que se está

empregado, mas que é “empregável”, ou seja: que possui, reúne e

dispõe de capacidades reais para - além de fazer seu serviço - ser útil

à empresa de outras formas e à comunidade também. Lembre-se de

um velho ditado chinês: Se você come até ficar velho, também pode

aprender até ficar velho. Entendeu? Nem precisa investir muito

tempo, seja prático: se você é da área comercial, leia a Você S/A ou a

Venda Mais, adquira um lugar numa palestra da Consultive Labs ou

vá visitar uma feira de negócios. É de outra área ou não é o caso,

mesmo assim refresque a mente e visite um Museu ou Exposição.

H - Faça uma Reforma Íntima e se transforme em uma pessoa

melhor:

Este é o momento exato de revisar suas crenças e abandonar

paradigmas. Não existe profissional excelente sem que o indivíduo

possua altos padrões de excelência pessoal. Não se iluda em tentar

oferecer algo que não exista dentro de si mesmo e achar que fará

sucesso. Ninguém mantém ou alcança um triunfo a não ser pela

força da vontade. Nada é por acaso, portanto, as condições de

possibilidade devem estar estabelecidas antes de qualquer coisa

existir e funcionar.

Você acha realmente que é do jeito que imagina? Que sua

visão de mundo realmente se aplica? Será que a maioria das pessoas

em volta não tem uma idéia completamente diversa de como você

realmente se comporta? Ilusão: Largue este corpo que não é teu!

Acorde para a realidade em movimento: duração é simultaneidade

e tudo o que fica parado enferruja! Abandone imediatamente a

velha condição modorrenta e preconceituosa e olhe para dentro de

si. Será que não há nada mesmo para ser mudado, atualizado e

higienizado? Veja se pode dizer isto de si mesmo:

Como, até hoje, te conduziste para com os deuses, para com teus

pais, teus irmãos, tua mulher, teus filhos, teus professores, teus

preceptores, teus amigos, teus próximos, teus subordinados? Vê se

à tua conduta em relação a eles se aplica, até agora, o verso: “A

ninguém fazer mal, de ninguém maldizer”... Se não é justo, não o

faças; se não é verdade, não o digas; tua vontade é livre...No

discurso é mister ser atento às palavras e nos empreendimentos

aos atos: procurar aqui o objetivo e lá o sentido.95

(Marco Aurélio)

I - Considerações para um Novo Horizonte de Eventos: O RH no

Poder?

Resumamos aqui e justifiquemos depois: Há uma enorme lacuna

ética e regimental no universo trabalhista e que sequer é previsto na

CLT anciã. Mas estes golpes, que mudam apenas de logotipo não são

realmente o grande problema. Sempre haverá canalhas. A

economia de mercado ainda sustenta um desemprego “estrutural”

que atinge índices sempre alarmantes e fomenta todo o tipo de

estelionato. Caso de polícia, Golpe do Emprego, Venda de Laudos,

Ministério Público, mas não é o ponto final. O que enfrentamos no

bojo desta situação extrapola a malícia do malfeitor ou a

incompetência de nosso modelo de sociedade. Lutamos hoje para

saber quem decide os aspectos humanos nas empresas e qual o

novo horizonte de eventos para os gestores de Recursos Humanos.

O que aqui demonstramos, invoca certa dose de omissão

por parte de uma classe profissional importante, intelectualmente

eclética, criativa, formadora de opinião. Vivem no mais, dentro de

sua normatividade apática e filosofia utilitária, onde comandam

importantes funções. Estes botos são os responsáveis - diretos ou

95 Marco Aurélio: Meditações - LV - XXXII, LXII -XVII e LVII - IV.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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indiretos - pelos panoramas conceituais dos processos de

contratação e as exigências sine qua non, de realização ou de sua

validade e, deste modo, tornam-se extensivamente parte

interessada no caso.

A economia não é tudo, postura sim! Ao incorporarem os

paradigmas (Platão is not dead) e o discurso criado pelos seus

expoentes, os novos sofistas que lhes copiam as denominações,

laudos e testes, apenas atuam no vácuo de sua ausência.

Desde a antigüidade que se postulam aos mais sábios,

preparados e ativos que tomem e mantenham o poder. Mas a

omissão ocorre por não conseguirem colocar em prática as

“vivências”, os discursos, os congressos e toda a.

Na realidade os especialistas de RH temem intervir na

administração das empresas, quando deveriam - sim - buscar maior

influência e dividir co-responsavelmente a sua direção executiva e

operacional. A ausência é por criarem entes em demasia, critérios

indutivos formatando esquemas justapostos, que nunca serão

factíveis, embora possam ser apropriados como verdade. Em não o

fazendo deixam espaço para os lobos lucrarem com as receitas de

bolo e apesar de possuírem conhecimentos, habilidades não há

muita atitude...

Recuam frente aos financistas e suas notáveis planilhas de

custos ou calam-se quando o diretor grita suas impertinências sem

sentido. No dia-a-dia não estão presentes onde é necessário e no

mais das vezes, por não conseguirem gerir o conhecimento, voltam-

se a esoterismos, jogos, sistemáticas e tabulações organizacionais.

Terminam sempre por dizer que assim são as coisas e, então,

chamam a rotina de “processo”, sublocando as delimitações e

indicando tendências.

E com isso, ao invés de desenvolver, acabam por formatar

na realidade externa uma geografia competitiva, terra média

desconhecida e cuja situação a quem nela se inscreve, fornece mais

motivos de ansiedade e de insegurança, do que propriamente um

“desafio”, tornando-se, portanto, cada etapa numa arena onde se

deverá travar um combate mortal... onde somente restará um!

É importante verificar que o intuito aqui é registrar o

anátema das modernas práticas de contratação e quais os impactos

que os mecanismos, instrumentos, visões e técnicas aceitas têm nos

indivíduos. Gerir pessoas deve pressupor algo mais do que a aridez

dos perfis e denominações como “capital humano”, metáfora algo

infeliz que se aproxima perigosamente do modus operandi, daqueles

cujo único valor é o lucro e cuja maior preocupação é aumentar a

extração, produção, conquistar mercados e baixar os custos, seja a

que custo legal, ético, social ou ecológico que for. Não temos mais

tempo para isso. É preciso mudar logo o morubixaba.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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indiretos - pelos panoramas conceituais dos processos de

contratação e as exigências sine qua non, de realização ou de sua

validade e, deste modo, tornam-se extensivamente parte

interessada no caso.

A economia não é tudo, postura sim! Ao incorporarem os

paradigmas (Platão is not dead) e o discurso criado pelos seus

expoentes, os novos sofistas que lhes copiam as denominações,

laudos e testes, apenas atuam no vácuo de sua ausência.

Desde a antigüidade que se postulam aos mais sábios,

preparados e ativos que tomem e mantenham o poder. Mas a

omissão ocorre por não conseguirem colocar em prática as

“vivências”, os discursos, os congressos e toda a.

Na realidade os especialistas de RH temem intervir na

administração das empresas, quando deveriam - sim - buscar maior

influência e dividir co-responsavelmente a sua direção executiva e

operacional. A ausência é por criarem entes em demasia, critérios

indutivos formatando esquemas justapostos, que nunca serão

factíveis, embora possam ser apropriados como verdade. Em não o

fazendo deixam espaço para os lobos lucrarem com as receitas de

bolo e apesar de possuírem conhecimentos, habilidades não há

muita atitude...

Recuam frente aos financistas e suas notáveis planilhas de

custos ou calam-se quando o diretor grita suas impertinências sem

sentido. No dia-a-dia não estão presentes onde é necessário e no

mais das vezes, por não conseguirem gerir o conhecimento, voltam-

se a esoterismos, jogos, sistemáticas e tabulações organizacionais.

Terminam sempre por dizer que assim são as coisas e, então,

chamam a rotina de “processo”, sublocando as delimitações e

indicando tendências.

E com isso, ao invés de desenvolver, acabam por formatar

na realidade externa uma geografia competitiva, terra média

desconhecida e cuja situação a quem nela se inscreve, fornece mais

motivos de ansiedade e de insegurança, do que propriamente um

“desafio”, tornando-se, portanto, cada etapa numa arena onde se

deverá travar um combate mortal... onde somente restará um!

É importante verificar que o intuito aqui é registrar o

anátema das modernas práticas de contratação e quais os impactos

que os mecanismos, instrumentos, visões e técnicas aceitas têm nos

indivíduos. Gerir pessoas deve pressupor algo mais do que a aridez

dos perfis e denominações como “capital humano”, metáfora algo

infeliz que se aproxima perigosamente do modus operandi, daqueles

cujo único valor é o lucro e cuja maior preocupação é aumentar a

extração, produção, conquistar mercados e baixar os custos, seja a

que custo legal, ético, social ou ecológico que for. Não temos mais

tempo para isso. É preciso mudar logo o morubixaba.

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CAPÍTULO IV

TIPOS DE AGÊNCIAS

Para que você possa se localizar no meio da selva de conceitos e

siglas, preparamos abaixo um pequeno dicionário sobre os serviços

e tipos de agência existentes por aí:

1 - Consultorias e Agências de Recolocação

Existem dois níveis de recolocação, um é sério e o outro não. O

primeiro nível é quando você procura um profissional para

desenvolver sua performance e gerenciar sua carreira. Neste caso,

você estará pagando para que o consultor avalie seu potencial,

analise seu currículo, desenvolva treinamentos e outras

providências. É como um personal trainer, só que voltado à gestão

de sua carreira.

O consultor não oferece emprego e nem oportunidades,

ele apenas é pago para preparar você para entrevistas, avaliar seu

perfil psicológico, descobrir suas falhas e potenciais para processos

seletivos ou auxiliar na transição de carreira, nada mais. Geralmente

custa bem caro e o resultado depende somente de sua performance

e qualificações. Por isso é utilizado por altos executivos e diretores

que são contratados em processos sigilosos. Não costuma funcionar

bem para a raia miúda, uma vez que exige competências

inequívocas, excelente formação acadêmica e sólida experiência.

No entanto é algo perfeitamente normal e em alguns casos vale

realmente a pena.

O segundo é o típico caso de polícia: Trata-se do famoso

golpe da venda do emprego. Empresas de idoneidade duvidosa

colocam anúncios em todos os lugares e prospectam os portais de

empregos atrás de possíveis vítimas. É feito um contato, onde se

oferece a vaga de seus sonhos, com todos os benefícios e vantagens.

Marcada a entrevista, vai lá o ansioso incauto e lhe apresentam uma

visão do paraíso, onde eles dizem que o seu perfil é o ideal, que a

empresa tem pressa em contratar, só existe você concorrendo e que

(pasmem) o selecionador foi com a sua cara e acha que o emprego é

seu. No entanto, para formalizar a contratação é necessário fazer

alguns testes, precisam levar para o cliente um laudo

comportamental, um perfil de personalidade e outros documentos.

O candidato nem desconfia que, na realidade, a vaga não

existe. Pego pela oportunidade de sua vida, ele concorda em pagar

os “custos” da empresa e deixa lá vários cheques pré-datados. Eles

também prometem “treiná-lo” para as entrevistas e pedem que

assine um contrato e retorne dali a alguns dias. Feito isto, o coitado

nunca mais consegue ser recebido pelo “consultor”, que não

retorna seus telefonemas e muito menos o atende pessoalmente. O

contrato é redigido de tal modo que nada do que foi acertado

verbalmente está no papel, assim, quando o iludido candidato tenta

dar queixa na polícia, no Procon ou ao Bispo, os “advogados” da

empresa simplesmente dizem que a pessoa devia ter lido o que

assinou. Que ninguém ali prometeu emprego, mas apenas

assessoria e que os “honorários” são devidos e, concluem

singelamente, estão no mercado há anos, sendo “parceiros” na

recolocação de profissionais; que sem eles a pessoa não arruma

emprego, entre outras inverdades. Se receber uma proposta

indecorosa desta, recuse imediatamente!!!

2 - Consultoria de Recursos Humanos

É o novo nome da antiga agência de empregos. Como no caso

acima, existem níveis de atuação destas empresas. O primeiro nível

é o mais tradicional, onde todos os custos são pagos pelos

empregadores e o candidato somente tem que comparecer à

seleção e fazer os testes. Uma vez contratado a empresa recebe do

cliente e o candidato não põe a mão no bolso. É o correto!

O segundo nível é o chamado custo parcial, onde a

empresa contratante arca com a maior parte dos valores do

processo seletivo e o candidato, uma vez empregado, paga uma

porcentagem à agência que é descontada em folha no seu primeiro

salário. Trata-se de uma prestação de serviços e, este tipo de negócio

costuma ser bem sucedido, pois tanto a agência quanto a empresa

ou o candidato tem interesse nesta modalidade. Normalmente os

termos ficam claros, desde o início para as partes, o que traz

segurança e transparência. Quem é qualificado é aprovado e se não,

não paga nada!

O terceiro nível é o da Arapuca. Funciona como uma

recolocação, mas sem as firulas e salas de espera luxuosas das

consultorias da avenida Paulista. O fulano chega lá e é informado da

vaga ou então é convencido a pagar uma taxa de “prospecção” e

“geração de entrevistas”. Dizem para você que vão arrumar 10

entrevistas por semana e o valor geralmente é baixo, coisa de R$

50,00 a R$ 100,00. Se você assina o contrato, eles não mais vão lhe

atender, no máximo receberá as vagas retiradas de jornais para você

comparecer. É a versão “pobre” do golpe da venda de emprego.

Como sempre, no contrato não está escrito que vão lhe arranjar

emprego, mas que estão ali de toda a boa vontade do mundo para

lhe “assessorar”. Todo cuidado é pouco com estes e outros picaretas.

3 - Head Hunter

Na tradução literal é um “caçador de cabeças”. O termo vem dos

profissionais que vasculham o mercado atrás de candidatos para

processos sigilosos e de altíssimo escalão. Neste nível existem

grandes empresas voltadas a “raptar” cérebros e dirigentes de

outras empresas e repassá-los aos seus clientes. A não ser que você

seja uma sumidade em seu trabalho, pode ficar tranqüilo que nunca

vai receber um contato destes “bwanas”. No entanto, como já dizia

o velho yankee: não há nada no mundo que ninguém possa fazer um

pouco mais ordinário e vender por um preço melhor. Assim, existem

os caçadores de médio e baixo escalão, que se aproveitam da

denominação para fazer seus contatos e vender seus candidatos ao

mercado.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

156 157

O segundo é o típico caso de polícia: Trata-se do famoso

golpe da venda do emprego. Empresas de idoneidade duvidosa

colocam anúncios em todos os lugares e prospectam os portais de

empregos atrás de possíveis vítimas. É feito um contato, onde se

oferece a vaga de seus sonhos, com todos os benefícios e vantagens.

Marcada a entrevista, vai lá o ansioso incauto e lhe apresentam uma

visão do paraíso, onde eles dizem que o seu perfil é o ideal, que a

empresa tem pressa em contratar, só existe você concorrendo e que

(pasmem) o selecionador foi com a sua cara e acha que o emprego é

seu. No entanto, para formalizar a contratação é necessário fazer

alguns testes, precisam levar para o cliente um laudo

comportamental, um perfil de personalidade e outros documentos.

O candidato nem desconfia que, na realidade, a vaga não

existe. Pego pela oportunidade de sua vida, ele concorda em pagar

os “custos” da empresa e deixa lá vários cheques pré-datados. Eles

também prometem “treiná-lo” para as entrevistas e pedem que

assine um contrato e retorne dali a alguns dias. Feito isto, o coitado

nunca mais consegue ser recebido pelo “consultor”, que não

retorna seus telefonemas e muito menos o atende pessoalmente. O

contrato é redigido de tal modo que nada do que foi acertado

verbalmente está no papel, assim, quando o iludido candidato tenta

dar queixa na polícia, no Procon ou ao Bispo, os “advogados” da

empresa simplesmente dizem que a pessoa devia ter lido o que

assinou. Que ninguém ali prometeu emprego, mas apenas

assessoria e que os “honorários” são devidos e, concluem

singelamente, estão no mercado há anos, sendo “parceiros” na

recolocação de profissionais; que sem eles a pessoa não arruma

emprego, entre outras inverdades. Se receber uma proposta

indecorosa desta, recuse imediatamente!!!

2 - Consultoria de Recursos Humanos

É o novo nome da antiga agência de empregos. Como no caso

acima, existem níveis de atuação destas empresas. O primeiro nível

é o mais tradicional, onde todos os custos são pagos pelos

empregadores e o candidato somente tem que comparecer à

seleção e fazer os testes. Uma vez contratado a empresa recebe do

cliente e o candidato não põe a mão no bolso. É o correto!

O segundo nível é o chamado custo parcial, onde a

empresa contratante arca com a maior parte dos valores do

processo seletivo e o candidato, uma vez empregado, paga uma

porcentagem à agência que é descontada em folha no seu primeiro

salário. Trata-se de uma prestação de serviços e, este tipo de negócio

costuma ser bem sucedido, pois tanto a agência quanto a empresa

ou o candidato tem interesse nesta modalidade. Normalmente os

termos ficam claros, desde o início para as partes, o que traz

segurança e transparência. Quem é qualificado é aprovado e se não,

não paga nada!

O terceiro nível é o da Arapuca. Funciona como uma

recolocação, mas sem as firulas e salas de espera luxuosas das

consultorias da avenida Paulista. O fulano chega lá e é informado da

vaga ou então é convencido a pagar uma taxa de “prospecção” e

“geração de entrevistas”. Dizem para você que vão arrumar 10

entrevistas por semana e o valor geralmente é baixo, coisa de R$

50,00 a R$ 100,00. Se você assina o contrato, eles não mais vão lhe

atender, no máximo receberá as vagas retiradas de jornais para você

comparecer. É a versão “pobre” do golpe da venda de emprego.

Como sempre, no contrato não está escrito que vão lhe arranjar

emprego, mas que estão ali de toda a boa vontade do mundo para

lhe “assessorar”. Todo cuidado é pouco com estes e outros picaretas.

3 - Head Hunter

Na tradução literal é um “caçador de cabeças”. O termo vem dos

profissionais que vasculham o mercado atrás de candidatos para

processos sigilosos e de altíssimo escalão. Neste nível existem

grandes empresas voltadas a “raptar” cérebros e dirigentes de

outras empresas e repassá-los aos seus clientes. A não ser que você

seja uma sumidade em seu trabalho, pode ficar tranqüilo que nunca

vai receber um contato destes “bwanas”. No entanto, como já dizia

o velho yankee: não há nada no mundo que ninguém possa fazer um

pouco mais ordinário e vender por um preço melhor. Assim, existem

os caçadores de médio e baixo escalão, que se aproveitam da

denominação para fazer seus contatos e vender seus candidatos ao

mercado.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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Geralmente são autônomos e trabalham para várias

empresas, sem muita fidelidade. No caso de ser chamado para uma

avaliação, deixe bem claro que você não vai trocar o seu emprego

atual por uma promessa futura. Já ouvi casos de head hunters que

são contratados pelos concorrentes, somente para danificar os

departamentos de seus inimigos comerciais e não tem nenhuma

intenção de, mesmo contratando-o, efetivá-lo.

O real interesse é que você se demita e assim, passe

informações sigilosas e abra um buraco na administração da

empresa que você deixou para trás. Se for uma proposta séria, avalie

bem as conseqüências de dar este passo. Verifique quais são os

custos, se não há “pegadinhas”, se cercando de todos os cuidados

possíveis antes de dizer o que pensa ao seu chefe e sair do

emprego... Seguro morreu de velho!

4 - Coaching & Mentoring

Para o leigo esta palavra lembra o barulho de um sapo na lagoa. Não

está muito longe disto. Coach em inglês quer dizer treinador. Sabe

aquele tipo flácido e repugnante dos filmes de beisebol que arrota

palavrões a cada instrução e martiriza todos os seus pupilos, fazendo

de suas vidas um inferno só para ganhar um jogo e, assim, espantar

os fantasmas de seu passado? Pois é mais ou menos isto o que se

pretendem os coaxadores, quero dizer os treinadores. Trata-se de

processos para a formação de times de liderança, de motivação

extrema, de “saber agir na tempestade”, de conduzir os subalternos,

de estar sempre alerta (sorry, escoteiros), de descobrir as reais

competências, de ser 100% assertivo e eficiente durante as 24 horas

do dia em que passa pensando no escritório. Enfim, de uma série de

técnicas e “approaches”, perdão, bobagens, Holly God!

Abordagens, destinadas a maximizar a gestão-minuto e a condução

do “capital humano” pelos abençoados caminhos da auto-96realização , através do direcionamento e instruções pontuais e

necessárias para correções de rota. Já o mentoring é o velho e

desprezado conselho.

Qualquer profissional mais experiente está apto a desfilar

sua “visão de mundo”. Temos casos e casos, mas de forma geral

ninguém está disposto a ensinar “pulo do gato” ao jovem “backup”

que pode vir a lhe puxar o tapete na próxima reunião.

Não fosse pela premência e devoção teleológica com que

são colocadas estas hipóteses, até que seria interessante ouvir suas

preleções. Afinal, é preciso reconhecer que o jogador marca os gols,

mas o técnico é quem escala o time. Existe obviamente uma função

relevante aqui. Alguns processos funcionam nas organizações e

outros - pagos - podem vir a ensinar realmente algo, mas vamos

deixar de lado esta história dourada de mestre e guru. Certo

gafanhoto? Na vida sobre a Terra, ninguém consegue viver

buscando a qualidade zero ou o motor de suas motivações. Nem

todos nós estamos sob os holofotes dando espetáculos para o

mundo ver. Buscar o máximo, fazendo do homem uma ponte para

além de todos os esforços e tendo como recompensa apenas a

frugalidade estóica como imperativo categórico é pedir demais de

nós, simples mortais. O que fizeram do super homem nietzscheano,

meu Deus? Podem ser profissionais, consultores ou agências

especializadas nestes tipos de treinamento e postura profissional e

você somente tomará contato com eles, se contratado, quando

passar por uma bateria de reciclagem. Mas no fundo, no fundo trata-

se dos velhos e bons sofismas: igualdade de condições e competir

até morrer para vencer. Algumas destas “filosofias administrativas” 97até que são simpáticas, umas realmente funcionam , outras não,

mas o que eles buscam não é a melhoria pessoal, mas, sim, o

retorno. E isto, invalida qualquer raciocínio de gestão de carreira.

Nesta faixa estão alocados todos os gatos pardos como os 6Sigma,

5S, Kaizen, Monges Executivos, Black Belts até os Old Eights da vida.

Ossos do ofício!

5 - Mapeamento Ontológico

Eis algo que se salva dentro da selva dos anfíbios e coaxadores. O

“coaching” ontológico é uma instância de desenvolvimento pessoal

que permite a interação pedagógica e visa realmente o

96 Queria ver o que Maslow teria a dizer sobre isso.

97 Sem responsabilidade social, ética, treinamento e meritocracia, nada funciona. Nada vale a pena!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

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Geralmente são autônomos e trabalham para várias

empresas, sem muita fidelidade. No caso de ser chamado para uma

avaliação, deixe bem claro que você não vai trocar o seu emprego

atual por uma promessa futura. Já ouvi casos de head hunters que

são contratados pelos concorrentes, somente para danificar os

departamentos de seus inimigos comerciais e não tem nenhuma

intenção de, mesmo contratando-o, efetivá-lo.

O real interesse é que você se demita e assim, passe

informações sigilosas e abra um buraco na administração da

empresa que você deixou para trás. Se for uma proposta séria, avalie

bem as conseqüências de dar este passo. Verifique quais são os

custos, se não há “pegadinhas”, se cercando de todos os cuidados

possíveis antes de dizer o que pensa ao seu chefe e sair do

emprego... Seguro morreu de velho!

4 - Coaching & Mentoring

Para o leigo esta palavra lembra o barulho de um sapo na lagoa. Não

está muito longe disto. Coach em inglês quer dizer treinador. Sabe

aquele tipo flácido e repugnante dos filmes de beisebol que arrota

palavrões a cada instrução e martiriza todos os seus pupilos, fazendo

de suas vidas um inferno só para ganhar um jogo e, assim, espantar

os fantasmas de seu passado? Pois é mais ou menos isto o que se

pretendem os coaxadores, quero dizer os treinadores. Trata-se de

processos para a formação de times de liderança, de motivação

extrema, de “saber agir na tempestade”, de conduzir os subalternos,

de estar sempre alerta (sorry, escoteiros), de descobrir as reais

competências, de ser 100% assertivo e eficiente durante as 24 horas

do dia em que passa pensando no escritório. Enfim, de uma série de

técnicas e “approaches”, perdão, bobagens, Holly God!

Abordagens, destinadas a maximizar a gestão-minuto e a condução

do “capital humano” pelos abençoados caminhos da auto-96realização , através do direcionamento e instruções pontuais e

necessárias para correções de rota. Já o mentoring é o velho e

desprezado conselho.

Qualquer profissional mais experiente está apto a desfilar

sua “visão de mundo”. Temos casos e casos, mas de forma geral

ninguém está disposto a ensinar “pulo do gato” ao jovem “backup”

que pode vir a lhe puxar o tapete na próxima reunião.

Não fosse pela premência e devoção teleológica com que

são colocadas estas hipóteses, até que seria interessante ouvir suas

preleções. Afinal, é preciso reconhecer que o jogador marca os gols,

mas o técnico é quem escala o time. Existe obviamente uma função

relevante aqui. Alguns processos funcionam nas organizações e

outros - pagos - podem vir a ensinar realmente algo, mas vamos

deixar de lado esta história dourada de mestre e guru. Certo

gafanhoto? Na vida sobre a Terra, ninguém consegue viver

buscando a qualidade zero ou o motor de suas motivações. Nem

todos nós estamos sob os holofotes dando espetáculos para o

mundo ver. Buscar o máximo, fazendo do homem uma ponte para

além de todos os esforços e tendo como recompensa apenas a

frugalidade estóica como imperativo categórico é pedir demais de

nós, simples mortais. O que fizeram do super homem nietzscheano,

meu Deus? Podem ser profissionais, consultores ou agências

especializadas nestes tipos de treinamento e postura profissional e

você somente tomará contato com eles, se contratado, quando

passar por uma bateria de reciclagem. Mas no fundo, no fundo trata-

se dos velhos e bons sofismas: igualdade de condições e competir

até morrer para vencer. Algumas destas “filosofias administrativas” 97até que são simpáticas, umas realmente funcionam , outras não,

mas o que eles buscam não é a melhoria pessoal, mas, sim, o

retorno. E isto, invalida qualquer raciocínio de gestão de carreira.

Nesta faixa estão alocados todos os gatos pardos como os 6Sigma,

5S, Kaizen, Monges Executivos, Black Belts até os Old Eights da vida.

Ossos do ofício!

5 - Mapeamento Ontológico

Eis algo que se salva dentro da selva dos anfíbios e coaxadores. O

“coaching” ontológico é uma instância de desenvolvimento pessoal

que permite a interação pedagógica e visa realmente o

96 Queria ver o que Maslow teria a dizer sobre isso.

97 Sem responsabilidade social, ética, treinamento e meritocracia, nada funciona. Nada vale a pena!

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

158 159

desenvolvimento pessoal e profissional. Este sistema foi

desenvolvido pelos professores Rafael Echeverria e Fernando

Flores, no Chile e se apresenta como uma verdadeira revolução na

maneira de treinar e desenvolver equipes e profissionais. Tenho

aplicado com sucesso os conceitos aqui no Brasil, com ampla

aceitação e resultados animadores. Inclusive adaptei a

metodologia, que rebatizei de Mapeamento Ontológico, já que

efetuo esta análise em profundidade e vou além, ao incorporar as

teses de Henri Bergson ao itinerário criado pelos professores

chilenos, que são calcados na ética de Maturana. No entanto deixo

bem claro que este terreno não é para qualquer aventureiro, nem

pode ser confundido com auto-ajuda ou caça-níqueis de ocasião.

Também não se trata de “passinhos” da venda ou cursos de

prateleira (aqui em São Paulo se chacoalhar uma árvore caem uns

dez consultores...). Este é um campo Epistemológico e, de certa

forma também lingüístico e histórico. Trata o Mapeamento

Ontológico do profundo questionamento da ação humana no

mundo e de como transformar o homem e estabilizar as demandas

da civilização. Que não entre aqui quem não conheça filosofia e não

seja experiente em ética e gestão do desempenho estratégico na

carreira! Se quiserem informações fidedignas e cursos de formação,

acessem: www.consultivelabs.com.br e eu respondo sem cobrar

nada.

6 - Outsourcing & Interim Management

Outsoucing, para os não iniciados significa simplesmente a variada

gama de serviços que são terceirizados por empresas em função de

redução de custos, impostos, administração e até pela falta de

espaço físico. Hoje em dia existem empresas especializadas em

prestar todo o tipo de serviços, incluindo: telemarketing, impressão,

treinamento, consultoria, auditoria, limpeza, conservação,

paisagismo, empregados temporários, arquivos, depósitos e tudo o

que sua imaginação mandar.

Ínterim Management: Não se assuste. Tudo o que leva o sufixo

management significa apenas gerenciamento. Só isso. Sua definição

mais precisa é o uso pontual de profissionais para a execução de

tarefas que podem incluir a gestão de situações para as quais as

empresas não têm recursos humanos disponíveis, especialização ou

experiência prévia. Por um lado é uma abertura, pois identifica 98profissionais maiores de 40 anos , que não estão sendo

aproveitados em empresas, que cada vez mais buscam reduzir a

faixa etária dos funcionários. Mas pelo lado perverso é a constatação

do estabelecimento de uma modalidade de trabalho que, em suma,

oferece alguma oportunidade àqueles que aceitem trocar a

segurança da atividade convencional pela incerteza do futuro, sem

nenhuma garantia trabalhista (sonho das empresas).

7 - Assessoria & Consultorias

Qualquer empresa ou profissional liberal que preste algum serviço

para pessoas físicas ou jurídicas é uma assessoria. Pode ser um

médico, um contador, um arquiteto, uma agência de empregos,

uma empresa de terceirização. Já as consultorias são formadas de

profissionais especializados em alguma área técnica ou do

conhecimento e vendem serviços, treinamentos, processos etc.

Quando sérias e experientes, podem trazer muitos benefícios às

empresas e aos profissionais. No entanto, certifique-se de que não

esteja comprando gato por lebre, ou seja: de que desenvolvam

produtos e serviços que realmente sirvam para o fim destinado. E

atenção: consultorias não são escolas, portanto, “certificados de

participação” não são reconhecidos pelo MEC - Ministério da

Educação e Cultura, para fins acadêmicos ou de formação. Se

quiser se atualizar, muito bem, mas é a formação técnica ou

universitária que vale mais. Consultores são educadores em

processos e técnicas práticas de mercado (vendas, gestão,

marketing entre outras) e aumento de competências (C.H.A ou seja:

a soma de conhecimento, habilidades e atitudes). Avalie a

qualidade e compre bem.

98 É ilegal e antiético discriminar cidadãos produtivos por idade, raça, credo e gênero (masculino e feminino). No entanto, a maioria das empresas simplesmente ignora a Constituição e as Leis Trabalhistas neste aspecto. Trata-se de erro crasso: profissionais experientes rendem mais (qualitativamente e quantitativamente) do que os que não o são.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

160 161

desenvolvimento pessoal e profissional. Este sistema foi

desenvolvido pelos professores Rafael Echeverria e Fernando

Flores, no Chile e se apresenta como uma verdadeira revolução na

maneira de treinar e desenvolver equipes e profissionais. Tenho

aplicado com sucesso os conceitos aqui no Brasil, com ampla

aceitação e resultados animadores. Inclusive adaptei a

metodologia, que rebatizei de Mapeamento Ontológico, já que

efetuo esta análise em profundidade e vou além, ao incorporar as

teses de Henri Bergson ao itinerário criado pelos professores

chilenos, que são calcados na ética de Maturana. No entanto deixo

bem claro que este terreno não é para qualquer aventureiro, nem

pode ser confundido com auto-ajuda ou caça-níqueis de ocasião.

Também não se trata de “passinhos” da venda ou cursos de

prateleira (aqui em São Paulo se chacoalhar uma árvore caem uns

dez consultores...). Este é um campo Epistemológico e, de certa

forma também lingüístico e histórico. Trata o Mapeamento

Ontológico do profundo questionamento da ação humana no

mundo e de como transformar o homem e estabilizar as demandas

da civilização. Que não entre aqui quem não conheça filosofia e não

seja experiente em ética e gestão do desempenho estratégico na

carreira! Se quiserem informações fidedignas e cursos de formação,

acessem: www.consultivelabs.com.br e eu respondo sem cobrar

nada.

6 - Outsourcing & Interim Management

Outsoucing, para os não iniciados significa simplesmente a variada

gama de serviços que são terceirizados por empresas em função de

redução de custos, impostos, administração e até pela falta de

espaço físico. Hoje em dia existem empresas especializadas em

prestar todo o tipo de serviços, incluindo: telemarketing, impressão,

treinamento, consultoria, auditoria, limpeza, conservação,

paisagismo, empregados temporários, arquivos, depósitos e tudo o

que sua imaginação mandar.

Ínterim Management: Não se assuste. Tudo o que leva o sufixo

management significa apenas gerenciamento. Só isso. Sua definição

mais precisa é o uso pontual de profissionais para a execução de

tarefas que podem incluir a gestão de situações para as quais as

empresas não têm recursos humanos disponíveis, especialização ou

experiência prévia. Por um lado é uma abertura, pois identifica 98profissionais maiores de 40 anos , que não estão sendo

aproveitados em empresas, que cada vez mais buscam reduzir a

faixa etária dos funcionários. Mas pelo lado perverso é a constatação

do estabelecimento de uma modalidade de trabalho que, em suma,

oferece alguma oportunidade àqueles que aceitem trocar a

segurança da atividade convencional pela incerteza do futuro, sem

nenhuma garantia trabalhista (sonho das empresas).

7 - Assessoria & Consultorias

Qualquer empresa ou profissional liberal que preste algum serviço

para pessoas físicas ou jurídicas é uma assessoria. Pode ser um

médico, um contador, um arquiteto, uma agência de empregos,

uma empresa de terceirização. Já as consultorias são formadas de

profissionais especializados em alguma área técnica ou do

conhecimento e vendem serviços, treinamentos, processos etc.

Quando sérias e experientes, podem trazer muitos benefícios às

empresas e aos profissionais. No entanto, certifique-se de que não

esteja comprando gato por lebre, ou seja: de que desenvolvam

produtos e serviços que realmente sirvam para o fim destinado. E

atenção: consultorias não são escolas, portanto, “certificados de

participação” não são reconhecidos pelo MEC - Ministério da

Educação e Cultura, para fins acadêmicos ou de formação. Se

quiser se atualizar, muito bem, mas é a formação técnica ou

universitária que vale mais. Consultores são educadores em

processos e técnicas práticas de mercado (vendas, gestão,

marketing entre outras) e aumento de competências (C.H.A ou seja:

a soma de conhecimento, habilidades e atitudes). Avalie a

qualidade e compre bem.

98 É ilegal e antiético discriminar cidadãos produtivos por idade, raça, credo e gênero (masculino e feminino). No entanto, a maioria das empresas simplesmente ignora a Constituição e as Leis Trabalhistas neste aspecto. Trata-se de erro crasso: profissionais experientes rendem mais (qualitativamente e quantitativamente) do que os que não o são.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

160 161

8 - Cooperativa

São associações de trabalhadores, por um lado e, de outro são

entidades que agenciam e cooptam trabalhadores, através de

solicitações externas, recebendo proventos parciais de cada

cooperado. A atividade tem amparo legal e reduz custos para as

empresas, o que facilita a contratação, mas praticamente não há

benefícios trabalhistas. A lei 8949, de 09/12/94, através do parágrafo

único artigo 442° da CLT, estabeleceu que não há vínculo

empregatício entre a cooperativa e seus associados, nem entre os

associados e clientes da cooperativa. Portanto, a contratação de

serviços de uma cooperativa de trabalho nada mais é que o

desmembramento de uma atividade econômica da empresa

contratante.

9 - Portais Web & E-Recruitment

Se trata da evolução das agências de emprego, e dos processos de

seleção (R&S). Trata-se de sites e portais na Internet, que

representam empresas de recursos humanos. Alguns destes serviços

são contratados por determinado período de tempo, outros são

gratuitos. O recrutamento eletrônico visa a facilitar (a quem tem

acesso à web, claro) a interação entre empresas e candidatos,

muitos dos quais passam pelos primeiros testes pelo sistema on line,

antes de qualquer entrevista pessoal. Se por um lado facilita, por

outro pulveriza as chances e afasta os candidatos dos contratadores.

Pasmem, mas a maioria das vagas ainda é preenchida por

indicações de perfis e candidatos.

10 - Sindicatos e Governo

Bom, dos 10 milhões de empregos que o Lula prometeu criar, pouco

se viu fora do palanque. Na realidade os programas governamentais

apenas contemplam ações assistencialistas para os miseráveis

(muitos nem tanto) - pagos com nossos impostos - que deixando

progressivamente de ser miseráveis vem disputar terreno em nossas

faixas de emprego, o que aumenta exponencialmente o número de

desempregados. Uns pela falta de qualificação e analfabetismo

funcional, os outros pela acirrada concorrência dos “chineses

brasileiros” que se sujeitam a trabalhar por um prato de comida e

uma bolsa família. Nivelar por baixo é a tarefa dos dirigentes, em

todos os escalões. Nada contra dar assistência aos desvalidos,

imagine, é até falta de caridade. O problema é histórico-social: se

não houver uma classe média forte, governaremos mais tranqüilos,

pois os pobres se contentam com muito pouco. Já os esclarecidos e

capazes exigem mudanças estruturais profundas. Enfim, esqueça o

governo. Eles não têm programas fora de Brasília. Se quiser tentar,

basta entrar em: www.brasil.gov.br e cansar de procurar.

Outro caminho são as centrais sindicais, que mantém

alguns programas de atendimento e requalificação aos

desempregados, os mais famosos são os da Força Sindical e da CUT.

Mas não se iluda com toda esta bondade de recebê-los em seus

edifícios suntuosos. Isto é o mínimo que eles poderiam fazer, já que

os sindicatos descontam compulsoriamente de todos os

empregados brasileiros com carteira assinada, um dia de salário por

ano, o que dá uns bons milhões ao ano. Normalmente as vagas são

para os setores da produção e vagas operacionais. Para entrar em

contato basta verificar os endereços: www.cst.org.br e

www.cut.org.br Nota: chegue bem cedo ou você não consegue a

ficha para ser atendido. Não se preocupe se demorar, pois eles

servem um pequeno café da manhã. Depois é só sair e, se tiver um

por perto ir almoçar nos restaurantes Bom Prato (R$ 1,00) e voltar

para casa, talvez sem emprego, mas com a barriga cheia. Mas preste

atenção: estes serviços sindicais são para ocupações operacionais e

da produção, de nada adianta ir lá se você for muito qualificado ou

de porte gerencial ou executivo. Perda de tempo!

11 - Currículos

Não é sempre assim, mas, normalmente uma empresa quando

recruta tem pressa em selecionar o candidato ideal. O problema é

definir o que é este ideal, já que os perfis que são passados podem ser

às vezes, muito fechados, confusos ou até contraditórios. O

recrutador dificilmente irá questionar estas inconsistências ou

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

162 163

8 - Cooperativa

São associações de trabalhadores, por um lado e, de outro são

entidades que agenciam e cooptam trabalhadores, através de

solicitações externas, recebendo proventos parciais de cada

cooperado. A atividade tem amparo legal e reduz custos para as

empresas, o que facilita a contratação, mas praticamente não há

benefícios trabalhistas. A lei 8949, de 09/12/94, através do parágrafo

único artigo 442° da CLT, estabeleceu que não há vínculo

empregatício entre a cooperativa e seus associados, nem entre os

associados e clientes da cooperativa. Portanto, a contratação de

serviços de uma cooperativa de trabalho nada mais é que o

desmembramento de uma atividade econômica da empresa

contratante.

9 - Portais Web & E-Recruitment

Se trata da evolução das agências de emprego, e dos processos de

seleção (R&S). Trata-se de sites e portais na Internet, que

representam empresas de recursos humanos. Alguns destes serviços

são contratados por determinado período de tempo, outros são

gratuitos. O recrutamento eletrônico visa a facilitar (a quem tem

acesso à web, claro) a interação entre empresas e candidatos,

muitos dos quais passam pelos primeiros testes pelo sistema on line,

antes de qualquer entrevista pessoal. Se por um lado facilita, por

outro pulveriza as chances e afasta os candidatos dos contratadores.

Pasmem, mas a maioria das vagas ainda é preenchida por

indicações de perfis e candidatos.

10 - Sindicatos e Governo

Bom, dos 10 milhões de empregos que o Lula prometeu criar, pouco

se viu fora do palanque. Na realidade os programas governamentais

apenas contemplam ações assistencialistas para os miseráveis

(muitos nem tanto) - pagos com nossos impostos - que deixando

progressivamente de ser miseráveis vem disputar terreno em nossas

faixas de emprego, o que aumenta exponencialmente o número de

desempregados. Uns pela falta de qualificação e analfabetismo

funcional, os outros pela acirrada concorrência dos “chineses

brasileiros” que se sujeitam a trabalhar por um prato de comida e

uma bolsa família. Nivelar por baixo é a tarefa dos dirigentes, em

todos os escalões. Nada contra dar assistência aos desvalidos,

imagine, é até falta de caridade. O problema é histórico-social: se

não houver uma classe média forte, governaremos mais tranqüilos,

pois os pobres se contentam com muito pouco. Já os esclarecidos e

capazes exigem mudanças estruturais profundas. Enfim, esqueça o

governo. Eles não têm programas fora de Brasília. Se quiser tentar,

basta entrar em: www.brasil.gov.br e cansar de procurar.

Outro caminho são as centrais sindicais, que mantém

alguns programas de atendimento e requalificação aos

desempregados, os mais famosos são os da Força Sindical e da CUT.

Mas não se iluda com toda esta bondade de recebê-los em seus

edifícios suntuosos. Isto é o mínimo que eles poderiam fazer, já que

os sindicatos descontam compulsoriamente de todos os

empregados brasileiros com carteira assinada, um dia de salário por

ano, o que dá uns bons milhões ao ano. Normalmente as vagas são

para os setores da produção e vagas operacionais. Para entrar em

contato basta verificar os endereços: www.cst.org.br e

www.cut.org.br Nota: chegue bem cedo ou você não consegue a

ficha para ser atendido. Não se preocupe se demorar, pois eles

servem um pequeno café da manhã. Depois é só sair e, se tiver um

por perto ir almoçar nos restaurantes Bom Prato (R$ 1,00) e voltar

para casa, talvez sem emprego, mas com a barriga cheia. Mas preste

atenção: estes serviços sindicais são para ocupações operacionais e

da produção, de nada adianta ir lá se você for muito qualificado ou

de porte gerencial ou executivo. Perda de tempo!

11 - Currículos

Não é sempre assim, mas, normalmente uma empresa quando

recruta tem pressa em selecionar o candidato ideal. O problema é

definir o que é este ideal, já que os perfis que são passados podem ser

às vezes, muito fechados, confusos ou até contraditórios. O

recrutador dificilmente irá questionar estas inconsistências ou

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

162 163

orientar a empresa neste quesito, por medo de perder o cliente.

Assim, ele sai a campo garimpando profissionais e “tentando” achar

o ideal. O que você pode ter certeza é de que vai disputar a vaga

com uma média inicial de 100 a 200 pessoas, muitas em condições

semelhantes as suas e das quais serão chamados no máximo 20

(10%). Assim que acaba o prazo de recepção dos currículos, uma

das primeiras preocupações deste atarefado e (mal pago)

selecionador é separar o material em três montinhos: potenciais,

talvez e recusados. Os primeiros serão convocados para a

entrevista; enquanto os demais...

Nesta competição acirrada, a falta de clareza, falha técnica

na apresentação, omissão da idade e datas, e falta de qualificação

são os principais fatores responsáveis pela eliminação nesta

primeira fase. Um currículo bem elaborado, acompanhado de carta

de apresentação pode ser uma chave para abrir as portas da

empresa. Como já dito, devido à grande quantidade de currículos

recebidos, os/as selecionadores precisam agir com rapidez e

precisão, lendo e tentando extrair alguma análise das informações.

Como são seres humanos e tudo que é humano tende para a

comodidade, para facilitar o processo, foram criadas algumas

técnicas e regras, que resumimos abaixo:

A primeira página é decisiva porque pode despertar o 99interesse da selecionadora ou não . Deixe transparecer

objetividade, positivismo e comunicabilidade. A linguagem deve

ser clara e objetiva. Revise o texto para evitar erros gramaticais e de

acentuação. Redija em primeira pessoa (Realizei, Coordenei,

Participei etc.). Utilize as palavras “mágicas” (Realização do projeto,

Participação como líder, Cumprimento de metas, Aumento das

vendas, Redução de custos). Procure mostrar os resultados positivos

de suas atividades. Destaque seus pontos fortes, como estabilidade,

experiência, proatividade e liderança, mas sem exageros, mantendo

o equilíbrio e o bom-senso do texto.

Finalmente: As informações devem ser verídicas, pois

serão checadas. Se você se desentendeu com alguém no emprego

anterior, evite dar o nome desta pessoa como referência. Não insista

em querer valorizar o currículo, seja alterando dados sobre

formação acadêmica, tempo de serviço ou suas realizações no

trabalho. No entanto, nada impede de você redigir de forma a

deixar o texto mais atraente, escolhendo sinônimos e expressões

mais bem elaboradas (sem rebuscar demais). Seja objetivo e evite

usar formulários prontos, que são impessoais e demonstram pouca

dedicação na elaboração de uma apresentação tão importante.

Foto também é essencial.

Muitas empresas exigem alguns dados a mais e os

consultores geralmente não se entendem entre si, porém, na média

é o que deve conter. Depois, você pode personalizar conforme o

cargo desejado. Muitas empresas também agem contra a lei ao

discriminar candidatos por idade, cor, sexo, estado civil e até

religião. Por isso e como medida de precaução, evite colocar a sua

idade e outros dados, a não ser que seja absolutamente necessário.

Importante: se você sofreu algum tipo de discriminação ou achou

algum anúncio abusivo, recolha todas as provas e faça uma 100denúncia aos órgãos competentes.

A ordem dos tratores variar em função da vaga-foco e

eventualmente das atividades, mas estas são informações mínimas

para qualquer processo sério de R&S. Alguns privilegiam um

histórico de tópico outros mais descritivo. O que importa é que o

currículo não deve conter mais que duas páginas. Se você possui

muitas qualificações, cursos e experiências coloque o principal na

folha de rosto e o restante na segunda página. Lembre-se de ter

modelos diferentes para competências diferentes e também de

oferecer ordens de leitura diferentes, para que o subconsciente do

selecionador identifique índices, genéricos e concordantes ou

práticos e específicos.

Entrevistas: As principais perguntas que você terá que

responder.

Quando estiver frente ao entrevistador saiba qual é o tom da música

que vai rolar: É um samba de uma nota só. Na maioria das vezes as

perguntas são as mesmas, com pequenas variações em função do

99 Supondo é claro, que ela seja humana e não um software de triagem. Mas alguém irá olhar.

100 Veja minha entrevista na Folha de S.Paulo, mais adiante.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

164 165

orientar a empresa neste quesito, por medo de perder o cliente.

Assim, ele sai a campo garimpando profissionais e “tentando” achar

o ideal. O que você pode ter certeza é de que vai disputar a vaga

com uma média inicial de 100 a 200 pessoas, muitas em condições

semelhantes as suas e das quais serão chamados no máximo 20

(10%). Assim que acaba o prazo de recepção dos currículos, uma

das primeiras preocupações deste atarefado e (mal pago)

selecionador é separar o material em três montinhos: potenciais,

talvez e recusados. Os primeiros serão convocados para a

entrevista; enquanto os demais...

Nesta competição acirrada, a falta de clareza, falha técnica

na apresentação, omissão da idade e datas, e falta de qualificação

são os principais fatores responsáveis pela eliminação nesta

primeira fase. Um currículo bem elaborado, acompanhado de carta

de apresentação pode ser uma chave para abrir as portas da

empresa. Como já dito, devido à grande quantidade de currículos

recebidos, os/as selecionadores precisam agir com rapidez e

precisão, lendo e tentando extrair alguma análise das informações.

Como são seres humanos e tudo que é humano tende para a

comodidade, para facilitar o processo, foram criadas algumas

técnicas e regras, que resumimos abaixo:

A primeira página é decisiva porque pode despertar o 99interesse da selecionadora ou não . Deixe transparecer

objetividade, positivismo e comunicabilidade. A linguagem deve

ser clara e objetiva. Revise o texto para evitar erros gramaticais e de

acentuação. Redija em primeira pessoa (Realizei, Coordenei,

Participei etc.). Utilize as palavras “mágicas” (Realização do projeto,

Participação como líder, Cumprimento de metas, Aumento das

vendas, Redução de custos). Procure mostrar os resultados positivos

de suas atividades. Destaque seus pontos fortes, como estabilidade,

experiência, proatividade e liderança, mas sem exageros, mantendo

o equilíbrio e o bom-senso do texto.

Finalmente: As informações devem ser verídicas, pois

serão checadas. Se você se desentendeu com alguém no emprego

anterior, evite dar o nome desta pessoa como referência. Não insista

em querer valorizar o currículo, seja alterando dados sobre

formação acadêmica, tempo de serviço ou suas realizações no

trabalho. No entanto, nada impede de você redigir de forma a

deixar o texto mais atraente, escolhendo sinônimos e expressões

mais bem elaboradas (sem rebuscar demais). Seja objetivo e evite

usar formulários prontos, que são impessoais e demonstram pouca

dedicação na elaboração de uma apresentação tão importante.

Foto também é essencial.

Muitas empresas exigem alguns dados a mais e os

consultores geralmente não se entendem entre si, porém, na média

é o que deve conter. Depois, você pode personalizar conforme o

cargo desejado. Muitas empresas também agem contra a lei ao

discriminar candidatos por idade, cor, sexo, estado civil e até

religião. Por isso e como medida de precaução, evite colocar a sua

idade e outros dados, a não ser que seja absolutamente necessário.

Importante: se você sofreu algum tipo de discriminação ou achou

algum anúncio abusivo, recolha todas as provas e faça uma 100denúncia aos órgãos competentes.

A ordem dos tratores variar em função da vaga-foco e

eventualmente das atividades, mas estas são informações mínimas

para qualquer processo sério de R&S. Alguns privilegiam um

histórico de tópico outros mais descritivo. O que importa é que o

currículo não deve conter mais que duas páginas. Se você possui

muitas qualificações, cursos e experiências coloque o principal na

folha de rosto e o restante na segunda página. Lembre-se de ter

modelos diferentes para competências diferentes e também de

oferecer ordens de leitura diferentes, para que o subconsciente do

selecionador identifique índices, genéricos e concordantes ou

práticos e específicos.

Entrevistas: As principais perguntas que você terá que

responder.

Quando estiver frente ao entrevistador saiba qual é o tom da música

que vai rolar: É um samba de uma nota só. Na maioria das vezes as

perguntas são as mesmas, com pequenas variações em função do

99 Supondo é claro, que ela seja humana e não um software de triagem. Mas alguém irá olhar.

100 Veja minha entrevista na Folha de S.Paulo, mais adiante.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

164 165

perfil ou da maior qualificação do selecionador. Seja por que as

agências não adquirem e reciclem métodos de seleção evoluindo

para modelos mais cordatos e precisos, ou porque não os sabem

aplicar e se está ali apenas para ganhar dinheiro ou não estejam nem

aí para tudo isso. Portanto eis o que esperar: Prepare-se para um

verdadeiro Horror Boring Show, um lugar onde se ganha a vida

respondendo perguntas banais, negociando e mantendo a postura.

Mas lá também é o lugar onde não há modelos de respostas

possíveis, pois isto depende de cada um. Só que você precisa saber

qual é a correta a priori!!

No entanto, lembre-se que as perguntas podem ser as

mesmas, mas se dirigem a resultados diferentes, conforme a

natureza do cargo ou função. Por isso, antes de começar a abrir o

bico, procure sondar o entrevistador e obter todas as informações

sobre a vaga, mesmo as mais tênues. Isso vai ajudar a responder com

mais segurança e maiores chances de ser considerado “apto” para a

função.

Anote e já vá respondendo em casa.

1 - Foi demitido ou pediu demissão? Por que motivo você está

desempregado?

2 - Por que está demorando tanto para arrumar um novo emprego?

3 - Resuma sua experiência e perfil profissional.

4 - Cite um caso de sucesso e um de fracasso! Por quê?

5 - Como espera contribuir para a empresa?

6 - O que o motiva profissionalmente?

7 - Quais são seus objetivos pessoais?

8 - Diga três qualidades e três defeitos seus.

9 - Você gosta de trabalhar com pessoas?

10 - Defina-se em uma só palavra!

11 - Por que você escolheu esta formação acadêmica específica?

12 - Por que você trabalha com vendas se é formado em filosofia?

13 - Você é casado? Pretende ter filhos?Se sim, por quê? Se não, por quê?

14 - Por que trabalhou em tantas empresas? Você não para, não é?

15 - Por que você ficou tanto tempo numa só empresa, você se

acomodou?

LUÍS SÉRGIO LICO

166

16 - Você tem quarenta anos e pretende uma nova carreira? Explique-

me como isso funciona!

17 - Um MBA aos 22 não garante sua colocação, como você prova a

sua experiência?

18 - Você está tenso?Acha melhor marcarmos para outro dia?

19 - Você tem condições de honrar seus compromissos?

20 - Por que você candidatou-se a esta vaga?

O PROFISSIONAL INVISÍVEL

167

perfil ou da maior qualificação do selecionador. Seja por que as

agências não adquirem e reciclem métodos de seleção evoluindo

para modelos mais cordatos e precisos, ou porque não os sabem

aplicar e se está ali apenas para ganhar dinheiro ou não estejam nem

aí para tudo isso. Portanto eis o que esperar: Prepare-se para um

verdadeiro Horror Boring Show, um lugar onde se ganha a vida

respondendo perguntas banais, negociando e mantendo a postura.

Mas lá também é o lugar onde não há modelos de respostas

possíveis, pois isto depende de cada um. Só que você precisa saber

qual é a correta a priori!!

No entanto, lembre-se que as perguntas podem ser as

mesmas, mas se dirigem a resultados diferentes, conforme a

natureza do cargo ou função. Por isso, antes de começar a abrir o

bico, procure sondar o entrevistador e obter todas as informações

sobre a vaga, mesmo as mais tênues. Isso vai ajudar a responder com

mais segurança e maiores chances de ser considerado “apto” para a

função.

Anote e já vá respondendo em casa.

1 - Foi demitido ou pediu demissão? Por que motivo você está

desempregado?

2 - Por que está demorando tanto para arrumar um novo emprego?

3 - Resuma sua experiência e perfil profissional.

4 - Cite um caso de sucesso e um de fracasso! Por quê?

5 - Como espera contribuir para a empresa?

6 - O que o motiva profissionalmente?

7 - Quais são seus objetivos pessoais?

8 - Diga três qualidades e três defeitos seus.

9 - Você gosta de trabalhar com pessoas?

10 - Defina-se em uma só palavra!

11 - Por que você escolheu esta formação acadêmica específica?

12 - Por que você trabalha com vendas se é formado em filosofia?

13 - Você é casado? Pretende ter filhos?Se sim, por quê? Se não, por quê?

14 - Por que trabalhou em tantas empresas? Você não para, não é?

15 - Por que você ficou tanto tempo numa só empresa, você se

acomodou?

LUÍS SÉRGIO LICO

166

16 - Você tem quarenta anos e pretende uma nova carreira? Explique-

me como isso funciona!

17 - Um MBA aos 22 não garante sua colocação, como você prova a

sua experiência?

18 - Você está tenso?Acha melhor marcarmos para outro dia?

19 - Você tem condições de honrar seus compromissos?

20 - Por que você candidatou-se a esta vaga?

O PROFISSIONAL INVISÍVEL

167

ou recolocação mas na realidade não prestam estes serviços e, muitas

vezes, nem tem condição de fazê-lo. Tome sempre grande cuidado para

verificar se a empresa de recolocação ou seleção é uma empresa idônea

(por exemplo consultando a ABRH - Associação Brasileira de Recursos

Humanos) e com referências imaculadas e desconfie sempre de

propostas, promessas ou vagas "maravilhosas" assim como de

propostas pouco transparentes. Como regra geral vale lembrar que

quando uma empresa procura um funcionário numa operação de

"hunting" ambas as partes tem direito a receber informações. Ou seja,

como a empresa justamente pede informações sobre o candidato este

também pode pedir informações sobre a empresa. Quanto um

selecionador diz que foi pré-selecionado e que a vaga é praticamente

sua (ou seja, que o candidato se encontra, supostamente, em uma fase

bem avançada da seleção), mas não quer informar qual seria a

empresa contratante, a chance é muito grande que não exista nenhuma

empresa contratante e seja tudo conversa fiada. Também não julguem

pelas aparências, algumas destas empresas de recolocação malandras

tem lindas e modernas instalações, nome aparentemente internacional

e funcionários profissionais e muito bem treinados para aplicar o golpe.

Uma variante bastante freqüente deste golpe é aos danos de candidatas

e candidatos a profissão de modelo. Existem numerosas agencias ou

supostas agencias que publicam anúncios nos jornais e na internet

convidando a participar de seleções. Você liga, marca um encontro, eles

conversam, pedem um currículo e algumas fotos, ou conforme for tiram

umas fotos suas ai na hora. Depois deixam de entrar em contato. Dias

depois ligam falando que passou na pré-seleçao ou algo deste tipo e que

agora precisa fazer um book profissional para ter chances de finalmente

entrar no seleto mundo e arrumar trabalhos de bom nível. O book tem

que ser no padrão da agencia, por isso só eles podem fazer. Para isso

obviamente tem um custo variável de 150 até 500 ou mais R$. Você faz o

book, na esperança de ser a próxima Gisele, e ... nada de trabalhos. Vão

dizer que não foi bem aceita pelos clientes ou algo parecido. O único

objetivo era obviamente pegar o dinheiro do book ... Agencia seria que

acredita em você como modelo, faz o book as suas custas ou, no

mínimo, aceita inicialmente um book feito por sua conta particular e

não insiste para que seja o book deles. Pior ainda se disser que já tem

trabalho garantido te esperando, mas depende do book ... ai é fria na

certa."

Agências vendem empregos inexistentes

Fonte: site do Fantástico: www.globo.com/fantastico

Numa reportagem para o caderno Boa Chance, do jornal O Globo, e

para o Fantástico, a repórter Fabiana Ribeiro mostra como agem

algumas empresas de recolocação, como são conhecidas as agências

de emprego. Os problemas começam com um telefonema, como o que

recebeu o economista Pedro Zander. Ele foi procurado pela empresa

HCO Internacional, com sede em São José dos Campos, interior de São

Paulo. A proposta era tentadora.

“Mais ou menos uns R$ 12 mil, chegando a R$ 13 mil, mais benefícios

que passavam por carro, plano de saúde”, conta Pedro. O economista,

que mora no Rio, viajou para São José dos Campos. Pagou passagem e

hospedagem. E viu vários candidatos pagarem por uma promessa de

emprego. “Cada um pagou um valor. Uns pagaram R$ 1.200, outros R$

1.500, outros R$ 2.500, outros mais de R$ 3 mil, que nem eu”.

De volta ao Rio, passou a telefonar para a empresa HCO, que, segundo

Pedro, já não falava do emprego prometido. “Eu já tinha passado três

cheques”. Valor exato da taxa paga por Pedro: R$ 3.948. Por telefone, o

gerente-geral da HCO negou que a empresa tenha enganado o

economista Pedro Zander: “O que nós fazemos é todo um trabalho de

estruturação e preparação do profissional para essa possível entrevista.

No caso do Pedro, infelizmente, as oportunidades que foram passadas

pra ele não houve êxito”.

A publicitária Sandra Alencar é outra que se queixa. Diz que o ex-patrão

pagou R$ 3 mil a uma empresa de São Paulo para conseguir um novo

emprego para ela. Esta empresa acionou uma outra do Rio - a

Alphalaser -, para entrar em contato com Sandra. “Me falaram que em

seis meses estariam me recolocando no mercado de trabalho e até

aquele período ali nunca aconteceu nada”, reclama Sandra.Sandra

decidiu então recorrer ao Procon, mas a empresa nem chegou a ser

intimada, porque fechou o escritório no Rio. “O porteiro não deixava

nem a gente subir, falando que a empresa tinha fechado e que não só eu

como outras pessoas que estavam lá no processo de seleção estavam

entrando na Justiça porque a empresa era picareta”, comenta Sandra.

O Procon informa que desde 2001 já recebeu 61 reclamações contra a

Alphalaser. A empresa, no início, chegou a fazer acordos e devolver o

dinheiro. Mas depois deixou de atender as notificações.“Nós aplicamos

multas que chegam a R$ 700 mil”, diz o secretário estadual de Defesa do

Consumidor Sérgio Zveiter.

A advogada da Alphalaser Andréa Costalonga nega que a empresa

venda promessas de emprego e que tenha sido desonesta com qualquer

candidato. “É uma empresa que tenta prospectar o profissional no

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

178 179

mercado de trabalho, então ela não pode garantir uma vaga, até

porque ela não sabe se o perfil daquele profissional agrada a quem tem

aquela vaga disponível”, defende.

E isso fica claro para o cliente? “Isso fica claro, inclusive esses clientes

são todos executivos, não são pessoas analfabetas, eles lêem o contrato,

assinam um termo de que não está sendo vendida uma vaga”, responde

a advogada. Em São Paulo, só no ano passado, o Procon recebeu 300

reclamações, número que não reflete a realidade. “Muitas vezes, a

pessoa não se sente bem em ter caído num determinado golpe e não

procura reclamar. Ela arca com o prejuízo”, comenta Gustavo

Marrone, diretor executivo da Fundação Procon de São Paulo.

A Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), que representa

as empresas de recolocação, disse que resolveu criar um selo de

qualificação. Este selo só será dado às empresas que agem

corretamente. “É uma forma de mobilizar o público e de atender a essa

dificuldade que vem ocorrendo no mercado de trabalho”, garante Leyla

Nascimento, conselheira da ABRH.

Agora, preste atenção!

Se alguma empresa de recolocação prometer emprego é sinal de que

não é uma empresa séria. Se ela quiser cobrar antecipadamente pela

vaga, pior ainda. Antes de assinar qualquer contrato, leia tudo

atentamente. Os Procons dizem que as empresas podem cobrar para

fazer currículos e cursinhos e que têm direito a cobrar uma taxa do

candidato, no primeiro salário, caso realmente consiga um emprego

para ele. Mas o procurador do Ministério Público do Trabalho Cássio

Casagrande discorda. “O trabalho, de acordo com a Organização do

Trabalho, não pode ser objeto de comércio. Então, na verdade, nós

vamos agora abrir investigação contra todas essas empresas, porque

na verdade essa é uma prática comum no mercado, mas que é ilegal”.

Sandra e o economista Pedro ainda aguardam uma decisão da

Justiça.“Na verdade, a grande lição disso tudo, que é o que justifica eu

estar aqui hoje podendo falar pra vocês, é que eu não gostaria que

outras pessoas passassem pelo que eu passei”, finaliza Pedro.

A Indústria da Recolocação (Revista Você S/A, abril 2003)

Mergulhamos nos bastidores de um negócio que não pára de crescer no

Brasil à custa da venda de um sonho: o emprego perfeito

Por Cassio Utiyama, Dalen Jacomino e Maria Tereza Gomes

A história é quase sempre a mesma. Um dia qualquer, o telefone toca.

Do outro lado da linha, alguém diz ter uma oportunidade perfeita para

você. Melhor ainda: com um salário bem maior que o atual. Feliz da

vida, você vai para a entrevista. Intimamente, pensa: "Finalmente

alguém reconhece o meu potencial". O escritório passa credibilidade

pela localização nobre. É um espaço atraente e bem decorado. Na

conversa pessoal, o consultor carrega no tom de urgência para

preencher a vaga. Tudo precisa ser resolvido ali, na hora. É pegar ou

largar - só que a vaga tem um preço: a compra de serviços de

consultoria de carreira. O passaporte para o emprego perfeito não é

mais o seu currículo. É o seu cartão de crédito.

... A lição que fica é que, na próxima vez que você precisar de um serviço

como esse, não tenha a ilusão de que há um caminho rápido e seguro

para o emprego. Não existe milagre. O profissional tem de assumir o

controle da carreira, inclusive nos momentos difíceis.

9 - Rastejando por entre as Brechas do Sistema:

Apesar do Código do Consumidor (atentem para o Art. 39), poucas

pessoas se dão ao trabalho de ler os contratos que assinam e aos

serviços que aderem. Ainda confiam no que o “head-hunter” ou o e-

mail lhes diz. Cuidado. A denúncia é antiga e os bons profissionais de

RH convivem com o joio há muito tempo, mas é hora de separar as

coisas. Casos não tão explícitos e, nem por isso menos daninhos ou

sub-reptícios, são também notificados por revistas especializadas,

veja só:

Coluna Conversa de Corredor (Revista Você S/A Fev/2007)

Atenção professores universitários. Vocês são as novas vítimas das

falsas consultorias de carreira. Duas delas, a Search e a Master Target,

velhas conhecidas do Ministério Público de São Paulo por cobrar por

vagas e serviços de recolocação de executivos, estão vasculhando a base

do Currículo Lattes em busca de outras vítimas.

Em, se tratando de promessas de emprego ou “gestão de carreira” a

norma é: Desconfie sempre. Principalmente se os contatos

ocorrerem nas situações a seguir. Na verdade tratam-se de algumas

modalidades do que eu chamo de rasteiras psicológicas: O intuito é

criar curiosidade e esperança na vítima para estimulá-la a pagar pra

ver.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

180 181

mercado de trabalho, então ela não pode garantir uma vaga, até

porque ela não sabe se o perfil daquele profissional agrada a quem tem

aquela vaga disponível”, defende.

E isso fica claro para o cliente? “Isso fica claro, inclusive esses clientes

são todos executivos, não são pessoas analfabetas, eles lêem o contrato,

assinam um termo de que não está sendo vendida uma vaga”, responde

a advogada. Em São Paulo, só no ano passado, o Procon recebeu 300

reclamações, número que não reflete a realidade. “Muitas vezes, a

pessoa não se sente bem em ter caído num determinado golpe e não

procura reclamar. Ela arca com o prejuízo”, comenta Gustavo

Marrone, diretor executivo da Fundação Procon de São Paulo.

A Associação Brasileira de Recursos Humanos (ABRH), que representa

as empresas de recolocação, disse que resolveu criar um selo de

qualificação. Este selo só será dado às empresas que agem

corretamente. “É uma forma de mobilizar o público e de atender a essa

dificuldade que vem ocorrendo no mercado de trabalho”, garante Leyla

Nascimento, conselheira da ABRH.

Agora, preste atenção!

Se alguma empresa de recolocação prometer emprego é sinal de que

não é uma empresa séria. Se ela quiser cobrar antecipadamente pela

vaga, pior ainda. Antes de assinar qualquer contrato, leia tudo

atentamente. Os Procons dizem que as empresas podem cobrar para

fazer currículos e cursinhos e que têm direito a cobrar uma taxa do

candidato, no primeiro salário, caso realmente consiga um emprego

para ele. Mas o procurador do Ministério Público do Trabalho Cássio

Casagrande discorda. “O trabalho, de acordo com a Organização do

Trabalho, não pode ser objeto de comércio. Então, na verdade, nós

vamos agora abrir investigação contra todas essas empresas, porque

na verdade essa é uma prática comum no mercado, mas que é ilegal”.

Sandra e o economista Pedro ainda aguardam uma decisão da

Justiça.“Na verdade, a grande lição disso tudo, que é o que justifica eu

estar aqui hoje podendo falar pra vocês, é que eu não gostaria que

outras pessoas passassem pelo que eu passei”, finaliza Pedro.

A Indústria da Recolocação (Revista Você S/A, abril 2003)

Mergulhamos nos bastidores de um negócio que não pára de crescer no

Brasil à custa da venda de um sonho: o emprego perfeito

Por Cassio Utiyama, Dalen Jacomino e Maria Tereza Gomes

A história é quase sempre a mesma. Um dia qualquer, o telefone toca.

Do outro lado da linha, alguém diz ter uma oportunidade perfeita para

você. Melhor ainda: com um salário bem maior que o atual. Feliz da

vida, você vai para a entrevista. Intimamente, pensa: "Finalmente

alguém reconhece o meu potencial". O escritório passa credibilidade

pela localização nobre. É um espaço atraente e bem decorado. Na

conversa pessoal, o consultor carrega no tom de urgência para

preencher a vaga. Tudo precisa ser resolvido ali, na hora. É pegar ou

largar - só que a vaga tem um preço: a compra de serviços de

consultoria de carreira. O passaporte para o emprego perfeito não é

mais o seu currículo. É o seu cartão de crédito.

... A lição que fica é que, na próxima vez que você precisar de um serviço

como esse, não tenha a ilusão de que há um caminho rápido e seguro

para o emprego. Não existe milagre. O profissional tem de assumir o

controle da carreira, inclusive nos momentos difíceis.

9 - Rastejando por entre as Brechas do Sistema:

Apesar do Código do Consumidor (atentem para o Art. 39), poucas

pessoas se dão ao trabalho de ler os contratos que assinam e aos

serviços que aderem. Ainda confiam no que o “head-hunter” ou o e-

mail lhes diz. Cuidado. A denúncia é antiga e os bons profissionais de

RH convivem com o joio há muito tempo, mas é hora de separar as

coisas. Casos não tão explícitos e, nem por isso menos daninhos ou

sub-reptícios, são também notificados por revistas especializadas,

veja só:

Coluna Conversa de Corredor (Revista Você S/A Fev/2007)

Atenção professores universitários. Vocês são as novas vítimas das

falsas consultorias de carreira. Duas delas, a Search e a Master Target,

velhas conhecidas do Ministério Público de São Paulo por cobrar por

vagas e serviços de recolocação de executivos, estão vasculhando a base

do Currículo Lattes em busca de outras vítimas.

Em, se tratando de promessas de emprego ou “gestão de carreira” a

norma é: Desconfie sempre. Principalmente se os contatos

ocorrerem nas situações a seguir. Na verdade tratam-se de algumas

modalidades do que eu chamo de rasteiras psicológicas: O intuito é

criar curiosidade e esperança na vítima para estimulá-la a pagar pra

ver.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

180 181

- A consultoria liga para a vítima fora do horário comercial e marca

entrevista para a manhã seguinte. Essa atitude dificulta checagens e

“obriga” o candidato ir pessoalmente à empresa;

- O tipo de emprego ofertado pela consultoria por telefone é

irrecusável;

- O salário é além do oferecido pelo mercado com benefícios não

condizem com o cargo;

- O texto do e-mail oferece oportunidades para pesquisadores, doutores

ou professores ganharem muito dinheiro, tipo: Sou Consultora de RH,

trabalho assessorando acadêmicos, com negociações junto ao mercado

privado em âmbito Nacional e Internacional, trabalho inovador e de

excelentes resultados.

- A consultoria diz ao cliente que ele é perfeito para a vaga, mas seu

currículo precisa ser refeito;

- Na hora da suposta entrevista com a consultoria, o “headhunter”

perde mais tempo falando das maravilhas do futuro emprego e

elogiando o perfil do que entrevistando o candidato;

- Antes de assinar o contrato, a agência diz que não cobram taxas do

cliente, apenas o custo com o teste psicológico, “laudo” supostamente

exigido pela empresa contratante;

- As promessas verbais de garantia de emprego e prazos não estão

descritas no contrato;

- Antes de assinar o contrato, a agência diz que não cobram taxas do

cliente, apenas o custo com o teste psicológico, supostamente exigido

pela empresa;

Maiores informações acesse:

www.empregabrasil.org.br

www.fraudes.org

www.abrhnacional.org.br

10210 - Crônicas: O Medo Causado pela Inteligência:

Dizem que, quando Winston Churchill, ainda jovem, acabou de

pronunciar seu discurso de estréia na Câmara dos Comuns, foi

perguntar a um velho parlamentar, amigo de seu pai, o que tinha

achado do seu primeiro desempenho naquela assembléia de

vedetes políticas. O velho pôs a mão no ombro de Churchill e disse,

em tom paternal: “Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi

muito brilhante neste seu primeiro discurso na Casa. Isso é

imperdoável! Devia ter começado um pouco mais na sombra. Devia

ter gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje,

deve ter conquistado, no mínimo, uns trinta inimigos. O talento

assusta".

Ali estava uma das melhores lições de abismo que um

velho sábio pôde dar ao pupilo que se iniciava numa carreira difícil.

Isso, na Inglaterra. Imaginem aqui, no Brasil. Não é demais lembrar

de Ruy Barbosa: “Há tantos burros mandando em homens de

inteligência que, às vezes, fico pensando que a burrice é uma

Ciência”. A maior parte das pessoas encasteladas em posições

políticas é medíocre e tem um indisfarçável medo da inteligência.

Temos de admitir que, de um modo geral, os medíocres são mais

obstinados na conquista de posições. Sabem ocupar os espaços

vazios deixados pelos talentosos displicentes que não revelam o

apetite do poder.

Mas, é preciso considerar que esses medíocres, ladinos,

oportunistas e ambiciosos, têm o hábito de salvaguardar suas

posições conquistadas com verdadeiras muralhas de granito por

onde talentosos não conseguem passar. Em todas as áreas

encontramos dessas fortalezas estabelecidas, as panelinhas do

arrivismo, inexpugnáveis às legiões dos lúcidos. Dentro desse

raciocínio, que poderia ser uma extensão do "Elogio da Loucura",

de Erasmo de Röterdam, somos forçados a admitir que uma pessoa

precise fingir de burra se quiser vencer na vida. É pecado fazer

sombra a alguém até numa conversa social. Assim como um grupo

de senhoras burguesas bem casadas boicota, automaticamente, a

entrada de uma jovem mulher bonita no seu círculo de convivência,

por medo de perder seus maridos, também os encastelados

medíocres se fecham como ostras, à simples aparição de um

talentoso jovem que os possa ameaçar.

Eles conhecem bem suas limitações, sabem como lhes

custa desempenhar tarefas que os mais dotados realizam com uma

perna nas costas... Enfim, na medida em que admiram a facilidade

102 Recebi isto pela web e acabei reescrevendo o texto. Mostrar toda sua capacidade somente é suportável aos olhos daqueles que já efetuaram alguma ascese, desenvolveram transcendentalidade, metafísica ou sentimentos mínimos. Tão necessários... Por outro lado acreditar-se totalmente capaz é raiz de megalomanias: a arrogância segue a tolice, para dizer o mínimo.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

182 183

- A consultoria liga para a vítima fora do horário comercial e marca

entrevista para a manhã seguinte. Essa atitude dificulta checagens e

“obriga” o candidato ir pessoalmente à empresa;

- O tipo de emprego ofertado pela consultoria por telefone é

irrecusável;

- O salário é além do oferecido pelo mercado com benefícios não

condizem com o cargo;

- O texto do e-mail oferece oportunidades para pesquisadores, doutores

ou professores ganharem muito dinheiro, tipo: Sou Consultora de RH,

trabalho assessorando acadêmicos, com negociações junto ao mercado

privado em âmbito Nacional e Internacional, trabalho inovador e de

excelentes resultados.

- A consultoria diz ao cliente que ele é perfeito para a vaga, mas seu

currículo precisa ser refeito;

- Na hora da suposta entrevista com a consultoria, o “headhunter”

perde mais tempo falando das maravilhas do futuro emprego e

elogiando o perfil do que entrevistando o candidato;

- Antes de assinar o contrato, a agência diz que não cobram taxas do

cliente, apenas o custo com o teste psicológico, “laudo” supostamente

exigido pela empresa contratante;

- As promessas verbais de garantia de emprego e prazos não estão

descritas no contrato;

- Antes de assinar o contrato, a agência diz que não cobram taxas do

cliente, apenas o custo com o teste psicológico, supostamente exigido

pela empresa;

Maiores informações acesse:

www.empregabrasil.org.br

www.fraudes.org

www.abrhnacional.org.br

10210 - Crônicas: O Medo Causado pela Inteligência:

Dizem que, quando Winston Churchill, ainda jovem, acabou de

pronunciar seu discurso de estréia na Câmara dos Comuns, foi

perguntar a um velho parlamentar, amigo de seu pai, o que tinha

achado do seu primeiro desempenho naquela assembléia de

vedetes políticas. O velho pôs a mão no ombro de Churchill e disse,

em tom paternal: “Meu jovem, você cometeu um grande erro. Foi

muito brilhante neste seu primeiro discurso na Casa. Isso é

imperdoável! Devia ter começado um pouco mais na sombra. Devia

ter gaguejado um pouco. Com a inteligência que demonstrou hoje,

deve ter conquistado, no mínimo, uns trinta inimigos. O talento

assusta".

Ali estava uma das melhores lições de abismo que um

velho sábio pôde dar ao pupilo que se iniciava numa carreira difícil.

Isso, na Inglaterra. Imaginem aqui, no Brasil. Não é demais lembrar

de Ruy Barbosa: “Há tantos burros mandando em homens de

inteligência que, às vezes, fico pensando que a burrice é uma

Ciência”. A maior parte das pessoas encasteladas em posições

políticas é medíocre e tem um indisfarçável medo da inteligência.

Temos de admitir que, de um modo geral, os medíocres são mais

obstinados na conquista de posições. Sabem ocupar os espaços

vazios deixados pelos talentosos displicentes que não revelam o

apetite do poder.

Mas, é preciso considerar que esses medíocres, ladinos,

oportunistas e ambiciosos, têm o hábito de salvaguardar suas

posições conquistadas com verdadeiras muralhas de granito por

onde talentosos não conseguem passar. Em todas as áreas

encontramos dessas fortalezas estabelecidas, as panelinhas do

arrivismo, inexpugnáveis às legiões dos lúcidos. Dentro desse

raciocínio, que poderia ser uma extensão do "Elogio da Loucura",

de Erasmo de Röterdam, somos forçados a admitir que uma pessoa

precise fingir de burra se quiser vencer na vida. É pecado fazer

sombra a alguém até numa conversa social. Assim como um grupo

de senhoras burguesas bem casadas boicota, automaticamente, a

entrada de uma jovem mulher bonita no seu círculo de convivência,

por medo de perder seus maridos, também os encastelados

medíocres se fecham como ostras, à simples aparição de um

talentoso jovem que os possa ameaçar.

Eles conhecem bem suas limitações, sabem como lhes

custa desempenhar tarefas que os mais dotados realizam com uma

perna nas costas... Enfim, na medida em que admiram a facilidade

102 Recebi isto pela web e acabei reescrevendo o texto. Mostrar toda sua capacidade somente é suportável aos olhos daqueles que já efetuaram alguma ascese, desenvolveram transcendentalidade, metafísica ou sentimentos mínimos. Tão necessários... Por outro lado acreditar-se totalmente capaz é raiz de megalomanias: a arrogância segue a tolice, para dizer o mínimo.

LUÍS SÉRGIO LICO O PROFISSIONAL INVISÍVEL

182 183

com que os mais lúcidos resolvem problemas, os medíocres os

repudiam para se defender. É um paradoxo angustiante!

Infelizmente, temos de viver segundo essas regras absurdas que

transformam a inteligência numa espécie de desvantagem perante a

vida. Isto está tão presente na ironia de Nelson Rodrigues: "Finge-te

de idiota, e terás o céu e a terra", quanto no ceticismo de Raul Seixas:

“Se eu fosse burro não sofria tanto”.

O problema é que os inteligentes gostam de brilhar! Aliás,

o fazem naturalmente, espontaneamente brindando a luz de novas

conquistas (e agora Nietzsche vem em nossa defesa), embora os

problemas continuem. Podemos escolher nossos inimigos, mas

quase nunca os nossos vizinhos. Portanto ou estamos cercados pelo

nada e acompanhados numa relação infernal de base econômica ou

isto é um falso problema. Prefiro as abordagens criativas e que

sapientes, sorriem. Estamos lançados numa história, questionando

o sujeito e procurando emprego. Se o governo não atrapalhar,

iremos longe. Podemos pensar e agir racionalmente, quem sabe até

poupar umas toneladas de detritos e carbono. Podemos construir

políticas mais próximas ao coração e estancar os ferimentos

causados pela ignorância e o analfabetismo ético. Não temos muito

tempo. De qualquer modo, que Deus nos proteja, então, dos

medíocres... Estes, sim, são muito perigosos.

Em poucas e últimas palavras, gostaria de dizer que tudo o

que tentei mostrar até aqui, se baseou não somente na análise de

todo este trajeto até a realização profissional. Existe pouco de

“realidade” neste itinerário, a não ser a metáfora cotidiana que

usamos para designar as superestruturas que desconhecemos o

funcionamento.

Além do conhecimento existe a discursividade que o

representa e para além das experiências mudas, a relação intuitiva

imediata consigo, o fluxo criativo da consciência, com o mundo et

coetera. Pude verificar na prática a validade de algumas correntes

do pensamento que alertavam sobre necessidade de suspeitar da

ilimitada fé depositada nos conceitos, como portadores de

essencialidades vitais:

LUÍS SÉRGIO LICO

184

A análise opera sobre o imóvel, enquanto a intuição se coloca na

mobilidade. Aí está a linha de demarcação entre intuição e

análise. Reconhecemos o real, o concreto, o vivido na própria

variabilidade. Reconhecemos o elemento naquilo que é

invariável. E é invariável por definição, sendo um esquema, uma

reconstrução simplificada, com freqüência um simples símbolo, e

em todo caso um simples aspecto da realidade que flui. Mas o erro

é acreditar que com estes esquemas recomporíamos o real. Nunca

repetiremos o suficiente: da intuição podemos passar à análise,

mas não da análise à intuição. 103

Henri Bergson, Introdução à Metafísica

103 Cartas, Conferências e outros Escritos Trad. Franklin Leopoldo e Silva, Abril, pág. 26.

O PROFISSIONAL INVISÍVEL

185

com que os mais lúcidos resolvem problemas, os medíocres os

repudiam para se defender. É um paradoxo angustiante!

Infelizmente, temos de viver segundo essas regras absurdas que

transformam a inteligência numa espécie de desvantagem perante a

vida. Isto está tão presente na ironia de Nelson Rodrigues: "Finge-te

de idiota, e terás o céu e a terra", quanto no ceticismo de Raul Seixas:

“Se eu fosse burro não sofria tanto”.

O problema é que os inteligentes gostam de brilhar! Aliás,

o fazem naturalmente, espontaneamente brindando a luz de novas

conquistas (e agora Nietzsche vem em nossa defesa), embora os

problemas continuem. Podemos escolher nossos inimigos, mas

quase nunca os nossos vizinhos. Portanto ou estamos cercados pelo

nada e acompanhados numa relação infernal de base econômica ou

isto é um falso problema. Prefiro as abordagens criativas e que

sapientes, sorriem. Estamos lançados numa história, questionando

o sujeito e procurando emprego. Se o governo não atrapalhar,

iremos longe. Podemos pensar e agir racionalmente, quem sabe até

poupar umas toneladas de detritos e carbono. Podemos construir

políticas mais próximas ao coração e estancar os ferimentos

causados pela ignorância e o analfabetismo ético. Não temos muito

tempo. De qualquer modo, que Deus nos proteja, então, dos

medíocres... Estes, sim, são muito perigosos.

Em poucas e últimas palavras, gostaria de dizer que tudo o

que tentei mostrar até aqui, se baseou não somente na análise de

todo este trajeto até a realização profissional. Existe pouco de

“realidade” neste itinerário, a não ser a metáfora cotidiana que

usamos para designar as superestruturas que desconhecemos o

funcionamento.

Além do conhecimento existe a discursividade que o

representa e para além das experiências mudas, a relação intuitiva

imediata consigo, o fluxo criativo da consciência, com o mundo et

coetera. Pude verificar na prática a validade de algumas correntes

do pensamento que alertavam sobre necessidade de suspeitar da

ilimitada fé depositada nos conceitos, como portadores de

essencialidades vitais:

LUÍS SÉRGIO LICO

184

A análise opera sobre o imóvel, enquanto a intuição se coloca na

mobilidade. Aí está a linha de demarcação entre intuição e

análise. Reconhecemos o real, o concreto, o vivido na própria

variabilidade. Reconhecemos o elemento naquilo que é

invariável. E é invariável por definição, sendo um esquema, uma

reconstrução simplificada, com freqüência um simples símbolo, e

em todo caso um simples aspecto da realidade que flui. Mas o erro

é acreditar que com estes esquemas recomporíamos o real. Nunca

repetiremos o suficiente: da intuição podemos passar à análise,

mas não da análise à intuição. 103

Henri Bergson, Introdução à Metafísica

103 Cartas, Conferências e outros Escritos Trad. Franklin Leopoldo e Silva, Abril, pág. 26.

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