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DANIEL CAVALCANTI CARNEIRO DA SILVA REPRESENTATIVIDADE SINDICAL: RECURSIVIDADE E FORMAÇÃO DO DISCURSO COMUM NO AMBIENTE DE TRABALHO Piracicaba, SP 2007

REPRESENTATIVIDADE SINDICAL: RECURSIVIDADE E … · 5.1 A Teoria de Nash e a lógica sindical ... por meio da recursividade 1 dos eventos representativos de interesses comuns das

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DANIEL CAVALCANTI CARNEIRO DA SILVA

REPRESENTATIVIDADE SINDICAL:RECURSIVIDADE E FORMAÇÃO DO DISCURSO COMUM

NO AMBIENTE DE TRABALHO

Piracicaba, SP

2007

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DANIEL CAVALCANTI CARNEIRO DA SILVA

REPRESENTATIVIDADE SINDICAL:RECURSIVIDADE E FORMAÇÃO DO DISCURSO COMUM

NO AMBIENTE DE TRABALHO

Orientadora: Profa. Dra. MIRTA G. L. MANZO DE MISAILIDIS

Dissertação apresentada ao Programa de Pós-Graduação (Mestrado em Direito) da UniversidadeMetodista de Piracicaba – UNIMEP, como exigênciaparcial para obtenção do título de Mestre em Direito,sob orientação da Professora Doutora Mirta GladysLereno Manzo de Misailidis.

Piracicaba, SP

2007

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Dados para catalogação:

CARNEIRO DA SILVA, D. C. Representatividade sindical:recursividade e formação do discurso comum no ambiente detrabalho. Universidade Metodista de Piracicaba, 2007. Dissertação(Pós-Graduação, Curso de Mestrado em Direito). Orientadora:Professora Doutora Mirta Gladys Lerena Manzo de Misailidis.

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AGRADECIMENTOS

A Deus, pela testificação de sua obra em minha vida;

À minha esposa Ilnah Toledo Augusto, pela maravilhosa oportunidade de vivenciar

o mestrado ao seu lado;

Aos meus pais, Walter Carneiro da Silva Filho e Maria Cristina Cavalcanti de

Albuquerque Carneiro, que contribuíram para materialização deste trabalho;

À Professora Doutora Mirta Gladys Lerena Manzo de Misailidis, pelas incontáveis

horas de dedicação e orientação na construção do presente trabalho.

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RESUMO

A representatividade sindical ao longo da história justrabalhista brasileira é marcadapela estética conceitual da alienação da capacidade agregação de interessescomuns da classe trabalhadora. O Instrumental jurídico trabalhista de índole fascistaalçou eficácia a um grupo de normas jurídicas que apartaram da realidade, pela viado ostensivo controle pelo Estado, a capacidade de organização e representaçãoexpontânea de interesses dos trabalhadores; o que os impediu de formularem umalinha de discurso comum, de interesses pontuais e objetivos. O estudo de taisinstrumentos normativos é feito com uma ênfase na construção dos discursossociais autônomos, derivados do conjunto das interações sociais do ambiente detrabalho. As perspectivas do pluralismo jurídico trazem consigo a base sobre a quala legitimação dos anseios derivados do ambiente social se dá por plausível. Aevolução do sistema de acumulação de capitais ao longo do século XX, serve depano de fundo à manutenção das antinomias sindicais da era Vargas, inclusive naConstituição da República de 1988. A Emenda Constitucional n.º 45, cria o alicerceconceitual sobre o qual as eventuais mudanças sindicais do porvir estruturar-se-ão.No ambiente de trabalho, novos desafios à representação coletiva surgem, emespecial, pela mudança de eixo da pauta de reivindicações; o que culmina naparticipação sindical no âmbito da tomada de decisões administrativas eorganizacionais, cada vez mais intensa e freqüente.

Palavras Chave: Representação sindical; recursividade; reflexividade do direito.

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ABSTRACT

The union representativity throughout the Brazilian legal labor history is marked by aconceptual esthetic of workers class aggregation of common interests’ alienationcapacity. The fascist motivated labor legal instrument set efficacy to a group of legalnorms that separated from reality, thought State ostensive control, the spontaneousrepresentative capacity of labor legal interests. The workers were prevent fromformulating a common speech line of punctual and objective interests. The study ofthese normative instruments done with an emphasis on the construction of socialautonomic speech, drifted from the social interactivation of the working environment.The Perspectives of the legal pluralism brings itself the basis over which thelegitimated expectations drifted from the social environment is plausible. The capitalsaccumulative system evolution throughout the 20Th century is the scenario on whichVargas era unions antinomies got kept even in the Republic Constitution of 1988.The 45th Constitutional Amendment created the conceptual basis on which theunion’s regulations changes will eventually get structured. On the Labor environmentnew challenges representation may arise specially drifted from the main claimschanges. That ends upon the governmental tendency to the recognition of theautonomous normative standard as an element of legal reflexation.

Key Words: Representativity; recursivity; speech.

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REPRESENTATIVIDADE SINDICAL:RECURSIVIDADE E FORMAÇÃO DO DISCURSO COMUM NO AMBIENTE DE

TRABALHO

Autor: DANIEL CAVALCANTI CARNEIRO DA SILVA

Orientadora: Profa. Dra. MIRTA GLADYS LERENA MANZO DE MISAILIDIS

B A N C A E X A M I N A D O R A

27/04/2007

______________________________________

(Presidente)

______________________________________

Profa. Dra. Mirta G. L. M. de Misailidis(Orientadora)

______________________________________

(Membro)

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Quem retém as palavras possui oconhecimento, e o sereno de espíritoé o homem de inteligência.

(Pv. 17:27)

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SUMÁRIO

INTRODUÇÃO METODOLÓGICA....................................................................... 11

INTRODUÇÃO...................................................................................................... 14

1 FUNDAMENTOS DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL E AINVERSÃO DA LÓGICA SINDICAL.......................................................................... 22

1.1 A transição negociada da agricultura à indústria: a manutenção dosdiscursos econômicos incidentes.................................................................... 25

1.2 A resposta operária ao descompasso comunicativo dos movimentosàs elites.......................................................................................................... 29

1.3 A evolução do capital no Brasil e o corporativismo do sindicalismobrasileiro........................................................................................................ 32

1.4 A crise do capitalismo e a mudança do modelo de gestão da questãosocial.............................................................................................................. 33

2 IDEOLOGIA E REPRESSÃO: O DISCURSO SIMBÓLICO DE PODER DOSSINDICATOS BRASILEIROS NO SÉCULO XX.................................................. 36

2.1 O movimento operário: 1930 a 1946............................................................40

2.2 O movimento operário: 1946 a 1984............................................................42

2.3 A estabilidade dos legalismos humanistas da CLT e a subversão dalógica sindical remanescente na Constituição de 1988............................ 49

3 AS CRISES DO MODELO DE ACUMULAÇÃO ECONÔMICA E SEUSREFLEXOS NO DISCURSO DE AGREGAÇÃO TRABALHISTA....................... 53

3.1 A dispersão do modelo de produção toyotista: ruptura do modelo derepresentação coletiva................................................................................. 55

3.2 O sindicato enquanto via de ligação social................................................58

4 A CRISE DA REPRESENTAÇÃO COLETIVA E A REDEFINIÇÃOFUNCIONAL DOS ENTES DE REPRESENTAÇÃO SINDICAL NO BRASIL..... 60

4.1 O reaparelhamento dos entes de representação coletiva para oenfrentamento das mudanças..................................................................... 62

4.2 A Emenda Constitucional n.º 45 e a solução dos conflitos coletivos detrabalho.......................................................................................................... 65

4.3 Os novos limites institucionais do dissídio coletivo de trabalho............ 67

4.4 O poder normativo da Justiça do Trabalho................................................ 67

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5 O NOVO MODELO SINDICAL: PERSPECTIVAS............................................... 73

5.1 A Teoria de Nash e a lógica sindical........................................................... 74

5.2 O sindicato moderno e os interesses dos trabalhadores noempreendimento econômico....................................................................... 78

6 O PLURALISMO DEMOCRÁTICO E O ACOPLAMENTO ESTRUTURAL DOSDISCURSOS INCIDENTES................................................................................... 82

6.1 Da sociologia do trabalho ao sistema social: a mitigação daracionalidade valorativa dos sistemas normativos heterônomos........... 87

6.2 A fragmentação do discurso sindical como conseqüência dorompimento do modelo de produção baseada na grande indústria....... 89

CONSIDERAÇÕES FINAIS..................................................................................92

REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS.....................................................................96

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INTRODUÇÃO METODOLÓGICA

Em que pese um procedimento atípico no desenvolvimento de produções

científicas, optou-se no presente trabalho por dividir a introdução em duas partes

distintas, ou seja, uma introdução metodológica e, a seguir, um tipo de introdução

mais tradicional.

Nesta primeira, vale ressaltar que trata-se de pesquisa voltada à análise do

avanço na leitura justrabalhista, com ênfase na linguagem da duplicação de sentidos

por meio da recursividade1 dos eventos representativos de interesses comuns das

classes trabalhadoras, enquanto sistema social fragmentado2, no ambiente brasileiro

de trabalho do século XX e sua conseqüente projeção sobre o século XXI.

O corte metodológico proposto não perpassa a filosofia da linguagem,

entendida como elemento da organização de símbolos de repercussão social, mas,

sim, a abordagem no foco da produção de sentido3 e das expectativas sociais do

ambiente de trabalho em constante tensão de reformulação ao longo das

transformações sócio-econômicas do século XX .

A duplicação de sentido por meio da reprodução das operações normativas

do sistema de interação social é, por sua vez, a base pela qual a formação da

1 TEUBNER, Günther. Direito, sistema e policontextualidade. Piracicaba: Editora Unimep, 2005.p.36: percebe-se significativa inteligência nos argumentos deste autor, para quem recursividade podeser descrita como a duplicação da produção de sentido das operações normativas repetidamenteaplicada.2 RÜDIGER, Dorothee Susanne. “Emancipação em Rede.” In: VIDOTTI, Tárcio José; GIORDANI,Francisco Alberto da Motta Peixoto. (Orgs.). Direito coletivo do trabalho em uma sociedade pós-industrial. São Paulo: LTr, 2003. p.69: sobre a questão da fragmentação da produção, relativa aoToyotismo a autora entende que “podemos caracterizar o toyotismo pelos seguintes aspectos: [...] Aorganização do trabalho conta com um núcleo de trabalhadores polivalentes e com uma mão-de-obraque é contratada por empresas prestadoras de serviços ou fornecedoras de peça just in time, isto é,na hora em que os serviços se fazem necessários.”3 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.64: vale aqui reproduzir a idéia do autor, entendendo que“como o exato pólo oposto a essa perspectiva, pode-se compreender a fenomenologia dos jogos delinguagem de Lyotard, que, no entanto, repete a mesma problemática de forma invertida. O mundo sóexiste como uma construção do respectivo discurso.”

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consciência grupal, enquanto esfera autônoma de produção de sentido4, torna-se

elemento essencial para se entender a origem do sindicalismo brasileiro, bem como

sua função no contexto da globalização.

A rotina dos entes de representação coletiva é observada à luz da tentativa de

reconstrução teórico-científica dos modelos de representação sindical, com base na

fenomenologia da linguagem discutida por juristas como Niklas Luhmann, Günther

Teubner, entre outros.

Portanto, mesmo sendo a documentação indireta a técnica principal da

presente pesquisa, a estratégia metodológica funda-se na cognição via análise

crítica da bibliografia disponível acerca do assunto e na revisão criteriosa da

principiologia constitucional, social e trabalhista constantes da Carta Magna de 1988.

O método de abordagem utilizado foi o dialético, fundado na necessidade de

evolução material do Direito e das relações sociais do trabalho, assim como na

inconveniente inexistência de uma sistematização sólida capaz de tornar lógica e

coerente a investigação das noções contraditórias que instrumentam a compreensão

das relações trabalhistas.

A análise da estrutura social dos discursos incidentes no ambiente de trabalho

exige um estudo tendo como base a interpenetração de contrários e

processualidade tão caros às pesquisas de cunho jurídico-social, em especial no

contexto do processo globalizante sob uma perspectiva unitária, lastreada em

axiomas sociais do trabalho.

Nesse sentido, a dissertação em ciências sociais aplicadas possui cunho

eminentemente propositivo, não restringindo-se apenas a esse caráter, mas

4 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p..66: o autor acredita que “em outras palavras, ‘a autoreferência de sistemas sociais presume uma dualidade imanente para que se crie um círculo cujorompimento permite a criação de estruturas’.”

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revestindo-se de índole compreensiva e interpretativa, o que a completa em sentido

e função.

Da projeção conceitual de limites ético-jurídicos à ação do Estado no âmbito

laboral, enfocada a partir da análise crítica da norma fundamental de sua estrutura e

procedimento dos elementos de sua legitimação sócio-política, parte-se para a

descritividade dos extremos de auto referência com base nos interesses comuns dos

trabalhadores, facilitando significativamente a definição de objetivos e regulação do

conteúdo integrativo do meio laboral.

Ao longo de toda a construção científica da pesquisa, o instrumental da

representatividade sindical é reconstruído tendo por base a fenomenologia

comunicativa dos interesses comuns da classe trabalhadora enquanto verdadeiro

subsistema social.

As transformações normativas no período constitucional pós 1988, são

enfrentadas enquanto tendência de reestruturação dos modelos sistêmicos de

representação com ênfase na valorização da busca pela representatividade sindical.

Por derradeiro, entende-se que as novas perspectivas dos entes sindicais é

discutida enquanto elemento de conformação sobre interesses comuns,

fundamentos da legitimidade representativa dos interesses dos trabalhadores.

O presente estudo encerrar-se-á com a visão conjuntural e específica dos

desafios dos sindicatos e sua representação no contexto da fragmentação da cadeia

produtiva mundial.

Tem-se como objetivo colocar um ponto de luz sobre o tema representação

sindical, na busca de trabalho digno para o ser humano sob um regime democrático

e de representação de anseios coletivos utilizando-se como meio o sindicato.

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INTRODUÇÃO

A origem do movimento sindical está adstrita à formação e consolidação da

massa operária que, por sua vez, tem por núcleo fundamental o trabalho livre, sem

sujeição pessoal.5

Sabe-se que a origem do movimento sindical está imbricada ao próprio

desenvolvimento do capitalismo que, fundado no axioma da acumulação de capital

com base no lucro, conduz a relação de trabalho a um padrão de exploração do

trabalho livre sem precedentes na história da humanidade.

É nesse contexto de exploração e aviltamento da classe trabalhadora,

orquestrada pela ganância inerente ao capitalismo, que a própria evolução sistêmica

do capital reclama regulamentação no Brasil já no início do século XX.6

Assim, é possível estabelecer-se a situação política com que, no caso

brasileiro especificamente, deu-se a emergência da consciência7 de classe enquanto

discurso no ambiente de trabalho. O proletariado, enquanto produto do capitalismo,

submete-se às regras de seu criador numa imbricação de interesses antagônicos

que se completam no todo, como frutos indissociáveis de um contexto sócio-

econômico delimitados no tempo e no espaço.8

5 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2006. p.301: o autor define o trabalhado livre sem sujeiçãopessoal como marco no desenvolvimento social.6 PRADO JÚNIOR, Caio. História econômica do Brasil. São Paulo: Brasiliense, 1970. p.265: valeaqui citar a idéia do autor para quem “...a acumulação capitalista se faz efetivamente à custa de umempobrecimento relativo da massa da população e um acréscimo de exploração do trabalho.”7 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.63: nesse sentido, este autor explica a tentativa husserliana deintegrar a sociedade à filosofia da consciência; para ele, a comunicação é entendida como meraorganização de símbolos, enquanto a “...produção de sentido ocorre exclusivamente na consciência.”8 ANTUNES, Ricardo. Classe operária, sindicatos e partido no Brasil. São Paulo: Cortez, 1982.p.21: entende o autor que o proletariado não nasce, portanto, com uma consciência de classeverdadeira, captadora da realidade e superadora da imediatidade, mas com uma consciência de seumomento permeada pela ideologia burguesa.

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O progresso industrial brasileiro não veio fundamentado em bases sólidas de

desenvolvimento, “...acompanhado de uma prosperidade geral que constituiria

importante circunstância para um desenvolvimento econômico harmônico e bem

fundamentado...”.9

Não obstante, a República Velha pouco se preocupou com os movimentos de

agregação proletária, já que o vértice da economia estava direcionado à agricultura

de exportação. Em termos de liberdade sindical e sindicalismo, a Constituição de

1891 adotou o modelo liberal de gestão social, tendo o Estado brasileiro adotado

posição absenteísta ao interesse social na conformidade dos interesses do discurso

incidente no sistema produtivo.

A incipiente industrialização e o discurso anarquista das lideranças proletárias

afastavam ideologicamente a atuação sindical dos embates contra a exploração

capitalista e contra a acumulação de poupança forçada, que deriva do acréscimo de

exploração do trabalho.10

Questões sindicais, liberdade associativa e autonomia dos entes de

representação dos interesses dos trabalhadores foram institutos de insípida

construção jurídica, pelo menos até a década de trinta do último século, na medida

em que se tinha um ambiente pouco propício à formação de uma estruturada

consciência de classe. Isso é até certo ponto compreensível, pois o forte esquema

de dominação à época pelo capital trabalhava constantemente e de forma acirrada a

reprodução de uma ideologia na qual o trabalhador encontrava-se apto ao trabalho,

mas inerte aos seus direitos trabalhistas.

9 PRADO JUNIOR, Caio. op. cit. p.331.10 Ibidem, p.265: o acréscimo de exploração do trabalho, no entendimento de Prado Júnior, “é o quena linguagem técnica dos economistas ortodoxos se denomina ‘poupança forçada’, se bem que setrate no caso de um tipo curioso de poupança, pois quem ‘poupa’ são os trabalhadores, mas quem seapropria da ‘poupança’ assim realizada, são os capitalistas seus empregadores...”

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Nesse sentido, Caio Prado Júnior entende que:

A vida econômica não é função de fatores internos de interesses enecessidades da população que nele habita, mas de contingênciasda luta de monopólios e grupos financeiros internacionais. O queconta nele são os braços que podem ser mobilizados para o trabalho,as possibilidades naturais que seu solo encerra, o consumidorpotencial que nele existe e que, eventualmente, uma campanhapublicitária bem dirigida pode captar.11

Enquanto isso, a Revolução de 1930 é passível de ser considerada como um

mero rearranjo dos blocos do poder central.12 A oligarquia federalista, fragmentada e

compartimentada nas diferentes regiões brasileiras, largamente separadas e

desarticuladas pela falta de transporte e estrutura de comunicação, com produção

voltada ao exterior, foi rapidamente organizada a partir de uma centralização político-

administrativa, com fundamentos para uma eficiente política13 intervencionista e

industrialista.

Contudo, o Decreto Lei 19.770 lançou, em 1931, as bases do que

posteriormente viria a ser a estrutura sindical corporativista; embora ainda sob a

égide do liberalismo, o Estado já se lançava à regulação dos movimentos operários,

como ruído14 comunicativo gerador de distúrbios sistêmicos dirigidos ao crescimento

econômico.

O Estado varguista, porém, parte em direção ao controle dos movimentos

operários, reprimindo-os e manipulando-os como decorrência desta nova função

estatal: o fomento da economia.

11 PRADO JUNIOR, Caio. op. cit. p.279.12 LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985. p.56: nota-seextrema coerência na manifestação do autor ao afirmar que “quando o homem se vê confrontado comuma alta complexidade irreconhecivelmente flutuante, surgem tipicamente estratégias de defesa, defragmentação, de generalização e neutralização.”13 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.73: vale aqui subsidiar-se neste autor, para quem o“...robustecimento em todos os níveis do aparelho estatal impôs uma limitação da prática políticaautônoma e independente do movimento operário.”14 Ruído Comunicativo deve ser entendido enquanto conceito de distorção, variação.

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Tal posicionamento pode ser facilmente detectado em discurso proferido por

Getúlio Vargas, reproduzido parcialmente a seguir:

[...] a decadência da democracia liberal e individualista e apreponderância dos governos de autoridade em conseqüência donatural alargamento do poder de intervenção do Estado, impostopela necessidade de atender a maior soma de interesses e degarantir estavelmente, com recurso das compressões violentas, amanutenção da ordem pública, condição essencial para o equilíbriode todos os fatores preponderantes no desenvolvimento doprogresso social.15

Interessante dado surge no tocante à própria justificação ideológica do

controle estatal sobre o movimento operário, enquanto via de conformação dos

discursos sistêmicos dos trabalhadores, à ação reguladora do Estado, como luta

oficialmente organizada contra o insolidarismo.16 Sustentava-se, à época, que as

categorias profissionais não tinham consciência de grupo; por isso, era necessário

controlar, centralizar e coordenar os movimentos sindicais, organizando-os sob o

manto do Poder Público.17

Os direitos dos trabalhadores, consagrados na legislação trabalhista dos anos

trinta e início da década de quarenta do século passado, não podem ser entendidos

apenas como conquistas unilaterais das classes operárias, mas, também, do próprio

Estado, que ganhou sustento nas bases sociais e lhes garantiu direitos, lançando a

essência da desagregação via unicidade sindical. Mas tais direitos ainda

encontravam entraves para sua plena eficácia, uma vez que, segundo Ricardo

15 Apud FAUSTO, Boris. A revolução de 1930. São Paulo: Brasiliense, 1987. p.110.16 OLIVEIRA VIANA. Problemas de direito sindical. Rio de Janeiro: Max Limonad, s.d. p.5: esteautor, um dos idealizadores do modelo corporativista de gestão sindical, afirma que o insolidarismo éum dado sociológico de nossa psicologia social, o que conduz o governo “para uma políticavigorosamente orientada no sentido de dar uma verdadeira organização social ao nosso povo.”17 VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p.6:coloca o autor que “desde os primeiros dias, o pensamento revolucionário sempre proclamou o firmepropósito de chamar o sindicato para junto do Estado, tirando-o da penumbra da vida privada, em quevivia, para as responsabilidades da vida pública.”

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Antunes: “o Estado iniciou a formulação de uma política sindical cujo aspecto

essencial era o seu caráter controlador e desmobilizador.”18

A coletivização das demandas e a questão social ganharam dimensão

importante “...não só politicamente, mas porque a constituição de um parque

industrial exigia toda uma regulamentação ao mundo do trabalho, até então

demasiadamente incipiente...”.19 Decorre, então, a importância em se passar o

controle das entidades sindicais para os braços do Estado, já que, de acordo com

Oliveira Viana: “os sindicatos deveriam ser investidos dos atributos de verdadeiras

autarquias e elevados á condição de pessoas de direito público.”20

Foi a Constituição de 1937 que superou o modelo liberal de sindicalismo

vigente até a Constituição de 1934, ao estabelecer o controle rígido do Estado,

partindo para uma política de clara desmobilização autoritária, orquestrada pelo

Governo.

A liberdade sindical passou a ser admitida somente sob uma de suas facetas,

ou seja, a que permitia-lhe a livre associação e certa autonomia de gestão. No

modelo adotado, tal liberdade veio balizada pela unicidade sindical, que restringia de

forma clara e objetiva a liberdade de associação sindical dos trabalhadores.

O modelo de desenvolvimentismo utilizado pelo Estado ditatorial de Vargas,

na Constituição de 1937, reclamava a unicidade sindical como condição de

governabilidade. Oliveira Viana descreve com brilhantismo tal situação, ao afirmar

que:

Para que uma política econômica nacional possa ser orientada peloEstado – é obvio - faz-se mister que o governo tenha poder parafazer chegar essa orientação às categorias de produção interessadas- o que só seria possível com o sindicato integrado no Estado,

18 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.74.19 Ibidem, p.73.20 OLIVEIRA VIANA. op. cit. p.9.

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controlado por ele, partilhando da autoridade deste para os efeitos dadireção e disciplina interna da própria categoria. Ora, isto, comovimos, só seria possível com o sindicato único.21

Em 1943, a CLT - Consolidação das Leis Trabalhistas cria um sistema em

que, de fato, e segundo posicionamento de John D. French: “...os interesses

coletivos do trabalho são supostamente defendidos pelo governo por meio da

legislação, mas em que de fato os sindicatos são relativamente fracos.”22

Tal Consolidação lança as bases do “paternalismo progressista”23 na política

social em benefício dos trabalhadores, mas que, no fundo, não passou de uma

fraude social. O autor retro citado explica que não “...é necessário muito para se

perceber que o aparente conteúdo da lei poderia ser facilmente enfraquecido pelo

seu não cumprimento e por interpretações jurídicas ou administrativas

equivocadas.”24

A CLT estabelece normativamente um modelo de barganha social25 em que a

liberdade sindical era trocada pela observância dos direitos individuais do

trabalhador. A CLT26 representa em seu texto todos os anseios do governo e das

elites; porém, sob a forma de direitos para as classes de trabalhadores.27

21 OLIVEIRA VIANA. op. cit. p.13.22 FRENCH, John D. Afogados em leis. São Paulo: Fundação Perseu Abramo, 2001. p.15.23 Ibidem, p.28: percebe-se inteligência nos argumentos do autor ao expor textualmente que “em vezde lutas por benefícios, ö tradicional paternalismo latino foi meramente transformado em paternalismodo Estado de Bem-estar social, com o governo agindo como “benfeitor” que concede benefícios demaneira arbitrária.”24 Ibidem, p.15.25 Ibidem, p.30: expõe o autor que para “os analistas ‘culturalistas’, o resultado da herançapatrimonialista é uma forma particularmente tutelar e ‘paternalista’ de participação política, que podeser vista nos sindicatos sancionados pelo Estado e na organização de grupos de interesses baseados‘na hegemonia paternalista do Estado’.”26 Ibidem, p.32: a CLT é analisada enquanto lei e “desse modo, a lei não era vista como umaconstrução cultural, mas como um reflexo direto de uma ação intencional do Estado “burguês”. A CLTseria, dessa forma, uma imposição capitalista sobre os trabalhadores.”27 Ibidem, p.32: o Estado brasileiro teria, assim, “estabelecido um sistema de repressão aostrabalhadores baseado no modelo corporativo e facista.”

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Sob essa ótica, a natureza avançada das leis trabalhistas na América Latina

era, de acordo com John D. French, um meio “...sutil de solapar a força dos

sindicatos”28 na medida em que, se fosse inteiramente cumprida, o standart social

por ela estabelecido estaria além do que a economia da região poderia suportar. E

continua o autor lecionando que “...tais leis desaceleravam o crescimento econômico

e efetivamente subvertiam a base lógica para a organização sindical.”29

A questão do referido conjunto de leis é crucial para a compreensão do

modelo de gestão sindical que se orquestrou subseqüentemente à ditadura de

Vargas. O modelo de desenvolvimento foi mantido e o aviltamento da classe

operária, por meio de uma extensa e inaplicável legislação trabalhista, restou

contínuo por um longo período de tempo, passando pelas constituições de 1946,

1967 e pela Emenda Constitucional n.º 1/1969, até a Constituição de 1988.

Em paralelo à alienação institucionalizada do modelo de gestão coletiva de

interesses, o modelo de acumulação econômica no Brasil e no mundo passou por

mudanças.

O discurso fordista, incidente sobre o modelo de exploração racional da mão-

de-obra, capitula face às tensões de reconstrução, ou seja, em face das forças

exógenas que redimensionam a estrutura original dos agentes nos subsistemas,

tornando-se menos produtivo a partir da sua incapacidade de agregação dos

interesses incidentes manifestos sobre sua base de produção.

As mudanças dos discursos racionalistas sobre a estrutura produtiva

instauram uma fase de reestruturação do modelo de gestão econômica. A

acumulação flexível emerge-se num esquema transformador que impulsiona a

criação de verdadeiros subsistemas funcionais no ambiente de trabalho,

28 FRENCH, John D. op. cit. p.28.29 Ibidem, p.28.

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representados por práticas progressistas que estruturam-se a partir do ruído

comunicativo derivado da incapacidade do direito oficial ao reconhecimento das

ordens sócio-laborais subsidiárias.

A pulverização da mão-de-obra na dispersão das unidades produtivas cria

uma desestabilização dos agentes sociais, formando a base de eventos

comunicativos e originando novos padrões de identidade social e relações jurídicas,

vias de agregação coletiva pela base da politização do interesse comum.

No conjunto das transformações sociais do trabalho, é definida a necessidade

de restruturação da representação coletiva em relação aos seus próprios fins.

Transformações legislativas e na matriz dos movimentos representativos de anseios

coletivos foram operados à reestruturação da representação sindical.

O modelo de gestão dos interesses da coletividade identificada avança sobre

a inversão lógica do sistema e reconhece, nos fatos sociais, a incidência de

discursos de base comum, que devem ser entendidos enquanto fenômeno

lingüístico do pluralismo de convicções sobre fatos e interesses imanentes ao grupo

específico. Verifica-se, no âmbito das relações sindicais, o incremento da

preocupação com uma prática participativa e solidária no empreendimento.

Uma verdadeira ordem subsidiária de regulação jurídica emana dos

subsistemas laborais, cuja leitura política serve de elo comum aos diversos

ambientes funcionais fragmentários. O direito oficial do sindicato tende ao

reconhecimento de que não mais define as dimensões de estrutura e função dos

subsistemas sociais, restringindo-se ao desempenho da generalização das auto

regulações existentes.

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1 FUNDAMENTOS DAS RELAÇÕES DE TRABALHO NO BRASIL E A INVERSÃODA LÓGICA SINDICAL

A análise da história do movimento sindical brasileiro tem como base a

simbologia da linguagem dos discursos categoriais incidentes no grupo de trabalho

específico, cujas práticas sociais universalizadas estão impregnadas pela imposição

de valores e costumes derivados da identidade simbólica das castas dominantes.30

A formação dos movimentos de representação coletiva brasileiros, que

normalmente são tidos como evidências de conquistas sociais, podem ser

reconstruídos enquanto elementares da manipulação do capital sobre o ideário das

massas de trabalhadores.

Ressalte-se que o discurso histórico, derivado do embate capital-trabalho do

final do século XIX e primeiras décadas do século XX, remanesceu incidente na

Constituição Federal de 1988, como se analisará adiante, motivo pelo qual o estudo

da formação de tais discursos categoriais se faz imprescindível à compreensão dos

conteúdos da estrutura de representação coletiva contemporânea.

Os discursos das elites oligárquicas brasileiras do final do século XIX31 e

início do século XX32 são instrumentos de regência social integrativa, na medida

em que a disseminação da ideologia do capital no fértil período de transformações

30 FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Porto Alegre: Globo, 1985. p.411: entenda-se aqui que aconsciência do trabalhador sobre sua própria identidade e seus interesses estão impregnados pelosinteresses daqueles que se valem da hiposuficiência. O autor exemplifica a questão da seguinteforma: “A situação do agricultor - do senhor de terras, do aristocrata territorial, segundo aromantização tradicional dos historiadores e sociólogos - revela-se nas suas relações comerciais, noestado de seus lucros e rendas.”31 Ibidem, p.411: nesse sentido encontra-se o ancien regime brasileiro, sobre o qual este autor ilustrada seguinte forma: “A fazenda cafeeira adotou, desde o começo de sua expansão o modelo doestabelecimento do engenho de açúcar, calcada sobre a grande propriedade e a escravidão.”32 Ibidem, p.454: o ideário progressista ascendente dos fazendeiros paulistas do segundo reinado,nas décadas de 70 e 80, os afastaram da monarquia. Faoro expõe que “o pressuposto da tese será oenglobamento dos interesses agrários numa só camada, onde se confundiram o complexoexportador, o comissionário e o banqueiro, com o produtor, o senhor de engenho, o fazendeiro decafé e o criador de gado.”

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sócio-culturais e econômicas da República Velha criou uma identidade básica sobre

uma plataforma mínima de interesses mútuos, identificados na binomial33

característica da sociedade brasileira: dominantes e dominados.34

A análise dos discursos sociais das classes antagônicas, sob a égide da

duplicação de sentido derivada da recursividade35 dos sistemas sociais díspares,

conduzem ao reconhecimento de uma estética sistêmica36 de legitimação das

expectativas sociais dos trabalhadores pelo discurso político dos interesses

dominantes. É perceptível que, no Brasil, em decorrência parcial do modelo

negociado de transição política37, econômica e social, o discurso econômico38 impera

como fundamento para a lógica das massas.

A necessidade do capital pelo surgimento e consolidação das entidades

representativas dos anseios populares evidencia-se quando analisada a pluralidade

ideológica dos movimentos espontâneos de reivindicação social. Sob a influência da

disseminação de valores divergentes aos interesses dos discursos econômicos,

33 FAORO, Raymundo. op. cit. p.454: no que se refere ao binômio em questão, o autor informa que“no contexto polar senhor e escravo, sob a base do trabalho servil, se resumiria o conteúdo dasociedade.”34 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.36: nesse sentido, a obra Casa-Grande e Senzala de GilbertoFreyre, publicada em 1933, evidencia de forma cristalina o momento social brasileiro que setransformava no período, alterando-lhe não apenas a estrutura econômica, mas, também, asinstituições sociais e políticas de toda a nação. A obra em questão tem como canal forte deexpressão a percepção do atraso e da miséria do povo brasileiro no período.35 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.36: nota-se relevante astúcia nos argumentos do autor, paraquem recursividade pode ser descrita como a duplicação da produção de sentido das operaçõesnormativas repetidamente aplicadas.36 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.57: a Teoria dos Sistemas Sociais deste autor é analisada enquantomodelo de conceituação racional derivada da plasticidade representativa dos discursos sociais. Emoutras palavras, o sistema cria um padrão, uma linha de comportamento esperado, uma estéticacomportamental. Nesse sentido, entende Luhmann que “outras transformações podem serobservadas nos sistemas sociais que constituem a sociedade, e isso na medida em que eles,enquanto sistemas parciais da sociedade, generalizam suas expectativas.”37 FAORO, Raymundo. op. cit. p.468: segundo este autor, a Constituição Republicana de 1891 “...temcaráter puramente nominal, como se ela estivesse despida de energia normativa incapaz de limitar opoder ou conter os titulares dentro de papéis prévia e rigidamente fixados.”38 BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. São Paulo: LTr, 2005. p.1160: sobre oconceito de categoria econômica, este autor explica que “a solidariedade de interesses econômicosdos que empreendem atividades idênticas, similares ou conexas constitui o vínculo social básico quese denomina categoria econômica.” Cf. também o art. 511 da CLT, mantido na Constituição Federalde 1988.

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embora sob a forma de sociais puros, a multiplicidade de interesses dos

trabalhadores foram inscritos nas bandeiras dos ajuntamentos das massas.

Torna-se menos aparente e desproporcional a força simbólica do capital,

quando o confronto de interesses se dá com entidades coletivas equivalentes39 e

representantes dos componentes de base do próprio regime de acumulação

capitalista, a saber: a indústria e o trabalhador.

A evidente submissão dos discursos populares, derivados da leitura do direito

trabalhista, aos interesses do capital mitigam-se na medida em que a assimetria dos

poderes dos equivalentes tende à equiparação.

Além disso, a crise do capitalismo e da maturidade dos entes de

representação social é combatida com a ideologia incidente nos discursos do capital,

subvertendo a ordem da lógica dos representantes do povo que, de forma

subserviente, alienam sua capacidade de mobilização pela segurança aparente dos

direitos inatingíveis40, o que representa a supremacia do discurso ideológico

capitalista enquanto símbolo de poder.41

Nesse sentido, a construção instrumental42 dos discursos sociais incidentes

na origem do movimento sindical brasileiro possui, em si, um eixo lingüístico de

reconstrução conceitual da realidade tendente ao estabelecimento de uma ordem de

39 Cf. GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2006. p.313.40 Cf. FRENCH, John D. op. cit. p.21.41 BOURDIER, Pierre. O poder simbólico. Rio de Janeiro: Bertran Brasil, 2000. p.10.42 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.58: construção instrumental é usada no sentido de construção deforma e modelo de um discurso comum, uma forma de consciência e o autor afirma que “Não se tratade um direito que se forma no plano do sistema social e que possa ser reivindicado por qualquerterceiro que não tenha sido parte em sua constituição.”

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sentido imediato ao ambiente social, em uma espécie de gnoseologia regulada43 a

partir da normação enquanto regulamentação e distribuição de riscos.44

1.1 A transição negociada da agricultura à indústria: a manutenção dos discursoseconômicos incidentes

Para a contextualização do surgimento do ideário associativista brasileiro,

necessário se faz a análise crítica de fatos históricos ocorridos entre o final do século

XIX e o início do século XX45, compreendendo que o Brasil apresenta um modelo

hipertardio46 de capitalismo.

O capital industrial nasceu como um desdobramento do capital cafeeiro47 que,

gerando as condições necessárias ao surgimento da indústria, criou limites48

concretos para sua expansão.

A movimentação da economia cafeeira criou o primeiro impulso para o

fornecimento de crédito, que primitivamente resumia-se a financiadores particulares,

tendo os fazendeiros seus empréstimos entre si com base apenas na confiança

pessoal. O desenvolvimento da agricultura criou a figura do comissário, elo entre a

43 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.54: esta terminologia é utilizada no sentido de conhecimentocoordenado no âmbito dos sistemas de interação social, conforme explica Luhmann, ressaltando que“...em termos genéricos, as expectativas congruentemente generalizadas não fornecem umasegurança suficiente com respeito à conduta.”44 Ibidem, p.54: este autor afirma que “...por isso, as trincheiras contra o perigo não podem mais sererigidas no terreno da oposição entre o legal e o ilegal; elas atravessam o próprio direito comoregulamentação e distribuição de riscos.”45 FAORO, Raymundo. op. cit. p.468: nesse sentido, entende o autor que “os processos primitivosnão se coadunam com a prosperidade do plantio. O agricultor encontra no comprador da safra onatural financiador, mediante uma sistema simples e natural de crédito: a safra futura em troca dasnecessidades para o custeio e expansão.”46 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.21: essa expressão é utilizada por Antunes e apresenta certacoerência com as idéias contidas no presente trabalho.47 FAORO, Raymundo. op. cit. p.412: segundo este autor, “com as promessas da década de 30aumentando o ritmo cafeeiro, estimulado pela procura e pelos preços, o crédito tornou-senecessidade maior do que o contingente próprio do agricultor, a fazenda.”48 CÂNDIDO FILHO, José. O movimento operário. Petrópolis: Vozes, 1982. p.125: o autorargumenta de forma inteligente o assunto, expondo alguns limites históricos como, por exemplo, acrise monárquica e a República Oligárquica de 1870 a 1930; as transformações econômicas; odeclínio da escravidão; e a expansão de trabalho livre.

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plantação e a exportação.49 No Rio de Janeiro e nas capitais emergem as primeiras

casas bancárias, o que impessoalizou os vínculos entre devedor e credor.

A dinâmica da relação oligarquia agrária e industriária é o substrato sócio-

econômico sob o qual se ergue o movimento operário e o sindicalismo brasileiro.

Importa ressaltar que no Brasil não ocorreu o modelo clássico50 e revolucionário de

transição do campo para o capitalismo urbano-industrial.

O processo de transição da matriz econômica brasileira foi marcado por uma

profunda e gradual conciliação reformista51, na qual a oligarquia latifundiária migrou

em direção ao capitalismo industrial, numa espécie de conciliação de contrários:

progresso e atraso formando uma massa nebulosa com origem num passado

clientelista e oligárquico, ou seja, coronelista52, e com desdobramento na base do

industrialismo do século XX.

O mesmo discurso de exploração da oligarquia cafeeira53 remanesceu no

contexto industrial, observando-se, assim, a transformação dos eixos econômicos

sob a égide de discursos de exploração.54

49 FAORO, Raymundo. op. cit. p.412: sobre o assunto, o autor entende ser “este um grande capítulona história econômica do Brasil, o que circula entorno do comissariado, turvado, ensombrecido,esquecido. Dele, comerciante urbano, se irradiará a energia, o sangue e a vibração que vivificam afazenda, ditando a quantidade e a qualidade do plantio. Senhor do crédito será o senhor da safra,decretando a grandeza ou a ruína do fazendeiro.”50 Cf. ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.21.51 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.58: o autor manifesta-se de forma inteligente sobre a formação dossistemas parciais da sociedade, explicando que, “por isso, apenas os membros desses sistemasparciais estão vinculados, enquanto atores e espectadores, à normatividade dessas expectativas;...”52 FAORO, Raymundo. op. cit. p.621: este autor resgata que “o coronel recebe seu nome da GuardaNacional, cujo chefe, do regimento municipal, investia-se daquele posto, devendo a nomeação recairsobre pessoa socialmente qualificada, em, regra detentora de riqueza, à medida que se acentua oteor de classe da sociedade.”53 Ibidem, p.455: o autor explica que a expansão da lavoura paulista se dá com a concorrência dotrabalho livre e ressalta que os “...frutos da extinção do tráfico e a pequena prole escrava produzem,nas três últimas décadas do século, todos os seus resultados.”54 Ibidem, p.620: segundo Faoro, o “...bacharel reformista, o militar devorado de ideais, orevolucionário intoxicado de retórica e de sonhos, todos modernizadores nos seus propósitos, têm ospés embaraçados pelo lodo secular.”

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Leve-se em conta que o processo de industrialização e modernização da

economia brasileira pode ser classificado, em nível político, como sendo um

“reformismo pelo alto”55, sem participação dos segmentos populares.

O discurso da reforma das matrizes econômicas emerge enquanto discurso

das elites econômicas56, como decorrência inevitável da defasagem do modelo de

acumulação econômica agrária do Império; isso frente ao enriquecimento sem

precedentes a que a matriz de circulação industrial proporcionava no ambiente da

República, mediante crescimento exponencial da circulação de riquezas.

Nesse sentido, Caio Prado Júnior coloca que:

Transpunha-se de um salto o hiato que separava certos aspectos deuma superestrutura ideológica anacrônica e o nível das forçasprodutivas em franca expansão. Ambos agora se acordavam.Inversamente, o novo espírito dominante, que terá quebradoresistências e escrúpulos poderosos até havia pouco, estimularáativamente a vida econômica do país, despertando-a para iniciativasarrojadas e amplas perspectivas. Nenhum dos freios que a moral e aconvenção do Império antepunham ao espírito especulativo e denegócios subsistirá; a ambição do lucro e do enriquecimentoconsagrar-se-á como um alto valor social. O efeito disto sobre a vidaeconômica do país não poderá ser esquecido nem subestimado.57

A República possibilitou a ruptura com a fórmula do equilíbrio conservador do

Brasil Império, proporcionando a indivíduos e classes a possibilidade de romperem

os paradigmas do então sistema de acumulação econômica, transformando-os, não

raramente, em especuladores e negocistas engajados no crescimento proporcional

da circulação de riquezas por via do fortalecimento proporcional do comércio.58

55 FAORO, Raymundo. op. cit. p.622: possui lógica os argumentos do autor, que evidencia ainexistência de representatividade social dos atos da elite política nacional, representada na figurados coronéis que, na passagem do regime imperial ao republicano, têm sua função eleitoralexacerbada.56 PRADO JUNIOR, Caio. op. cit. p.209: na visão deste autor, “...a República, rompendo os quadrosconservadores dentro dos quais se mantivera o Império apesar de todas suas concessões,desencadeava um espírito e tom social bem mais de acordo com a fase de prosperidade material emque o país se engajara.”57 Ibidem, p.209.58 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.49.

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Não houve no Brasil espaço para a evolução histórica do trabalho de forma

gradativa: da agricultura para o artesanato; deste para a manufatura; e desta para

grande indústria.

O processo de industrialização brasileiro tem a peculiaridade do salto do

sistema agrário ao predomínio da grande indústria, que pode ser entendida,

segundo Ricardo Antunes, como o “...organismo de produção inteiramente objetivo

que o trabalhador encontra pronto e acabado como condição material de

produção.”59

Em 1808, a abertura dos portos brasileiros aniquilou a rudimentar indústria

artesanal do Brasil Colônia, já que a concorrência dos produtos artesanais da

localidade com as mercadorias estrangeiras, em igualdade de condições, impediu o

desenvolvimento da produção local.

A industrialização brasileira se deu tardiamente face aos entraves que

embaraçavam o progresso60, em um momento já avançado das guerras imperialistas

e subordinação aos pólos políticos hegemônicos das economias centrais, tendo-se

em vista que, segundo Caio Prado Júnior, “...é a ação perturbadora da finança

internacional que procura se imiscuir e penetrar cada vez mais profundamente na

vida econômica do país.”61

59 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.49.60 PRADO JÚNIOR, Caio. op. cit. p.257: expõe o autor que “além da deficiência de energia, faltou aoBrasil outro elemento fundamental da industria moderna: a siderurgia.”61 Ibidem, p.221.

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1.2 A resposta operária ao descompasso comunicativo dos movimentos às elites

A República Velha e seu sistema político eleitoral coronelista62 pouco se

preocupou com os movimentos de agregação proletária, pois o vértice da economia

ainda estava direcionado à agricultura; porém, com um discurso de progressismo63

industrial.

Enquanto discurso incidente no simbolismo social de poder dirigido à

consolidação do proletariado urbano, o liberalismo social submete-se aos interesses

políticos do capital como elemento chave para a formação dos mercados de

consumo integrantes das novas matrizes da economia.

A industrialização e o anarquismo difundido entre as lideranças proletárias

afastavam ideologicamente64 a ação dos titulares da representação coletiva dos

entraves da exploração.

Face a pluralidade ideológica dos movimentos de agregação, o trabalhador

urbano se perdia numa espécie de deriva comunicativa65 na medida do

descompasso lingüístico entre a manifestação dos discursos da oligarquias

dominantes, que implementavam mudanças estruturais na economia do país, e os

discursos de reivindicação social.

62 FAORO, Raymundo. op. cit. p.622: para este autor “ocorre que o coronel não manda porque temriqueza, mas manda porque se lhe reconhece esse poder, num pacto não escrito. Ele recebe - recebeou conquista uma fluida delegação, de origem central no Império, de fonte estadual na República,graças a qual sua autoridade ficará sobranceira ao vizinho, guloso de suas dragonas simbólicas e dasarmas mais poderosas que o governador lhe confia. O vínculo que se outorga poderes públicos virá,essencialmente, do aliciamento e do preparo das eleições, notando-se que o coronel se avigora como sistema da ampla eletividade dos cargos, por semântica e vazia que seja essa operação.”63 Ibidem, p.625: sobre o assunto, Faoro entende que “enquanto o futuro não chega, organiza-se oregime, sob a indiferença das camadas liberais, que viram, desde logo, a exclusão irremediável dopovo das decisões políticas.”64 Cf. PINHEIRO, Paulo Sérgio; HALL, Michel M. “Classe operária no Brasil: 1889-1930”. In: Omovimento operário. São Paulo: Alfa Omega, 1979. p.41-ss.65 Cf. TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.99.

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Em razão proporcional ao crescimento da economia, o movimento social

impregnava-se de conteúdo anarquista de ultra-esquerda66 e concentrava forças na

luta contra o sistema e o capitalismo, em detrimento dos interesses imediatos das

classes operárias exploradas nesse fértil período de mudanças.

A percepção do descompasso comunicativo67 simbólico entre a conjuntura da

agregação de trabalhadores e a consolidação na nova matriz industrial tornara-se

evidente. O movimento social dos trabalhadores começou a idealizar a necessidade

de uma integração de interesses sociais ao conjunto da simbologia dos discursos

das elites econômicas, ou seja, uma contra-resposta reivindicatória à exploração do

trabalho em linguagem materialmente verossímil aos interesses dos operadores

econômicos.

Por meio de um persuasivo movimento de conscientização e marketing

político, o 1º Congresso Operário Brasileiro (a COB68), de 1906, pela primeira vez

permitiu a coordenação do movimento sindical no Brasil. Finalmente, uma linguagem

política comum e própria dos operários foi criada como uma reação ao ambiente de

exclusão simbólica das reivindicações sociais no âmbito de discussão entre

empresariado e governo.69

Apesar da forte influência revolucionária imperante nos discursos sociais, a

COB não revestiu-se de cunho anarquista, produzindo resoluções muito mais

66 SKIDMORE, Thomas. Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. p.29: sobre o assunto, o autorexplica que “o movimento sindical (de proporções extremamente modestas em 1930) estavadestroçado por lutas entre anarquistas, trotsquistas, comunistas e radicais.”67 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.60: explica o autor que “atinge-se um novo patamar da complexidadesocial, para o qual os modelos explicativos antigos, por exemplo, tornam-se inadequados.”68 PINHEIRO, Paulo Sérgio; HALL, Michel M. op. cit. p.41-ss: no capítulo 6 da obra em questão, osautores estudam as bases ideológicas do 1º COB.69 Idem, p.46: os autores resgatam o disposto na Ata do COB, texto que aqui é reproduzidoparcialmente, a saber: “Considerando que o operariado se acha extremamente dividido em suasopiniões políticas e religiosas; que a única base sólida de acordo e de ação são os interesseseconômicos comuns a toda a classe operária, os de mais clara e pronta compreensão...”

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sindicalistas que revolucionárias.70 Criou-se, inicialmente, um consenso acerca do

conteúdo mínimo pelo qual os trabalhadores deveriam lutar. Laicidade e desapego

político foram palavras-chaves fundamentais para que se criasse uma linguagem

comum e uma agenda mínima de reivindicações consensuais.

Portanto, a COB foi um importante marco na determinação da origem do

movimento sindical brasileiro. Os discursos anarquistas e revolucionários, entretanto,

remanesceram operantes no “chão de fábrica”71 e, por algum tempo, tanto quanto no

seio dos movimentos de organização sindical.

Depreende-se da COB que os movimentos sociais formaram um discurso

acerca de uma estrutura de reivindicação parecida, em alguns aspectos restritos,

com o que na década de trinta do século passado constituir-se-ia o sindicato

institucional, na medida em que lançaram o embrião da noção de categoria e as

bases para uma propaganda e um discurso comum organizados.

O movimento laboral, pela primeira vez, parece ter alçado vôo junto à

politização dos discursos dos interesses dominantes, mediante a transcrição dos

embates sociais em linguagem simbólica, com argumentação jurídica clara e

neutralidade aparente. Nesse sentido, a recursividade72 dos discursos dos

trabalhadores criou a base para a construção de uma efetiva plataforma de

reivindicações.73

70 PINHEIRO, Paulo Sérgio; HALL, Michel M. op. cit. p.41: nesse sentido: “De fato as resoluções docongresso são muito mais sindicalistas que revolucionárias.(do anarquismo dificilmente se encontraalgum traço).”71 Termo coloquial designativo do ambiente fabril de interação proletária.72 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.36: o autor explica o que pode ser chamado de confusãorecursiva, ou seja, duplicação da produção de sentido pela ressurgência do evento.73 Ibidem, p.47: Teubner aqui apropria-se do conceito de ‘Corporate Actor’, aplicado ao ente derepresentação coletiva de anseios sociais dos trabalhadores.

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1.3 A evolução do capital no Brasil e o corporativismo do sindicalismo brasileiro

A intensificação da industrialização e urbanização do Brasil, decorrente da

mudança de paradigmas sócio-econômicos, como fruto da evolução do capitalismo

brasileiro, gerou o agravamento da questão social.74

Ao longo de sua evolução no século XX, o movimento operário brasileiro

revestiu seu discurso social de maturidade sistêmica75, dirigindo-se à consolidação

de uma plataforma sólida de reivindicações sociais e agregando força de

mobilização de classe em discursos simbólicos juridicizados e impregnados de

conteúdo político.

O ambiente de liberalismo associativista76 vigorante na República Velha não

mais se coadunava com o aumento da força das reivindicações dos trabalhadores.

O discurso comum em torno da questão social se avultava em força e legitimação.77

A massa de trabalhadores, a partir da linguagem comum, consolidava-se enquanto

força de desestabilização da ordem absenteísta da República Velha.78

Segurança, previsibilidade e calculabilidade79 frente ao conjunto de reclames

sociais, origem de verdadeiros embates entre os trabalhadores e as classes

industriárias, passou a ser necessário ao empresariado, já que o capital traz consigo

74 PINHEIRO, Paulo Sérgio; HALL, Michel M. op. cit. p.41-ss.75 Conforme analisado anteriormente, no item 1.2 deste capítulo, o movimento sindical brasileiro, adespeito das influencias ideológicas, concentrou reivindicações numa pauta mínima, já desde o 1ºCongresso Operário Brasileiro, em 1906.76 Terminologia referente a política estatal do leisse fair social, analisado no item 1.2 deste capítulo77 FAORO, Raymundo. op. cit. p.674: o autor explica que “na reação contra a desordem e a anarquia,identificadas nas sedições militares, cristalizava-se o nacionalismo na defesa da autoridade acuada.”78 Ibidem, p.675: entende o autor que “a separação entre povo e governantes, entre sociedade eEstado, não seria vista como mal a remediar, tal a distância existente na cultura, na riqueza, noshábitos.”79 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.56: atado ao conceito de trivialidade desenvolvido por este autor, paraquem “trivialidade significa grande indiferença com respeito às diversidades. Para todos os indivíduos,quase todas as prescrições não possuem qualquer significado com o qual eles possam identificar-se.”

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o embrião do direito laboral como uma necessidade de suas próprias leis de

desenvolvimento.80

O próprio capital precisa da regulação de seu pólo reflexo para a eventual

unificação das reivindicações e criação de uma linguagem unificada, simbólica e

criadora de um ambiente complexo de discussão trabalhista afastado do todo

social.81 Os detentores do capital sentiram a imprescindibilidade de uma regulação

mais clara e minuciosa dos movimentos operários como base para a standartização

das reivindicações sociais.

1.4 A crise do capitalismo e a mudança do modelo de gestão da questão social

A crise do setor agrário-exportador e a desestabilização da indústria nascente,

derivados do crash da bolsa de Nova Iorque, em 1929, reclamou do Estado brasileiro

a redefinição de sua posição político-econômica.82

Iniciou-se, assim, uma nova fase institucional caracterizada pela necessidade

de reestruturação do papel do Estado, enquanto agente de fomento econômico. A

Administração Pública, enquanto gestora do desenvolvimento nacional, passa a ter

um papel essencial na condução da economia e nas finanças do país.83

O Estado varguista movimentava-se em direção ao controle dos movimentos

sociais, reprimindo-os e manipulando-os, como decorrência dessa nova estética

80 MISAILIDIS, Mirta Gladys Lereno Manzo de. Os desafios do sindicalismo brasileiro diante dasatuais tendências. São Paulo: LTr, 2001. p.18: nesse mesmo sentido, entende a autora que “essecapitalismo crescente, que desconhecia ou negava direitos subjetivos aos assalariados, trazia, porsua vez, de forma embrionária, o direito laboral como uma necessidade de suas próprias leis dedesenvolvimento”.81 FAORO, Raymundo. op. cit. p.676: o autor explica que “com a mudança no campo operário, e sócom ela, o nacionalismo da ordem imprime ao seu ideário a preocupação de guardar autonomiacontra as exacerbações operárias, com teor repressivo sob o molde de integração corporativa.”82 Ibidem, p.714: entende o autor que “a crise determinava, portanto, o comando sobre osfundamentos da economia: o café e o cambio.”83 Ibidem, p.716: sobre o assunto, expõe o autor que “o Comando externo da produção agrícola, dosmeios de transporte e da industrialização cede o lugar à ação interna e oficial, com a conseqüente enecessária mobilização popular vinculada ao reforço autoritário e centralizador do governo.”

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funcional estatal - o fomentador da economia. Segundo Ricardo Antunes: “...o

robustecimento em todos os níveis do aparelho estatal impôs uma limitação da

prática política autônoma e independente do movimento operário.”84

Portanto, o discurso social precisava, na visão desenvolvimentista do Estado,

de uma reconstrução de sentido mediante a implementação de um discurso

simbólico apartado da realidade das ruas, das fábricas e das massas operárias. Era

necessário afastar a discussão das reivindicações políticas e a negociação

decorrente do alcance das massas. É nesse contexto que a luta material por direitos,

com o uso da força, se transmuta por meio da implementação de um parâmetro

normativo, em um embate teórico comunicativo transposto na estética do discurso

civilizado e juridicizado dos advogados e jurisconsultos. A linguagem técnica e

normativa transformava embates físicos em argumentos jurídicos civilizados e

afastados do uso comum do proletariado reivindicante.85

A origem do sindicato e da regulação rígida dos movimentos revindicatórios

de direitos sociais liga-se, portanto, intimamente a um discurso base do

desenvolvimento do capitalismo brasileiro.86 Aos trabalhadores, enquanto agentes

sociais coletivos aptos à implementação de atos de repercussão social, tornava-se

imperiosa a entrada no ambiente fechado de linguagem utilizada pelo binômio

capital-governo.87

Não obstante, a representação coletiva viu-se obrigada a ceder,

reorganizando-se para o implemento da linguagem comum dos seres coletivos

84 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.73.85 Ibidem, p.73: nota-se posição inteligente nos argumentos deste autor, interpretados com ênfase nasimbologia da linguagem de Luhmann.86 Cf. OLIVEIRA VIANA. op. cit. p.13.87 TEUBNER, Gunther. op. cit., 2005. p.94: sobre a questão o autor explica “...é necessário reconhecer asfronteiras do sentido que separam discursos fechados.”

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envolvidos.88 Simbolicamente, o trabalhador percebeu-se diante da necessidade de

organização institucional para que, em conjunto, pudesse adentrar no universo

lingüístico dos empresários e do governo.

Por outro lado, aos empresários e ao próprio governo, a institucionalização

dos movimentos sociais pró-direitos trabalhistas unificam as reivindicações das

categorias profissionais que, uniformizadas, controladas e reguladas, tornam-se

previsíveis, principalmente se discutidas em linguagem comum, civilizada,

juridicizada e afastada do conjunto das outras reivindicações sociais.

88 TEUBNER, Gunther. op. cit., 2005. p.94

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2 IDEOLOGIA E REPRESSÃO: O DISCURSO SIMBÓLICO DE PODER DOSSINDICATOS BRASILEIROS NO SÉCULO XX

Ao longo da história brasileira no século XX, os sindicatos passaram por uma

redefinição de papel enquanto órgãos de representação coletiva, revestindo-se de

poder de representatividade regulada por lei.89 Com efeito, um poder invisível,

normativo, que só pode ser exercido com a cumplicidade dos sujeitos que a ele se

submetem voluntariamente, sem atinar conscientemente à submissão quando

considerada em si própria.

O discurso sindical reveste-se de estética simbólica de poder face à

regulamentação e controle estatais e os discursos da liderança coletiva obreira

reconstruem a realidade ao estabelecerem uma ordem de sentido imediato naquele

momento, adequada aos anseios do Estado.

Nesse sentido, Maurício Delgado Godinho resgata que:

A evolução política brasileira não permitiu, desse modo, que o Direitodo Trabalho passasse por uma fase de sistematização econsolidação em que se digladiassem (e se maturassem) propostasde gerenciamento e solução de conflitos no próprio âmbito dasociedade civil, democratizando a matriz essencial do novo ramojurídico. Afirmando-se uma intensa e longa ação autoritária oficial(pós-1930) sob um segmento sócio-jurídico ainda sem uma estruturae experiência largamente consolidadas (como o sistema anterior a30), disso resultou um modelo fechado, centralizado e compacto,caracterizado ainda por incomparável capacidade de resistência eduração ao longo do tempo.90

Nesse contexto de análise, os discursos sociais podem ser compreendidos

como verdades instrumentais de dominação. Com a defesa das ideologias, cria-se

uma ordem no caos, uma plataforma mínima de interesses e, segundo Pierre

89 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.63: o autor detecta que “essa organização paternalista, imposta aosetor operário por Vargas, era parte de uma estrutura econômica corporativista global, que o governodo Estado Novo armou para toda a sociedade urbana.”90 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2006. p.113.

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Bourdier, as ideologias “...servem interesses particulares que tendem a se

apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo.”91

Portanto, o discurso das classes econômicas assegura uma rede de

comunicação fundada na simbologia da linguagem comum a todos os seus

membros, identificando-os entre si e, ao mesmo tempo, distinguindo-os dos outros e

das outras classes, à beira do sectarismo.

Considerando-se que as relações de força são relações de comunicação, na

medida em que dependem do poder acumulado ou atribuído ao agente

comunicador, as lutas econômicas e políticas eufemizam-se em torno da homologia

da luta que a produção ideológica de classes perfaz.

É na correspondência das estruturas em litígio que se encontra a função

ideológica do acoplamento dos discursos incidentes92 e o ponto comum dos

contrários é a base sob a qual se ergue os reflexos da ideologia implementada pelo

Estado.

A lógica específica do funcionamento do campo jurídico está duplamente

determinada: de um lado, as relações comunicativas de força específica; e de outro,

as limitações da lógica interna do ordenamento jurídico, que delimita em cada

momento a ordem dos possíveis93, condicionando o universo das soluções jurídicas

propriamente ditas.

O mesmo embate de linguagem simbólica se opera no sentido de que há uma

visível concorrência pelo monopólio da jurisdictio, do dizer o Direito à administração

de litígios. A normatização exacerbada dos discursos das classes reivindicantes

91 Cf. BOURDIER, Pierre. op. cit. p.10.92 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.91: o autor analisa a interdiscursividade dos discursosautônomos e seu simultâneo acoplamento estrutural.93 O Princípio Constitucional da Reserva do Possível é trabalhado pelo constitucionalista J.J.Canotilho.

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encontra, na juridicização crescente das relações de força, operadores do Direito

despojados de influências com vistas à uma transparência, independência e

neutralidade aparente, visando à universalização dos discursos dominantes e

criando-se, assim, certa estabilidade na posição dos discursos preponderantes,

instrumento de pacificação social tendenciosa.

Nesse sentido, o domínio da sistemática jurídica do capital comunicativo

judicial se auto-completa pela técnica de racionalização, que transforma as lutas

sociais materiais implementadas pelas representações de interesses sociais, antes

dispersas, em lutas simbólicas. No discurso jurídico os adversários terminam-se

como partícipes de uma cumplicidade única, servindo-se uns aos outros, na medida

em que a concorrência entre os intérpretes está adstrita à interpretação regulada dos

textos normativos, decorrentes dos atos de força políticos balizadores da decisão

judicial.94

A racionalização dos discursos do direito sindical possui eficácia simbólica a

partir da lógica imposta pela exacerbação da forma, do direito formal, tendendo a

contaminar o conteúdo. O formalismo do ritual serve como verdadeiro standart

lingüístico de eficácia reconhecida e legitimada socialmente.

Quando permutados em embates lingüísticos decorrentes de argumentos

racionais, os conflitos inconciliáveis pressupõem a própria existência de um pessoal

especializado, instrumentadores de soluções socialmente reconhecidas como

imparciais, pois que definidas sob o manto de uma lógica coerente, racional e

independente de antagonismos imediatos.

Nesse contexto, a decisão judicial, compromisso político de exigências

inconciliáveis, apresenta uma síntese lógica da ambigüidade do Judiciário. O campo

94 Cf. BOURDIER, Pierre. op. cit. p.15.

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do Direito face ao positivismo jurídico está a serviço do poder que, embora

aparentemente neutro, reveste-se de uma politização disfarçada decorrente da

linguagem.95

Em específico ao Direito do Trabalho e às relações sindicais, cabe ressalva

no sentido de que a vulgarização do conhecimento jurídico trabalhista não possui o

condão de elo entre os leigos e o discurso de técnica, o qual, impelido pela lógica da

concorrência conserva-se como monopólio sobre a cientificidade da interpretação

legítima como reação à desvalorização dessa disciplina no campo jurídico.

A transparência estruturante de uma plataforma simbólica de linguagem, de

uma ordem de sentido clássica, identifica o instituto separando-o do todo, o que

também ocorre no Direito do Trabalho e, em especial, com as regras pertinentes ao

sindicato enquanto instrumento coletivo dotado de legitimidade negocial.

De início, releve-se o reconhecimento de que o Direito Coletivo do Trabalho é

normatizado com ênfase à organização e contenção do discurso social.96 As

reivindicações coletivas são universalizadas a partir da imposição dos valores e

costumes derivados da identidade simbólica com o interesse constituído.97

Uma bandeira, um ideal, só torna-se universalizável na medida em que

transforma-se em um discurso passível de positivação social. O conteúdo normativo

importa, pois explica a imposição de práticas às massas, influencia a atribuição de

valores (os costumes) e até mesmo de vontades do Estado dominante; este, por sua

vez, atende aos anseios de uma política econômica industriária.

95 Cf. BOURDIER, Pierre. op. cit. p.15.96 AROUCA, José Carlos. Repensando o sindicato. São Paulo: LTr, 1998. p.442: sobre a questãodo regime corporativista, o autor entende ficar “claro que numa concepção de Estado Corporativista, osindicato, necessariamente é considerado como seu colaborador, como, aliás, todas as organizaçõessociais.”97 VIANNA, Luiz Werneck. op. cit. p.6: no que se refere aos interesses do Estado e da representaçãocoletiva, este autor entende que “desde os primeiros dias, o pensamento revolucionário sempreproclamou o firme propósito de chamar o sindicato para junto do Estado, tirando-o da penumbra davida privada, em que vivia, para as responsabilidades da vida pública.”

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É necessário o entendimento de que os valores anárquicos manifestos como

contra-poder, em reação à exploração do trabalhador, só é negociável se

considerados como positiváveis98, passíveis de delimitação, negociação e inserção

no corpo das normas de direito autônomo.

Os operadores sindicais têm papéis importantes nesse contexto de discurso

simbólico de poder, na medida em que se conduzirem, no sentido da detenção do

monopólio do conhecimento dos limites, efeitos e operabilidade da carta sindical

frente aos representantes das categorias econômicas.

A consciência é derivada de uma análise de depuração lógica do contexto a

que o conjunto das circunstâncias sócio-econômicas conduz o aparato ideológico

dos sindicatos, e aponta para a redefinição da posição dos agentes sindicais frente

aos fatos sociais.

Nesse novo ambiente circunstancial de normatização estatal, os sindicatos

trazem as aspirações do proletariado ao universo lingüístico simbólico dos

representantes do capital.

O que se presencia é a transformação da luta de classes em uma verdadeira

luta simbólica; é a força física e material sendo transmutada simbolicamente, em luta

normativa, mediante a regulamentação institucionalista da era Vargas.99

2.1 O movimento operário: 1930 a 1946

Inicialmente, para um maior aprofundamento na análise da ideologia e da

repressão aos movimentos sindicais no período de corporativização, torna-se

98 Entende-se como Direito Positivo aquele com delimitação objetiva no texto normativo.99 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2006. p.110: vide o Decreto Lei n.º 19.770/1931 que, segundoeste autor, “cria uma estrutura sindical oficial, baseada no sindicato único (embora não obrigatório),submetido ao reconhecimento pelo Estado e compreendido como órgão colaborador deste.”

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necessário um estudo do contexto sócio-econômico precedente deste período

histórico.

O movimento sindical brasileiro surge num Estado marcado por

conseqüências do capitalismo atrasado e por estruturas patriarcais e clientelistas

históricas, que delimitaram os contornos das bases sob as quais o populismo100,

derivado do modelo de transição sem rupturas, haveria de erguer-se.

Ressalte-se que, como já explicado, o movimento sindical no início do século

XX era livre e dotado de certa autonomia. O Estado brasileiro alinhava-se com o

modelo liberal de gestão pública, mas a questão social, entretanto, era tratada como

caso de polícia.

É fato que no momento em que a redefinição da posição do Estado tornou-se

imperativa frente as novas demandas do capital101, a questão social avultou-se e a

necessidade de sua regulação tornou-se evidente. O modelo de gestão

corporativista102 haveria de ser implementado, sistema este em que, de acordo com

Kenneth Paul Erickson, “...a ênfase principal não é dada à liberdade do indivíduo,

mas sim a seu papel produtivo na sociedade.”103

100 WEFFORT, Francisco. O populismo na política brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.p.35-36: para o referido autor o termo populismo significa um fenômeno de participação política dasclasses populares urbana, “...particularmente naquelas cidades de maior ritmo de crescimento, maisfortemente atingida pelo desenvolvimento industrial e pelas migrações.”101 FAUSTO, Boris. op. cit. p.111: este autor entende o “facismo brasileiro, nosso, com intuito defortalecer a unidade pátria, satisfeita a representação de classes a que tende o socialismo moderno.”102 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.67: expõe o autor que “...o Estado Novo presidiu à fixação dosprimeiros salários mínimos. Ao mesmo tempo, o Ministério do Trabalho criava o aparelho sindicalcontrolado pelo governo, que se tornou importante instrumento da intervenção do Estado na políticasalarial.”103 ERICKSON, Kenneth Paul. Sindicalismo no processo político no Brasil. São Paulo: Brasiliense,1979. p.14.

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Vale aqui ressaltar que Getúlio Vargas104 desenvolveu o Estado intervencionista

e adotou o modelo corporativista de gestão sindical, sob o argumento de que o Estado

só interveio porque os trabalhadores não foram capazes de se organizar entre si.

Uma das principais funções do modelo de burocratização e corporativização

da gestão sindical no Brasil foi assegurar a isenção do discurso político dos

trabalhadores, utilizando-se de um rígido controle ideológico dos movimentos

sindicais por parte do Estado intervencionista.105

2.2 O movimento operário: 1946 a 1984

Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a ditadura de Vargas tornou-se

insustentável politicamente106 e, sua deposição, inevitável. Contudo, mesmo após a

queda do regime varguista, muito pouco se modificou na estrutura do modelo

sindical. Na visão de Kenneth Paul Erickson, “...o sistema político brasileiro foi

apenas semicorporativista entre 1946 e 1964, pois combinou estruturas com

instituições representativas de um Estado democrático e liberal.”107

Nos anos subseqüentes à deposição Vargas, o modelo sindical corporativista

foi mantido íntegro; permanecendo assentado, ainda, sob suas três vigas mestras: o

Sindicato, a Justiça do Trabalho e o Sistema Previdenciário. Nesse sentido, Marcelo

Badaró Matos explica que “várias Instituições, mecanismos e propostas do Estado

104 FAUSTO, Boris. op. cit. p.49: acredita este autor que se o desenvolvimento industrial não foi oobjetivo da prática política de Vargas, entre 1930-1937, isso não significa que o Estado tenha adotadouma linha contrária aos interesses da burguesia industrial.105 FRENCH, John D. op. cit. p.13: nesse sentido, o autor explica que “a CLT estabelece, porexemplo, as regras para criação das organizações de classe de empregadores, empregados,profissionais liberais e autônomos.”106 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.72: para o autor, “os brasileiros tinham se dado conta da anomaliade lutar pela democracia no exterior, enquanto persistia uma ditadura em seu próprio país.”107 Cf. ERICKSON, Kenneth Paul. op. cit. p.14.

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Novo resistiram ao período de redemocratização de 1945 - 1964. Mas, a mais

significativa [...] foi a estrutura sindical.”108

O general Dutra, presidente eleito democraticamente, exprimia flagrante

proposta de continuidade do estilo adotado no regime varguista; porém, sem as

características autoritárias. Thomas Skidmore explica que “sua campanha era

discreta e dirigida a capitalizar o apoio da rede política dos situacionistas, antigos e

novos herdados de Vargas.”109

O general Dutra mostrou-se tranqüilamente apolítico no início de seu mandato

e, de acordo com Thomas Skidmore, “...gozou de uma lua-de-mel política durante o

seu primeiro ano, quando a UDN cooperou com o seu governo nas tarefas imediatas

de reconstrução do pós-guerra.”110

No período de redemocratização, o movimento sindical intensificou-se, apesar

da reminiscência do uso de institutos destinados ao enfraquecimento dos

movimentos sociais como forma de repressão.

No evidente afã democrático, sobretudo quando o popular ex-ditador Getúlio

Vargas rompeu publicamente contra o governo, as greves e a intensificação das

atividades sindicais e partidárias tiveram resposta imediata: um claro endurecimento

das relações do Estado com os entes de representação coletiva dos trabalhadores,

a partir da repressão governamental ao movimento social.111

A democracia, em 1946, trouxe consigo, um período de grande agitação

social. A liberdade e a autonomia sindical intensificaram-se enquanto institutos de

108 MATOS, Marcelo Badaró. O sindicalismo brasileiro após 1930. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2003. p.25.109 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.89.110 Ibidem, p.91.111 Ibidem, p.93: expõe o autor que “defrontando com essa crescente força, o governo de Dutra decidiuusar a repressão.”

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Direito.112 A intervenção do Ministério do Trabalho estava restringida, embora

latente.113

Uma das principais funções do modelo de burocratização e corporativização

da gestão sindical no Brasil foi assegurar a isenção do discurso político dos

trabalhadores, por meio de um rígido controle ideológico dos movimentos sindicais

por parte do Estado intervencionista.114

Contudo, sucedendo Dutra, Vargas retorna democraticamente à Presidência

da República em 1951, deparando-se o ex-ditador com um país diferente daquele

que havia governado.

A sociedade havia se transformado e apresentava uma estrutura de classes

nitidamente diferenciada115, sem que alcançasse, segundo Thomas Skidmore, a

“...auto-consciência capaz de produzir uma política aguda de ‘orientação de

classes’.”116

Em sua nova gestão, Getúlio Vargas subestimou o poder da classe média, em

que pese o relevante papel que desempenhou em sua eleição de 1950. Em 1953, o

descontentamento da classe média projetou-se politicamente com a eleição

inusitada do professor Jânio Quadros117 para a prefeitura de São Paulo. A crise

política enfrentada por Vargas culminou no suicídio do presidente em 24 de agosto

de 1954.

112 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2006. p.1362: o autor explica que “na verdade, o conjuntodo modelo justrabalhista oriundo entre 1930 e 1945 é que se manteve quase intocado.”113 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.148: nesse sentido, coloca o autor que “depois de expurgar aliderança dos sindicatos trabalhistas, o governo de Dutra apenas explorou o controle do Ministério doTrabalho sobre a maquina sindical, de maneira a evitar a ‘inquietação’ operária.”114 FRENCH, John D. op. cit. p.13: sobre o assunto, o autor frisa que “a CLT estabelece, por exemplo,as regras para criação das organizações de classe de empregadores, empregados, profissionaisliberais e autônomos.”115 Cf. SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.111.116 Ibidem, p.111.117 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.154: explica o autor que Jânio Quadros “...estava capitalizando ainsatisfação da classe media diante do seu quinhão no desenvolvimento econômico brasileiro.Canalizava também o seu desejo de uma ordem política isenta de corrupção, na qual os direitos docidadão comum fossem iguais aos dos que possuíssem influencia ou dinheiro.”

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Imediatamente seguindo-se a Vargas, assume o vice-presidente Café Filho118,

que entrega a presidência a Carlos Luz, então presidente da Câmara dos

Deputados, como conseqüência de um ataque cardiovascular.

Após conturbado panorama político119, inicia-se a era Juscelino Kubitschek e

seu nacionalismo desenvolvimentista. Segundo Thomas Skidmore, “com a classe

trabalhadora, Kubitschek adotou uma política cautelosa de generosos aumentos

salariais e continuou com o controle governamental na estrutura sindical.”120

Jânio Quadros, que pode ser identificado como um líder anti-Vargas, assume

o poder e desempenha flagrante esforço voltado à reforma da estrutura sindical. O

autor retro citado explica que “esse esforço para transformar o legado paternalista do

getulismo, dentro da área de organização trabalhista, constituía a contrapartida do

ataque de Quadros à ineficiência do legado de Vargas no campo da administração

estatal.”121

Todavia, Jânio Quadros renunciou oito meses após o início do seu mandato,

cedendo às pressões sócio-políticas por ele chamadas de “forças terríveis”. Na

continuidade assume o poder João Goulart, sob forte oposição militar, mediante um

acordo pela instauração de uma república parlamentarista, mas diante de um quadro

de instabilidade institucional no governo “Jango” e sua eventual vitória no plebiscito

pelo presidencialismo.

O fundamento da instabilidade política do período pré-golpe está no fato de

que a estrutura corporativa de gestão sindical não mais funcionava nos padrões de

118 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.187: o autor resgata que “o Presidente Café Filho confessou que oseu governo não havia feito nenhuma tentativa para ser popular, mas pretendia apenas levar adianteuma série de medidas essenciais a curto prazo.”119 Ibidem, p.196: sobre o assunto, Skidmore acrescenta que “por outro lado, Lott e seus colegasgenerais não se esforçavam por provar suas suspeitas de um golpe iminente contra Kubitschek eGoulart.”120 Ibidem, p.210.121 Ibidem, p.233.

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controle institucional idealizado. Sobre o assunto, Kenneth Paul Erickson explica

que:

A participação popular se acelerou, enquanto se aprofundavam asdivisões entre as elites políticas, e alguns políticos transferiramcrescentes recursos políticos aos representantes das massastrabalhadores em troca de seu apoio.122

Houve um desmantelamento democrático da estrutura de controle estatal com

o surgimento de uma liderança popular de origem sindical, que defendia um conjunto

ideológico fragmentado e não mais sujeito à planificação de conteúdo e controle de

poder que o ius imperi estatal lhes impunha.

Foi esse contexto de reajustamento e legitimidade do poder sindical que

conduziu o presidente João Goulart à esquerda, o motivo do golpe militar123

orquestrado pela extrema direita, com o devido suporte estratégico do governo norte

americano124 e da Igreja Católica que, posteriormente no evoluir da história, sob

influência das alas progressistas, apoiou os movimentos sociais125 frente à

intensificação da repressão e perseguição política.

Uma fase de autoritarismo corporativista foi instaurada pelos militares nos

anos que sucederam o golpe. Institutos jurídicos foram reavivados e outros surgiram

para desestruturação ideológica e controle direto dos sindicatos pelos governos.

A Constituição de 1946 foi revogada pela de 1967, que passou pela Emenda

de 1969, Cartas essas que sofreram o influxo de diversos atos institucionais, todos

122 ERICKSON, Kenneth Paul. op. cit. p.17.123 Ibidem, p.18: sobre o assunto, o autor afirma que “foi esse poder que dirigiu Goulart para aesquerda, deflagrando a reação direitista que terminou com a tomada do poder pelos militares”.124 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.393: em que pese o autor defender a tese de inexistência decorrelação direta entre o Golpe de 64 e o governo norte americano, este mesmo estudioso assim semanifesta: “Parece claro, porém, que a embaixada norte-americana estava bem informada sobre osesforços dos conspiradores.”125 BOITO JÚNIOR, Armando; et al. Sindicalismo brasileiro nos anos 80. São Paulo: Paz e Terra,1991. p.14: nesse sentido, o autor explica que “ao avançar a transição democrática, estreitou-se aligação dos sindicalistas ‘autênticos’ com os setores progressistas da Igreja.”

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usados como legitimadores da ‘revolução’. No fundo, o conjunto de transformações

orquestradas pelos militares dirigia-se exclusivamente ao aniquilamento das contra-

elites potenciais. As posições dos Poderes Legislativo e Judiciário se relativizaram

em função da desproporção aviltante de equilíbrio a que o Executivo se auto-

proclamou.

O controle governamental sobre os sindicatos tornou-se extremado e líderes

sindicais, agora taxados de subversivos, eram perseguidos.126 O poder de

intervenção do Ministério do Trabalho foi aumentado e o Executivo Federal vetava

chapas e destituía diretorias de sindicatos.

O governo atingiu o controle das organizações sindicais, redefinindo seus

perfis e, consequentemente, aumentando seu controle sobre tais órgãos. Os

sindicalistas, escolhidos cuidadosamente pelos militares, eram obrigados a assinar

termos em que se comprometiam com o respeito à Constituição e às leis do país.

Uma vez redefinida normativamente a direção dos sindicatos, o governo

incentivou e incrementou sua função assistencialista.127 Passou-se, então, a

incentivar a sindicalização, já que o sistema sindical corporativo, burocratizado e

apolítico, firmava-se como verdadeiro braço do Estado dirigido à conformidade das

classes com a Lei e a Ordem.

O governo reestruturou a previdência social, retirando dos sindicatos seu

poder de ingerência sobre tão magníficos instrumentos de poupança pública.128

126 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2005. p.113: sobre essa questão, o autor manifesta-se daseguinte forma: “tudo isso sem falar na profunda repressão dirigida ao movimento sindical durante aditadura - que tinha o condão de silenciar esta importante fonte de apoio à efetividade do ramojustrabalhista.”127 MATOS, Marcelo Badaró. op. cit. p.57: o autor expõe que “esse lado assistencial dos sindicatos foifortalecido pela injeção de recursos do governo...”128 Entenda-se aqui uma referência para previdência enquanto elemento de poupança pública,pecúlio.

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Tais medidas intimidaram os trabalhadores que, em 1972, desenvolveram

técnicas de barganha fundadas não mais nos sindicatos - que, como órgãos do

Estado, sempre desencadeavam uma repressão drástica às iniciativas dos

trabalhadores -, mas fundadas nos comitês de fábrica. Tratava-se de um rearranjo

interno dos sindicatos no sentido da defesa dos interesses da classe. Buscava-se

um afastamento da legalidade institucional como via fundamental para a defesa de

direitos trabalhistas.129

Os sindicalistas da época perceberam que seria muito mais vantajoso a

contratação coletiva, via comitê de fábrica, que a negociação em ampla escala para

toda a categoria com o intermédio do Estado – que sub-rogava-se à função de

sindicato. Surge, então, o que pode-se denominar difusão embrionária dos institutos

inerentes à contratação coletiva.

O que aconteceu nesse período da história brasileira, no âmbito das

relações sindicais, foi o acirramento das questões lançadas pelo Estado Novo,

só que reestruturadas sob o prisma de um governo militar autoritário.

A repressão dos militares se deu com base no instrumental já disponível ao

controle das massas e da questão social. Houveram alguns aperfeiçoamentos, mas

a base jurídico-institucional do sistema já estava lançada há muito tempo, desde a

era Vargas.

Tais institutos remanesceram latentes, mesmo enquanto o Estado

encontrava-se sob o comando de seu instituidor, bem como no período democrático

antecedente. O que havia, na verdade, era a ausência de força e legitimação para a

sua implementação - o que não faltava aos militares.

129 ERICKSON, Kenneth Paul. op. cit. p.225: nesse sentido, o autor explica que “...a ascensão doscomitês de fábricas nos anos 70 como evidência de que os trabalhadores começaram a se organizarde maneira autônoma, esperam que esses possam se livrar do controle estatal.”

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2.3 A estabilidade dos legalismos humanistas da CLT e a subversão da lógicasindical remanescente na Constituição de 1988

A análise sob a égide da inversão da lógica sindical do humanismo celetista é

crucial para a compreensão do modelo de gestão social que se orquestrou

subseqüentemente à ditadura de Vargas. Como visto anteriormente, o modelo de

evolução histórica do capital no Brasil pouco se afinava às clássicas revoluções e

choques de classe.Tenha-se em mente a mudança da liderança política, resultante

da ascensão de Vargas à presidência, pois, de acordo com Thomas Skidmore, “...a

revolução pode ter parecido apenas mais um capítulo na história das lutas entre as

elites em lenta transformação, que dominaram a política do Brasil desde a

independência, em 1822.”130

Getúlio Vargas desenvolveu a idéia de “ameaça à unidade pátria”131, conduzindo

o país a um “regime forte, de paz, Justiça e de trabalho”132, sob o apoio das forças

armadas, aliada à desorganização, desmoralização e debilitação da oposição, por

meio de considerável centralização de poderes na esfera administrativa federal.133

Após a ditadura de Vargas, observa-se no Brasil um parco período de

democracia, inclusive com o retorno pela via democrática do próprio Getúlio, em

1954. Grandes obras públicas foram executadas: a urbanização, o crescimento

econômico e a mudança da matriz de transportes da ferrovia para as rodovias foram

financiadas mediante endividamento público134, o que contribuiu para o acirramento

da concentração de rendas, sempre em benefício das elites dominantes.

130 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.25.131 Ibidem, p.50.132 Ibidem, p.50.133 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.55: este autor explica que “...Vargas transformou as relações entre opoder federal e estadual e, com isso, aproximou muito mais o Brasil de um governo verdadeiramentenacional.”134 Cf. ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.76.

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É importante ressaltar que à época imperava o discurso de cunho

desenvolvimentista; convidativo das classes mais humildes aos benefícios da vida

moderna, desde que, para isso, fosse empregado o trabalho sério e honesto.135

O culto ao nacionalismo, a manipulação dos veículos de comunicação de massa

e o discurso desenvolvimentista conduziram o regime democrático a não mais do

que a reafirmação dos valores das elites detentoras do poder simbólico de controle

social. Os valores do populismo mantiveram-se estáticos nesse parco período da

história democrática brasileira.136

A instabilidade, decorrente do crescente avultamento da questão social e do

medo da bolcheviquização137 por parte do governo de João Goulart, trouxe os

militares ao poder em 1964, através de um golpe militar, conduzindo a nação a um

período de violência política.

Os militares138 mantiveram o modelo desenvolvimentista fundado no

crescimento econômico pela via do endividamento público, sendo os levantes

sociais reprimidos com o uso de força, com prisões, torturas e assassinatos.

Não havia porque modificar o discurso de subversão lógica dos movimentos

operários. Ao discurso simbólico de dominação e controle sindical, os militares

aliaram a força bruta legitimada pelo regime de exceção que perdurou até a

promulgação da Constituição de 1988.

135 O discurso da modernidade pode ser reconhecido no slogan do Governo JK: ‘Cinqüenta anos emcinco.’136 MELLO, Celso Bandeira de. Curso de direito administrativo. São Paulo: Malheiros, 2005. p.81: oautor, embora não fosse esse o seu objeto de estudo, comenta em nota de rodapé que, nos quaseduzentos anos de independência, o Brasil não passou por mais do que 30 de democracia política,sendo que democracia social jamais se operou nesta sociedade.137 Termo histórico mencionado por Ricardo Antunes.138 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2005. p.113: o autor afirma textualmente que “efetivamente,náo só se verifica, desde 1964, a instauração de um regime político autoritário assumidamenteimpermeável a qualquer política pública sistematizada de inclusão social...”

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O sindicato é instrumento social, de conteúdo democrático e representativo

de anseios categoriais, e a continuidade da ordem jurídico-normativa regentes do

modelo sindical139, enfraquecendo politicamente a representação coletiva numa

estrutura sindical ligada ao Estado, remanesceram vigentes e com forte

concentração autoritária por parte do Estado.140

Na Constituição da República Federativa do Brasil de 1988, remanescem

algumas contradições em termos trabalhistas, oriundas dos tempos de forte

autoritarismo pelo qual o país historicamente passou. Apesar da reminiscência de

institutos de origem autoritária no nosso modelo Constitucional de 1988, há uma

diferença de contexto entre os institutos totalitários de desagregação dos

movimentos operários vigente na Constituição de 1937, desejada pelo Estado e fruto

da concepção autoritária que se pretendeu infundir no movimento sindical.

Os institutos remanescentes do autoritarismo na Constituição 1988 não

restaram consubstanciados na Carta Magna como imposição do Estado, mas uma

questão de preferência de relacionamento entre os próprios sindicatos, após livre e

democrático diálogo.141 O discurso do capital incutiu nas lideranças políticas da

Assembléia Nacional Constituinte a semente do conservadorismo como discurso

incidente para uma eventual transição negociada de regimes, já que a democracia,

139 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.63: para este autor, a estrutura sindical encontra-se“...orientadasob controle cerrado do Ministério do Trabalho, fornecendo dessa forma ao governo uma importantefonte de influência na economia urbana, bem como um grande instrumento de empreguismo paraconverter adversários em potencial em clientes políticos.”140 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2005. p.112: nesse sentido, expõe o autor que “...mesmo noperíodo em que o direito do trabalho erigiu-se com inequívoca política pública oficial – entre os anos30 a 1964 -, mesmo nesta época o Estado cuidou de não permitir a efetiva generalização desse ramojurídico especializado, deixando-o cuidadosamente segregado a um pequeno segmento do mundo dotrabalho.”141 BASTOS, Celso Ribeiro. Curso de direito constitucional. São Paulo: Saraiva, 2001. p.547: Nessesentido Celso Ribeiro Bastos quando faz comentários aos dispositivos sindicais componentes do art. 8ºConstituição Federal, afirmando: “Foi uma pena que o constituinte não se tivesse alçado acima dosinteresses incrustados nas estruturas vigentes, para descortinar o bem comum, mais especificamente odas classes trabalhadoras,...Preferiu ficar com o velho modelo implantado pela constituição de 1937 edelineado no Decreto-lei 1.402 de 1939.”

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ainda que tardia e bem vinda, representava um momento de transição para uma

circunstância política quase desreferencializada.

Na visão de Amauri Mascaro Nascimento:

Os trabalhos da Assembléia Nacional Constituinte e a convergênciade interesses comuns de empresários e sindicalistas em torno dealguns pontos, foram aprovadas propostas que redefiniram osistema, embora com indisfarçável caráter conservador, de modo aquestionar-se mesmo o grau de modificações introduzidas e se foramde alguma forma adequadas. Mas é certo que maior é a autonomiaatribuída à organização sindical em face do Estado.142

142 NASCIMENTO, Amauri Mascaro. Direito sindical. São Paulo: LTr, 1982. p.225.

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3 AS CRISES DO MODELO DE ACUMULAÇÃO ECONÔMICA E SEUS REFLEXOSNO DISCURSO DE AGREGAÇÃO TRABALHISTA

A humanidade no final do século XX, em especial o mundo ocidental, passa

por uma releitura do sistema de produção capitalista.

Após um período de acumulação de capitais, o modelo fordista143 e o ideário

keynesiano144 das décadas de 1950 e 1960, passou a dar sinais de um quadro

crítico. A tendência decrescente das taxas de retorno e lucratividade, aliadas ao

excesso de produção, eram indícios do esgotamento do padrão de acumulação

taylorista/fordista145 de produção.

A crise do Welfare State, o choque capitalista de 1973 com a crise do

petróleo, e a intensificação das lutas sociais, foram fatores que, em conjunto, numa

espécie de espiral viciosa, conduziram à desvalorização do dólar americano

impulsionando a chamada “crise estrutural do capital”.

Nesse ambiente de reestruturação do modelo ocidental de acumulação

econômica, uma enorme gama de transformações sócio-históricas e o próprio

discurso do capital empenham-se na busca de alternativas de variantes ao padrão

de acumulação decadente; o capitalismo remodela-se justamente nos momentos de

crise.146

143 HARVEY, David. Condição pós moderna. São Paulo: Loyola, 1994. p.135.144 RÜDIGER, Dorothee Susanne. op. cit. p.68: nesse sentido, explana a autora, subsidiada em Keynes,que “o modelo de gestão pública preconizada por John Meynard Keynes pressupõe que o Estadomantenha um equilíbrio em suas finanças. Investimentos públicos feitos para retornar aos cofrespúblicos, o que com a crise prolongada que se instala na economia mundial, já a partir dos anos 60, nãoocorre.”145 Entenda-se por taylorismo, derivado de Frederick Taylor, um engenheiro norte americano quedesenvolveu um conjunto de teorias para aumento da produtividade do trabalho consistente nasimplificação da produção a partir da descrição e manualização das operações produtivas. Já o termofordismo refere-se a Henry Ford, que desenvolveu de métodos de racionalização da produção,enquanto conjunto, aprimorando a aplicabilidade do pensamento de Taylor e seu modelo dedesenvolvimento de produtividade.146 Cf. CARELLI, Rodrigo Lacerda. Terceirização como intermediação de mão-de-obra. Rio deJaneiro: Renovar, 2002. p.44.

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Um amplo processo de reestruturação do capital, tendo por objeto a

recuperação econômica, afetou fortemente os discursos sobre o ambiente de

trabalho. Alterações importantes sobre os eixos de formação dos interesses comuns

de organização da classe trabalhadora se deu por recorrente.

O modelo de produção taylorista/fordista147 da grande indústria do século XX,

particularmente a partir de seu segundo quartel, mostra-se em decadência. O próprio

discurso do racionalismo democrático e das relações de poder e produção da

sociedade ocidental acopla-se aos ruídos da reforma de modelo econômico,

enquanto elemento de materialização da produção massificada.

Verifica-se, nesse passo, o reconhecimento do discurso fordista incidente

sobre modelo de exploração racional da mão-de-obra que, no limite de suas

potencialidades, sofria tensões de reconstrução.148

O próprio discurso da racionalização verticalizada, tendente à uniformidade e

padronização rotinizada de disciplina heterônoma e fracionária, base do sucesso de

desenvolvimento do capitalismo corporativo, encontra-se nesse ambiente de

dispersão comunicativa adversa, tendendo à implosão no modelo de exploração na

base de estrutura: própria mão-de-obra. Ricardo Antunes explica que “esse padrão

produtivo estruturou-se com base no trabalho parcelar e fragmentado.”149

O fordismo tornou-se menos produtivo a partir da sua incapacidade de

agregação dos interesses incidentes manifestos sobre sua base de produção. A

heteronomia da “gerência científica”150 desencadeia uma necessidade de

147 RÜDIGER, Dorothee Susanne. op. cit. p.69: a autora argumenta que o “fundo histórico do quadropolítico da sociedade no século XXI são as ‘mudanças no regime de acumulação’.”148 RÜDIGER, Dorothee Susanne. op. cit. p.69: interessante a posição da autora ao afirmar que“estados nacionais e empresas submetem-se à lógica de um mercado financeiro globalizado eextremamente volátil. [...] essa lógica do mercado financeiro vai afetar também a organização dasempresas, pois sob pena de perderem seus investidores, elas são obrigadas a se adaptarem a essemercado desregulado, flexível e, principalmente globalizado.”149 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.37.150 Cf. HARVEY, David. op. cit. p.130.

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reestruturação do modo de regulação do trabalho.151 O acirramento do embate

comunicativo entre o capital e o trabalhador cria um ruído comunicativo de difícil

superação, fundado na rigidez da racionalidade do padrão de gerenciamento de

mão-de-obra152 tendente à alienação.

Diante de sua inaptidão racional em fornecer respostas à crise estrutural, o

discurso do capital buscou a reorganização de seu poderio simbólico em termos de

discurso capitalista incidente sobre a base da produção; mas, também, buscando a

gestão da recuperação de sua hegemonia nas diversas esferas da sociabilidade.153

3.1 A dispersão do modelo de produção toyotista: ruptura do modelo derepresentação coletiva

O avanço do capital se deu pela constituição de formas de acumulação

flexível154 enquanto modelo alternativo adequado aos limites do novo contexto de

reestruturação produtiva. Assim, o toyotismo155 assume e desenvolve novas práticas

gerenciais e empregatícias adotando o sistema de terceirização e novos métodos

151 CARELLI, Rodrigo Lacerda. op. cit. p.46: nesse sentido, o autor leciona que diante “do exposto,podemos observar que três pontos são principais: a queda da lucratividade, a saturação dosmercados nacionais e, conseqüência destes dois primeiros fatores, a pressão em cima do mais fracopara a tentativa de recuperação de lucros.”152 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.31: este autor explica que “como resposta à sua própria crise,iniciou-se um processo de reorganização do capital e de seu sistema ideológico e político dedominação, cujos contornos mais evidentes foram o advento do neoliberalismo, com a privatização doEstado, a desregulamentação dos direitos do trabalho e a desmontagem do setor produtivo estatal,da qual a era Thatcher-Reagan foi a expressão mais forte; a isso se seguiu também um intensoprocesso de reestruturação da produção e do trabalho, com vistas a dotar o capital do instrumentalnecessário para tentar repor os patamares de expansão anteriores.”153 Ibidem, p.48: expõe o autor que isso foi feito “...por exemplo, no plano ideológico, por meio doculto de um subjetivismo e de um ideário fragmentador que faz apologia ao individualismoexacerbado contra as formas de solidariedade e de atuação coletiva e social.” (Antunes, 2002, p. 48).154 CARELLI, Rodrigo Lacerda. op. cit. p.47: o autor defende a rigidez como o principal problema domodelo fordista de produção, afirmando que “todos esses tipos de rigidez impediam o crescimento docapital, gerando uma contra-revolução deste pela busca de flexibilidade.”155 RÜDIGER, Dorothee Susanne. op. cit. p.69: a autora define o Toyotismo textualmente da seguinteforma: “podemos caracterizar o toyotismo pelos seguintes aspectos: a produção é feita após aobservação do mercado, quase que sob encomenda. Esse método, chamado ‘Kanban’, foi usado nossupermercados norte-americanos já nos anos 50 e consiste na reposição dos estoques apenas apósa venda do produto. A organização do trabalho conta com um núcleo de trabalhadores polivalentes ecom uma mão-de-obra que é contratada por empresas prestadoras de serviços ou fornecedoras depeça ‘just in time’, isto é, na hora em que os serviços se fazem necessários.”

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gerenciais de acumulação flexível156, tais como o just in time e o método kanban, que

tem por base o controle de qualidade total e o engajamento estimulado dos quadros

produtivos.157

A reconstrução dos discursos do capital pressupõe a análise da chamada

produção enxuta para o atendimento da eficiência produtiva crassa à eficácia de

mercado a que o produto está inserido.

Enquanto discurso dominante, o toyotismo emerge na medida em que parte

do pressuposto da lógica de mercado restrito, caracterizado pela intensa

concorrência e débil demanda interna. Por isso, tornou-se adequado em sua forma

de ser às condições do capitalismo mundial. Foi o desenvolvimento dos discursos de

integração capitalista que construiu os padrões de gestão da produção de

mercadoria, tal como o toyotismo.158

Esse é um período de mudanças dos discursos racionalistas sobre a estrutura

produtiva; uma fase de reestruturação do capital, sendo os aspectos mais decisivos

desta fase o aumento da flexibilidade em escala global, a mobilidade de capital e a

liberdade para a mercantilização de todas as esferas.

Rompem-se as fronteiras espaciais e sociais relativamente estruturadas

acerca do elo de interação pela concentração fabril, gerando-se uma

descentralização, não só da produção, mas, também, dos discursos de interação

social.

156 Cf. HARVEY, David. op. cit. p.166-169.157 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982: o autor explica que o just in time - estoque mínimo - significa oatendimento da demanda em tempo racionalizável à inexistência de estoques. E sobre a questão doKanban como um sistema de comando de reposição de estoque: a informações enquanto elementode precisão na constituição dos estoques.158 “A principal característica do novo regime de acumulação, presente em todos os seus aspectos,tanto na parte da produção industrial, gestão comercial ou organização do trabalho, é a troca darigidez pela solução mágica da flexibilidade. Com essa palavra definem-se todos os sonhos do atualcapitalismo, que deseja a qualquer custo a flexibilidade de tudo aquilo que o impede ou atrasa a suaobtenção de lucros.”

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A evidência da formação de um mercado de trabalho multiforme se configura

inafastável à exploração capitalista; o fundamento sobre qual a rede de exploração e

utilização de mão-de-obra se constrói no modelo Toyotista é a falta de proteção

social, decorrente do quadro estrutural do mercado de trabalho, o que facilita o

dumping social, ou seja, a concorrência dos próprios trabalhadores a partir de um

esvaziamento dos discursos comuns de resistência e a fragmentação das unidades

de produção.

Nesse contexto, os discursos de representação coletiva se perdem enquanto

elemento de agregação do interesse comum, pois o modelo de representação

sindical encontra-se precariamente arraigado numa espécie de clausura operacional

derivada do modelo de unicidade sindical exigida por lei, o qual impõe limites à

liberdade de representação de interesses coletivos.

Assim, está-se diante de uma reforma do modelo de acumulação econômica,

com reflexos diretos no mercado de trabalho, que impulsiona a criação de

verdadeiros subsistemas funcionais, representados a partir da adoção de práticas

progressistas de acumulação capitalista, estruturadas a partir do ruído comunicativo

derivado da incapacidade do direito oficial ao reconhecimento das ordens sócio-

laborais subsidiárias159, a partir da precarização do vínculo empregatício, pelo

trabalho informal e sem fixação jurídica.

159 Nessa linha, a terceirização trabalhista pode ser entendida como sendo uma estrutura sócio-laboral de produção subsidiária, inassimilável juridicamente; porém, estratificada no corpo dasociedade produtiva, que cria uma espécie de ignorância do fenômeno social por parte da ordemjurídica, a partir de sua incapacidade de interação com a dinâmica dos reflexos dos modelos deacumulação no âmbito social.

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3.2 O sindicato enquanto via de ligação social

A discussão em torno da interpretação dos fatos sociais autônomos, enquanto

fonte de Direito no contexto do paradoxo entre fragmento social e globalidade160, é

importante considerando-se que identifica na pulverização da mão-de-obra, na

dispersão das unidades produtivas e na desagregação política dos agentes sociais,

eventos comunicativos originando novos padrões de identidade social e relações

jurídicas via agregação coletiva pela base da politização do interesse comum.

Nesse sentido, aquele que se propõe à defesa dos interesses de grupos161

diversos e dispersos, mas que integram um mesmo processo produtivo, deve romper

com a estrutura tradicional burocrata-corporativa, positivista e regulada pelo Estado,

bem como engajar-se na luta pela análise juridicizada dos fatos sociais; deve lutar

pelo alinhamento dos grupos fragmentados à identidade com o discurso partilhado.

Nesse viés, o contexto do instrumentalismo abstrato e universal, o discurso

comum, desponta como elo entre os fragmentos sociais no conjunto da integração

global. A identidade de interesses de cunho econômico, jurídico ou social constitui-

se mais um dos discursos incidentes que, em acoplamento estrutural, integra os

eventos comunicativos.

A representação coletiva desses interesses necessita lançar-se pulverizada,

rompendo as fronteiras físicas da ordem positiva defasada. O discurso comum tem o

160 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.110: sobre o assunto, o autor afirma que “em suma: naglobalidade, os processos dominantes de formação de direito transferem-se de seus centros,politicamente institucionalizados no Estado nacional (legislativo e justiça), para a periferia do direito,para as fronteiras do direito com outros subsistemas globais.”161 VIANA, Marco Túlio. “A nova competência da Justiça do Trabalho no contexto da reforma sindical”.In: Revista do Tribunal Superior do Trabalho. Rio de Janeiro: Síntese, jan.-abr., 2005. p.170:detecta-se coerência nos argumentos do autor, ao afirmar que “o sindicato foi sempre o principalmotor do Direito do Trabalho, não só o construindo diretamente, mas também pressionando olegislador para fazê-lo e ao mesmo tempo aumentando a sua efetividade. Mesmo em países como onosso, o sindicato sentece presente desde o começo – tanto assim que a própria CLT buscavatambém esvaziá-lo.”

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dever de se deixar impregnar por uma leitura de conteúdo jurídico-político na análise

dos fatos, identificando valores morais e éticos comuns, além de promover a ligação

dos fragmentos sociais em crise de identidade funcional.

As entidades de representação coletiva e sindical não caminham à extinção,

nem encontram projeto de futuro no aniquilamento jurídico; necessitam, sim, de um

choque de inteligência funcional e redefinição ideológica. É preciso reconhecer na

adversidade do desenvolvimento global, os elementos para a consecução de seus

fins institucionais.

O instrumental formal para a defesa de interesses coletivos encontra-se

disponível e as antigas barreiras institucionais já foram transpostas.162 O

assentamento jurídico dos novos paradigmas de defesa coletiva hão de ser firmados

pela prática da gestão dos interesses coletivos.

162 GIGLIO, Wagner; CORRÊA, Cláudia Giglio Veltri. Direito processual do trabalho. São Paulo:Saraiva, 2005.p.416: sobre o assunto, os autores manifestam-se da seguinte forma: “além disso, alegitimidade ativa do Ministério Público para instaurar processo normativo, que a jurisprudência jávinha admitindo, foi alcançada a patamar constitucional pela redação dada ao § 3º do Art. 114 daCarta Magna pela Emenda n. 45/2004, embora com rígida limitação: apenas ‘em caso de greve ematividade essencial, com possibilidade de lesão do interesse público’.”

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4 A CRISE DA REPRESENTAÇÃO COLETIVA E A REDEFINIÇÃO FUNCIONALDOS ENTES DE REPRESENTAÇÃO SINDICAL NO BRASIL

Nesse novo contexto de integração de mercados, de mundialização das

relações sócio- econômicas, a função do sindicato enquanto agente de

transformação social se vê por profundamente modificado.163 O modelo clássico de

sindicalismo que, no fundo, não passava de um mero agente contratual com parcos

objetivos de defesa das condições de trabalho, não encontrava posição defensável.

Todo um conjunto de novas responsabilidades e desafios reclama mudança

de postura para a continuidade do atendimento de seus fins institucionais e o ente

de representação coletiva, nesse novo contexto global, tem a incumbência de

mediar a construção e defesa de todo um novo conjunto de interesses, advindos dos

fragmentos164 das classes representadas e do mundo do trabalho como um todo.

É nesse contexto paradoxal, entre a sociedade mundial e a fragmentação

local, que o ambiente de trabalho reclama radical mudança de postura por parte das

entidades de representação sindical, rumo à reflexividade.165

163 FARIA, José Eduardo. Direito e globalização econômica. São Paulo: Malheiros, 1998. p.85: oautor explica o sindicato enquanto centro de emanação de direito secundário dos subgrupos sociais eacredita que “não obstante, tais direitos ‘auxiliares’, secundários, têm-se mostrado excepcionalmenteúteis em relação aos limites do direito positivo estatal. Mais precisamente, os juristas logo se deramconta de que, de um lado eles são capazes de mapear e preencher as lacunas do direito positivo(efeito clausura normativo); e de outro eles podem mascarar e garantir a discricionaridade substantivado direito positivo em algumas questões decisivas (efeito de abertura cognitiva).”164 Ibidem, p.85: na questão que envolve a Teoria Gradualista do Direito, o autor entende que “porexemplo, segundo a chama teoria gradualista do direito, o direito positivo estatal ‘reconhece’ tanto aexistência de ordens sócio-jurídicas semi-autônomas quanto a validade de sua auto-regulação: [...].b) ao nível das normas, desde que elas possam auxiliar a garantir a eficácia e/ou a observância dasprovisões jurídicas que o direito positivo estatal considera como formais, gerais - e,consequentemente, ‘conhecidas’ - por definição.”165 Ibidem, p.91: entendendo como reflexividade o direito positivo capaz de reconhecer que não podemais definir as dimensões de estrutura e função dos subsistemas funcionais, o autor complementa daseguinte forma: “... – como também, e principalmente, que sua contribuição específica à‘complexidade social’ restringe-se a desempenhar a mera generalização de todas as auto-regulaçõesexistentes.”

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O modelo de gestão dos interesses da coletividade, identificada com o

processo produtivo, tem de avançar sobre a inversão lógica do sistema166 e

reconhecer que nos fatos sociais existe a incidência de discursos de base comum167,

além do que a leitura política desses eventos comunicativos serve de elo comum aos

diversos ambientes funcionais fragmentários.

O reconhecimento desses novos desafios hão de conduzir as entidades de

representação sindical á aceitação dessa nova realidade conjuntural, o que, por si

só, consubstancia-se no primeiro passo para que, no conjunto, o papel das

entidades representativas de anseios comuns, enquanto interlocutores sociais168,

redefina-se frente a tais mudanças no panorama específico das relações de

trabalho.

Os sindicatos continuam sendo agentes sociais que operam transformações

de resultado material no conjunto da sociedade: é ele, o sindicato, quem opera a

transformação da massa operária em categoria organizada.169

Uma mudança radical na postura dos entes de representação de interesses

coletivos obreiros há de ser implementada, mesmo porque os sindicatos têm de

evoluir no sentido do reconhecimento dos discursos comuns entre os diversos

segmentos que fragmentadamente atuam em conjunto no processo produtivo,

independentemente do conceito de categoria profissional, posto que o discurso

166 FRENCH, John D. op. cit. p.28: o autor desenvolve a tese da inversão da lógica sindical medianteimplementação de um patamar civilizatório normativo incompatível com a realidade dos agenteseconômicos.167 FARIA, José Eduardo. op. cit. ,1998. p.95: para este autor, “as meras expectativas normativasestritas já não podem mais salvaguardar os atores sociais da complexidade social e da contingência.”168 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.40: no que tange à idéia do sindicato enquanto interventorsensitivo, o autor coloca que “a força do sistema consiste em sua fraqueza: concede-se à própriadinâmica do sistema de maneira mais ampla possível a forma de sua construção. A modelagemconcentra-se na tarefa de identificar as chances de intervenção eficaz no sistema, considerando suascondições marginais.”169 MISAILIDIS, Mirta Gladys Lereno Manzo de. op. cit. p.36: a autora argumenta sobre ao assunto deforma coerente e reproduz Peres Botija, ao expor que “...a sindicalização do proletariado a passagemda condição de massa para a de classe.”

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comum é instrumento de reagregação das massas dispersas e de legitimação

funcional.

4.1 O reaparelhamento dos entes de representação coletiva para o enfrentamentodas mudanças

No conjunto das transformações sociais do trabalho, uma vez definida a

necessidade de reestruturação da representação coletiva em relação aos seus

próprios fins institucionais, o aumento dos instrumentos formais viabilizadores da

representação coletiva torna-se imperativo aos sindicatos.

O rompimento com os limites do direito posto170, requisito imprescindível para

a redefinição do papel das entidades de representação coletiva, necessita de um

reaparelhamento destinado a reafirmação de sua capacidade de identificação dos

interesses coletivos evidenciados pelos discursos comuns, componentes dos fatos

sociais.

A perfeita representação dos interesses dos trabalhadores dispersos nas

células de trabalho, nas quais as categorias profissionais encontram-se atualmente

submetidas171, reclama uma gama de instrumentos de processualística não adstritos

às anciãs barreiras positivistas do direito posto, da noção de categoria, de

empregado e dos próprios direitos individuais e coletivos dos trabalhadores

envolvidos.

170 FARIA, José Eduardo. op. cit., 1998. p.86: explica o autor que “...quanto mais o direito positivoestatal atuar sobre a sociedade, tanto mais fértil será o terreno para a criação das condições queimplicam o “declínio” técnico e operativo do direito positivo como meio “socialmente adequado” daregulação social.”171 Idem. O direito na economia globalizada. São Paulo: Malheiros, 2000. p.189: na visão desteautor, o ambiente fragmentário de trabalho é analisado enquanto parte de uma sociedade“...eminentemente sistêmico- funcionalista. Ou seja, Como uma grande sistema social integrado porsubsistemas ou sistemas parciais funcionalmente diferenciados, que operam por meio de estratégiasde variação... seleção...e de estabilização.”

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As massas sociais de trabalho que se encontram fragmentadas, espalhadas

em células autônomas e especialíssimas de trabalho, ainda assim possuem no

discurso de seu pólo-reflexo, de seu interlocutor e antagonista comunicativo, um

elemento chave para incidência do ponto comum, que não deixa de ser uma

distorção de análise do evento comunicativo, que é a linguagem comuns dos

interlocutores: o capital.

Nesse sentido, o discurso do capital incidente nos eventos sociais trabalhistas

é capaz de identificar no conjunto das células de trabalho um forte elo de incidência

intercomunicativa que, apesar de divisível e determinado, não deixa de ser um fato

comum; trata-se de discurso elementar incidente em todas as células de trabalho,

em todos os fragmentos da sociedade; um verdadeiro elemento de acoplamento

intercomunicativo disperso: a produção dirigida ao interesse do capital.

A representação coletiva de interesses, em especial a dos direitos individuais

homogêneos, avulta-se em importância na medida em que o reconhecimento do fato

comum torna-se elemento de reagregação da massa social disforme,

redimencionando-a em categoria a partir do interesse comum.

Nos últimos tempos, fica perceptível que a simples capacidade representativa

para fins de reajuste salarial - um dos discursos mais facilmente constatáveis no

mundo do trabalho - não mais atende à crescente necessidade de representação de

uma massa assimétrica com discursos de integração comuns.

O TST - Superior Tribunal do Trabalho, frente ao avultamento desproporcional

do número de demandas de cunho coletivo lato sensu, com sua vacilante

jurisprudência (elemento alternante de defesa do capital e, ao mesmo tempo, do

trabalhador), rompeu, já no contexto de avançada consolidação de nossas

instituições democráticas, com a idiossincrasia remanescente dos tempos do

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autoritarismo e do controle institucional dos sindicatos, reconhecendo-lhes a

plenitude do Direito Constitucional de ampla172 representação coletiva de interesses

dos grupos sociais envolvidos pelo evento comum: a partir da produção.

Os sindicatos são pessoas jurídicas que se dirigem a um fim institucional173: a

defesa dos interesses comuns de seus representados. Desde a promulgação da

Constituição Federal de 1988, o direito público subjetivo tornou-se a ampla

representação coletiva dos interesses daqueles que, identificados pelos interesses

comuns, assimilavam o conceito de categoria profissional. Tal direito, contudo,

encontrava óbice em uma interpretação jurisprudencial desfavorável ao

trabalhador.174

A ampla legitimação dos entes de representação coletiva para atuarem não só

na qualidade de substitutos processuais175, mas também como legitimados

extraordinários176, é o meio instrumental necessário à representação dos interesses

dos grupos sociais fragmentários; porém, entendidos como substratos de incidência

do discurso comum, elementar de reagregação superadora da crise de funcionalidade

da representação coletiva no contexto da globalidade.

172 NERI JÚNIOR, Nelson; NERY, Rosa Maria de Andrade. Código de processo civil comentado.São Paulo: Revistas dos Tribunais, 2003. p.171: os autores entendem que a leitura do art. 129, §1º,c/c art. 8º, III, ambos da Constituição Federal de 88, bem como a leitura em conjugada do art. 5º daLei de Ação Civil Pública e do art. 81 do Código de Defesa do Consumidor, consagram apossibilidade de representação ampla de defesa dos direitos e interesses coletivos, bem como osindividuais da categoria.173 MARTINS, Sérgio Pinto. Comentários à CLT. São Paulo: Atlas, 2004: em comentário ao art. 513da CLT, o autor afirma que “a principal função do sindicato é representar a categoria em juízo ouadministrativamente.”174 Trata-se do supramencionado enunciado 310, do Tribunal Superior do Trabalho.175 GIGLIO, Wagner; CORRÊA, Cláudia Giglio Veltri. op. cit. p.130/132: sobre o assunto, os autoresafirmam textualmente que “a substituição processual consiste numa legitimação anômala, numalegitimatio ad causam extraordinária em que, por exceção, alguém pleiteia direito alheio em nomepróprio.” Colocam, ainda, que “diversamente na substituição processual trabalhista o sindicato nãoatua em defesa de direito público, mas defende o interesse privado dos integrantes da categoria querepresenta.176 SARAIVA, Renato. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: Método, 2006. p.211:explica este autor que “o Supremo Tribunal Federal, no entanto, sempre concedeu uma interpretaçãoampliativa ao Art. 8º, III, da Carta Maior, no sentido de que aos sindicatos restou assegurada asubstituição processual geral e irrestrita, possuindo o mesmo legitimação extraordinária para agir emnome próprio na tutela dos interesses dos integrantes da categoria que representam.”

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4.2 A Emenda Constitucional n.º 45 e a solução dos conflitos coletivos detrabalho

A democracia brasileira, exercida pelo povo através de seus representantes,

propôs modificações na ordem normativa do Poder Judiciário frente às

transformações derivadas da pós-modernidade177, ao transtorno decorrente dos

ruídos sociais derivados da assunção conjunta de políticas neoliberais, aliadas à

fragmentação do ambiente de trabalho, em flagrante paradoxo à transnacionalização

do capital.

Publicada no Diário Oficial da União em 31/12/2004, a Emenda Constitucional

n.º 45 - EC 45 - reformou o Poder Judiciário brasileiro, criando a base fundamental

para eventuais transformações, que hão se operar em nível infraconstitucional,

visando não só a eficiência dos provimentos jurisdicionais, mas adequando e

munindo a sistemática judiciária nacional178 ao enfrentamento do conjunto de

transformações a que sociedade, em especial no âmbito das relações de trabalho e

inter-empresariais, encontra-se inserida.

Tal conjunto de modificações decorrentes da EC 45 visou, ao capital, uma

maior transparência, previsibilidade e celeridade nos provimentos e, ao cidadão,

fortaleceu-lhe as vias de solução não litigiosa de contendas, facilitando

significativamente a pacificação social pela via negociada.

Novos institutos foram criados e remodelados para a representação coletiva

dos interesses de grupos sociais; isso a partir de uma desconstrução institucional

177 HARVEY, David. op. cit. p.301: na visão do autor, o termo “pós-moderno” denota a falta dereferência da condição, em relação aos fatos históricos e à falta de perspectivas de futuro.178 HINZ, Henrique Macedo. op. cit. p.137: este autor entende que “partindo-se da necessáriadistinção entre direito material (conjunto de normas e princípios que regram as mais variadasrelações, atribuindo direitos, obrigações, prevendo o que é lícito e o que é ilícito e o que não é, etc.) edireito processual (conjunto de regras e princípios que pautam a atuação dos sujeitos no processo), éde ver que as alterações trazidas pela Emenda Constitucional n.45/2004 foram de ordem processual.

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chamada pelo professor Maurício Godinho Delgado de “contradições

antidemocráticas”179, remanescentes em nosso sistema jurídico democrático.

Em flagrante demonstração de reconhecimento das situações sociais

decorrentes da globalização, grandes transformações foram operadas e, em

especial, com relação a representação coletiva de interesses. Os sindicatos,

enquanto entes primários180 de representação coletiva, viram-se munidos de

instrumentos jurídico-normativos dirigidos à sua atividade precípua negocial,

instrumento democrático fundamental à conquista de direitos.

Atualmente, a representação coletiva de interesses está mais democrática,

conseqüência inevitável do fortalecimento da matriz negocial de solução de conflitos.

Institutos como o do dissídio coletivo de natureza econômica, o dissídio de natureza

jurídica, o próprio poder normativo da Justiça do Trabalho, o novo tratamento

principiológico do dissídio de greve, e a legitimação do Ministério Público do

Trabalho para sua propositura, são elementos sobre os quais grandes

transformações foram perpetradas.

A lógica institucional da solução de conflitos coletivos de trabalho passa por

reconstrução doutrinária e jurisprudencial a partir da rediscussão de seus limites

conceituais.

179 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2006. p.1354: o autor critica a remanescência de institutosde origem corporativa na nossa estrutura democrática de Direito criada a partir da constituição de 88.Contudo, seja esclarecido que a remanescência de tais institutos se deu pela via negociada,obedecendo aos trâmites democráticos de nosso sistema de direito vigente.180 OLIVEIRA VIANA. op. cit. p.10: o termo “primário” é usado aqui como forma de evidenciar quehistoricamente, a coletivização de representação de interesses se deu, inicialmente, no ambiente dotrabalho, conseqüência da super-exploração da mão-de-obra e da necessidade por parte doempresariado despontante, de regulação das demandas e reivindicações sociais.

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4.3 Os novos limites institucionais do dissídio coletivo de trabalho

A principiologia constitucional trabalhista no atual sistema, vigente desde

1988, sempre prestigiou a auto-composição das lides como forma fundamental de

solução de conflitos coletivos de trabalho.

Contudo, a sistemática negocial pré EC 45 possuía idiossincrasia sintomática

derivada de uma inversão da lógica181 sindical, expressa, sobretudo, nos institutos de

solução negociada de contendas.

O negócio iniciava-se sob a égide do Ministério do Trabalho (Art. 616, §1º c/c

Orientação Jurisprudencial n.º 24), Sessão de Dissídios Coletivos do Tribunal

Superior do Trabalho. Vencida essa etapa, sem a pacificação do litígio, passava-se à

faculdade do arbitramento; esta também não logrando êxito, servia de elemento

probatório da tentativa prévia de negociação coletiva, que era considerada condição

especial para instauração da instância de dissídio coletivo.

4.4 O poder normativo da Justiça do Trabalho

O dissídio coletivo era considerada atividade jurisdicional típica, marcada

fundamentalmente pela natureza arbitral obrigatória182 heterocompositiva, haja vista

ser o Estado considerado terceiro, independente das partes, o elemento chave na

solução da contenda.

181 FRENCH, John D. op. cit. p.28: o autor, embora não fosse o objetivo primordial em sua obra“Afogados em leis”, trabalha a tese da inversão institucional da lógica sindical. Também entende quea sistemática de nossa legislação trabalhista foi montada como parte integrante de um ideáriocontrolador, corporativista, que regula o movimento das massas proletárias, atendendo aos interessesdo capital.182 HINZ, Henrique Macedo. op. cit. p.127: segundo este autor, “o Brasil prevê, em sede constitucional(art. 114, §2° da CF), a arbitragem obrigatória (heterocomposição) para a solução de conflitoscoletivos de trabalho que sejam submetidos ao Judiciário Laboral.”

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Com a premissa normativa, a Justiça do Trabalho operava no vácuo

normativo com seus argumentos de aparente isenção183 do discurso da magistratura

trabalhista de segundo grau, disposições convencionais e legais mínimas de

proteção ao trabalho destinadas ao abrandamento das tensões da resistência

patronal às reivindicações operárias.184

Novos contornos foram traçados à possibilidade de incidência do instituto nos

embates trabalhistas concretos. Mantiveram-se intocadas as disposições atinentes à

regulação subsidiária do instituto na espécie econômica, que impõe respeito às

normas cogentes de ordem pública e às disposições negociadas anteriormente.

Nova condição especial, contudo, à instauração da instância foi disposta na

EC 45, que se consubstancia na necessidade de comum acordo entre os entes

coletivos em conflito. Agora, além da tentativa prévia de negociação, da recusa de

qualquer das partes ao instituto da arbitragem (que não é obrigatória), ainda sim, é

necessária manifestação anterior expressa para a propositura da ação. Nesse

sentido, Henrique Macedo Hinz explica que “atualmente, além do esgotamento do

processo negocial, exige o aludido dispositivo legal para a propositura do dissídio a

concordância da parte contrária.”185

183 DWORKIN, Ronald. O império do direito. São Paulo: Martins Fontes, 1999. p.43: o autor defendeque a dimensão dos argumentos da magistratura se politizam na medida em que a dimensãoconflitante dos conceitos jurídicos, componentes do discurso decisório, é aberta, suscetível desubjetividade e influências alheias ao universo exclusivo do direito positivo, já que ”...sua idéiafundamental de que a verdade das proposições jurídicas depende essencialmente de padrõesconvencionais de reconhecimento conquistou um amplo assentimento.”184 HINZ, Henrique Macedo. op. cit. p.127: o autor conceitua o poder normativo trabalhista “...como opoder constitucionalmente conferido aos tribunais trabalhistas para executar uma atividadejurisdicional, dirimirem os conflitos laborais mediante o estabelecimento de novas condições detrabalho, respeitadas as garantias mínimas já previstas em lei.”185 Ibidem, p.142.

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Discorda-se, porém, em sede doutrinária da prática recente, expressa nas

palavras do Presidente do Tribunal Regional do Trabalho de Minas Gerais186, ao

explicar que:

[...] no TRT mineiro, não estamos extinguindo, por despachomonocrático, ante a ausência de possível pressuposto processual,qualquer dissídio coletivo de natureza econômica, pela falta do citadocomum acordo, deixando assim que a matéria vá sempre a crivo daseção especializada de dissídios coletivos do Tribunal, para o seudevido exame e com o julgamento comportando os recursos própriospara poder ser efetivamente pacificada a discussão.

O princípio constitucional processual do comum acordo não pode receber

interpretação com extensão tal que lance letra constitucional auto aplicável,

impositiva, ao vazio da mera faculdade eletiva dos litigantes, especialmente se

considerado enquanto via desencorajadora das soluções auto-compositivas dos

conflitos coletivos de trabalho.187

No caso, trata-se de princípio constitucional tendente ao afastamento da

inversão lógica do sistema, no qual a inércia dos negociadores colimava na

construção de regras marcadas pela isenção objetiva, mas impregnadas de

conteúdo político contextualizado nas demandas setoriais dos agentes econômicos.

Não se trata da defesa da petição conjunta, no sentido literal do termo, mas

da evidência clara do mútuo acordo para o cabimento da instância. Tal intento

pode ser conseguido ainda na mesa redonda no Ministério do Trabalho, por acordo

186 Márcio Ribeiro do Valle é o atual juiz do TRT-MG e autor do artigo “Dissídio Coletivo - EC 45 -inexistência de óbice ao exercício do direito de ação”, publicado na Revista do TST, IOB, em 2005.187 LEITE, Carlos Henrique Bezerra. Curso de direito processual do trabalho. São Paulo: LTr,2005. p.804: o autor afirma que “entre os inúmeros fundamentos que empolgam essa afirmação,podemos destacar a opinião corrente de que a função anômala do Poder Normativo da Justiça doTrabalho, como criador de normas heterônomas gerais e abstratas aplicáveis às categoriasprofissionais e econômicas e que produzirão efeitos nas relações individuais de trabalho, inibe oudesencoraja a desejável solução democrática da auto-composição dos conflitos coletivos adotada emquase todas as democracias contemporâneas.”

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celebrado junto ao Ministério Público do Trabalho - MPT - ou por declaração

expressa registrada em cartório de registro de títulos e documentos ou, ainda, no

caso extremo, de acordo extrajudicial com eficácia executiva, obedecidos os

requisitos do Artigo 585 do Código de Processo Civil brasileiro.

A falta do comum acordo deve ser analisada de plano pelo juiz ou, ainda, pelo

escrivão da secretaria, responsável pela verificação dos requisitos de regularidade

formal do processo, quando da execução dos atos expediente, antes de determinar

a citação.

Portanto, a tentativa prévia de negociação, enquanto procedimento especial e

condição específica para a propositura da ação, soma-se agora ao comum acordo,

que deve ser expresso, o que em momento algum exclui da apreciação do Judiciário

a análise da demanda, mas, mormente, a condiciona como requisito especial.

Quanto aos processos recebidos e processados sem o comum acordo, tem-

se que estes estão viciados por irregularidade formal, cabendo às partes coletivas, a

qualquer dos representados, e ao Ministério Público do Trabalho, a propositura das

querelas nulitatis para cada caso.

No que tange ao dissídio de natureza jurídica, tem-se que a esta modalidade

de exercício do poder normativo não restou modificação aparente, dada a

peculiaridade de seu objeto, a cuja incidência de conteúdo de lógica reversa opera

em menor escala, posto necessidade de instrumento negocial anterior ou, ainda,

norma cogente inafastável. A tentativa prévia de negociação e o comum acordo não

se colocam como anteposto processual nesta instância, seja como condição ou

pressuposto.

No que tange ao dissídio de greve, aduz-se que modificação relevante

também não se operou nesse instituto. O MPT passou a ter legitimidade em nível

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principiológico para a propositura de tal instância, contingenciada à defesa da ordem

jurídica ou ao interesse público, o que, na prática, não trouxe modificação

significativa ao instituto.188

Ainda em relação ao dissídio coletivo de greve, fica de fácil percepção que a

natureza do instituto conduz a instância a ter carga jurídica com amplo conteúdo

declaratório, seja declarando (ou não) a abusividade de seu exercício; seja

regulando questão inerente à qualificação dos dias parados enquanto suspensão ou

interrupção do trabalho; ou, ainda, regulando as condições do objeto de disputa

jurídica.

No entanto, no que tange às questões de natureza econômica, por ter

regulação própria a instância especial de greve, tais disposições não se sujeitam aos

requisitos do dissídio econômico regular. Contudo, cumpre ressaltar que a instância

de greve é exceção à regra geral e que, como tal, deve ser interpretada

restritivamente. No dissídio de greve, os limites do poder normativo, para questões

de cunho econômico, são os da regra geral, devendo incidir no vácuo normativo,

respeitando-se as normas de ordem pública e as disposições anteriormente

negociadas.

A EC 45 visou a regulamentação do instituto que inviabilizava, pela via da

supervalorização da inércia e da conseqüente inversão da lógica sindical, a eficaz

negociação por parte dos litigantes coletivos.

Novo conteúdo regulatório foi dado ao instituto do dissídio coletivo, que

apesar de manter sua natureza de provimento jurisdicional, assemelha-se, diante

188 SARAIVA, Renato. op. cit. p.850: este autor, entretanto, afirma que: ”todavia, conforme jámencionado, entendemos que o Ministério Público do Trabalho somente deverá propor instância degreve, caso ocorra greve em atividades essenciais, com possibilidade de lesão ao interesse público,pois, nesse caso, estaria o órgão Ministerial defendendo o interesse difuso de toda a coletividadeameaçada pela paralisação de uma atividade elencada como essencial.”

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dos atuais contornos conceituais, à uma espécie do gênero arbitragem189,

caracterizado em específico pela sua publicização. Grande contingenciamento de

índole principiológica, inafastável pela legislação infra-constitucional, foi aposto ao

referido instituto jurídico.

Por determinação constitucional expressa, o MPT ganhou legitimidade à

propositura contingenciada, o que derroga as disposições infra-constitucionais em

contrário.

Hoje os sindicatos estão diante de uma via de mão única e sem saída: o

fortalecimento de sua atividade negocial.

189 GIGLIO, Wagner; CORRÊA, Cláudia Giglio Veltri. op. cit. p.406: ressalte-se aqui a exposição dosautores, para quem “a Organização Internacional do Trabalho recomenda, preconiza, favorece eincentiva a negociação coletiva como a forma mais satisfatória, apesar de conviver com a mediação ea arbitragem, como formulas alternativas.”

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5 O NOVO MODELO SINDICAL: PERSPECTIVAS

A nova divisão transnacional do trabalho envolve a redistribuição das

empresas, corporações e conglomerados por todo o mundo. Em lugar da

concentração da indústria, centros financeiros, organizações de comércio, agências

de publicidade e mídia impressa/eletrônica nos países dominantes, verifica-se a

redistribuição dessas e outras atividades por diferentes países e continentes. Tanto

é assim que a nova divisão transnacional do trabalho e produção implica outras

formas de organização social e técnica do trabalho e de mobilização de força do

trabalho, quando se combinam trabalhadores de distintas categorias e

especialidades, de modo a se formar o trabalhador coletivo desterritorializado. Nesse

sentido é que o mundo parece ter transformado-se em uma imensa máquina.190

O impacto inicial da globalização é o arrefecimento ou o surgimento da

competitividade internacional. A busca pela maior contenção possível de gastos

coloca em prova tanto a formatação jurídica das empresas quanto à capacidade de

fabricação de um produto; uma expressão clara desse fenômeno são as subdivisões

administrativas e cisões em empresas, resultado da racionalização de aspectos de

organização corporativa e diminuição de estoques/procedimentos nas atividades

empresariais.

Tais empresas tornam-se externamente mais econômicas, em decorrência de

uma produção mais enxuta.191 Esses aspectos podem ser encontrados em empresas

transnacionais, onde o núcleo empresarial apega-se apenas a tomadas de decisões

estratégicas e a comercialização do produto final, não participando do beneficiamento

190 Cf. IANNI, Octavio. A era do globalismo. Rio de Janeiro: Civilização Brasileira, 1999. p.13/14.191 Cf. ZACHERT, Ulrich. Globalização e mundo do trabalho - perspectivas jurídicas. Revista Impulso.Piracicaba: Editora Unimep, set. 2003. p.57-71.

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da matéria-prima (em produto beneficiado): são as chamadas controladoras, ou seja,

o núcleo das transnacionais.

5.1 A Teoria de Nash e a lógica sindical

A inevitabilidade da venda da força de trabalho pela massa que não detém

capital (leia-se qualquer riqueza material) e sua exploração desmesurada, promove

a identificação de um grupo bem definido de pessoas e a percepção de que

possuem interesses hegemônicos.192

Maurício Delgado Godinho, descreve o movimento obreiro como uma

coligação de interesses comuns para enfrentar o discurso do empresariado, detentor

de capital. De acordo com o autor:

O movimento sindical desvelou como equívoca a equação doliberalismo individualista que conferia validade social à ação do sercoletivo empresarial, mas negava impacto maior à ação dotrabalhador individualmente considerado. Nessa linha, contrapôs aoser coletivo empresarial também a ação do ser coletivo obreiro. Ostrabalhadores passaram a agir coletivamente, emergindo na arenapolítica e jurídica como vontade coletiva (e não mera vontadeindividual).193

Ao contrário de Adam Smith, para quem os melhores resultados surgem

quando cada um no grupo olha pelos seus próprios interesses, para Nash o melhor

resultado surge a partir da compreensão de que as pessoas “...simplesmente não se

comportam de maneira puramente competitiva”194, pelo menos não o tempo todo.

192 Cf. AROUCA, José Carlos. op. cit. p.482.193 GODINHO, Maurício Delgado. op. cit., 2006. p.1276.194 NASAR, Sylvia. Uma mente brilhante. Rio de Janeiro: Record, 2003. p.110: esta autora afirmaque “.. as pessoas simplesmente não se comportam de maneira puramente competitiva. Ou melhor,elas não se comportam assim o tempo todo. Na verdade, elas agem por conta própria. Mas, tambémcom muita freqüência , elas colaboram, cooperam, fazem acordos, evidentemente visando também oseu próprio interesse. Elas se filiam a sindicatos, formam governos, montam grandes empresas ecartéis.”

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Nash introduziu o teorema do equilíbrio à teoria dos jogos, fundada no

teorema miramax195 de Von Neumann, “...introduzindo a distinção entre os jogos

cooperativos e os não cooperativos”196, usando o conceito de equilíbrio, no qual cada

jogador escolhe a melhor resposta ao que os outros fazem.197 Ou seja, nos jogos de

estratégia os membros do grupo devem olhar pelos seus próprios interesses e

simultaneamente pelos interesses do grupo.

A importância do pensamento de Nash transcende sua área de

especialização, uma vez que diante das complexas relações da sociedade atual, o

direito positivo laboral não pode ser um sistema fechado em si mesmo, voltado

apenas à regulação dos subsistemas sociais do trabalho, sob pena de cair no

desuso, descaso e descrédito.

De acordo com Sylvia Nasar, a Teoria de Nash se aplica às relações jurídicas

derivadas do discurso comum e exploração da força de trabalho, haja vista que

“Nash chegou à sua idéia essencial - a idéia de que a barganha dependia de uma

combinação de alternativas em que se apoiam os negociadores, e os benefícios

potenciais de se realizar um acordo...198

Em sentido natural, no ambiente de trabalho há uma concentração de

pessoas formando um grupo espontâneo, informal e desregulamentado, que não

tem objetivos ainda bem definidos, mas já encontram-se ligados por um laço em

comum, apesar do sistema que empurra para a fragmentação produtiva, defendida

195 NASAR, Sylvia. op. cit. p.104: referência à obra ‘The Theory of Games and Economic Behavior’,em que “ os autores afirmavam que uma nova teoria de jogos era “o instrumento apropriado para sedesenvolver uma teoria de comportamento econômico.”196 Ibidem, p.120.197 Ibidem, p.122: segundo a autora, “Nash definiu o equilíbrio como uma situação em que nenhumjogador poderia melhorar sua posição escolhendo uma estratégia alternativa disponível, sem que issoimplique que a melhor escolha feita particularmente por cada pessoa levará a um resultado ótimo.”198 Ibidem, p.112.

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pelo Toyotismo. Todavia, aqueles que interagem sabem que a troca de queixas e

informações assume nitidez as aspirações comuns.

Logo, em razão da persistência, o grupo adquire forma e seus membros em

seu nome assumem deveres, passando a agir na consecução dos objetivos

imanentes, como sobrepor-se à exploração daqueles que detinham os meios de

produção, mediante melhor retribuição à força de trabalho e condições mais

humanas para sua execução, o que cria uma interdependência característica dos

jogos de estratégia defendidos por Nash.

O sindicato materializa, assim, a associação natural dos trabalhadores e

historicamente objetiva a soma de forças em uma unidade duradoura para a

obtenção de melhores condições de trabalho e afirmação no contexto social e

político.

Aparentemente, a ideologia é determinada conforme os ciclos de história, sua

ação contestatória e colaboracionista, mas como regra o sindicato, em sua essência,

é órgão de luta, reivindicatório e confrontador do Estado, provocando muitas vezes

sua retaliação/controle; por isso, não se pode admitir o sindicato preso ao Estado,

controlado pelos empregadores, conduzido pela igreja ou partidos políticos.

Trata-se aqui da produção local de uma integração solidária, obtida mediante

solidariedades horizontais internas, cuja natureza é tanto econômica, social e

cultural, como propriamente geográfica.

Na busca da sobrevivência do conjunto, não importa que diversos agentes

tenham interesses diferentes ou que obtivessem melhores resultados se

escolhessem estratégias individuais; a questão depende do exercício da

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solidariedade, indispensável ao trabalho, e que gera a visibilidade do interesse

comum enquanto jogo cooperativo.199

A liberdade coletiva exige associação capaz de servir a uma vontade

substancial autônoma e cooperante, que demanda o objetivo racional da libertação

dos homens das correntes da necessidade e da causalidade, colocando-os numa

situação onde possam encontrar satisfação recíproca no cumprimento de atividades

com fim em si mesmas.

Presente o nexo que liga liberdade individual e solidariedade social, a

liberdade pode ser entendida como uma autodeterminação coletiva, que estrutura-se

por meio de processos comunicativos traduzidos em normas e instituições, mas

orientados, porém, por um princípio ético-normativo de fundo: o direito de todos os

cidadãos a desenvolver suas próprias potencialidades e capacidades, e a satisfazer

suas necessidades, da maneira mais igual, solidária e cooperativa possível.200

A consciência já não deriva da relação de classe entre o capital e o trabalho e

o jogo da globalização é a própria fragmentação. A necessidade de capitalização

conduz a adotar como regra a necessidade de competir em todos os planos,

passando para um terreno muito mais confuso dos conflitos interfamiliares e de lutas

pelo poder, num sistema de solidariedade semelhante a um clã que contenha

relações de sociais hierarquicamente ordenadas e num esquema de exploração

altamente disciplinado e competitivo, que atenda às encomendas do capital

multinacional.201

Pode-se dizer, então que, em última análise, a competitividade individualizada

acaba por destroçar os antigos discursos solidários, freqüentemente horizontais, e

199 Cf. TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.110.200 Cf. BOBBIO, Norberto. Três conceitos de liberdade. Rio de Janeiro: Novos Rumos, 1997. p.10.201 Cf. HARVEY, David. op. cit. p.146.

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impor uma solidariedade vertical, cujo epicentro é a empresa hegemônica,

localmente obediente a interesses globais mais poderosos e, desse modo,

indiferente ao entorno.

As solidariedades horizontais preexistentes refaziam-se historicamente a

partir de um debate interno, levando a ajustes inspirados na vontade de reconstruir,

em novos termos, a própria solidariedade horizontal. Já, agora, a solidariedade

vertical que se impõe exclui qualquer debate local eficaz, já que as empresas

hegemônicas têm apenas dois caminhos a escolher: permanecer para exercer

plenamente seus objetivos individualistas ou retirar-se.

Não importa para a sobrevivência do conjunto que diversos agentes tenham

interesses diferentes, mas tal sobrevivência depende desse exercício da

solidariedade indispensável ao trabalho e que gera a visibilidade do interesse

comum.

Como se deu na fase anterior do desenvolvimento do capitalismo, não se

trata mais de enfrentar desafios econômicos, mas desafios sociais. O jogo sutil da

globalização também requer um tratamento adequado, à sua altura, sob pena de se

ver aniquiladas todas as tentativas concretas de oposição social ao fenômeno. Trata-

se da construção da autonomia coletiva capaz de defender interesses coletivos

imediatos, mas sem afastar o compromisso natural de construir uma sociedade justa

e igualitária.

5.2 O sindicato moderno e os interesses dos trabalhadores no empreendimentoeconômico

Após a Revolução Industrial, a superação do fordismo e o polimento dado

pelo taylorismo ao ambiente de trabalho, observa-se um mercado voltado à redução

de mão-de-obra para a diminuição de custos operacionais, empurrando todos,

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inclusive as próprias empresas, a se tornarem enxutas e dinâmicas

economicamente, sob pena de se verem aniquiladas pelo próprio mercado.

Verifica-se, no âmbito das relações sindicais, o incremento da preocupação

com uma prática participativa e solidária no empreendimento, na medida em que

procuram organizar as atividades relativas à produção, ao trabalho e à gestão, de

forma a permitir maior nível de participação dos trabalhadores, tanto no que se

refere às decisões pertinentes ao cotidiano do trabalho, quanto aquelas relacionadas

ao planejamento geral da organização, ou seja, criou-se o pacto de

sustentabilidade202 entre empregados e empregadores, com o cunho de, por um lado

manter seus empregos e, de outro, o empreendimento.

Nesse sentido, procuram, ainda, garantir transparência em todas as ações do

grupo dirigente, por meio de reuniões periódicas de gestão, troca de informações e

breves consultas.

O planejamento participativo apresenta-se como alternativa para a reação ao

processo de desemprego e precarização social. Evidencia-se este fato,

especialmente nas últimas décadas, por meio do notório crescimento de

experiências diversificadas e inseridas nos mais diferentes setores sócio-

econômicos.

Não obstante, o fato de representar em alguns casos a única possibilidade

concreta de manutenção de postos de trabalho, o planejamento ou pacto de

sustentabilidade está incidente, com distintas propostas de organização da produção

e do trabalho, apoiando-se em diferentes matizes ideológicas.

202 Nomenclatura utilizada pelo Instituto Educacional Piracicabano, na portaria 06/07 do Diretor Geral,com fito de instauração de trabalhos para o planejamento participativo para o enfrentamento decrises.

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Os acordos e parcerias estão, assim, submetidos à lógica da própria empresa

sem, entretanto, determinarem seus fins. A complementaridade que se dá entre os

parceiros limita-se ao plano vertical203, havendo nesse ambiente de integração uma

troca de experiências que se somam. Permanece a hegemonia da organização

tipicamente capitalista; porém, com participação direta da representação dos

trabalhadores na construção da estratégia comum para o enfrentamento das

adversidades inerentes ao mercado.

A busca por espaços de participação, especialmente no que concerne às

condições de trabalho, está intimamente ligada a retomada de valores associativos e

cooperativos, tudo com ênfase na conformação do discurso comum. Visa-se a

construção e parametrização de orientações das ações empresariais pela

perspectiva interna dos atores sociais.204

Sob tal via de análise, o pacto de sustentabilidade nos possibilita verificar que,

diante das condições marginais de influência sobre a relação de trabalho, a própria

eficácia social da regulação jurídica dos contratos de trabalho reproduzem

interações seletivas na construção de um consenso de resistência reflexiva.205

O capital e o trabalho devem caminhar juntos convergindo forças e interesses

por meio da ligação em rede.206 A concorrência entre os trabalhadores prioriza a

203 Entenda-se por tal expressão a decisão tomada no plano estratégico da alta administração doempreendimento.204 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.31: trata-se da Teoria da Clausura Operacional, desenvolvidapor Teubner, para quem “elas objetivam romper a fixação da sociologia jurídica empírica pelapsicologia dos atores, a orientação subjetiva de ação, a perspectiva interna dos atores, e torná-lamais aberta às particularidades estruturais dos sistemas sociais, dos discursos, dos processos decomunicação ou como quer que se queiram chamar as configurações sociais autônomas.”205 Ibidem, p.33-34: nesse sentido, o autor entende que “os desvios de temperatura, assim, são osque controlam o termostato, e, respectivamente, os desvios jurídicos controlam o direito, e não ocontrário, como sugere a compreensão humana sadia de Opp, Dieckmann e companhia: será quecom isso a crônica não nos revela os paradoxos da auto-referência?.”206 Ibidem, p.35: para este autor, “o problema é que os objetivos se modificam continuamente sob ainfluência dos efeitos sociais das próprias medidas jurídicas.”

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construção da organização coletiva do trabalho a partir de um capital comum: o

discurso comum de resistência.

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6 O PLURALISMO DEMOCRÁTICO E O ACOPLAMENTO ESTRUTURAL DOSDISCURSOS INCIDENTES

A tese utópica do ordenamento jurídico auto-construtivo retoma importância

no contexto do avanço da desreferencialização dos modelos de exploração do

capital e de todos os reflexos sociais daí derivados, na medida em que a Sociologia

do Direito busca meios de integração do conteúdo das novas tipologias jurídicas

surgidas no mundo do trabalho, ao ordenamento jurídico positivo do Estado.

Essa tese do direito auto-construtivo funda-se na idéia de que a ênfase da

evolução da cultura jurídica situa-se na própria evolução da sociedade. Trata-se da

constatação de que as redes de intercâmbio instrumental, que se espalham

globalmente fragmentadas, criam uma tensão nos padrões de comunicação social,

que tende ao rompimento, originando a fragmentação social operada localmente,

despolitizada, mas que apresenta objetivo claro quando analisada sob o enfoque

econômico.

Nesse contexto, retoma-se as posições de Eugene Ehrlich, defensor da idéia

de que na Bukowina207 não era a política, mas a sociedade civil quem criava, para

sua própria regulação, o seu direito. Trata-se da defesa da convenção social para o

reconhecimento do direito no plano local, o que reitera a força da discussão

democrática regionalizada.

Ressalte-se, desde já, que o Direito só pode ser interpretado adequadamente,

na medida em que as concepções do ordenamento jurídico se conduzem no sentido

do pluralismo das fontes normativas, a partir da fragmentação dos discursos sociais.

207 Eugene Ehrlich desenvolve a tese do direito auto construído, via regulação dinâmica, independentementedo Estado. Em sua obra, Ehrlich cita a região da Bukowina, que é uma região histórica ao nordeste dosCárpatos, dividida territorialmente entre a Romênia e a Ucrânia. É a parte mais alta da Moldávia histórica.

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A análise do Direito, enquanto processo auto-construtivo, é elemento

fundamental para a compreensão da recursividade208 social e para as mudanças da

estrutura espacial da ordem normativa para interligação discursiva, intensificada pela

reformulação do regime de acumulação de capital que encontra respaldo no estrito

acoplamento aos processos de interação social e econômica , o qual contribui para a

redefinição das concepções acerca da construção normativa atual.

O Direito é acoplado a processos específicos, mas irradiando, em um

processo de expansão circular, um novo conteúdo a todo o complexo das

construções jurídicas da sociedade.

A grande dimensão do conjunto das transformações que esse processo de

fragmentação social do trabalho opera, situa-se na conjuntura da integração do

ideário coletivo - representado pelos interesses comuns - e conduzido sobre a égide

da política social, cuja repercussão se projeta nos procedimentos econômicos da

sociedade civil, conseqüência de sua relativa independência política e autonomia

regulatória.

Nessa linha, Teubner209 sustenta que os fragmentos sociais e seus discursos

operam, em escala mundial, sob a égide de uma dinâmica própria da multiplicidade

dos subsistemas sociais, no complexo ambiente da sociedade global. A própria

globalização se dá por meio de um “...processo extremamente contraditório,

integralmente fragmentado de globalização, impulsionado pelos sistemas parciais

individuais da sociedade em velocidades distintas.”210

208 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.36: coerente a posição deste autor, para quem recursividadepode ser descrita como a duplicação da produção de sentido das operações normativasrepetidamente aplicada.209 TEUBNER, Günther. “A bukowina global sobre a emergência de um pluralismo jurídicotransnacional”. Revista Impulso. Piracicaba: Editora Unimep, set. 2003. p.9-31: tese defendidatextualmente pelo autor ao expor que “...outros subsistemas sociais já começaram a formar umaautêntica sociedade mundial, ou melhor, uma quantidade fragmentada de sistemas mundiaisdistintos.”210 Idem, p.9-31.

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A reestruturação econômica está a construir uma sistemática normativa em

paralelo ao direito do Estado. É como se, nesse contexto de transnacionalização, a

construção normativa operacional das relações econômicas estivesse a criar um

aparato normativo sem relação com a política nacional, mas ligada à regulação do

espaço micro regional de interação social.

Trata-se da evidência da construção de uma ordem jurídica de fora para

dentro, numa flagrante inversão da ordem escalonada do Direito defendida pelos

positivistas; a negociação contratual, enquanto ato periférico e acessório de ordem

executiva no ordenamento jurídico211, está conduzindo a construção da ordem

normativa global a partir da recepção de normas socais difusas, tendentes à

reconecção do Direito aos subsistemas funcionais e organizacionais de trabalho no

âmbito sindical.

Está-se diante de um ponto em que a ênfase na construção e

desenvolvimento do Direito está se deslocando, definitivamente e em âmbito global,

para dentro dos próprios compartimentos da sociedade, que passa por tensões de

fragmentação, em especial no campo do trabalho.

O Direito está surgindo a partir de uma identidade antropológica212, decorrente

dos contextos próprios da fragmentação a que a reorganização funcional da

sociedade, agora em redes especialíssimas de trabalho, reclama. Tem-se, portanto,

um realinhamento da sociedade, em termos de construção jurídica, ao conjunto da

tese defendida por Erlich para Bukowina.

211 BOBBIO, Norberto. Teoria do ordenamento jurídico. Brasília: Editora Polis; Universidade deBrasília, 1990. p.51: no capítulo 2 da obra em questão, intitulado “A unidade do ordenamentojurídico”, o autor defende a tese de que o ordenamento jurídico é composto de fases que são aomesmo tempo executivas e produtivas, à exceção da fase de grau mais alto e da fase de grau maisbaixo, pois este é constituído apenas pelos atos executivos e aqueles por produtivos.212 CASTELLS, Manuel. A sociedade em rede. São Paulo: Paz e Terra, 1999. p.23: o autor afirmaque “em um mundo de fluxos globais de riqueza, poder e imagens, a busca pela identidade coletivaou individual, atribuída ou construída, torna-se fonte básica de significado social.”

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No conjunto das redes globais de intercâmbio instrumental, no qual decisões

estratégicas são transmitidas em segundos e a partir de um sistema independente

de intercomunicação global em tempo real, é fato a existência de contratos auto

reguladores, independente dos direitos nacionais ou internacionais, enquanto

instrumentos fundamentais de produtividade, transmissão de riquezas e poder

simbólico-social, decorrente das próprias condições tecnológicas de integração

sócio-econômicas.

O sentido dos negócios se autonomiza no plano econômico-global a partir de

uma linguagem comum. Nesse sentido, a regra de legitimação fundamenta sua

validade no discurso simbólico a que ela se refere; como também o são os discursos

representativos dos anseios coletivos, ainda que fragmentários.

O instrumento de negociação no novo ambiente de produção é reconhecido

como norma e sua referência de validade estabelecida enquanto elemento inerente

à negociação objetivada. Trata-se da sobrelevação dos eventos comunicativos -

fatos sociais - e dos atos jurídicos ao status de fonte de validade do Direito. É a

evidenciação da assimetria das fontes do Direito enquanto discurso jurídico reflexivo

aos processos de auto reprodução da sociedade.213

O próprio Direito, negociado a partir dessa construção recíproca de

conjugação de interesses compartimentalizados em rede, fundados na difusão de

informações, tecnologia e circulação de bens e serviços em diferentes contextos

sociais e institucionais, desloca a vigência da normas auto-produzidas do conceito

arcaico de sanção enquanto meio estatal de manutenção da ordem.

213 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.86: este autor entende que “pluralismo jurídico significa,assim, o direito mais voltado ä sociedade, não por aumentar os seus conhecimentos sociais eeconômicos, mas por aproveitar a sincronia entre operações jurídicas e sociais, de modo a melhorarseus conhecimentos implícitos.”

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Trata-se da verdadeira decadência do papel tradicional da sanção como

concepção geral para a definição do conteúdo e significado do Direito, na medida

em que a realidade simbólica da vigência avança em dimensão autônoma à própria

noção de sanção e Estado.

A pretensão de vigência do discurso jurídico se lança à auto afirmação por

meio da legitimação, via consagração da conveniência social. O conceito de norma,

enquanto expressão de dever regulado pela sanção jurídica, perde conteúdo e

prescinde do status de categoria jurídica básica do ordenamento jurídico.

O sentido da redefinição estrutural da concepção do ordenamento jurídico se

conduz no sentido da convergência periférica enunciativa dos eventos fáticos,

origem dos atos jurídicos no conjunto da fragmentação global.

A indissociabilidade epistemiológica entre moral e lei, que se opera pela

imbricação principiológica dos valores socialmente reconhecidos e sua expressão

política, que revela-se imperativa, juridicizam-se como verdadeiras balizas de

conteúdo normativo aos instrumentos que formados a partir da linguagem coesa dos

fatos e origem das relações jurídicas globais. A especificidade da identidade coletiva

torna-se fonte básica de significado social.

Evidencia-se, assim, o paradoxo da auto referencialidade, posto que o ato

regulador é ao mesmo tempo regulado num ambiente que oscila entre a estabilidade

e a instabilidade, em uma fluidez conceitual na qual o próprio instrumento negocial é

capaz de estatuir regras em flagrante escalonamento hierárquico de meta-contratos,

que hão de surgir em decorrência da necessidade de soluções incidentes ao curso

da execução do instrumento principal.

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6.1 Da sociologia do trabalho ao sistema social: a mitigação da racionalidadevalorativa dos sistemas normativos heterônomos

No âmbito das discussões coletivas do trabalho, a analise da efetividade214 do

Direito torna-se imperativa, uma vez que é no campo das relações de direito,

decorrentes do ambiente de trabalho, que os embates sociais ocorrem de maneira

mais intensa e objetiva, tendo em vista os conflitos de intenções diretivo-normativas

evidentes nos discursos sociais envolvidos no ambiente de trabalho.

Os compromissos normativos, assumidos em termos de Direito do Trabalho,

evidenciam a cara existência no direito juslaboral das chamadas orientações

concorrentes de Direito, o que torna evidente a plausibilidade de conflitos entre

normas oficiais e não oficiais, principalmente a existência de motivos de interesses

dos agentes conflitantes.

A colisão de orientações normativas derivadas da ampla regulação, tanto

autônoma quanto heterônoma do Direito do Trabalho, convergem numa espécie de

agir coletivo a partir de uma racionalidade axiológica de cunho valorativo dirigida

pela intenção dos agentes, mas em conflito com as circunstâncias de exploração

econômica do ambiente externo ao do trabalho.

Nesse sentido, a compreensão do fechamento dos discursos sociais

trabalhistas em relação ao Direito é capaz de influenciar sobremaneira o litígio

social, influenciando significativamente a efetividade da regulação jurídica. O embate

dos discursos conflitantes cria, em si, uma espécie de conflito comunicativo, fruto de

uma inconciliável dissociação de interesses e regras do ambiente de trabalho que,

214 O conceito de efetividade do direito a que se pretende evidenciado é tanto no sentido da observânciadas normas jurídicas quanto na análise de eficácia das mesmas.

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diante do conflito de discursos, se fecham em verdadeiras clausuras operacionais

das configurações sociais autônomas.215

Do conflito dos discursos dos agentes, a confusão recursiva torna-se

evidente, mediante à contínua mudança de influências a que as intenções sociais

derivam em face das medidas jurídicas nesse ambiente especial de interação social,

que é o local de trabalho. Entende-se, assim, que as normas heterônomas sofrem

interpretações fundadas em pressões decorrentes das expectativas sociais dos

agentes.

Portanto, a leitura da normatividade passa por variações derivadas da

ressurgência dos fatos no ambiente social e da subjetividade da apreciação dos

mesmos, ou seja, é a dinâmica processual recursiva216 que deriva da leitura não

linear dos eventos sócio-laborais pelos agentes envolvidos.

O choque de interesses entre os agentes laborais é reestruturado a partir de

uma leitura do contexto próprio, considerando-se as variáveis do ambiente

conflituoso, evidenciando que as distintas leituras do direito convencionado são

elementos da estrutura do sistema social.

A efetividade do Direito, portanto, é contingenciada nesse ambiente específico

de trabalho e sujeita à capacidade de irritação dos sistemas recursivos e à

coordenação convergente217 em face da recursividade da leitura dos agentes ao

objetivo legal instituído.

215 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.36: o autor defende a idéia de que os agentes sociais dotrabalho transformam seus interesses conflitantes em discursos sociais fechados, o que evidencia aintenção de resistência e embate.216 Ibidem, p.37: afirma o autor que “o veneno da recursividade pode ser fatal para as frágeisconstruções teóricas dos jus-efetivistas.”217 Ibidem, p.37: para o autor, o contingenciamento das condições circunstanciais dos eventos àrecorrência do fato cria a possibilidade do desvio interpretativo diante da dinâmica não linear dodesenvolvimento sistêmico da sociedade em rede.

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A identificação do ponto fraco dos sistemas218 litigantes é a base para a

estimulação coordenada dos discursos a partir da irritação comunicativa dos

sistemas sociais envolvidos, partindo-se da norma jurídica enquanto elemento de

conteúdo valorativo e integrativo. Além disso, a força dos discursos integracionais

dos sistemas sócio-laborais consiste na sua fraqueza, ou seja, na própria natureza

do conflito. O embate, enquanto elemento da dinâmica dos sistemas sociais do

ambiente de trabalho, cria o espaço para a coordenação da forma de sua construção

ou reconstrução, a partir do ruído comunicativo derivado da intervenção

normativo/programática.

A relevância do negócio coletivo do trabalho evidencia-se, pois trata-se de

verdadeira forma de ação integrada capaz de acoplar estruturalmente os diversos

discursos incidentes sobre os fatos sociais do ambiente empresarial, em um

verdadeiro processo concreto de adaptação de comunicação social aos interesses

regulados heteronomamente, como um verdadeiro mecanismo de ligação e

harmonização de conflitos com eficácia jurídica ampla.

6.2 A fragmentação do discurso sindical como conseqüência do rompimentodo modelo de produção baseada na grande indústria

No âmbito do moderno conjunto de interações sócio-econômicas, decorrente

das transformações no ambiente de integração de mercados e acirramento de

competitividade/otimização de resultados, a função e posição dos sindicatos se

relevam, ao contrário do que se expecta, a partir da adoção conjugada de técnicas

de produção fragmentada.

218 TEUBNER, Günther. op. cit., 2005. p.38: nesse sentido o autor conclui que “...o problema dessaestratégia de atratores deve se pautar num jogo de tentativas e erros, de maneira a descobrir oporque da intervenção sensitiva, no qual a instabilidade procurada é desencadeada.”

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Nesse novo contexto de integração, mundialização das relações sócio-

econômicas e dispersão produtiva, o papel do sindicato, enquanto agente de

transformação social, se vê profundamente modificado.

O modelo clássico de sindicalismo, que no fundo não passava de um mero

agente contratual com parcos objetivos de defesa das condições de trabalho, não

mais encontra posição defensável. Todo um novo conjunto de novas

responsabilidades e desafios reclamam mudanças de postura para a continuidade

do atendimento de seus fins institucionais.

O sindicato, nesse novo contexto de capitalismo avançado, tem a

incumbência de mediar a construção e defesa de todo um novo conjunto de

interesses advindos das classes representadas e do mundo do trabalho como um

todo.

É nesse contexto que a sociedade mundial e, em especial, o mundo do

trabalho, reclamam radical mudança de postura por parte das entidades de

representação coletiva, não mais se solidarizando com reclames eufemistas e

discursos saudosistas.

O reconhecimento desses novos desafios conduz as entidades de

representação sindical a aceitação dessa nova realidade, o que, por si só,

consubstanciar-se-á no primeiro passo para que, no conjunto, o papel dos sindicatos

enquanto interlocutor social se redefina.

A autonomia para a auto-composição das demandas, consagradas na Carta

Magna de 1988, aliada à posição absenteísta do Estado com franco alinhamento

neoliberal, conduziram as entidades de representação à auto gestão dos embates

trabalhistas, isentando o Estado de imputabilidade quanto ao acirramento das

adversidades decorrentes do ambiente recessivo e de altos índices de desemprego,

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tanto estrutural quanto conjuntural, decorrentes das supramencionadas

transformações deste início de século.

Enquanto agente social que opera mudanças de resultado material no

conjunto da sociedade, o sindicato promove a transformação da massa operária em

categoria organizada, bem como, de acordo com Peres Botija, “...a sindicalização do

proletariado a passagem da condição de massa para a de classe.”219

Também nesse esteio, ressalte-se a posição do Direito do Trabalho e de todo

seu conjunto normativo dirigido à proteção e à regulação do labor, como

conseqüência de uma necessidade do capitalismo. A estabilização do ambiente de

trabalho e a regulação das reivindicações obreiras foram conquistas caras ao capital,

decorrentes de sua própria necessidade de manutenção do status quo operacional.

Daí, decorre o erro daqueles que entendem o Direito do Trabalho como

conseqüência de uma reação antagonista à exploração laboral.

Não importa quão adverso se torne o contexto de exploração da mão-de-obra;

sempre haverá a possibilidade de construção normativa regulatória, protetiva das

relações trabalhistas e, em antítese às posições assumidas pelos empregadores, um

ser coletivo obreiro, agente de conscientização e categorização das massas

laborais.

219 Apud MISAILIDIS, Mirta Gladys Lereno Manzo de. op. cit. p.26.

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7 CONSIDERAÇÕES FINAIS

Verifica-se nessa pesquisa que o instrumental de representação coletiva dos

trabalhadores brasileiros foi construído com base na tentativa de retenção e

contenção dos movimentos espontâneos representativos dos anseios sociais.

O discurso comum representativo dos interesses dos trabalhadores, quando

organizado de forma sistemática e referencializada no enfrentamento dos problemas

cotidianos do ambiente laboral, como aconteceu no COB, em 1906, conflitava com

os interesses do governo e da sociedade civil, o que se intensificou com a falência

do modelo rural clientelista da República Velha, culminando na política facista

perpetrada pelo governo ditatorial de Vargas.

O modelo de repressão à agregação social e retenção dos interesses

trabalhistas remanesceu imperante na estrutura normativa do Estado, enquanto o

discurso desenvolvimentista de industrialização e urbanização continuou vigente, em

especial, considerando-se a rigidez do regime ditatorial militar da segunda metade

do século XX, culminando na Constituição Federal de 1988, a qual foi negociada

democraticamente, por contingência a estrutura de representação coletiva

remanescente da era Vargas.

A realidade do trabalho no Brasil continuou a variar, reestruturando-se

continuamente mediante adoção de novas formas de gestão e reenquadramento no

ambiente de competição globalizada.

Nesse contexto, novas formas de contratação e intermediação de mão-de-

obra e trabalho têm alterado as relações de trabalho de maneira significativa, com

variáveis e flexibilização de conceitos antes paradigmáticos da ordem juslaboral, o

que tem causado um conjunto de reflexos interativos de interimbricação de

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influências na dinâmica não linear do ambiente de trabalho e, em especial, na

reconstrução da representação coletiva dos anseios sociais dos trabalhadores.

Os sindicatos tiveram suas funções institucionais alteradas, ampliando-se a

margem de atuação coletiva, reformulando-se a ação dos sindicatos, enquanto

atores sociais, de forma tendenciosa ao rompimento com o modelo estático e pouco

representativo oriundo do autoritarismo Varguista da década de trinta do século

passado.

A Emenda Constitucional n.º 45 reformulou a Justiça do Trabalho, alçando a

base para a futura e provável reforma sindical, a qual romperá com alguns dos

resquícios históricos da alienação da capacidade de convergência de interesses e

discursos comuns dos entes de representação sindical.

Atualmente, o que se coloca “em cheque” é a própria sistemática

justrabalhista, que trata de modo afastado da realidade sócio-laboral toda a gama de

variáveis interativas que, de maneira recursiva, causam perturbações no ambiente

de trabalho.

Contudo, a via de saída se dá através da valorização do trabalhador e do

local de trabalho enquanto ambiente próprio ao desenvolvimento de ação dos

agentes sociais, dos discursos comuns e da valorização da cidadania pela

construção acoplada de discursos integrativos do trabalho, enquanto elo de

interesses comuns na base do sistema social próprio do labor, ainda que em

constante tensão de fragmentação e adoção de novas técnicas gerenciais e de

contratação de mão-de-obra.

O direito reflexivo referente a Teubner, em que a fonte de definição e

afirmação de anseios e valores dos sistemas parciais “...enfatizam um cálculo

positivo de combinação de interesses, estimulando as partes a se conscientizar dos

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ganhos possíveis com a substituição de posturas conflitivas por posturas

cooperativas...”220, evidencia a linha de exercício de instrumentação e conformação

social a que o sindicato moderno chegou (e se instrumentalizou) a partir das

alterações funcionais trabalhistas que reclamou a reforma constitucional - EC 45.

As estruturas de expectivas sociais têm se transformado em ritmos diferentes

e criando diferenciações funcionais, que tendem ao redimensionamento da estrutura

do direito positivo rumo a uma posição diferente no âmbito normativo, valendo-se da

abertura dos discursos incidentes nos sub-sistemas funcionais para sua inclusão na

estrutura jurídico-positiva.

A redução do papel do Estado como fonte de direitos e como arena de

participação social tende a criação de um ambiente de ação com múltiplas

possibilidades, uma verdadeira abertura cognitiva de auto regulação. O

processamento da decisão no sistema social, associada à crescente diferenciação

funcional dos inúmeros sistemas sócio-laborais e suas respectivas peculiaridades

ambientais, abrem espaço à ação sindical enquanto centro subsidiário de emanação

de normatividade, reconhecido pelo Estado e instrumentalmente utilizado como fonte

de auto regulação.

O sindicato é a base sobre a qual o Direito reconhece legitimidade e consagra

autonomia funcional para a regulação jurídica subsidiária dos subsistemas laborais.

Nesse sentido, a ação sindical é fonte de integração dos subsistemas de trabalho

funcionalmente diferenciados. É o agente social reconhecido pelo direito positivo

estatal capaz de desempenhar função atrativa à normatividade e conformação de

interesses dos trabalhadores.

220 FARIA, José Eduardo. op. cit., 2000. p.186.

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O direito oficial do sindicato, conseqüência da reforma constitucional, ante à

complexidade das demandas trabalhistas e ao fortalecimento de sua matriz negocial,

tende a definição das dimensões de estrutura e função do subsistema sócio-laboral,

resguardando-se ao direito positivo estatal o desempenho da generalização das auto

regulações existentes.

O Direito do Trabalho positivo tem função de harmonização estrutural das

ordens sócio-jurídicas subsidiárias, investidas na função politicamente relevante de

descentralização normativa como conseqüência das diferenciações funcionais dos

discursos incidentes no ambiente de trabalho, pela via da auto regulação.

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