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DANIEL CAVALCANTI CARNEIRO DA SILVA
REPRESENTATIVIDADE SINDICAL:RECURSIVIDADE E FORMAO DO DISCURSO COMUM
NO AMBIENTE DE TRABALHO
Piracicaba, SP
2007
2
DANIEL CAVALCANTI CARNEIRO DA SILVA
REPRESENTATIVIDADE SINDICAL:RECURSIVIDADE E FORMAO DO DISCURSO COMUM
NO AMBIENTE DE TRABALHO
Orientadora: Profa. Dra. MIRTA G. L. MANZO DE MISAILIDIS
Dissertao apresentada ao Programa de Ps-Graduao (Mestrado em Direito) da UniversidadeMetodista de Piracicaba UNIMEP, como exignciaparcial para obteno do ttulo de Mestre em Direito,sob orientao da Professora Doutora Mirta GladysLereno Manzo de Misailidis.
Piracicaba, SP
2007
3
Dados para catalogao:
CARNEIRO DA SILVA, D. C. Representatividade sindical:recursividade e formao do discurso comum no ambiente detrabalho. Universidade Metodista de Piracicaba, 2007. Dissertao(Ps-Graduao, Curso de Mestrado em Direito). Orientadora:Professora Doutora Mirta Gladys Lerena Manzo de Misailidis.
4
AGRADECIMENTOS
A Deus, pela testificao de sua obra em minha vida;
minha esposa Ilnah Toledo Augusto, pela maravilhosa oportunidade de vivenciar
o mestrado ao seu lado;
Aos meus pais, Walter Carneiro da Silva Filho e Maria Cristina Cavalcanti de
Albuquerque Carneiro, que contriburam para materializao deste trabalho;
Professora Doutora Mirta Gladys Lerena Manzo de Misailidis, pelas incontveis
horas de dedicao e orientao na construo do presente trabalho.
5
RESUMO
A representatividade sindical ao longo da histria justrabalhista brasileira marcadapela esttica conceitual da alienao da capacidade agregao de interessescomuns da classe trabalhadora. O Instrumental jurdico trabalhista de ndole fascistaalou eficcia a um grupo de normas jurdicas que apartaram da realidade, pela viado ostensivo controle pelo Estado, a capacidade de organizao e representaoexpontnea de interesses dos trabalhadores; o que os impediu de formularem umalinha de discurso comum, de interesses pontuais e objetivos. O estudo de taisinstrumentos normativos feito com uma nfase na construo dos discursossociais autnomos, derivados do conjunto das interaes sociais do ambiente detrabalho. As perspectivas do pluralismo jurdico trazem consigo a base sobre a quala legitimao dos anseios derivados do ambiente social se d por plausvel. Aevoluo do sistema de acumulao de capitais ao longo do sculo XX, serve depano de fundo manuteno das antinomias sindicais da era Vargas, inclusive naConstituio da Repblica de 1988. A Emenda Constitucional n. 45, cria o alicerceconceitual sobre o qual as eventuais mudanas sindicais do porvir estruturar-se-o.No ambiente de trabalho, novos desafios representao coletiva surgem, emespecial, pela mudana de eixo da pauta de reivindicaes; o que culmina naparticipao sindical no mbito da tomada de decises administrativas eorganizacionais, cada vez mais intensa e freqente.
Palavras Chave: Representao sindical; recursividade; reflexividade do direito.
6
ABSTRACT
The union representativity throughout the Brazilian legal labor history is marked by aconceptual esthetic of workers class aggregation of common interests alienationcapacity. The fascist motivated labor legal instrument set efficacy to a group of legalnorms that separated from reality, thought State ostensive control, the spontaneousrepresentative capacity of labor legal interests. The workers were prevent fromformulating a common speech line of punctual and objective interests. The study ofthese normative instruments done with an emphasis on the construction of socialautonomic speech, drifted from the social interactivation of the working environment.The Perspectives of the legal pluralism brings itself the basis over which thelegitimated expectations drifted from the social environment is plausible. The capitalsaccumulative system evolution throughout the 20Th century is the scenario on whichVargas era unions antinomies got kept even in the Republic Constitution of 1988.The 45th Constitutional Amendment created the conceptual basis on which theunions regulations changes will eventually get structured. On the Labor environmentnew challenges representation may arise specially drifted from the main claimschanges. That ends upon the governmental tendency to the recognition of theautonomous normative standard as an element of legal reflexation.
Key Words: Representativity; recursivity; speech.
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REPRESENTATIVIDADE SINDICAL:RECURSIVIDADE E FORMAO DO DISCURSO COMUM NO AMBIENTE DE
TRABALHO
Autor: DANIEL CAVALCANTI CARNEIRO DA SILVA
Orientadora: Profa. Dra. MIRTA GLADYS LERENA MANZO DE MISAILIDIS
B A N C A E X A M I N A D O R A
27/04/2007
______________________________________
(Presidente)
______________________________________
Profa. Dra. Mirta G. L. M. de Misailidis(Orientadora)
______________________________________
(Membro)
8
Quem retm as palavras possui oconhecimento, e o sereno de esprito o homem de inteligncia.
(Pv. 17:27)
9
SUMRIO
INTRODUO METODOLGICA....................................................................... 11
INTRODUO...................................................................................................... 14
1 FUNDAMENTOS DAS RELAES DE TRABALHO NO BRASIL E AINVERSO DA LGICA SINDICAL.......................................................................... 22
1.1 A transio negociada da agricultura indstria: a manuteno dosdiscursos econmicos incidentes.................................................................... 25
1.2 A resposta operria ao descompasso comunicativo dos movimentoss elites.......................................................................................................... 29
1.3 A evoluo do capital no Brasil e o corporativismo do sindicalismobrasileiro........................................................................................................ 32
1.4 A crise do capitalismo e a mudana do modelo de gesto da questosocial.............................................................................................................. 33
2 IDEOLOGIA E REPRESSO: O DISCURSO SIMBLICO DE PODER DOSSINDICATOS BRASILEIROS NO SCULO XX.................................................. 36
2.1 O movimento operrio: 1930 a 1946............................................................40
2.2 O movimento operrio: 1946 a 1984............................................................42
2.3 A estabilidade dos legalismos humanistas da CLT e a subverso dalgica sindical remanescente na Constituio de 1988............................ 49
3 AS CRISES DO MODELO DE ACUMULAO ECONMICA E SEUSREFLEXOS NO DISCURSO DE AGREGAO TRABALHISTA....................... 53
3.1 A disperso do modelo de produo toyotista: ruptura do modelo derepresentao coletiva................................................................................. 55
3.2 O sindicato enquanto via de ligao social................................................58
4 A CRISE DA REPRESENTAO COLETIVA E A REDEFINIOFUNCIONAL DOS ENTES DE REPRESENTAO SINDICAL NO BRASIL..... 60
4.1 O reaparelhamento dos entes de representao coletiva para oenfrentamento das mudanas..................................................................... 62
4.2 A Emenda Constitucional n. 45 e a soluo dos conflitos coletivos detrabalho.......................................................................................................... 65
4.3 Os novos limites institucionais do dissdio coletivo de trabalho............ 67
4.4 O poder normativo da Justia do Trabalho................................................ 67
10
5 O NOVO MODELO SINDICAL: PERSPECTIVAS............................................... 73
5.1 A Teoria de Nash e a lgica sindical........................................................... 74
5.2 O sindicato moderno e os interesses dos trabalhadores noempreendimento econmico....................................................................... 78
6 O PLURALISMO DEMOCRTICO E O ACOPLAMENTO ESTRUTURAL DOSDISCURSOS INCIDENTES................................................................................... 82
6.1 Da sociologia do trabalho ao sistema social: a mitigao daracionalidade valorativa dos sistemas normativos heternomos........... 87
6.2 A fragmentao do discurso sindical como conseqncia dorompimento do modelo de produo baseada na grande indstria....... 89
CONSIDERAES FINAIS..................................................................................92
REFERNCIAS BIBLIOGRFICAS.....................................................................96
11
INTRODUO METODOLGICA
Em que pese um procedimento atpico no desenvolvimento de produes
cientficas, optou-se no presente trabalho por dividir a introduo em duas partes
distintas, ou seja, uma introduo metodolgica e, a seguir, um tipo de introduo
mais tradicional.
Nesta primeira, vale ressaltar que trata-se de pesquisa voltada anlise do
avano na leitura justrabalhista, com nfase na linguagem da duplicao de sentidos
por meio da recursividade1 dos eventos representativos de interesses comuns das
classes trabalhadoras, enquanto sistema social fragmentado2, no ambiente brasileiro
de trabalho do sculo XX e sua conseqente projeo sobre o sculo XXI.
O corte metodolgico proposto no perpassa a filosofia da linguagem,
entendida como elemento da organizao de smbolos de repercusso social, mas,
sim, a abordagem no foco da produo de sentido3 e das expectativas sociais do
ambiente de trabalho em constante tenso de reformulao ao longo das
transformaes scio-econmicas do sculo XX .
A duplicao de sentido por meio da reproduo das operaes normativas
do sistema de interao social , por sua vez, a base pela qual a formao da
1 TEUBNER, Gnther. Direito, sistema e policontextualidade. Piracicaba: Editora Unimep, 2005.p.36: percebe-se significativa inteligncia nos argumentos deste autor, para quem recursividade podeser descrita como a duplicao da produo de sentido das operaes normativas repetidamenteaplicada.2 RDIGER, Dorothee Susanne. Emancipao em Rede. In: VIDOTTI, Trcio Jos; GIORDANI,Francisco Alberto da Motta Peixoto. (Orgs.). Direito coletivo do trabalho em uma sociedade ps-industrial. So Paulo: LTr, 2003. p.69: sobre a questo da fragmentao da produo, relativa aoToyotismo a autora entende que podemos caracterizar o toyotismo pelos seguintes aspectos: [...] Aorganizao do trabalho conta com um ncleo de trabalhadores polivalentes e com uma mo-de-obraque contratada por empresas prestadoras de servios ou fornecedoras de pea just in time, isto ,na hora em que os servios se fazem necessrios.3 TEUBNER, Gnther. op. cit., 2005. p.64: vale aqui reproduzir a idia do autor, entendendo quecomo o exato plo oposto a essa perspectiva, pode-se compreender a fenomenologia dos jogos delinguagem de Lyotard, que, no entanto, repete a mesma problemtica de forma invertida. O mundo sexiste como uma construo do respectivo discurso.
12
conscincia grupal, enquanto esfera autnoma de produo de sentido4, torna-se
elemento essencial para se entender a origem do sindicalismo brasileiro, bem como
sua funo no contexto da globalizao.
A rotina dos entes de representao coletiva observada luz da tentativa de
reconstruo terico-cientfica dos modelos de representao sindical, com base na
fenomenologia da linguagem discutida por juristas como Niklas Luhmann, Gnther
Teubner, entre outros.
Portanto, mesmo sendo a documentao indireta a tcnica principal da
presente pesquisa, a estratgia metodolgica funda-se na cognio via anlise
crtica da bibliografia disponvel acerca do assunto e na reviso criteriosa da
principiologia constitucional, social e trabalhista constantes da Carta Magna de 1988.
O mtodo de abordagem utilizado foi o dialtico, fundado na necessidade de
evoluo material do Direito e das relaes sociais do trabalho, assim como na
inconveniente inexistncia de uma sistematizao slida capaz de tornar lgica e
coerente a investigao das noes contraditrias que instrumentam a compreenso
das relaes trabalhistas.
A anlise da estrutura social dos discursos incidentes no ambiente de trabalho
exige um estudo tendo como base a interpenetrao de contrrios e
processualidade to caros s pesquisas de cunho jurdico-social, em especial no
contexto do processo globalizante sob uma perspectiva unitria, lastreada em
axiomas sociais do trabalho.
Nesse sentido, a dissertao em cincias sociais aplicadas possui cunho
eminentemente propositivo, no restringindo-se apenas a esse carter, mas
4 TEUBNER, Gnther. op. cit., 2005. p..66: o autor acredita que em outras palavras, a autoreferncia de sistemas sociais presume uma dualidade imanente para que se crie um crculo cujorompimento permite a criao de estruturas.
13
revestindo-se de ndole compreensiva e interpretativa, o que a completa em sentido
e funo.
Da projeo conceitual de limites tico-jurdicos ao do Estado no mbito
laboral, enfocada a partir da anlise crtica da norma fundamental de sua estrutura e
procedimento dos elementos de sua legitimao scio-poltica, parte-se para a
descritividade dos extremos de auto referncia com base nos interesses comuns dos
trabalhadores, facilitando significativamente a definio de objetivos e regulao do
contedo integrativo do meio laboral.
Ao longo de toda a construo cientfica da pesquisa, o instrumental da
representatividade sindical reconstrudo tendo por base a fenomenologia
comunicativa dos interesses comuns da classe trabalhadora enquanto verdadeiro
subsistema social.
As transformaes normativas no perodo constitucional ps 1988, so
enfrentadas enquanto tendncia de reestruturao dos modelos sistmicos de
representao com nfase na valorizao da busca pela representatividade sindical.
Por derradeiro, entende-se que as novas perspectivas dos entes sindicais
discutida enquanto elemento de conformao sobre interesses comuns,
fundamentos da legitimidade representativa dos interesses dos trabalhadores.
O presente estudo encerrar-se- com a viso conjuntural e especfica dos
desafios dos sindicatos e sua representao no contexto da fragmentao da cadeia
produtiva mundial.
Tem-se como objetivo colocar um ponto de luz sobre o tema representao
sindical, na busca de trabalho digno para o ser humano sob um regime democrtico
e de representao de anseios coletivos utilizando-se como meio o sindicato.
14
INTRODUO
A origem do movimento sindical est adstrita formao e consolidao da
massa operria que, por sua vez, tem por ncleo fundamental o trabalho livre, sem
sujeio pessoal.5
Sabe-se que a origem do movimento sindical est imbricada ao prprio
desenvolvimento do capitalismo que, fundado no axioma da acumulao de capital
com base no lucro, conduz a relao de trabalho a um padro de explorao do
trabalho livre sem precedentes na histria da humanidade.
nesse contexto de explorao e aviltamento da classe trabalhadora,
orquestrada pela ganncia inerente ao capitalismo, que a prpria evoluo sistmica
do capital reclama regulamentao no Brasil j no incio do sculo XX.6
Assim, possvel estabelecer-se a situao poltica com que, no caso
brasileiro especificamente, deu-se a emergncia da conscincia7 de classe enquanto
discurso no ambiente de trabalho. O proletariado, enquanto produto do capitalismo,
submete-se s regras de seu criador numa imbricao de interesses antagnicos
que se completam no todo, como frutos indissociveis de um contexto scio-
econmico delimitados no tempo e no espao.8
5 GODINHO, Maurcio Delgado. op. cit., 2006. p.301: o autor define o trabalhado livre sem sujeiopessoal como marco no desenvolvimento social.6 PRADO JNIOR, Caio. Histria econmica do Brasil. So Paulo: Brasiliense, 1970. p.265: valeaqui citar a idia do autor para quem ...a acumulao capitalista se faz efetivamente custa de umempobrecimento relativo da massa da populao e um acrscimo de explorao do trabalho.7 TEUBNER, Gnther. op. cit., 2005. p.63: nesse sentido, este autor explica a tentativa husserliana deintegrar a sociedade filosofia da conscincia; para ele, a comunicao entendida como meraorganizao de smbolos, enquanto a ...produo de sentido ocorre exclusivamente na conscincia.8 ANTUNES, Ricardo. Classe operria, sindicatos e partido no Brasil. So Paulo: Cortez, 1982.p.21: entende o autor que o proletariado no nasce, portanto, com uma conscincia de classeverdadeira, captadora da realidade e superadora da imediatidade, mas com uma conscincia de seumomento permeada pela ideologia burguesa.
15
O progresso industrial brasileiro no veio fundamentado em bases slidas de
desenvolvimento, ...acompanhado de uma prosperidade geral que constituiria
importante circunstncia para um desenvolvimento econmico harmnico e bem
fundamentado....9
No obstante, a Repblica Velha pouco se preocupou com os movimentos de
agregao proletria, j que o vrtice da economia estava direcionado agricultura
de exportao. Em termos de liberdade sindical e sindicalismo, a Constituio de
1891 adotou o modelo liberal de gesto social, tendo o Estado brasileiro adotado
posio absentesta ao interesse social na conformidade dos interesses do discurso
incidente no sistema produtivo.
A incipiente industrializao e o discurso anarquista das lideranas proletrias
afastavam ideologicamente a atuao sindical dos embates contra a explorao
capitalista e contra a acumulao de poupana forada, que deriva do acrscimo de
explorao do trabalho.10
Questes sindicais, liberdade associativa e autonomia dos entes de
representao dos interesses dos trabalhadores foram institutos de inspida
construo jurdica, pelo menos at a dcada de trinta do ltimo sculo, na medida
em que se tinha um ambiente pouco propcio formao de uma estruturada
conscincia de classe. Isso at certo ponto compreensvel, pois o forte esquema
de dominao poca pelo capital trabalhava constantemente e de forma acirrada a
reproduo de uma ideologia na qual o trabalhador encontrava-se apto ao trabalho,
mas inerte aos seus direitos trabalhistas.
9 PRADO JUNIOR, Caio. op. cit. p.331.10 Ibidem, p.265: o acrscimo de explorao do trabalho, no entendimento de Prado Jnior, o quena linguagem tcnica dos economistas ortodoxos se denomina poupana forada, se bem que setrate no caso de um tipo curioso de poupana, pois quem poupa so os trabalhadores, mas quem seapropria da poupana assim realizada, so os capitalistas seus empregadores...
16
Nesse sentido, Caio Prado Jnior entende que:
A vida econmica no funo de fatores internos de interesses enecessidades da populao que nele habita, mas de contingnciasda luta de monoplios e grupos financeiros internacionais. O queconta nele so os braos que podem ser mobilizados para o trabalho,as possibilidades naturais que seu solo encerra, o consumidorpotencial que nele existe e que, eventualmente, uma campanhapublicitria bem dirigida pode captar.11
Enquanto isso, a Revoluo de 1930 passvel de ser considerada como um
mero rearranjo dos blocos do poder central.12 A oligarquia federalista, fragmentada e
compartimentada nas diferentes regies brasileiras, largamente separadas e
desarticuladas pela falta de transporte e estrutura de comunicao, com produo
voltada ao exterior, foi rapidamente organizada a partir de uma centralizao poltico-
administrativa, com fundamentos para uma eficiente poltica13 intervencionista e
industrialista.
Contudo, o Decreto Lei 19.770 lanou, em 1931, as bases do que
posteriormente viria a ser a estrutura sindical corporativista; embora ainda sob a
gide do liberalismo, o Estado j se lanava regulao dos movimentos operrios,
como rudo14 comunicativo gerador de distrbios sistmicos dirigidos ao crescimento
econmico.
O Estado varguista, porm, parte em direo ao controle dos movimentos
operrios, reprimindo-os e manipulando-os como decorrncia desta nova funo
estatal: o fomento da economia.
11 PRADO JUNIOR, Caio. op. cit. p.279.12 LUHMANN, Niklas. Sociologia do direito. Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1985. p.56: nota-seextrema coerncia na manifestao do autor ao afirmar que quando o homem se v confrontado comuma alta complexidade irreconhecivelmente flutuante, surgem tipicamente estratgias de defesa, defragmentao, de generalizao e neutralizao.13 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.73: vale aqui subsidiar-se neste autor, para quem o...robustecimento em todos os nveis do aparelho estatal imps uma limitao da prtica polticaautnoma e independente do movimento operrio.14 Rudo Comunicativo deve ser entendido enquanto conceito de distoro, variao.
17
Tal posicionamento pode ser facilmente detectado em discurso proferido por
Getlio Vargas, reproduzido parcialmente a seguir:
[...] a decadncia da democracia liberal e individualista e apreponderncia dos governos de autoridade em conseqncia donatural alargamento do poder de interveno do Estado, impostopela necessidade de atender a maior soma de interesses e degarantir estavelmente, com recurso das compresses violentas, amanuteno da ordem pblica, condio essencial para o equilbriode todos os fatores preponderantes no desenvolvimento doprogresso social.15
Interessante dado surge no tocante prpria justificao ideolgica do
controle estatal sobre o movimento operrio, enquanto via de conformao dos
discursos sistmicos dos trabalhadores, ao reguladora do Estado, como luta
oficialmente organizada contra o insolidarismo.16 Sustentava-se, poca, que as
categorias profissionais no tinham conscincia de grupo; por isso, era necessrio
controlar, centralizar e coordenar os movimentos sindicais, organizando-os sob o
manto do Poder Pblico.17
Os direitos dos trabalhadores, consagrados na legislao trabalhista dos anos
trinta e incio da dcada de quarenta do sculo passado, no podem ser entendidos
apenas como conquistas unilaterais das classes operrias, mas, tambm, do prprio
Estado, que ganhou sustento nas bases sociais e lhes garantiu direitos, lanando a
essncia da desagregao via unicidade sindical. Mas tais direitos ainda
encontravam entraves para sua plena eficcia, uma vez que, segundo Ricardo
15 Apud FAUSTO, Boris. A revoluo de 1930. So Paulo: Brasiliense, 1987. p.110.16 OLIVEIRA VIANA. Problemas de direito sindical. Rio de Janeiro: Max Limonad, s.d. p.5: esteautor, um dos idealizadores do modelo corporativista de gesto sindical, afirma que o insolidarismo um dado sociolgico de nossa psicologia social, o que conduz o governo para uma polticavigorosamente orientada no sentido de dar uma verdadeira organizao social ao nosso povo.17 VIANNA, Luiz Werneck. Liberalismo e sindicato no Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978. p.6:coloca o autor que desde os primeiros dias, o pensamento revolucionrio sempre proclamou o firmepropsito de chamar o sindicato para junto do Estado, tirando-o da penumbra da vida privada, em quevivia, para as responsabilidades da vida pblica.
18
Antunes: o Estado iniciou a formulao de uma poltica sindical cujo aspecto
essencial era o seu carter controlador e desmobilizador.18
A coletivizao das demandas e a questo social ganharam dimenso
importante ...no s politicamente, mas porque a constituio de um parque
industrial exigia toda uma regulamentao ao mundo do trabalho, at ento
demasiadamente incipiente....19 Decorre, ento, a importncia em se passar o
controle das entidades sindicais para os braos do Estado, j que, de acordo com
Oliveira Viana: os sindicatos deveriam ser investidos dos atributos de verdadeiras
autarquias e elevados condio de pessoas de direito pblico.20
Foi a Constituio de 1937 que superou o modelo liberal de sindicalismo
vigente at a Constituio de 1934, ao estabelecer o controle rgido do Estado,
partindo para uma poltica de clara desmobilizao autoritria, orquestrada pelo
Governo.
A liberdade sindical passou a ser admitida somente sob uma de suas facetas,
ou seja, a que permitia-lhe a livre associao e certa autonomia de gesto. No
modelo adotado, tal liberdade veio balizada pela unicidade sindical, que restringia de
forma clara e objetiva a liberdade de associao sindical dos trabalhadores.
O modelo de desenvolvimentismo utilizado pelo Estado ditatorial de Vargas,
na Constituio de 1937, reclamava a unicidade sindical como condio de
governabilidade. Oliveira Viana descreve com brilhantismo tal situao, ao afirmar
que:
Para que uma poltica econmica nacional possa ser orientada peloEstado obvio - faz-se mister que o governo tenha poder parafazer chegar essa orientao s categorias de produo interessadas- o que s seria possvel com o sindicato integrado no Estado,
18 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.74.19 Ibidem, p.73.20 OLIVEIRA VIANA. op. cit. p.9.
19
controlado por ele, partilhando da autoridade deste para os efeitos dadireo e disciplina interna da prpria categoria. Ora, isto, comovimos, s seria possvel com o sindicato nico.21
Em 1943, a CLT - Consolidao das Leis Trabalhistas cria um sistema em
que, de fato, e segundo posicionamento de John D. French: ...os interesses
coletivos do trabalho so supostamente defendidos pelo governo por meio da
legislao, mas em que de fato os sindicatos so relativamente fracos.22
Tal Consolidao lana as bases do paternalismo progressista23 na poltica
social em benefcio dos trabalhadores, mas que, no fundo, no passou de uma
fraude social. O autor retro citado explica que no ... necessrio muito para se
perceber que o aparente contedo da lei poderia ser facilmente enfraquecido pelo
seu no cumprimento e por interpretaes jurdicas ou administrativas
equivocadas.24
A CLT estabelece normativamente um modelo de barganha social25 em que a
liberdade sindical era trocada pela observncia dos direitos individuais do
trabalhador. A CLT26 representa em seu texto todos os anseios do governo e das
elites; porm, sob a forma de direitos para as classes de trabalhadores.27
21 OLIVEIRA VIANA. op. cit. p.13.22 FRENCH, John D. Afogados em leis. So Paulo: Fundao Perseu Abramo, 2001. p.15.23 Ibidem, p.28: percebe-se inteligncia nos argumentos do autor ao expor textualmente que em vezde lutas por benefcios, tradicional paternalismo latino foi meramente transformado em paternalismodo Estado de Bem-estar social, com o governo agindo como benfeitor que concede benefcios demaneira arbitrria.24 Ibidem, p.15.25 Ibidem, p.30: expe o autor que para os analistas culturalistas, o resultado da heranapatrimonialista uma forma particularmente tutelar e paternalista de participao poltica, que podeser vista nos sindicatos sancionados pelo Estado e na organizao de grupos de interesses baseadosna hegemonia paternalista do Estado.26 Ibidem, p.32: a CLT analisada enquanto lei e desse modo, a lei no era vista como umaconstruo cultural, mas como um reflexo direto de uma ao intencional do Estado burgus. A CLTseria, dessa forma, uma imposio capitalista sobre os trabalhadores.27 Ibidem, p.32: o Estado brasileiro teria, assim, estabelecido um sistema de represso aostrabalhadores baseado no modelo corporativo e facista.
20
Sob essa tica, a natureza avanada das leis trabalhistas na Amrica Latina
era, de acordo com John D. French, um meio ...sutil de solapar a fora dos
sindicatos28 na medida em que, se fosse inteiramente cumprida, o standart social
por ela estabelecido estaria alm do que a economia da regio poderia suportar. E
continua o autor lecionando que ...tais leis desaceleravam o crescimento econmico
e efetivamente subvertiam a base lgica para a organizao sindical.29
A questo do referido conjunto de leis crucial para a compreenso do
modelo de gesto sindical que se orquestrou subseqentemente ditadura de
Vargas. O modelo de desenvolvimento foi mantido e o aviltamento da classe
operria, por meio de uma extensa e inaplicvel legislao trabalhista, restou
contnuo por um longo perodo de tempo, passando pelas constituies de 1946,
1967 e pela Emenda Constitucional n. 1/1969, at a Constituio de 1988.
Em paralelo alienao institucionalizada do modelo de gesto coletiva de
interesses, o modelo de acumulao econmica no Brasil e no mundo passou por
mudanas.
O discurso fordista, incidente sobre o modelo de explorao racional da mo-
de-obra, capitula face s tenses de reconstruo, ou seja, em face das foras
exgenas que redimensionam a estrutura original dos agentes nos subsistemas,
tornando-se menos produtivo a partir da sua incapacidade de agregao dos
interesses incidentes manifestos sobre sua base de produo.
As mudanas dos discursos racionalistas sobre a estrutura produtiva
instauram uma fase de reestruturao do modelo de gesto econmica. A
acumulao flexvel emerge-se num esquema transformador que impulsiona a
criao de verdadeiros subsistemas funcionais no ambiente de trabalho,
28 FRENCH, John D. op. cit. p.28.29 Ibidem, p.28.
21
representados por prticas progressistas que estruturam-se a partir do rudo
comunicativo derivado da incapacidade do direito oficial ao reconhecimento das
ordens scio-laborais subsidirias.
A pulverizao da mo-de-obra na disperso das unidades produtivas cria
uma desestabilizao dos agentes sociais, formando a base de eventos
comunicativos e originando novos padres de identidade social e relaes jurdicas,
vias de agregao coletiva pela base da politizao do interesse comum.
No conjunto das transformaes sociais do trabalho, definida a necessidade
de restruturao da representao coletiva em relao aos seus prprios fins.
Transformaes legislativas e na matriz dos movimentos representativos de anseios
coletivos foram operados reestruturao da representao sindical.
O modelo de gesto dos interesses da coletividade identificada avana sobre
a inverso lgica do sistema e reconhece, nos fatos sociais, a incidncia de
discursos de base comum, que devem ser entendidos enquanto fenmeno
lingstico do pluralismo de convices sobre fatos e interesses imanentes ao grupo
especfico. Verifica-se, no mbito das relaes sindicais, o incremento da
preocupao com uma prtica participativa e solidria no empreendimento.
Uma verdadeira ordem subsidiria de regulao jurdica emana dos
subsistemas laborais, cuja leitura poltica serve de elo comum aos diversos
ambientes funcionais fragmentrios. O direito oficial do sindicato tende ao
reconhecimento de que no mais define as dimenses de estrutura e funo dos
subsistemas sociais, restringindo-se ao desempenho da generalizao das auto
regulaes existentes.
22
1 FUNDAMENTOS DAS RELAES DE TRABALHO NO BRASIL E A INVERSODA LGICA SINDICAL
A anlise da histria do movimento sindical brasileiro tem como base a
simbologia da linguagem dos discursos categoriais incidentes no grupo de trabalho
especfico, cujas prticas sociais universalizadas esto impregnadas pela imposio
de valores e costumes derivados da identidade simblica das castas dominantes.30
A formao dos movimentos de representao coletiva brasileiros, que
normalmente so tidos como evidncias de conquistas sociais, podem ser
reconstrudos enquanto elementares da manipulao do capital sobre o iderio das
massas de trabalhadores.
Ressalte-se que o discurso histrico, derivado do embate capital-trabalho do
final do sculo XIX e primeiras dcadas do sculo XX, remanesceu incidente na
Constituio Federal de 1988, como se analisar adiante, motivo pelo qual o estudo
da formao de tais discursos categoriais se faz imprescindvel compreenso dos
contedos da estrutura de representao coletiva contempornea.
Os discursos das elites oligrquicas brasileiras do final do sculo XIX31 e
incio do sculo XX32 so instrumentos de regncia social integrativa, na medida
em que a disseminao da ideologia do capital no frtil perodo de transformaes
30 FAORO, Raymundo. Os donos do poder. Porto Alegre: Globo, 1985. p.411: entenda-se aqui que aconscincia do trabalhador sobre sua prpria identidade e seus interesses esto impregnados pelosinteresses daqueles que se valem da hiposuficincia. O autor exemplifica a questo da seguinteforma: A situao do agricultor - do senhor de terras, do aristocrata territorial, segundo aromantizao tradicional dos historiadores e socilogos - revela-se nas suas relaes comerciais, noestado de seus lucros e rendas.31 Ibidem, p.411: nesse sentido encontra-se o ancien regime brasileiro, sobre o qual este autor ilustrada seguinte forma: A fazenda cafeeira adotou, desde o comeo de sua expanso o modelo doestabelecimento do engenho de acar, calcada sobre a grande propriedade e a escravido.32 Ibidem, p.454: o iderio progressista ascendente dos fazendeiros paulistas do segundo reinado,nas dcadas de 70 e 80, os afastaram da monarquia. Faoro expe que o pressuposto da tese ser oenglobamento dos interesses agrrios numa s camada, onde se confundiram o complexoexportador, o comissionrio e o banqueiro, com o produtor, o senhor de engenho, o fazendeiro decaf e o criador de gado.
23
scio-culturais e econmicas da Repblica Velha criou uma identidade bsica sobre
uma plataforma mnima de interesses mtuos, identificados na binomial33
caracterstica da sociedade brasileira: dominantes e dominados.34
A anlise dos discursos sociais das classes antagnicas, sob a gide da
duplicao de sentido derivada da recursividade35 dos sistemas sociais dspares,
conduzem ao reconhecimento de uma esttica sistmica36 de legitimao das
expectativas sociais dos trabalhadores pelo discurso poltico dos interesses
dominantes. perceptvel que, no Brasil, em decorrncia parcial do modelo
negociado de transio poltica37, econmica e social, o discurso econmico38 impera
como fundamento para a lgica das massas.
A necessidade do capital pelo surgimento e consolidao das entidades
representativas dos anseios populares evidencia-se quando analisada a pluralidade
ideolgica dos movimentos espontneos de reivindicao social. Sob a influncia da
disseminao de valores divergentes aos interesses dos discursos econmicos,
33 FAORO, Raymundo. op. cit. p.454: no que se refere ao binmio em questo, o autor informa queno contexto polar senhor e escravo, sob a base do trabalho servil, se resumiria o contedo dasociedade.34 TEUBNER, Gnther. op. cit., 2005. p.36: nesse sentido, a obra Casa-Grande e Senzala de GilbertoFreyre, publicada em 1933, evidencia de forma cristalina o momento social brasileiro que setransformava no perodo, alterando-lhe no apenas a estrutura econmica, mas, tambm, asinstituies sociais e polticas de toda a nao. A obra em questo tem como canal forte deexpresso a percepo do atraso e da misria do povo brasileiro no perodo.35 TEUBNER, Gnther. op. cit., 2005. p.36: nota-se relevante astcia nos argumentos do autor, paraquem recursividade pode ser descrita como a duplicao da produo de sentido das operaesnormativas repetidamente aplicadas.36 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.57: a Teoria dos Sistemas Sociais deste autor analisada enquantomodelo de conceituao racional derivada da plasticidade representativa dos discursos sociais. Emoutras palavras, o sistema cria um padro, uma linha de comportamento esperado, uma estticacomportamental. Nesse sentido, entende Luhmann que outras transformaes podem serobservadas nos sistemas sociais que constituem a sociedade, e isso na medida em que eles,enquanto sistemas parciais da sociedade, generalizam suas expectativas.37 FAORO, Raymundo. op. cit. p.468: segundo este autor, a Constituio Republicana de 1891 ...temcarter puramente nominal, como se ela estivesse despida de energia normativa incapaz de limitar opoder ou conter os titulares dentro de papis prvia e rigidamente fixados.38 BARROS, Alice Monteiro. Curso de direito do trabalho. So Paulo: LTr, 2005. p.1160: sobre oconceito de categoria econmica, este autor explica que a solidariedade de interesses econmicosdos que empreendem atividades idnticas, similares ou conexas constitui o vnculo social bsico quese denomina categoria econmica. Cf. tambm o art. 511 da CLT, mantido na Constituio Federalde 1988.
24
embora sob a forma de sociais puros, a multiplicidade de interesses dos
trabalhadores foram inscritos nas bandeiras dos ajuntamentos das massas.
Torna-se menos aparente e desproporcional a fora simblica do capital,
quando o confronto de interesses se d com entidades coletivas equivalentes39 e
representantes dos componentes de base do prprio regime de acumulao
capitalista, a saber: a indstria e o trabalhador.
A evidente submisso dos discursos populares, derivados da leitura do direito
trabalhista, aos interesses do capital mitigam-se na medida em que a assimetria dos
poderes dos equivalentes tende equiparao.
Alm disso, a crise do capitalismo e da maturidade dos entes de
representao social combatida com a ideologia incidente nos discursos do capital,
subvertendo a ordem da lgica dos representantes do povo que, de forma
subserviente, alienam sua capacidade de mobilizao pela segurana aparente dos
direitos inatingveis40, o que representa a supremacia do discurso ideolgico
capitalista enquanto smbolo de poder.41
Nesse sentido, a construo instrumental42 dos discursos sociais incidentes
na origem do movimento sindical brasileiro possui, em si, um eixo lingstico de
reconstruo conceitual da realidade tendente ao estabelecimento de uma ordem de
39 Cf. GODINHO, Maurcio Delgado. op. cit., 2006. p.313.40 Cf. FRENCH, John D. op. cit. p.21.41 BOURDIER, Pierre. O poder simblico. Rio de Janeiro: Bertran Brasil, 2000. p.10.42 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.58: construo instrumental usada no sentido de construo deforma e modelo de um discurso comum, uma forma de conscincia e o autor afirma que No se tratade um direito que se forma no plano do sistema social e que possa ser reivindicado por qualquerterceiro que no tenha sido parte em sua constituio.
25
sentido imediato ao ambiente social, em uma espcie de gnoseologia regulada43 a
partir da normao enquanto regulamentao e distribuio de riscos.44
1.1 A transio negociada da agricultura indstria: a manuteno dos discursoseconmicos incidentes
Para a contextualizao do surgimento do iderio associativista brasileiro,
necessrio se faz a anlise crtica de fatos histricos ocorridos entre o final do sculo
XIX e o incio do sculo XX45, compreendendo que o Brasil apresenta um modelo
hipertardio46 de capitalismo.
O capital industrial nasceu como um desdobramento do capital cafeeiro47 que,
gerando as condies necessrias ao surgimento da indstria, criou limites48
concretos para sua expanso.
A movimentao da economia cafeeira criou o primeiro impulso para o
fornecimento de crdito, que primitivamente resumia-se a financiadores particulares,
tendo os fazendeiros seus emprstimos entre si com base apenas na confiana
pessoal. O desenvolvimento da agricultura criou a figura do comissrio, elo entre a
43 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.54: esta terminologia utilizada no sentido de conhecimentocoordenado no mbito dos sistemas de interao social, conforme explica Luhmann, ressaltando que...em termos genricos, as expectativas congruentemente generalizadas no fornecem umasegurana suficiente com respeito conduta.44 Ibidem, p.54: este autor afirma que ...por isso, as trincheiras contra o perigo no podem mais sererigidas no terreno da oposio entre o legal e o ilegal; elas atravessam o prprio direito comoregulamentao e distribuio de riscos.45 FAORO, Raymundo. op. cit. p.468: nesse sentido, entende o autor que os processos primitivosno se coadunam com a prosperidade do plantio. O agricultor encontra no comprador da safra onatural financiador, mediante uma sistema simples e natural de crdito: a safra futura em troca dasnecessidades para o custeio e expanso.46 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.21: essa expresso utilizada por Antunes e apresenta certacoerncia com as idias contidas no presente trabalho.47 FAORO, Raymundo. op. cit. p.412: segundo este autor, com as promessas da dcada de 30aumentando o ritmo cafeeiro, estimulado pela procura e pelos preos, o crdito tornou-senecessidade maior do que o contingente prprio do agricultor, a fazenda.48 CNDIDO FILHO, Jos. O movimento operrio. Petrpolis: Vozes, 1982. p.125: o autorargumenta de forma inteligente o assunto, expondo alguns limites histricos como, por exemplo, acrise monrquica e a Repblica Oligrquica de 1870 a 1930; as transformaes econmicas; odeclnio da escravido; e a expanso de trabalho livre.
26
plantao e a exportao.49 No Rio de Janeiro e nas capitais emergem as primeiras
casas bancrias, o que impessoalizou os vnculos entre devedor e credor.
A dinmica da relao oligarquia agrria e industriria o substrato scio-
econmico sob o qual se ergue o movimento operrio e o sindicalismo brasileiro.
Importa ressaltar que no Brasil no ocorreu o modelo clssico50 e revolucionrio de
transio do campo para o capitalismo urbano-industrial.
O processo de transio da matriz econmica brasileira foi marcado por uma
profunda e gradual conciliao reformista51, na qual a oligarquia latifundiria migrou
em direo ao capitalismo industrial, numa espcie de conciliao de contrrios:
progresso e atraso formando uma massa nebulosa com origem num passado
clientelista e oligrquico, ou seja, coronelista52, e com desdobramento na base do
industrialismo do sculo XX.
O mesmo discurso de explorao da oligarquia cafeeira53 remanesceu no
contexto industrial, observando-se, assim, a transformao dos eixos econmicos
sob a gide de discursos de explorao.54
49 FAORO, Raymundo. op. cit. p.412: sobre o assunto, o autor entende ser este um grande captulona histria econmica do Brasil, o que circula entorno do comissariado, turvado, ensombrecido,esquecido. Dele, comerciante urbano, se irradiar a energia, o sangue e a vibrao que vivificam afazenda, ditando a quantidade e a qualidade do plantio. Senhor do crdito ser o senhor da safra,decretando a grandeza ou a runa do fazendeiro.50 Cf. ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.21.51 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.58: o autor manifesta-se de forma inteligente sobre a formao dossistemas parciais da sociedade, explicando que, por isso, apenas os membros desses sistemasparciais esto vinculados, enquanto atores e espectadores, normatividade dessas expectativas;...52 FAORO, Raymundo. op. cit. p.621: este autor resgata que o coronel recebe seu nome da GuardaNacional, cujo chefe, do regimento municipal, investia-se daquele posto, devendo a nomeao recairsobre pessoa socialmente qualificada, em, regra detentora de riqueza, medida que se acentua oteor de classe da sociedade.53 Ibidem, p.455: o autor explica que a expanso da lavoura paulista se d com a concorrncia dotrabalho livre e ressalta que os ...frutos da extino do trfico e a pequena prole escrava produzem,nas trs ltimas dcadas do sculo, todos os seus resultados.54 Ibidem, p.620: segundo Faoro, o ...bacharel reformista, o militar devorado de ideais, orevolucionrio intoxicado de retrica e de sonhos, todos modernizadores nos seus propsitos, tm osps embaraados pelo lodo secular.
27
Leve-se em conta que o processo de industrializao e modernizao da
economia brasileira pode ser classificado, em nvel poltico, como sendo um
reformismo pelo alto55, sem participao dos segmentos populares.
O discurso da reforma das matrizes econmicas emerge enquanto discurso
das elites econmicas56, como decorrncia inevitvel da defasagem do modelo de
acumulao econmica agrria do Imprio; isso frente ao enriquecimento sem
precedentes a que a matriz de circulao industrial proporcionava no ambiente da
Repblica, mediante crescimento exponencial da circulao de riquezas.
Nesse sentido, Caio Prado Jnior coloca que:
Transpunha-se de um salto o hiato que separava certos aspectos deuma superestrutura ideolgica anacrnica e o nvel das forasprodutivas em franca expanso. Ambos agora se acordavam.Inversamente, o novo esprito dominante, que ter quebradoresistncias e escrpulos poderosos at havia pouco, estimularativamente a vida econmica do pas, despertando-a para iniciativasarrojadas e amplas perspectivas. Nenhum dos freios que a moral e aconveno do Imprio antepunham ao esprito especulativo e denegcios subsistir; a ambio do lucro e do enriquecimentoconsagrar-se- como um alto valor social. O efeito disto sobre a vidaeconmica do pas no poder ser esquecido nem subestimado.57
A Repblica possibilitou a ruptura com a frmula do equilbrio conservador do
Brasil Imprio, proporcionando a indivduos e classes a possibilidade de romperem
os paradigmas do ento sistema de acumulao econmica, transformando-os, no
raramente, em especuladores e negocistas engajados no crescimento proporcional
da circulao de riquezas por via do fortalecimento proporcional do comrcio.58
55 FAORO, Raymundo. op. cit. p.622: possui lgica os argumentos do autor, que evidencia ainexistncia de representatividade social dos atos da elite poltica nacional, representada na figurados coronis que, na passagem do regime imperial ao republicano, tm sua funo eleitoralexacerbada.56 PRADO JUNIOR, Caio. op. cit. p.209: na viso deste autor, ...a Repblica, rompendo os quadrosconservadores dentro dos quais se mantivera o Imprio apesar de todas suas concesses,desencadeava um esprito e tom social bem mais de acordo com a fase de prosperidade material emque o pas se engajara.57 Ibidem, p.209.58 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.49.
28
No houve no Brasil espao para a evoluo histrica do trabalho de forma
gradativa: da agricultura para o artesanato; deste para a manufatura; e desta para
grande indstria.
O processo de industrializao brasileiro tem a peculiaridade do salto do
sistema agrrio ao predomnio da grande indstria, que pode ser entendida,
segundo Ricardo Antunes, como o ...organismo de produo inteiramente objetivo
que o trabalhador encontra pronto e acabado como condio material de
produo.59
Em 1808, a abertura dos portos brasileiros aniquilou a rudimentar indstria
artesanal do Brasil Colnia, j que a concorrncia dos produtos artesanais da
localidade com as mercadorias estrangeiras, em igualdade de condies, impediu o
desenvolvimento da produo local.
A industrializao brasileira se deu tardiamente face aos entraves que
embaraavam o progresso60, em um momento j avanado das guerras imperialistas
e subordinao aos plos polticos hegemnicos das economias centrais, tendo-se
em vista que, segundo Caio Prado Jnior, ... a ao perturbadora da finana
internacional que procura se imiscuir e penetrar cada vez mais profundamente na
vida econmica do pas.61
59 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.49.60 PRADO JNIOR, Caio. op. cit. p.257: expe o autor que alm da deficincia de energia, faltou aoBrasil outro elemento fundamental da industria moderna: a siderurgia.61 Ibidem, p.221.
29
1.2 A resposta operria ao descompasso comunicativo dos movimentos s elites
A Repblica Velha e seu sistema poltico eleitoral coronelista62 pouco se
preocupou com os movimentos de agregao proletria, pois o vrtice da economia
ainda estava direcionado agricultura; porm, com um discurso de progressismo63
industrial.
Enquanto discurso incidente no simbolismo social de poder dirigido
consolidao do proletariado urbano, o liberalismo social submete-se aos interesses
polticos do capital como elemento chave para a formao dos mercados de
consumo integrantes das novas matrizes da economia.
A industrializao e o anarquismo difundido entre as lideranas proletrias
afastavam ideologicamente64 a ao dos titulares da representao coletiva dos
entraves da explorao.
Face a pluralidade ideolgica dos movimentos de agregao, o trabalhador
urbano se perdia numa espcie de deriva comunicativa65 na medida do
descompasso lingstico entre a manifestao dos discursos da oligarquias
dominantes, que implementavam mudanas estruturais na economia do pas, e os
discursos de reivindicao social.
62 FAORO, Raymundo. op. cit. p.622: para este autor ocorre que o coronel no manda porque temriqueza, mas manda porque se lhe reconhece esse poder, num pacto no escrito. Ele recebe - recebeou conquista uma fluida delegao, de origem central no Imprio, de fonte estadual na Repblica,graas a qual sua autoridade ficar sobranceira ao vizinho, guloso de suas dragonas simblicas e dasarmas mais poderosas que o governador lhe confia. O vnculo que se outorga poderes pblicos vir,essencialmente, do aliciamento e do preparo das eleies, notando-se que o coronel se avigora como sistema da ampla eletividade dos cargos, por semntica e vazia que seja essa operao.63 Ibidem, p.625: sobre o assunto, Faoro entende que enquanto o futuro no chega, organiza-se oregime, sob a indiferena das camadas liberais, que viram, desde logo, a excluso irremedivel dopovo das decises polticas.64 Cf. PINHEIRO, Paulo Srgio; HALL, Michel M. Classe operria no Brasil: 1889-1930. In: Omovimento operrio. So Paulo: Alfa Omega, 1979. p.41-ss.65 Cf. TEUBNER, Gnther. op. cit., 2005. p.99.
30
Em razo proporcional ao crescimento da economia, o movimento social
impregnava-se de contedo anarquista de ultra-esquerda66 e concentrava foras na
luta contra o sistema e o capitalismo, em detrimento dos interesses imediatos das
classes operrias exploradas nesse frtil perodo de mudanas.
A percepo do descompasso comunicativo67 simblico entre a conjuntura da
agregao de trabalhadores e a consolidao na nova matriz industrial tornara-se
evidente. O movimento social dos trabalhadores comeou a idealizar a necessidade
de uma integrao de interesses sociais ao conjunto da simbologia dos discursos
das elites econmicas, ou seja, uma contra-resposta reivindicatria explorao do
trabalho em linguagem materialmente verossmil aos interesses dos operadores
econmicos.
Por meio de um persuasivo movimento de conscientizao e marketing
poltico, o 1 Congresso Operrio Brasileiro (a COB68), de 1906, pela primeira vez
permitiu a coordenao do movimento sindical no Brasil. Finalmente, uma linguagem
poltica comum e prpria dos operrios foi criada como uma reao ao ambiente de
excluso simblica das reivindicaes sociais no mbito de discusso entre
empresariado e governo.69
Apesar da forte influncia revolucionria imperante nos discursos sociais, a
COB no revestiu-se de cunho anarquista, produzindo resolues muito mais
66 SKIDMORE, Thomas. Brasil. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1976. p.29: sobre o assunto, o autorexplica que o movimento sindical (de propores extremamente modestas em 1930) estavadestroado por lutas entre anarquistas, trotsquistas, comunistas e radicais.67 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.60: explica o autor que atinge-se um novo patamar da complexidadesocial, para o qual os modelos explicativos antigos, por exemplo, tornam-se inadequados.68 PINHEIRO, Paulo Srgio; HALL, Michel M. op. cit. p.41-ss: no captulo 6 da obra em questo, osautores estudam as bases ideolgicas do 1 COB.69 Idem, p.46: os autores resgatam o disposto na Ata do COB, texto que aqui reproduzidoparcialmente, a saber: Considerando que o operariado se acha extremamente dividido em suasopinies polticas e religiosas; que a nica base slida de acordo e de ao so os interesseseconmicos comuns a toda a classe operria, os de mais clara e pronta compreenso...
31
sindicalistas que revolucionrias.70 Criou-se, inicialmente, um consenso acerca do
contedo mnimo pelo qual os trabalhadores deveriam lutar. Laicidade e desapego
poltico foram palavras-chaves fundamentais para que se criasse uma linguagem
comum e uma agenda mnima de reivindicaes consensuais.
Portanto, a COB foi um importante marco na determinao da origem do
movimento sindical brasileiro. Os discursos anarquistas e revolucionrios, entretanto,
remanesceram operantes no cho de fbrica71 e, por algum tempo, tanto quanto no
seio dos movimentos de organizao sindical.
Depreende-se da COB que os movimentos sociais formaram um discurso
acerca de uma estrutura de reivindicao parecida, em alguns aspectos restritos,
com o que na dcada de trinta do sculo passado constituir-se-ia o sindicato
institucional, na medida em que lanaram o embrio da noo de categoria e as
bases para uma propaganda e um discurso comum organizados.
O movimento laboral, pela primeira vez, parece ter alado vo junto
politizao dos discursos dos interesses dominantes, mediante a transcrio dos
embates sociais em linguagem simblica, com argumentao jurdica clara e
neutralidade aparente. Nesse sentido, a recursividade72 dos discursos dos
trabalhadores criou a base para a construo de uma efetiva plataforma de
reivindicaes.73
70 PINHEIRO, Paulo Srgio; HALL, Michel M. op. cit. p.41: nesse sentido: De fato as resolues docongresso so muito mais sindicalistas que revolucionrias.(do anarquismo dificilmente se encontraalgum trao).71 Termo coloquial designativo do ambiente fabril de interao proletria.72 TEUBNER, Gnther. op. cit., 2005. p.36: o autor explica o que pode ser chamado de confusorecursiva, ou seja, duplicao da produo de sentido pela ressurgncia do evento.73 Ibidem, p.47: Teubner aqui apropria-se do conceito de Corporate Actor, aplicado ao ente derepresentao coletiva de anseios sociais dos trabalhadores.
32
1.3 A evoluo do capital no Brasil e o corporativismo do sindicalismo brasileiro
A intensificao da industrializao e urbanizao do Brasil, decorrente da
mudana de paradigmas scio-econmicos, como fruto da evoluo do capitalismo
brasileiro, gerou o agravamento da questo social.74
Ao longo de sua evoluo no sculo XX, o movimento operrio brasileiro
revestiu seu discurso social de maturidade sistmica75, dirigindo-se consolidao
de uma plataforma slida de reivindicaes sociais e agregando fora de
mobilizao de classe em discursos simblicos juridicizados e impregnados de
contedo poltico.
O ambiente de liberalismo associativista76 vigorante na Repblica Velha no
mais se coadunava com o aumento da fora das reivindicaes dos trabalhadores.
O discurso comum em torno da questo social se avultava em fora e legitimao.77
A massa de trabalhadores, a partir da linguagem comum, consolidava-se enquanto
fora de desestabilizao da ordem absentesta da Repblica Velha.78
Segurana, previsibilidade e calculabilidade79 frente ao conjunto de reclames
sociais, origem de verdadeiros embates entre os trabalhadores e as classes
industririas, passou a ser necessrio ao empresariado, j que o capital traz consigo
74 PINHEIRO, Paulo Srgio; HALL, Michel M. op. cit. p.41-ss.75 Conforme analisado anteriormente, no item 1.2 deste captulo, o movimento sindical brasileiro, adespeito das influencias ideolgicas, concentrou reivindicaes numa pauta mnima, j desde o 1Congresso Operrio Brasileiro, em 1906.76 Terminologia referente a poltica estatal do leisse fair social, analisado no item 1.2 deste captulo77 FAORO, Raymundo. op. cit. p.674: o autor explica que na reao contra a desordem e a anarquia,identificadas nas sedies militares, cristalizava-se o nacionalismo na defesa da autoridade acuada.78 Ibidem, p.675: entende o autor que a separao entre povo e governantes, entre sociedade eEstado, no seria vista como mal a remediar, tal a distncia existente na cultura, na riqueza, noshbitos.79 LUHMANN, Niklas. op. cit. p.56: atado ao conceito de trivialidade desenvolvido por este autor, paraquem trivialidade significa grande indiferena com respeito s diversidades. Para todos os indivduos,quase todas as prescries no possuem qualquer significado com o qual eles possam identificar-se.
33
o embrio do direito laboral como uma necessidade de suas prprias leis de
desenvolvimento.80
O prprio capital precisa da regulao de seu plo reflexo para a eventual
unificao das reivindicaes e criao de uma linguagem unificada, simblica e
criadora de um ambiente complexo de discusso trabalhista afastado do todo
social.81 Os detentores do capital sentiram a imprescindibilidade de uma regulao
mais clara e minuciosa dos movimentos operrios como base para a standartizao
das reivindicaes sociais.
1.4 A crise do capitalismo e a mudana do modelo de gesto da questo social
A crise do setor agrrio-exportador e a desestabilizao da indstria nascente,
derivados do crash da bolsa de Nova Iorque, em 1929, reclamou do Estado brasileiro
a redefinio de sua posio poltico-econmica.82
Iniciou-se, assim, uma nova fase institucional caracterizada pela necessidade
de reestruturao do papel do Estado, enquanto agente de fomento econmico. A
Administrao Pblica, enquanto gestora do desenvolvimento nacional, passa a ter
um papel essencial na conduo da economia e nas finanas do pas.83
O Estado varguista movimentava-se em direo ao controle dos movimentos
sociais, reprimindo-os e manipulando-os, como decorrncia dessa nova esttica
80 MISAILIDIS, Mirta Gladys Lereno Manzo de. Os desafios do sindicalismo brasileiro diante dasatuais tendncias. So Paulo: LTr, 2001. p.18: nesse mesmo sentido, entende a autora que essecapitalismo crescente, que desconhecia ou negava direitos subjetivos aos assalariados, trazia, porsua vez, de forma embrionria, o direito laboral como uma necessidade de suas prprias leis dedesenvolvimento.81 FAORO, Raymundo. op. cit. p.676: o autor explica que com a mudana no campo operrio, e scom ela, o nacionalismo da ordem imprime ao seu iderio a preocupao de guardar autonomiacontra as exacerbaes operrias, com teor repressivo sob o molde de integrao corporativa.82 Ibidem, p.714: entende o autor que a crise determinava, portanto, o comando sobre osfundamentos da economia: o caf e o cambio.83 Ibidem, p.716: sobre o assunto, expe o autor que o Comando externo da produo agrcola, dosmeios de transporte e da industrializao cede o lugar ao interna e oficial, com a conseqente enecessria mobilizao popular vinculada ao reforo autoritrio e centralizador do governo.
34
funcional estatal - o fomentador da economia. Segundo Ricardo Antunes: ...o
robustecimento em todos os nveis do aparelho estatal imps uma limitao da
prtica poltica autnoma e independente do movimento operrio.84
Portanto, o discurso social precisava, na viso desenvolvimentista do Estado,
de uma reconstruo de sentido mediante a implementao de um discurso
simblico apartado da realidade das ruas, das fbricas e das massas operrias. Era
necessrio afastar a discusso das reivindicaes polticas e a negociao
decorrente do alcance das massas. nesse contexto que a luta material por direitos,
com o uso da fora, se transmuta por meio da implementao de um parmetro
normativo, em um embate terico comunicativo transposto na esttica do discurso
civilizado e juridicizado dos advogados e jurisconsultos. A linguagem tcnica e
normativa transformava embates fsicos em argumentos jurdicos civilizados e
afastados do uso comum do proletariado reivindicante.85
A origem do sindicato e da regulao rgida dos movimentos revindicatrios
de direitos sociais liga-se, portanto, intimamente a um discurso base do
desenvolvimento do capitalismo brasileiro.86 Aos trabalhadores, enquanto agentes
sociais coletivos aptos implementao de atos de repercusso social, tornava-se
imperiosa a entrada no ambiente fechado de linguagem utilizada pelo binmio
capital-governo.87
No obstante, a representao coletiva viu-se obrigada a ceder,
reorganizando-se para o implemento da linguagem comum dos seres coletivos
84 ANTUNES, Ricardo. op. cit., 1982. p.73.85 Ibidem, p.73: nota-se posio inteligente nos argumentos deste autor, interpretados com nfase nasimbologia da linguagem de Luhmann.86 Cf. OLIVEIRA VIANA. op. cit. p.13.87 TEUBNER, Gunther. op. cit., 2005. p.94: sobre a questo o autor explica ... necessrio reconhecer asfronteiras do sentido que separam discursos fechados.
35
envolvidos.88 Simbolicamente, o trabalhador percebeu-se diante da necessidade de
organizao institucional para que, em conjunto, pudesse adentrar no universo
lingstico dos empresrios e do governo.
Por outro lado, aos empresrios e ao prprio governo, a institucionalizao
dos movimentos sociais pr-direitos trabalhistas unificam as reivindicaes das
categorias profissionais que, uniformizadas, controladas e reguladas, tornam-se
previsveis, principalmente se discutidas em linguagem comum, civilizada,
juridicizada e afastada do conjunto das outras reivindicaes sociais.
88 TEUBNER, Gunther. op. cit., 2005. p.94
36
2 IDEOLOGIA E REPRESSO: O DISCURSO SIMBLICO DE PODER DOSSINDICATOS BRASILEIROS NO SCULO XX
Ao longo da histria brasileira no sculo XX, os sindicatos passaram por uma
redefinio de papel enquanto rgos de representao coletiva, revestindo-se de
poder de representatividade regulada por lei.89 Com efeito, um poder invisvel,
normativo, que s pode ser exercido com a cumplicidade dos sujeitos que a ele se
submetem voluntariamente, sem atinar conscientemente submisso quando
considerada em si prpria.
O discurso sindical reveste-se de esttica simblica de poder face
regulamentao e controle estatais e os discursos da liderana coletiva obreira
reconstruem a realidade ao estabelecerem uma ordem de sentido imediato naquele
momento, adequada aos anseios do Estado.
Nesse sentido, Maurcio Delgado Godinho resgata que:
A evoluo poltica brasileira no permitiu, desse modo, que o Direitodo Trabalho passasse por uma fase de sistematizao econsolidao em que se digladiassem (e se maturassem) propostasde gerenciamento e soluo de conflitos no prprio mbito dasociedade civil, democratizando a matriz essencial do novo ramojurdico. Afirmando-se uma intensa e longa ao autoritria oficial(ps-1930) sob um segmento scio-jurdico ainda sem uma estruturae experincia largamente consolidadas (como o sistema anterior a30), disso resultou um modelo fechado, centralizado e compacto,caracterizado ainda por incomparvel capacidade de resistncia edurao ao longo do tempo.90
Nesse contexto de anlise, os discursos sociais podem ser compreendidos
como verdades instrumentais de dominao. Com a defesa das ideologias, cria-se
uma ordem no caos, uma plataforma mnima de interesses e, segundo Pierre
89 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.63: o autor detecta que essa organizao paternalista, imposta aosetor operrio por Vargas, era parte de uma estrutura econmica corporativista global, que o governodo Estado Novo armou para toda a sociedade urbana.90 GODINHO, Maurcio Delgado. op. cit., 2006. p.113.
37
Bourdier, as ideologias ...servem interesses particulares que tendem a se
apresentar como interesses universais, comuns ao conjunto do grupo.91
Portanto, o discurso das classes econmicas assegura uma rede de
comunicao fundada na simbologia da linguagem comum a todos os seus
membros, identificando-os entre si e, ao mesmo tempo, distinguindo-os dos outros e
das outras classes, beira do sectarismo.
Considerando-se que as relaes de fora so relaes de comunicao, na
medida em que dependem do poder acumulado ou atribudo ao agente
comunicador, as lutas econmicas e polticas eufemizam-se em torno da homologia
da luta que a produo ideolgica de classes perfaz.
na correspondncia das estruturas em litgio que se encontra a funo
ideolgica do acoplamento dos discursos incidentes92 e o ponto comum dos
contrrios a base sob a qual se ergue os reflexos da ideologia implementada pelo
Estado.
A lgica especfica do funcionamento do campo jurdico est duplamente
determinada: de um lado, as relaes comunicativas de fora especfica; e de outro,
as limitaes da lgica interna do ordenamento jurdico, que delimita em cada
momento a ordem dos possveis93, condicionando o universo das solues jurdicas
propriamente ditas.
O mesmo embate de linguagem simblica se opera no sentido de que h uma
visvel concorrncia pelo monoplio da jurisdictio, do dizer o Direito administrao
de litgios. A normatizao exacerbada dos discursos das classes reivindicantes
91 Cf. BOURDIER, Pierre. op. cit. p.10.92 TEUBNER, Gnther. op. cit., 2005. p.91: o autor analisa a interdiscursividade dos discursosautnomos e seu simultneo acoplamento estrutural.93 O Princpio Constitucional da Reserva do Possvel trabalhado pelo constitucionalista J.J.Canotilho.
38
encontra, na juridicizao crescente das relaes de fora, operadores do Direito
despojados de influncias com vistas uma transparncia, independncia e
neutralidade aparente, visando universalizao dos discursos dominantes e
criando-se, assim, certa estabilidade na posio dos discursos preponderantes,
instrumento de pacificao social tendenciosa.
Nesse sentido, o domnio da sistemtica jurdica do capital comunicativo
judicial se auto-completa pela tcnica de racionalizao, que transforma as lutas
sociais materiais implementadas pelas representaes de interesses sociais, antes
dispersas, em lutas simblicas. No discurso jurdico os adversrios terminam-se
como partcipes de uma cumplicidade nica, servindo-se uns aos outros, na medida
em que a concorrncia entre os intrpretes est adstrita interpretao regulada dos
textos normativos, decorrentes dos atos de fora polticos balizadores da deciso
judicial.94
A racionalizao dos discursos do direito sindical possui eficcia simblica a
partir da lgica imposta pela exacerbao da forma, do direito formal, tendendo a
contaminar o contedo. O formalismo do ritual serve como verdadeiro standart
lingstico de eficcia reconhecida e legitimada socialmente.
Quando permutados em embates lingsticos decorrentes de argumentos
racionais, os conflitos inconciliveis pressupem a prpria existncia de um pessoal
especializado, instrumentadores de solues socialmente reconhecidas como
imparciais, pois que definidas sob o manto de uma lgica coerente, racional e
independente de antagonismos imediatos.
Nesse contexto, a deciso judicial, compromisso poltico de exigncias
inconciliveis, apresenta uma sntese lgica da ambigidade do Judicirio. O campo
94 Cf. BOURDIER, Pierre. op. cit. p.15.
39
do Direito face ao positivismo jurdico est a servio do poder que, embora
aparentemente neutro, reveste-se de uma politizao disfarada decorrente da
linguagem.95
Em especfico ao Direito do Trabalho e s relaes sindicais, cabe ressalva
no sentido de que a vulgarizao do conhecimento jurdico trabalhista no possui o
condo de elo entre os leigos e o discurso de tcnica, o qual, impelido pela lgica da
concorrncia conserva-se como monoplio sobre a cientificidade da interpretao
legtima como reao desvalorizao dessa disciplina no campo jurdico.
A transparncia estruturante de uma plataforma simblica de linguagem, de
uma ordem de sentido clssica, identifica o instituto separando-o do todo, o que
tambm ocorre no Direito do Trabalho e, em especial, com as regras pertinentes ao
sindicato enquanto instrumento coletivo dotado de legitimidade negocial.
De incio, releve-se o reconhecimento de que o Direito Coletivo do Trabalho
normatizado com nfase organizao e conteno do discurso social.96 As
reivindicaes coletivas so universalizadas a partir da imposio dos valores e
costumes derivados da identidade simblica com o interesse constitudo.97
Uma bandeira, um ideal, s torna-se universalizvel na medida em que
transforma-se em um discurso passvel de positivao social. O contedo normativo
importa, pois explica a imposio de prticas s massas, influencia a atribuio de
valores (os costumes) e at mesmo de vontades do Estado dominante; este, por sua
vez, atende aos anseios de uma poltica econmica industriria.
95 Cf. BOURDIER, Pierre. op. cit. p.15.96 AROUCA, Jos Carlos. Repensando o sindicato. So Paulo: LTr, 1998. p.442: sobre a questodo regime corporativista, o autor entende ficar claro que numa concepo de Estado Corporativista, osindicato, necessariamente considerado como seu colaborador, como, alis, todas as organizaessociais.97 VIANNA, Luiz Werneck. op. cit. p.6: no que se refere aos interesses do Estado e da representaocoletiva, este autor entende que desde os primeiros dias, o pensamento revolucionrio sempreproclamou o firme propsito de chamar o sindicato para junto do Estado, tirando-o da penumbra davida privada, em que vivia, para as responsabilidades da vida pblica.
40
necessrio o entendimento de que os valores anrquicos manifestos como
contra-poder, em reao explorao do trabalhador, s negocivel se
considerados como positivveis98, passveis de delimitao, negociao e insero
no corpo das normas de direito autnomo.
Os operadores sindicais tm papis importantes nesse contexto de discurso
simblico de poder, na medida em que se conduzirem, no sentido da deteno do
monoplio do conhecimento dos limites, efeitos e operabilidade da carta sindical
frente aos representantes das categorias econmicas.
A conscincia derivada de uma anlise de depurao lgica do contexto a
que o conjunto das circunstncias scio-econmicas conduz o aparato ideolgico
dos sindicatos, e aponta para a redefinio da posio dos agentes sindicais frente
aos fatos sociais.
Nesse novo ambiente circunstancial de normatizao estatal, os sindicatos
trazem as aspiraes do proletariado ao universo lingstico simblico dos
representantes do capital.
O que se presencia a transformao da luta de classes em uma verdadeira
luta simblica; a fora fsica e material sendo transmutada simbolicamente, em luta
normativa, mediante a regulamentao institucionalista da era Vargas.99
2.1 O movimento operrio: 1930 a 1946
Inicialmente, para um maior aprofundamento na anlise da ideologia e da
represso aos movimentos sindicais no perodo de corporativizao, torna-se
98 Entende-se como Direito Positivo aquele com delimitao objetiva no texto normativo.99 GODINHO, Maurcio Delgado. op. cit., 2006. p.110: vide o Decreto Lei n. 19.770/1931 que, segundoeste autor, cria uma estrutura sindical oficial, baseada no sindicato nico (embora no obrigatrio),submetido ao reconhecimento pelo Estado e compreendido como rgo colaborador deste.
41
necessrio um estudo do contexto scio-econmico precedente deste perodo
histrico.
O movimento sindical brasileiro surge num Estado marcado por
conseqncias do capitalismo atrasado e por estruturas patriarcais e clientelistas
histricas, que delimitaram os contornos das bases sob as quais o populismo100,
derivado do modelo de transio sem rupturas, haveria de erguer-se.
Ressalte-se que, como j explicado, o movimento sindical no incio do sculo
XX era livre e dotado de certa autonomia. O Estado brasileiro alinhava-se com o
modelo liberal de gesto pblica, mas a questo social, entretanto, era tratada como
caso de polcia.
fato que no momento em que a redefinio da posio do Estado tornou-se
imperativa frente as novas demandas do capital101, a questo social avultou-se e a
necessidade de sua regulao tornou-se evidente. O modelo de gesto
corporativista102 haveria de ser implementado, sistema este em que, de acordo com
Kenneth Paul Erickson, ...a nfase principal no dada liberdade do indivduo,
mas sim a seu papel produtivo na sociedade.103
100 WEFFORT, Francisco. O populismo na poltica brasileira. Rio de Janeiro: Paz e Terra, 1978.p.35-36: para o referido autor o termo populismo significa um fenmeno de participao poltica dasclasses populares urbana, ...particularmente naquelas cidades de maior ritmo de crescimento, maisfortemente atingida pelo desenvolvimento industrial e pelas migraes.101 FAUSTO, Boris. op. cit. p.111: este autor entende o facismo brasileiro, nosso, com intuito defortalecer a unidade ptria, satisfeita a representao de classes a que tende o socialismo moderno.102 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.67: expe o autor que ...o Estado Novo presidiu fixao dosprimeiros salrios mnimos. Ao mesmo tempo, o Ministrio do Trabalho criava o aparelho sindicalcontrolado pelo governo, que se tornou importante instrumento da interveno do Estado na polticasalarial.103 ERICKSON, Kenneth Paul. Sindicalismo no processo poltico no Brasil. So Paulo: Brasiliense,1979. p.14.
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Vale aqui ressaltar que Getlio Vargas104 desenvolveu o Estado intervencionista
e adotou o modelo corporativista de gesto sindical, sob o argumento de que o Estado
s interveio porque os trabalhadores no foram capazes de se organizar entre si.
Uma das principais funes do modelo de burocratizao e corporativizao
da gesto sindical no Brasil foi assegurar a iseno do discurso poltico dos
trabalhadores, utilizando-se de um rgido controle ideolgico dos movimentos
sindicais por parte do Estado intervencionista.105
2.2 O movimento operrio: 1946 a 1984
Com o fim da Segunda Guerra Mundial, a ditadura de Vargas tornou-se
insustentvel politicamente106 e, sua deposio, inevitvel. Contudo, mesmo aps a
queda do regime varguista, muito pouco se modificou na estrutura do modelo
sindical. Na viso de Kenneth Paul Erickson, ...o sistema poltico brasileiro foi
apenas semicorporativista entre 1946 e 1964, pois combinou estruturas com
instituies representativas de um Estado democrtico e liberal.107
Nos anos subseqentes deposio Vargas, o modelo sindical corporativista
foi mantido ntegro; permanecendo assentado, ainda, sob suas trs vigas mestras: o
Sindicato, a Justia do Trabalho e o Sistema Previdencirio. Nesse sentido, Marcelo
Badar Matos explica que vrias Instituies, mecanismos e propostas do Estado
104 FAUSTO, Boris. op. cit. p.49: acredita este autor que se o desenvolvimento industrial no foi oobjetivo da prtica poltica de Vargas, entre 1930-1937, isso no significa que o Estado tenha adotadouma linha contrria aos interesses da burguesia industrial.105 FRENCH, John D. op. cit. p.13: nesse sentido, o autor explica que a CLT estabelece, porexemplo, as regras para criao das organizaes de classe de empregadores, empregados,profissionais liberais e autnomos.106 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.72: para o autor, os brasileiros tinham se dado conta da anomaliade lutar pela democracia no exterior, enquanto persistia uma ditadura em seu prprio pas.107 Cf. ERICKSON, Kenneth Paul. op. cit. p.14.
43
Novo resistiram ao perodo de redemocratizao de 1945 - 1964. Mas, a mais
significativa [...] foi a estrutura sindical.108
O general Dutra, presidente eleito democraticamente, exprimia flagrante
proposta de continuidade do estilo adotado no regime varguista; porm, sem as
caractersticas autoritrias. Thomas Skidmore explica que sua campanha era
discreta e dirigida a capitalizar o apoio da rede poltica dos situacionistas, antigos e
novos herdados de Vargas.109
O general Dutra mostrou-se tranqilamente apoltico no incio de seu mandato
e, de acordo com Thomas Skidmore, ...gozou de uma lua-de-mel poltica durante o
seu primeiro ano, quando a UDN cooperou com o seu governo nas tarefas imediatas
de reconstruo do ps-guerra.110
No perodo de redemocratizao, o movimento sindical intensificou-se, apesar
da reminiscncia do uso de institutos destinados ao enfraquecimento dos
movimentos sociais como forma de represso.
No evidente af democrtico, sobretudo quando o popular ex-ditador Getlio
Vargas rompeu publicamente contra o governo, as greves e a intensificao das
atividades sindicais e partidrias tiveram resposta imediata: um claro endurecimento
das relaes do Estado com os entes de representao coletiva dos trabalhadores,
a partir da represso governamental ao movimento social.111
A democracia, em 1946, trouxe consigo, um perodo de grande agitao
social. A liberdade e a autonomia sindical intensificaram-se enquanto institutos de
108 MATOS, Marcelo Badar. O sindicalismo brasileiro aps 1930. Rio de Janeiro: Jorge Zahar,2003. p.25.109 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.89.110 Ibidem, p.91.111 Ibidem, p.93: expe o autor que defrontando com essa crescente fora, o governo de Dutra decidiuusar a represso.
44
Direito.112 A interveno do Ministrio do Trabalho estava restringida, embora
latente.113
Uma das principais funes do modelo de burocratizao e corporativizao
da gesto sindical no Brasil foi assegurar a iseno do discurso poltico dos
trabalhadores, por meio de um rgido controle ideolgico dos movimentos sindicais
por parte do Estado intervencionista.114
Contudo, sucedendo Dutra, Vargas retorna democraticamente Presidncia
da Repblica em 1951, deparando-se o ex-ditador com um pas diferente daquele
que havia governado.
A sociedade havia se transformado e apresentava uma estrutura de classes
nitidamente diferenciada115, sem que alcanasse, segundo Thomas Skidmore, a
...auto-conscincia capaz de produzir uma poltica aguda de orientao de
classes.116
Em sua nova gesto, Getlio Vargas subestimou o poder da classe mdia, em
que pese o relevante papel que desempenhou em sua eleio de 1950. Em 1953, o
descontentamento da classe mdia projetou-se politicamente com a eleio
inusitada do professor Jnio Quadros117 para a prefeitura de So Paulo. A crise
poltica enfrentada por Vargas culminou no suicdio do presidente em 24 de agosto
de 1954.
112 GODINHO, Maurcio Delgado. op. cit., 2006. p.1362: o autor explica que na verdade, o conjuntodo modelo justrabalhista oriundo entre 1930 e 1945 que se manteve quase intocado.113 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.148: nesse sentido, coloca o autor que depois de expurgar aliderana dos sindicatos trabalhistas, o governo de Dutra apenas explorou o controle do Ministrio doTrabalho sobre a maquina sindical, de maneira a evitar a inquietao operria.114 FRENCH, John D. op. cit. p.13: sobre o assunto, o autor frisa que a CLT estabelece, por exemplo,as regras para criao das organizaes de classe de empregadores, empregados, profissionaisliberais e autnomos.115 Cf. SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.111.116 Ibidem, p.111.117 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.154: explica o autor que Jnio Quadros ...estava capitalizando ainsatisfao da classe media diante do seu quinho no desenvolvimento econmico brasileiro.Canalizava tambm o seu desejo de uma ordem poltica isenta de corrupo, na qual os direitos docidado comum fossem iguais aos dos que possussem influencia ou dinheiro.
45
Imediatamente seguindo-se a Vargas, assume o vice-presidente Caf Filho118,
que entrega a presidncia a Carlos Luz, ento presidente da Cmara dos
Deputados, como conseqncia de um ataque cardiovascular.
Aps conturbado panorama poltico119, inicia-se a era Juscelino Kubitschek e
seu nacionalismo desenvolvimentista. Segundo Thomas Skidmore, com a classe
trabalhadora, Kubitschek adotou uma poltica cautelosa de generosos aumentos
salariais e continuou com o controle governamental na estrutura sindical.120
Jnio Quadros, que pode ser identificado como um lder anti-Vargas, assume
o poder e desempenha flagrante esforo voltado reforma da estrutura sindical. O
autor retro citado explica que esse esforo para transformar o legado paternalista do
getulismo, dentro da rea de organizao trabalhista, constitua a contrapartida do
ataque de Quadros ineficincia do legado de Vargas no campo da administrao
estatal.121
Todavia, Jnio Quadros renunciou oito meses aps o incio do seu mandato,
cedendo s presses scio-polticas por ele chamadas de foras terrveis. Na
continuidade assume o poder Joo Goulart, sob forte oposio militar, mediante um
acordo pela instaurao de uma repblica parlamentarista, mas diante de um quadro
de instabilidade institucional no governo Jango e sua eventual vitria no plebiscito
pelo presidencialismo.
O fundamento da instabilidade poltica do perodo pr-golpe est no fato de
que a estrutura corporativa de gesto sindical no mais funcionava nos padres de
118 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.187: o autor resgata que o Presidente Caf Filho confessou que oseu governo no havia feito nenhuma tentativa para ser popular, mas pretendia apenas levar adianteuma srie de medidas essenciais a curto prazo.119 Ibidem, p.196: sobre o assunto, Skidmore acrescenta que por outro lado, Lott e seus colegasgenerais no se esforavam por provar suas suspeitas de um golpe iminente contra Kubitschek eGoulart.120 Ibidem, p.210.121 Ibidem, p.233.
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controle institucional idealizado. Sobre o assunto, Kenneth Paul Erickson explica
que:
A participao popular se acelerou, enquanto se aprofundavam asdivises entre as elites polticas, e alguns polticos transferiramcrescentes recursos polticos aos representantes das massastrabalhadores em troca de seu apoio.122
Houve um desmantelamento democrtico da estrutura de controle estatal com
o surgimento de uma liderana popular de origem sindical, que defendia um conjunto
ideolgico fragmentado e no mais sujeito planificao de contedo e controle de
poder que o ius imperi estatal lhes impunha.
Foi esse contexto de reajustamento e legitimidade do poder sindical que
conduziu o presidente Joo Goulart esquerda, o motivo do golpe militar123
orquestrado pela extrema direita, com o devido suporte estratgico do governo norte
americano124 e da Igreja Catlica que, posteriormente no evoluir da histria, sob
influncia das alas progressistas, apoiou os movimentos sociais125 frente
intensificao da represso e perseguio poltica.
Uma fase de autoritarismo corporativista foi instaurada pelos militares nos
anos que sucederam o golpe. Institutos jurdicos foram reavivados e outros surgiram
para desestruturao ideolgica e controle direto dos sindicatos pelos governos.
A Constituio de 1946 foi revogada pela de 1967, que passou pela Emenda
de 1969, Cartas essas que sofreram o influxo de diversos atos institucionais, todos
122 ERICKSON, Kenneth Paul. op. cit. p.17.123 Ibidem, p.18: sobre o assunto, o autor afirma que foi esse poder que dirigiu Goulart para aesquerda, deflagrando a reao direitista que terminou com a tomada do poder pelos militares.124 SKIDMORE, Thomas. op. cit. p.393: em que pese o autor defender a tese de inexistncia decorrelao direta entre o Golpe de 64 e o governo norte americano, este mesmo estudioso assim semanifesta: Parece claro, porm, que a embaixada norte-americana estava bem informada sobre osesforos dos conspiradores.125 BOITO JNIOR, Armando; et al. Sindicalismo brasileiro nos anos 80. So Paulo: Paz e Terra,1991. p.14: nesse sentido, o autor explica que ao avanar a transio democrtica, estreitou-se aligao dos sindicalistas autnticos com os setores progressistas da Igreja.
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usados como legitimadores da revoluo. No fundo, o conjunto de transformaes
orquestradas pelos militares dirigia-se exclusivamente ao aniquilamento das contra-
elites potenciais. As posies dos Poderes Legislativo e Judicirio se relativizaram
em funo da desproporo aviltante de equilbrio a que o Executivo se auto-
proclamou.
O controle governamental sobre os sindicatos tornou-se extremado e lderes
sindicais, agora taxados de subversivos, eram perseguidos.126 O poder de
interveno do Ministrio do Trabalho foi aumentado e o Executivo Federal vetava
chapas e destitua diretorias de sindicatos.
O governo atingiu o controle das organizaes sindicais, redefinindo seus
perfis e, consequentemente, aumentando seu controle sobre tais rgos. Os
sindicalistas, escolhidos cuidadosamente pelos militares, eram obrigados a assinar
termos em que se comprometiam com o respeito Constituio e s leis do pas.
Uma vez redefinida normativamente a direo dos sindicatos, o governo
incentivou e incrementou sua funo assistencialista.127 Passou-se, ento, a
incentivar a sindicalizao, j que o sistema sindical corporativo, burocratizado e
apoltico, firmava-se como verdadeiro brao do Estado dirigido conformidade das
classes com a Lei e a Ordem.
O governo reestruturou a previdncia social, retirando dos sindicatos seu
poder de ingerncia sobre to magnficos instrumentos de poupana pblica.128
126 GODINHO, Maurcio Delgado. op. cit., 2005. p.113: sobre essa questo, o autor manifesta-se daseguinte forma: tudo isso sem falar na profunda represso dirigida ao movimento sindical durante aditadura - que tinha o condo de silenciar esta importante fonte de apoio efetividade do ramojustrabalhista.127 MATOS, Marcelo Badar. op. cit. p.57: o autor expe que esse lado assistencial dos sindicatos foifortalecido pela injeo de recursos do governo...128 Entenda-se aqui uma referncia para previdncia enquanto elemento de poupana pblica,peclio.
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Tais medidas intimidaram os trabalhadores que, em 1972, desenvolveram
tcnicas de barganha fundadas no mais nos sindicatos - que, como rgos do
Estado, sempre desencadeavam uma represso drstica s iniciativas dos
trabalhadores -, mas fundadas nos comits de fbrica. Tratava-se de um rearranjo
interno dos sindicatos no sentido da defesa dos interesses da classe. Buscava-se
um afastamento da legalidade institucional como via fundamental para a defesa de
direitos trabalhistas.129
Os sindicalistas da poca perceberam que seria muito mais vantajoso a
contratao coletiva, via comit de fbrica, que a negociao em ampla escala para
toda a categoria com o intermdio do Estado que sub-rogava-se funo de
sindicato. Surge, ento, o que pode-se denominar difuso embrionria dos institutos
inerentes contratao coletiva.
O que aconteceu nesse perodo da histria brasileira, no mbito das
relaes sindicais, foi o acirramento das questes lanadas pelo Estado Novo,
s que reestruturadas sob o prisma de um governo militar autoritrio.
A represso dos militares se deu com base no inst