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SacerdoteS 12

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A Floresta de Pedra

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Capítulo 12 – A Floresta de Pedra

Meithel pegou uns pães que encontrou no armário e colocou-os em sua bolsa. Estava numa das casas que não haviam sido completamente consumidas pelo fogo, que eram poucas. Não fazia nem uma hora que Tunmá havia despontado no horizonte e já estavam todos acordados. Buor fora completamente destruída, então decidiram procurar por coi-sas que pudessem ser úteis na jornada. Meithel estava procurando por comida: frutas, pães e qualquer outro alimento que pudessem carregar. Laserin ficou encarregada de procurar por água, deveria haver alguma fonte por ali, e Elkens estava procurando por outras coisas que pudes-sem ser de alguma serventia, como cordas, cobertores, remédios, entre outras coisas. Gauton estava sozinho, esperando pelos companheiros na saída da ci-dade. Tinha um mapa de Gardwen aberto no chão, e analisava o ca-minho que teriam de percorrer. Pelos seus cálculos, chegariam à Flo-resta de Pedra dentro de dois ou três dias, mas não sabia se deveriam ou não atravessá-la. Normalmente as pessoas evitam passar por ela, quando podem, e Gauton jamais conversara com qualquer um que ti-vesse feito isso. A floresta era desconhecida e ele não tinha qualquer detalhe sobre ela. Discutiria isso com Elkens e Meithel mais tarde. À frente da Floresta de Pedra estavam os campos e savanas, já no reino de Mondel e adiante delas, o deserto Arkver. Lá estavam Netai e Ke-tai, marcadas em seu mapa com o um símbolo que representa um dos quatro portais paralelos para os Domínios da Magia. Era um longo caminho a percorrer… Mais alguns minutos se passaram, então Elkens apareceu. Estava com sua bolsa cheia de novo. Havia encontrado facas, cordas, coberto-

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res para viagem (quentes e leves), remédios, mapas, bolsas novas, en-tre muitas outras coisas. — Decidiu para onde iremos agora? – perguntou Elkens sorrindo pa-ra Gauton, que estava sentado no chão estudando o mapa de Gar-dwen. — Ainda estou em dúvida. Quero que você e Meithel decidam se de-vemos passar ou não pela Floresta de Pedra. Não sei nada sobre ela e não sei o que poderemos encontrar lá. Pode ser perigoso… Mas Elkens não estava ouvindo. Estava olhando para trás, para a cidade destruída, com preocupação no olhar. Alguma coisa estava atormentando-o e Gauton resolveu perguntar: — Tudo bem com você? Elkens não respondeu de imediato. Continuou olhando para a cidade por mais algum tempo antes de resolver dizê-lo: — É que não acho correto deixá-los aí. — Do que está falando? — Dos corpos. Não acho correto deixá-los todos aí, apodrecendo ou sendo comidos por animais selvagens. Gauton olhou para a cidade. Vários corpos estavam visíveis, caídos pelo chão. Mulheres, homens, idosos e crianças, todos mortos cruel-mente e abandonados. Uma verdadeira e terrível carnificina. — Mas não podemos enterrá-los – disse Gauton. – Não podemos perder mais tempo então não poderemos fazer nada por eles. Teremos de deixá-los aí. Elkens não gostou de ouvir aquilo, mas ficou quieto. Gauton tinha razão. Era horrível a idéia de deixar tantos corpos para trás, mas ain-da mais horrível era pensar no que poderia acontecer se eles perdessem mais tempo. Não tinham escolha.

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Logo foi Laserin quem apareceu. Estava trazendo os cantis de cada um deles cheios d’água, além de alguns outros que havia encontrado perto da fonte. E pouco tempo depois apareceu Meithel, com duas das bolsas de couro cheias de alimentos. Eles colocaram tudo no chão e di-vidiram tudo para que ficasse mais fácil para carregar, então parti-ram. Estavam subindo pelo vale agora. A cidade de Buor fica no meio da Velha Estrada, de modo que continuavam seguindo por ela. Cada um deles vinha comendo uma fruta, pois não tinham mais onde guardá-las e não queriam deixar para trás o alimento que talvez fizesse falta. A Velha Estrada seguiria agora para a próxima cidade que ficava no caminho entre os reinos de Kadharran e Mondel, mas a próxima cida-de ficava mais ao sul, o que significava que não poderiam continuar seguindo pela estrada. Por volta do meio dia pararam para descansar alguns minutos, então a estrada fez sua curva para a cidade de Odá-rio e eles tiveram de deixá-la para trás. Por onde seguiam agora estava longe de ser chamado de caminho. Ha-via trechos em que o mato era maior que eles e dificilmente seguiam numa única direção. Gauton seguia à frente do grupo, que agora an-dava em fila indiana, e conduzia-os pelo caminho que achava melhor. Faziam curvas constantemente, desciam, subiam e às vezes até volta-vam pelo caminho para tentar encontrar um lugar mais fácil para se-guir. Por mais de uma vez Laserin teve certeza de já ter visto uma pe-dra ou uma árvore pela qual já haviam passado, mas não dizia nada, apenas sorria e continuava andando. Gauton parava constantemente, sem dizer nada, e eles tinham de ficar vendo-o fazer coisas que não faziam o menor sentido, mas não ousavam se intrometer. Gauton pa-rava para analisar a direção do vento, o solo, para ver Tunmá e a for-

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mação das nuvens, e tinha momentos em que ficava sem fazer nada, imóvel. Elkens e Meithel se olhavam e riam em silêncio, mas não ou-savam interromper o que quer que fosse que Gauton estivesse fazendo. Mas também haviam vezes em que ele fazia coisas que pareciam ser realmente úteis. Realizava feitiços de Mensageiros, nenhum dos quais Elkens ou Meithel compreendessem o objetivo, mas sabiam que esta-vam ajudando Gauton a escolher o caminho correto. Houve um momento em que ele conjurou quatro pequenos pássaros, ou ao menos pareciam isso, e os mandou cada um para uma direção dife-rente. Gauton ficou parado por vários minutos sem dizer nada, como se esperasse que algo acontecesse, até que finalmente os pássaros vol-taram. Cada um deles parecia se comunicar com Gauton e, após faze-rem isso, desapareceram. — É por aqui! – disse Gauton contente, escolhendo um novo caminho para seguirem. Não é feitiço de luz, observou Meithel surpreso, é conjuração avança-da. Realmente os pássaros não eram formados por luz, eram pássaros de verdade, pássaros criados e treinados em algum lugar, talvez nos pró-prios Domínios da Magia, por Gauton ou outra pessoa. Normalmente os protetores usam feitiços de luz, pois a luz é a energia mais fácil de se manipular e muitas vezes a mais poderosa. Mas há muitos feitiços que são baseados em energias diferentes da luz, mas seu uso exige muito treinamento. Há os feitiços de som, cujos feitiços mais comuns se baseavam em encantamentos ou maldições, ou feitiços de calor, que geralmente incluem os feitiços de grande destruição, entre outros. Con-juração avançada não pertence à nenhum desses tipos, mas ainda as-sim é algo difícil de se fazer. Meithel consegue conjurar fogo, mas ainda assim precisava de algo para manter o fogo aceso. Gauton havia

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conjurado pássaros, vivos ou não, Meithel não soube com exatidão, que faziam um reconhecimento de território, algo que poderia ser mui-to útil dependendo da situação. Mas esse não foi o único feitiço que Gauton utilizou para se guiar. Houve momentos em que ele conjurava uma flecha de luz que apontava determinado caminho para ele seguir, ou ainda linhas de luz que se cruzavam no ar a sua frente e formavam diversos mapas e, através deles, Gauton obtinha diversas informações do terreno. Por dois dias o caminho parecia não ter mudado nada. Eles seguiam sempre atrás de Gauton, que constantemente utilizava seus feitiços de Mensageiro para se orientar. Paravam de andar apenas no fim do dia, quando preparavam acampamento e se fartavam com o que haviam encontrado nas casas de Buor. O terceiro dia começou como todos os outros. Comeram e logo começaram a andar atrás de Gauton, mas aquele não seria um dia como os outros dois. Durante a manhã, en-quanto caminhavam atrás do Mensageiro, Meithel entrou num assun-to que fez Elkens sorrir. — Eu sabia que mais cedo ou mais tarde você iria me perguntar isso – Elkens admitiu para o amigo ao ouvir o que ele tinha a dizer. — É – Meithel concordou. ‒ Você usou a Máscara Nai-Kanitalen na floresta antes do lago Lushizar, para nos salvar daqueles demônios – Meithel fez uma pausa, dando à Elkens tempo para confirmar o que ele dizia. ‒ Fiquei grato por aquilo, realmente, mas acho que deveria ter nos contado que estava carregando uma relíquia da Alma escondi-da no fundo da sua bolsa. Não podia guardar esta informação para você, era importante que soubéssemos. — Eu sei, mas não vou me desculpar. Foi meu tutor quem me pediu para guardar segredo; você sabe que tive que trazer isso escondido, pois não iriam permitir que um mero Sacerdote como eu carregasse al-

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go tão valioso. E o mesmo vale para Mifitrin. Acho que agora já não tenha importância que você saiba disso: Mifitrin também está andan-do com uma relíquia do Tempo escondida em sua bolsa. — E qual a importância disso para a missão? – Meithel quis saber. — Não sei – respondeu Elkens com sinceridade. – Foi Morton quem mandou Kalimuns fazer isso. Quando Mifitrin e eu voltamos no tem-po, foi ele quem nos disse o que fazer. Não sei o que ele pretende, mas você se dá conta de que temos o controle de uma relíquia de cada Ele-mento? Temos a Máscara Nai-Kanitalen, uma parte do Cristal de quatro Faces e a relíquia de Mifitrin, que não sei qual é. Não sei o motivo, mas acho que Morton queria que as três relíquias fossem reu-nidas. Acredito que haja um motivo maior para isso, algo que ainda não descobrimos ou que ignoramos. Mas o fato é que tudo foi idéia de Morton, então não podemos questionar, apenas aceitar. Depois de algumas horas observando Gauton em silêncio, realizando feitiços e marcando informações em seu mapa de Gardwen, finalmente ele parou e sorriu, então disse: — Chegamos! Eles deram os últimos passos, subindo à última colina que os separa-vam da Floresta de Pedra, e então a viram. — Aqui estamos – disse Gauton. – Apreciem a Floresta de Pedra! Elkens adiantou-se e olhou para algo que parecia ser um imenso lago. Sobre a água surgiam inúmeras pontas de pedra; toda a vastidão do lago era repleta dessas pontas de pedra, como estalagmites gigantes. Mas foi depois de alguns segundos, fascinado com a visão do lago, que Elkens percebeu que não era um lago. Uma nuvem que estava cobrin-do Tunmá se deslocou e um de seus raios caiu sobre eles, revelando que não era água o que estavam vendo, era uma névoa muito espessa, qua-se anormal.

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— E agora? – perguntou Gauton olhando para os companheiros. – O que faremos? — Vamos continuar – disse Meithel decidido. – Somos protetores, o que pode haver aí dentro de tão perigoso para nós? Elkens continuou olhando para a Floresta de Pedra. A névoa à frente deles era tão densa que ele não pôde ver nada além da floresta, o que sugeria que ela era imensa. — Os Mensageiros não passam por aqui – disse Gauton. – Pelo me-nos nunca ouvi falar de um que passou por aqui. Há onze lugares em toda Gardwen que os Mensageiros não ousam atravessar, e a Floresta de Pedra é um deles. — Mas então o que faremos? – perguntou Elkens. Gauton agachou-se e abriu seu mapa de Gardwen no chão. Ele colo-cou o dedo sobre um determinado ponto e disse: — Estamos aqui – ele afastou o dedo para outro ponto, num dos ex-tremos do mapa – e é para cá que estamos indo. Como estamos com pressa, precisamos seguir em linha reta até as Montanhas Gêmeas, pa-ra economizar tempo, mas essa linha passa exatamente em cima da Floresta de Pedra. Como podem ver neste mapa, a floresta não é tão grande para se atravessar e, dependendo de como é o caminho, pode-mos fazer isso em uns dois dias. Mas a floresta é comprida, então le-varemos no mínimo o dobro disso se formos dar a volta. Nunca passei por ela, mas no nosso caso talvez isso seja necessário, então deixo a decisão com vocês. Gauton deixou Meithel e Elkens à vontade para analisarem o mapa e eles o fizeram. — Como é o caminho além da floresta? – perguntou Elkens. — Relativamente fácil – informou Gauton. – Plano na maior parte, e não precisamos passar por nenhuma floresta, talvez um bosque ou ou-

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tro dependendo do caminho que seguirmos. Há alguns rios, mas não vejo nenhum problema nisso. — Então podemos dar a volta – disse Elkens. – Podemos perder um pouco de tempo agora e recuperá-lo depois, e não correremos riscos num lugar desconhecido. Gauton concordou com a idéia de Elkens, mas estava esperando a de Meithel, que ele sabia o que estava pensando. — Vamos atravessar a floresta – disse ele por fim e Gauton não se surpreendeu. – Não podemos perder um minuto sequer. Pessoas podem estar morrendo dentro dos Domínios da Magia enquanto conversa-mos. Elkens olhou de Meithel para Gauton, mas o Mensageiro tirou seu corpo fora: — A decisão cabe à vocês – disse, mas depois acrescentou: – Os dois argumentos são válidos, mas o que eu posso dizer é que talvez a Flo-resta de Pedra seja apenas isso, uma floresta, e talvez nem tenha nada lá que devemos temer. Concordo com Meithel quando ele diz que de-vemos ser rápidos, pois meus amigos também estão lá dentro. Laserin não dizia nada. A visão da floresta a deixava nervosa, mas estava disposta a passar por ela. — Então está decidido – disse Meithel. – Vamos passar pela Flores-ta de Pedra! E assim fizeram.

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A névoa que os envolvia era gelada. Era tão densa que mal podiam enxergar três metros à frente. As árvores de pedra eram grandes, cada uma com quinze ou vinte metros de altura. Pequenos riachos corriam entre as árvores, vindo de todos os lados e indo para todas as direções. Havia trechos em que não havia água, mas havia outros em que anda-vam com a água pelos joelhos, mas o caminho sempre se alterava. O silêncio, entretanto, era mais gelado que a própria névoa. Gauton seguia à frente do grupo, como sempre, guiando-os, cumprindo sua obrigação como Mensageiro. Laserin, Meithel e Elkens vinham logo atrás, ainda em fila indiana. Ainda não fazia uma hora que es-tavam na floresta e já estavam completamente encharcados, dos pés à cabeça. Laserin não se queixava do frio, mas não via a hora de sair daquele lugar. — Temos que andar mais rápido se quisermos sair logo desta floresta – disse Gauton – e devemos evitar paradas desnecessárias. Ninguém respondeu. O silêncio era terrível, mas assim que Gauton falou perceberam que preferiam continuar em silêncio. Não podiam ver nada muito além e isso os deixava com a sensação de que poderiam ser ouvidos por al-guém ou por alguma coisa que não podiam ver. Sem mencionar que a névoa parecia sufocar inclusive o som de suas vozes… — Aposto como está sentindo falta do vilarejo agora, não é? – per-guntou Meithel tomando coragem e quebrando o silêncio. Estava se dirigindo à Laserin; a garota estava com medo e frio e Meithel resol-veu conversar com ela para animá-la, ao menos um pouco. A garota forçou um sorriso e admitiu: — Sinto – então voltou a ficar em silêncio por um momento, como se tentasse se lembrar de algo que há muito havia esquecido. – Sinto fal-ta de uma boa cama para se dormir à noite e… das comidas. Todo

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mundo no vilarejo se sentava junto na grande mesa que ficava no pátio. Sempre fazíamos a comida juntos e comíamos juntos… E nas noites frias acendíamos várias fogueiras… – os olhos dela brilhavam enquanto falava – e também sinto falta das pessoas, principalmente de Tûm e Baldor. Meithel ficou contente com o resultado que conseguiu obter. Laserin estava sorrindo e parecia ter se esquecido do medo. Apesar de estar en-charcada e com frio, estava feliz. — Quem é Baldor? — Meu amigo – respondeu Laserin e sorriu mais ainda. Ela colocou a mão nos cabelos e tocou a faixa azul que os prendia. – Foi ele quem me deu esta faixa, no dia em que partimos. Ele disse que se eu não voltar logo para o vilarejo, ele vem atrás de mim. Meithel não disse nada, apenas sorriu. Percebia agora que Laserin es-tava dizendo aquelas coisas mais para ela mesma do que para ele. — Mas eu não me arrependo de ter vindo, se é isso o que pensa – dis-se ela de repente. – Sei que às vezes pensam que eu quero voltar e que estou com medo, e às vezes realmente estou, mas definitivamente não quero voltar. Um dia, talvez, mas antes eu queria entender quem sou. Sempre soube que era diferente, não sei por que, mas eu podia sentir isso; mas com vocês eu não sinto essa diferença… Meithel se surpreendeu com o rumo que a conversa estava tomando. — Eu sinto que sou igual a vocês, quero dizer, sinto que poderia ser igual a vocês – Laserin continuou. Ela se sentia envergonhada de di-zer essas coisas, por isso olhava para os próprios pés. Desde que co-nheceu Elkens e os outros, desejou ser igual a eles, desejou tanto que chegou a acreditar que isso era possível. Mas agora que ela havia co-meçado, iria até o fim: – Isso é possível, não é Meithel? Digo, que eu seja uma protetora igual a vocês…?

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Ela ficou em silêncio por um momento, esperando que alguém disses-se algo ou mesmo que caçoasse dela, mas ninguém fez isso, então to-mou coragem e continuou: — Será possível que eu seja uma de vocês? Ela continuou com a cabeça abaixada, com medo da resposta, mas não houve resposta. Ela levantou a cabeça e sentiu uma pontada no cora-ção com o susto que levou. Estava sozinha! Não havia mais ninguém com ela. Gauton, Meithel, Elkens… todos se foram. Estava completamente sozinha em meio à névoa gelada e as grandes estalagmites que chamavam de árvores de pedra. — MEITHEL! – gritou ela desesperada. – MEITHEL! ELKENS! Não houve resposta. — GAUTON! Nada. — MEITHEL! – ela continuou. – EL-kens… – mas de repente sua voz falhou. Suas pernas bambearam e ela se apoiou na árvore de pe-dra que estava às suas costas, então escorregou e ficou sentada no chão. Tentou gritar de novo, mas sua voz ficou entalada na garganta e não demorou para que começasse a chorar. Estava completamente sozinha. As lágrimas escorriam pelo seu rosto e a névoa a envolvia completa-mente. Não conseguia ver nada muito além de onde estava. Tentou se acalmar e ouvir alguém, talvez chamando por ela, mas isso também não aconteceu. — Não chore minha pequena. O coração de Laserin disparou. Ela reconheceu a voz imediatamente, mas não conseguia acreditar que o dono dela estava ali. Poucos se-gundos depois foi capaz de ver um homem se aproximando. Era Tûm.

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— Não há motivo para temer – disse ele estendendo-lhe a mão. Laserin não sabia o que dizer. Estava tão surpresa em vê-lo, mas ao mesmo tempo tão contente. Não estava mais sozinha. Ela aceitou a ajuda e segurou-se em sua mão para se levantar do chão. — Senhor Tûm – disse ela finalmente. – O que está acontecendo? El-kens e os outros desapareceram e agora o senhor… Tûm não respondeu, apenas encarou Laserin nos olhos. Havia algo es-tranho neles. Os olhos de Tûm estavam vermelhos. Não vermelhos de sono, ou cansaço, ou ainda por algum veneno ou doença. Não parecia que os olhos estavam vermelhos, parecia que os olhos eram vermelhos, como se sempre tivessem sido assim. Tûm de repente levou a mão ao punhal de sua espada e sacou-a de uma vez. Sem aviso prévio, deu um passo na direção de Laserin e a atacou. — Pare Tûm! – disse ela assustada – O que está fazendo? Mas ele não respondeu. Sequer a tinha ouvido. Era como se estivesse enfeitiçado. Como se estivesse enfeitiçado para matá-la. Ainda com a espada na mão, ele avançou mais uma vez contra ela, mas Laserin re-cuou. Percebia agora que preferia ter continuado sozinha… Meithel estava assustado. Num segundo estava conversando com La-serin; no outro estava sozinho no meio da Floresta de Pedra, sem ne-nhum vestígio do que havia acontecido com os outros. Eles simples-mente desapareceram. Por algum tempo chamou por seus amigos aos gritos, mas logo percebeu que isso era inútil. O que quer que tenha acontecido com eles, não podiam ouvi-lo. Ele andou por um bom tempo, assustado e temeroso, mas não encon-trou ninguém por perto. Logo estava correndo desesperadamente em meio às árvores de pedra, mas não encontrava nenhum sinal de seus amigos. O que quer que tenha acontecido, foi magia, e magia de al-

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guém mais poderoso que Meithel, pois ele não conseguiu pressentir a magia se manifestando. Não demorou para que começasse a se arrepender. A decisão de passar por dentro da Floresta de Pedra foi dele, então era dele também a res-ponsabilidade por qualquer coisa que acontecesse aos seus companhei-ros. Não poderia se perdoar se acontecesse alguma coisa que terminas-se com a jornada deles ali. Teriam de cumprir a promessa de chegar aos Domínios da Magia que fizeram ao Guardião da Alma e aos outros. Ele cumpriria a promessa até mesmo se tivesse de fazer isso sozinho. Se Elkens e os outros não conseguissem sair da Floresta de Pedra, ele seguiria sozinho até as Montanhas Gêmeas. Mas foi aí que percebeu a falha do seu plano. Foi aí que percebeu como cada um de seus compa-nheiros era importante na missão que tentavam cumprir. Ele não po-deria fazer nada sozinho, era o menos importante dentre eles. Precisava de Gauton, pois somente um Mensageiro poderia levá-los por um portal paralelo até os Domínios da Magia. Precisava de Lase-rin, pois a garota era a única que poderia levar o cristal que abriria o portal e precisava também de Elkens. Se os Cavaleiros da Magia re-almente tivessem se rebelado, o que ele seria capaz de fazer contra eles sem a ajuda de Elkens? Ele não poderia sair sozinho dali. Precisaria encontrar todos os seus amigos antes de prosseguir com sua missão. Ele continuou correndo por muito tempo. Como protetor da Magia, seu sexto sentido permite quer ele seja capaz de sentir magia, e era isso que ele tentava fazer enquanto corria: sentir a magia de qualquer um de seus companheiros. Mas ele não conseguia sentir a magia de El-kens, Gauton ou de Laserin e foi então que percebeu o motivo. Somen-te agora entendeu porque não foi capaz de sentir a magia se manifes-tando quando eles foram separados. Era porque a magia estava pre-

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sente a todo o momento e em todos os lados. Como se a própria Flo-resta de Pedra fosse feita por magia. Meithel continuou correndo sem parar, até que finalmente encontrou alguém e parou assustado. Era alguém que usava vestes brancas, ves-tes de um protetor da Magia, mas não era Gauton como ele pensou. Era Mudriack! — Pensou que não nos veríamos mais, Meithel? – perguntou Mudri-ack com um sorriso malicioso no rosto. Meithel ficou completamente imóvel, como se tivesse sido petrificado. Como era possível? Ele viu Mudriack morrer. Ele próprio enterrou o corpo de seu amigo. Mas agora ele estava ali, de pé diante de Meithel. O Sacerdote da Magia não soube o que pensar. Estava completamente confuso. Completamente perdido. Quando Mudriack foi assassinado por Argon, ele estava sob a forma de Mifitrin, então foi Mifitrin quem eles viram morrendo. Mas depois de morto, seu feitiço acabou e sua verdadeira forma apareceu. Mas agora Meithel se perguntava: e se não fosse a verdadeira forma? E se não foi Mudriack quem morreu? E se foi outra pessoa utilizando um feitiço de ilusão para que todos pensassem isso? Mas por mais que pensasse, Meithel não conseguia compreender. Era Mudriack o responsável por toda aquela magia que ele sentia? O responsável por seus amigos terem desaparecido? Meithel não conseguia pensar em mais nada. — Os traidores não são perdoados, Meithel – disse ele. – Você pagará caro… Meithel encarou os olhos do antigo amigo então viu algo de anormal neles. Os olhos de Mudriack estavam vermelhos; não eram os olhos de-le. Pareciam ser outros olhos; olhos de uma outra pessoa. Mas Meithel não deu a devida atenção a isso. Depois de reencontrar Mudriack, nada mais seria estranho.

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— Então você está vivo mesmo? – perguntou Meithel tentando manter sua voz o mais calma possível. Tentou esconder o medo que es-tava sentindo, mas não foi capaz de concretizar isso com perfeição. Sua voz tremia. — Estou aqui, não estou? – perguntou Mudriack irônico, abrindo os braços e olhando para o próprio corpo. – É – ele concluiu – acho que estou vivo mesmo! — LASERIN! MEITHEL! Não havia resposta, mas ele não desistia: — GAUTON! Mas não adiantava. Por mais que gritasse até sua garganta doer, o re-sultado era o mesmo que se ficasse quieto. Elkens ainda não conseguia compreender o que havia acontecido, mas não desistia de encontrar seus amigos. Estava correndo feito louco por entre as árvores de pedra, mas temia que estivesse se afastando cada vez mais de seus companheiros. — LASERIN! – ele insistiu e finalmente alguém respondeu, mas não foi o que ele queria escutar: — Pode continuar gritando. Ninguém irá te ouvir. Elkens parou de correr imediatamente. Quem estava falando? Ele não conseguiu reconhecer quem era. Jamais ouvira aquela voz. O dono de-la se aproximava lentamente em meio à névoa. Elkens podia ouvir uma respiração profunda se aproximando, mas era incapaz de dizer de qual lado ela vinha. Seu coração se acelerava mais à medida em que o dono da voz se aproximava e ele levou um susto quando deu de cara com um homem completamente estranho para ele. Era um homem alto, de cabelos negros. Suas vestes eram estranhas, mas não eram vestes de protetor, e o homem andava descalço. Mas o

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que mais chamou a atenção de Elkens foram seus olhos, vermelhos como sangue. Até mesmo os olhos de felino de Karnar pareciam nor-mais perto daqueles. — Quem é você? — Quem faz as perguntas aqui sou eu – disse o estranho sorrindo maliciosamente. Ele desapareceu de repente, então reapareceu atrás de Elkens. Era como o feitiço de teletransporte usado pelos Mensageiros. Elkens se assustou, mas o homem agiu normalmente e continuou a fa-lar: — Não irei perguntar seu nome, pois sei muito mais de você do que imagina. Elkens percebeu que o estranho não era amigo. Na verdade já havia percebido isso antes mesmo de ele começar a falar. — Quem é você? O que você fez com os meus amigos? O homem continuava a desaparecer no ar e reaparecer em outro lugar, deixando Elkens tonto de tanto se virar para encará-lo. — Como disse – começou o estranho, desaparecendo e reaparecendo em outro lugar – eu é que faço as perguntas. Porém, somente desta vez, vou lhe responder.

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“Meu nome, como perguntou, não posso lhe revelar, pois não tenho um nome próprio. Com relação aos seus amigos… bem, só posso dizer que estão sendo testados”. Elkens não gostou do modo como ele respondeu. — Por que está fazendo isso? – perguntou ele se irritando. Levou a mão ao colar, como um aviso de que pretendia atacar, mas suas mãos tremiam. – ONDE MEUS AMIGOS ESTÃO? — Acalme-se, jovem Elkens. Não precisa ter medo… — Não me trate como criança – disse Elkens ainda irritado. – Se é meu inimigo, diga isso agora e então o enfrentarei… — Não sou inimigo. Não de você. E perdoe-me tratá-lo como criança. Aos meu olhos, é isso o que você é… A raiva de Elkens explodiu. Tocou seu colar e conjurou dezenas de fa-gulhas rubras, então disparou-as contra o estranho. Desejou que uma delas perfurasse o coração e acabasse com a vida do infeliz, mas isso não chegou a acontecer. O estranho desapareceu antes de ser atingido e reapareceu atrás de Elkens. — Não me ataque novamente – advertiu o estranho. – Não é sábio fazer isso quando a vida de pessoas queridas está nas mãos de um oponente. Aprenda esta lição. — Disse que não era meu inimigo – Elkens insinuou. — E não sou – respondeu o outro calmamente. – Inimigo é alguém a quem se precisa matar. É alguém que te mataria sem motivo, pois o fato de serem inimigos é o maior motivo de todos. Eu disse que sou seu oponente, o que não é a mesma coisa. Até amigos podem ser oponen-tes, aprenda isso também. O que nos coloca de lados contrários é ape-nas a situação. Você quer passar pela Floresta de Pedra e eu quero testá-los. Enquanto esta situação não for resolvida seremos oponen-tes, não inimigos…

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As mãos de Elkens não paravam de tremer, tamanha a raiva que sentia. Quem era aquele estranho e por que parecia saber tanto sobre Elkens? E por que dizia que não era um inimigo quando estava atra-sando-os numa missão que era tão importante, onde pessoas poderiam estar sendo mortas a cada segundo que se atrasavam? Suas mãos não paravam de tremer… — Controle sua raiva ou ela o controlará – disse o estranho. – É a terceira lição que te dou. “Pense em mim como seu inimigo. As vidas de seus amigos dependem de mim e eu sou mais forte que você, de modo que não pode me derro-tar. Pense na situação como um problema real e faça o que deve ser feito. É mais uma lição”. Elkens ouviu atentamente. Sua raiva só aumentava, mas ele tentou controlá-la. Fechou os olhos e inspirou fundo, então expirou e inspi-rou de novo. Então abriu os olhos. Suas mãos haviam parado de tre-mer. — Muito bom – sussurrou o estranho. – Qual o próximo passo? Elkens concentrou-se no problema. Não precisava que o estranho lhe pedisse para imaginar a situação como um problema real, pois para Elkens aquele era um problema real. Qual o próximo passo? Elkens não podia derrotá-lo… As vidas de seus amigos estavam nas mãos de-le… Qual o próximo passo? — O que você quer? – perguntou Elkens descobrindo a resposta. O estranho sorriu e disse: — Muito bem. Numa situação onde o controle está fora do seu alcan-ce, coopere com o inimigo até que a chance apareça e você consiga a vantagem. Até lá coopere com o inimigo e deixe ele pensar que tem o controle de tudo. Esta é outra lição. Mas agora vamos seguir adiante. Você vai entender o que eu quero.

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O estranho fechou os olhos. Imediatamente aconteceu algo muito es-tranho. Elkens viu Laserin passar correndo por ele. Ela parecia muito assustada, mas não parecia que o enxergava. Na verdade ela olhou na sua direção mais de uma vez e não o viu. — Laserin! – ele chamou, mas ela não olhou para ele. Não o ouviu. Ela estava correndo, mas não parecia estar procurando por alguém. Na verdade parecia estar fugindo de alguém. Elkens olhou para a di-reção oposta à que ela estava correndo e logo viu um homem vindo atrás dela. Era Tûm e ele estava com a espada em punho. — TÛM! – gritou Elkens correndo em direção ao líder do vilarejo Rismã para tentar detê-lo. – O que está fazendo? Mas então o estranho apareceu entre Elkens e Tûm e o impediu de continuar correndo. Ele voltou a abrir os olhos e Laserin e Tûm desa-pareceram. — É uma visão – explicou o estranho. – Por isso ela não te vê, nem te ouve, e por isso não pode fazer nada. O que você viu está aconte-cendo neste exato momento, mas muito longe daqui. Laserin e Tûm es-tão além do Templo do Sacrifício. Elkens ficou confuso. — Que templo? – ele perguntou. – De que está falando? Mas não houve resposta. Elkens meditou por um momento, então es-colheu a próxima pergunta a se fazer: — O que devo fazer para salvá-la? O estranho sorriu. Desapareceu de onde estava e voltou a aparecer às costas de Elkens. — Um inimigo lhe exigiria algo mais valioso e importante, mas como disse, não sou inimigo, então quero que você aprenda mais uma lição para que eu a salve. Vou lhe fazer uma pergunta e quero a resposta certa para ela. As regras de uma situação real se aplicam agora, pois

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somente salvarei a garota quando ouvir a resposta certa, mas não sei quanto tempo ela resistirá. Numa situação real esta lição será muito útil. Você deve manter a calma para conseguir a resposta correta. Elkens inspirou e expirou. Precisava manter a calma. Encarou o es-tranho por algum momento, então perguntou: — Qual é a pergunta? O estranho sorriu. O sorriso malicioso, combinado com os olhos verme-lhos, faziam com que ele parecesse um maníaco louco por sangue; al-guém que se diverte com o a dor e o sofrimento alheio. Mais uma vez o estranho desapareceu e reapareceu do outro lado, então finalmente fez sua pergunta: — Em três partiram, mas em sete estão agora. Podem estar separados, mas seus destinos são os mesmos. Muito depende de vocês, mas não são fortes o bastante para enfrentarem o que os aguarda. Porém, no meio de vocês sete, um de vocês é o mais fraco. Um de vocês é aquele que colocará tudo a perder. Me responda, jovem Elkens: qual de vocês é o elo fraco do grupo? Elkens quase sorriu com o que ouviu. Esperava por um enigma com-plicado, ou alguma coisa do gênero, mas aquilo parecia piada. A res-posta era óbvia: Laserin. Ela era a mais fraca do grupo. Uma jovem indefesa, despreparada para a luta, tendo de ser protegida a todo mo-mento e… corajosa! Ao pensar nisso Elkens sentiu-se mal, como se algo pesasse em seu estômago. Por a pergunta ter sido tão fácil e a resposta ser tão óbvia foi que ele hesitou por algum tempo, e foi nesse tempo que percebeu que a resposta não era tão fácil assim. Laserin era corajosa, isso ele não podia negar. Ela era muito corajosa e isso conta bastante. Para Elkens a resposta para esta pergunta sem-pre pareceu ser tão óbvia, indiscutível, mas isso não parecia mais ver-dade agora. Todos sempre estavam ao lado de Laserin, segundo a se-

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gundo; revezavam para vigiar durante à noite, mesmo sem real ne-cessidade, tudo pensando em protegê-la. Mas quem pediu a proteção deles? Não foi ela. Foram eles que impuseram que ela era fraca e por isso precisava ser protegida, mas agora Elkens começava a se dar con-ta de que isso não era verdade. Lembrou-se da primeira vez em que viu Laserin. Ele estava deitado numa cama, quase morto; ela estava ao seu lado, em pé. Lembrou-se da batalha que travaram contra os kenrauers neste mesmo dia. Ele lu-tou até suas forças se esgotarem e ainda assim não conseguiu fazer nenhuma diferença; ela salvou a todos no vilarejo. — O tempo esgota-se, jovem Elkens – disse o estranho. – A pequena depende da sua resposta, mas ela não agüentará por muito tempo. Vo-cê deve responder logo para garantir a vida da sua amiga. Elkens sentiu seu coração acelerar; estava perdendo a calma. Quanto mais pensava, mais em dúvida ficava, e a resposta parecia ser aquela que ele não queria dar. Não seria fácil responder a essa pergunta. Mais uma vez lembrou-se de estar enfrentando os kenrauers, desta vez na cidade de Buor. Ele estava caído de joelhos no chão, chorando por Nai-Peleguir ter se ferido; ela, mais uma vez, salvou a vida de to-dos. Ainda era ela quem precisava da proteção dos outros? Era ela o elo fraco do grupo?

— Senhor Tûm… – disse Laserin chorando. Ainda continuava cor-rendo desesperadamente de Tûm, mas não entendia por que isso tinha de acontecer. Podia esperar que qualquer um tentasse fazer-lhe mal, menos Tûm. Não podia ser ele. Ele que sempre a protegeu, que a aco-lheu como uma filha quando chegou ainda bebê ao vilarejo e que a

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amou muito. Não ele, a quem ela considerava mais que um pai. Aquilo não podia ser verdade. Laserin de repente parou de correr. Vi-rou-se e ficou de frente para Tûm. Olhou bem fundo em seus olhos anormalmente vermelhos e esperou que ele se aproximasse, ainda em-punhando a espada. Tûm se aproximou, sorrindo, e apontou a espada para a garganta da garota. — Sei que o senhor não faria isso – disse ela com a voz firme. – Sei que não me machucaria. Tûm riu. — Se você imaginasse quem realmente é – disse Tûm. – Se você ao menos tivesse idéia de quantas pessoas desejam que você morra. Laserin enxugou os olhos com as mãos e parou de chorar. — Mas eu não sei, senhor – disse ela ainda com firmeza na voz. – Não sei quem realmente sou. Não tenho idéia de quantas pessoas dese-jam a minha morte, nem por que desejariam isso, mas isso não importa agora. O que eu sei é que o senhor seria a última pessoa capaz de me machucar, por isso eu não vou mais fugir. Tûm riu ainda mais. — Então eu sinto muito – disse ele, então encostou a espada na gar-ganta da garota, que não recuou um passo sequer, nem mesmo de-monstrou seu medo. – Mas você não passou no teste… Elkens ainda não tinha certeza da resposta. Lá no fundo ele sabia, sempre soube, mas era incapaz de admiti-la. Dizê-la em voz alta era impossível. As lembranças passavam por sua cabeça rapidamente, mostrando-lhe a resposta correta. Ele havia caído no lago Lushizar junto com Mifitrin; o demônio que protegia o lago tentava encontrá-lo e ele não conseguia fugir. Mifitrin

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conseguiu se salvar, mas ele não. Se não fosse por um dos cumpas-sins, estaria… — Já pensou, jovem Elkens? – o estranho fechou os olhos e Elkens sabia o que iria acontecer. Quando ele fechava os olhos significava que Elkens teria uma visão. A visão de Laserin e Tûm reapareceu, mas Elkens se assustou ao vê-la. Laserin e Tûm estavam em pé, frente a frente. Tûm estava segurando a espada contra a garganta de Lase-rin, mas ela não fazia nada para fugir. — Corra Laserin… – sussurrou Elkens, mas sabia que ela não pode-ria ouvi-lo. – Não é o Tûm… fuja. O estranho voltou a abrir os olhos. A visão desapareceu. O estranho sorriu. Seus olhos vermelhos demonstravam o quanto estava se diver-tindo. Mas talvez isso não fosse verdade. Era um truque, para provo-car Elkens. Sorrir diante de um inimigo serve para impor medo, ou até mesmo para incentivá-lo a fazer algo que não queira. Elkens caía no truque com facilidade. O sorriso o irritava e o incentivava a dar a res-posta que tanto se recusava a dar. Elkens inspirou e expirou. Fechou as mãos que voltaram a tremer. Inspirou e expirou mais uma vez, então respondeu: — Sou eu! Eu sou o elo fraco do grupo… O estranho desapareceu e reapareceu, bem a sua frente. — Resposta inteligente, Nai-Elkens. É difícil engolir o orgulho, mas isso será necessário muitas vezes pela jornada que o aguarda. Espero que tenha aprendido a lição e espero que faça algo a respeito a partir de agora. — O que quer dizer com isso? — Foi difícil para você reconhecer e admitir que é o mais fraco. Pen-sou em responder que era Laserin, mas essa resposta seria incorreta.

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Ela é fraca sim, mas você é inúmeras vezes mais fraco que ela. Vocês têm praticamente a mesma idade, não é? — Não foi isso o que lhe perguntei! – disse Elkens irritado ao consta-tar que o estranho sabia muito acerca de si. O estranho voltou a sorrir e respondeu: — O que eu queria com este teste era que você reconhecesse que é o mais fraco. Feito isso, espero que faça algo a respeito. Um líder deve ser forte. Treine duro, caso contrário estará tudo perdido. — Não sou um líder – disse Elkens. – Não quero ser um líder. Mais uma vez o estranho sorriu antes de responder: — Felizmente a escolha não é sua. Elkens encarou o estranho sem nome por algum momento. Este conti-nuava a sorrir maliciosamente. Parecia estar esperando por algo. Es-perando que Elkens dissesse algo. Ele logo percebeu o que deveria per-guntar: — O que acontece agora? — Você continua procurando por seus amigos. Não irá encontrá-los, mas deve continuar procurando por eles. Deve aprender a ser perseve-rante – ele fez uma breve pausa, então concluiu: – Você passou no primeiro teste! Elkens queria fazer mais perguntas, mas não teve tempo para isso. O estranho desapareceu de repente, dissipando-se em névoa, como se houvesse sido criado dela e acabasse de voltar para ela. Elkens estava novamente sozinho. Laserin continuava confusa. Sentiu a espada de Tûm pressionando seu pescoço lentamente. Não sabia o que havia de errado com Tûm. Seu velho amigo jamais faria algo para machucá-la, jamais. Talvez es-tivesse enfeitiçado, Laserin não saberia dizer. Os olhos não eram os de

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Tûm, mas todo o resto era. As roupas, o cheiro, o modo de andar, de atacar, e principalmente a voz. Era como se Tûm tivesse se materiali-zado da sua mente, exatamente como o conhecia e se lembrava dele. Mas talvez não fosse o Tûm. Com certeza não era o Tûm; não podia ser! Laserin chegou a pensar que era um feitiço, mas logo vieram as duas perguntas lógicas para essa hipótese: quem fez isso e por que fez isso? Mas ela era incapaz de saber a resposta. Sabia tão pouco acerca de Gardwen. Sabia tão pouco de magia. Não conhecia nada que ficasse além das fronteiras de Rismã; mal conhecia a si própria. Mas não era o momento propício para se pensar nessas perguntas. Ela tinha mais o que fazer agora. Tûm desapareceu alguns instantes antes de matá-la, dissipando-se na nevoa como se fosse formado dela, como se fosse feito por magia, então ficou novamente sozinha. Era hora de continuar procurando por seus amigos… Gauton havia perdido a noção de tempo, mas estava convencido de que corria há quase uma hora. Por algum tempo gritou por seus ami-gos, mas ninguém respondeu. Nada de respostas; nada de pegadas; nenhuma idéia do que estava acontecendo. Tentou realizar feitiços de Mensageiros, mas não conseguiu muitos resultados. Na verdade não conseguiu nenhum resultado. Mas seu sexto sentido não havia sido completamente comprometido pela magia que havia na Floresta de Pedra. Ele não conseguia realizar feitiços úteis com perfeição, isso era verdade, mas seu sexto sentido ainda estava ao seu favor. Ele conse-guia sentir a grande quantidade de magia que havia ali, mas havia um ponto em especial onde havia muita magia concentrada. Pelo que de-duziu, era de lá que vinha toda a magia que cobria a floresta, como uma fonte de magia. Não sabia o que era, nem se estava muito longe,

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mas sentia que se aproximava mais a cada passo. Talvez o único jei-to de resolver o problema seria indo até lá. Meithel também deveria ter sentido aquela fonte de magia, então deveria ir para lá também. Gauton precisava se apressar. Precisa encontrar Laserin o quanto an-tes. A garota deveria estar sozinha em algum lugar, desprotegida e com o cristal que era tão importante. A névoa continuava espessa e densa. Gauton corria entre as árvores de pedra, sem conseguir enxergar mais que dois metros à sua frente. Mas não foi preciso enxergar para perceber que não estava mais sozi-nho; ele os ouviu. Eram duas pessoas. Uma a esquerda; a outra à direita. Pareciam espe-rar por ele. — Quem está ai? – perguntou tocando seu colar e se preparando para atacar. Diferente do que Gauton esperava, a resposta veio: — Somos nós! – e então Gauton percebeu quem era. Não havia como não reconhecer aquela voz. Ainda conseguia distinguir a desconfiança na voz de Kanoles. Karnar estava com ele. — O que estão fazendo aqui? – perguntou Gauton sorrindo, como se estivesse feliz em vê-los, mas não soltou seu colar. – Por que não se-guiram para o reino de Roldur como o combinado? Kanoles riu, mas Karnar ficou em silêncio, como Gauton sabia que ele faria. A névoa se dissipou um pouco, então Gauton pôde ver seus olhos. Não eram os mesmos olhos felinos que ele conhecia. Seus olhos estavam vermelhos, como sangue, e os de Kanoles também. — Aquilo foi um plano para enganá-lo – o caçador de recompensas revelou: – Elkens e os outros acreditam em você, mas nós não. Eu não imaginei que teríamos a oportunidade de encontrá-lo sozinho tão ce-do. Assim podemos acabar com você sem que os outros saibam…

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Elkens continuava correndo, mas desta vez não estava gritando. Se-quer estava procurando por seus amigos, estava procurando pelo es-tranho que estava testando-o. Segundo ele, Elkens não encontraria seus amigos, e por algum motivo o Sacerdote da Alma acreditava nele. Era ele quem estava procurando, para poder continuar com os testes até o fim e salvar seus amigos. Não tinha tempo a perder, por isso cor-ria o mais rápido que podia e conseguia, sem sequer parar para descan-sar. — SOCORRO! Elkens parou imediatamente. Era a voz de uma mulher e vinha de al-gum lugar próximo. Elkens esperou que a mulher gritasse de novo, pa-ra poder encontrá-la, mas o grito não veio. Mesmo assim ele parecia saber aonde ia. Caminhou lentamente pela névoa densa, até que ela dissipou-se um pouco como se uma rajada de vento a quebrasse, então ele a encontrou. A mulher estava à beira de uma pequena nascente. Usava roupas cur-tas e sensuais, e seus cabelos eram tão compridos que tocavam o chão. Não havia vento pela Floresta de Pedra, mas seus cabelos esvoaça-vam-se graciosamente pelo ar, de forma quase hipnotizante. Elkens caminhou até ela sem perceber. Já havia sido pego pelo feitiço, agora não poderia fazer mais nada. Não tomou consciência de que a mulher não estava sobre o chão, e sim que estava em pé sobre a água; mas o mais importante: não percebeu o estranho brilho vermelho em seus olhos, a única coisa que poderia lhe mostrar a verdade por trás daqui-lo. A beleza da mulher era sufocante. Elkens já não sabia por que estava ali. Não se recordava de nada, apenas caminhava lentamente em dire-ção à mulher. Ela, por sua vez, abriu os braços para recebê-lo, mas seu

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rosto não exibia nenhuma expressão. Elkens chegou à beira da nas-cente e esperou, então a mulher caminho com os pés descalços sobre a água e ficou de frente para ele; logo a seguir lhe deu um suave abraço. Quando seus olhos se desencontraram durante o abraço, Elkens come-çou a recobrar a consciência, mas então sentiu os lábios da mulher to-carem os seus e se esqueceu de tudo novamente… Suas forças passaram a se esvair de seu corpo, como se fossem sugados pela estranha mulher. De repente sentiu-se sonolento e fraco, mas continuava a beijá-la. Quando já estava praticamente sem forças, sua mente começou a clarear, mas por algum motivo não conseguia afas-tar-se dela. É um teste… ele pensou. É o segundo teste. Ainda estou sendo testa-do. Mas o que isso significa? Não soube se era real ou imaginação, mas o corpo da mulher era quen-te. Seus lábios se desgrudaram e ele sentiu sua respiração, mas então voltaram a se beijar. É um encantamento!, ele percebeu finalmente. Como se livrar de um encanto?, ele tentava se lembrar, mas seu cérebro parecia não funcio-nar direito. Um encantamento geralmente controla o meu corpo, mas a mente é a última a ser tomada. Preciso usar minha mente para esca-par antes que ela tenha o controle sobre mim. Mas não parecia fácil. Não era fácil. Um perfume adocicado enchia o ar, confundindo-o ainda mais. Pense Elkens!, ele insistia para si mesmo. Como se livrar de um encan-tamento? Preciso usar minha mente antes que o encanto se concretize. Preciso de lembranças, é a única forma de me livrar… Mas no que ele pensaria? O encanto tinha tanto efeito sobre ele que estava tendo dificuldades para se lembrar de qualquer coisa. O que lhe dava forças? Qual a lembrança que lhe encorajava a continuar lutan-

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do? Havia tantas coisas que impunham sentido à vida de Elkens, mas havia uma pessoa em especial que o havia ensinado a persistir lu-tando, não importando a situação ou as conseqüências: Mifitrin! Ela era assim e era ela quem o tornara assim. Era a lembrança de Mifitrin que o fortalecia. A determinação dela era a determinação dele. A força dela era a força dele e a sua vontade de viver e proteger os amigos, também era a dele. Lembrou-se de Mifitrin despedindo-se dele em Bu-or e lembrou-se de que não conseguiu dizer nada. Não conseguiu dizer o quanto a apreciava e o quanto ela era importante para ele. Não con-seguiu dizer o que realmente queria, mas queria ter a oportunidade de fazê-lo um dia… — NÃO! – ele gritou de repente, então empurrou a mulher para longe dele. Assim sua consciência voltou. Lembrou-se por que estava ali. Lembrou-se quem era aquela mulher e lembrou-se que estava no meio de um teste. Estava fraco, isso era verdade, mas ainda assim afastou-se o máximo que pôde dela, e ao fazer isso sentiu suas forças voltarem lentamente. — Muito bem – disse a mulher. – Você sabia como se livrar de um encantamento na teoria, e fico feliz de ver que conseguiu realizar o que aprendeu na prática. Não foi tão eficaz quanto eu desejava, mas você pode melhorar com mais treinamento. — Passei no teste? – Elkens perguntou de modo severo. Seus olhos estudaram a mulher. Seus olhos vermelhos não eram exatamente atra-entes, mas seus lábios carnudos… seu olhar desceu pelo pescoço e co-meçou a reparar em suas formas… sentiu seu perfume… seu coração disparou… então fechou os olhos! Era um encantamento, não podia cair nele novamente. Encarando o chão aos seus pés perguntou o que realmente queria saber: – Salvei mais um dos meus amigos? A mulher sorriu.

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— O segundo teste nem começou ainda. O coração de Elkens deu um pulo. Ainda nem havia começado! O que teria de fazer então? O encanto foi apenas uma brincadeira? Mais uma das tolas e odiáveis lições do estranho sem nome? — Quem desta vez? – Elkens resolveu perguntar. – Quem está cor-rendo perigo? Ao invés de usar palavras para respondê-lo, ela optou apenas por fe-char os olhos e mostrar-lhe. Ao vê-la fazer isso soube o que acontece-ria a seguir: teria uma visão! E assim foi. Ele viu Gauton. Karnar estava ao seu lado direito e Kanoles ao seu lado esquerdo. Ambos tinham os olhos vermelhos, os mesmos olhos que vira em Tûm, no estranho e na mulher que estava em sua companhia agora. Elkens ouviu Gauton perguntar: — Por que estão fazendo isso? Karnar sorriu e respondeu: — Precisamos matá-lo. Você é nosso inimigo… — NÃO! – Gauton negou. – Não sou inimigo de vocês… estou ten-tando ajudar. — Você é um traidor! – a desconfiança de Kanoles jorrava junto com suas palavras de desprezo. – É um traidor; eu e você sabemos disso. Neste momento Karnar segurou o cabo de seu chicote, então brandiu-o no ar contra Gauton. O chicote do domador de demônios enrolou-se em torno da perna do Mensageiro. Karnar puxou com força, e Gauton foi derrubado no chão. Nesse momento Kanoles pulou sobre ele, ten-tando cravar Sangrini em seu peito, mas Gauton tocou seu colar e usou o teletransporte, desaparecendo e reaparecendo atrás de Karnar. A espada negra de Kanoles fincou-se no chão, onde um segundo atrás estava o peito de Gauton. Mas neste momento a mulher abriu os olhos e a visão desapareceu.

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— Depende apenas de você, Nai-Elkens – disse a mulher com sua voz doce, mas Elkens não se deixou enganar por ela. — Me diga logo – exigiu o Sacerdote. – O que devo fazer para salvar o Gauton? Qual é o segundo teste? A mulher caminhou até ele, então o abraçou novamente e sussurrou em seu ouvido: — Já matou antes? Elkens ficou assustado. O que ela queria dizer? Matar não era algo que um protetor era treinado para fazer, especialmente um protetor da Alma. — Um protetor não é treinado para matar, mas numa jornada como a sua você deve estar preparado para fazer isso. Deve estar preparado para matar um inimigo, pois é isso o que ele faria com você. Deve ma-tar sem piedade; sem hesitar. — Não entendo o que está me propondo – ele tentava livrar-se da mulher, mas o encanto voltava a cair sobre ele; porém desta vez não tão forte como da primeira. Elkens tinha o devido cuidado para man-ter a imagem de Mifitrin sempre em foco dentro de sua mente, impe-dindo que o encanto avançasse e o dominasse mais uma vez. Mifitrin era o seu escudo agora, o escudo que usava para proteger sua mente. Mifitrin era a sua razão de viver, ao menos neste instante. Ele tenta-va lembrar-se de sua voz, do seu cheiro e do seu raro sorriso e assim conseguia bloquear o encanto. — Estou dizendo que para salvar a vida de Gauton… – disse a mu-lher no mesmo sussurro sensual; sua respiração quente fez os pêlos da nuca de Elkens se eriçarem, e seu perfume adocicado não ajudava em nada – para salvá-lo deve me matar!

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Gauton estava fugindo de Karnar e Kanoles. Tentava a todo custo trazê-los de volta à razão; levou um certo tempo para perceber a ver-dade. Aqueles não eram Karnar e Kanoles. Neste momento, Karnar e Kanoles estavam seguindo para o reino de Roldur para avisá-los de que precisam se preparar para a guerra contra Mon. Aqueles dois que tentavam matá-lo não eram seus companheiros. Eram criados por al-gum feitiço; talvez um poderoso feitiço de ilusão. Tudo na floresta pa-recia ser criado pela magia que havia em abundância ali, desde a né-voa até Karnar e Kanoles. Não adiantava Gauton fugir, estava no território do inimigo e seria perseguido aonde quer que fosse. Gauton decidiu que era hora de parar de fugir. Parou de correr e logo seus inimigos o alcançaram. — Quem são vocês? – ele perguntou. — Não nos reconhece? – perguntou Kanoles rindo ironicamente. Mas sem esperar resposta alguma, pulou contra ele com Sangrini em punho. Gauton tocou seu colar e se teletransportou antes que fosse atingido. — Quem são vocês? – ele repetiu a pergunta. — Não vou entrar no seu joguinho – disse Kanoles atacando-o no-vamente, mas assim como antes, Gauton desapareceu e reapareceu atrás de Kanoles. Mas desta vez foi pego… Assim que reapareceu, o chicote de Karnar enroscou-se em torno de seu pescoço imediatamente, sufocando-o. Gauton lembrava-se do chi-cote de Karnar e sabia que havia magia nele também. — Pode tentar se teletransportar – disse Karnar com sua costumeira voz calma – mas juro que se fizer isso, sua cabeça ficará para trás. Gauton não pôde fazer nada. Estava preso. Kanoles avançou lenta-mente contra ele, sorrindo friamente; Sangrini estava apontada para o seu peito.

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— Tome – disse a mulher. Ela colocou uma adaga nas mãos de El-kens. O Sacerdote tremeu. Estava ali, parado, preso no suave abraço da mu-lher, e ela colocara uma adaga em suas mãos exigindo que a matasse. Não poderia fazer isso. Sabia que não conseguiria, mesmo que quises-se. Matar era algo que estava fora de cogitação para ele. Podia até mesmo desejar a morte de um inimigo no meio de um combate, mas sa-bia que era algo motivado pela raiva; não era real, seu desejo de morte alheia jamais foi verdadeiro. Quem ele era para decidir entre a vida e a morte de alguém? Não, ele não faria isso. A mulher voltou a fechar os olhos, então Elkens teve a visão de Gau-ton preso pelo pescoço pelo chicote de Karnar e Kanoles estava cami-nhando para ele, pronto para matá-lo com Sangrini. Aquilo era um teste, Elkens sabia disso, e Gauton morreria caso ele não passasse, e ele sabia disso também. Mas ela era uma mulher! Co-mo ele poderia matá-la? Era ela mesma que estava exigindo isso, e fo-ra ela quem impusera aquela condição para que seu amigo sobrevives-se, mas ainda assim não poderia matá-la. Apesar de tudo o que fazia, não conseguia sentir maldade nela. Não tinha por que fazer isso. Mais uma vez ela voltou a beijá-lo, então o encanto ficou mais forte. A adaga escorregou-lhe das mãos e caiu ao seus pés. Mas ela não é real, Elkens pensou. É uma ilusão, assim como todo o resto. Era um teste, ela não morreria de verdade. Tudo o que ela que-ria era ver se ele teria ou não coragem para fazer aquilo. Mas agora era tarde. Mesmo que quisesse matá-la, estava preso novamente pelo encanto, e estava desarmado. Em instantes ficou tão confuso que logo se esqueceu de que Gauton estava correndo perigo, e apenas continuou beijando os lábios da mulher à sua frente.

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Suas forças voltaram a ser sugadas. Sua consciência se esvaía ligei-ramente e a única coisa em que ele pensava era na mulher que estava abraçada a ele. De repente ficou tão fraco que suas pernas bambearam e ele escorregou até o chão. Neste momento, num curto espaço de tempo em que seus lábios se des-grudaram dos lábios da mulher, sua consciência voltou como se tives-sem jogado água fria nele, e ele se lembrou do que precisava fazer. Mas rapidamente a mulher o levantou e voltou a beijá-lo. Elkens aproveitou o pequeno intervalo de tempo em que o encanto sobre ele enfraqueceu e segurou com força a adaga que estava no chão, mas logo estava confuso novamente. — Não! – exclamou ele quase sem forças, tentando a todo custo se li-vrar da mulher. – Não posso… preciso ajudar o Gauton… eu preci-so… — Precisa? – sussurrou a mulher com sua voz sensual em seus ouvi-dos. – Então por que não o ajuda? Sabe o que fazer, não sabe? Elkens sentiu a adaga escorregar pela sua mão suada, mas segurou-a firmemente. Não teria outra chance, não podia desperdiçá-la. Mais uma vez pensou em Mifitrin, então o encanto voltou a enfra-quecer. Lembrou-se do dia em que viu Mifitrin pela primeira vez, den-tro dos Palácios do Guardião do Tempo. Lembrou-se do que sentiu quando a viu e então o encanto enfraqueceu ainda mais. Ele a empur-rou para trás, afastando-a dele, mas ela o puxou de volta e novamente o abraçou. — Não consegue, não é? – ela sussurrou, mas desta vez parecia estar caçoando dele. Não havia mais sensualidade, não havia mais perfume. Ela apenas se debochava dele, apenas caçoava de suas fraquezas. – Como você mesmo admitiu Elkens, você é fraco! Você é fraco. Você é fraco…

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Mas a voz morreu na garganta da mulher. Elkens afastou-se dela e observou-a cair aos seus pés, com a adaga cravada em suas costas. — Sou fraco – ele voltou a admitir, olhando para o corpo da mulher – mas Mifitrin me ensinou a me superar. Sou capaz de qualquer coisa para proteger meus amigos. Eu devo isso a ela. O corpo desapareceu misteriosamente, sem deixar nenhuma alma para trás, afinal de contas era uma ilusão. Elkens sabia o que fazer. Preci-sava continuar procurando. Sabia que não encontraria seus amigos, mas deduziu que também haveria um teste para salvar a vida de Meithel e ele estava certo. Restava agora esperar para que o terceiro teste começasse. Onde o Sacerdote da Magia estaria? E o que estaria acontecendo com ele? Elkens só saberia a resposta quando o terceiro teste começasse, por isso continuou correndo entre as gigantescas esta-lagmites. — Não tive a chance de perguntar antes – dizia Meithel ao amigo – e quando achei que você tivesse morrido, senti um grande arrependi-mento. Estamos sozinhos agora, Mudriack, somente você e eu. Pode me contar o que está acontecendo. Mudriack apenas riu. A mesma insanidade que Meithel se lembrava de ter se apossado dele durante o último encontro. — Fala como se ainda fossemos amigos… — Mas ainda somos! – Meithel insistiu. – Sei que tem um motivo por trás disso tudo. Sei que você está sendo obrigado a fazer isso de alguma forma. Sei que ainda somos amigos… Mudriack ouvia atentamente, mas não deixava de rir. — As coisas mudaram, Meithel. Estão acontecendo coisas há muito tempo, coisas das quais jamais imaginávamos, e elas aconteceram lá dentro, nos Domínios da Magia. Depois que você viu Shiron atacando

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o Guardião, as coisas pioraram muito. Quando você fugiu, estourou uma guerra lá dentro. E você me deixou sozinho… “Os outros Cavaleiros da Magia se juntaram à Shiron e juntos toma-ram o controle de tudo. Aprisionaram Zander e mataram todos os ou-tros que foram contra eles. Os quatro Sábios foram mortos com incrí-vel facilidade, inclusive nosso adorado tutor. Ninguém podia contra eles, e achei que seria morto também, mas então me fizeram uma pro-posta.” — Que proposta? — Eles selecionaram aqueles que poderiam ser úteis, e mataram todos os outros. Por sorte eles me acharam útil, então me propuseram a mi-nha vida em troca de fidelidade. Não pude recusar, e logo depois disso me mandaram atrás do cristal que estava com vocês. Meithel não podia acreditar no que ouvia. Aquele realmente era o mesmo Mudriack que sempre fora seu amigo? Seu melhor amigo… único amigo! — Por que os Cavaleiros da Magia precisam do cristal? Mudriack voltou a rir; ainda a mesma insanidade. — Você nem imagina… Mudriack e Meithel ficaram em silêncio, apenas se encarando, mas o outro não deixava o riso de lado. — A garota está sozinha em algum lugar, não está? Vou encontrá-la e matá-la, então pegarei o cristal e irei embora, mas antes disso irei matá-lo – Mudriack não deixava de rir. Sua loucura parecia estar atingindo o auge. Ele tocou seu colar de Feiticeiro, então concluiu: – Somos inimigos, Meithel. Se você não me atacar, eu o atacarei! — Você não irá encontrá-la – ele o desafiou. – Pode me matar, mas jamais encontrará Laserin. Meus amigos a encontrarão primeiro e irão protegê-la.

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— Eu não teria tanta certeza disso. Como é mesmo o nome do Sa-cerdote da Alma? Elkens, não é? Eu o encontrei ainda há pouco e confesso que não tive dificuldades para matá-lo. A mentira de Mudriack fez o sangue de Meithel ferver. Tocou seu co-lar e conjurou um turbilhão de esferas. As esferas alvas avançaram contra ele, mas Mudriack não fez nada para se proteger. Porém, antes de ser atingido, as esferas mudaram de direção e voltaram contra Meithel, explodindo e jogando-o para trás. Mudriack voltou a rir. Dava gargalhadas… — Como fez isso? – perguntou Meithel assim que se levantou do chão. As explosões de energia causaram queimaduras por todo o seu corpo. — É por isso que não gastarei minha força tentando matá-lo – Mu-driack respondeu. – Qualquer ataque que use contra mim, se voltará contra você. Não pode me ferir! O sangue latejava nas veias de Meithel. Tocou seu colar e usou a con-juração de arma. Esta é uma habilidade de praticamente todos os pro-tetores, mas cada tipo de protetor conjura apenas armas especificas. Meithel é capaz de conjurar uma arma rara para Sacerdotes, e talvez uma das mais poderosas. Um gládio, uma enorme e pesada espada de dois gumes, uma espada maior que ele próprio. Uma arma conjurada não é tão poderosa quanto uma arma forjada pelos Generais, ainda mais se esta carregar um feitiço ou encanto de um Mago ou ainda uma benção de um Sumo-Sacerdote, mas ainda as-sim é muito útil. Mas Mudriack também era capaz de usar uma arma conjurada e logo o fez. Sua arma era um cajado, e logo as duas armas formadas por luz alva, porém sólidas, se enfrentaram.

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Mudriack repeliu o primeiro golpe do gládio de Meithel, e então acertou o cajado em seu flanco esquerdo, desequilibrando-o. Perto da arma de Meithel, o cajado parecia inofensivo, mas Mudriack era mui-to mais habilidoso no manejo de armas. Sempre fora assim quando ambos treinavam juntos. Com a raiva que estava sentindo, Meithel não conseguia ter muito controle sobre seus feitiços, e assim que foi atingido por Mudriack, seu gládio desapareceu, desintegrando-se em flocos de luz que desaparece-ram entre a névoa. Mais uma vez os dois se encararam, então o Feiti-ceiro da Magia disse: — Eu sou o servo mais fiel dos Cavaleiros da Magia, Meithel, e vou levar a sua cabeça para os Domínios. Elkens não parava de correr por entre as enormes estalagmites que eram as árvores de pedra da floresta. A névoa voltou a se adensar de-pois de ter passado pelo segundo teste e mais uma vez não enxergava nada muito além de onde estava. Sabia que Meithel ainda corria peri-go e precisava logo encontrar o estranho que lhe proporia o terceiro teste. Seu corpo estava tão cheio de adrenalina que agora ele não sen-tia mais o frio, a fome ou o medo. Sequer se dava conta do quão esta-va cansado. Ele persistiria correndo enquanto não encontrasse alguém e essa era uma lição que seria muito importante caso ele saísse da flo-resta. Persistência era algo que Mifitrin conhecia muito bem e agora Elkens também estava se tornando uma pessoa como ela. Estava se arriscando para poder salvar seus amigos, e ele nem imaginava o quanto isso seria importante nos anos que se seguiam. Mas então, finalmente, ele encontrou alguém. Era um garoto, com a aparência de uns dez ou onze anos de idade. Se não fosse pelo brilho

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vermelho nos olhos, Elkens pensaria que era apenas uma criança per-perdida. — É você, não é? – perguntou Elkens agressivo. – Vamos, diga-me logo: qual será o terceiro teste. Presumo que também tenha colocado a vida de Meithel em perigo. A criança riu inocentemente, mas desta vez Elkens não se deixaria enganar. — Não tente se passar por uma pessoa boa. Você é ruim e agora eu sei disso. Diga-me logo, onde Meithel está? — Não vou insistir nisso – disse a criança. – Se prefere me ver como seu inimigo, não tentarei lhe convencer do contrário, mas espero que um dia reconheça a importância de ter passado por tudo isso – a cri-ança sorriu, com aquela falsa inocência, então voltou a falar: – Antes de iniciarmos o terceiro teste, devemos discutir sobre o segundo, pelo qual achei que você não passaria. Apesar de ser apenas ilusão, você sentiu como realmente é matar alguém. É uma sensação terrível, mas é necessário aprender a fazer isso. Cheguei a pensar que você não passa-ria no teste e que Gauton morreria, mas fiquei contente em ver que vo-cê pode se superar. Essa é uma característica de protetores poderosos e espero que não se esqueça disso. Você deve se superar a cada obstácu-lo, caso contrário estará tudo perdido… — Estou cheio das suas lições – disse Elkens impaciente. – Quero sa-ber onde Meithel está! A criança fechou os olhos e Elkens soube que teria uma visão de Meithel. E realmente estava certo. Viu Meithel à sua frente e ele pa-recia machucado, como se estivesse no meio de uma batalha. Havia queimaduras por seu corpo e também arranhões. — Meithel? – exclamou Elkens espantado. Ele sabia que era apenas uma visão, mas teve a impressão de que Meithel podia vê-lo. Parecia

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que Meithel estava olhando diretamente para ele, mas seus olhos es-tavam cheios de ódio. — Ele não pode lhe ouvir – disse a criança. — Mas pode me ver, não pode? A criança sorriu e respondeu: — Pode! Meithel então falou com Elkens e este ficou espantado com o que ou-viu: — Juro que desta vez vou matá-lo, Mudriack. Não permitirei que mate mais nenhum dos meus amigos. O coração de Elkens gelou. — Por que ele me chamou de Mudriack? – perguntou espantado. — Ele te chamou assim – respondeu a criança voltando a sorrir, com sua falsa voz de inocência – porque é assim que te enxerga. Elkens começava a compreender o terceiro teste. A criança queria que ele enfrentasse seu próprio amigo? Mas um dos dois poderia acabar morto… — Ele está me vendo… mas acha que eu sou o Mudriack? Mas não houve tempo de a criança responder. Meithel tocou seu colar e conjurou três feixes de luz, que avançaram velozmente contra El-kens. — Levante a mão direita! – a criança ordenou e Elkens obedeceu ins-tintivamente, mas no momento em que fez isso os feixes de luz muda-ram de direção e se voltaram contra Meithel, atingindo-o em cheio no peito e jogando-o para trás. — O que está acontecendo? – perguntou Elkens assustado. Mais uma vez a criança riu com sua falsa inocência, então respondeu: — Este é o terceiro teste: deve fazer com que Meithel te reconheça antes que um dos dois acabe morto.

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— Isso não tem o menor sentido – disse Elkens quase implorando para que a criança desistisse, mas sabia que isso não seria útil. — Claro que sim. Vocês são companheiros nesta jornada, até o fim. Devem se conhecer. Quero que você perceba com isso que a aparência não é importante. Você pode estar andando com um de seus amigos sem saber que ele na verdade é um impostor utilizando-se de um feiti-ço de ilusão. Você precisa passar por isso para aprender a ser mais cuidadoso. Será muito importante para você… “Mas o teste não é tão simples quanto parece. Meithel acha que você é Mudriack e está muito zangado com ele. Qualquer coisa que você dis-ser ele não ouvirá, ao invés disso ouvirá Mudriack provocando-o ain-da mais. Seus feitiços da Alma também não funcionarão. Cada vez que você levantar a mão direita, o golpe de Meithel voltará contra ele, caso contrário você é que será atingido”. Elkens começava a se perguntar quem estava fazendo isso com eles. O homem que apareceu por primeiro, a mulher e a criança, eram todos ilusões. Quem estava fazendo aquilo era alguém extremamente pode-roso, capaz de manipular a magia ao seu favor de forma extraordiná-ria. Esse alguém fora capaz de separá-los uns dos outros, de criar ilu-sões reais e perigosas e até mesmo de impedir Elkens de usar os seus próprios poderes. Quem fazia isso não era um protetor comum, era muito mais poderoso que qualquer protetor que Elkens já houvesse co-nhecido, até mesmo o seu tutor. Não sabia ele que a resposta de tudo isso era a névoa. A névoa que pairava sobre toda a extensão da Flo-resta de Pedra não era comum, era uma névoa mágica e quem a criou podia controlar toda forma de magia que estivesse dentro da névoa, criando suas próprias regras. Mas ainda assim havia uma fonte de poder; um objeto que está escondido dentro do Templo do Sacrifício neste exato momento é a fonte da magia que cria a névoa e tudo o

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mais. Era esse objeto que Elkens e os outros precisavam destruir pa-ra sair da Floresta de Pedra. Meithel levantou-se do chão e ficou de frente para Elkens. Um novo corte havia surgido em sua testa e sangrava muito. — Não sei como você faz isso, Mudriack – disse Meithel, a raiva aflorando à pele. – Mas juro pelo colar que trago em meu pescoço que vou derrotá-lo custe o que custar. Elkens precisava fazer alguma coisa. Meithel estava ficando muito zangado. Não podia dizer nada, pois com certeza Meithel ouviria ou-tra coisa que o deixaria ainda mais zangado. Meithel tocou seu colar e conjurou duas esferas de luz. Fez um movi-mento rápido com as mãos e disparou-as. Elkens se preparou para fu-gir, pois estava disposto a não levantar a mão direita, mas foi só en-tão que percebeu que ele não era o alvo. Cada uma das esferas foi para um lado, atingindo duas árvores de pedra e explodindo. As enormes árvores de pedra se partiram e tombaram sobre Elkens e este teve de se jogar para trás para conseguir escapar. Esta foi por pouco, pensou Elkens depois do grande estrondo que as pedras provocaram, mas não teve tempo de pensar em mais nada. Aquilo foi apenas um truque de Meithel para distraí-lo e ele percebeu tarde demais. No segundo seguinte Meithel estava em pé à sua frente, segurando um enorme gládio apontado para o seu peito. Elkens teria de agir rápido. — Parece que finalmente eu te venci, não é Mudriack? – perguntou ele ironicamente. Estava arfando de tanto cansaço, mas seu rosto exi-bia um glorioso triunfo. – Não disse que levaria a minha cabeça para os Domínios da Magia? Pois fique sabendo que ela vai para lá sim, mas meu corpo vai junto. Eu irei até lá e derrotarei todos os malditos

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Cavaleiros da Magia que se rebelaram e você, Mudriack, o mais fiel aos nove Cavaleiros, vai morrer como todos eles. Meithel apoiou as duas mãos sobre o cabo de seu gládio e preparou-se para fincá-lo com toda a força no peito de Mudriack, cujo rosto exibia todo o medo que estava sentindo. — MORRA! – berrou Meithel pronto para cravar a espada no peito de seu inimigo, mas parou instantes antes de cometer o assassinato. Parou porque reparara no que Mudriack havia escrito na areia ao seu lado:

“Obrigado por ter me salvado no rio”. Meithel levou um choque ao desviar os olhos da escrita e voltá-los pa-ra o homem que estava sob sua espada. Realmente não era Mudriack, ele podia enxergar agora: era Elkens. Meithel fez seu gládio desaparecer e estendeu a mão para ajudar o amigo a se levantar. Seu rosto demonstrava o espanto que sentia pelo o que quase fizera e suas mãos tremiam ainda mais. — O que está acontecendo? – perguntou ele em completo desespero. Elkens não respondeu de imediato, pois nem ele próprio sabia como responder. Mas sorriu, pois o último teste havia terminado. Elkens procurou pela criança, mas não a encontrou. Quem estava mais uma vez com eles era a mulher que supostamente ele havia matado para passar pelo segundo teste. — Não deixe que ela se aproxime de você – disse Elkens advertindo Meithel. – Se isso acontecer irá cair sob o encanto dela. A mulher então sorriu e disse com a voz doce que Elkens já conhecia: — Agora o último teste começará!

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Elkens e Meithel ficaram apreensivos. Elkens não acreditava no que estava ouvindo. Já havia passado por três testes, cada um deles para salvar um de seus amigos. O que mais aguardava por eles?

No mesmo instante em que a mulher apareceu para Elkens e Meithel, suas outras formas também surgiram. Para Laserin surgiu a forma do homem que propôs o primeiro teste, e para Gauton surgiu a criança. — A partir de agora – disse a mulher, mas ao mesmo tempo o homem e a criança também diziam as mesmas palavras para seus ouvintes – vocês todos estão sendo testados. Com um movimento das mãos, a mulher, o homem e a criança fizeram surgir, flutuando diante de cada um deles, quatro belas flores. Um de-las era branca, outra vermelha, outra negra e a última azul. Então as três formas do estranho continuaram falando: — A Lenda das quatro flores. Cada uma delas simboliza algo. Cada um de vocês deve escolher uma flor, pois a escolha será importante pa-ra definir o último teste. — Elkens – Meithel o chamou ao seu lado. – Conhece esta lenda? Sabe o que cada uma das flores significa? — Não – respondeu Elkens nervoso. A mulher sorriu para eles e disse: — Terão de fazer a escolha independente disso. Agora vocês depen-dem apenas da sorte. Espero que aprendam isso: a sorte também é um fator importante. Ela ajuda a determinar o rumo de cada batalha. Elkens observou as quatro flores por um momento, então decidiu-se por pegar a flor branca, mas no instante em que estendeu a mão para

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pegá-la, ela desapareceu. Elkens olhou apreensivo para a mulher, que então respondeu: — A flor branca acaba de ser escolhida pela pequena Laserin. – Sus-peito de que ela seja a única de vocês que conhece a Lenda das quatro flores. Elkens e Meithel então se olharam. O que significaria cada uma das flores? Por que Laserin escolheu a flor branca? Será que ela realmente conhecia a lenda? Poucos segundos depois a flor vermelha também desapareceu. Signifi-cava que Gauton a havia escolhido. Agora só restavam duas flores. Meithel estendeu a mão e pegou a flor negra, então a Elkens sobrou apenas a flor azul. — Muito bem – disse a mulher, ao mesmo tempo em que o homem e a criança diziam as mesmas palavras, longe dali. – Agora vamos prosse-guir com o teste. Quando disse isso, ela fechou os olhos, ao mesmo tempo em que seus companheiros, então todos tiveram a mesma visão. Elkens, Meithel, Gauton e Laserin, todos compartilhando a mesma visão. Um via o outro, como se estivessem todos juntos, mas ainda era apenas uma ilu-são. Todos estavam apavorados, mas Laserin permanecia de cabeça baixa. Parecia ser a mais nervosa, talvez por ser a única que conheces-se a lenda. — A partir de agora – disseram a mulher, o homem e a criança em uníssono – quero que escolham dentre vocês quatro quem deve ser sa-crificado. — O quê? – exclamaram Elkens, Meithel e Gauton juntos. Os três fi-caram horrorizados com o que ouviram, mas a mulher, o homem e a criança continuaram a falar calmamente:

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— Pela ordem das flores, quem faz a primeira escolha é Laserin, mas que todos saibam: não é permitido escolher a si próprio. Então Laserin, segurando a flor branca, levantou o rosto cheio de me-do e olhou para Gauton: — Desculpe… O Mensageiro da Magia apenas olhou para ela e sorriu, tentando tranqüilizá-la. — O segundo a votar é quem tem a flor azul! — Elkens – sussurrou Meithel ao seu lado. – Me escolha! — O que está dizendo? – perguntou Elkens assustado. — Gauton já tem o voto de Laserin – Meithel explicou. – Mas ele é o único que pode abrir um portal paralelo para nos levar até os Domí-nios da Magia. Precisamos dele. Elkens então respirou fundo e respondeu: — Eu escolho o Meithel. — O terceiro voto é da flor negra! Diga-nos, Sacerdote Meithel, qual de seus amigos deve ser sacrificado? — Elkens! – respondeu Meithel firmemente, sem olhar para o amigo. Agora Elkens, Meithel e Gauton tinham um voto. Como Gauton não poderia votar em si próprio, ou Elkens ou Meithel seria sacrificado, e tudo dependeria da escolha de Gauton. Votar em Laserin estava fora de cogitação. Então a mulher, o homem e a criança voltaram a falar em uníssono: — Já está resolvido. Já sabemos quem será sacrificado! — Não – exclamou Gauton surpreso. – Ainda não fiz a minha esco-lha! — Mas segundo a lenda, a flor vermelha não tem direito a voto, pois assim há mais chances de haver um empate e todos deveriam ser sacri-ficados.

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Elkens ficou confuso. — Mas então quem foi escolhido? — A flor vermelha significa morte, portanto quem escolheu essa flor recebe mais um voto. Assim Gauton é o escolhido… — Mas precisamos dele – disse Meithel em protesto, mas a mulher respondeu com sua voz sensual: — Assim foi decidido pelas flores… pela sorte! — Mas ainda não terminou – disse Laserin segurando sua flor bran-ca; ela estava tremendo. – Segundo a lenda, a flor branca significa sa-crifício, portanto eu tenho o direito de me sacrificar por Gauton. Gauton não disse nada, apenas encarou a garota e ficou em silêncio. — NÃO LASERIN! – gritou Meithel em protesto. – NÃO FAÇA ISSO! — Desculpe Meithel – disse a jovem – mas ainda há tempo para mu-dar as coisas… — Muito bem – disseram a mulher, o homem e a criança. – A escolhi-da é Laserin! A mulher então abriu os olhos e a visão desapareceu. — NÃO! – gritou Meithel, mas não havia nada a ser feito. Elkens e Meithel estavam novamente sozinhos com a mulher. — O QUE VOCÊ FEZ COM ELA? – o Sacerdote da Magia per-guntou enquanto avançava contra a mulher, mas ela apenas desapa-receu e reapareceu atrás de Meithel. — Ela foi levada para o Templo do Sacrifício! Elkens ficou sem voz e não conseguiu dizer nada. Sem que percebesse começou a chorar por Laserin, então abaixou a cabeça e viu que ainda estava segurando a flor azul. Ele enxugou os olhos, e olhou para a mulher. Estava pensando no que Laserin havia dito antes de desapa-recer: “ainda há tempo para mudar as coisas”.

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— O teste ainda não acabou! – Elkens percebeu. – Não acabou, não é verdade? Diga-me: o que significa a flor azul? A mulher sorriu com o raciocínio rápido de Elkens, então respondeu: — Não sou eu quem diz se o último teste terminou, é você! A flor que você segura significa escolha, portanto só você pode decidir se o teste acabou. Se optar por encerrar o teste, toda a névoa desaparecerá, le-vando consigo o Templo do Sacrifício e a garota que está dentro dele. Mas se optar por continuar sendo testado, tudo continuará como está, e sua flor apontará para a direção em que está o Templo do Sacrifício. — Eu escolho continuar com o teste – disse Elkens decidido. A mulher voltou a sorrir: — Vejo que aprendeu a ser persistente. Isso é bom. Não foi uma perca de tempo afinal. Meithel estava mais calmo agora que descobriu que poderiam salvar Laserin. Olhou então para a flor negra que estava em suas mãos e de-cidiu perguntar: — O que a flor negra significa? — Esperança! Essa flor simboliza a vida da pequena que foi levada. Quando a flor terminar de murchar, a jovem morrerá e o teste será en-cerrado. Mas saibam que agora que decidiram continuar no teste, vo-cês correm tanto perigo quanto a garota. “Você já fez sua escolha”, disse a mulher olhando para Elkens com seus olhos vermelhos. “Agora o teste só terminará quando salvarem a garota ou quando a flor terminar de murchar. Só há um caminho a se-guir”. Então a mulher desapareceu, deixando Elkens e Meithel sozinhos. A névoa continuava muito densa. Elkens deixou a flor azul sobre a palma da mão aberta e a flor levantou-se no ar, apontando para fren-te. Elkens voltou a segurar a flor, então olhou para Meithel e disse:

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— Vamos salvar a Laserin!

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