Sistemas_Modais

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  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL

    INSTITUTO DE ARTES DEPARTAMENTO DE MSICA

    SISTEMAS MODAIS

    PROF. FERNANDO LEWIS DE MATTOS

  • ***

  • UNIVERSIDADE FEDERAL DO RIO GRANDE DO SUL INSTITUTO DE ARTES

    DEPARTAMENTO DE MSICA

    SISTEMAS MODAIS

    PROF. FERNANDO LEWIS DE MATTOS

    Porto Alegre, abril de 2008

  • ***

  • SUMRIO

    INTRODUO AO CONCEITO DE MODO ........................................................................................... 2 SISTEMA L CHINS .................................................................................................................... 6 SISTEMA DE GRMAS INDIANO ................................................................................................... 11

    Caractersticas dos ragas ................................................................................................... 19 SISTEMA DIATNICO DA GRCIA CLSSICA ................................................................................. 27 SISTEMA MODAL ECLESISTICO ................................................................................................. 37

    Sistema Modal da Idade Mdia .......................................................................................... 37 Sistema Modal do Renascimento ....................................................................................... 46

    ELEMENTOS MODAIS NA MSICA BRASILEIRA ............................................................................. 54 Transposio dos Modos.................................................................................................... 58

    CONCLUSO ............................................................................................................................. 68 BIBLIOGRAFIA ............................................................................................................................ 70

  • 1

    SISTEMAS MODAIS

    A msica produzida pelas mais diversas culturas que deixaram registro

    histrico apresenta carter modal. Isso significa que as prticas musicais de

    diversas regies do globo terrestre tm caractersticas comuns, que podem ser

    definidas com base em alguns princpios geradores.

    Algumas civilizaes da Antigidade iniciaram um processo de

    sistematizao da organizao sonora, segundo preceitos cosmolgicos,

    relaes numricas, naturais e mticas entre as notas, ou simplesmente a partir

    da escuta atenta de sons do ambiente.

    Na Mesopotmia e no Egito, existiram vrios gneros de msica

    religiosa, cerimonial, ldica e cortes. Entretanto, no restou documentao

    que ateste qualquer aspecto sobre como ela era praticada. Conhecem-se,

    atualmente, apenas alguns instrumentos que permitem deduzir que foram

    empregadas escalas pentatnicas e heptatnicas.

    O sistema musical mais antigo que chegou aos dias de hoje, o sistema

    pentatnico chins, que remonta poca dos imperadores lendrios, h cerca

    de cinco mil anos. O sistema de ragas indiano, com diferentes tipos de escalas

    de cinco a dez sons, o mais detalhadamente conhecido do Oriente, devido

    grande quantidade de escritos preservados e disseminao atual dessa

    msica. Entre os sistemas modais do Ocidente, esto o Sistema Diatnico da

    Grcia clssica e o Sistema Modal Eclesistico empregado no canto

    gregoriano, na polifonia da Europa medieval e na msica renascentista.

    Aps um perodo de predomnio do Sistema Tonal, msicos modernistas

    europeus, no sculo XX, retomaram prticas modais antigas, ocidentais e

    orientais. Em pases com tradies mais recentes, como ocorre na Amrica,

    tm sido pesquisados elementos da msica folclrica e popular urbana: nos

    Estados Unidos, foram incorporados elementos do blues e do jazz a outros

    gneros de msica; msicos latino-americanos pesquisaram as razes

    indgenas e africanas, incorporando-as em suas criaes. Isso trouxe,

    atualidade, o interesse por diferentes sistemas sonoros e estruturas modais.

    Este texto abordar alguns dos mtodos modais mais destacados,

    desde os sistemas milenares da China e da ndia, at o emprego de estruturas

    modais na msica brasileira atual.

  • 2

    Introduo ao conceito de modo

    O termo modo tem sua origem no vocbulo latino modus, que significa

    maneira, padro. Quando aplicado construo de escalas, modo quer dizer

    uma maneira, ou um modo particular de distribuio dos intervalos de uma

    escala, sendo que isso que determina o padro especfico de ordenao de

    qualquer conjunto sonoro.

    Assim, quase qualquer tipo de escala pode ser organizado em modos,

    sendo que o nmero de modos possveis de uma escala geralmente equivale

    ao nmero de notas que compem seu conjunto sonoro. Por exemplo, uma

    escala pentatnica (com cinco sons) pode conter cinco modos distintos, uma

    escala hexatnica (com seis sons) pode ter seis modos e uma escala

    heptatnica (com sete sons) pode conter sete modos.

    O exemplo a seguir mostra os cinco modos da escala japonesa Kumoi.

    A escala pentatnica Kumoi formada pelas notas r, mi, f, l e si. Os

    modos dessa escala so obtidos quando se inicia uma nova escala com cada

    uma dessas notas, conforme demonstra o exemplo acima.

    O que define a distino entre os modos de uma escala a disposio

    dos intervalos de cada modo, sendo que os modos so obtidos da seguinte

    forma: tomam-se as notas de determinado conjunto sonoro e inicia-se uma

    nova escala a partir de cada uma de suas notas. Cada uma dessas escalas

    contm diferentes intervalos e , portanto, um modo particular de organizao

    dos intervalos, com base nas mesmas notas.

    Excees a esse princpio geral ocorrem quando uma escala formada

    pela repetio do mesmo intervalo, como ocorre na escala de Tons Inteiros,

    que formada por uma seqncia de intervalos de tom, e na escala Cromtica,

    construda somente por semitons. Essas duas escalas tm apenas um modo.

    Na escala de tons inteiros do exemplo abaixo, pode-se iniciar por

    qualquer nota e a ordenao dos intervalos permanece sempre a mesma: tom-

  • 3

    tom-tom-tom-tom-tom. Isso significa que esta escala possui apenas um modo e

    todas as outras escalas so apenas transposies da mesma seqncia de

    intervalos.1

    Assim, tem-se a diferena entre dois princpios, no que diz respeito

    formao de escalas: modo e transposio. Duas escalas possuem modos diferentes quando possuem as mesmas notas, re-ordenadas com intervalos

    distintos (p. ex.: D Maior e L Menor); duas escalas tm o mesmo modo

    quando contm os mesmos intervalos e uma delas construda por meio da

    transposio da outra (p. ex.: D Maior e L Maior).

    O exemplo abaixo ilustra o que foi dito:

    a) Transposio: se a escala de d natural (aquela que contm as notas

    naturais, sem alterao) der origem a uma escala que inicia com a nota l,

    mantendo os mesmos intervalos da escala de d, tem-se uma transposio,

    pois se mantm o mesmo modo de distribuio dos intervalos. Isso significa

    que, na transposio, mantm-se os intervalos e mudam algumas notas. No

    exemplo abaixo, a escala de L Maior uma transposio da escala de D

    Maior, sendo que ambas tm o mesmo modo.

    b) Modo: se a escala de d natural der origem a outra escala com as

    mesmas notas da escala original, porm iniciando em outra nota (l), tem-se

    um modo diferente de organizao dos intervalos. Isso significa que mudana 1 Nas escalas simtricas, a quantidade de modos menor do que o nmero de notas. A escala diminuta octatnica (com 8 notas), que formada por uma seqncia de tons e semitons, h somente dois modos: 1) tom-semitom-tom-semitom, etc.; 2) semitom-tom-semitom-tom, etc.

  • 4

    de modo implica em manter as mesmas notas, com mudana dos intervalos.

    No exemplo abaixo, a tonalidade de L Menor outra disposio dos

    intervalos, com as mesmas notas de D Maior (notas naturais).

    Este princpio bsico rege a maior parte dos sistemas musicais

    estruturados ao longo dos sculos, em vrias culturas.

    Mesmo no Sistema Tonal europeu, em que o importante a derivao

    de novas escalas como transposies da escala natural, essas transposies

    so efetuadas a partir de dois modos bsicos: maior e menor. Se no Tonalismo

    h apenas dois padres de escalas diferentes, nas culturas em que a msica

    organizada com base em princpios modais, h grande diversidade de tipos de

    escalas (normalmente compostas de cinco a dez sons) e variedade de modos.

    Uma simples comparao entre dois sistemas europeus, o Sistema

    Modal do sculo XVI e o Sistema Tonal do sculo XVIII, demonstra a diferena

    entre a msica centrada em modos e aquela centrada em tons. O sistema de

    modos eclesisticos do final do Renascimento (segunda metade do sc. XVI)

    est embasado em uma nica escala, a escala natural, a partir da qual so

    derivados doze modos diferentes. O sistema de tonalidades do perodo Barroco

    tardio (primeira metade do sc. XVIII) est embasado em duas escalas com

    modos diferentes (maior e menor), sendo que cada modo d origem a doze

    tonalidades, atravs de transposies das escalas bsicas.

    Isso significa que o Sistema Modal renascentista contm doze modos

    para uma escala de referncia e o Sistema Tonal barroco possui doze escalas

    para cada modo, conforme demonstra o quadro abaixo.

    Sistema Modal (sc. XVI)

    Tonal (sc. XVIII)

    Escala 1 24

    Modo 12 2

  • 5

    O Sistema Tonal foi praticado na Europa ocidental, aproximadamente

    entre 1600 e 1900. Sendo que, antes disso, a msica europia era

    fundamentalmente modal e, depois disso, elementos modais foram

    incorporados a outros mtodos de organizao sonora (politonal, atonal, etc.).

    Em outros continentes, as prticas musicais tm sido estruturadas, desde a

    Antigidade, com base em processos de organizao modal. Isso significa que

    a maior parte das tradies musicais possui carter modal.

    Entre as caractersticas mais comumente encontradas nos diferentes

    sistemas modais, esto:

    diversidade de tipos de escalas (entre cinco e dez sons) os modos so derivados de um conjunto sonoro bsico (escala) predomnio da msica vocal sobre a msica instrumental textura heterofnica ou polifnica primazia da melodia sobre outros elementos (timbre, ritmo, etc.) permanncia de um bordo fixo, durante longos perodos de

    tempo

    hierarquizao dos graus da escala: geralmente, a fundamental e a quinta justa so as notas mais importantes

    estrutura harmnica no-direcional

    Nas tradies musicais embasadas em modos de alturas, comum que

    a rtmica tambm seja modal, normalmente construda por adio. Isso se

    deve, geralmente, ao fato de que, nas culturas de tradio oral, a melodia e o

    ritmo musical tm suas origens como matizaes da linguagem verbal. Assim,

    linhas meldicas surgem como modulaes mais amplas da fala e a

    organizao rtmica da msica nasce a partir da mtrica das palavras2

    distribudas em frases e oraes.

    O msico hngaro Zoltn Kodaly considerava to determinante a origem

    da msica a partir da fala, que chegou a afirmar que a msica de qualquer

    comunidade humana est diretamente relacionada ao modo como o grupo se

    comunica por meio de outras linguagens, especialmente a lngua falada. Em

    outras palavras, a msica seria resultante do modo como se fala.

    2 A mtrica fontica medida atravs da acentuao e da durao das palavras, distribudas em slabas tnicas, tonas, longas e breves.

  • 6

    Sistema L Chins

    Uma caracterstica comum a diversas culturas, que est presente em

    vrias regies do globo terrestre e em vrias pocas, a organizao de

    sistemas musicais com base na afinidade do intervalo de quinta justa.

    Com exceo da repetio da prpria fundamental em diferentes

    oitavas, a nota que forma intervalo de 5J com relao fundamental o som

    parcial mais presente e mais potente, na srie harmnica da maior parte dos

    instrumentos musicais. Isso significa que esse intervalo produz a relao de

    maior nvel de consonncia entre duas notas diferentes.

    Desde os manuscritos mais antigos conhecidos sobre msica,

    encontram-se explicaes sobre a racionalidade desse intervalo.

    H cerca de cinco mil anos, os chineses desenvolveram um sistema

    musical embasado nas afinidades do intervalo de quinta. Segundo a lenda, foi

    o Imperador Amarelo, Huang-Ti, quem criou a escrita dos ideogramas chineses

    e a msica daquele pas, que era organizada com base em princpios

    numricos a partir da ressonncia de um som fundamental (denominado

    huang-kung).

    Da se desenvolveu um sistema pentatnico, amplamente empregado

    ainda hoje em vrios pases asiticos, em que todas as notas da escala so

    obtidas com base no nmero cinco: cinco sons distribudos distncia de

    intervalos de quinta, entre si.

    Por exemplo, a partir da nota d, tm-se as quintas justas:

    D Sol R L Mi

    Se essas notas forem re-ordenadas como graus de uma escala, obtm-

    se a escala pentatnica Kin, com esta seqncia de notas:

    D R Mi Sol L

    O menor intervalo do sistema pentatnico chins, que compe as

    relaes entre as notas da escala, denominado l. Este intervalo divide a

    oitava em doze partes, sendo equivalente ao semitom.

  • 7

    Abaixo, esto os cinco modos da escala Kin chinesa, transcritos para a

    notao em pentagrama:

    Cada modo contm uma distribuio particular dos graus, medida pelo

    nmero de l que os compem.

    Abaixo, est a distribuio dos intervalos de cada modo da escala

    pentatnica Kin, em que os intervalos l indicam a distncia entre a nota inicial

    do modo (fundamental) e o respectivo grau da escala.

    Nota Inicial Intervalo

    1 grau 2 grau 3 grau 4 grau 5 grau

    D 2 l 4 l 7 l 9 l

    Sol 2 l 5 l 7 l 9 l

    R 2 l 5 l 7 l 10 l

    L 3 l 5 l 7 l 10 l

    Mi 3 l 5 l 8 l 10 l

    No quadro acima, os modos esto distribudos conforme a distncia

    existente entre a fundamental (1 grau) e cada um dos graus, seguindo uma

    ordenao que vai desde o modo com os menores intervalos l, que tem a

    fundamental d, at o modo com os maiores intervalos, aquele que inicia com a

    nota mi.

    Os intervalos entre o primeiro e o segundo graus variam entre dois l

    (nas escalas de d, sol e r) e trs l (nas escalas de l e mi); os intervalos

    existentes entre o primeiro e o terceiro graus so de 4 l (escala de d) e 5 l

    (escalas de sol, r, l e mi); entre o primeiro e o quarto graus, aparecem os

    intervalos de 7 l (nas escalas de d, sol, r e l) e 8 l (na escala de mi); entre

    o primeiro e o quinto graus, ocorrem os intervalos de 9 l (nas escalas de d e

    sol) e 10 l (nas escalas de r, l e mi).

  • 8

    A anlise dos intervalos indica que a escala com intervalos de menor

    distncia entre seus graus aquela iniciada em d, que , portanto, o menor

    modo da escala pentatnica Kin. A escala com os intervalos mais distantes

    entre seus graus aquela iniciada em mi, que o maior modo do sistema. A

    ordenao crescente de intervalos, nos modos da escala pentatnica, coincide

    com sua origem no ciclo de quintas: d-sol-r-l-mi.

    Com o tempo, o sistema pentatnico original foi ampliado, chegando ao

    Sistema L do Perodo Shang (1.500-1.000 a.C.), onde cada um dos sons est

    associado a elementos cosmolgicos e a msica entendida como um reflexo

    da realidade, tanto do Universo quanto da vida interior.

    interessante notar que, para os chineses, o Universo formado por

    cinco elementos que regem a Natureza. Cada um desses elementos est

    associado a vrios aspectos da realidade.

    Os elementos, segundo a tradio taosta chinesa, so estes:

    Madeira rege a criatividade, a primavera, a nota mi, etc. Fogo rege a paixo, o vero, o sabor amargo, a nota sol, etc. Terra rege o equilbrio, o sabor doce, o olfato, a nota d, etc. Metal rege a fora, o outono, o sabor picante, a nota r, etc. gua rege a sensibilidade, o inverno, o salgado, a nota l, etc.

    O Sistema L consiste em tomar cada um dos cinco sons da escala

    pentatnica Kin como sendo a nota fundamental que d origem a uma nova

    escala, construda com base na mesma distribuio de intervalos. Desta forma,

    as outras escalas so obtidas como transposies da escala Kin.

    Tm-se, assim, cinco escalas, com notas diferentes, formadas por cinco

    sons derivados do intervalo de quinta por transposio (note-se que a estrutura

    escalar abaixo pode ser lida tanto em sentido horizontal quanto vertical):

    d r mi sol l

    r mi f# l si

    mi f# sol# si d#

    sol l si r mi

    l si d# mi f#

  • 9

    Como cada uma das escalas anteriores pode ser tomada como base,

    tem-se um sistema que compreende todas as dozes notas l, em um crculo de

    quintas completo, que inicia e termina em d.

    D

    F . ............... Sol

    Sib R

    Mib L

    Lb Mi

    Rb Si

    F#

    Cada uma das escalas pentatnicas assim obtidas pode ser organizada

    em cinco modos diferentes. A escala de sol, por exemplo, tem os seguintes

    modos (novamente, a leitura pode ser feita em sentido horizontal ou vertical):

    sol l si r mi

    l si r mi sol

    si r mi sol l

    r mi sol l si

    mi sol l si r

    Com isso, obtm-se cinco escalas para cada nota fundamental l. Como

    h doze l, chega-se a um total de sessenta escalas diferentes (5 x 12 = 60).

    Trata-se, portanto, de um sistema extremamente sofisticado que tem

    vrias semelhanas com alguns sistemas ocidentais, desenvolvidos como

    modos, transposies de escalas ou com base no crculo de quintas.

  • 10

    O quadro a seguir demonstra as sessenta escalas do Sistema L.

    Para deduzir qualquer uma das escalas pentatnicas do sistema, basta

    iniciar em uma nota qualquer e contar cinco notas na mesma direo, tanto na

    vertical quanto na horizontal, at alcanar a repetio da nota inicial.

    d r mi sol l d r mi sol l

    r mi f# l si r mi f# l si

    mi f# sol# si d# mi f# sol# si d#

    sol l si r mi sol l si r mi

    l si d# mi f# l si d# mi f#

    d r mi sol l d r mi sol l

    r mi f# l si r mi f# l si

    mi f# sol# si d# mi f# sol# si d#

    sol l si r mi sol l si r mi

    l si d# mi f# l si d# mi f#

    Abaixo, est o Hino para a Entrada do Imperador, datado do sculo X

    a.C. Esta a mais antiga pea musical que chegou aos dias de hoje, sendo

    que est organizada com base nas cinco notas da escala pentatnica.

    Sabe-se que a antiga msica cortes chinesa era preponderantemente

    instrumental e que, no perodo da dinastia Tang, os hinos que acompanhavam

    a entrada do imperador eram tocados por orquestras formadas por grande

    nmero de executantes, podendo chegar a mais de quinhentos msicos.

  • 11

    Sistema de Grmas Indiano Outra civilizao da Antigidade que dedicou grandes esforos para a

    organizao e estruturao da msica foi a ndia. A cultura musical indiana ,

    ainda hoje, uma das mais ricas e complexas de todos os tempos.

    A msica clssica indiana est sistematizada h sculos, sendo que o

    texto mais antigo ainda preservado na ntegra o tratado Nathya-Sastra (Sobre

    a Arte Dramtica), espcie de poema terico atribudo a Bharata, escrito em

    snscrito, presumivelmente, no sculo II a.C.

    A base da tradio indiana est na msica vocal, que serve de modelo

    inclusive aos improvisos puramente instrumentais. A textura dessa msica ,

    geralmente, organizada em trs partes principais: melodia, ritmo e

    acompanhamento. No tipo mais comum de estrutura, a linha vocal e a parte

    rtmica desdobram-se sobre um bordo.

    O ritmo organizado em ciclos de tempo, chamados talas. Ao contrrio

    da msica ocidental cuja rtmica estruturada com base na diviso de uma

    durao em outras duas (diviso binria) ou trs (diviso ternria) , o ritmo da

    msica indiana organizado por adio, em estruturas mtricas que podem

    conter entre seis e dezesseis tempos.

    Abaixo, esto alguns dos talas mais utilizados:

    TALA N de Tempos Ordenao

    Tisra-jati triputa 7 3 + 2 + 2

    Chaturasra triputa 8 4 + 2 + 2

    di-tala 8 4 + 2 + 2

    Jhampa-tala 10 2 + 5 + 3

    Jhap-tala 10 2 + 3 + 2 + 3

    Chautala 12 4 + 4 + 2 + 2

    Tisra-eka 12 4 + 4 + 4

    Tritala 16 4 + 8 + 4

    Deshadi 16 4 + 8 + 4

  • 12

    A seguir, esto transcries aproximativas desses talas, por Danilou3.

    Tisra-jati (triputa) Chaturasra (triputa)

    di-tala Jhampa-tala

    Chautala Tisra-eka

    Tritala

    Deshadi

    Juntamente a esse modos rtmicos (talas), so empregados modos

    meldicos (ragas), que servem de base, tanto construo de melodias

    tradicionais, quanto improvisao.

    A msica indiana amplamente improvisada sobre esses modelos (talas

    e ragas), sendo que se desdobra pelo acrscimo de vrios nveis de

    complexidade aos padres bsicos. Isso se d em vrios ciclos de tempo,

    atravs do dilogo entre os diferentes msicos que participam da interpretao.

    Por isso, cada apresentao de msica indiana nica e no pode ser

    reproduzida em outras circunstncias.

    3 DANILOU, Alain. Anthologie de la musique classique de lInde. Paris: Audivis/Unesco. Encarte CD, p. 34-43.

  • 13

    As melodias da msica tradicional indiana esto embasadas em padres

    meldicos denominados ragas4, que podem ser escalas ascendentes ou

    descendentes. Os ragas definem a estrutura das melodias tradicionais, as

    quais podem conter elementos microtonais, que geralmente so acrescidos

    como ornamentao ao padro meldico bsico do raga.

    Nos textos indianos, milhares de melodias so mencionadas, sendo que,

    atualmente, as msicas so improvisadas com base em cerca de apenas

    cinqenta delas. Cada raga tem suas prprias caractersticas meldicas e deve

    ser tocado em certa estao do ano e em determinado momento do dia para

    produzir estados de alma especficos nos ouvintes.

    Do ponto de vista da estrutura, grande parte dos gneros da msica

    indiana inicia com uma introduo (denominada Alap) dos elementos mais

    caractersticos do raga, sem acompanhamento nem preciso mtrica, sendo

    que a mtrica torna-se progressivamente mais definida (segunda parte: Jor) e,

    aos poucos, so adicionadas duraes mais curtas que tornam o ritmo mais

    movido (terceira parte: Jhala). Se o msico sentir necessidade, pode

    acrescentar uma pequena coda, denominada Gat.

    Desde sua origem mais remota, o Nathya-Sastra do sc. II a.C., a teoria

    da msica indiana est embasada em uma escala heptatnica originria (sa-

    grma) e na diviso da oitava em at vinte e duas partes, denominadas shrutis. Este o menor intervalo da msica indiana, sendo equivalente a,

    aproximadamente, um quarto de tom. O termo shruti tem sua origem no

    vocbulo shuri, que significa ouvir. Isso quer dizer que a tradio clssica da

    ndia tem sua origem na prtica direta de escutar atentamente as mnimas

    nuanas sonoras.

    O sistema indiano comporta trs tipos bsicos de intervalo, a partir dos

    quais so compostos todos os outros. Esses intervalos so formados desta

    maneira: 2 shurits (aproximadamente, um semitom), 3 shrutis (um pouco menor

    do que um tom) e 4 shrutis (um pouco maior do que um tom).5

    4 O vocbulo raga deriva da palavra ranja, que significa cor, em snscrito. 5 Em uma comparao com o Sistema Temperado da msica ocidental, em que todos os intervalos (2m, 2M, 3m, 3M, etc.) so formados com base em dois intervalos bsicos semitons e tons , percebe-se que a constituio dos intervalos indianos a partir de trs tipos bsicos permite a composio de melodias com maior gradao e improvisaes mais sutis,atravs do acrscimo de ornamentos microtonais.

  • 14

    Os nomes das sete notas bsicas da escala heptatnica indiana so: sa,

    ri, ga, ma, pa, dha, ni. Na tradio indiana, essas notas so associadas a

    cores, sons produzidos por animais e a elementos humanos (a alma, diferentes

    partes do corpo e os centros de energia denominados chakras), conforme pode

    ser percebido no quadro abaixo.

    NOTA COR ANIMAL HOMEM CHAKRA

    Sa Vermelho Pavo Alma Sahasrar

    Ri Laranja Bfalo Cabea Agya

    Ga Amarelo Bode Braos Anahat

    Ma Verde Cegonha Peito Manipura

    Pa Turquesa Cuco Garganta Swasdhishthan

    Dha Azul Cavalo Ancas Muladhar

    Ni Lils Elefante Ps Vishuddha

    O sistema musical indiano tem sua origem em uma escala denominada

    sa-grma, sendo que sa a nota fundamental e grma significa escala.6 A escala sa-grma construda com esta disposio dos shrutis: 3sh-

    2sh-4sh-4sh-3sh-2sh-4sh. Abaixo, est uma transcrio aproximativa de sa-

    grma, na qual existem estas inter-relaes intervalares7:

    Na escala sa-grma, os intervalos de 2M, 3m, 6 e 7m so levemente mais baixos do que os equivalentes do Sistema Temperado. Isso se deve

    6 Assim, sa-grma significa escala de sa" (como escala de d, por exemplo). 7 A escala sa-grma equivale, aproximadamente, ao modo Drico eclesistico (Frgio grego), cujo movimento ascendente formado por: tom-semitom-tom-tom-tom-semitom-tom.

  • 15

    diviso da oitava em 22 sons e sua ordenao em grupos de dois, trs ou

    quatro shrutis. As diferenas de sa-grma com relao ao Sistema Temperado esto indicadas pelas setas apostas s notas mi, f, si e d, no exemplo acima.

    As relaes entre os diferentes graus das escalas indianas seguem um

    rigoroso princpio hierrquico, classificado em quatro categorias, que equivalem

    ao sistema social da ndia tradicional:

    Vadi: a fundamental do modo na escala sa-grma: nota sa, que corresponde ao Rei, na hierarquia social;

    Samavadi: so as consonncias de 9 shrutis (4J) e 13 shrutis (5J) representadas, na escala sa-grma, pelas notas ma e pa, que correspondem aos Ministros do Rei;

    Anuvadi: so as assonncias de 5 shrutis (3m) e 16 shrutis (6M) na escala sa-grma: notas ga e dha, que correspondem aos Sditos do Rei.

    Vivadi: as dissonncias de 2 shrutis (2M) e 20 shrutis (7m) na escala sa-grma: notas: ri e ni, que equivalem aos Inimigos do Rei;

    A primeira escala derivada de sa-grma ma-grma (escala de ma), cuja nota fundamental (ma) encontra-se distncia de 9 shutis (4J) da nota

    sa. A escala ma-grma construda com esta disposio dos intervalos: 3sh-3sh-2sh-4sh-3sh-2sh-4sh.

    Abaixo, est a escala ma-grma e suas relaes8:

    Em termos de afinao, ou seja, a altura real das notas, a escala ma-

    grma tem apenas um som diferente de sa-grma, que a nota pa (l, na

    transcrio acima), que um shruti mais grave do que em sa-grma9.

    8 A escala ma-grma equivale ao modo Mixoldio medieval, que formado por tom-tom-semitom-tom-tom-semitomtom-tom.

  • 16

    Isso significa que, com exceo do segundo grau, ma-grma apenas um modo diferente de disposio das notas da escala sa-grma, isto , no se trata de outra escala, mas de outro modo da mesma escala bsica. Na tradio

    indiana, porm, estas escalas so consideradas como elementos contrrios,

    que se opem e se complementam, na base do sistema de grmas, e esto na origem de diversos ragas.

    Para que se perceba mais claramente a diferena entre as duas escalas

    (sa-grma e ma-grma), ambas esto transpostas para iniciar na nota d, no exemplo abaixo.

    Ao serem comparados os intervalos em relao fundamental, percebe-

    se que h uma nota diferencial entre as duas escalas, que se encontra sobre o

    terceiro grau: 5 shrutis (aproximadamente, 3m), em sa-grma, e 7 shrutis (aproximadamente, 3M), em ma-grma. esta diferena de cerca de meio-tom, no terceiro grau, que torna estas duas escalas contrrias para os indianos

    e serve como geratriz do todo o sistema de ragas.

    Por exemplo, entre os ragas pentatnicos, aqueles que contm semitom

    correspondem escala sa-grma e os ragas pentatnicos que no contm semitom correspondem a ma-grma.

    O entendimento de ma-grma e sa-grma como escalas diferentes, e no apenas modos da mesma escala, no sistema tradicional indiano, est

    ligado a dois fatores principais: a afinao da vina, instrumento que remonta

    poca de Bharata e deu origem ao sistema de grmas, e a sutil percepo dos intervalos por parte dos msicos indianos.

    9 Note-se que, na transcrio, a nota pa (l) contm uma seta para baixo, na escala ma-grma, e no contm esta seta, na escala sa-grma. Isso significa que esta nota um shruti mais grave naquela escala.

  • 17

    De qualquer forma, o fato importante que essas duas escalas (sa-

    grma e ma-grma) esto na origem dos modos e escalas da msica clssica indiana.

    A construo mais simples de escalas est na derivao de diferentes

    modos, iniciando a partir de cada um dos sete graus da escala heptatnica

    bsica. Desses modos, chamados de murchanas, quatro tm origem em sa-

    grma, com 5 shrutis (3m) entre o primeiro e o terceiro grau, e as outros trs tm sua origem em ma-grma, ou seja, com 7 shrutis entre o primeiro e o terceiro graus.

    Essas sete escalas originrias (jatis) so consideradas puras, pois

    contm as mesmas notas que as duas escalas bsicas. Em combinao com

    outras escalas, mistas, formaram o complexo sistema de ragas que perdura

    at a atualidade.

    Segundo Marsicano10, as dez escalas geratrizes dos ragas so estas11:

    Bilaval

    Kalyan

    Khamaj

    Bhairav

    Purvi

    Marwa

    Kafi

    10 MARSICANO, Alberto. A msica clssica da ndia. So Paulo: Perspectiva, 2006, p. 53. 11 Nestes exemplos, as escalas que tm 5sh (3m) so derivadas de sa-grma e aquelas que tm 7sh (3M) so derivadas de ma-grma.

  • 18

    Asavari

    Bhairavi

    Todi

    Estas escalas deram origem grande quantidade de ragas da msica

    clssica indiana.

    Inicialmente, foram elaborados seis ragas, a partir dos quais, originaram-

    se, atravs dos sculos, um total de 126 ragas diferentes, que so a base para

    a composio milhares de melodias tradicionais, classificadas em duas

    categorias: Asthai e Antara. Dependendo da forma como foram derivados das

    escalas originais, os ragas so considerados como raginis (rainhas, esposas)

    ou putras (filhos, prncipes).

    Segundo Yogananda12, os seis ragas bsicos so estes:

    Hindole-raga deve ser tocado na primavera, noite, para evocar sentimentos relativos ao amor universal;

    Deepaka-raga deve ser tocado no vero, ao anoitecer, para instigar os ouvintes devoo religiosa e piedade;

    Megha-raga deve ser tocado ao meio-dia, na poca das mones, para incitar sentimentos de coragem e firmeza de

    esprito;

    Bhairavi-raga toca-se nas manhs de agosto, para estimular a calma e a serenidade de esprito;

    Sri-raga deve ser tocado no outono, ao entardecer, e sua funo conduzir o ouvinte a estados de amor puro;

    Malkounsa-raga deve ser tocado no inverno, meia-noite, para despertar senso de bravura e fazer os ouvintes valorosos.

    12 YOGANANDA, Paramahansa. Autobiografia de um iogue. Rio de Janeiro: GMT, 2006, p. 173.

  • 19

    O sistema indiano foi constitudo ao longo de sculos, por acrscimos e

    supresses de notas s escalas bsicas, atravs da criao de novos modelos

    meldicos. Assim, existem vrios tipos de escalas, com diferentes nmeros de

    notas: pentatnicas (5 sons), hexatnicas (6 sons), heptatnicas (7 sons),

    octatnicas (8 sons), eneatnicas (9 sons) e decafnicas (10 sons).

    Na teoria, so consideradas apenas as escalas pentatnicas,

    hexatnicas e heptatnicas. Na prtica, porm, a incorporao de notas s

    escalas bsicas, empregadas na improvisao e na ornamentao, tornou-se

    to usual que pode ser considerada como parte constituinte de muitos ragas.

    Isso, acrescido ao uso de vinte e dois sons microtonais (shrutis), faz com que o

    sistema musical indiano seja um dos mais ricos e complexos j elaborados por

    qualquer civilizao.

    Caractersticas dos ragas Cada raga tem propriedades que lhe so prprias e o diferenciam dos

    demais. Entre suas caractersticas, as mais importantes so:

    tipo de escala pentatnica, hexatnica, heptatnica, etc.; constituio intervalar intervalo de cada grau da escala com

    relao aos demais;

    nota inicial som que d incio melodia (nos exemplos abaixo: primeira nota da escala, escrita em semibreve);

    nota final som que finaliza a melodia (ltima nota da escala, escrita em semibreve, nas transcries abaixo);

    nota central nota que d movimento melodia e serve para finalizao, nas cadncias interiores (nos exemplos: notas

    intermedirias, indicadas por semibreves);

    modelos meldicos so padres meldicos tpicos de cada raga (alguns deles esto anotados, nas transcries abaixo);

    modelos de ornamentao so notas ou padres tpicos de ornamentao, que identificam determinado raga (esto grafados

    em tipos menores ou entre parnteses, nos exemplos abaixo).

  • 20

    Marsicano13 explica que as escalas pentatnicas do Sistema Hindustani,

    proveniente da ndia do Norte, esto relacionadas aos cinco elementos: gua,

    terra, fogo, ar e ter14. Nas escalas pentatnicas, cada uma das notas tem a

    capacidade de evocar um desses elementos, quando o raga tocado na

    estao apropriada do ano e no perodo adequado do dia.

    Os principais ragas pentatnicos desse sistema so:

    Durga

    Bhupali

    Malkauns

    Megh

    Hamsa-Dwani

    Shivranjani

    Bibhas

    13 MARSICANO, Alberto. A msica clssica da ndia. So Paulo: Perspectiva, 2006, p. 54. 14 interessante lembrar que, para os chineses, os elementos tambm so cinco, porm dois deles so diferentes: em vez de ter e ar, esto madeira e metal. Nas tradies ocidentais, os elementos so quatro: gua, terra, fogo e ar.

  • 21

    A seguir, esto alguns dos ragas praticados atualmente15, segundo

    transcries de Danilou16.

    Bhairavi similar ao modo Drico dos gregos [modo Frgio medieval].

    O modo indiano acrescenta uma segunda maior em algumas passagens. Este

    modo geralmente tocado pela manh; reflete sentimentos de plenitude,

    calma, satisfao e ternura.17

    Sindhi-Bhairavi uma variante do modo Bhairavi (ou Drico), ao qual

    uma tera maior e uma stima maior so empregadas na ornamentao de

    peas mais floridas. um modo mais verstil, mais agitado e mais apaixonado

    que o Bhairavi, porm tambm mais leve.

    Bhairavi do Sul

    Bhimpalashri um modo terno e gracioso, geralmente tocado prximo

    ao final da tarde. uma forma do modo Kafi; equivalente ao Frgio grego

    [Drico eclesistico]. Trata-se de um raga assimtrico, pois a escala

    descendente (heptatnica) difere da ascendente (pentatnica).

    15 Como os ragas so a combinao de modelos meldicos e padres de escala, nem sempre se pode transcrever um raga na forma de uma simples escala. Em alguns casos, a transcrio o resultado da combinao de uma escala com modelos meldicos prprios daquele raga. Todas estas escalas esto transpostas para iniciar na nota d. Com isso, pode-se perceber com maior preciso as diferenas de intervalos, existentes entre elas. 16 DANILOU, Alain. Anthologie de la musique classique de lInde. Paris: Audivis/Unesco. Encarte CD, p. 34-43. 17 As citaes entre aspas so comentrios de Danilou sobre as caractersticas de cada raga.

  • 22

    Ahiri-lalita formado por semitons e teras menores. Este modo

    tocado ao nascer do sol. A expresso de alegria e frescor.

    Malkosh um modo pentatnico, geralmente tocado noite e

    corresponde aos sentimentos de paz, devoo, calma alegria e representa as

    noites estreladas.

    Todi um modo cromtico sutil que se toca de manh e representa a

    sensualidade, o prazer, o amor.

    Todi do Sul uma variante sulista do modo Todi, com a quarta justa e

    a stima menor.

    Dhanyasi uma variao do modo Todi do Sul. um modo matinal

    que representa uma atmosfera de graa e ternura. Este um raga assimtrico.

    Varali um modo com tendncias pentatnicas, que pertence

    famlia dos modos Todi do Norte.

  • 23

    Multani um modo sutil e suave, tocado tarde. A escala semelhante

    do modo Todi, mas a organizao das notas difere ligeiramente. Este raga

    tambm assimtrico.

    Kamavardhani tambm conhecido como Purvi, um modo cromtico

    delicado, que geralmente tocado ao pr do sol e representa os mistrios da

    noite.

    Mauj-Khammaj uma variedade de modo Jnio, tocado ao anoitecer.

    um modo lmpido e sorridente, s vezes irnico, mas com um leve toque de

    nostalgia.

    Tilang uma variao do Khammaj (Jnio). um modo pentatnico

    sem segundas ou sextas, mas com stima maior e menor. s vezes, a

    segunda maior usada como ornamento. Este um raga assimtrico com

    duas escalas pentatnicas diferentes, uma ascendente e outra descendente.

    Brindavani-Tilang uma variao do modo Tilang com uma stima

    menor, na escala ascendente.

  • 24

    Suha-Kamode uma variedade do modo Kamode, que se toca

    geralmente noite e representa um humor leve e sensual, a fantasia de uma

    corte civilizada. Este outro raga assimtrico.

    Mecha-Kalyani um modo alegre, preferencialmente tocado

    noitinha.

    Kambhoji equivalente ao modo Jnio [corresponde ao modo

    Mixoldio medieval, com acrscimo da stima maior, no movimento

    descendente]. um modo tocado ao entardecer e noite, sendo amplamente

    empregado na msica religiosa. Este um raga assimtrico, em que a escala

    ascendente hexatnica e a descendente, octatnica, com cromatismo no

    incio do movimento.

    Yadukula Kambhoji uma variao do Hari-Kambhoji (Jnio). Todas

    as formas do modo Kambhoji so tocadas ao entardecer e exprimem louvor.

    Yadukula serve para exprimir tanto a forma humana quanto a forma mstica do

    amor. Este raga tambm assimtrico.

    Chinjuruti uma variante do modo Hari-Kambhoji e tambm

    assimtrico.

  • 25

    Khamas uma variante do modo Hari-kambhoji (Jnio). Os

    sentimentos so o amor e a angstia da separao. Este raga assimtrico.

    Paraj este modo no contm o segundo grau, no movimento

    ascendente. No movimento descendente, acrescida uma segunda menor

    sobre o segundo grau, o que o torna assimtrico. Outra caracterstica

    interessante deste modo o uso da tera maior e a sexta menor.

    Arabhi a tera e a stima nunca podem ser enfatizadas. Este modo

    pentatnico, no movimento ascendente, e heptatnico (equivalente ao Jnio

    medieval), no movimento descendente, sendo que a tera e a stima so

    usadas apenas na ornamentao. Trata-se, portanto, de um raga assimtrico.

    Ramapriya um dos 72 modos mais importantes do Sul. Sua

    caracterstica principal est no primeiro tetracorde, que consiste em uma

    seqncia de intervalos com: 1 semitom 3 semitons 1 tom.

    Rga-Mlik uma composio na qual os modos mudam

    constantemente, fazendo uma guirlanda de modos antes de retornar ao modo

    original.

    Um exemplo desse tipo de raga a cano Ninyako, criada por Kannada

    Purandara Dasa (1480-1564), cujo ritmo est composto no tala Triputa e a linha

    meldica segue a seguinte seqncia de modos:

  • 26

    Chenchurutti

    Punnga-Varali

    Nda-nmakriy

    Sindhu-Bhairavi

    O poema da cano Ninyako, tambm escrito por Dasa, este: Quando o elefante ficou preso nas mandbulas do cruel crocodilo,

    qual foi a causa de sua salvao? No foi o nome daquele que est na origem de todas as coisas?

    O que, ento, salvou o piedoso Prahlada das torturas a ele infligidas por seu pai, um demnio?

    No foi o nome daquele que , ao mesmo tempo, homem e leo?

    Quando a rainha Draupadi foi publicamente despojada de seus vus, quem protegeu seu pudor?

    No foi o nome daquele que a cor da noite?

    O que salvou Ajamila dos emissrios da Morte, que o arrastaram fora?

    No foi o nome daquele que o refgio dos homens?

    O que foi aquilo que conduziu o sbio Valmiki diretamente ao cu?

    No foi o nome de Rama, o deus encantador?

  • 27

    Sistema Diatnico da Grcia Clssica

    A discusso preponderante entre os msicos e tericos da Grcia antiga

    era entre o fundamento numrico da msica, demonstrado por Pitgoras e

    seguido pelos filsofos de orientao pitagrica, e a experincia da audio

    musical, que tinha sua origem com Dmon e foi ampliada por Aristteles e seu

    discpulo Aristxeno de Tarento.

    A discusso entre os fundamentos matemticos da msica e a

    experincia auditiva levou aos tratados sobre harmonia. Esse termo, na Grcia

    tinha sentido diferente do atual, pois significava quaisquer relaes entre os

    sons, especialmente aquelas existentes entre as notas que fazem parte de

    determinada escala. Em outras palavras, pode-se dizer que o conceito grego

    de harmonia est mais prximo daquilo a que hoje denominamos melodia ou

    teoria das escalas, isto , para os gregos, harmonia sinnimo de modo.

    O sistema de estratificao de quintas justas efetuado por Pitgoras

    possibilitava trs tipos de escalas:

    Escala pentatnica em que so obtidas as cinco primeiras notas a partir da relao de quintas entre elas, de forma muito

    semelhante ao sistema chins: d-sol-r-l-mi, que em ordenao

    escalar fica d-r-mi-sol-l;

    Escala heptatnica em que so obtidas sete notas pela justaposio de quintas e resulta na escala diatnica: d-r-mi-f-

    sol-l-si;

    Escala dodecafnica em que so obtidas doze notas e se completa o crculo de quintas ao retornar enarmonicamente

    primeira nota. Este sistema tambm se assemelha ao sistema de

    l chins:

  • 28

    D

    F . ............... Sol

    Sib R

    Mib L

    Lb Mi

    Rb Si

    F#

    Apesar de existirem esses trs sistemas, a partir do sculo VIII a.C., a

    base para a msica grega o sistema diatnico, organizado em diferentes

    modos de distribuio dos intervalos. Por isso, se chama Sistema Modal.

    Como em vrias outras culturas da Antigidade, o sistema diatnico

    grego nasceu com base na diviso de um instrumento de cordas, que uma

    espcie de lira chamada phorminx.

    Os nomes das cordas dos instrumentos de cordas terminaram por dar o

    nome s notas do sistema musical grego:

    Nete (corda inferior) como nos instrumentos de cordas atuais, a corda que se encontra na parte inferior a mais aguda; assim, a

    nota mais aguda se chama nete e equivale ao mi do sistema

    atual;

  • 29

    Paranete (corda vizinha inferior) encontra-se um tom abaixo da nete e equivale nota r;

    Trite (terceira corda) est colocada um tom abaixo da paranete equivale ao d;

    Paramese (corda vizinha intermediria) se encontra um tom acima da corda intermediria e equivale ao si;

    Mese (corda do meio) a corda que fica no meio do instrumento e equivale nota l (esta a nota de base de todo o

    sistema dos modos gregos);

    Lichanos (dedo indicador) era a corda tocada com o dedo indicador e equivale ao sol;

    Parhypate (corda vizinha superior) se encontra meio-tom acima da corda superior e equivale ao f;

    Hypate (corda superior) encontra-se oitava inferior da nete e equivale ao mi;

    Essas notas no equivalem a freqncias absolutas (como o nosso L

    de 440 Hz, por exemplo), porm se referem s relaes intervalares entre os

    sons.

    Da prtica instrumental surgiu a diviso da escala em tetracordes, isto ,

    grupos de quatro cordas, que equivalem a quatro notas diferentes. Os

    instrumentos de oito cordas eram divididos em dois tetracordes iguais e

    separados entre si por um tom inteiro, da seguinte maneira:

    Primeiro tetracorde: mi r d si 1t 1t t

    Distncia entre os tetracordes: si l 1t

    Segundo tetracorde: l sol f mi 1t 1t t

    Esta a escala bsica do sistema grego, sendo chamada de Modo

    Drico. Iniciando o mesmo processo em outra nota, obtm-se outro modo de

  • 30

    escala. Por exemplo, ao iniciar na nota r obtm-se o Modo Frgio, ao iniciar

    em d, temo o Modo Ldio e comeando em si est o Modo Mixoldio.

    Os gregos usavam o termo tonos (tom) ou harmonia (combinao

    enfnica), em vez de modo. A palavra modo tem sua origem no latim

    modus, que significa padro.

    O sistema dos quatro modos bsicos est abaixo:

    Modo Drico O nome provm da Dria, na ilha de Creta (v. mapa, abaixo). Considera-

    se que foi o reino drico que deu origem aos diversos povos gregos.

    A escala (tonos) drica inicia com nota Nete (mi agudo) e se movimenta,

    descendentemente, at a Hypate (mi, na oitava inferior), com diviso em dois

    tetracordes iguais tomtomsemitom, separados por um tom. Esta a escala que os gregos consideravam que deu origem a todas as

    outras.

    Primeiro tetracorde: mi r d si 1t 1t t

    Distncia entre os tetracordes: si l 1t

    Segundo tetracorde: l sol f mi 1t 1t t

    Modo Frgio O nome do modo provm da Frgia, reino da regio da Anatlia.

    Segundo o historiador latino Plnio, o nome deste povo deriva do rio Phryx, que

    banha a regio.

    A escala frigia inicia na Paranete e desce uma oitava, dividida em dois

    tetracordes iguais: tommeio-tomtom. Os tetracordes so separados por um tom inteiro.

    Primeiro tetracorde: r d si l 1t t 1t

    Distncia entre os tetracordes: l sol 1t

    Segundo tetracorde: sol f mi r 1t t 1t

  • 31

    Modo Ldio O nome do modo provm da Ldia, reino da Anatlia.

    A escala segue, descendentemente, desde a nota Parhypate Hypaton

    at Trite Diezeugmenon, em dois tetracordes iguais (meio-tomtomtom) separados por um tom.

    Primeiro tetracorde: d si l sol t 1t 1t

    Distncia entre os tetracordes: sol f 1t

    Segundo tetracorde: f mi r d t 1t 1t

    Modo Mixoldio O nome provm da combinao de escalas criada pela poetisa Safo de

    Lesbos, no sc. VII a.C. O termo grego Miksoldios, que significa tom musical misturado ou combinao de instrumentos musicais.

    Trata-se de uma escala descendente, desde a Paramese at a Hypate

    Hypaton, iniciando com um semitom da Paramese Mese. Chama-se Mixoldio

    (tonos misturado) porque no segue o mesmo padro nos dois tetracordes. O

    primeiro tetracorde formado pelos intervalos: meio-tomtomtom; o segundo tetracorde segue o padro: tomtommeio-tom.

    Outra caracterstica que diferencia o modo Mixoldio dos outros trs tonoi

    bsicos da msica grega o fato de que os tetracordes so separados por um

    semitom (e no por um tom).

    Primeiro tetracorde: si l sol f t 1t 1t

    Distncia entre os tetracordes: f mi t

    Segundo tetracorde: mi r d si 1t 1t t

    Em todos os modos a mese (l) considerada a nota meldica central,

    isto , exerce uma funo semelhante confinalis do Sistema Modal

    eclesistico da Idade Mdia ou similar dominante do Sistema Tonal.

  • 32

    Abaixo, est um mapa que demonstra as diferentes regies de difuso

    da msica grega, com os reinos que deram nome aos modos.

    Alm das quatro escalas bsicas, so obtidas outras escalas pelo

    princpio da expanso dos modos atravs do deslocamento da escala pelo

    acrscimo de notas no registro superior ou inferior.

    Para isso, basta tomar um o primeiro tetracorde e desloc-lo oitava

    superior para obter os modos hiper (do grego hyper, que significa acima) e

    oitava inferior para obter os modos hipo (do grego hypo, que significa abaixo).

    As escalas com notas acrescentadas no registro superior so chamadas

    de hiper e as escalas com notas mais graves so chamadas de hipo. A nota

    fundamental da escala, isto , aquela em que as melodias iniciam e terminam

    (equivalentes finalis ou tnica) sempre se encontram no meio das escalas

    hipo e hiper, sendo que a nota mais aguda ou mais grave est disposta

    distncia de quinta justa da nota central, devido ao deslocamento dos

    tetracordes da escala original.

  • 33

    Assim, os modos Hipodrico, Hipofrgio, Hipoldio e Hipomixoldio so

    aqueles que tm notas mais graves adicionadas a partir da nota central de

    cada um dos modos.

    Por exemplo, o Modo Drico aquele que inicia com a nota mi, em

    movimento descendente (as notas com notao quadrada indicam a

    fundamental do modo):

    Se essa escala for deslocada de modo a comear por uma nota que se

    encontra 5J superior da nota mi, isto , em que o primeiro tetracorde passa a

    ser o segundo do novo tonos, tem-se uma escala que se estende de si a si.

    Este o modo Hiperdrico.

    Se, ao contrrio, a escala for deslocada para o registro grave e sua nota

    inferior se encontrar uma 5J abaixo da nota central mi, fazendo com que o

    segundo tetracorde do Modo Drico passe a ser o primeiro da nova escala,

    tem-se o modo Hipodrico, que se estende de l a l.

    O mesmo processo pode ser aplicado a todos os outros modos. Com

    isso, obtm-se a totalidade dos modos gregos:

  • 34

    Gneros meldicos

    As notas extremas de cada um dos tetracordes de determinado modo

    so fixas, porm as notas intermedirias do modo podem ser alteradas. Isso

    significa que, as notas fixas do Modo Drico so as notas mi e si, no primeiro

    tetracorde, e l e mi, no segundo tetracorde.

    No exemplo abaixo, as notas fixas esto indicadas por setas.

    As notas intermedirias podem ser alteradas para preparar a nota fixa

    para onde se dirigem. Por exemplo, se h um movimento descendente no

    segundo tetracorde, com a seqncia de sons l-sol-f-mi, as notas sol e f

    podem ser alteradas para conduzir a partir do l na direo do mi.

    Essas alteraes obedecem a trs princpios gerais, chamados de

    gneros tonais, que so o gnero diatnico, o gnero cromtico e o gnero

    enarmnico. Estes dois ltimos surgiram somente no Perodo Clssico (cerca

    de 500-300 a.C.) e foram bastante empregados no Perodo Helnico (cerca de

    300-100 a.C.).

  • 35

    O gnero diatnico consiste em manter as notas naturais do modo, sem

    alterao, como ocorre em (a), no exemplo abaixo; o gnero cromtico consiste

    em realizar um movimento cromtico que prepara a nota de chegada, isto , h

    alterao para gerar um grupo de semitons, em que o sol se desloca para f# e

    produz o movimento: f#-f-mi, conforme aparece em (b), no exemplo abaixo;

    no gnero enarmnico, se produz um movimento de quartos de tom entre as

    notas que conduzem ao final do grupo meldico, conforme est grafado em (c),

    no exemplo abaixo.

    Essas nuanas na conduo meldica tinham sentido apenas expressivo

    e eram usadas para acrescentar determinado pathos ao movimento. Por essa

    razo, alguns tericos da msica consideravam o uso dos gneros meldicos e

    suas alteraes como sendo prejudicial educao dos jovens. Os filsofos

    pitagricos esto entre aqueles que condenavam as novas prticas musicais

    do Perodo Clssico Tardio.

    Entre eles est Plato, que associava esses gneros ao mero prazer

    sensual, como jogos de adulao do corpo. Para Plato, a msica deveria

    servir serenidade da alma e no aos prazeres do corpo. Somente assim, com

    base nos modelos tradicionais e estimulando as paixes valorosas, a msica

    poderia ser considerada como conhecimento e til educao. Para o filsofo,

    o verdadeiro msico realiza o verdadeiro acorde da alma, a msica

    representa a harmonia divina atravs de movimentos mortais.

    Seu discpulo Aristteles, ao contrrio, desenvolve uma teoria tica das

    paixes e justifica todos os gneros musicais, pois cada um deles est apto a

    representar diferentes estados de alma. Com isso, Aristteles e seus discpulos

    do novo impulso teoria musical, no mais com base nas relaes da msica

    com a matemtica ou com os astros celestes, mas a partir da experincia

    prtica da msica. Com base na teoria de Dmon, Aristteles desenvolve a sua

    prpria teoria da mimese musical, isto , a imitao das paixes atravs dos

    sons. Para Aristteles, todos os gneros musicais so possveis, dependendo

  • 36

    apenas de seu emprego adequado, pois cada modo e cada nuana meldica

    est apto a imitar as paixes humanas. Seu discpulo Aristxeno de Tarento

    desenvolveu suas teorias com base nesses princpios e se tornou um dos

    tericos da msica mais influentes da Antigidade. Aristxeno escreveu o

    primeiro Tratado de Harmonia da histria ocidental ( importante lembrar que

    harmonia para os gregos significava o estudo das relaes meldicas

    existentes entre as notas de determinado modo).

    Abaixo, est uma cano conhecida como Canto de Seikilos, que foi

    encontrada em um tmulo grego do sculo I a.C.

    O texto dessa cano diz o seguinte:

    Tanto quanto durar tua vida, s prudente e no de todo triste. A vida curta e o tempo frustrar tuas esperanas.

    Essa msica est estruturada em torno do Modo Frgio, pois tem o r

    como sua nota meldica fundamental e finaliza sobre esta nota.

  • 37

    Sistema Modal Eclesistico

    Sistema Modal da Idade Mdia

    O Canto Gregoriano

    O canto gregoriano o resultado da compilao dos diversos tipos de canto

    cristo realizada a cargo do Papa Gregrio I (590-604), como parte da reforma

    da Liturgia Romana, no final do sculo VI. O sistema de modos do canto

    gregoriano foi organizado no tratado Musica Enchiriadis do sculo IX.

    As linhas meldicas do canto gregoriano caracterizam-se por serem

    essencialmente diatnicas, com uso quase exclusivo das notas naturais. A

    nica exceo, do ponto de vista atual, o emprego do sib. Entretanto, no

    sistema modal do canto gregoriano, si natural e si bemol so consideradas

    como variantes da mesma nota.

    A estrutura modal, em sua totalidade, organizada segundo um sistema de

    modos eclesisticos, que se dividem em dois grupos: quatro modos autnticos

    e quatro modos plagais. Os modos autnticos so aqueles cuja escala inicia

    com a nota fundamental do modo, isto , o centro de referncia para a

    construo de melodias: a nota que geralmente inicia e termina a msica. Nos

    modos plagais, essa nota se encontra no meio da escala, isto , a melodia se

    movimenta abaixo e acima da nota de referncia.

  • 38

    Modos Eclesisticos18

    Para poder definir em que modo determinada melodia est organizada,

    necessrio analis-la de acordo com as quatro principais caractersticas

    modais, que so:

    nota final (finalis) a nota com a qual toda a melodia finaliza, que geralmente coincide com a sua primeira nota. A finalis o centro em torno do

    qual as outras notas do modo se movimentam; sua funo gerar repouso

    final.

    A finalis est indicada no quadro acima com uma nota quadrada.

    nota de recitao (confinalis, tuba ou tenor ) nota em torno da qual o texto em latim recitado, sendo a segunda nota mais importante do modo; sua

    funo gerar movimento meldico.

    A confinalis est indicada no quadro acima com um losango.

    Neste outro trecho da mesma antfona citada anteriormente, o texto

    recitado em torno da nota d, que a confinalis (nota de recitao) do modo

    Hipomixoldio.

    extenso meldica (ambitus) o mbito da linha meldica do canto gregoriano abrange geralmente uma oitava, podendo ser ampliado em at um

    tom abaixo ou dois tons acima. Essas notas adicionadas abaixo ou acima do

    18 Para cada modo, h dois nomes: 1. em latim Protus authentus (primeiro autntico), Protus plagalis (primeiro plagal), etc. primeiras referncias datam do sc. IX; 2. em grego Drico, em textos dos sculos IX e X, a partir de interpretaes errneas de textos de Bocio (524) .

  • 39

    modo so usadas para ornamentao da nota mais grave ou da nota mais

    aguda.

    No exemplo abaixo, a melodia inicia e termina na finalis (nota r), sendo

    que se movimenta em torno da confinalis: a nota l bordada com os

    movimentos l-si-l e l-sol-l, indicados com colchetes, no exemplo abaixo.

    Essas caractersticas indicam que esta melodia est no Modo Drico, cuja nota

    mais grave da escala o r. Entretanto, para finalizar a frase, esse r

    bordado pelo d (indicado com uma seta). Essa uma nota que est fora da

    extenso do modo, pois este se estende de r a r. Isso significa que a nota d

    foi utilizada, nesta melodia, como uma bordadura do r, ou seja, sua funo

    ornamentar a finalis, preparando o final da frase.

    modelos meldicos so frmulas meldicas caractersticas de cada modo, que so utilizadas para enfatizar suas caractersticas expressivas. O

    exemplo abaixo se refere a um dos modelos meldicos do Modo Drico,

    segundo Johannes Affligemensis (sc. XII):

    Os diversos modelos meldicos que foram elaborados para cada um dos

    modos podem ser sintetizados em alguns poucos padres que tm funo de

    enfatizar as caractersticas mais importantes de cada modo.

    Esses padres so os seguintes:

    Salto meldico da finalis confinalis. No Modo Drico, este salto:

  • 40

    No Modo Hipodrico, o salto este:

    Movimento da finalis confinalis por graus conjuntos, com ou sem um salto no interior do movimento.

    No Modo Drico, seria um destes movimentos:

    No Modo Hipodrico, pode ocorrer somente assim:

    Uso da confinalis como nota de recitao, isto , o movimento meldio gira em torno da confinalis, geralmente atravs de

    bordadura superior e/ou inferior.

    No Modo Drico, pode aparecer destas maneiras, entre outras:

    No Modo Hipodrico, pode ocorrer destas formas:

  • 41

    Retorno da confinalis finalis, geralmente por graus conjuntos ou com algum movimento de tera.

    No Modo Drico, seria este movimento:

    No Modo Hipodrico, pode ser somente assim:

    Bordadura em torno da finalis para preparar o final da frase. No Modo Drico, trata-se deste padro:

    No Modo Hipodrico, alm dos padres acima, podem ocorrer estes:

    Um padro meldico que caracteriza o inicio de melodias em modos plagais um salto da finalis para a nota mais grave e a

    volta finalis.

    No Modo Hipodrico, pode ser:

  • 42

    O movimento da finalis nota mais grave do modo pode ser realizado por graus conjuntos.

    No Modo Hipodrico, pode ser:

    Os modos autnticos e plagais tm a mesma finalis, porm distinguem-

    se quanto ao ambitus (extenso meldica) e s diferentes frmulas meldicas

    que diferenciam os modos autnticos dos plagais.

    A posio da confinalis distinta:

    nos modos autnticos, encontra-se distncia de quinta justa da finalis, com exceo do Modo Frgio, no qual a confinalis recairia sobre a nota si

    (considerada na Idade Mdia como sendo diabolus in musica), por esta

    razo a confinalis a nota mais prxima de si, neste caso, a nota d;

    nos modos plagais, encontra-se distncia de tera (maior ou menor) da finalis, com exceo do modo hipomixoldio, no qual a confinalis seria

    a nota si, sendo transportada, ento, nota d, pela mesma razo

    anterior.

    possvel determinar que a melodia abaixo, Benedicamus Domino, est

    composta no Modo Hipodrico, devido s seguintes caractersticas:

    1. inicia e termina na nota r (finalis);

    2. a primeira frase tem como nota mais aguda a nota f, as duas frases

    finais iniciam com a nota f, que a nota que gera movimento meldico

    (confinalis);

    3. a extenso (ambitus) da melodia estende-se de l1 a l2;

  • 43

    4. a melodia inicia por um modelo meldico caracterstico do Modo

    Hipodrico: salto da finalis nota mais grave e retorno finalis (primeiras

    quatro notas do exemplo abaixo: r-l-d-r).

    mdicos presentes no exemplo acima so estes:

    Os modelos meldicos presentes no exemplo acima so estes:

    inicio com salto descendente da finalis nota inferior do modo e volta finalis;

    bordadura em torno da finalis (notas: r-f-r-d-r) para finalizar a primeira frase;

    bordadura em torno da finalis para terminar a segunda frase (notas: r-mi-r);

    bordadura em torno da confinalis para dar movimento meldico (notas: f-l-sol-r-f);

    bordadura em torno da finalis para finalizar a ltima frase (notas: r-f-mi-d-r).

    Musica Ficta Musica ficta (do latim, msica falsa) a utilizao de notas alteradas na

    estrutura essencialmente diatnica dos modos eclesisticos. Esta denominao

    provm do fato de que estas notas eram cantadas, porm muitas vezes no

    eram escritas. Estas notas falsas tornaram-se cada vez mais freqentes na

    msica sacra e profana a partir do sculo XIII, sendo consideradas como

    estando na origem da dissoluo do sistema modal eclesistico, que ocorreu

    nos sculo XVI e XVII.

    Os editores atuais de msica antiga, escrevem a musica ficta com os

    sinais de alterao escritos acima das notas que consideram que devem ser

    alteradas.

  • 44

    Os casos mais comuns de musica ficta so os seguintes:

    Modos Drico/Hipodrico:

    alterao da nota si para si bemol, por duas razes: 1. com o intuito de evitar o trtono (diabolus in musica) f-si ou si-f

    (especialmente no modo Hipodrico, em que a nota f a confinalis).

    Missa Liber Usualis IX , Kyrie (Modo Drico)

    2. para bordar a confinalis, no Modo Drico, dando nfase nota de recitao.

    Missa Liber Usualis XI , Kyrie (Modo Drico).

    alterao ascendente do VII grau do modo, para gerar a sensvel d#.

    Jacopo da Bologna (sc. XIV), madrigal Fenice f (Modo Drico).

    Modos Frgio/Hipofrgio:

    No h alteraes.

  • 45

    Modos Ldio/Hipoldio:

    alterao da nota si para si bemol, para evitar o trtono com relao finalis do modo.

    Responsrio Verbum caro (modo hipoldio).

    Essa foi a primeira alterao dos modos eclesisticos, j na poca do

    canto gregoriano, quando si e sib eram considerados como variantes da

    mesma nota.

    Na Idade Mdia, havia um sistema de escrita alfabtica, semelhante s

    cifras de acordes atuais. O sistema o seguinte:

    L Si D R Mi F Sol

    A B C D E F G

    Nesse sistema, a nota si era grafada com a letra B, sendo que o si

    natural era chamado de B durr (si duro) e era escrito de forma quadrada (da

    o nome bequadro, que vem de B quadrado). A nota sib era chamada de B

    moll (si macio; da o nome bemol) e era escrito de forma redonda.

    Modos Mixoldio/Hipomixoldio:

    alterao ascendente do VII grau, para gerar a sensvel f#.

    William Byrd (1543-1623), moteto Tu es Petrus (Modo Mixoldio).

    As alteraes com funo de gerar sensveis foram utilizadas

    especialmente a partir do sculo XIII, para polarizar os diferentes graus dos

    diversos modos, no somente a finalis.

  • 46

    No exemplo abaixo, ocorre a polarizao simultnea da finalis e da

    confinalis do Modo Drico (em sol), gerando quintas ou quartas paralelas

    alcanadas atravs de um artifcio chamado duplas sensveis.

    Este tipo de cadncia foi amplamente utilizado pelos compositores da

    Ars Nova (sc. XIV), entre eles, Francesco Landini, de onde surgiu a

    denominao cadncia de Landini para a terminao abaixo.

    sensvel 6 grau 8 grau

    Francesco Landini, balatta Non avr ma piet.

    Sistema Modal do Renascimento

    Os principais tericos da msica renascentista so Henricus Glareanus

    (1488-1563) e Gioseffo Zarlino (1517-2590), que escreveram os tratados mais

    importantes para a compreenso da msica dos sculos XV e XVI.

    Glareanus, em seu tratado Dodekachordon (1547), acrescentou quatro

    modos aos oito j existentes, ampliando para doze o nmero de modos do

    Sistema Modal eclesistico.

    Os novos modos de Glareanus j existiam na prtica, desde a Idade

    Mdia, mas eram considerados impuros pela Igreja por serem utilizados na

    msica profana. Os novos modos so: Elio e Hipoelio (cantus mollis), Jnio e

    Hipojnio (cantus durus).

  • 47

    Esses modos so os seguintes:

    Assim, a totalidade dos modos eclesisticos renascentistas esta:

    Na prtica, devido polifonia com as vozes em registros de altura

    distintos, no h distino real entre os modos autnticos e plagais, pois cada

    voz possui sua prpria tessitura. Do ponto de vista terico, porm, o modo

    considerado como sendo caracterstico de cada obra como um todo aquele

    que se encontra na voz mais grave.

  • 48

    Assim, o Credo da Missa Papae Marcelli de Palestrina, cujo fragmento

    apresentado no exemplo abaixo, est composto no modo hipomixoldio, pois a

    voz mais grave est estruturada com base nesse modo.

    Note-se que, na prtica, as vozes dessa pea se estendem por mbitos

    meldicos diferentes. No exemplo acima, o soprano e o tenor estariam no

    modo Mixoldio (extenso sol-sol), o contralto e o baixo estariam no modo

    Hipomixoldio (extenso: r-r).

    Zarlino, discpulo de Willaert e mestre de capela de So Marcos em

    Veneza, escreveu seu tratado Le Istitutioni Harmoniche em 1558, obra que teve

    grande influncia na msica dos sculos seguintes.

    Um dos conceitos apresentados por Zarlino, que permaneceu vlido at

    o final do sculo XIX, o princpio de trade. Para Zarlino, compor com base

    nas trades seria um processo de imitazione della natura (imitao da

    natureza), pois as trades maior e menor seriam parte da estrutura natural do

    Universo.

  • 49

    Outra contribuio importante de Zarlino foi o princpio do basso

    seguente, que consiste em uma tcnica de dobrar a voz mais grave da textura

    polifnica com instrumento. O basso seguente deu origem, no final do sculo

    XVI, ao basso continuo, que foi um elemento essencial na msica do sculo

    XVII e primeira metade do sculo XVIII.

    O mais importante na obra terica de Zarlino, no entanto, foi a

    organizao rigorosa dos princpios do contraponto, com base na msica de

    seu mestre Willaert. O tratamento das dissonncias como notas de passagem,

    bordaduras ou suspenses que devem ser cuidadosamente preparadas e

    resolvidas foi amplamente discutido por Zarlino. Sua obra, que considerada

    como sendo o primeiro tratado de contraponto da msica europia, influenciou

    Johannes Fux (1660-1741) a escrever seu Gradus ad Parnassum (1725), onde

    desenvolveu a estrutura do contraponto por espcies estudado at os dias de

    hoje. Para Zarlino, a harmonia origina-se do cantar simultneo das vrias

    vozes. Este princpio leva compreenso da harmonia de intervalos do

    Renascimento, na qual cantadas simultaneamente.

    No Renascimento, a utilizao das alteraes ampliada por duas

    razes:

    1. o acrscimo de quatro modos ao sistema tradicional;

    2. novas necessidades estilsticas devido sonoridade das consonncias

    imperfeitas.

    Alm das alteraes j usuais na Idade Mdia, so acrescentadas as

    seguintes:

    Modos Elio/Hipoelio

    alterao ascendente do VII grau do modo, para gerar a sensvel sol#.

    O. Lasso, moteto Oculus non vidit.

    alterao ascendente do VI grau do modo, para evitar o intervalo de 2A entre o VI e o VII graus quando este alterado.

  • 50

    O. Lasso, Oculus non vidit.

    Modos Jnio/Hipojnio

    No h alteraes.

    Alm das alteraes caractersticas de cada modo, tornam-se comuns

    as seguintes notas alteradas:

    alterao de mi para mib, para evitar o trtono mi-sib; isso ocorre em todos os modos em que a nota sib se tornou caracterstica.

    A. de Fevin, Missa Mente Tota, Agnus Dei.

    alterao ascendente do III grau dos modos menores (aqueles que tm a 3m a partir da finalis: Drico, Frgio e Elio, autnticos e plagais). O

    resultado chama-se tera de picardia ou cadncia de picardia.

    A. Willaert, Ricercar.

    As alteraes mais usuais na msica do Renascimento levaram

    transio do Sistema Modal Eclesistico ao Sistema Tonal da msica Barroca.

    Resumidamente, o processo de transformao dos modos em

    tonalidades o seguinte:

  • 51

    as alteraes caractersticas do Modo Drico (sib e d#) do origem escala de R Menor Harmnica:

    a alterao do IV grau do Modo Ldio (sib) origina a escala de F Maior:

    a alterao do VII grau do Modo Mixoldio (f#) a origem da escala de Sol Maior:

    as alteraes do Modo Elio (f# e sol#) do origem escala de L Menor Meldica:

    o Modo Jnio, que no tem alterao, considerado como a escala natural do Sistema Tonal, a partir da qual todas as outras escalas maiores so

    derivadas.

  • 52

    o Modo Frgio, por no sofrer alteraes, foi o ltimo modo a ser convertido em tonalidade, dando origem cadncia frgia e perdurando at a poca de

    Bach e Haendel.

    A linha meldica do coral de Bach apresentado na prxima pgina, que

    o n 21 da Paixo Segundo So Joo, contm vrios elementos

    caractersticos do Modo Frgio, que so reforados pelo predomnio de

    cadncias frgias existentes na harmonizao bachiana. Em um total de oito

    frases, ocorrem quatro cadncias frgias, nos compassos: 2, 6, 12 e 17.

    Alm disso, a sonoridade da cadncia frigia est presente em todos os

    finais de frase deste coral de Bach. Essa cadncia se caracteriza pelo

    movimento meldico descendente: tom-tom-semitom.

    Em L Menor, seria:

    No coral abaixo, esse movimento transposto quinta superior (mi-r-

    d-si) e segunda superior (si-l-sol-f#).

    o movimento mi-r-d-si ocorre no soprano, nos compassos 3-4 e 11-12. o movimento si-l-sol-f# aparece nos compassos 9-10; neste trecho, o

    movimento Frgio inicia no soprano, com a nota si do c. 9, e concludo

    no contralto, no c. 10.

  • 53

  • 54

    Elementos Modais na Msica Brasileira

    Vrios autores concordam que as origens da msica brasileira esto na

    confluncia de trs prticas musicais oriundas de diferentes continentes: o

    indgena americano, o portugus europeu e o negro africano.

    A convivncia desses trs povos, ao longo de sculos e em situaes

    scio-econmicas diferentes no Brasil, levou formao de constncias

    rtmicas e meldicas nas canes entoadas de Norte a Sul do pas.

    Sabe-se, por exemplo, que os jesutas aproveitaram elementos da

    cultura indgena e os adaptaram quilo que conheciam, no intuito de

    catequizar os gentios. Em termos musicais, os missionrios catlicos

    aproveitaram ritmos conhecidos pelos ndios, como o cateret, e

    acrescentaram, a esses ritmos, melodias de origem gregoriana e textos de

    carter cristo.

    Tambm os escravos africanos trouxeram seus ritmos e melodias, sendo

    grande parte delas pentatnicas, ou seja, embasadas em escalas de cinco

    sons. Ainda hoje, nos terreiros de umbanda, podem ser ouvidas melodias

    pentatnicas, como este Cntico de Iemanj:

    Da influncia religiosa dos missionrios catlicos, permaneceram os

    modos litrgicos. Estes foram adaptados s estruturas rtmicas e s formas

    meldicas tpicas do populrio brasileiro. Isso significa que grande parte das

    melodias folclricas do Brasil tem estrutura modal, como esta melodia

    sergipana, que est organizada com base no Modo Hipoldio gregoriano.

  • 55

    Alm do uso espontneo dos modos originais eclesisticos europeus,

    tambm houve um processo de combinao de diferentes modos na

    construo de uma nica melodia. Esse processo gerou uma das

    caractersticas mais importantes da msica brasileira, em que diferentes tipos

    de escala so assimilados para dar origem a novas melodias.

    Uma das combinaes modais mais caractersticas da msica brasileira

    a mistura do modo Ldio como o modo Mixoldio. O resultado comumente

    chamado de Modo Nordestino, por ser muito empregado no Nordeste

    brasileiro. Esta escala tem o primeiro tetracorde do Modo Ldio e o segundo

    tetracorde do Modo Mixoldio. Por essa razo, este modo tambm pode ser

    chamado de Ldio-Mixoldio.

    Abaixo, est demonstrada essa combinao modal, com base na

    fundamental d.

    A caracterstica mais destacada do Modo Ldio o intervalo de quarta

    aumentada entre o 1 grau e o 4 grau da escala, que define a sonoridade do

    primeiro tetracorde:

    O Modo Mixoldio se caracteriza pela stima menor, na relao entre o

    1 grau e o 7 grau, que aparece no segundo tetracorde:

    O Modo Nordestino construdo pela combinao destas caractersticas

    sonoras: a quarta aumentada (f#) presente no primeiro tetracorde do Modo

    Ldio e a stima menor (sib) do segundo tetracorde do Modo Mixoldio:

  • 56

    A linha meldica da cano L no meio do inverno, que um bendito

    para pedir chuva, de Pilo Arcado, na Bahia, apresenta as caractersticas

    descritas acima, pois tem a quarta aumentada e a stima menor, que esto

    indicadas por setas, no exemplo abaixo.

    Mesmo sendo considerado um modo caracteristicamente brasileiro, essa

    no nica mistura de modos praticada no pas. A cano mineira S

    Mariquinha contm outra combinao modal comum no Brasil, em que so

    alternadas a stima maior (si), caracterstica do Modo Jnio, e a stima menor

    (sib), caracterstica do Modo Mixoldio.

    As notas que diferenciam o Modo Jnio (si) e o Modo Mixoldio (sib)

    esto indicadas por setas, no exemplo a seguir.

    Tambm os modos Jnio e Ldio podem ser combinados, quando so

    alternadas a quarta justa e a quarta aumentada, conforme acontece nesta

    melodia de Boi-Bumb cearense:

  • 57

    Alm dessas combinaes modais mais comuns na msica brasileira,

    qualquer mistura de modos possvel, desde que os elementos mais

    importantes que caracterizam cada modo estejam presentes.

    Abaixo, esto as caractersticas mais destacadas de cada um dos

    modos. Os intervalos indicados so aqueles que diferenciam os modos entre si.

    Os intervalos que no esto indicados so idnticos em todos os modos de

    cada categoria (maior ou menor).

    Os modos so considerados maiores quando tm a tera maior e so

    considerados menores quando a tera menor.

    Os modos maiores (que tm a tera maior) so caracterizados por:

    Mixoldio: 4J 7m Jnio: 4J 7M Ldio: 4A 7M

    (*) Todos os modos maiores tm: 2M, 3M, 5J e 6M

    Os modos menores (que tm a tera menor) se diferenciam por:

    Lcrio: 2m 5d 6m Frgio: 2m 5J 6m Elio: 2M 5J 6m Drico: 2M 5J 6M

    (*) Todos os modos menores tm: 3m, 4J e 7m

    O Modo Lcrio, conhecido atualmente, no existia dessa forma na

    msica medieval porque seria uma escala iniciada na estigmatizada nota si (o

    B duro que provocava o diabolus in musica).

    Em seu tratado Dodekachordon (1547), Glareanus chega a mencionar

    um modo cuja escala se estende de si a si, ao qual denomina Hiperelio. Essa

  • 58

    nomenclatura foi erroneamente apropriada dos gregos antigos,

    especificamente de Aristxeno e Alpio. Para os gregos, a escala que inicia e

    termina em si pode ser chamada de Modo Mixoldio ou Modo Hiperdrico.

    Por sua vez, o nome Lcrio foi retirado de uma escala grega que se

    estende descendentemente de l a l e corresponde ao Modo Hipodrico e ao

    Modo Hiperfrgio dos gregos, pois ambos tm essa mesma estrutura escalar.

    Como, no final do sculo XIX, a nica escala que no tinha um nome

    prprio dentre os modos da escala diatnica era aquela que inicia e termina em

    si, foi dado o nome Lcrio a esse modo, pois se tratava de nomenclatura pouco

    empregada desde a Idade Mdia.

    necessrio tambm diferenciar entre o Modo Lcrio atual e o Modo

    Hipofrgio medieval, pois o primeiro tem como seu centro de gravitao a nota

    si, ao passo que o segundo gira em torno da nota mi e tem sua extenso

    meldica de si a si. Essa uma diferena essencial entre esses dois modos.

    As diferenas entre modos autnticos e plagais no tm mais sentido

    prtico, na msica popular contempornea, pois a combinao de vrios

    instrumentos e a transposio dos modos para qualquer registro vocal ou

    instrumental tornam essas divises desnecessrias.

    Um fator que se torna importante para entender as estruturas modais

    atuais a transposio dos modos.

    Transposio dos Modos A transposio de determinado modo consiste em realizar a mesma

    estrutura intervalar do modo natural (que tem somente as notas naturais, sem

    bemol ou sustenido) em outro registro de altura.

    Para realizar a transposio de um modo, realiza-se o seguinte

    processo:

  • 59

    1. iniciar a escala com a nota pretendida;

    2. comparar os intervalos da escala original com os da nova escala;

    3. alterar as notas necessrias na nova escala para torn-la idntica

    original.

    Por exemplo, se o Modo Jnio for transposto para iniciar com a nota f,

    necessrio:

    1. iniciar a escala com f:

    2. comparar os intervalos do Modo Jnio com a nova escala:

    o Modo Jnio tem a 4J os semitons se encontram entre 3-4 graus e 7-8 graus

    a escala que inicia em f tem a 4A os semitons se encontram entre 4-5 graus e 7-8 graus

    3. para que a escala iniciando em f se torne idntica escala que

    inicia em d, tem-se que alterar o si para sib, pois, assim,

    passa a ter a 4J os semitons se encontram entre 3-4 graus e 7-8 graus Em outras palavras, este o Modo Jnio em F (F Jnio):

  • 60

    Da mesma forma, a transposio do Modo Drico para mi, ou seja o

    modo Mi Drico, exige o mesmo processo:

    1. iniciar a escala em mi;

    2. comparar os intervalos do Modo Drico com a nova escala

    o Modo Drico tem: 2M e 6M os semitons se encontram entre 2-3 graus e 6-7 graus

    a escala que inicia em mi tem: 2m e 6m os semitons se encontram entre 1-2 graus e 5-6 graus

    3. para produzir o Modo Mi Drico, necessrio: alterar o f para f# e

    o d pra d#.

  • 61

    A aplicao prtica desse processo de transposio dos modos pode ser

    til em duas situaes distintas:

    adaptar uma melodia conhecida para poder ser cantada ou tocada no registro confortvel de determinado instrumento ou voz;

    reconhecer o modo de certa melodia, quando aparece transposto.

    No primeiro caso, a transposio de determinada melodia modal, utiliza-

    se o mesmo procedimento apresentado anteriormente.

    Suponhamos que a melodia abaixo, Galo Preto, muito aguda para

    determinado grupo vocal.

    Digamos que seja necessrio transpor essa melodia para que a nota

    mais aguda seja o r, por exemplo. Como a nota mais aguda da melodia o f

    do primeiro compasso (quarta nota da melodia), para que a nota mais aguda

    seja r, necessrio realizar a transposio dessa melodia tera menor

    inferior, pois esse o intervalo entre f e r.

    O primeiro passo seria analisar o modo em que a melodia est

    composta, o qual o Modo Mixoldio, que tem estas caractersticas:

    A transposio tera menor inferior deve iniciar com a nota mi, cuja

    escala tem estes intervalos e posies dos semitons:

  • 62

    Para tornar esta escala idntica quela iniciada em sol, necessrio

    alterar o 2 grau, o 3 grau e o 6 grau, pois esses graus so maiores no Modo

    Mixoldio.

    O Modo Mixoldio iniciando na nota mi, ou seja, o modo Mi Mixoldio tem

    as seguintes notas alteradas: f#, sol# e d#.

    Assim, a melodia Galo Preto transposta para mi deve ter estas notas

    alteradas:

    H uma forma mais simples de escrever essa melodia, sem o uso de

    tantas alteraes que dificultam a leitura.

    Se forem analisadas quais so as notas alteradas, percebe-se que

    coincidem com a armadura da tonalidade de L Maior, isto , f#, d# e sol#.

    Assim, pode-se escrever a mesma melodia com a armadura de L Maior e

    evitar o uso de acidentes, como est demonstrado no exemplo abaixo.

  • 63

    Isso significa que se pode tornar a leitura mais fcil se for aplicado um

    princpio do Sistema Tonal msica modal, isto , se for tomada a armadura

    da tonalidade que coincide com o modo desejado.

    Essa uma prtica comum na escrita da msica modal contempornea.

    Entendido dessa forma, tem-se um mtodo que facilita o reconhecimento

    do modo de determinada melodia, pois pode ser realizado com base na

    armadura de clave, que se encontra no incio da partitura.

    Para aplicar o mtodo citado, necessrio saber que cada um dos

    modos naturais inicia em determinado grau da escala de D Maior.

    Se for tomada como base a escala de D Maior, sabe-se que

    o Modo Jnio inicia o 1 grau, nota: d; o Modo Drico inicia o 2 grau, nota: r; o Modo Frgio inicia o 3 grau, nota: mi; o Modo Ldio inicia o 4 grau, nota: f; o Modo Mixoldio inicia o 5 grau, nota: sol; o Modo Elio inicia o 6 grau, nota: l; o Modo Lcrio inicia o 7 grau, nota: si;

    O esquema abaixo demonstra essa correlao entre os modos e os

    graus da escala maior:

  • 64

    Quando se emprega a armadura de clave da msica tonal para escrever

    msica modal, possvel empregar um mtodo mais rpido de identificao do

    modo. Basta verificar a armadura de clave e o grau da escala tonal ao qual

    corresponde a nota final (finalis) da melodia modal.

    Para identificar o modo da melodia da cano gacha Meu Boi Barroso,

    conforme escrita abaixo, verifica-se a tonalidade maior qual corresponde a

    armadura e qual o grau dessa tonalidade que corresponde nota final da

    melodia.

    Nesse caso, a nota em torno da qual a melodia se movimenta sol, pois

    esta a nota que inicia e termina todas as frases da msica (note-se que as

    notas sib-lb do incio so anacruse de preparao para o sol inicial).

    A armadura de clave indica a tonalidade de Mib Maior e a nota sol o 3

    grau dessa tonalidade. Isso significa que a melodia est no Modo Frgio, pois

    esse o modo cuja fundamental (finalis) inicia no 3 grau da escala maior.

    Apesar de prtico, esse mtodo de correspondncia entre os modos e

    os graus das escalas maiores nem sempre apropriado anlise dos modos

    transpostos, pois h autores que preferem escrever os modos de outra

    maneira: a finalis do modo escrita como se fosse a tnica, com a armadura

    da tonalidade correspondente, e se alteram as notas necessrias. Neste

    sistema, os modos que tm a tera menor so escritos com armadura da

    tonalidade menor correspondente e os modos com tera maior so grafados

    com armadura da tonalidade maior correspondente.

    Por exemplo, o Modo Sol Drico tem a tera menor, ento escrito com

    base na armadura de Sol Menor e tem o sexto grau alterado, pois a diferena

    entre o Modo Drico e a tonalidade de Sol Menor est no sexto grau, que

    menor nesta tonalidade e maior nesse modo.

  • 65

    Assim, a melodia potiguar O Bode, seria escrita em Sol Drico com

    armadura de Sol Menor e teria a nota mi bequadro, conforme aparece no

    exemplo abaixo.

    Tem-se, portanto, trs sistemas distintos para escrever a transposio

    dos modos:

    1. escreve-se sem armadura de clave e se acrescentam as notas alteradas

    necessrias este mtodo empregado para melodias com poucas

    alteraes;

    2. escreve-se a armadura mais apropriada para evitar o uso de notas

    alteradas este sistema se emprega para facilitar a leitura, que se torna

    diatnica (sem acidentes);

    3. escreve-se a armadura da tonalidade cuja tnica idntica

    fundamental do modo e so usadas as alteraes necessrias aos

    modos este mtodo define a fundamental, que corresponde tnica

    do Sistema Tonal, e evita o emprego de muitas notas alteradas.

    Se a melodia deste Lundu do Tropeiro goiano for escrita em R Frgio,

    pode ser grafada das trs formas abaixo:

    1. sem armadura de clave, com alteraes ocorrentes (sib e mib):

  • 66

    2. com armadura de Sib Maior (sib e mib), sem alteraes:

    3. com armadura de R Menor (sib) e a nota alterada mib:

    Independentemente do sistema de escrita, as notas que compem o

    modo R Frgio so as mesmas: r-mib-f-sol-l-sib-d.

    Alm disso, em qualquer transposio, cada modo mantm a mesma

    estrutura intervalar entre os graus da escala.

    Abaixo, est a comparao entre os modos menores e as tonalidades

    menores com a mesma fundamental (as notas diferenciais esto indicadas com

    setas e os bequadros indicam as alteraes necessrias, na armadura

    correspondente):

    Abaixo, est a comparao entre os modos maiores e as tonalidades

    maiores com a mesma fundamental (as notas diferenciais esto indicadas com

    setas e os bequadros indicam as alteraes necessrias, na armadura

    correspondente):

  • 67

  • 68

    Concluso

    A abordagem sobre os diferentes sistemas modais, apresentada neste

    ensaio, demonstra a amplitude de possibilidades de organizao da msica em

    modos. Sendo possvel construir escalas de cinco a vinte e dois sons, como

    demonstra o sistema de ragas da msica clssica indiana, os mtodos de

    estruturao modal demonstram uma infinidade de possibilidades para a

    organizao das alturas.

    Cada sistema modal tem suas caractersticas peculiares, que o

    diferenciam dos outros. Isso se deve a vrios fatores, tais como a comunidade

    a partir da qual o sistema originou-se, as necessidades dessa comunidade

    quanto sobrevivncia, aos conflitos internos e sua convivncia com outras

    comunidades, seus valores sociais e religiosos, seus anseios espirituais e

    interesses especificamente musicais.

    Assim, entende-se porque um dos sistemas musicais mais antigos est

    embasado em relaes de cinco notas que se inter-relacionam com base n