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    Rev ista d e E conom ia Politica, Vol. 5, n.O4, outubro-de1.embroI1985

    A infla~o brasileira:li~oes e per spec tivasMARIO HENRIQUE SIMONSEN

    A ESCALADA DOS PATAMARESNos ultimos vinte anos, a infla~Ao brasileira passou porcinco fases: duas de declinio seguidas por tres de ascensAo.Entre 1964e 1967, no governo Castello Branco, a taxa anual deaumento de precos despencou de 92010para 24%. Entre 1967 e1973, a infla~Ao anual caiu lenta mas consistentemente, parapouco mais de 18%. No governo Geisel, entre 1974 e 1978,subiu para a media de 37% ao ano. Do final de 1979 ate 1982,escalou para as vizinhancas de 100010ao ano. E, desde 0 inicio

    de 1983, para mais de 200% ao ano. Um aspecto curiosa e que,desde 1968, a infla~o brasileira parece evoluir por patamares:seis anos em torno de 20%, cinco e meio em torno de 40%, trese meio por volta de 100% e dois e meio alem de 200%.Pelo menos seis diagn6sticos diferentes concorrem naexplicacao da recente escalada dos patamares inflacionarios. 0monetarista, que atribui a infla~Ao a incontinencia da expansAoda moeda. 0 fiscalista, para quem a responsabilidade da infla-c a o deve ser identificada nos insaciaveis gastos publicos semcobertura de impostos. 0 organizacional, que atribui a altagalopante dos precos a multiplicidade dos orcamentos daUniao e a duplicidade das Autoridades MonetArias. 0 inercia-

    Da Funda~o Getulio Vargas, Rio de Janeiro.15

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    lista, que explica a inflacao pelas forcas de realimentacao numa economia ampla-mente indexada. 0 estruturalista, que atribui a inflacao aos choques desfavoraveisde oferta e, em particular, a necessidade de se manterem altos superavits comerciaispara pagar os juros da divida externa. E 0 psicol6gico, para quem a inflacao nasce nacabeca das pessoas, que passam a remarcar precos presumindo que todos os outrossigam 0mesmo caminho.Tres desses diagn6sticos convergem para os tres outros. A visao organizacio-nal, embora muito importante, se limita a afirmar que a multiplicidade de orca-mentos e de Autoridades Monetarias nao favorece nem a austeridade monetaria nema fiscal, com isso levando ou a visao monetarista ou a fiscalista da inflacao. 0diagn6stico estruturalista depende de que uma alta ocasional de preeos eleve perma-nentemente 0 patamar inflacionario e, como tal, s6 faz sentido quando acoplado ateoria inercial. Finalmente, a visao psicol6gica necessariamente reeai em algumaoutra, pois os precos nao costumam explodir por combustao espontanea.Recaimos assim em tres interpretacoes basicas da inflacao: a monetaria, afiscal e a inercial. As duas primeiras visualizam a inflacao de cima para baixo, 0excesso de demanda puxando os precos, A terceira encara a inflacao de baixo paracima, os aumentos de custos empurrando a alta de precos. 0 maior erro que secomete e considerar esses tres diagnosticos como mutuamente excludentes. Na reali-dade, jamais se viu uma inflacao cronica que nao fosse acompanhada por umaviolenta expansao de meios de pagamento, e esse e 0 ponto de partida de todo 0evangelho monetarista. 0 deficit orcamentario entra no circuito apenas indireta-mente, no sentido de que ele costuma representar 0 principal foco da expansaomonetaria. Que altos deficits orcamentarios nao necessariamente provocam inflacaoe atestado pela experiencia recente dos Estados Unidos. Por ultimo, toda inflacaocronica encerra certa componente de realimentacao, ou via expectativas ou viaindexacao,o ponto central da discussao deve colocar-se noutros termos: qual 0 melhorconjunto de politicas para derrubar a lnflacao, ou para impedir que choquesadversos de oferta provoquem altas permanentes do patamar inflacionario? Apergunta e essencial, pois 0 combate a inflacao nao e 0 objetivo exclusivo da politicaeconOmica. Se0custo for uma recessao insuportavel, ainda que temporaria, e muitoprovavel que 0 governo acabe desistindo, ou pelo menos postergando a politicaantiinflacionaria, Em suma, 0 verdadeiro problema nao e apenas combater ainflacao, mas combate-la com urn minimo de efeitos colaterais sobrea producao e 0emprego. Isso leva a discussao de dois t6picos especificos.o primeiro diz respeito a coordenacao entre politica monetaria e fiscal. Emprincipio e possivel praticar a austeridade monetaria em meio a grandes deficitsfiscais, 0 caso atual dos Estados Unidos. Apenas, 0 preco pode ser uma elevacaoinsuportavel das taxas reais de juros, capaz de destruir a sustentabilidade do con-trole de moeda. Os Estados Unidos conseguiram combater a infla

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    um dos temas mais importantes do atual debate economico internacional. Dequalquer forma, no regime de taxas de cambio fixas, a combinacao de austeridademonetaria se torn aria operacionalmente muito mais complicada, pela necessidade deesterilizar 0 aumento de reservas cambiais, e os juros, em d6lares, ainda seriammuito mais altos do que os atuais. 0 Brasil, no momento, nAo dispOe de qualquerpossibilidade pratica de exportar a sua inflacao, induzindo 0 resto do mundo afinanciar seus deficits orcamentarios. Nesse quadro, e diflcil conceber urn programaantiinflacionario com um minimo de eficiencia que nao seja baseado num cortesubstancial do deficit publico. 0 open market e um instrumento precioso para asintonia fina de politica monetaria. Mas nAo para servir como substituto deimpostos ou de cortes de gastos publicos,o segundo diz respeito a sincronizacao do combate a infla~Ao do lado dademanda e dos custos. E claro que, para que a taxa de inflacao decline, os reajustesde rendimentos e precos precis am desvincular-se da infla~o passada. Em outraspalavras, e preciso quebrar a alimentacao lnflacionaria, e nesse ponto e que entra 0problema inercial. A razao pela qual 0 combate a infla~Ao costuma exigir sacrificiostemporarios do produto e' do emprego e que, por um periodo de transicao, ademanda nominal cai mais depressa do que os custos, que continuam impelidos pelarealimentacao passada. Em suma, a recessao e 0 preco usual pela quebra da reali-mentacao. .

    Ate que ponto esse e um preco toleravel? A resposta depende da duracao eintensidade da recessao necessaria para baixar 0 patamar inflacionario, ou seja, dograu de inercia da inflacao. Em certos paises, como 0 Japao, esse grau de inercia eminimo, pela atitude cooperativa de uma sociedade que aceita ate, quando neces-sario, cortes de salaries nominais. Nos Estados Unidos, a componente inercial dainflacao nao e desprezivel. Afinal, para que a inflacao anual declinasse de 13,8070para cerca de 4%, a recessao de 1981-1982 foi a mais profunda desde a GrandeDepressao da decada de 1930. Na Inglaterra, onde os sindicatos sAo bem maisinfluentes do que nos Estados Unidos, a inercia inflacionaria e aindamaior, como seviu no governo Thatcher. -

    Teoricamente, a inflacao inercial pode ser derrubada por uma forte reversaode expectativas, numa economia onde rendimentos e precos se determinempelo livrejogo das forcas de mercado. Num cenario ideal, imaginado pelos teoricos dasexpectativas racionais, um programa antiinflacionario carregado de suficiente credi-bilidade sincronizaria a contencao da demanda com a dos custos, permitindo-aestabilizacao indolor dos precos, Infelizmente, pelo menos no mundo ocidental, essecenario esta mais para os livros-texto de macroeconomia do que para a realidade.Que a credibilidade e essencial para 0 exito da politica antiinflacionaria e questaopassada em julgado. Mas que ela baste para evitar qualquer recessao temporaria, eidealizacao sem fundamento empirico. .Tecnicamente, ha um unico instrumento de combate a infla~Ao inercial: aschamadas politicas de rendas, vale dizer, controles diretos de salaries e precos.o preconceito contra essas politicas resulta de que elas dependem de uma dis-cricao administrativa que pode gerar muita distorcao na alocacao de recur-sos e uma simples repressao da inflacao. De fato, os fracassos dos controlesenchem uma enciclopedia de frustracoes administrativas, num espectro que vai

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    de Nixon a Per6n, de Mitterrand as filas na Uniao Sovietica. Valem, no entanto,duas ressalvas.Primeiro, ha casos em que a inflacao inercial e tao resistente que nao ha comopraticamente escapar de alguma politica desse tipo. 0 Pacto de Moncloa e 0exemplo mais citado. Mais impressionante, porem, talvez tenha sido a experienciade desindexacao dos salaries na Italia em 1983, obra da administracao socialista deBettino Craxi, e que permitiu que a inflacao italiana saisse das proximidades dos200/0 anuais para cifras de urn unico digito. Os dois exemplos sao especialmenteimport antes , pois mostram que a aritmetica econOmica esta acima de qualqueridiossincrasia ideol6gica.Segundo, ha paises que incorporaram politicas de rendas a sua legislacaoeconemica, eo Brasil e 0melhor exemplo. Os salaries reajustam-sea cada seis mesespela inflacao passada, nao por acordo espontaneo entre empregados e emprega-dores, mas por lei. A taxa de cambio e 0 valor nominal dos ativos financeirosindexados tambem seguem a inflacao, por Resolucao do Banco Central. 0 governocontrola largo segmento do sistema de precos, nao s6 por intrusao do CIP, mas,tambem, por uma razao 6bvia: e 0pr6prio governo quem fornece alguns dos itensque mais pesam no sistema de precos, do petr61eo aos acos planes, da energiaeletrica aos services de telecomunicacees. Nesse caso, os controles sao inevitaveis,pois, por definicao, 0 governo precisa controlar a si pr6prio. Nesse quadro, naocabe indagar se 0 governo deve ou nao adotar politicas de rendimentos, pois elas jaexistem. A pergunta pertinente e se elas favorecem ou nao 0 combate a inflacao.E, no caso brasileiro, a resposta parece ser decididamente negativa.o cerne da questao e 0 sistema de indexacao formal existente entre n6s. Ele foiimplantado em 1964com urn objetivo - 0 de viabilizar os contratos de longo prazo,particularmente no mercado financeiro. Como tal, pretendia ser a excecao, e nao aregra. A degenerescencia foi a sua universalizacao, sobretudo ap6s 0 final de 1979,exatamente quando 0 cenario internacional criava as piores condicoes para 0funcionamento de uma economia indexada: retracao economica combinada comchoques de oferta adversos. 0 Brasil nao quis ou nao soube adaptar-se a esse novocenario, que exigia a exorcizacao da inflacao inercial. Nesse quadro, urn institutomuito bem-sucedido entre 1967 e 1973 se transformou num foco de pesadelosinflacionarios,

    AS PECULIARIDADES INSTITUCIONAISo diagn6stico organizacional da inflacao brasileira, embora tecnicamente leveas explicacoes monetaria, fiscal e inercialpara as altas de precos, toea num pontoextremamente importante: a legislacao economic a brasileira dificulta 0 combate a

    inflacao. Os aspectos criticos sao a multiplicidade de orcamentos, a dispersao dasatividades das Autoridades Monetarias e 0 sistema de indexacao formal, impostopor lei. Vale examina-los em pormenores.o fato de existirem tres Orcamentos da Uniao, 0 Fiscal, 0Monetario e 0 dasEstatais, pode ser resumido numa observacao muito simples: 0 Executivo pode18

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    autorizar despesas extra-orcamentarias. De fato, 0 unico verdadeiro orcamento e 0fiscal, a lei de meios aprovada pelo Congresso Nacional. Os dois outros sao merasestimativas, cujo descumprimento e livremente permitido. Falta-Ihes tambem acaracteristica basica de urn verdadeiro orcamento, 0 ritual do empenho previoda verba.Os veiculos de criacao de despesas orcamentarias sllo dois: os adiantamentosdas Autoridades Monetarias a conta do Tesouro e a emissao de titulos publicos emtermos da Lei Complementar n? 12, promulgada em 1971. Por essa Lei Comple-mentar, 0Banco Central pode emitir titulos publicos por conta do Tesouro Nacionalpara fins de politica monetaria e contabilizar os encargos correspondentes, juros ecorrecoes monetarias, no giro da divida. Do ponto de vista contabil a lei sempre foiuma aberracao, 0 certo seria que 0 Banco Central pudesse emitir titulos seus,lancando os encargos correspondentes nas suas contas de despesa. Na maior parteda decada de 1970, porem, essa aberracao contabil nao gerou maiores distorcoes,pois a emissao de titulos publicos se destinava, essencialmente, a esterilizar 0 efeitoda acumulacao de reservas cambiais sobre a base monetaria, Havia uma despesa naocontabilizada do setor publico, os encargos da divida, mas que, basicamente, eracoberta por uma receita tambem nao contabilizada no Orcamento da Uniao, acorrecao cambial e os juros sobre as reservas. 0 problema surgiu realmente a partirde 1980, quando as reservas comecaram a cair e a divida interna a crescer veloz-mente em termos reais. 0 Banco Central, ai, passou realmente a criar despesas,vendendo titulos publicos a juros de mercado e aplicando os recursos correspon-dentes em emprestimos subsidiados.A dispersao das funcoes das Autoridades Monetarias resulta da pr6pria LeiComplementar n? 12 e de mais dois outros aspectos: as funcoes de fomento atribui-das ao Banco Central e a conta de movimento, por meio da qual 0Banco do Brasilpode sacar recursos do Banco Central sem correcao monetaria nem juros, trans for-mando-o, de fato, num segundo banco emissor. A conta de movimento criou-se naLei n? 4.595, de dezembro de 1964, pois havia quem temesse que a criacao do BancoCentral atrofiasse os ativos e os lucros do Banco do Brasil e esse foi 0nascedouro deurn organograma monetario razoavelmente confuso. Antes de 1965, 0 Brasil naodispunha de Banco Central. Depois, passou a contar com dois Bancos Centrais.Quanto as atividades de fomento, preferiu-se localiza-las nas Autoridades Moneta-rias para ganhar agilidade administrativa. 0 excesso de agilidade, no entanto, levoua crescente dificuldade dos controles.Os inconvenientes da multiplicidade de orcamentos e da ausencia de fronteirasdefinidas entre as funeoesde Tesouro e de Autoridade Monetaria tern sido ampla-mente debatidos. A competencia do Executivo para autorizar despesas sem previaautorizacao do Congresso, alem de antidemocratica, retira a indispensavel transpa-rencia dos gastos publicos, impedindo que os contribuintes, atraves de seusrepresentantes, opinem sobre 0 destino dos impostos que pagam, direta, indireta-mente ou via inflacao, Alem do mais, ao eliminar 0 ritual do debate legislativo e doempenho previo de verbas, ela torna bern mais facil a criacao de gastos publicos. Ospretendentes as verbas extra-orcamentarias nao precisam se expor ao confronto coma sociedade, que naturalmente indagara de onde virao essas verbas: se do aumentode impostos, do corte de outros gastos, da emissao de titulos publicos ou da de

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    moeda. Precisam apenas veneer as resistencias dos ministros da Fazenda e doPlanejamento. Em suma, tornando-se mais facil gastar, gasta-se mais.A dispersao das atividades das Autoridades Monetarias, alem de veicular osgastos extra-orcamentarios, torna extremamente complexo 0 controle da oferta demoeda. Num organograma ortodoxo 0 governo s6 pode gastar 0 que arrecadou deimpostos ou com 0 lancamento de titulos publicos. Nesse cenario, para nao emitir, 0Banco Central s6 precisa tomar uma atitude: ficar de braces cruzados, deixando afixacao dos juros e das taxas de cambio a criterio dos mercados. Na realidade, 0Banco Central costuma injetar moeda, pois alguma expansao e necessaria aopr6prio crescimento economico. Mas a tarefa e muito simples: basta que ele entre nomercado comprando titulos publicos exatamente nas doses desejadas. No Brasil, astarefas se invertem. Os ativos do Banco Central crescem por fatores fora de seucontrole e, para evitar a sua total monetizacao, ele entra no mercado vendendotitulos, nos term os da Lei Complementar n? 12. E claro que essa operacao dificil-mente se consegue em sintonia fina com as metas de qualquer oreamento monetario,o chamado projeto de reforma bancaria, que unifica os oreamentos federais,que transfere a divida publica para 0Tesouro, que congela a conta de movimento doBanco do Brasil e que restringe 0 Banco Central as suas funcoes classicas, encontra-se em discussao desde meados de 1979. 0 obstaculo a sua aprovacao, a alegacAo deque ele mete 0governo numa camisa-de-forca, retirando-Ihe a agilidade da adminis-tracao financeira, e altamente inconveniente. De fato, 0governo precisa exatamentedessa camisa-de-forca, para gastar e emitir menos, e sob a fiscalizacao da sociedade.Alguma agilidade, certamente, e indispensavel para atender a despesas imprevistas,como as provenientes de calamidades publicas. Mas, para isso, basta que 0Orca-mento da Uniao preveja as necessarias reservas de contingencia.Se a multiplicidade dos orcamentos e a confusao de fronteira entre Tesouro eAutoridade Monetaria dificultam 0 combate a inflacao do lado da demanda, 0sistema de indexacao formal enrijece a dimensao inercial das altas de precos, Defato, na medida que, por lei ou por decisao administrativa, rendimentos e precossempre se ajustam, em intervalos regulares de tempo, pela inflacao passada, ainflacao tende a se repetir. Essa, alias, parece ser a razao central pela qual, desde1968, a inflacao brasileira caminha por patamares. Mais ainda, na presenca decheques desfavoraveis de oferta, como desvalorizacoes reais da taxa de cambio,aumentos de impostos indiretos ou cortes de subsidios, a inflacAo sobe de patamar.Tomemos 0 caso politicamente mais sensivel, 0 sacrossanto reajuste semestralde salaries em 100070 do INPC. Para a maior parte da opiniao publica, trata-se deuma medida altamente conservadora e perfeitamente compativel com 0 combate ainflacao, ja que se trata apenas da reposicao de urn poder aquisitivo. A intencaotambem e das mais nobres: proteger 0salario real dos trabalhadores contra a erosaoinflacionaria. Mas, a aritmetica subjacente e absolutamente precar ia ,o cerne da questao e que a semestralidade dos reajustes por 100% do INPCtern dois significados: primeiro, que 0 poder aquisitivo dos assalariados e recom-posto de seis em seis meses; segundo, que esse mesmo poder aquisitivo e deixado aosabor da inflacao nos seis meses em que 0 salario nominal permaneee inalterado. 0resultado e que durante esses seis meses os salaries reais caem, tAo mais depressaquanto maior seja a taxa semestral de inflacAo i. A lei garante a r eeomposicao , duas20

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    vezes por ano, de urn pico de poder aquisitivo WOo Mas 0 salario medic real e fun~lodecrescente da taxa de inflacao, de acordo com a f6rmula:Wm = Wo (1 + i) In (1 + i)

    Em suma, 0 salario real medic e tanto menor quanto mais alta for a taxasemestral de inflacao. Se este se situa, como nos ultimos tempos, em 850/0 aosemestre, 0 salario medic Wm = 0,746 Wo, ou seja, 74,6% do pico.Como a lei amarra os picos de poder aquisitivo, os salaries medics se tornamtanto mais elevados, em termos reais, quanto menores sejam as taxas de infla~lo.Isso confere uma dimensao altamente social aos programas antiinflacionarios, mastambem limita as suas possibilidades, ja que nao e possivel aumentar a vontadesalaries reais a curto prazo. Com reajustes semestrais por 100% do INPC e virtual-mente impossivel pensar num tratamento de choque que elimine de subito a altacronica de precos: os salaries reais precisariam subir, em media, de 74,6% do picopara 100% do pico, ou seja, de 34%. Nao ha economia que consigarepentinamenteelevar os salaries reais em tal proporcao. Isso equivale a dizer que, por mais austerasque sejam as politicas monetaria e fiscal, nao ha como eliminar de pronto a infla~obrasileira com 0 sistema de indexacao salarial com reajustes semestrais em 100% doINPC. Uma meta bern menos ambiciosa, a de reduzir 0 patamar inflacionario de

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    11% ao m@spara 8%, vale dizer, de cerca de 250% para aproximadamente 150% aoano, tam bern envolve urn apreciavel aumento dos salaries reais medics, de 0,743para 0,801 dos picos, ou seja, de 7,7%. Isso nao chega a ser impossivel, desde que sebaixem juros reais e se comprimam certas margens de oligop6lio, mas nao e muitofacil de conseguir.o que mais inquieta na analise da inflacao brasileira e a rarefeita percepcaosobre a sua dimensao inercial. A tendencia atual nao e limitar os reajustes salariais a100% semestrais do aumento do INPC. Mas, ou a extravasar os 100070,ou reduzir 0espacamento dos reajustes para prazos menores, urn trimestre, por exemplo. Paraavaliar 0 que isso significa, vale urn exercicio nurnerico: para manter a taxa infla-cionaria em 85% ao semestre, encurtando 0 intervalo dos reajustes salariais de seispara tres meses, seria preciso que a economia suportasse urn aumento de 15,4% dossalaries reais medics. E altamente improvavel que a economia seja capaz deacomodar tal aumento do poder aquisitivo dos assalariados. Isto posto, a reducaodos intervalos de reajuste de seis para tres meses provavelmente levaria a urn unicoresultado: a explosao da taxa de inflacao, possivelmente com urn formidavelaumento dos juros reais e da recessao.Regras de indexacao salarial nao constituem invencao brasileira. Muitos paisesas embutiram nas negociacoes entre patroes e empregados. A segunda crise dopetr6leo ensinou que, diante de choques desfavoraveis de oferta, essas regras apenasproduziam mais inflacao ou mais desemprego, sem proteger 0 bem-estar dostrabalhadores. Assim, paises como a Belgica, a Dinamarca e a Italia cuidaram deeliminar, ou pelo menos de flexibilizar os seus esquemas de indexacao, Foi exata-mente nesse momenta que 0 Brasil enrijeceu os esquemas em questao. E, por urnmetoda que nenhum pais jamais adotou, 0 da imposicao legal. A legislacao quevincula os reajustes salariais ao aumento do INPC e uma originalidade brasileira,tao esdruxula quanto os orcamentos multiples e a duplicidade dos Bancos Centrais.o cerne do problema e urn formidavel romantismo economico que confundegenerosidade dos reajustes nominais com defesa dos salaries reais. 0 trabalhismobrasileiro nao enriquece 0salario real dos empregados, mas se limita a lhes garantirmais e mais cruzeiros que cada vez menos compram. Falta-lhes 0minimo de consis-t@nciamacroeconomica, no sentido de reconhecer que s6 em duas circunstancias ossalaries reais podem crescer: 1) numa economia em expansao, onde 0 aumento doproduto abra espaco para que todos conquistem maior fatia do bolo; 2) se as demaisfatias do bolo forem comprimidas em favor dos assalariados, via reducao dos jurosreais, das margens de oligop6lio, de impostos indiretos, ou via valorizacao da taxareal de cambio. A segunda hip6tese abre a possibilidade de urn crescimento tempo-rario do poder aquisitivo dos trabalhadores, mas nao de uma elevacao continua dossalaries reais. ,o binomio romantismo trabalhista-indexacao parece contaminar a visao atualdos problemas econornicos brasileiros. A sua origem e a falacia de composicao, queesquece que aquilo que favorece cada urn, pode nao beneficiar ninguem, quandoestendido a todos. Qualquer trabalhador se beneficiaria de reajustes trimestrais,desde que os demais continuassem a s6 ser reajustados de seis em seis meses. Avantagem cessa no momenta em que a trimestralidade se transforma de privilegio deuns poucos, em regra geral.22

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    A experiencia cia falacia de cornposicao e bastante farta, entre n6s e alhures.Em 1979, anunciou-se como grande conquista dos trabalhadores brasileiros aconversao dos reajustes salariais de anuais em semestrais. Os trabalhadores nadalucraram, pois a inflacao imediatamente escalou de 400/0 ao ano para 40% aosemestre. A Argentina de 1984 procurou escorar os empregados com reajustesmensais pelo custo de vida. Os salaries reais nao subiram, pois os precos correramainda mais depressa do que os salaries nominais, com a inflacao se avizinhando dos800% anuais.A percepcao da inflacao inercial, como se disse, e bern mais rarefeita que a dapressao dos deficits publicos que da expansao monetaria sobre a demanda agregada.Uma explicacao possivel e que a rigidez inercial, na escala brasileira, e urn problematupiniquim, ja que nenhum pais se atreveu a implantar uma legislacao de indexacaosemelhante a nossa. Isto posto, torna-se impossivel avaliar 0 que seja a inflacaoinercial pela traducao de livros-texto estrangeiros. Isso nao significa que os nossoseconomist as nao tenham sido capazes de imaginar f6rmulas bastante engenhosas deataque a inercia inflacionaria e que serao discutidas mais adiante. H i I . pelo menoscinco propostas dignas de discussao: a da "Ok'TNizacao" pelas medias, a do choqueheterodoxo, a do dia D, a da reforma monetaria e a das prefixacoes sucessivas, eque serao debatidas a seguir. Para transferi-Ias do campo academico a acao politicaha urn abismo a transpor: convencer a sociedade e seus representantes de que 0comb ate a inflacao e urn jogo cooperativo, e que nao se equilibra quando seusparticipantes insistem em dividir 0 bolo em partes de soma maior do que 0 todo.

    OS PAT AMARES EM RETROSPECTODo inicio da decada de 1950 ate 1964, a inflacao brasileira acelerou-se do ritmoanual de 15% para mais de 90%. A grande escalada se iniciou no final do governoKubitschek, pela expansao da demanda, agravando-se no governo Goulart pela

    generosidade nominal da politica de salaries. Como frequentemente ocorre, ainflacao, alem de acelerar-se, foi reprimida por controles de precos insustentaveis alongo prazo, nas tarifas de services publicos, alugueis e nas taxas de carnbio.A experiencia antiinflacionaria do governo Castello Branco e certamente amais import ante da hist6ria brasileira de p6s-guerra. Nesse periodo, a inflacaobaixou dois degraus. Primeiro, de 92% em 1964 para 34,5% em 1965. Depois, de38,8% em 1966 para 24,5% em 1967.A primeira queda explica-se por cinco fatores. Primeiro, a aha de precos de1964 foi carregada por reajustes nao recorrentes de alugueis, tarifas de utilidadepublica e taxas de cambio. Sem esses realinhamentos de precos relativos, a inflacaode 1964 teria sido bern menor . Segundo, os reajustes salariais foram desatrelados dainflacao passada, passando a ser determinados por uma f6rmula que manteria ossalaries reais medics se e somente se a inflacao caisse para 25% em 1965 e 10% em1966. Terceiro, 0 governo cortou fortemente 0 deficit publico, de cerca de 4% para1,1% do PIB. Quarto, a nova politic a contou com a necessaria credibilidade parareverter as expectativas inflacionarias. Quinto, 1965 foi urn ana de safras excepcio-

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    nais - 0 produto agricola aumentou 13,8070- que ajudaram a conter os indices deprecos. Os cortes na demanda agregada provocaram uma queda de 4,7% noproduto industrial de 1965, na epoca considerada forte crise de estabilizacao.Deve-se notar que a politica monetaria nao desempenhou qualquer papel nesseprimeiro lance descendente da inflacao - a expansao monetaria caiu apenas de81,6% em 1964 para 79,5% em 1965. Em parte por isso, a infla ca o se acelerou leve-mente em 1966 e 0 produto industrial recuperou-se 9,9%.0 choque monetario s6 seaplicou em 1966 quando a expansao de meios de pagamento foi contida em 13,8%.A resposta veio em 1967, com 0 segundo degrau da queda da inflacao, desta vezpara 24,3%.A principal critica a politica antiinflacionaria do governo Castello Branco eque ela teria sido levada a cabo a custa dos assalariados, e a evidencia empirica e deque, entre 1964 e 1967, os salaries reais medics na industria de trans formacao

    cairam 24,8%. A critica procede num sentido: enquanto os salaries eram reajusta-dos com base numa subestimativa da inflacao futura, varies outros rendimentospassaram a ser indexados pela inflacao passada. De qualquer forma, era dificilevitar alguma queda de salaries reais diante da necessidade de descomprimiralugueis e precos administrados e ainda de desvalorizar, em termos reais, a taxade cambic.o periodo 1968-1973 correspondeu ao chamado milagre brasileiro, quando 0produto real cresceu, em media, de 11,5% ao ana e quando a inflacao declinougradualmente, ate 15,7% em 1973. As mudancas de politica econOmica operaram-seem tres sentidos. Primeiro, a lei salarial foi revista, de modo a corrigir, em cadareajustamento anual, a subestimativa da previsao inflacionaria no reajuste anterior,sistema que vigorou, em essencia, ate 0 final de 1979. Na pratica, isso equivaleu aintroducao da indexacao anual dos salaries pela inflacao dos doze meses prece-dentes. Segundo, 0 governo procurou evitar mudancas bruscas de precos relativos,inclusive introduzindo as minidesvalorizacoes cambiais e usando subsidios comoveiculo de incentivo a muitos setores, como as exportacoes de manufaturados.Terceiro, 0 governo tratou de ativar a demanda e por ai 0 crescimento economico,via expansao monetaria, ao ritmo medic de 36,8% ao ano.Numa economia que havia se tornado fortemente indexada, a ideia de evitarmudancas bruscas de precos relativos era inteiramente pertinente. Mais do quepertinente, no final da decada de 1960 ela se tornara exeqOivel. Alem do mais, aestrategia de crescimento, alem de todo 0 seu sentido tradicional, era urn auxiliartemporario do combate a inflacao numa economia indexada. Com efeito, comrendimentos reajustados pela inflacao passada, a inflacao s6 poderia cair sehouvesse espaco para que todos os rendimentos reais aumentassem.o problema dessa estrategia antiinflacionaria e que ela pressupunha duascondicoes: 1) que nao houvesse real necessidade de realinhamento dos precos rela-tivos, 0 que deixou de ser verdade em 1973, com 0 primeiro choque do petr61eo;2) que houvesse suficiente capacidade ociosa para que 0 crescimento pudesse sermovido pela excitacao da demanda pela politic a monetaria, 0que s6 se verificou ate1971. Exatamente em 1972 e 1973 e que a expansao monetaria avaneou muito alemdaquilo que uma inflacao inercial, em torno de 15% ao ano, poderia justificar, aoferta de moeda subindo em 42% em 1972 e de 47% no ano seguinte. De fato, a24

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    prorrogacao do milagre ate 0 final de 1973 s6 se conseguiu Iicusta de dois artificios:controle de precos de alimentos, geradores de urn mercado negro nao captado nosindices de custo de vida, e subsidios ao petr6leo, destinados a ocultar, em cruzeiros,a quadruplicacao dos precos do 6leo cru pela OPEP.A alta do patamar inflacionario para a media de 37"10 ao ana entre 1974 e 1978explica-se por varias razoes, Primeiro, porque no inicio do governo Geisel tornou-seindispensavel descomprimir 0 preco de certos aliment os e eliminar os subsidios aopetr6leo. A ameaca, na epoca, nao era a repeticao inercial da inflacao, mas a suaexplosao pelo lado da demanda. Esta ultima foi contida, mas como 0 instituto daindexacao de rendimentos e precos se manteve intacto, 0 custo foi a e l evacao dopatamar inercial das altas anuais de precos, Segundo, porque a politica de contencaomonetaria de meados de 1974 a meados de 1975 foi substituida por uma atitudefrancamente expansionista no segundo semestre de 1975. Essa expansao, conjugadacom fortes aumentos de impost os indiretos para financiar os programas de investi-mento do governo, elevou a taxa de inflacao de 29,7% em 1975 para 46,3% em1976. A partir de meados de 1976, voltou-se Iipolitica de austeridade, associada aurn ensaio de desindexacao parcial. A infla~Ao recuou, como seria de se esperar, masa queda nao chegou a ser espetacular, com 0 indice geral de precos subindo 38,8%em 1977 e 40,8% em 1978.

    Em agosto de 1979, a politica antiinflacionaria mudou de compasso, abando-nando a ortodoxia acomodada Iiindexacao pela franca heterodoxia. A ideia centralera repetir 0 milagre de 1968 a 1973, promovendo 0 combate Iiinfla~Ao pelo cresci-mento economico. 0 passo inicial foi controlar os juros e folgar a expansaomonetaria, naexpectativa de que a oferta abundante de credito a agriculturagerasse, em 1980, uma supersafra capaz de fazer a inflacao despencar. 0 segundofoi acelerar os reajustes de precos administrados, na crenca de que as altas de precosse submetem a uma lei de compensacao: a aceleracao de hoje e a desaceleracao deamanha , Nesse sentido, em 7 de dezembro de 1979 decretou-se uma maxidesvalori-za~Ao cambial de 30%. 0 terceiro foi determinar, por lei, a indexacao semestral desalaries pelo aumento passado do custo de vida, acoplada a aumentos reais negocia-veis livremente por conta da produtividade. A lei, de inspiracao romanticamentepopulista, reajustava os rendimentos do trabalho ate tres salaries minimos em 110010do aumento do INPC e superindexava todos os rendimentos do trabalho ate II,Ssalaries minimos.

    Em 1980, 0 governo tentou combater a inflacao por urn golpe psicol6gico: aprefixacao da correcao monetaria em 50% e a da cambial em 45%. Que a tentativafracassou e sabido, pois 0 lndice Geral de Precos nesse ano aumentou 110%, pelaprimeira vez ultrapassando a barreira dos tres digitos. Vale examinar, no entanto,por que aquilo que dava certo nos tempos do milagre deu errado em 1980. Aresposta envolve quatro consideracoes.

    Primeiro, 0govemo s6 tentou romper a inflacao inercial do lado do cambio edos ativos financeiros indexados. Nos salaries, a regra de indexacao havia avancadoda anualidade para a semestralidade. As prefixacoes poderiam ter dado certo seestendidas a todos os rendimentos e precos administrados, mas nao deixando que apos-fixacao dominasse urn dos principais, senao 0principal determinante do sistemade precos,

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    Segundo, era preciso que a ruptura da inflacao inercial se conjugasse com aausteridade da demanda. Esta foi contida no final do ano, mas nao no principio,quando prevalecia a ideia de que a expansao monetaria pouco tinha a ver com aevolucao do nivel geral de precos,Terceiro, era necessario repetir as condicoes do periodo 1968-1973, as quaisdispensavam violentas alteracoes dos precos relativos. Diante do segundo choque dopetr6leo, essa premissa era inaplicavel, apesar das tentativas do governo de ameni-zar os reajustes em cruzeiros via subsidios.Quarto, as prefixacoes dependiam de credibilidade na sua eficacia, E provavelque ela existisse no principio de 1980, quando a equipe econOmica do governo con-tava com alto grau de respeito e carisma. Apenas nao ha credibilidade que sesustente contra a evidencia dos indices. A inflacao acelerou-se, pelos salaries e pelaexpansao monetaria, e os agentes econOmicos cornecaram a suspeitar de que haviaalgo de podre no Reino da Dinamarca. Em suma, as expectativas silo volateis, ecobram 0 sucesso, niWdeixando espaco para que 0 combate a inflacao seja meroexercicio de psicanalise,Em 1981 e 1982, 0 governo mudou a politica de 180 graus, retornando aomonetarismo como principal arma antiinflacionaria, As taxas de expansao mone-taria contiveram-se em torno de 70% ao ano, mas a inflacao persistiu em torno dos100"70anuais, ao preco da primeira recessao industrial desde 1965. Em 1983, com acrise da divida externa, 0 governo teve que determinar outra maxidesvalorizacaocambial de 30%. A expansao monetaria, embora muito alem das promessas ao FMI,conteve-se em torno de 90%. Mas a inflacao escalou para os 210%, desta vez com aplena sancao da expansao monetaria, de cerca de tres digitos em dobro.A escalada dos patamares desde 0 primeiro choque do petr6leo, de 40% aoano para 100%, e de 100% para mais de 200%, sugere uma observacao essencial: 0Brasil insiste num instituto, amplamente exaltado na decada de 1960, mas total-mente superado pelos eventos das decadas de 1970 e 1980: 0 de indexacao generali-zada de rendimentos, precos administrados e ativos financeiros. A base do institutoe que todos devem ser protegidos contra a inflacao. A ideia funcionamuito bern nascondicoes da decada de 1960, em que a inflacao era impelida por choques de demandae onde 0 crescimento econOmico abria espaco para suaves mudancas dos precosrelativos em aceleracao da inflacao. Com a queda das taxas de crescimento e a maiorvolatilidade dos precos relativos, a ideia do direito aos rendimentos reais adquiridosrepresent a urn desafio a 16gica econOmica. Entre 1980 e 1983, 0 produto real percapita brasileiro caiu 11%. Imaginar que, nesse quadro, existam estrategias defen-sivas em que ninguem nada tenha a perder e agressao a aritmetica.

    H A muito tempo que os economistas reconhecem que a inflacao e deflacao naosao fenOmenos simetricos, Os precos sobem facilmente mas dificilmente caem, porduas razoes, Primeiro, porque, salvo talvez no Japao, e dificil cortar salariesnominais. Segundo porque, como a taxa nominal de juros nao pode ser negativa,deflacao pode ser sinonimo de juros reais insuportaveis,Ao tentar defender os agentes economicos contra a inflacao, a indexacao naopode produzir magicas, mas apenas transferir 0 problema para outro nivel: 0 detornar a aceleracao e a desaceleracao da inflacao fenOmenos assimetricos. Ainflacao, guiada por uma especie de antitese da lei da gravidade, sobe com extrema26

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    facilidade e s6 cai com extremos sacrificios. Essa parece ser a li~Aofundamental darecente experiencia brasileira.

    DESINDEXA~AO E INFLA~AO INERCIALo diagn6stico inercial da inflacao brasileira leva as seguintes conclusoes:1) 0 sistema de indexacao formal imposto pelo governo reajusta periodicamenterendimentos e precos pela inflacao passada, realimentando a inflacao futura;2) os reajustes nao sao sincronizados; assim sendo, 0 rendimento real de cada agenteeconomico oscila periodicamente entre picos e pocos; 3) os picos sAomacroecono-micamente inconsistentes, tentando dividir 0 bolo em partes de soma superior aotodo; isto posto, alguns agentes s6 os conseguem alcancar porque outros tantos seencontram perto do fundo do poco, Nessa ciranda de rendimentos reais forcadapelo sistema de indexacao formal, a contencao da demanda nominal pela austeri-dade monetaria e fiscal gera muita recessao com parcos dividendos antiinflaciona-rios. Isso nao significa que 0 comb ate a inflacao possa prescindir dessa austeridade.Mas que, para obter resultados antiinflacionarios duradouros e em tempo habil epreciso, simultaneamente, romper a inflacao inercial, isto e , desatrelar da inflacaopassada os reajustes de rendimentos e precos.o principio basico de uma tal politica de desindexacao e a estabilizacao dosrendimentos reais de cada agente economico pela media observada no passado

    recente, ja que os picos sao globalmente incompativeis. Pode-se contra-argumentarque esse principio congela urn perfil de distribuicao de renda socialmente indeseja-vel. Apenas, se esse for 0 caso, e preferivel resolver 0 problema em duas etapas:primeiro baixar a inflacao, depois corrigir a distribuicao de renda, pois a tentativade alcancar os dois objetivos ao mesmo tempo pode levar a frustracao de ambos.Uma f6rmula sugerida por alguns economistas conservadores e deixar quesalaries, alugueis, precos, taxas de cambio e rendimentos financeiros se determinemIivremente pelo mercado, sem qualquer interferencia do governo, 0 que nos trans-portaria do dominic da indexacao formal para 0 campo bern mais flexivel daindexacao informal. Na pratica, isso levaria a abolicao das leis sobre reajustes desalaries e alugueis, Apesar de bastante atrativa sob varies pontos de vista, essaf6rmula esbarra em tr@sobiecoes. Primeiro, nao parece poIiticamente facil acabarcom as leis sobre salaries e alugueis, Segundo, uma vasta gama de rendimentos eprecos e determinada necessariamente pelo pr6prio governo federal, desde 0 salariominimo, preco da energia eletrica, dos derivados de petr6leo e demais bens e servicesproduzidos pelas empresas estatais. Terceiro, a revogacao das leis salariais apenastransferiria 0 poder de legislar sobre reajustes do Congresso para a Justica doTrabalho. Em suma, no quadro institucional brasileiro nao ha como substituirintegralmente a indexacao formal pela informal.As tecnicas tradicionais de desindexacao formal se baseiam numa apostaespecifica de queda da inflacao, sob a forma de prefixacao. Seria a repeticao daexperiencia de 1980, estendida aos salaries e reajustes de precos administrados. Elatanto pode ser apIicada expIicitando-se a taxa de inflacao projetada, quantoaplicando-se redutores em relacao as altas pregressas de precos, ou aumentando-se 0

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    intervalo entre os reajustes de rendimentos e precos, Embora muitos paises a tenharnaplicado corn razoavel sucesso, ela hoje parece inviavel no Brasil, por varias razees.Primeiro porque, ap6s 0 insucesso de 1980, ela levaria ao colapso do mercado decapitais. Segundo porque, ap6s a queda de salaries reais no governo Castello Brancoe, mais recentemente, corn os efeitos dos Decretos-Lei n~S2.045 e 2.065, pareceimpossivel convencer os congressistas e trabalhadores de que essas tecnicas naolevem ao arrocho salarial. A opiniao dominante, no momento, e que os salariesreais precisarn ser aurnentados, e nao arriscados numa aposta especifica de queda dainflacao.Uma f6rmula radical, mas nao de todo destituida de certo apelo politico, seriao choque heterodoxo, isto e, 0 congelamento geral, por uma temporada, de salaries,precos, correcao monetaria, taxa de cambio, moeda e credito. As dificuldadesadministrativas de urn tal congelarnento e os inconvenientes da imobilizacao daestrutura dos precos relativos sao bern conhecidos. Contudo, desde que se quebrassea inflacao inercial, os erros de varejo acabariam sendo compensados pelo acerto noatacado. Ap6s certa temporada, liberar-se-iam gradualmente os precos e salaries,Corn a oferta de moeda contida e corn a proibicao de novos contratos indexados, ainflacao se estabilizaria nurn patarnar bern mais baixo.o principal obstaculo ao choque heterodoxo e a falta de sincronizacao dosreajustes de salaries e precos no Brasil. 0congelamento seria extremamente favora-vel aos assalariados e empresas reajustados pouco antesda sua decretacao e profun-damente injusto corn os que seriam aumentados logo a seguir. Ern suma, qualquerque fosse 0 dia escolhido para 0 congelamento, imobilizar-se-ia urn sistema derendimentos e precos relativos insustentavel, quer do 4ngulo econOmico, quer dosocial.Para contornar esse problema ha a proposta de sincronizacao de todos osreajustes ern determinado mes D. Primeiro, concentrar-se-iarn ern determinado mestodos os aumentos de salaries, alugueis, prestacoes da casa pr6pria e precos adrni-nistrados, corn reajustes pro rata pela inflacao passada. Nesse mes, os precos dariamurn salto, de 31070, de acordo corn certas estimativas. A seguir, decretar-se-ia 0congelamento dos salaries, rendimentos e precos.A objecao central Iiproposta e que ela nao atende aos dois pre-requisites parao sucesso de urn congelarnento: ser imprevisto e quebrar as expectativas de inflacao.Corn 0 anuncio previo do congelarnento, os precos nao controlados explodiriarn nomes D. Essa seria a defesa natural dos industriais e comerciantes, aos quais semprerestaria a opcao de posteriormente baixar os precos, caso seus estoques viessem aencalhar. Ern suma, no mes de transicao, a inflacao poderia ser bern superior aos31 % previstos. Por outro lado, convencer os agentes econOmicos de que os precos seestabilizariarn automaticarnente ap6s urn mes corn tal explosao de precos e proezaque desafia qualquer psicanalista.

    Uma ideia revolucionaria e a proposta de reforma monetaria apresentada porAndre Lara Resende. Criar-se-ia uma nova moeda, 0 novo cruzeiro, que valeria,digamos, urn decimo da ORTN. Os contratos ern cruzeiros poderiarn ser convertidosem contratos na nova moeda pelo criterio da media real nos ultimos seis meses.Assim, por exemplo, Iiopcao das partes, os salaries poderiarn ser transforrnados ernnovos cruzeiros por urn valor igual a dez vezes a media dos salaries de cada urn dos28

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    seis meses anteriores, express os em ORTN. As duas moedas circulariam simulta-neamente por uma temporada. Eventualmente, todos os agentes economicos prefe-ririam operar apenas na nova moeda, e 0 velho cruzeiro sairia de circulacao.A proposta de Lara Resende nao e, como pensam alguns, uma tentativa decombate a inflacao por urn passe de magica, Com efeito, a ORTN nao e, comoalguns pensam, uma unidade de conta de poder aquisitivo estavel por definicao. Elase valoriza em termos reais con forme a inflacao decline ou se acelere. Isso se tornouclaramente perceptivel com a nova f6rmula adotada pelo Conselho MonetarioNacional, mas, tambem, era verdade para a antiga ou qualquer outra que venha aser adotada. Com efeito, e impossivel evitar alguma defasagem entre a apuracao dosindices de precos e a fixacao do valor da ORTN. Isto posto, a taxa de inflacao nanova moeda seria a aceleracao da taxa de inflacao em cruzeiros. E 0 sucesso dareforma dependeria exatamente de que essa taxa nao se acelerasse significati-vamente.Na proposta original ha pontos criticaveis: 1) a circulacao simultanea das duasmoedas criaria formidavel confusao transacional; 2) a proposta esquece que seriainutil abater a inflacao inercial se nao se cuidasse, simultaneamente, de conter 0deficit publico e a expansao monetaria; 3) a nova moeda, antes de se consolidarcomo unidade de conta nos contratos, transformar-se-ia imediatamente em meio detroca, ja que ninguem manteria em caixa ou em dep6sitos a vista cruzeiros antigos,podendo optar pelos novos; com isso, 0 controle monetario se tornaria extrema-mente dificil, podendo inutilizar a reforma; 4) a experiencia mais conhecida de

    introducao de uma moeda indexada, 0pengo fiscal hungaro de 1946, levou a umahiperinflacao sem precedentes.Na proposta, no entanto, ha muitas ideias interessantes e que levam a umaoutra sugestao: a da "Ok'FNizacao" pelas medias. Numa primeira etapa, 0Congresso aprovaria uma lei que convertesse os salaries em ORTN pelo criterio damedia real dos ultimos seis meses, admitindo reajustes complementares desde quena.o repassados aos precos. A mesma regra se aplicaria a alugueis, rendimentos eprecos administrados.Em si, a "Ok'I'Nizacao" pelas medias nao quebraria a infl~a.o inercial. Mas,alem de situar no mesmo regime a correcao dos salaries e ativos financeiros, teria avantagem de sincronizar todos os reajustes sem uma explosao inflacionaria inicial.Desde que a moeda e 0deficit fiscal se mantivessem sob adequado controle, ficariaevidente que a inflacao s6 beneficiaria os vended ores de maquinas de calcular. Se,todos os meses, salaries, alugueis, prestacoes da casa pr6pria, contas de luz, custosde transporte etc., subissem todos na mesma proporcao, a infla~ao na.o apenas setornaria an6dina. Surgiria tambem 0 incentivo politico a combate-la rapidamente.Do lade inercial, bastaria prefixar em niveis rapidamente cadentes a correcao dasORTN, corrigindo em cada mes a eventual subestimativa ou superestimativa do mesanterior. Do lado da demanda, 0governo reduziria par; passu 0seu deficit fiscal, demodo a compensar a perda do imposto inflacionario, os juros reais negativos sobrea base monetaria,Como ja se disse, 0 principal obstaculo ao combate a infla~a.o do lade inerciale a rarefeita percepcao sobre 0 problema, inclusive entre muitos economistas profis-sionais. Urn exemplo vivo e a recente regra de repasse dos reajustes salariais. 0

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    governo determinou que as empresas nao podem repassar aos precos os reajustessalariais por antecipaeao da semestralidade ou no que excederem 100070do aumentodo INPC. A regra e de dificil aplicacao por presumir a onipresenca do CIP, masobedece a uma 16gica cristalina: se os reajustes salariais forem repassados aosprecos, 0 aumento aos salaries nominais sera inutilizado pela perda do poderaquisitivo da moeda. Apenas essa regra nao se aplica aos reajustes semestrais em100% do INPC, os quais sao plenamente repassaveis aos precos. Com isso, 0governo implicitamente admite que esses reajustes acabam sendo inuteis para ostrabalhadores. Eles s6 beneficiam cada empregado, mas em detrimento dos demais,na medida em que ele e reajustado e os outros nao 0 sao. Como todos sao iguaisperante a lei, 0 resultado e urn jogo de soma zero em termos reais, onde apenas sesustenta a espiral inflacionaria.Ha duas maneiras erradas de enfrentar a inflacao brasileira. A primeira etrata-la como urn simples problema monetario e fiscal, ignorando 0 sistema su igeneris de indexacao existente no pais. A segunda e classifica-la como puramenteinercial, quando 0 deficit publico, alem de elevar os juros reais a taxas estratosfe-ricas, pede quase 200% de expansao monetaria para 0 seu financiamento. Moneta-ristas e fiscalistas, de urn lado, e inercialistas do outro, estao cheios de razao em seusargumentos. E preciso, apenas, que cada parte reconheca as razOes da outra. 0quetalvez seja 0 ponto de partida para a construcao de urn pacto social que consigaabater a inflacao com urn minimo de sacrificios para a sociedade.

    ABSTRACTThis article developes the idea that the three basic theories of inflation (the monetary, the fiscaland the inertial) complement one another. This interpretation brings about two important policy

    issues: first, the necessity of done coordination between fiscal and monetary policy; and second,the necessity of the synchronization of antiinflationary measures on demand and cost side to breakup the link between the present and past inflation due to the indexation. These question aredeveloped in the context of Brazilian institutional homework, of multiplicity of budgets, formalindexation and a peculiar monetary system. Finally, alternative policies are critically evaluated.