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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL CURSO DE ESTUDOS DE MÍDIA RODRIGO GALHANO TOURINHO REIS “UM PANORAMA GERAL DA CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA”

“UM PANORAMA GERAL DA CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA”

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Este trabalho tem como objetivo elaborar um panorama geral sobre a convergência midiática e seus desdobramentos, tais como o impacto nas empresas e no público, as formas de apropriação das novas tecnologias. Os desafios e as possibilidades das narrativas transmidiáticas também são abordadas. Como principal suporte teórico foi usado o livro Cultura da Convergência, do professor de Estudos de Mídia Comparada da MIT (Massachussets Institute of Technology), Henry Jenkins.

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Page 1: “UM PANORAMA GERAL DA CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA”

UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL

CURSO DE ESTUDOS DE MÍDIA

RODRIGO GALHANO TOURINHO REIS

“UM PANORAMA GERAL DA CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA”

Niterói, RJ

2009

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RODRIGO GALHANO TOURINHO REIS

“Um panorama geral da convergência midiática”

Dissertação apresentada ao departamento de Estudos de Mídia da Universidade Federal Fluminense, como requisito para obtenção do título de Bacharel em Estudos de Mídia.

Orientador: Prof. Dr. José Maurício Saldanha Alvarez

Niterói, RJ

2009

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UNIVERSIDADE FEDERAL FLUMINENSE

INSTITUTO DE ARTES E COMUNICAÇÃO SOCIAL

DEPARTAMENTO DE ESTUDOS CULTURAIS E MÍDIA

CURSO DE ESTUDOS DE MÍDIA

Ata de Defesa de Trabalho de Conclusão de Curso (TCC)

Em ______ de _________________ de _________, reuniu-se, no Instituto de Artes e Comunicação Social, a Banca Examinadora designada para avaliar o Trabalho de Conclusão do

Curso de Graduação em Estudos de Mídia do(a) aluno(a) ______________________________________________________________________,

matrícula UFF _______________________, sob o título __________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

________________________________________________________. Após a argüição, a Banca, em sessão secreta, decidiu-se pela ______________________ do Trabalho, com a nota

___________________, emitindo o seguinte parecer:

______________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________________

____________________________.

Niterói, __________ de ___________________ de __________.

Banca Examinadora:

1 – Professor Orientador: _________________________________________________

2 – Professor Examinador: ________________________________________________

3 – Professor Examinador: ________________________________________________

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Agradecimentos

Gostaria de agradecer aos meus pais, Roselyne e Ricardo, que sempre me apoiaram,

desde o maternal até o último dia na faculdade, não importando quais tipos de

dificuldades apareciam nas nossas vidas.

A agradecer também meu irmão, minha avó Marina, que me ajudava a fazer meus

deveres de casa quando era pequeno e também minha avó Vera, que sempre me

incentivou a estudar.

Aos meus tios (todos eles, que são muitos) em especial ao meu tio Ronaldo, que me

buscava no colégio quando era pequeno, e também a minha tia Tamy, que me ajudou

muitas vezes quando o assunto era matemática. A minha namorada, Nathalia, a quem

amo muito e sempre ficava me cobrando de começar logo e podeis de terminar logo a

minha monografia.

Aos professores Afonso de Albuquerque, José Maurício e a Ariane Holzbach por

fazerem parte da minha banca, mas em especial a Ariane, por ter me dado a

oportunidade de participar de um projeto tão legal quando o Clipestesia e por ter me

dado várias dicas importantes ao longo de faculdade.

Aos meus avôs, in memorian, Roberto e Aldenísio, que infelizmente não puderam

testemunhar minha formatura na faculdade, um sonho de ambos, mas que de alguma

forma estão vendo isso.

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Resumo

Este trabalho tem como objetivo elaborar um panorama geral sobre a convergência midiática e seus desdobramentos, tais como o impacto nas empresas e no público, as formas de apropriação das novas tecnologias. Os desafios e as possibilidades das narrativas transmidiáticas também são abordadas. Como principal suporte teórico foi usado o livro Cultura da Convergência, do professor de Estudos de Mídia Comparada da MIT (Massachussets Institute of Technology), Henry Jenkins.

Palavras-chaves: Convergência Midiática, Narrativa Transmidiática, Convergência Tecnológica

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Abstract

The main objective os this research it´s to offer a main view about media convergence and it´s unfoldings, like the impact in the companies and in the public, the ways of appropriation of new technologies. The challenges and the possibilities of the transmedia narratives are also mentioned. As main theoretical it was used the book “Convergence Culture”, of Compared Media Studies teacher from MIT (Massachussets Institute of Technology), Henry Jenkins.

Keywords: Media Convergence, Narrative Transmedia, Technological Convergence

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Sumário

Introdução.................................................................................... pg. 8

1.Convergência Midiática............................................................. pg. 10

2. Análises .................................................................................... pg. 15

2.1. Revolução na Indústria da Música ................................. pg. 15

2.2.1. Além da tela da TV ..................................................... pg. 19

2.2.2 Pokémon, Convergência e a Cultura do Conhecimento.pg. 25

2.3. Matrix antes, durante e depois do cinema ...................... pg. 26

4. Conclusão ................................................................................ pg. 31

Obras Citadas

Obras Consultadas

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Introdução

A idéia de ter como tema da minha monografia a Convergência Midiática veio

quase que por acaso. Até dezembro de 2008 eu estava pensando em desenvolver o tema

“Migração da TV para a internet”, que de certa forma já tocava um pouco no assunto de

convergência midiática, mas só abracei esse tema mesmo quando encontrei um livro

com um Iphone na capa, em destaque numa livraria. Eu achei que fosse algum livro

técnico, que falasse de Tecnologia da Informação ou coisa parecida, mas mesmo assim

resolvi dar uma folheada nele, e como valeu a pena!

Para começar o autor era um homem chamado Henry Jenkins (o qual nunca

tinha ouvido falar), professor de Estudos de Mídia Comparada, da renomada MIT –

Massachussets Institute of Technology. Fiquei imaginando se esse curso era um irmão

estrangeiro do meu curso de Estudos de Mídia. Pronto, já estava completamente

interessado no conteúdo daquele livro. Comecei a ler a introdução e tive certeza de que

tinha que levá-lo para casa, e foi o que eu fiz. Depois que acabei de ler a introdução já

tinha certeza que teria que falar sobre convergência midiática no meu trabalho de

conclusão de curso porque fiquei muito interessado pelo assunto que o livro de Henry

Jenkins abordava.

Jenkins usava exemplos bem próximos a mim, exemplos que pode-se até chamar

de exemplos “pop”. Programas como Survivor, Pokémon, American Idol, e filmes como

Matrix e Star Wars e os livros de Harry Potter caíram como uma luva para entender as

mudanças que estão ocorrendo graças à convergência midiática. No momento esse

fenômeno ainda está muito ligado a área do entretenimento, como se pode ver pelos

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exemplos citados, mas quem sabe o que o futuro no reserva? Por exemplo, nas últimas

eleições presidenciais norte-americanas, a equipe do então candidato Barack Obama1

criou perfis em sites de relacionamento como o Facebook2 e divulgou suas mensagens

através do site de vídeos Youtube3 e do Twitter4 – todas ferramentas gratuitas que estão

disponíveis na web e que são amplamente usadas por pessoas comuns. E do mesmo

jeito que os candidatos usaram essas ferramentas a seu favor o povo também as usou,

seja para expressar seu apoio ou descontentamento com eles, através de textos em blogs,

protestos em forma de fotos editadas com photoshop5 ou em forma de comunidades no

Facebook ou vídeos amadores hospedados em diversos sites na internet – e esses são só

alguns exemplos do que foi feito.

É impressionante lembramos que há poucas eleições atrás as equipes de

comunicação de um candidato tinham que se preocupar quase que exclusivamente com

a propaganda política na televisão, e em menor escalar, no rádio. Não que a televisão

tenha perdido seu papel de destaque na comunicação entre candidato e eleitor, mas

agora há meios diferentes de se fazer essa comunicação e elas não são tão passivas

como na TV, onde praticamente apenas um lado tem voz.

Neste meu trabalho tento oferecer ao leitor um panorama geral sobre a

Convergência Midiática, o que ela é e como ela já está presente em nossas vidas,

mesmo sem muitas vezes nos darmos conta, como ela está mudando e/ou abrindo novas

possibilidades em termos de produção midiática, tanto para as “pessoas comuns” quanto

para as grandes empresas de comunicação. Procuro fazer isso através de exemplos

extraídos do livro de Jenkins e de outros exemplos os quais comecei a pensar enquanto

lia seu livro, “A Cultura da Convergência”(2008). A parte em que eu abordo o seriado

Lost já tinha sido trabalhada na disciplina de Ficção Seriada. Com as reflexões feitas

durante a leitura do já citado livro eu revisei e ampliei o trabalho que eu tinha feito para

esta disciplina.

1 Ele (Obama) usou o Twitter, o Youtube, publicidade em jogos e coisas que ninguém havia se arriscado antes, e soube aproveitar esta oportunidade”. TEIXEIRA, Paulo Rodrigo. “Mudar? Sim você pode”.2 Site de relacionamentos similar ao Orkut: http://www.facebook.com/ 3 Site para hospedagem gratuita de vídeos: http://www.youtube.com/ 4 Site que permite a troca de mensagens até 140 caracteres: http://twitter.com/ 5 Software para edição de imagens

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Capítulo I

Convergência Midiática

Todos os dias somos testemunhas do fenômeno da convergência midiática. Nos ônibus,

com uma rápida olhada, podemos observar várias pessoas com fones de ouvido

conectados aos seus players de Mp3, Mp4, Mp5 e Ipods, ouvindo músicas, vendo fotos,

lendo e-books, trocando arquivos via Bluetooth6 durante a viagem de ida ao trabalho ou

escola e de volta para casa.

Nas ruas vemos pessoas usando celulares com GPS7, além de os usarem como

câmera filmadora e fotográfica, videogame, televisão (esta última ainda um pouco

difícil de ser ver no Brasil), navegador de internet, envio e recebimento de mensagens

de texto, agenda e, vez ou outra, até como telefone móvel! E isso tudo sem falar do

Iphone, o mais recente queridinho da era digital, o símbolo máximo (ao menos até

agora) da Convergência Midiática.

Mas o que é a “Convergência Midiática”? Temos basicamente duas formas de

entendermos a convergência midiática. Uma é pelo viés tecnológico, representada pelos

aparelhos eletrônicos que conseguem executar várias funções diferentes, além daquela

função básica para o qual foi feito. O celular é um exemplo perfeito disso.

O celular é um aparelho ao qual estão convergindo várias mídias: O videogame,

a TV, o rádio, as músicas em formato digital, as mensagens de texto, além de sua função

6 Bluetooth é uma especificação industrial para áreas de redes pessoais sem fio. O Bluetooth provê uma maneira de conectar e trocar informações entre dispositivos como telefones celulares, notebooks, computadores, impressoras, câmeras digitais e consoles de videogames digitais através de uma freqüência de rádio de curto alcance.7 Sistema de Posicionamento Global, popularmente conhecido por GPS (do inglês Global Positioning System), aparelho usado para localização no globo terrestre. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Gps

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básica, que é servir como telefone móvel. Se antes, para termos acesso a todas essas

mídias, precisávamos de um aparelho de rádio, de uma TV, de um computador, de um

pager, de um videogame, de um cd player, hoje temos todas essas mídias convergindo

para um único aparelho.

A segunda forma de pensarmos a convergência midiática é a apresentada por

Henry Jenkins (2008)8. Ele compreende que convergência midiática vai além de

aparelhos eletrônicos com múltiplas funções. Jenkins refere-se à convergência como:

“o fluxo de conteúdos através de múltiplos suportes midiáticos, à cooperação entre múltiplos mercados midiáticos e ao comportamento migratório dos públicos dos meios de comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de entretenimento que desejam”. (JENKINS, 2008, p. 27.)

Percebe-se que a idéia de convergência midiática de Jenkins aborda não só o

viés tecnológico, mas também as novas relações de produção midiática, tanto entre as

diferentes indústrias de mídia, que tem que interagir cada vez mais entre elas mesmas,

por causa dos seus produtos em comum, quanto à relação entre a indústria e os

consumidores, que graças às novas tecnologias disponíveis, em especial a internet, estão

cada vez mais influenciando no desenvolvimento dos produtos midiáticos que eles

mesmos consomem.

A interação entre os mercados midiáticos não é exatamente novidade. Na década

de 90 não eram raros os filmes que ganhavam seus jogos de videogames (e até mesmo o

contrário, videogames de sucesso que ganhavam versões cinematográficas), histórias

em quadrinhos que viraram filmes e videogames, Games que viravam quadrinhos, e por

aí vai. Porém o diálogo entre os diferentes nichos da indústria ainda não era muito forte.

Por exemplo, os filmes baseados nos videogames de enorme sucesso, Super

Mario Bros e Street Fighter9 foram verdadeiros fracassos de crítica e público, mesmo

contando com uma grande legião de fãs dos games prontos para gastarem seu dinheiro

indo aos cinemas para assistir as versões cinematográficas dos personagens que tanto

gostavam. O motivo básico para o fracasso de tais filmes foi o fato deles não terem

respeitado o universo narrativo dos videogames nos quais foram inspirados.

8 JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. São Paulo: Aleph, 2008. p. 27.9 Fonte: http://www.interney.net/blogs/melhoresdomundo/2009/02/27/ign_assitiu_street_fighter_the_legend_of/#more30697 (acessado em 06 – 05 – 09).

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Em Street Fighter, os personagens principais do videogame eram dois amigos, o

japonês Ryu (o protagonista) e Ken, seu amigo americano. Por vícios do cinema

Hollywoodiano, o personagem Guile, um militar americano, foi alçado ao posto de

personagem principal do filme, o que por si só já é uma grande decepção para os fãs do

videogame. Somando-se isso ao roteiro sofrível e as péssimas atuações do atores, temos

um filme que tinha um enorme potencial de bilheteria e de se tornar um filme

inesquecível para os fãs, se tornar um fracasso comercial e sinônimo de como não se

fazer uma adaptação cinematográfica.

O caso de Super Mario Bros foi tão ruim ou até pior do que o de Street Fighter.

Além do game ser um grande sucesso a franquia já tinha se desdobrado em desenhos

animados para a TV e histórias em quadrinhos. Os fãs já tinham grande conhecimento

do produto principal (os videogames) e dos derivados (quadrinhos e desenhos

animados). Até mesmo quem nunca tinha jogado o game, mas assistia os episódios na

TV ou lia as histórias em quadrinhos, tinha um conhecimento razoável no universo de

Super Mario Bros. Na adaptação pro cinema manteve-se apenas os nomes dos

personagens principais e algum resquício da história que os fãs conheciam.

A caracterização dos personagens foi alterada, os cenários repletos de cores

vivas e cheio de natureza foi trocado por um cenário futurístico com um ambiente feio e

degradado, que não lembrava em nada aquele universo que os fãs conheciam.

Resultado: Outro fracasso comercial, que ficou na mente dos fãs como uma péssima

recordação.

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(Figura 1: Comparação entre as versões do personagem Koopa, o vilão dos games Super Mario Bros. O da esquerda é a versão cinematográfica, e o da direita a versão do videogame. A descaracterização é gritante10.)

Tivessem os produtores desses videogames conversado ou mesmo trabalhado

em conjuntos com os roteiristas e produtores dos filmes, respeitando as características

principais dos produtos midiáticos em que foram inspirados, eles provavelmente teriam

produzido filmes que agradariam muito mais aos fãs, e consequentemente teriam obtido

muito mais bilheteria. Hoje em dia há mais integração entre as equipes de produção que

trabalham com um mesmo conteúdo em diferentes meios. A franquia Harry Potter é um

exemplo disso. Com o sucesso dos livros a história foi logo adaptada para o cinema, e

depois para os videogames, obtendo êxito em ambas as mídias.

Tanto os filmes quantos os jogos de videogame respeitaram o universo ficcional

construído nos livros escritos por J.K Rowling, a autora de Harry Potter, e isso

concerteza contribuiu para o sucesso multimidiático da franquia, diferentemente do que

ocorreu em Street Fighter e Super Mario Bros, onde os universos ficcionais de ambos

foram muito modificados.

Felizmente com o passar do tempo os consumidores/fãs de videogames, música,

cinema, televisão e quaisquer outros produtos culturais e midiáticos ganharam uma

arma poderosa: A internet. Não que ela não existisse já na década de 90, mas seu uso

ainda era muito restrito e estava apenas engatinhando. Com a internet as pessoas

ganharam voz através de sites, blogs, redes de relacionamento (tipo Orkut, Facebook,

entre outros) e fóruns virtuais.

Os fãs agora podem se reunir em espaços virtuais para discutir sobre seus

objetos de interesse. Por exemplo, nas comunidades no Orkut sobre o seriado Lost a

prática mais recorrente e divertida para os fãs é cada um postar sua teoria sobre o que

viu no último episódio exibido na televisão, juntando as informações com o de

episódios passados11. Os fãs procuram referências na internet para dividir com os outros

fãs, formando a consciência coletiva (DERY Apud SÁ, p.48)12sobre Lost dos

10 Imagens disponíveis em http://www.areavoices.com/hodgepodge/index.cfm?archive=2008-04 e http://www.gametrailers.com/users/timidshadow/gamepad/?action=viewblog&id=142528 em 26 – 06 – 2009.11 http://www.orkut.com.br/Main#CommTopics.aspx?cmm=467672&q=teoria (acessado em março/2009).12 SÁ, Simone Pereira de. O samba em rede: Comunidades virtuais, dinâmicas identitárias e carnaval carioca. E – Papers Serviços Editoriais, Rio de Janeiro, 2005.

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freqüentadores daquela determinada comunidade. Falarei sobre Lost mais

detalhadamente adiante.

O mesmo acontece com outros produtos, como reality shows, filmes, desenhos

animados, livros e música. Existem comunidades tanto para a adoração quanto para

odiar certos produtos midiáticos. Nelas as pessoas podem fazer mais do que discutir,

elas podem dividir os conteúdos midiáticos oficiais através de downloads e produzir

novos produtos derivados a partir dos originais, como spoofs (uma espécie de paródia)

de videoclipes de músicos e bandas famosas, filmar curtas-metragem que continuam,

complementam ou reinventam histórias de filmes, escrever fan-fiction (“ficção de fã”,

uma história escrita por um fã ou fãs de alguma obra, que usam seu universo narrativo

original mas criam histórias próprias a partir dele) inspirados em livros, filmes, seriados,

histórias em quadrinhos, etc.

Todo esse movimento dos fãs, que não se contentam em apenas contemplar uma

obra, mas querem obter algo a mais com ela, é considerado por Jenkins como parte

importante da Convergência midiática. São as pessoas se apropriando das tecnologias

para interagir, modificar e reconstruir o conteúdo midiático produzido e distribuído

pelas grandes empresas de comunicação e entretenimento.

As empresas já perceberam isso, embora ainda estejam aprendendo a lidar com

essa nova realidade. Há alguns bons exemplos de como as empresas estão

reconfigurando seus negócios diante das mudanças tecnológicas e de consumidores

mais ativos (assim como há também maus exemplos de empresas processando pessoas

que distribuem música na internet, sem fins lucrativos, ou mesmo fãs que escrevem ou

filmam fan-fictions). A seguir mostrarei exemplos de mudanças em três campos

diferentes: Na música, na televisão e no cinema.

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Capítulo 2

Análises

2.1 Revolução na indústria da música

Desde o final da década de 90, mas precisamente no ano de 1999, a indústria da

música vem decaindo graças ao compartilhamento de músicas através da internet. Note

que a indústria tradicional da música vem decaindo, com vendas cada vez mais baixas

de CD´s, porém não o consumo de música em si. Provavelmente nós nunca ouvimos

música com tanta variedade a acessibilidade como hoje em dia. Toda essa mudança, e

porque não chamar isso de “revolução”, começou com o primeiro programa de

compartilhamento de arquivos MP313 a se tornar mundialmente popular, o Napster.

O Napster permitia que pessoas que estivessem conectadas a internet e que

usassem o programa pudessem compartilhar suas músicas de forma gratuita. O sucesso

foi estrondoso e teve seu auge em janeiro de 2001, quando o programa conseguiu

conectar mais de oito milhões de usuários que trocavam aproximadamente vinte

milhões de músicas14.

O sucesso do Napster não passou despercebido pelas gravadoras que, ainda em

2001, representados pela RIAA (Recording Industry Association of America) moveram

e ganharam vários processos por quebra de direitos autorais (inclusive com o apoio de

bandas famosas, como o Metallica, o que irritou muitos fãs da banda ao redor do

13 MP3 é um formato que permite armazenar músicas e arquivos de áudio no computador em um espaço relativamente pequeno, mantendo a qualidade do som. Os arquivos MP3 também podem ser armazenados e reproduzidos em players de música (ex. Ipod), celulares e em cd´s e dvd´s.14 Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Napster (acessado em 27 - 04 – 2009).

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mundo15). O Napster foi obrigado a “fechar as portas” e o serviço foi desativado. Algum

tempo depois ele foi comprado por uma empresa que fabrica softwares para gravação de

CD´s e DVD´s e passou a vender músicas em formato MP3, sendo um dos primeiros

serviços de venda de músicas em formato “não-físico”. Mesmo com a vitória das

gravadoras contra o Napster o estrago já estava feito e os fãs de música descobriram um

novo jeito de consumir e de se relacionar com ela.

Desde o ano 2000 as vendas de CD´s de música vem diminuindo e os arquivos

de MP3 ganhando cada vez mais força. O fechamento do Napster inspirou e motivou

ainda mais as pessoas a buscarem meios de se trocar gratuitamente música pela internet.

Novos serviços como Soulseek16, Kazaa17, Emule18, Limewire19, Bitcomet20, além de

blogs e sites especializados em músicas nasceram. Claro que do ano 2000 até hoje

alguns novos serviços surgiram e outros desapareceram, mas de uma forma geral esses

são os mais representativos.

As gravadoras cedo ou tarde, acabam descobrindo esses serviços e entram na

justiça para fechá-los. Os processos, apesar de sempre favoráveis as gravadoras, levam

muito tempo até serem concluídos, e quando elas conseguem fechar um serviço outros

nascem para ficar em seu lugar. O caso mais recente foi o da prisão dos suecos

responsáveis pelo site Pirate Bay21, o serviço mais popular a nível mundial a oferecer

troca de arquivos entre os usuários, não só de músicas, mais de filmes, videogames,

histórias em quadrinhos, livros, programas de computador, entre outros.

Apesar dos donos do serviço terem sido julgados, presos e condenados pela

justiça sueca a pagar uma multa de 4,5 milhões de dólares eles já informaram que não

irão pagá-la porque simplesmente eles não tem dinheiro pra isso. O Pirate Bay não

hospeda nenhum arquivo, ele apenas indica links para os arquivos que estão hospedados

nos computadores dos usuários do serviço. Os donos já informaram aos usuários que,

mesmo presos, o site continua funcionando normalmente22.

15 Fonte: http://www.rollingstone.com.br/secoes/novas/noticias/2274/ (acessado em 27 – 04 – 2009)16 www.slsknet.org/ 17 http://www.kazaa.com/ 18 http://www.emule-project.net/home/perl/general.cgi?l=30 19 www. limewire .com/ 20 http://www.bitcomet.com/ 21 http://thepiratebay.org/browse (acessado em 27 – 04 – 2009)

22 Fonte: http://www.vorty.com/fundadores-do-the-pirate-bay-presos (acessado em 27 - 04 – 2009).

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No Brasil o caso mais recente e de maior comoção foi o fechamento da

comunidade “Discografias”23, criada por usuários do Orkut24. A APCM25 (Associação

Antipirataria de Cinema e Música) ganhou na justiça o direito de fechar a comunidade,

que era usada por mais de um milhão de pessoas para trocas de música. Assim como o

Pirate Bay a Discografias não hospeda nenhum arquivo, apenas aponta e organiza os

links que são hospedados pelos usuários em outros sites na internet.

Essas ações em nada ajudaram a melhorar as vendas de CD´s. Pelo contrário, os

fãs que utilizam esses meios eletrônicos logo criam novos espaços. No caso da

comunidade Discografias foi muito fácil verificar tal fato: Fazendo uma rápida pesquisa

no Orkut encontrei três comunidades com o mesmo perfil e estrutura da “finada”

comunidade, sendo que uma delas utilizava o irônico título de “Discografias – O

Retorno”26, e aparecia, em sua descrição, que os usuários daquela comunidade

compartilhavam músicas sem nenhum fim lucrativo.

William Winston27 argumentava que, com a convergência tecnológica,

alcançaríamos “maior liberdade humana”, “mais poder ao povo” (1995). De fato isso

aconteceu. Depois do Napster ficou muito mais fácil conseguirmos ouvir músicas que

não tenham passado pelo funil das gravadoras, que investem pesado apenas nos grandes

hits, nas músicas de sucesso, que são tocadas a exaustão nas rádios e na TV, dando a

impressão ao público leigo em música que praticamente não existem outras ofertas de

música além dos grandes sucessos veiculados pela televisão e rádio e que podem ser

facilmente encontrados a venda nas grandes lojas de departamentos. O Napster, e

posteriormente outros meios de troca de músicas via internet, mudaram

significativamente esse cenário:

“Eu sei, por exemplo, que o Napster despertou de novo meu interesse pela exploração de novas músicas, paixão que agora se tornou mais fácil (e legal) com a Rhapsody, que provavelmente dobrou meus gastos com música. E minha

23 Fonte: http://www1.folha.uol.com.br/folha/informatica/ult124u535222.shtml (acessado em 27 - 04 – 2009).24 http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=6244330 (acessado em 27 – 04 – 2009).25 http://www.apcm.org.br/index.php (acessado em 27 -04 – 2009).26 http://www.orkut.com.br/Main#Community.aspx?cmm=56139232 (acessado em 27 -04 -2009).27 Winston Apud Briggs & Burke, p. 302.

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família decerto vê mais DVD´s, graças ao Netflix28.” ANDERSON, 2006, p. 173-174)29.

Segundo Anderson, há um “exército” nas ruas de Nova Iorque com fones

brancos nas orelhas (numa alusão ao player Ipod, um aparelho portátil que serve para

ouvir músicas em formato digital), que sem dúvida está ouvindo mais música do que as

gerações passadas, mas isso não quer dizer que eles estejam comprando mais música:

“As vendas de CD´s caíram quase 20% desde o lançamento do Ipod. Assim sendo, como os consumidores estão ocupando seus espaçosos discos rígidos portáteis e seus chips de memória Flash? Copiando CD´s de amigos, baixando-os de serviços gratuitos ponto - a - ponto (cujo tráfego continua aumentando, apesar das ocasionais campanhas legais restritivas) e trocando-os através de LAN´s, entre as paredes dos dormitórios das universidades”. (idem).

Diante deste quadro, o que podem fazer as gravadoras? Público consumidor de

música não falta, pelo contrário, nunca foi tão grande, mas o público disposto a pagar

pela música provavelmente nunca esteve tão baixo. Pelo andar da carruagem, o caminho

a ser seguido pelas gravadoras é investir em iniciativas como o iTunes Store e

Rhapsody, que vendem músicas via internet em formato Mp3, onde a pessoa não precisa

comprar um álbum inteiro de determinado artista, mas apenas aquelas músicas que ela

escolher.

No caso do Rhapsody o serviço vai além da venda de Mp3, oferecendo um

serviço que se assemelha a uma “rádio por demanda”, onde o usuário escolhe seu plano

mensal e tem direito a ouvir todo o acervo da Rhapsody, algo em torno de seis milhões

de músicas, criar playlists30e ouvir playlists oferecidas pelo programa ou feitas por

outros usuários. A principal diferença é que o usuário não paga por faixa baixada, mas

paga um preço fixo pra ter acesso a todas às músicas disponíveis. É como se uma pessoa

pudesse montar sua própria estação de rádio particular e dividi-lá com outras pessoas.

Não foi a toa que a revista Fortune disse, em 2007, que a Rhapsody, e não a ITunes,

seria o futuro da música31.

28 Netflix é um serviço online que se assemelha a uma videolocadora. Através do site do serviço você escolhe filmes ou programas da TV que quer “alugar”. Depois de escolhido o serviço manda o arquivo diretamente para o email do cliente, para ser assistido no computador, ou então diretamente para uma TV, através da tecnologia stream. Após expirar a locação, a transmissão via stream acaba ou o arquivo que está no PC não pode mais ser acessado. Atualmente a Netflix conta com mais de 100.000 títulos no catálogo. Fonte: http://www.netflix.com/Default 29 ANDERSON, Chris. A Cauda Longa – Do Mercado de Massa para o Mercado de Nicho. São Paulo: Campus, 2006. p. 173-174.30 Playlist, numa tradução livre, seria uma “lista de músicas”.31 Traduzido da página http://learn.rhapsody.com/awards (acessada em 06 - 05 – 2009).

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Este caminho aposta no “comportamento migratório dos públicos dos meios de

comunicação, que vão a quase qualquer parte em busca das experiências de

entretenimento que desejam” (JENKINS, 2008). Em outras palavras o futuro da

indústria da música depende da convergência midiática, no sentido do público migrar

para conseguir o que quer. Nesse caso seria a migração do público das lojas de música,

das emissoras de rádio, do formato físico do cd, para a virtualidade da internet, onde ele

tem um papel ativo na escolha do que vai consumir e um leque de escolhas

infinitamente superior a qualquer loja física que possa existir.

Esse comportamento mais ativo na hora de consumir música começou a ser

encorajado pelo Napster e agora a indústria da música não tem mais como fazer o

público voltar atrás. Se o consumo de música das pessoas já não pode mais ser tão

induzido como era antes da febre de distribuição de música na internet, então há de se

ensinar o homem a pescar, ou seja, dar ao público as ferramentas de busca e o ensinar a

usar, para que possa tirar algum proveito, em termos econômicos, disso.

Novos modelos de contrato entre artistas e músicos também estão surgindo. Em

vez da gravadora lucrar com a vendas dos CD´s elas passam a ganhar uma porcentagem

dos shows das bandas e músicos. Isso as obriga a fazerem um bom trabalho de

divulgação para seus contratados e a estarem sempre atrás de shows para eles. No Brasil

a banda Detonautas foi uma das primeiras a ter um contrato nesses moldes.32

2.2.1 Além da tela da TV

Em matéria de convergência midiática poucos produtos se comparam ao seriado

televisivo Lost. Embora existam seriados e programas de TV que possuam produtos

derivados e comunidades de fãs na internet, poucos souberam aproveitar as

possibilidades transmidiáticas do mesmo jeito que a produção deste seriado norte-

americano.

Lost foi considerado o segundo programa de TV mais popular do mundo em

200633, e certamente continua sendo um dos mais populares até hoje, em parte pela sua

trama e em parte graças às estratégias de marketing, sendo algumas pioneiras, como a

32 Fonte: http://musica.terra.com.br/interna/0,,OI2738909-EI1267,00.html (acessado em 01 – 05 – 2009).33 Segundo uma pesquisa da Informa Telecoms, realizada em 2006, Lost é o segundo programa televisivo mais popular do mundo, perdendo apenas para o seriado CSI Miami. Fonte: http://news.bbc.co.uk/1/hi/entertainment/5231334.stm (acessado em 18 - 05 – 2009).

19

Page 20: “UM PANORAMA GERAL DA CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA”

Lost Experience (a qual abordarei mais adiante), e o incentivo por parte da produção do

programa para que os fãs da série, em todo o mundo, interajam entre eles, ou seja, que

interajam entre iguais, principalmente via internet.

O seriado foi lançado em 2004 pela rede de TV norte-americana ABC. Ele nos conta

a estória dos sobreviventes de um acidente aéreo, de um voo que saiu da Austrália rumo

aos Estados Unidos, e que por motivos desconhecidos cai numa ilha em que ninguém os

consegue encontrar. Diferentemente das narrativas mais convencionais sobre desastres

de aviões, o espectador não é levado a conhecer os personagens a partir de um momento

anterior ao vôo até o momento do acidente. Ele é apresentado a um cenário caótico onde

os sobreviventes, completamente confusos e desesperados, tentam entender o que

aconteceu em meio aos feridos e aos destroços do avião.

Alguns dos atrativos que fazem o sucesso de Lost é a grande quantidade de segredos

contidos na trama. Em Lost o improvável acontece e na maioria das vezes sem

explicação imediata. Alguns segredos são revelados alguns episódios depois que

surgem, enquanto outros permanecem até hoje, após o final da quinta temporada, sem

resposta.

E esses segredos contidos na série são exatamente o grande trunfo dos

produtores para explorarem outras mídias para além dos episódios regulares que passam

na TV. Sob o pretexto de possibilitar aos fãs investigarem os segredos da ilha e de seus

personagens e entidades, foram lançados mobisódios34 (chamados oficialmente de Lost:

Missing Pieces), que são episódios produzidos para serem distribuídos e vistos através

de determinados aparelhos de telefone celular, com duração variando de dois a três

minutos35. Os mobisódios eram primeiramente distribuídos para celulares da marca

Verizon e seis dias depois estavam disponíveis no site da rede ABC36, para que todos os

fãs pudessem assistí-los. Em questão de pouco tempo os mobisódios postados no site da

ABC logo se espalhavam pelo Youtube e outros blogs e sites.

Feito pelo mesmo elenco e produção que faz a série, os mobisódios mostram

novas situações que são incorporados dentro da cronologia de Lost, e como tais, são

considerados como uma extensão oficial da série. Os mobisódios eram lançados

semanalmente, levando até a abertura da 4ª temporada.

34 Numa tradução livre do termo original, em inglês, “mobisodes”.35 Fonte: http://pt.lostpedia.com/wiki/Mobis%C3%B3dios (acessado em 20 – 05 – 2009).36 http://abc.go.com/primetime/lost/missingpieces/index?pn=index (acessado em 20 – 05 – 2009).

20

Page 21: “UM PANORAMA GERAL DA CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA”

Os mobisódios complementam os episódios regulares que passam na TV. Eles

preenchem pequenas lacunas de um episódio passado ou então adicionam uma

informação extra que pode vir a ser relevante no futuro da série. Os Mobisódios, além

de mostrar situações que os episódios da TV não mostram, dão destaque a outros

sobreviventes da ilha, que não tem destaque algum nos episódios regulares na TV.

Muito embora Lost seja um sucesso de público os mobisódios não tem a mesma

audiência que os episódios da série. Primeiro porque os downloads pelo celular estão

disponíveis para poucas pessoas, somente para aquelas que possuem um aparelho de

uma determinada marca e mesmo assim, somente as que estão em determinados países,

e isso faz com que não haja um marketing oficial para divulgação dos mobisódios em

lugares onde o download via celular não está disponível, ficando o conhecimento da

existência destes quase que restrita aos fãs mais hardcore de Lost, aqueles fãs que

procuram informações em comunidades virtuais na internet e em blogs e sites de outros

fãs, bem próximo do perfil das pessoas que estão interagindo com as novas produções

midiáticas, que Jenkins fala na abertura do seu livro.

E no fim das contas os mobisódios servem justamente pra isso, para dar uma

experiência extra para os fãs mais afoitos de Lost, ou até mesmo para criar um “sistema

de classes” entre os fãs do seriado. Há aqueles que apenas assistem os episódios na TV,

há aqueles que assistem os episódios e os mobisódios, e há aqueles que assistem ambos

e que ainda vão à internet procurar informações escondidas nos episódios e discuti-las

com outros fãs, através de fóruns e sites. Os fãs que assistem aos mobisódios se sentem

mais investigadores que aqueles que não assistem, conhecendo personagens secundários

que talvez nunca venham a ter nenhum destaque nos episódios regulares e conhecendo

situações que os outros espectadores da série ignoram. Talvez, devido a essas “classes”

de fãs de Lost, tenha surgido a Lostpedia37, uma espécie de “Wikipédia” exclusivamente

sobre Lost, que serve para reunir e catalogar toda e qualquer informação sobre o seriado,

para que os fãs possam procurá-las em um único lugar, de forma organizada.

Além de incentivar os fãs a investigarem os segredos da trama, os mobisódios foram

uma estratégia de marketing para manter as pessoas se lembrando de Lost, durante o

intervalo entre o fim da terceira temporada e o início da quarta, gerando expectativa

entre os fãs e mantendo alta o interesse do público em geral pelo seriado, numa época

37 http://pt.lostpedia.wikia.com/wiki/Pagina_Principal (acessado em 21 - 05 – 2009).

21

Page 22: “UM PANORAMA GERAL DA CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA”

em que o interesse dos telespectadores tender a cair, que é quando a produção do

programa acaba de filmar uma temporada e entra de férias, até retomar as gravações e

começarem a exibir uma nova temporada.

Para suprir os fãs há ainda outros produtos para além dos episódios televisivos:

Podcasts, comunidades virtuais, sites e livros. Um podcast é parecido com um

programa de rádio, só que pode ser feito com poucos recursos técnicos e sua principal

finalidade é a de ser distribuído gratuitamente via internet através de downloads. Há o

podcast oficial de Lost, feito pelos produtores executivos Damon Lindelof e Carlton

Cuse, que conta com comentários dos episódios feitos pelos mesmos, além de

entrevistas com os atores. Há também os podcasts feitos por fãs que querem discutir

sobre a série e querem apresentar suas teorias sobre a estória de Lost, como o do site

brasileiro Lost in Lost38, que inclusive faz parte do portal de internet da Rede Globo, que

é a emissora que exibe o seriado, pela tv aberta, no Brasil. Esse fato ajuda a demonstrar

a importância que as grandes empresas de comunicação estão dando a esse tipo de

conteúdo transmidiático, um conteúdo extra e/ou complementar ao conteúdo principal,

que nesse caso, são os episódios seriados na televisão.

As comunidades virtuais são uma experiência a parte em Lost. Mesmo que muitos

dos espectadores do programa efetivamente não participem de nenhuma comunidade

sobre o seriado há um número considerável de fãs que participam delas e discutem

seriamente sobre Lost. Nessas comunidades os fãs partilham suas teorias sobre a ilha e

seus mistérios, discutem sobre os personagens e os rumos da série, procuram pistas

escondidas nos episódios (como o símbolo da empresa fictícia chamada “Dharma

Iniative” na barbatana de um tubarão, numa imagem que dura apenas um segundo mas

foi notada graças a fãs fervorosos que gravaram ou baixaram o episódio e puderam usar

o recurso de pausa para “estudar” a cena) que possam revelar algum segredo da trama.

Há também muitos livros sobre Lost. Procurando no site submarino.com.br39

encontrei doze livros sobre a série. Os livros variam desde guias de episódios, pesquisas

acadêmicas até narrativas paralelas de sobreviventes que não aparecem no seriado. O

que tem a proposta mais interessante é o livro Bad Twin40, escrito por um autor fictício

38 http://colunas.tv.globo.com/lostinlost/?s=podcast (acessado em 21 – 05 – 2009). 39 http://www.submarino.com.br/books_searchresults.asp?Query=ProductPage&ProdTypeId=1&WhichForm=frmSearch&Search=lost&SearchBy=Palavra-chave (pesquisa feita em 24 – 05 – 2009).40Fonte: http://observatorio.ultimosegundo.ig.com.br/artigos.asp?cod=369ASP011

22

Page 23: “UM PANORAMA GERAL DA CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA”

chamado Gary Troup, (anagrama para purgatório, em inglês purgatory, em uma

referência a ilha) que no universo de Lost é um famoso escritor, que desapareceu no vôo

815, tendo sido Bad Twin seu último trabalho. O manuscrito de seu livro foi encontrado

em um dos episódios da segunda temporada. Contudo, o livro se mostrou uma decepção

para quem buscava segredos sobre o seriado, sendo considerado por fãs e críticos como

uma tentativa de marketing mal-sucedida (AZEREDO, 2007).

Mas independente de ser uma tentativa de marketing fracassada ou uma narrativa

transmidiática, o interessante é notar como há um público que está disposto a gastar

tempo, dinheiro e dedicação para continuar imerso no universo ficcional do seriado,

mesmo que seja em um meio totalmente diferente do produto primário, o

televisivo.Como Afirma Danny Bilson, vice-presidente de propriedade intelectual da

Eletronic Arts41:

“(...) as pessoas vão querer se aprofundar naquilo de que gostam, em vez de experimentar amostras de várias coisas. Se existe algo que eu adoro, quero que seja maior do que apenas duas horas no cinema, ou a experiência de uma hora semanal na TV. Quero um aprofundamento do universo.” (Jenkins Apud Bilson, 2008, pg. 147).

E é misturando marketing com material extra da série que seus produtores

lançaram um ARG42 – um jogo de realidade alternativa – chamado Lost Experience.

Esse jogo foi um complemento da série disponível apenas na internet. Nele o jogador

deve ajudar a personagem Rachel Blake, que após a morte de sua mãe decide investigar

como esta conseguiu pagar sozinha seus estudos em colégios caríssimos, mesmo tendo

poucos recursos financeiros. A partir daí o jogador, em parceria com a fictícia

personagem, que é interpretada por uma atriz, descobre coisas estarrecedoras sobre a

Fundação Hanso, fundação esta que é citada em episódios de Lost e faz parte dos

mistérios encontrados no seriado. A grande sacada de Lost Experience foi misturar

realidade e ficção. A medida que Rachel Blake progredia em suas investigações ela

postava textos e vídeos na internet, a fim de “desmascarar” a Hanso43 no melhor estilo

“teoria da conspiração”. A interação entre jogador/personagem se da toda via internet,

tal como se fossem duas pessoas reais que se ajudam através do ambiente virtual.

41 Empresa fabricante de videogames.42 Sigla em inglês para Alternative Reality Game.43 Os textos e vídeos foram publicadoss nos endereços www.rachelblake.com, www.hansoexposed.com e http://stophanso.rachelblake.com/index2.html.

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Page 24: “UM PANORAMA GERAL DA CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA”

Os fãs de Lost foram convidados por Rachel a verem os vídeos feitos por ela e a

encontrarem barras do chocolate Apollo, que conteriam fotos que deveriam ser

mandadas para ela. Quando todas as barras tivessem sido encontradas ela poderia

revelar um segredo sobre a Fundação Hanso. Os chocolates, assim como outras pistas

de Lost Experience, que os fãs deveriam encontrar para ajudar Rachel Blake variavam

por continente, então, os participantes tinham que coordenar as informações via internet.

A Rede ABC disse que o jogo foi projetado para atingir os fãs e também as pessoas que

até o momento não conheciam ou assistiam Lost.44

O ápice de Lost Experience se deu quando a personagem Rachel Blake apareceu em

meio à platéia da San Diego Comic-con45 de San Diego, EUA, 2006. Enquanto os

roteiristas da série, Damon Lindelof e Carlton Cuse, conversavam com a platéia, Rachel

Blake (sendo interpretada pela atriz contratada) se levanta e critica os roteiristas por

permitirem que a Fundação Hanso "prove a eles como é uma grande organização

filantrópica ao comprar o caminho deles para o seriado com dólares em propagandas”.

Perto do final do discurso irado, ela instrui a todos os que querem saber da verdade a

acessarem o site www.hansoexposed.com. Esse ocorrido quebra a “quarta parede”46 do

seriado, misturando ficção com realidade, quando uma personagem de um fictício de

um jogo surge ao vivo diante dos fãs, fazendo a ficção interagir com a realidade .

2.2.2 – Pokémon, Convergência e a Cultura do Conhecimento

Apesar de tudo isso, talvez a narrativa transmidiática mais popular até agora não

seja a de Lost, com seus episódios de TV, Mobisódios, ARG´s, Videogames e Livros,

mas sim a de um desenho infantil chamado Pokémon. Como explicam os professores de

pedagogia David Buckingham e Julian Sefton-Green (JENKINS Apud BUCKINGHAM

& SEFTON-GREEN, p. 177), Pokémon não é algo que os fãs apenas assistem ou

44Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Lost_Experience45 San Diego Comic Com é uma convenção de fãs de produtos da indústria de entretenimento, tais como seriados de TV, cinema, desenhos animados, mas principalmente de histórias em quadrinhos, que ocorre anualmente em San Diego, Estados Unidos. E nesse evento que várias empresas mostram suas principais novidades ou promovem a interação entre produtores, roteiristas, atores e fãs.46 O ato de derrubar a quarta parede é usado no cinema, no teatro, na televisão e na arte escrita, originado da teoria do teatro épico de Bertolt Brecht. Refere-se a uma personagem dirigindo a sua atenção para a platéia, ou tomando conhecimento de que as personagens e ações não são reais. O efeito causado é que a platéia lembra-se de que está a ver ficção, e isso pode eliminar a suspensão de descrença. Fonte: http://pt.wikipedia.org/wiki/Quarta_parede

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Page 25: “UM PANORAMA GERAL DA CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA”

consomem, mas sim algo que eles fazem e participam. Mas por que Pokémon é

diferente de qualquer outro desenho animado?

No universo narrativo de Pokémon existem centenas de criaturas diferentes, com

múltiplas formas evolucionárias, cada uma tendo seu ponto fraco e seu ponto forte e

com jeitos específicos de serem tratadas. A missão do protagonista do desenho animado,

assim como a da pessoa que joga os videogames baseados na série, é pegar o maior

número possível de Pokémons e ganhar todas as batalhas. Aprender as informações

sobre as centenas de criaturas existentes no universo de Pokémon é uma tarefa um tanto

difícil para as crianças fazerem sozinhas;

“em vez disso, a criança reúne seu conhecimento sobre Pokémon a partir de diversas mídias (TV, internet, revistas, videogames, cards47), e o resultado é que cada criança sabe alguma coisa que seus amigos não sabem e, portanto, tem a chance de compartilhar sua expertise com outros”. (JENKINS, 2008, p. 177)48

Resumidamente o que acontece é que as crianças usam as informações que

viram no desenho animado e as usam no videogame e nos jogos de cards. Para fazer

parte da cultura de Pokémon “é preciso buscar ativamente novas informações e novos

produtos e, fundamentalmente, se envolver com outras pessoas ao fazê-lo” (JENKINS,

2008). Para Lévy49 (1998), desenhos como Pokémon ajudam a preparar as crianças para

uma cultura do conhecimento mais sofisticada do que as escolas ensinam. Enquanto elas

ainda se concentram em criar “aprendizes autônomos”, Pokémon faz parte de uma

cultura do conhecimento colaborativo, em que o saber segue uma linha horizontal,

dividindo conhecimento entre iguais, diferentes do sistema escolar, em que o ensino é

verticalizado, fluindo de pessoas que detêm uma determinada autoridade.

Para Castells50, o público desenvolveu um interesse, ainda que limitado, em

hipertextos. Consumidores mais jovens, que já nasceram ou cresceram em meio à

abundância e facilidade de acesso informação que a internet proporciona,

“tornaram-se caçadores e coletores de informações, tendo prazer em rastrear os antecedentes de personagens e pontos de enredos, fazendo conexões entre diferentes textos dentro da mesma franquia (...) Numa cultura de caçadores, as crianças brincam com arco e flecha. Na sociedade da informação, elas brincam com informação” (JENKINS, 2008, pgs. 178-179).

47 Cartões com ilustrações e informações dos personagens do desenho animado.48 O trecho entre parênteses foi adição minha.49LÉVY, Pierre. A Inteligência Coletiva: por uma antropologia do Ciberespaço. São Paulo: Loyola, 1998.50 CASTELLS, Manuel. A Galáxia da internet: Reflexões sobre a Internet, os negócios e a sociedade. Rio de Janeiro: Jorge Zahar, 2003.

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Page 26: “UM PANORAMA GERAL DA CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA”

Tal afirmação não é válida somente para Pokémon ou para outras franquias

infantis, mas também para outros produtos midiáticos com públicos bem diferentes,

como Lost ou a franquia Matrix, que abordarei adiante.

2.3 Matrix antes, durante e depois do cinema

O ano de 1999 deixou marcas significativas na indústria cinematográfica

hollywoodiana. Neste ano foi lançada uma leva de filmes que tinham uma narrativa não-

linear, reflexo do novo público freqüentador de cinema, que cresceu acostumado a

mídias não-lineares, como a internet e principalmente videogames. Essa parcela do

público estava preparada para um novo tipo de narrativa cinematográfica. Clube da

Luta, Corra Lola Corra, A Bruxa de Blair, O Sexto Sentido e Matrix são alguns bons

exemplos de narrativas não-lineares.

Matrix foi o projeto que levou, até agora, ao limite a narrativa não-linear. A

narrativa de Matrix foi pensada para diversos meios, foi pensada para ser uma narrativa

transmidiática. Os diretores do filme, os irmãos Wachowski, quiseram aproveitar os

produtos derivados deste, mas não queriam apenas sinergia, como vemos em outras

franquias, como por exemplo, no filme MIB – Os Homens de Preto. Depois do sucesso

deste foi lançado um desenho animado que utilizava o mesmo universo narrativo do

filme. No entanto esse produto derivado não é imprescindível para se entender partes do

enredo do primeiro filme e o mesmo pode se afirmar em relação ao segundo filme da

franquia. Já em Matrix ocorre justamente o oposto. Os diretores apostaram em algo

mais que sinergia, apostaram em convergência midiática, contaram com a cooperação

entre múltiplos mercados midiáticos e com o comportamento migratório dos públicos

dos meios de comunicação.

Em Matrix cada produto derivado faz parte efetivamente da narrativa do produto

principal, que é a trilogia de filmes. Uma obra em um meio serve como referência para

outra obra em outro meio. A trama se desenrola em videogames, histórias em

quadrinhos e animes51, isso sem mencionar as discussões em fóruns via internet, onde os

fãs da franquia discutiam sobre o significado de coisas que encontravam nos filmes,

mensagens subliminares plantadas pelos diretores, formando assim um trabalho de

construção de uma consciência coletiva ao redor do filme, algo parecido com o que

51 Nome dado as animações (ou desenhos animados) produzidos no Japão.

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acontece com o seriado Lost. No entanto há uma diferença entre a convergência

midiática existente em Lost e em Matrix.

(Figura 2: Capa da edição brasileira das histórias em quadrinhos de Matrix. Uma das histórias é roteirizada pelos próprios diretores do filme, Larry e Andy Wachowski, e as demais

por artistas convidados por eles.)

Enquanto em Lost há uma espécie de “convergência complementar”, que amplia

a experiência do fã da série televisiva, mas que não é de toda imprescindível para o

entendimento da trama, em Matrix há efetivamente uma narrativa transmidiática; Há

basicamente dois meios de se experimentar essa narrativa: Experimentar o todo ou

frações dela, no entanto ela só faz sentido se experimentada por inteiro. Em outras

palavras, para entender completamente (ou ao menos tentar) a narrativa de Matrix você

tem de assistir os filmes, ler as histórias em quadrinhos, ver os animes e jogar o

videogame, e tudo isso tem uma determinada ordem cronológica. Os críticos de cinema

mais conservadores criticaram negativamente o filme, como fez Fiona Morrow, do

London Independent:

“Podem me chamar de ultrapassada – o que me importa é o filme, e apenas o filme. Não quero ter de ‘expandir’ a experiência cinemática me sobrecarregando com artifícios turbinados”52.

Essa crítica ilustra bem a dificuldade de se produzir narrativas transmidiáticas.

Quanto mais “camadas” são colocadas em uma narrativa mais densa ela fica e

52 MORROW, Fiona. “Matrix: The trix of the Trade”, London Independent, 28 de março de 2003.

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Page 28: “UM PANORAMA GERAL DA CONVERGÊNCIA MIDIÁTICA”

consequentemente o esforço empregado para acompanhar essa narrativa é maior, e

menos pessoas se interessam em se dedicar a ela. O crítico de cinema Richard Corliss

perguntou aos seus leitores se o “Zé Pipoca” – se referindo aquelas pessoas que querem

ir ao cinema, comprar seu lanche e assistir despreocupadamente um filme, sem ter que

se preocupar em refletir a respeito da narrativa ou procurar material extra para entende -

lá melhor, em outras palavras, provavelmente se referia ao público médio do cinema –

“teria de carregar um guia de Matrix na cabeça?”. Henry Jenkins respondeu a essa

pergunta:

“A resposta é não, mas o “Zé Pipoca” pode unir seu conhecimento ao de outros fãs e construir um guia coletivo na internet. Em uma série de sites de fãs e listas de discussão, os fãs foram acumulando informações, pesquisando referências (...) transcrevendo diálogos (...) A profundidade e o fôlego do universo de Matrix tornaram impossível a qualquer consumidor ‘entendê-lo’, mas o surgimento de culturas do conhecimento tornou possível à comunidade como um todo escavar mais profundamente esse texto insondável”. (JENKINS, 2008, pg. 176).

Jenkins afirma que é possível “entender” o universo de Matrix graças ao

surgimento do que ele chama de “culturas do conhecimento”. No entanto isso não muda

o fato de que ainda é bem restrita a parcela do público que está disposta a acompanhar

narrativas transmidiáticas, embora esse número tenda a crescer. Para as empresas

produtoras destes conteúdos seria muito interessante do ponto de vista financeiro que

cada vez mais pessoas se interessassem por esse tipo de narrativa, porque assim iriam

consumir um leque maior de produtos relacionados a uma mesma franquia, numa

indústria onde uma mesma empresa pode atuar em vários setores midiáticos.

Cada meio tem seu público específico. Cinema e televisão muito provavelmente

possuem um público mais amplo, enquanto videogames (embora o mercado consumidor

de videogames cresça cada vez, inclusive começando a apostar em consumidores de

faixas etárias mais avançadas, que não são costumeiramente os que consomem esse tipo

de mídia, mas isso é um outro assunto), histórias em quadrinhos e animações (animes,

desenhos animados, animações em 3D, etc) tem um público mais específico. Mídias

diferentes atraem nichos de mercado diferentes e:

“Uma boa franquia transmidiática trabalha para atrair múltiplas clientelas, alterando o tom do conteúdo de acordo com a mídia. Entretanto, se houver material suficiente para sustentar as diferentes clientelas (...) é possível contar com um mercado de interseção que irá expandir o potencial de toda a franquia”. (JENKINS, 2008, p. 135-136).

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O desafio das narrativas transmidiáticas atualmente pode ser resumindo em:

- Fazer crescer o interesse do público em acompanhar narrativas que se

desenrolam em diversos meios;

- Convencer o público de que não se trata de um tipo novo de marketing, mas

sim de uma nova experiência narrativa;

- Adaptar o conteúdo de uma franquia de acordo com a especificidade de cada

meio e aproveitar o que cada um oferece de melhor;

- Integração das equipes criativas dos diversos meios para que o conteúdo seja

coerente.

Para ilustrar a minha última afirmação retorno a um exemplo anterior, o da

adptação de videogames para as telas de cinema. Na grande maioria dos casos as

versões cinematográficas de filmes inspirados em games são um fracasso, tanto do

ponto de vista financeiro como de crítica e de público. Super Mario Bros, Street Fighter

– O filme, Street Fighter – A Lenda de Chun-li, Final Fantasy – The Spirits Within,

Double Dragon, são bons exemplos. Esses filmes não utilizaram de forma competente

os elementos apresentados nos videogames que lhes deram origem, ficando

descaracterizados aos olhos dos fãs dos games. Claro que isso não é o único motivo do

fracasso, roteiros ruins e atuações sofríveis por parte dos atores também ajudaram.

O caso da franquia Final Fantasy é o mais interessante. Ela é uma longa e mais

bem sucedida franquia de videogames de RPG e justamente por isso causou grande

alvoroço entre os fãs quando foi anunciado que ganharia uma versão cinematográfica. O

filme Final Fantasy – Spirits Within53 foi lançado em 2001 e foi uma decepção para os

fãs. Independentemente de ter sido um bom filme ou não. O que foi decisivo para os fãs

não gostarem dele foi o fato de que o filme não apresentava nenhum elemento dos jogos

de videogame. Nada sequer chegava perto de lembrar ao público seus queridos jogos, ao

qual se dedicam tanto. Do jogo de videogame carregava apenas o nome.

Já em 2004 foi lançado o longa-metragem em animação Final Fantasy: Advent

Children54, que apesar do nome não tem nenhuma ligação com o primeiro filme. Nele os

roteiristas procuraram seguir o enredo de umas das versões mais famosas do game, o

53 http://pt.wikipedia.org/wiki/Final_Fantasy:_The_Spirits_Within (acessado em 09 – 06 – 2009).54 http://pt.wikipedia.org/wiki/Final_Fantasy_VII:_Advent_Children (acessado em 09 – 06 – 2009).

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game Final Fantasy VII. Aproveitando algumas pontas soltas do enredo do game e

também aproveitando o conhecimento prévio que o público alvo tinha, fizeram do longa

uma continuação do game. Criou-se uma narrativa transmidiática. Se a pessoa não

conhece a história do game simplesmente não entenderá a história do filme, algo

semelhante ao que ocorre em Matrix. Dessa vez o filme fez muito sucesso entre os fãs

dos games, mas por outro lado restringiu muito o seu público, que como foi abordado

anteriormente, é um dos problemas das narrativas transmidiáticas.

30

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Conclusão

Procurei ao longo do meu trabalho demonstrar como a convergência midiática

está presente no dia-a-dia de muitas pessoas. Procurei também mostrar, balizado pelas

idéias de Jenkins, que a convergência pode ser mais do que um fenômeno tecnológico:

É também um fenômeno cultural, pois está relacionado ao fluxo de imagens, idéias,

histórias, sons e relacionamentos através de vários suportes midiáticos.

A convergência midiática já mudou muita coisa e ainda vai mudar outras. Por

exemplo, a maneira como consumimos músicas foi radicalmente alterada. Um

computador com acesso a internet e com um programa específico para baixar músicas,

ou mesmo lojas virtuais que vendem músicas em formato digital já substituíram, para

muitas pessoas, o papel das lojas que vendem CD´s de música. As pessoas mudaram

seus hábitos e a indústria está tendo que mudar a sua, por mais que ela esteja relutando,

abrindo processos contra fãs de música e lutando para que tudo volte a ser como era

antes da “era Napster”. Os filtros impostos pelas grandes gravadores ainda existe, mas

foi enfraquecido pela liberdade oferecida pela internet, onde fãs indicam para outros fãs

aquelas músicas que gostam, competindo com o rádio e a TV pela função de influenciar

o gosto musical das pessoas.

A narrativa transmidiática também acena com possibilidades interessantes.

Exemplos como os de Lost, Matrix e Pokémon mostram que as pessoas estão muito

dispostas a aumentar seu envolvimento com um determinado produto que é do seu

agrado, expandindo não só o consumo das franquias mas também as possibilidades de

criar formas diferentes de narrativas, onde cada meio se vale de sua característica

específica para contribuir com o universo ficcional da trama, embora seja muito

complicado executar narrativas desse tipo, pois como vimos, quanto mais “camadas”

são colocadas em uma narrativa mais densa ela fica e consequentemente o esforço

empregado para acompanhar essa narrativa é maior, e menos pessoas se interessam em

se dedicar a ela. Há que se ter um delicado equilíbrio entre explorar novas experiências

narrativas mantendo o interesse do público e fazer com que isso gere lucro.

As empresas em geral estão tendo que re-aprender a lidar com o público, não só

as da indústria da música. Segundo Jenkins, nos Estados Unidos, aproximadamente

57% dos jovens americanos, a maioria abaixo dos 18 anos de idade, tem seus próprios

blogs e fazem filmes digitais. Essas informações circulam na web e também boca-a-

31

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boca. Os consumidores estão cada vez mais tendo voz ativa. Não me refiro apenas a fãs

discuntindo sobre seus objetos de adoração ou reclamando de serviços ou produtos, mas

também estão discutindo política e criando cultura. A grande mídia ainda é hegemônica,

mas a informação está cada vez mais sendo pulverizada, principalmente graças a

internet e suas diversas ferramentas, como blogs, sites de hospedagem de vídeos e sites

de relacionamento. A forma de consumir e de ser relacionar com a mídia está mudando

hoje e concerteza renderá alguns frutos amanhã.

Obras Citadas

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ANDERSON, Chris. A Cauda Longa: Do Mercado de Massa para o Mercado de Nicho. Editora Campus, 2005.

JENKINS, Henry. Cultura da Convergência. Editora Aleph, São Paulo, 2008.

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