A blogosfera, o jornalismo e as mediações colaborativas
26
Capítulo 6 A Blogosfera, o Jornalismo e as Mediações Colaborativas O blog é um dispositivo estratégico que permite aos pesquisadores, jornalistas, profissionais de comunicação exercitarem a função de escritores e exercerem a cidadania através de um meio colaborativo. Nasce assim um novo conceito de espaço público e como todo fenômeno social novo, o blog precisa de avaliação crítica. O fórum indicado mais para um debate dessa natureza é – ou deveria ser – a academia, as escolas de comunicação, onde são preparados profissionais competentes e qualificados nos saberes (e fazeres) instrumentais, críticos e organizacionais. 1 Todavia, o debate mais eticamente pluralista é feito por meio do exercício de monitoramento realizado pelo site Observatório da Imprensa, que tem promovido uma leitura crítica da mídia, incluindo a blogosfera. E convém prestar atenção nos programas e sites que tratam das mídias (e dos blogs), pois geram uma metalinguagem digital instigante, dando um novo sentido à comunicação na esfera pública digitalizada. No contexto da “modernidade líquida”, em que tudo aparece e desaparece muito depressa, um dos desafios que se impõe, particularmente, para os analistas da informação e 1 Cumpre destacar aqui as contribuições de Alysson Viana Martins (PIBIC/UFPB, 2008/2009 e PPGC/UFBa, 2011), Laiza Félix de Aguiar (PIBIC/UFPB, 2010/2011), Eliane Cristina Medeiros (PPGC/UFPB), e Marina Magalhães (PPGC/UFPB) analisando os blogs, o Twitter e as redes sociais.
A blogosfera, o jornalismo e as mediações colaborativas
1. Captulo 6
A Blogosfera, o Jornalismo e as Mediaes Colaborativas
O blog um dispositivo estratgico que permite aos pesquisadores,
jornalistas, profissionais de comunicao exercitarem a funo de
escritores e exercerem a cidadania atravs de um meio colaborativo.
Nasce assim um novo conceito de espao pblico e como todo fenmeno
social novo, o blog precisa de avaliao crtica.
O frum indicado mais para um debate dessa natureza ou deveria ser a
academia, as escolas de comunicao, onde so preparados profissionais
competentes e qualificados nos saberes (e fazeres) instrumentais,
crticos e organizacionais.
Todavia, o debate mais eticamente pluralista feito por meio do
exerccio de monitoramento realizado pelo site Observatrio da
Imprensa, que tem promovido uma leitura crtica da mdia, incluindo a
blogosfera. E convm prestar ateno nos programas e sites que tratam
das mdias (e dos blogs), pois geram uma metalinguagem digital
instigante, dando um novo sentido comunicao na esfera pblica
digitalizada.
No contexto da modernidade lquida, em que tudo aparece e desaparece
muito depressa, um dos desafios que se impe, particularmente, para
os analistas da informao e da comunicao, examinar os fenmenos
miditicos, como os blogs que mal acabaram de nascer j trazem
consigo os sinais de transformao e os indcios de sua terminalidade.
Assim ocorre com os processos digitais, atravessados pela
velocidade tecnolgica, em que se incluem os dirios virtuais, os
blogs e o Twitter.
O campo das Cincias da Informao e da Comunicao consiste num domnio
privilegiado para o enfoque das novas mdias e suas mediaes, e tem
fornecido rigorosos mtodos de anlise emprica, qualitativa, corpus
terico-conceitual, reflexes crticas e insights valiosos para
pensarmos as estratgias colaborativas dos blogs.
Apreciamos os blogs, em seu aspecto mvel, minimalista, proativo,
como vetores de scio-tecnicidades inteligentes que conectadamente
fundam de uma nova arte na reportagem das ocorrncias do cotidiano.
Isso vale tanto para os dirios pessoais (de cunho mais ldico,
subjetivo, intimista), quanto para os blogs jornalsticos (mais
pragmticos, polticos, publicitrios).
Os blogs promovem mutaes extremamente importantes no campo do
jornalismo, uma atividade que, desde o sculo 18, consolida uma
experincia bsica para a constituio da esfera pblica, do princpio
democrtico e formao da cidadania.
Procuramos aqui sistematizar um pr-entendimento dos blogs como
expresso de uma nova formao discursiva mediada pela tecnologia, e
logo formulamos algumas questes objetivando apreciar a sua
natureza, o seu significado, os seus efeitos e usos sociais. E a
partir da, esboamos um campo provvel de discusso que pode remeter s
reflexes sobre o retorno da escrita na era do virtual, a
hipertextualidade da literatura ps-massiva, o fenmeno do
webjornalismo e o poder social das redes interativas.
O que o blog? Embora seja um objeto recente, encontramos na
internet e nos formatos impressos um volume considervel de
pesquisas sobre o seu conceito: Lemos (2002), Oliveira (2002),
Recuero (2003), Sibilia (2005), Primo (2008), e Amaral, Recuero
& Montardo (2009) tm se empenhado em traduzir o seu
significado.
O termo weblog foi primeiramente usado por Jorn Barger, em 1997,
para referir-se a um conjunto de sites que colecionavam e
divulgavam links interessantes na web (Blood, 2000), como o seu
Robot Wisdom. Da o termo web + log (arquivo web), usado por Jorn
para descrever a atividade de logging the web.
(AMARAL, RECUERO & MONTARDO, 2009, p. 28)
O blog uma modalidade de dirio (pessoal, coletivo, privado,
institucional, pblico e/ou comercial); uma narrativa telemtica de
carter scio-interativo que faz o registro cotidiano das ocorrncias,
de modo semelhante s Actas Diurnas de Jlio Csar, na Roma Antiga,
que confere uma dimenso pblica aos discursos polticos,
anteriormente circunscritos ao espao de intimidade dos
governantes.
Quem so os blogueiros? So escritores, artistas, estudantes,
jornalistas, ciberativistas, contadores de histrias, personagens
sintomticos do hibridismo cultural, em que se cruzam annimos e
celebridades, amadores e especialistas, voluntrios e militantes,
interagindo conectadamente no contexto da sociedade
midiatizada.
O que a blogosfera? Um ambiente comunicacional recente que acolhe a
vontade de poder escrever e se comunicar dos indivduos e grupos
sociais. Trata-se de um novo territrio, em que se instalam os
atores em rede interagindo como cibercidados; uma nova camada na
ecologia poltica e comunicacional contempornea.
um espao propcio ao encontro-confronto dos escritores, jornalistas,
acadmicos, profissionais do mercado, cronistas, historiadores do
presente que interagem em tempo real, mas se encontram
presencialmente em lugares distintos.
Para entendermos a experincia cotidiana do blog, no trabalho e no
tempo livre, esclarecedor o depoimento de Andr Lemos, falando do
seu blog Carnet de Notes:
Para mim, o blog se tornou algo quotidiano, a meio caminho entre um
caderno de notas pessoal e um arquivo profissional. (...) um
observatrio sobre minha pesquisa atual e como catlogo de meus
projetos, livros, artigos e ensaios. (...) Considero este Carnet de
Notes parte da minha produo acadmica como pesquisador e professor
universitrio. De fato, ele um espao de expresso e de contato com
outros, um prazer concretizado e compartilhado em palavras, imagens
e informaes. (...) Os blogs so, junto com os games, os chats e os
softwares sociais, um dos fenmenos mais populares da cibercultura.
(...) Os blogs so criados para os mais diversos fins, refletindo um
desejo reprimido pela cultura de massa: o de ser ator na emisso, na
produo de contedo e na partilha de experincias.
Carnet de Notes (LEMOS, 2009).
Fazendo uma explorao na rede, encontramos blogs acadmicos,
jornalsticos, artsticos, filosficos, musicais. H os blogs teis, os
fteis, os informativos, os politizados, os elegantes, os
esclarecedores, os desnecessrios e os imprescindveis, os quais -
ritualisticamente - consultamos diariamente, e o seu conjunto compe
uma exuberante blogosfera de onde jorram narrativas geniais,
informaes quentes, flashes de sabedoria, e valeria a pena
destacarmos aqui alguns deles.
O estado da arte na pesquisa sobre o tema
Existe um acervo importante de obras, ensaios e enquetes sobre o
tema que tem auxiliado bastante nas investigaes. Uma boa sntese da
temtica blog est no livro Blogs.com. Estudos sobre blogs e
comunicao (2009), em formato impresso e digital, editado por
Amaral, Recuero & Montardo. Reunindo 17 autores, o livro
consiste num exaustivo trabalho metodolgico gerado a partir da
observao participante em diversas atividades relacionadas com os
blogs ou dirios virtuais:
(...) percebemos o aumento de eventos acadmicos sobre o tema, como
o BlogTalk que acontece desde 2003 , o ICWSM, International
Conference on Weblogs and Social Media que acontece desde 2004 e o
Encontro Nacional e Luso-Galaico sobre Weblogs, que ocorre
anualmente em Portugal. No Brasil, o evento Blogs: Redes Sociais e
Comunicao Digital, ocorrido em duas edies na Feevale, em 2007 e
2008, reuniu pesquisadores em grupos de trabalho e palestras. (...)
Aoir (Association of Internet Researchers), Comps (Associao
Nacional dos Programas de Ps-graduao em Comunicao), ABCiber
(Associao Brasileira de Pesquisadores em Cibercultura) e Lista de
discusso sobre Cibercultura da UFBA, entre outras.
AMARAL; RECUERO; MONTARDO (Blogs.com, on line).
Organizado em duas partes, Blogs: definies, tipologias e
Metodologias, e. Usos e Apropriaes de Blogs, o e-book se empenha em
investigar as interfaces dos blogs com os problemas de teorias e
metodologias (sua objetividade e relevncia; as perspectivas de
anlise e as bases conceituais empregadas nas pesquisas).
O trabalho explora a insero dos blogs na esfera poltica, comercial
e pedaggica, e o seu uso como ferramenta nas prticas de ensino (e
profissionalizao) do jornalismo. A obra contempla o objeto como uma
nova categoria do jornalismo, examinando a sua operacionalidade
como um poderoso vetor de compartilhamento da informao. Procura
detectar as suas variaes enquanto moblogs e microblogs, e
interpretar o trabalho do jornalismo no uso das tecnologias
mveis.
O livro j se tornou uma referncia na rea e apresenta, de maneira
sistematizada, uma reviso bibliogrfica rigorosa acerca dos blogs,
incluindo ttulos nacionais e internacionais.
Num outro registro, o trabalho de Alex Primo se volta para os
problemas gerais da interao mediada por computador (2007), e
examina os estilos de comunicabilidade, a natureza e as formas de
cognio geradas a partir do uso das tecnologias de informao. O autor
aponta para o carter de heterogeneidade desta ferramenta - que
assume diferentes formas (organizacionais, educacionais, de carter
pblico e privado) - e se prope a estabelecer uma matriz
classificatria dos blogs.
Raquel Recuero uma das pioneiras no estudo e divulgao do trabalho
dos blogs no Brasil, investigando o seu uso como estratgia bem
sucedida, durante a guerra no Iraque e a emergncia do Jornalismo on
line (2003). Recuero e Primo (2003) apresentam uma anlise do blog,
como um hipertexto cooperativo, uma escrita coletiva analogamente
ao modus operandi da enciclopdia digital (wikipedia).
Nesta rea so instigantes - igualmente - os trabalhos de Paula
Sibilia, dos quais inserimos aqui uma smula, considerando o seu
pioneirismo, sua pertinncia metodolgica e qualidade estilstica do
seu argumento, seno vejamos:
Em contraste com algumas formas modernas de atualizar a memria das
prprias experincias vividas (do dirio ntimo psicanlise, do romance
clssico s autobiografias romnticas), este artigo examina o fenmeno
dos weblogs, fotologs e videologs do tipo confessional; isto ,
aqueles que expem na Internet a intimidade de seus autores. Estas
novas manifestaes dos gneros autobiogrficos seriam uma tentativa
atualssima de recuperar o tempo perdido na vertigem do tempo real,
do sem tempo e do presente constantemente presentificado, todos
fatores que caracterizam a contemporaneidade. A peculiar inscrio
cronolgica desses novos relatos do eu denota uma certa reconfigurao
das subjetividades, que se distanciam das modalidades tipicamente
modernas de ser e estar no mundo. Assim como ocorre com a idia de
interioridade, tambm est sofrendo alteraes o valor atribudo a outro
fator primordial na constituio da identidade individual: o estatuto
do passado como um alicerce fundamental do eu. Apesar de sua
permanncia como fatores ainda relevantes, essas duas noes que
desempenharam papis de primeira ordem na conformao das
subjetividades modernas hoje parecem estar perdendo peso na definio
do que cada um , dando a luz a novos regimes de constituio do
eu.
SIBILIA (2005 on line).
A anlise de cunho qualitativo feita pela autora severa, mas
profundamente lcida e converge com a nossa perspectiva
epistemolgica, pois empreende uma aguada hermenutica da comunicao
humana na era das redes sociais, perfazendo um dos primeiros
esforos em direo a uma psicanlise da cibercultura.
Duas novas formas de expresso e de comunicao florescem atualmente
na Internet: os dirios ntimos on-line (blogs) e as cmeras de vdeo
que capturam e exibem "cenas da vida privada" dos prprios usurios
(webcams). Estes fenmenos parecem recriar um hbito que teve seu
apogeu nos sculos XVIII e XIX e que vinha agonizando lentamente ao
longo do sculo passado: a paciente e minuciosa "escrita de si". A
inteno focalizar um aspecto particular dessas novas "narrativas do
eu" que hoje se multiplicam nas redes digitais: a sua inscrio na
fronteira entre o pblico e o privado, pois as confisses e as
imagens cotidianas dos autores so expostas aos milhes de olhos que
tm acesso Internet. Os limites que costumavam separar essas duas
esferas no mundo moderno esto sendo desafiados, acompanhando as
fortes mutaes que afetam as subjetividades contemporneas.
SIBILIA (INTERCOM, 2003, on line).
Os seus textos exploram os dirios face convergncia scio-tecnolgica,
acelerao e velocidade do capitalismo global (ou seja, considerando
as relaes com a estrutura econmica); analisam os modos de
subjetividade, focalizando as dimenses psicolgicas, sociais,
tico-polticas dos blogueiros. Sibilia enfrenta a nova concepo de
esfera pblica (virtual, digital, colaborativa) criada pelos blogs,
entendida como um imperativo da visibilidade, que Recuero nos
apresenta numa citao esclarecedora:
Esse imperativo, decorrente da interseco entre o pblico e o
privado, para ser uma conseqncia direta do fenmeno globalizante,
que exacerba o individualismo. preciso ser visto para existir no
espao dos fluxos. preciso constituir-se parte dessa sociedade em
rede, apropriando-se do ciberespao e constituindo um eu ali.
(RECUERO, 2003, pag. 3).
Essa perspectiva reaparece nos estudos de Alonge (2003), que
observa as ambincias comunicacionais geradas pelos blogs como goras
digitais, propiciando estilos de sociabilidade no contexto da
cultura miditica. Alis, as subjetividades e sociabilidades forjadas
pelos meios interativos tm sido tambm objeto das preocupaes de
Carvalho (2000), que explora os Dirios ntimos na era digital, os
paradoxos dos dirios pblicos que se originam de mundos
privados.
Cumpre ratificar o trabalho de Andr Lemos, um dos pioneiros neste
domnio, da pesquisa, tratando especificamente dos blogs em A arte
da vida, dirios pessoais e webcam (2002) e Cibercultura e Tsunamis,
Tecnologias de Comunicao Mvel, Blogs e Mobilizao Social (2005). O
seu enfoque scio-antropolgico das infotecnologias atualiza um olhar
sobre as mdias (e mediaes) digitais, explorando as interfaces da
cibercultura, tecnologia e vida social, e enfatizando o poder
social no uso das mdias locativas. Uma gil captura da inteligncia
coletiva conectada dos blogs, em trnsito, na rua, na praia, na praa
pblica, em todos os lugares e em lugar nenhum.
O retorno da escrit@ na era digital
Com o aparecimento dos dirios nos deparamos com um retorno da
escrita (que fora obliterada pelos audiovisuais no auge da cultura
de massa) e o surgimento do leitor imersivo, expresso utilizada por
Santaella (2004) para designar as experincias neuro-sensoriais e
cognitivas envolvidas pelas inteligncias conectadas.
A partir da revoluo forjada pelas mdias colaborativas, um novo
regime scio-semitico se instalou; surgiram novas maneiras de falar,
de significar e de colaborar. Portanto, afloraram distintas
modalidades de acesso, linguagem e interacionalidade.
A inteligncia artificial, o uso simultneo de imagem, som e texto, o
ritmo, a velocidade das redes e a conexo scio-tecnolgica
desencadearam novos modos de percepo, memorizao, estmulo, resposta,
cognio e aprendizagem; formas diferentes de traduzir a semiotizao
cotidiana e estratgias de participao social.
Uma leitura hermenutica, semiolgica ou semitica dos blogs nos
remete s trs vocaes da linguagem, como vetor de informao, comunicao
e socializao.
E conduz a um tempo mtico da linguagem, busca de uma linguagem
pura, em que a prosa do mundo revigorada pelas narrativas
mitopoticas, encorajando comunicao e sociabilidade. Como demonstra
Santaella, no livro Linguagens lquidas na era da mobilidade (2007),
preciso perceber que os blogs, as redes sociais, levam s mediaes
sociais por meio das linguagens geradas pelas tecnologias.
O que acontece com a irradiao dos blogs - pessoais, coletivos,
artsticos, polticos ou jornalsticos - a instaurao de uma nova
gramtica tecno-social, que condiciona os modos de pensamento,
discurso e ao dos atores sociais.
A vigorosa interatividade desencadeada a partir da produo, circulao
e consumo dos contedos dos blogs, resulta sobretudo do grande poder
de mediao e equilbrio inspirado no esprito
hermenutico-interpretativo. Ou seja, o trabalho dos blogueiros
assimila as regras gramaticais, do logos, da razo grfica e
comunicativa, mas escapa aos padres convencionais, liberando uma
linguagem nova que estimula a imaginao criadora e participante no
cotidiano midiatizado.
A blogosfera impe dinmica e atualizao aos currculos universitrios,
assim como energiza os fluxos informacionais que otimizam os
procedimentos organizacionais e mercadolgicos, e igualmente, no
mbito do trabalho jornalstico apresentam novos desafios, forando as
redaes e os seus profissionais a reexaminarem os seus mtodos de
investigao, os modos de elaborao das notcias e disponibilizao dos
seus contedos. A blogosfera fortalece o dilogo entre a academia, o
mercado e a sociedade: a nova babel instalada pelos blogs traz bons
pressgios.
A pureza dos dirios pessoais e o perigo dos blogs
jornalsticos
Nos tempos da visibilidade total os dirios ntimos assumiram novos
formatos; parecem ter perdido o pudor, tornando-se mais evidentes,
de acordo com os cdigos abertos da chamada sociedade transparente.
Trata-se de uma experincia fecunda, que permite os atores em rede
abrirem caminho para a livre informao e a comunicao colaborativa,
como mostram as experincias do blog, do twitter e do
wikileaks.
Interessa-nos aqui explorar, sobretudo, o seu carter scio-poltico e
informativo, problematizando as suas conexes scio-tecnolgicas que
transformam os inocentes dirios em influentes blogs
jornalsticos:
Em A Book of Ones Own - People and Their Diaries, o estudioso ingls
Thomas Mallon (1995, p.1) chama a ateno para o fato de que os dois
termos se confundem por estarem associados idia de recordao diria
de eventos. Mas ele acredita que a palavra dirio tenha conotao
associada a algo mais ntimo porque se ligou a dear na expresso
querido dirio (dear diary), muito utilizada por diaristas. O
jornal, por sua vez, esteve mais associado a newspapers trade
(jornal como informativo comercial, peridico, gazeta) termo que
vincula o jornal idia de fonte de notcia. (OLIVEIRA, 2009).
Para uma reflexo crtica dos blogs como escrita de si e vetor de
publicizao da vida cotidiana, salutar recorrer aos pensadores
Barthes, Lacan, Foucault, Deleuze e Derrida, mestres na arte de
decifrar as narrativas, escritos, discursos, enunciados e
escrituras, atravs dos quais se travam as batalhas lingsticas,
cognitivas, jurdicas, comerciais e polticas. Cada deles nos
apresenta idias instigantes para interpretarmos o sentido da nova
linguagem hipertextual e polifnica da blogosfera, seno
vejamos:
Barthes continua sendo um autor importante na academia, no que
concerne aos seus estudos do texto, que podem ser adequados para
desvendarmos as tramas da hipertextualidade . Observando as anlises
que fez sobre o bvio e o obtuso das mdias modernas (os impressos, a
fotografia, o cinema), podemos utilizar os seus estudos examinando
os blogs como espcies de mitologias, falas roubadas (1980),
povoando a semiurgia urbana, desvelando, assim, o esprito do tempo.
Remontando a perspectiva barthesiana, os blogs podem ser vistos
como narrativas que (re)definem um novo acesso ao poder da
linguagem no contexto social (2003).
Num outro registro, recuperando as lies de Lacan (2003), um autor
perspicaz tambm no que respeita decifrao do ser, atravs da fala, do
texto, do discurso, vislumbramos a escrita do blog como expresso
dos desejos inconscientes e como uma robusta usina de produo de
linguagem. Pelo prisma lacaniano, o blog realizaria uma operao em
que o significante (lugar do desejo) busca escapar tirania do
significado (lugar da norma), em que o discurso privado (subjetivo)
passa a tornar parte de uma agenda pblica (social). Logo, o blog
consiste numa estratgia de liberao do desejo (de falar, escrever,
se comunicar) e num motor de realizao da catarse, na medida em que
o leitor se torna autor, podendo interagir com outros
autores-leitores-interlocutores
O clebre artigo O que um autor? (FOUCAULT, 1984) oferece pistas
para entendermos o blog, como um estilo de comunicao individual ou
coletiva, mas, simultaneamente, autoral e interativa, fazendo uma
ponte semiolgica entre o domnio da subjetividade e da objetividade,
das tecnologias do ego e da socialidade on line.
A concepo do discurso como dispositivo gerador de soberania,
disciplina, autonomia e liberdade, segundo a Microfsica do poder
(1979), produz agenciamentos que nos encorajam a defender a ampla e
irrestrita liberao da linguagem no ciberespao. Mas, sobretudo no
ltimo Foucault, autor de Histria da sexualidade, vol. 1. O uso dos
prazeres, e O cuidado de si, vol. 2 (1984), em que prope uma
estilstica da existncia, encontramos insights para entendermos os
novos estilos de subjetividade (e modos de cidadania) gerados pelos
dirios nos espaos anrquicos da blogosfera.
Deleuze, mais alegrico, em sua filosofia da diferena, recorre
personagem de Alice no pas das maravilhas e os seus anagramas
acerca das metamorfoses entre o encolher e crescer, como
alternncias necessrias lgica de sentido, e assim, remete-nos a uma
reflexo dos tamanhos do blog e microblogging, como espaos
condicionantes para a traduo do pensamento em linguagem na era da
velocidade.
Ao seu turno, Jacques Derrida, tambm sob a influncia filolgica de
Nietzsche, denuncia a farmcia de Plato, rechaa a compulso idealista
que leva angustiante busca pela exatido das palavras. E por essa
via faz a crtica radical da escritura fisgada pelo logocentrismo,
defendendo o fonocentrismo, como expresso legtima da diferena do
pensamento que manifesta a essncia do ser na linguagem.
Efetivamente, Derrida malgr lui mme prenuncia a vigncia semitica
gerada, no sculo 21, pelo idioma scio-tcnico compartilhado da
blogosfera. O filsofo aposta numa atitude filosfica de desconstruo
das tramas lingsticas hegemnicas, pela via da linguagem, que ele
entende como um ato de resistncia.
Essa constelao de idias, mesmo partindo de rigorosa abstrao
filosfica, nos ajuda a compreender as condies de produo da
subjetividade e da sociabilidade, atravs da linguagem, e nos
instiga a entender a blogosfera como o lugar estratgico para o
agenciamento de um novo narrador, sujeito da histria, do desejo, da
ao poltica, de um projeto de autonomia atravs de uma nova
competncia comunicativa.
Assim, a especulao filosfica acerca do poder da linguagem nos
instiga a compreendermos pragmaticamente - a experincia de
resistncia dos blogs, do twitter, das redes sociais, no contexto
dos conflitos polticos na dita primavera rabe.
Enfrentando as gestes governamentais autoritrias da Tunsia, Egito,
Lbia, Sria, Imen, Sudo, Sri Lanka, Oman, os usurios-blogueiros
conectados em rede se tornam cibermilitantes, contribuindo para a
derrubada dos poderes hegemnicos.
Um balano das categorizaes
A blogosfera complexificou-se de tal forma que as primeiras
definies sobre blogs passam a revelar suas limitaes. Se em um
primeiro momento a imprensa e a academia apressaram-se a comparar
blogs, como dirios pessoais, e vincular sua produo a uma atividade
confessional de jovens, hoje vemos um crescente nmero de grandes
corporaes mantendo blogs como estratgia mercadolgica e promocional
(...). Diante dessas atualizaes e dos desafios que a blogosfera
impe ao pesquisador, desde o incio do ano venho trabalhando em um
mtodo que possa delimitar os diferentes gneros de blogs.
(PRIMO, 2008, on line)
Dentre os pesquisadores preocupados com o fenmeno dos blogs, Alex
Primo se dedica a explorar conceitualmente e pragmaticamente a
blogosfera. E, sinaliza caminhos para um entendimento dessa
complexa maquinaria de linguagem. Apoiando-se numa ampla
bibliografia sobre o tema, aponta os problemas das suas definies,
suas relaes com a imprensa, a academia, o mercado e as instituies
miditicas.
Segundo Primo, a sua classificao foi desenvolvida a partir de uma
insatisfao com as tipologias de blogs conhecidas por suas temticas
jornalsticas, educacionais etc. Para ele, a complexificao da
blogosfera acabou inflando essas ltimas categorias (...) e ento
prope um modelo que apresenta 16 gneros de blogs:
(...) existem blogs individuais e coletivos, o que j modifica as
condies de produo e administrao do blog. (...) busquei avaliar como
se do as interaes (internas e com as audincias) e a relao do blogar
com o trabalho e com o cotidiano (dimenso interaes
formalizadas/interaes cotidianas). Quanto ao contedo, busquei
investigar se os textos voltam-se para questes dos prprios
blogueiros (quando falam de si, de suas relaes e das prprias
atividades) ou quando tratam de outros assuntos (dimenso
dentro/fora). A ltima dimenso (reflexo/relato) visa observar a
estratgia discursiva preferida: existe argumentao crtica ou apenas
uma exposio de fatos? (...) A partir do cruzamento (das) dimenses,
encontrei 16 gneros: (1) profissional auto-reflexivo; (2)
profissional informativo interno; (3) profissional informativo; (4)
profissional reflexivo; (5) pessoal auto-reflexivo; (6) pessoal
informativo interno; (7) pessoal informativo; (8) pessoal
reflexivo; (9) grupal auto-reflexivo; (10) grupal informativo
interno; (11) grupal informativo; (12) grupal reflexivo; (13)
organizacional auto-reflexivo; (14) organizacional informativo
interno; (15) organizacional informativo; e (16) organizacional
reflexivo.
DOSSI ALEX PRIMO (Blog, 30.09.2008).
O pesquisador apresenta instrumentos terico-conceituais para
compreendermos os blogs, a partir de sua caracterizao em diferentes
gneros. Para isso recorre s leituras de Bakhtin e Todorov,
pensadores engajados no estudo das relaes entre o discurso literrio
e a trama social, empenhados em classificar, categorizar e explicar
os gneros de discurso no mbito da cultura. Assim, Primo elabora uma
tipologia dos gneros de blogs que tem o mrito de encorajar novas
categorizaes, no s para uma anlise dos blogs, mas de outros
dispositivos semitico-informacionais.
O jornal e as mediaes digitais: o blog, o podcast, o Twitter
Da Galxia de Gutemberg (expresso do desenvolvimento mundial da
imprensa) at a Galxia Internet (forma mais acabada da midiatizao
global) muita coisa aconteceu, e pelo que tudo indica estamos
apenas no incio de uma longa odissia.
Conforme escreve o socilogo catalo Manuel Castells, na obra
monumental, em trs tomos, A Era da Informao: economia, sociedade e
cultura (1999), estamos assistindo a importantes transformaes no
domnio da economia, poltica, cultura e sociedade, e como diz Pierre
Lvy, a internet j a prpria revoluo. Ou como proclama o jornalista
Marcelo Tas: O Twitter j revolucionou a comunicao.
O modo (como a gente lida com o fluxo de notcias nos prximos anos)
algo que a gente no vai perceber de uma maneira to pontual quanto a
gente percebeu com a chegada da TV, por exemplo. algo muito mais
sutil e, paradoxalmente, muito mais rpido. Entra to imediatamente
na nossa vida que a gente no identifica. A gente tem uma
dificuldade muito grande de processamento. Os chips vo se
acelerando em proporo geomtrica, e a gente continua com o mesmo
crebro, com o mesmo corpo graas a Deus, inclusive -, e
principalmente com a mesma cultura, que muito analgica.
Marcelo Tas (Entrevista, Estado on line, 2011).
As nanotecnologias, as mdias mveis, colaborativas, os dispositivos
sem fio, os laptops, palmtops, celulares e cmeras portteis tm
proporcionado modificaes importantes no mbito do trabalho dos
jornalistas e profissionais de comunicao.
No se pode precisar com certeza quando surgiu cada dispositivo e
nem o momento exato em que as transformaes comearam a acontecer,
mas numa perspectiva histrica, percebemos que existe uma relao
muito prxima entre a rota sinistra dos conflitos blicos e a evoluo
das tecnologias de comunicao.
As grandes guerras mundiais, a guerra da Coria, a guerra do Vietn,
a guerra do Golfo, a guerra no Iraque, o episdio da exploso das
torres gmeas, A guerra contra o terror, entre outros, so
acontecimentos trgicos, em que as tecnologias de informao e da
comunicao tm um papel preponderante.
Vrias obras como Guerra e Paz na Aldeia Global (MCLUHAN, 1971), A
inveno da Comunicao (MATTELART, 1996), Guerra e Cinema (VIRILIO,
2005), A guerra do golfo no aconteceu (BAUDRILLARD, 1991) e
Democracia, multido e guerra no ciberespao (ANTOUN, 2004), entre
outros, tm demonstrado a interseco entre os conflitos, as guerras e
a comunicao.
Numa perspectiva hermenutica, a experincia comunicacional aparece
aqui como mediao da guerra das linguagens, das tenses e dos
conflitos das mais diversas naturezas. Com efeito, a histria da
evoluo dos meios de comunicao que se efetiva pari passu com a
evoluo do processo civilizatrio, conforme demonstra Hohlfeldt
(2001), no se perfaz num rio de guas tranqilas.
Nesta investigao dos blogs (dirios virtuais) que j fazem parte da
rotina de trabalho dos jornalistas como as agncias de notcias
notamos que estes se inserem num contexto histrico-cultural marcado
pela globalizao, dromocracia (acelerao e velocidade dos fluxos,
mensagens, notcias), convergncia scio-tecnolgica e dispositivos de
conexo e mobilidade. Logo, caberia examinar como o jornalismo vem
se transformando com a incrementao dos blogs, e como esta prtica
histrica vem se modificando sob a gide da digitalizao, configurando
a experincia do webjornalismo.
O novo formato se instala no tempo forte do capitalismo global (ou
turbocapitalismo), mas no se pode perder de vista tambm que aqui se
definem os espaos e tempos para as aes afirmativas e empoderamentos
(dos usurios, cidados, jornalistas, pesquisadores), para a criao de
oportunidades e a insero das competncias comunicativas nos chamados
mercados glocais.
Sem pretender abarcar os grandes problemas causados pelas
metamorfoses do jornalismo, a partir das tecnologias da informao,
elencamos algumas questes que podem instigar um debate profcuo, e
para isso, recorremos a alguns trabalhos que atestam o esforo da
pesquisa voltada para as relaes entre os blogs e o
jornalismo.
Naturalmente esses so apenas alguns exemplos, dentre os muitos
estudos sobre os blogs e suas interfaces com o jornalismo.
Podemos depreender dessa pequena amostra as preocupaes em atualizar
uma avaliao crtica da imprensa, enquanto instituio ocidental, que
nasce diretamente ligada s questes da vontade geral, do Direito,
das lutas polticas, da livre iniciativa e da liberdade de informao,
e tais preocupaes passam pelo crivo da nova experincia individual e
coletiva que a interacionalidade gerada pelos meios digitais.
Os blogs como extenses da casa, da rua, da escola e da vida
profissional
Os blogs tm repercutido nos domnios da economia, poltica e educao.
Atendem a funes sociais diversas; convm lev-los a srio naquilo que
contm de essencial, tornando a comunicao mais democrtica e gerando
empoderamento social.
Historicamente, observamos que a nova diviso social do trabalho
introduz novas demandas, necessidades e responsabilidades, e tais
instncias passam pelo crivo da formao dos recursos humanos, das
competncias scio-tcnicas e cognitivas. Mas um estudo dos blogs no
poderia prescindir tambm de uma apreciao dos componentes
tico-polticos e estticos, que lhes do forma e sentido. Num nvel
mais pragmtico, tudo isso remete inevitavelmente ao problema das
escolas de Ensino Superior de Comunicao, e a rigor, s relaes entre
a escola, o mercado e a sociedade, instncias movidas por interesses
distintos, mas que no so irreconciliveis.
O blog e o microblogging (como o Twitter) tm exercido uma presena
marcante nas diversas esferas da ao pragmtica, no mbito da
comunicao deste comeo de sculo; logo, o seu significado no deve ser
subestimado. Obliter-los seria o mesmo que apagar o sistema de
correio postal numa histria da cultura do sculo XIX.
O jornalismo continua sendo como sempre foi um discurso socialmente
poderoso, que contribui para a organizao da vida mental e social no
espao pblico. O jornal mudou de forma na era da comunicao
ps-massiva, conjugando os elementos verbais, impressos, grficos,
imagticos, sonoros, e os blogs - em seu formato conciso, dinmico,
colaborativo tm participado efetivamente destas mutaes.