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FILOSOFIA Volume 06

06 - Filosofia Bernoulli

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Page 1: 06 - Filosofia Bernoulli

FILOSOFIAVolume 06

Page 2: 06 - Filosofia Bernoulli

2 Coleção Estudo

Sum

ário

- F

iloso

fia Frente A11 3 Epistemologia Moderna

Autor: Richard Garcia Amorim

12 27 Kant Autor: Richard Garcia Amorim

Page 3: 06 - Filosofia Bernoulli

FRENTE

3Editora Bernoulli

MÓDULOFILOSOFIA

A BUSCA PELO CAMINHO QUE LEVA À VERDADE

A questão acerca do conhecimento seguro é, sem dúvida,

um dos maiores problemas do mundo moderno, o qual

difere, essencialmente, do mundo medieval. Neste, o homem

estava submetido às verdades reveladas por Deus por

meio da Igreja, que se impunha como detentora do saber

e do conhecimento em todas as áreas, da moral à ciência

do Universo. Temos como exemplo a trajetória de Giordano

Bruno, que foi queimado vivo pela Inquisição em 1600,

por defender a teoria do heliocentrismo de Copérnico. Outro

exemplo é o de Galileu, impedido de falar e publicar suas

ideias por estas irem contra as ideias defendidas pela Igreja.

Na Modernidade, veremos a gradativa desmistificação

do Universo, o chamado desvelamento ou desencantamento

do Universo. Assim, a natureza e o próprio homem tornam-

se objeto do conhecimento, o qual deve ser construído

pelo homem, não sendo mais determinado pela autoridade

eclesiástica.

Fran

s H

als

Monumento erguido em 1889 no local onde Giordano Bruno foi executado. Campo de Fiori, Roma, Itália.

O homem moderno, portanto, recuperou sua liberdade

e autonomia para pensar, apesar da autoridade da Igreja,

que ainda exercia grande influência no mundo e nos meios

intelectuais. As ideias aristotélicas, que até então tinham

servido como base para a Escolástica, não eram mais

suficientes para fundamentar o conhecimento seguro sobre

o mundo. As superstições cederam lugar à subjetividade,

e o papel preponderante do homem abriu caminho para

o conhecimento verdadeiro. O mundo se mostrava agora

um livro aberto, pronto para ser conhecido. Nessa nova

realidade, surgiu então a questão: qual é o caminho que

leva ao conhecimento verdadeiro sobre o mundo? Com isso,

a questão do método (do grego Methodos: meta: rumo;

hodos: caminho: caminho que leva a algum lugar), ou seja, da

teoria do conhecimento ou Epistemologia, tornou-se urgente.

Nesse contexto, ocorre uma inversão de valores

e de paradigmas: desde a Antiguidade, acreditava-se

no poder do homem para conhecer todas as coisas, ou seja,

acreditava-se que o homem poderia conhecer plenamente

o mundo e a si mesmo. Na Modernidade, entretanto,

manifestam-se outras questões: Qual será a capacidade

do homem de conhecer? Como ocorre esse conhecimento?

Qual é a origem das ideias?

Apesar de na Modernidade esse problema apresentar

novos contornos, ele não é novo. Basta lembrarmos

que a Filosofia tem, em sua origem, a ânsia pelo saber.

Desde os seus primórdios, os filósofos naturalistas, como

Heráclito e Parmênides, já tentavam solucionar o problema

do caminho para o conhecimento verdadeiro, o qual tem sido

uma das questões mais discutidas e polemizadas na história

da Filosofia.

Heráclito, por exemplo, acreditava que as coisas

do mundo não possuem uma essência imutável, por isso,

a única forma de conhecermos os seres seria através

das informações fornecidas pelos sentidos. Já Parmênides,

por acreditar que os seres possuem uma essência imutável,

defendia que a única maneira de acesso a essa essência

era o pensamento puro, a razão.

Epistemologia moderna 11 A

Page 4: 06 - Filosofia Bernoulli

4 Coleção Estudo

Platão e Aristóteles, por sua vez, respeitando algumas diferenças de aspectos menores que podem relativizar o problema, também estavam convencidos de que o conhecimento seguro era garantido pela busca das essências dos seres. Platão buscava essas essências no mundo inteligível e Aristóteles, nas coisas sensíveis. Segundo Platão, o único instrumento que leva a tal conhecimento é a alma, onde está a razão, por meio da ascensão dialética. Já Aristóteles acreditava que a experiência levaria, por meio do raciocínio indutivo, a tal verdade.

Na Idade Média, Agostinho, principal representante da Patrística, acreditava que a verdade estava dentro do homem, e esta só seria acessível pela razão, com a ajuda da iluminação divina. Já Tomás de Aquino, importante pensador medieval e maior expoente da Escolástica, valorizava a utilização dos sentidos para as Ciências Naturais e seu papel no conhecimento da natureza.

A questão do método, portanto, é um dos mais importantes problemas filosóficos. Para alguns comentadores, como Caio Prado Júnior, em seu livro O que é Filosofia?1, essa é a verdadeira questão com a qual a Filosofia deveria se preocupar.

Para resolver tal problema, surgem dois caminhos, que ganham destaque na Modernidade: o racionalismo e o empirismo. Mais tarde, teremos também o criticismo kantiano, que consiste em uma síntese entre racionalismo e empirismo.

Racionalismo

1 - [O racionalismo é uma] doutrina que privilegia a razão dentre todas as faculdades humanas, considerando-a como fundamento de todo conhecimento possível. O racionalismo considera que o real é, em última análise, racional e que a razão é, portanto, capaz de conhecer o real e de chegar à verdade sobre a natureza das coisas. Segundo Hegel: “Aquilo que é racional é real, e o que é real é racional” (Filosofia do direito, Prefácio). Oposto a ceticismo, misticismo.

[...]

3 - Contrariamente ao empirismo (valorizando a experiência) e ao fideísmo (valorizando a revelação religiosa), o racionalismo designa doutrinas bastante variadas suscetíveis de submeter à razão todas as formas de conhecimento. Em seu sentido filosófico, ele tanto pode ser uma visão do mundo que afirma o perfeito acordo entre o racional e a realidade do universo quanto uma ética que afirma que as ações e as sociedades humanas são racionais em seu princípio, em sua conduta e em sua finalidade.

RACIONALISMO. In: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. Rio de janeiro: Zahar, 1996.

No final do século XV e durante os séculos XVI e XVII,

muitos filósofos se entusiasmaram pela Matemática

(aritmética, álgebra e geometria), acreditando, então, que

poderiam aplicar o método matemático, puramente racional,

a todas as áreas de investigação, garantindo a certeza dos

conhecimentos alcançados. O que se utilizaria não seriam

os números e os cálculos em si, mas o procedimento

dedutivo, isto é, o modo pelo o qual a Matemática encadeia

as razões ou afirmações segundo certa ordem, chegando

a uma conclusão exata e verdadeira. Essa racionalidade

se expressaria de modo geométrico, lógico, dedutivo,

caracterizando a visão específica do racionalismo moderno

ou “grande racionalismo”.

Podemos apontar como filósofos que seguem a linha dos

grandes racionalistas, respeitando as devidas diferenças:

Parmênides (pré-socrático), Sócrates e Platão (Antiguidade),

Santo Agostinho (Idade Média), além dos modernos

Descartes, Malebranche, Espinosa, Leibniz e Hegel.

Segundo Nicola Abbagnano, em Dicionário de Filosofia2,

o termo racionalismo foi utilizado pela primeira vez por

Kant para se referir à sua filosofia transcendental. Já Hegel

foi o primeiro a utilizar esse termo para se referir à filosofia

que começa com Descartes e se opõe ao empirismo de Locke

e seus sucessores.

Uma das querelas da Filosofia diz respeito à utilização

do termo “racionalista”. Afinal, os pensadores anteriores

a Descartes, conhecido como o “o grande racionalista”, podem

ser também chamados de racionalistas? José Ferrater Mora,

em seu Dicionário de Filosofia3, encerra essa questão

ao se referir a Parmênides e a Platão como racionalistas.

Dessa forma, o termo racionalismo é adequadamente

utilizado para se referir ao procedimento de filósofos

anteriores à Modernidade, os quais buscavam a verdade ou

o conhecimento por meio da razão. Nesse caso, podemos

dizer que o procedimento é mais importante que o termo,

e, nesse caso, tal procedimento é a busca da verdade por

meio do pensamento puro.

Não podemos afirmar, porém, que o racionalismo de Platão

seja pensado nos mesmos moldes que o de Descartes.

O mundo material ou sensível, para Platão, também

é importante, sendo incorreto afirmar que existe em sua

filosofia um dualismo que diz que as coisas materiais,

sensíveis, empíricas sejam ruins em si mesmas e que as

ideias inteligíveis sejam alcançadas sem que o homem tenha

qualquer contato com as coisas sensíveis.

1 PRADO Jr., Caio. O que é filosofia?. São Paulo: Brasiliense, 1981 (Primeiros Passos, 37).

2 ABBAGNANO, Nicola. Dicionário de Filosofia. Tradução de Alfredo Bosi. 21. ed. São Paulo: Martins Fontes, 1998. p. 822.

3 RACIONALISMO. In: MORA, José Ferrater.Dicionário de Filosofia. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001

Frente A Módulo 11

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5Editora Bernoulli

FILO

SOFI

A

Empirismo

Doutrina ou teoria do conhecimento segundo a qual todo conhecimento humano deriva, direta ou indiretamente, da experiência sensível externa ou interna. Freqüentemente fala-se do “empírico” como daquilo que se refere à experiência, às sensações e às percepções, relativamente aos encadeamentos da razão. O empirismo, sobretudo de Locke e de Hume, demonstra que não há outra fonte do conhecimento senão a experiência e a sensação. As ideias só nascem de um enfraquecimento da sensação e não podem ser inatas. Daí o empirismo rejeitar todas as especulações como vãs e impossíveis de circunscrever.

Seu grande argumento: “Nada se encontra no espírito que não tenha, antes, estado nos sentidos.” “A não ser o próprio espírito”, responde Leibniz.

EMPIRISMO. In: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. Rio de janeiro: Zahar, 1996.

Se os grandes racionalistas modernos ocupam espaço

nos séculos XVI e XVII, os empiristas, principalmente Locke

e Hume, o fazem nos séculos XVII e XVIII. Com o aumento da

produção industrial, que encontrou seu ápice na Revolução

originada na Inglaterra em meados do século XVIII,

o conhecimento do mundo passou a ter preocupações

tipicamente práticas, por isso a ênfase naquilo que

é experimentável, nos sentidos e em um saber que privilegia

o conhecimento e a dominação da natureza.

Na linha dos grandes empiristas, encontram-se Heráclito

(pré-socrático) e Aristóteles (Antiguidade Grega), além

dos modernos Bacon, Pascal, Locke e Hume, sendo os dois

últimos os mais importantes representantes do empirismo

moderno, chamado também de empirismo inglês.

Assim como racionalismo, o termo empirismo é utilizado

principalmente para os modernos, porém, podemos estender

sua utilização para os antigos. Aristóteles, por exemplo,

quando fala de indução, está se referindo à experiência.

Da mesma forma, em seu pensamento ético, quando diz que

o homem deve tornar-se melhor, também está se referindo

à prática, ou seja, à experiência4.

Tal como para Platão, não podemos afirmar que Aristóteles

despreza a razão como meio de conhecer as coisas. Pelo

contrário, se pensarmos na lógica aristotélica, os argumentos

indutivos partem sim de experiências e por meio delas fazem

generalizações, já o argumento silogístico ou dedutivo opera

de modo puramente racional, o que prova a importância da

razão para Aristóteles.

Realizada essa introdução à Epistemologia moderna,

falemos agora dos principais pensadores desse período:

René Descartes, Francis Bacon, John Locke e David Hume.

RACIONALISMO MODERNO

René DescartesConhecido como o pai da Filosofia Moderna, René

Descartes nasceu na França, na cidade de La Haye, região da Touraine, em 31 de março de 1596. Sua família, cujos membros eram comerciantes e médicos, ascendeu socialmente, tornando-se proprietária de terras e de títulos de nobreza, o que levou seu pai, Joachin Descartes, a tornar-se conselheiro no Parlamento da Bretanha. Descartes passou a infância com sua avó, devido à morte de sua mãe quando ele tinha apenas um ano de idade.

Aos dez anos, foi enviado para o Colégio Real na cidade de La Flèche. O colégio, fundado pelos jesuítas sob a proteção do rei Henrique IV, logo ficou conhecido como uma das melhores e mais importantes escolas de toda a Europa. Descartes frequentou essa instituição durante 12 anos, onde obteve uma sólida formação científica e humanística, dedicando-se ao estudo da Lógica, da Matemática e da Filosofia. Logo após, foi estudar na Universidade de Poitiers, onde obteve bacharelado e licenciatura em Direito.

Fran

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als

Retrato de René Descartes, conhecido como o fundador da Filosofia Moderna.

Descartes foi um aluno brilhante, tendo seu brilhantismo e sua dedicação levado-o a uma crise profunda em relação a todo o conhecimento científico e filosófico que obteve em seus tempos de estudo. Descartes percebeu que todo o conhecimento que aprendera em La Flèche e na universidade não era tão seguro quanto ele desejava, ou seja, percebeu que, em contraposição a toda e qualquer verdade, sempre havia uma outra ideia, que também se pretendia verdadeira, que a contrariava.

4 EMPIRISMO. In: MORA, José Ferrater. Dicionário de Filosofia. 2. ed. São Paulo: Loyola, 2001.

Epistemologia moderna

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6 Coleção Estudo

No Discurso do Método, o filósofo afirma:

Alimentei-me de letras desde a minha infância, e, devido ao

fato de me terem persuadido de que por meio delas podia-se

adquirir um conhecimento claro e seguro sobre tudo o que

é útil à vida, tinha extremo desejo de aprendê-las. Porém,

assim que terminei todo esse curso de estudos, ao fim do

qual costuma-se ser recebido na fileira de doutores, mudei

inteiramente de opinião.

DESCARTES, René. Discurso do método. Primeira Parte. Lisboa, Ed. Marfim, 1989. p. 13.

Dessa forma, Descartes se vê imensamente decepcionado com todo o conhecimento, pois percebe que as ideias que aprendera não poderiam ser satisfatoriamente defendidas pela razão, ou seja, todo o conhecimento aprendido até então era falho. É importante ressaltar que o filósofo não se decepcionou com a escola ou com seus mestres, pelos quais sempre teve grande respeito e admiração, mas com as próprias Humanidades, nas quais se incluia o estudo de Geografia, História, Retórica, Direito, Poesia, Teologia, Lógica, Física, Metafísica, Moral, Medicina e Jurisprudência, dentre outros.

Assim, na filosofia que aprende – como aliás em todos

os domínios das “letras” –, Descartes defronta-se com

opiniões inseguras e sem nenhuma utilidade prática: as

“Humanidades” não serviam verdadeiramente ao homem.

DESCARTES. Vida e obra. In: Descartes. São Paulo: Editora Nova Cultural, 2000. p. 12. Coleção Os pensadores.

Gravura do século XVIII representando o Colégio de La Flèche.

Empolgado com os avanços da Matemática trazidos por Copérnico e principalmente por Galileu e decepcionado com as Humanidades, Descartes acreditava que o conhecimento seguro deveria ser certo e indubitável, tal como são os conhecimentos trazidos pela Matemática. Dedicou-se, então, a buscar esse conhecimento, não em livros e ensinamentos, mas em si mesmo e no “grande livro do mundo”.

O filósofo pronunciou-se sobre a insegurança das

verdades filosóficas que poderiam ser colocadas em dúvida

da seguinte forma:

Da Filosofia nada direi, senão que, vendo que foi cultivada

pelos mais excelsos espíritos que viveram desde muitos

séculos e que, no entanto, nela não se encontra ainda uma

só coisa sobre a qual não se dispute e, por conseguinte, que

não seja duvidosa, eu não alimentava qualquer presunção

de acertar mais que os outros; e que, considerando quantas

opiniões diversas, sustentadas por homens doutos, pode

haver sobre uma mesma matéria, sem que jamais possa

existir mais de uma que seja verdadeira, refutava quase

como falso tudo o que era somente verossímil. Eis por

que, tão logo a idade me permitiu sair da sujeição de meus

preceptores, deixei inteiramente o estudo das letras.

E, resolvendo-me a não mais procurar outra ciência, além

daquela que poderia achar em mim próprio, ou então

no grande livro do mundo, empreguei o resto de minha

mocidade em viajar, em ver cortes e exércitos, em freqüentar

gente de diversos humores e condições, em recolher

diversas experiências, em provar-me a mim mesmo nos

reencontros que a fortuna me propunha e, por toda parte,

em fazer tal reflexão sobre as coisas que me apresentavam

que eu pudesse tirar delas algum proveito. [...] Mas, depois

que empreguei alguns anos em estudar assim no livro

do mundo, e em procurar adquirir alguma experiência,

tomei um dia a resolução de estudar também a mim próprio

e de empregar todas as forças de meu espírito na escolha

dos caminhos que deveria seguir.

DESCARTES, René. Discurso do método. Primeira Parte.

São Paulo: Abril Cultural, 1972. p. 7

É nesse contexto que Descartes ingressa nos exércitos

de Maurício de Nassau em 1618, ano em que se deu o início

da Guerra dos Trinta Anos contra os espanhóis pela liberdade

da Holanda, país onde mais tarde Descartes foi morar,

devido à tolerância e à liberdade cultivadas ali. Na cidade

de Breda, conheceu um jovem, de quem se tornou amigo,

chamado Isaac Beeckman, que o incentivou a se dedicar

à Física e à Matemática. Com o aprofundamento de seus

conhecimentos matemáticos, Descartes decide construir uma

Mathesis Universalis (Matemática Universal), com a qual

ele poderia alcançar um conhecimento seguro e claro sobre

o mundo, abandonando as incertezas até então reconhecidas

nas Humanidades.

Frente A Módulo 11

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O Discurso do método é uma das mais importantes obras de Descartes. Nela, o filósofo tentará encontrar o caminho que leva o homem ao conhecimento verdadeiro sobre o mundo.

A partir desse momento, Descartes dedicou-se à escrita

de suas obras, tendo sido Discurso do Método, Meditações

Metafísicas, Regras para a direção do Espírito, Princípios

de Filosofia e Tratado das paixões da Alma suas obras

mais importantes. Foi nesse período que conheceu Helène

Jans, com quem se casou e teve uma filha, Francine,

que faleceu com 5 anos, fato que marcou profundamente

a vida do filósofo.

Depois de passar muitos anos na Holanda e de viajar

por muitos outros lugares, as ideias de Descartes já eram

internacionalmente conhecidas. Em 1649, o filósofo aceitou

o convite da rainha Cristina da Suécia para se abrigar em

seu palácio em Estocolmo. De saúde frágil desde a sua

infância e tendo que acordar de madrugada durante três

dias da semana para lecionar à rainha, Descartes não

suportou o clima rigoroso daquele país e decidiu ir embora.

Ao abandonar a Corte, o filósofo adoeceu, vítima de uma

pneumonia que o levou à morte depois de uma semana

de grande sofrimento, em 11 de fevereiro de 1650.

O discurso do métodoEmpolgado com os avanços da Matemática e decepcionado

com as falhas dos conhecimentos científicos e filosóficos

aprendidos até então, Descartes deu um passo ousado,

tornando-se conhecido e admirado como grande

pensador. Segundo ele, o edifício do saber, ou seja, todos

os saberes científicos que se pretendiam corretos e

verdadeiros sobre o mundo e as coisas, não passava de um

conjunto de conhecimentos inseguros e frágeis, os quais

poderiam ser contestados pelo uso de argumentos que os

abalassem em suas certezas e os tornassem questionáveis.

Dessa maneira, para Descartes, não era possível confiar em

nenhum conhecimento científico que não fosse claro e distinto,

ou seja, que não fosse transparente para quem a ele recorresse

e que não fosse inconfundível com qualquer outra ideia.

Foi esta a meta cartesiana: encontrar verdades claras

e distintas sobre todas as coisas; verdades estas que

serviriam como certeza para a constituição do conhecimento

seguro. Porém, Descartes sabia que o edifício do saber, ou

seja, as ciências, tem como fundamento verdades filosóficas

que, para ele, também são inseguras. Como seria possível

construir um novo edifício sobre bases que também eram

inseguras? Para Descartes, isso era impossível.

Assim, tomando como base a Matemática, o filósofo

tentou construir a Mathesis Universalis – Matemática

Universal –, com o objetivo de, por meio dela, garantir

verdades que fossem por si mesmas indubitáveis. Veja que

a ideia cartesiana não era aplicar os números à Filosofia

ou às Ciências, mas sim utilizar a lógica matemático-dedutiva

para elaborar um método, um caminho que pudesse garantir

que o conhecimento alcançado pelo homem fosse seguro

e realmente verdadeiro.

Para isso, Descartes eliminou qualquer tipo de conhecimento

obtido por meio das experiências, pois considerava

que os sentidos eram falhos e, portanto, o conhecimento

alcançado por meio deles era impreciso. É exatamente por

isso que Descartes é o grande racionalista moderno, uma

vez que, para ele, somente a razão, operando com ideias

e deduções matemáticas, concatenações de ideias que não

sejam originadas dos sentidos, poderia encontrar as verdades.

A (–5,3)

B (6,5)

C (4,5;–3,5)

D (0,0)

1 2 3 4 5 6

–1–2–3–4–5–6

–5

–6

–4

–3

–2

–1

5

6

Y

X

4

3

2

1

Os planos cartesianos ou o sistema de coordenadas no plano

cartesiano permitiram a criação da geometria analítica.

Epistemologia moderna

Page 8: 06 - Filosofia Bernoulli

8 Coleção Estudo

Porém, não basta aplicar a geometria e a álgebra separadas uma da outra, para delas encontrar as verdades. Segundo Descartes, é necessário unir as duas, de modo que seja possível traduzir os problemas geométricos em linguagem algébrica para alcançar o conhecimento sobre as formas geométricas através das equações. Dessa forma, Descartes funda a geometria analítica, aplicando a álgebra à geometria e estudando as figuras geométricas por meio de equações algébricas.

Para Descartes, procedendo dessa forma, seria possível alcançar verdades sobre o mundo que fossem claras e distintas, ou seja, evidentes à mente humana e sobre as quais não se pudesse duvidar. Nesse sentido, ele afirma, no Discurso do Método:

Aquela longa cadeia de raciocínios, todos simples e fáceis, de que os geômetras têm o hábito de se servir para chegar às suas difíceis demonstrações, me havia possibilitado imaginar que todas as coisas de que o homem pode ter conhecimento derivam do mesmo modo e que, desde que se abstenha de aceitar como verdadeira uma coisa que não o é e respeite sempre a ordem necessária para deduzir uma coisa da outra, não haverá nada de tão distante que não se possa alcançar, nem de tão oculto que se não possa descobrir.

DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Abril Cultural, 1972. p. 14.

Desse modo, Descartes chega à seguinte conclusão: se fosse possível aplicar às Ciências e à Filosofia a mesma lógica utilizada na Matemática, a qual levava a verdades inquestionáveis, seria possível encontrar verdades tão claras e evidentes que nem os homens mais criativos poderiam ousar duvidar.

Para isso, uma única coisa era necessária: um método adequado. Portanto, Descartes, antes de buscar conhecer o mundo, oferece regras que, se bem seguidas e adequadamente dispostas, levariam o homem ao conhecimento certo, seguro e verdadeiro sobre tudo aquilo que se pode conhecer, ou seja, elabora um método para alcançar tais conhecimentos.

O método cartesianoO método pensado por Descartes para se alcançar

a verdade se baseia em quatro passos ou regras. Segundo o filósofo:

[...] [seriam] regras certas e fáceis que, sendo observadas exatamente por quem quer que seja, tornem impossível tomar o falso por verdadeiro e, sem qualquer esforço mental inútil, mas aumentando sempre gradualmente a ciência, levem ao conhecimento verdadeiro de tudo o que se é capaz de conhecer.

DESCARTES, René. Discurso do método. Primeira Parte. São Paulo: Abril Cultural, 1972. p. 14.

1ª - Regra da evidência

Não se deve acatar nunca como verdadeiro aquilo que não se reconhece ser tal pela evidência, ou seja, evitar acuradamente a precipitação e a prevenção, assim como nunca se deve abranger entre nossos juízos aquilo que não se apresente tão clara e distintamente à nossa inteligência a ponto de excluir qualquer possibilidade de dúvida.

DESCARTES, René. Discurso do método. Primeira Parte. São Paulo: Abril Cultural, 1972. p. 13.

É o ponto de partida, mas também o ponto de chegada de todo o conhecimento. Mais do que uma regra, apresenta-se como um princípio norteador de todo o conhecimento. De forma mais simples: o homem só deve acolher como verdade aquilo que aparece ao seu espírito, à sua mente, como uma ideia clara e distinta, que seja evidente e impossível de ser confundida com outra ideia qualquer. Tal como 2 + 2 = 4 e desta conclusão ninguém em sã consciência poderia duvidar, sendo que essa ideia aparece à mente humana com tal clareza que nenhuma outra ideia pode se confundir a ela, toda e qualquer verdade deve obedecer ao mesmo critério de evidência. Essa verdade é intuitiva e se autojustifica, não necessitando de nenhuma explicação ou argumento que a comprove.

2ª – Regra da análise

[...] dividir cada problema que se estuda em tantas partes

menores, quantas for possível e necessário para melhor resolvê-lo.

DESCARTES, René. Discurso do método. Primeira Parte. São Paulo: Abril Cultural, 1972. p. 13.

Se a intuição da evidência se dá na simplicidade, a segunda regra diz que, diante de um problema, é necessário dividi-lo em tantas partes quanto for possível, evitando, assim, qualquer ambiguidade que possa aparecer e confundir o homem. De acordo com essa regra, deve-se reduzir o complexo ao simples, de forma que aquilo que era maior seja dividido em partes menores e indivisíveis de um todo.

3ª – Regra da síntese

A terceira regra é a de conduzir com ordem os pensamentos, começando pelos mais simples e mais fáceis de conhecer, para elevar-se, pouco a pouco, como por degraus, até o conhecimento dos mais complexos, supondo uma ordem também entre aqueles nos quais uns não precedem naturalmente aos outros.

DESCARTES, René. Discurso do método. Primeira Parte. São Paulo: Abril Cultural, 1972. p. 13.

Essa regra diz que, enquanto a regra da análise divide o problema em partes menores, é necessário que esses problemas sejam resolvidos individualmente, começando dos mais simples até alcançar a resolução dos mais complexos ou mais difíceis.

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4ª – Regra da enumeração

A última regra é a de fazer sempre enumerações tão completas e revisões tão gerais a ponto de se ficar seguro de não ter omitido nada.

DESCARTES, René. Discurso do método. Primeira Parte. São Paulo: Abril Cultural, 1972. p. 13.

Essa regra diz que, depois de ter dividido o problema em partes menores e de começar a resolvê-los dos mais simples para os mais complexos, deve-se, de tempo em tempo, voltar-se sobre todo o caminho percorrido e verificar se alguma coisa ficou esquecida, ou seja, fazer revisões constantes para verificar se tudo foi dividido na análise e ainda se tudo foi resolvido na síntese.

Segundo Descartes, aplicando esse método a toda e qualquer pesquisa natural ou filosófica, o homem encontraria um conhecimento que fosse obediente à primeira regra, ou seja, que fosse evidente e sem qualquer sombra de dúvida. Se observarmos com cuidado, perceberemos que o método cartesiano baseia-se na simplicidade da resolução das questões matemáticas, em que se parte da ideia de que a resposta alcançada com a resolução do problema deve ser exata e indubitável. Depois, partindo para a resolução propriamente dita, divide-se o problema e inicia-se sua resolução das partes mais simples para as mais complexas. No final ou durante o processo, verifica-se todas as operações realizadas, observando cuidadosamente se não ficou nada sem ser resolvido ou se não se esqueceu de nenhum detalhe. Procedendo deste modo, pode-se afirmar com certeza de que a resposta obtida é correta, ou seja, é evidente.

Cogito, ergo sumUma vez estabelecido o método, Descartes tem certeza

de que uma verdade só pode ser aceita como tal se aparecer à mente humana com clareza e distinção. Desse modo, ele estabelece o modelo universal, a Mathesis Universalis, que guiará o homem em busca de todo e qualquer saber, ou seja, que servirá como instrumento ao novo edifício do saber, tendo o antigo desmoronado uma vez que suas certezas eram contestáveis.

Porém, para que esse novo edifício do saber seja erguido, é necessário que existam certezas claras e distintas da Filosofia, base de toda e qualquer ciência. Mas, que certezas seriam estas? Que verdades filosóficas poderiam sustentar esse novo edifício do saber que trouxesse consigo toda clareza e distinção essenciais ao saber nos moldes cartesianos?

Buscando a verdade filosófica que sustentaria todo o edifício do saber, Descartes, mesmo não sendo um cético, utiliza-se do caminho dos céticos, acreditando que é possível encontrar uma verdade utilizando-se da dúvida somente como instrumento e não como um fim em si mesma. O filósofo coloca tudo em dúvida com objetivo de verificar se, ao final, alguma verdade que possa ser considerada indubitável resiste. Dessa maneira, Descartes desenvolve um caminho sistemático ao colocar em dúvida tudo aquilo que até então era considerado como certeza, o que ficou conhecido como a dúvida metódica, dividida em três passos ou estágios.

Primeiramente, Descartes duvida de todas as verdades que têm como fundamento os sentidos. De acordo com ele, se os sentidos já nos enganaram uma única vez, isto já é o suficiente para que desconfiemos deles todas as vezes. Portanto, não é possível acreditar ou confiar em nenhuma verdade que tenha como fundamento os cinco sentidos, ou seja, o empirismo.

Em segundo lugar, Descartes duvida das realidades do mundo e de si mesmo, propondo que as ideias que temos de nossa existência e do mundo podem não passar de ilusões ou sonhos. Se algumas vezes temos sonhos tão verdadeiros que parecem realidade, não há nada que assegure que estamos acordados ou dormindo, portanto, não há qualquer instrumento ou ideia que sirva para distinguir realidade de sonho, de ilusão. Assim, ele afirma:

[...] E, persistindo nesta meditação, percebo tão claramente

que não existem quaisquer indícios categóricos, nem sinais

bastante seguros por meio dos quais se possa fazer uma

nítida distinção entre a vigília e o sono, que me sinto

completamente assombrado: e meu assombro é tanto que

quase me convence de que estou dormindo.

DESCARTES, René. Meditações primeiras. In: Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 87.

Em terceiro lugar, Descartes chega à dúvida hiperbólica, dúvida exagerada ou hipótese do gênio maligno. Até então, o filósofo havia desconfiado de todo o conhecimento, salvando de sua desconfiança somente a Matemática, que para ele era o único conhecimento seguro e exato, porque é totalmente racional. Nesse terceiro momento da dúvida metódica, Descartes coloca em dúvida inclusive as verdades matemáticas. E se as verdades matemáticas que aparecem à mente humana de modo intuitivo e evidente não passarem de ilusões coletivas, de mentiras forjadas por um grande gênio maligno que engana todos os homens ao mesmo tempo, fazendo-os acreditar que 2 + 2 = 4 quando isso não passa de uma ilusão? O saber matemático não poderia ser fruto de um ser superior que sadicamente engana todos os homens para deles rir? As próprias coisas do mundo, as imagens que temos delas, as ideias, não poderiam ser também uma ilusão de um ser enganador, ardiloso e astuto?

Presumirei, então, que existe não um verdadeiro Deus, que

é a suprema fonte da verdade, mas um certo gênio maligno,

não menos astucioso e enganador do que poderoso, que

dedicou todo o seu empenho em enganar-me. Pensarei que

o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons e todas as

coisas exteriores que vemos não passam de ilusão e fraudes

que Ele utiliza para surpreender minha credulidade.

DESCARTES, René. Meditações primeiras. In: Meditações.

São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 88.

Epistemologia moderna

Page 10: 06 - Filosofia Bernoulli

10 Coleção Estudo

Porém, ao final de seu caminho em que colocou todas

as coisas, inclusive as verdades matemáticas, em dúvida,

Descartes alcança a verdade clara, distinta e inabalável que

sustentará todo o edifício do saber, de forma intuitiva e tão

evidente que seria impossível que qualquer homem duvide

dela: a verdade do cogito. Assim, ele afirma:

[...] Somente depois tive que constatar que, embora

eu quisesse pensar que tudo era falso, era preciso

necessariamente que eu, que assim pensava, fosse alguma

coisa. E observando que essa verdade – “penso, logo sou” –

era tão firme e sólida que nenhuma das mais extravagantes

hipóteses dos céticos seria capaz de abalá-la, julguei que

podia aceitá-la sem reservas como o princípio primeiro

da filosofia que procurava.

DESCARTES, René. Discurso do Método.

Tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior.

São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 46.

Para Descartes, o homem pode duvidar de absolutamente

tudo. Pode duvidar dos conhecimentos empíricos, de sua

existência e da existência do mundo. Pode duvidar até das

verdades matemáticas. Ele só não pode duvidar de que

duvida, ou seja, de que pensa. E se pensa, ele existe.

Portanto, esta verdade, conhecida como a certeza do

Cogito (Cogito, ergo sum! – Penso, logo existo!), é tão

evidente e absolutamente verdadeira que mesmo a dúvida,

até aquela mais exagerada, serve como confirmação dela,

de forma que o filósofo afirma que, se deixasse de pensar,

ele deixaria de existir.

Assim, para Descartes, o que garante a existência humana

não são os sentidos, mas o pensamento puro. O homem

existe enquanto é substância pensante ou res cogitans.

O que garante tanto a existência do homem quanto

a existência de todas as coisas é a substância pensante,

o eu pensante.

[Nesse sentido] existem apenas duas substâncias,

claramente separadas uma da outra e irredutíveis uma à

outra: a res cogitans (coisa pensante) que é o homem,

e a res extensa (coisa extensa que são as coisas do

mundo fora do pensamento). A res cogitans é a existência

espiritual do homem sem nenhuma ruptura entre pensar

e o ser, é a alma humana como realidade pensante que

é pensamento em ato, é como pensamento em ato que

é realidade pensante. A res extensa é o mundo material

(compreendendo obviamente o corpo humano), do qual,

justamente, se pode predicar como essencial apenas

a propriedade da extensão.

REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. 2. ed. 7v.

São Paulo: Loyola, 2001. Volume III. p. 293.

Uma vez atingida a verdade do Cogito, só há uma única

instância que garanta a verdade sobre o mundo: o próprio

homem. Não há necessidade de se encontrar provas

ou justificativas, muito menos empíricas, fora do homem que

garantam a verdade. Toda pesquisa deve somente buscar

o grau máximo de clareza e distinção, dadas pelo pensamento

puro. Se a verdade aparecer à mente humana com clareza

e distinção, essa ideia é verdadeira. É justamente por isso

que Descartes representa o maior expoente do racionalismo

moderno: ele acredita que as verdades são alcançadas

unicamente pela razão humana e nada mais. O próprio

método cartesiano tem como base a razão, o pensamento

claro e distinto que, aplicado adequadamente ao mundo,

às ciências, produzirão verdades claras e distintas.

A existência de DeusDescartes chegou à ideia do Cogito, considerando-a

indubitável e autoevidente. Porém, surge um outro

problema: se o fundamento do conhecimento verdadeiro

está na consciência, o homem tem, enquanto ser pensante,

uma multiplicidade de ideias em sua mente, e sobre essas

ideias a Filosofia deve se debruçar a fim de constatar a sua

veracidade. E há ainda outro problema: será que as ideias

que o homem tem de um objeto do mundo correspondem

verdadeiramente a esse objeto? Como é possível sair

da ideia em si e alcançar o mundo externo de forma que ele

corresponda exatamente ao que se pensou dele? As ideias

são puras representações mentais ou elas correspondem

exatamente ao mundo externo, à realidade objetiva fora

do homem?

Para responder a essas perguntas, é necessário, em

primeiro lugar, compreendermos como Descartes divide

essas ideias. Ele as classifica em 3 grupos:

1 – Ideias inatas: são aquelas que nascem com

o homem, que são intrínsecas à sua consciência. São as

ideias de Deus, de corpo, de formas geométricas – como

triângulos, círculos, dentre outras –, que representam

em si as essências imutáveis e verdadeiras.

2 – Ideias adventícias: são ideias estranhas, que vêm

de fora do homem, como as ideias dos objetos.

3 – Ideias factícias: são as ideias inventadas pelo

homem.

Essas três classes de ideias existem subjetivamente

na mente humana. A questão para Descartes é saber

se elas são também objetivas, ou seja, se aquilo que

existe na mente também existe no mundo e corresponde

à realidade das coisas. Para o filósofo, as ideias factícias são

ilusórias e, portanto, arbitrárias, devendo ser ignoradas.

Frente A Módulo 11

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As ideias inatas só existem na mente do homem, portanto, não se referem a nada do mundo externo, já nasceram com o homem e encontram fundamento no res cogitans, não sendo questionáveis. O problema está, então, com as ideias adventícias: será que aquilo que o homem pensa sobre o mundo corresponde à realidade das coisas, ou tais ideias não passam de uma ilusão?

Para resolver esse problema, Descartes lançou mão da ideia de Deus. O filósofo considera certo que a ideia de Deus existe, mas questiona: teria sido ela criada pelo homem ou existe por conta própria? A ideia de Deus é objetiva ou subjetiva?

Descartes considera, nas Meditações Metafísicas:

[que a ideia de Deus se constitui em] uma substância infinita, eterna, imutável, independente e onisciente, a qual eu próprio e todas as outras coisas que existem (se é verdade que há coisas existentes) fomos criados e produzidos.

DESCARTES, René. Meditações primeiras. In: Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 87.

Nesse sentido, o filósofo concluiu que a ideia de Deus era inata, porque os homens, sendo seres imperfeitos e limitados, não poderiam ser a causa de uma ideia de perfeição e eternidade, uma vez que tal ideia seria o efeito de uma causa, e a causa não traria a perfeição que a ideia exige. De forma mais simples: a ideia de Deus não poderia ter como causa de sua criação o homem, porque este é imperfeito, e um ser imperfeito e limitado não poderia elaborar a ideia de perfeição e eternidade. Portanto, a ideia de Deus é inata e só poderia ter como causa um ser que também fosse perfeito e eterno, nesse caso, somente Deus poderia criar essa ideia e colocá-la na mente do homem, e, assim, pelo raciocínio de Descartes, Deus existe. Nas palavras do filósofo:

[...] fica evidente que o autor dessa idéia que está em mim não sou eu, imperfeito e finito, nem qualquer outro ser, da mesma forma limitado. Tal idéia, que está em mim, mas não é de mim, só pode ter por causa adequada um ser infinito, isto é, Deus.

DESCARTES, René. Meditações primeiras. In: Meditações. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 91.

E quando considero que duvido, isto é, que sou uma coisa incompleta e dependente, a idéia de um ser completo e independente, ou seja, de Deus, apresenta-se a meu espírito com igual distinção e clareza; e do simples fato de que essa idéia se encontra em mim, ou que sou ou existo, eu que possuo esta idéia, concluo tão evidentemente a existência de Deus e que a minha depende inteiramente dele em todos os momentos da minha vida, que não penso que o espírito humano possa conhecer algo com maior evidência e certeza.

DESCARTES, René. Meditações. Tradução de Jacó Guinsburg e Bento Prado Júnior.

São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 297-298.

Desse modo, Descartes elabora um argumento denominado

de prova ontológica da existência de Deus: a existência de

Deus é parte integrante de sua essência. Assim, é impossível

ter a ideia de Deus sem que Ele exista, sendo o próprio

criador de sua ideia, perfeita e infinita, que a coloca na mente

do homem, ser imperfeito e finito. A ideia de Deus, segundo

Descartes, é a marca que o artesão (Criador) deixa em sua

obra (homem). Nesse sentido, Descartes descarta a hipótese

do gênio maligno, visto que o filósofo não havia afirmado

que Deus seria de fato um ser maligno.

Para Descartes, Deus é bom, perfeito, eterno e infinito.

Ele criou o homem e o fez capaz de conhecer o mundo.

Não sendo mal, mas sumamente bom, Deus não permitiria

que o homem, ao encontrar uma verdade clara e distinta

sobre o mundo, estivesse errado, ou estivesse tão enganado

que tomasse como verdade aquilo que não passa de uma

mentira. Dessa maneira, é Ele que garante que o homem,

ao alcançar uma verdade pela intuição intelectiva, encontre

a verdade. Assim, o homem, quando alcança alguma ideia

adventícia, proveniente das coisas para a consciência, isto é,

alcança alguma ideia sobre o mundo e ele mesmo enquanto

res extensa, se esta ideia aparece à sua mente com clareza

e distinção, quem garante que essa ideia é verdadeira (sua

objetividade), correspondendo de fato à verdade daquilo a

que se refere, é o próprio Deus.

Pelo princípio da correspondência, a ideia subjetiva

do homem sobre as coisas do mundo realmente corresponde

a essas coisas, e quem garante esse conhecimento verdadeiro

é Deus. Mas, então, surge a questão: e se o homem racional

não encontra a verdade? Isto significa que ela não existe?

A essa questão Descartes responde:

[...] o bom senso (a razão) é naturalmente igual em todos os

homens; e, destarte, que a diversidade de nossas opiniões

não provém do fato de serem uns mais racionais do que

outros, mas somente de conduzirmos nossos pensamentos

por vias diversas e não considerarmos as mesmas coisas.

Pois não é suficiente ter o espírito bom, o principal

é aplicá-lo bem.

DESCARTES, René. Discurso do Método.

São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 29.

Assim, o homem racional só não encontra a verdade sobre

o mundo se ele não seguir os passos corretos do método.

Com duas verdades claras e distintas, a do Cogito

e a de Deus, Descartes encontrou os fundamentos firmes

e incontestáveis que sustentarão todo o edifício do saber,

o qual tem, em sua essência, a ideia de que aquilo que

o homem pensa, através do método, sendo uma ideia clara

e distinta, é verdade, e quem garante essa verdade é Deus.

Epistemologia moderna

Page 12: 06 - Filosofia Bernoulli

12 Coleção Estudo

As consequências do pensamento cartesiano para o mundo ocidental

Sem dúvida, Descartes foi um dos grandes pensadores

da história da Filosofia que mais contribuiu para a formação

do pensamento ocidental. Sua preocupação com o método,

ao tentar responder à pergunta “O que é possível conhecer?”,

o levou aos mais ilustres altares do pensamento filosófico,

tendo ficado conhecido, inclusive, como o fundador

da Filosofia Moderna.

Descartes trouxe à baila a questão do conhecimento

e como este pode ser alcançado pelo homem, que, por ser

racional, pode alcançar a verdade sobre o mundo se seguir

os passos corretos para isso. A importância da filosofia

de Descartes é tanta, que muitos depois dele acreditaram

que o objetivo único e verdadeiro de toda a Filosofia seria

tratar somente da Epistemologia.

Porém, outra consequência do pensamento cartesiano

entrou para a história e até hoje é vista como uma questão

permanente da Filosofia: o dualismo psicofísico ou dicotomia

entre corpo e mente do homem.

Ren

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rtes

Nessa imagem, busca-se mostrar a ligação existente

entre a percepção sensorial de uma imagem e a ação

muscular. A imagem é transferida dos olhos para a glândula

pineal. A reação entre a imagem e a glândula determina

a ação motora.

Ao chegar à certeza do Cogito, Descartes afirmou

que a realidade do pensamento é mais clara e anterior

à realidade da existência física ou material do homem.

Inclusive, disse que aquilo que garante a existência material

do mundo e do próprio homem é o pensamento, por isso,

primeiramente, o homem pensa e só depois se conclui

que ele existe. Nesse momento, ocorre a divisão entre

res cogitans (coisa pensante, substância pensante) e res

extensa (coisa extensa ou coisa material), sendo que a

primeira garante a existência da segunda.

Esse antagonismo entre pensamento e matéria, corpo

e alma, foi tido durante pelo menos três séculos como

uma verdade incontestável em relação ao homem. De fato,

o homem tem em si uma dimensão de puro pensamento,

a consciência, e outra dimensão material, o corpo.

Essa separação do homem trouxe muitas consequências,

por exemplo, para a Medicina, que passou a compreender

o homem como duas coisas separadas. A partir dessa

concepção, a função do médico passou a ser curar

o corpo, os males físicos, sem se importar se tais males

estão ligados ou têm como causa algum mal ou distúrbio

mental, psicológico.

Essa separação corpo-alma, porém, é hoje combatida por

muitos pensadores, que tentam unificar o que Descartes

separou, buscando uma compreensão mais holística

do homem, concebendo-o como uma unidade em que mente

e corpo se interligam e se complementam.

Será que essas duas instâncias ou substâncias do homem –

a res cogitans e a res extensa –, completamente diferentes,

se comunicam de alguma forma? Buscando uma possível

solução para esse problema, Descartes escreveu duas

obras nas quais trata desse assunto: Tratado sobre o

homem e As paixões da alma. Nelas, o filósofo encontra o

ponto de comunicação entre corpo e mente, entre matéria

e consciência, denominado por ele de glândula pineal.

A respeito dessa ligação, Descartes afirma:

Não basta que ela (a alma) seja inserida no corpo como

um piloto em seu navio, senão, talvez, para mover seus

membros, mas é necessário que ela seja conjugada e unida

mais estreitamente com ele, para, ademais, experimentar

sentimentos e apetites semelhantes aos nossos, compondo

assim um verdadeiro homem.

DESCARTES, René. Discurso do método.

São Paulo: Martin Claret, 2002. P.46.

Frente A Módulo 11

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E ainda:

É preciso saber que, por mais que a alma esteja conjugada

com todo o corpo, entretanto há no corpo algumas partes em

que ela exerce suas funções de modo mais específico que em

todas as outras [...] A parte do corpo em que a alma exerce

imediatamente suas funções não é em absoluto o coração e

nem mesmo todo o cérebro, mas somente a parte interna dele,

que é certa glândula muito pequena, situada em meio à sua

substância e suspensa sobre o conduto pelo qual os espíritos

das cavidades anteriores se comunicam com os espíritos

das cavidades posteriores, de modo que os seus mais leves

movimentos podem mudar muito o curso dos espíritos [...]

DESCARTES, René. As Paixões da Alma. Tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Jr.

São Paulo: Abril Cultural, 1983. p. 238.

Constata-se, portanto, que, embora de uma forma um pouco precária, Descartes une novamente corpo e alma, apesar de, em sua filosofia, ter ficado mais evidente a separação entre essas duas substâncias.

EMPIRISMO MODERNO

Francis BaconFrancis Bacon nasceu em 22 de janeiro de 1561 em York

House, Strand, Inglaterra. Devido ao fato de seu pai ter sido tabelião da rainha Elizabeth, Bacon foi introduzido desde cedo na Corte inglesa. Entrou na Universidade de Cambridge aos 12 anos e, em 1575, obteve o título de advogado e jurisconsultor no Gray’s Inn, em Londres. Aos 23 anos de idade, entrou para a carreira política, sendo eleito para a Câmara dos Comuns onde permaneceu durante 20 anos. Ocupou cargos importantes na política da Inglaterra, principalmente quando Jaime I subiu ao trono, tornando-se advogado-geral, procurador-geral da Coroa e lorde tabelião. Recebeu o título de lorde e, depois, de visconde.

Francis Bacon

Em 1620, publicou sua mais importante obra, o Novum

Organum, que deveria, em sua opinião, substituir o Organum

aristotélico. No ano seguinte, foi acusado de corrupção por

ter aceitado presentes de uma das partes envolvida em

um processo que ele deveria julgar, e, assim, sua brilhante

carreira sofreu um duro ataque do qual nunca se recuperou.

Foi condenado por crime de corrupção, permanecendo na prisão

por poucos dias, tendo pagado uma multa e sido perdoado

pelo rei. Francis Bacon faleceu em 1526.

Bacon ficou conhecido, juntamente com Descartes, como

um dos fundadores do pensamento moderno. Porém,

seguiu decididamente o caminho inverso do racionalismo

ao defender o método experimental para se alcançar um

conhecimento verdadeiro sobre o mundo. Entrou para

a História como um dos grandes críticos da Escolástica

medieval, uma vez que esta se ocupava de um conhecimento

contemplativo sem se preocupar com o aspecto prático

e instrumental da Ciência. Também foi um crítico de

Aristóteles, considerando a lógica aristotélica, principalmente

os argumentos dedutivos, estéril para o conhecimento do

mundo. Bacon chegou inclusive a afirmar que a filosofia

grega se fundamentava mais em discursos do que em

conhecimentos que levariam a algum progresso da Ciência

ou do conhecimento do mundo. O Novum Organum trabalha

essa problemática ao ser concebido como um instrumento

eficaz para o conhecimento e dominação da natureza.

Saber é poderBacon, ao discutir a forma de se conhecer a natureza

eficazmente, faz uma distinção entre os conceitos

de antecipações da natureza e de interpretações da natureza.

As antecipações da natureza são conhecimentos obtidos

por meio de axiomas construídos a partir de poucos dados

reais, sendo a razão a guia dessas “verdades”. Para Bacon,

este é um conhecimento temerário e prematuro da razão

que o homem costumeiramente tem, não passando de

ideias obtidas do senso comum e de forma assistemática, já

que foram formadas a partir de uma primeira noção pouco

precisa sobre os fenômenos da natureza e foram aceitas

pelos homens sem antes verificá-las. Essas “verdades” sobre

a natureza são precipitadas, obtidas por meio de poucos

e insuficientes exemplos.

Por outro lado, temos as interpretações da natureza, que

têm como objetivo interrogar a realidade, subjulgando-a até

que se alcance o conhecimento verdadeiro. Para o filósofo, são

essas interpretações que levam ao verdadeiro conhecimento

do mundo, já que se comprometem com a realidade e se

constroem a partir de muitos exemplos e experimentações.

Epistemologia moderna

Page 14: 06 - Filosofia Bernoulli

14 Coleção Estudo

Para que se alcance a verdade sobre o Universo, é necessário, portanto, que sejam feitas experiências sucessivas por meio do método indutivo, que consiste em partir de um estudo sério e pormenorizado dos casos particulares para se alcançar uma ideia geral que seja fundada em muitos e fartos exemplos.

O método indutivo, apesar de à primeira vista parecer difícil, pois não traz imediatamente as respostas, é considerado por Bacon como o mais adequado e o único capaz de garantir um conhecimento de fato sobre o mundo natura l , sendo, na l inguagem do filósofo, o verdadeiro método do conhecimento. Bacon propõe, assim, a formulação do conhecimento através de uma ciência aplicada, a qual dá ao homem o conhecimento das leis que regem a natureza, permitindo a ele interagir e controlar a natureza de acordo com seus interesses e em seu próprio benefício.

Partindo dessa distinção entre antecipação e interpretação da natureza, podemos dividir a filosofia de Bacon em dois momentos:

1º momento – Retirar da mente todo conhecimento que não seja verdadeiro, ou seja, todo conceito ou pré-conceito criados a partir das antecipações da natureza. Essas falsas noções que devem ser eliminadas são chamadas por Bacon de ídolos.

2º momento – Expor as regras do único método correto que pode levar o homem ao conhecimento do mundo de forma verdadeira.

A teoria dos ídolosQuais são as falsas noções que tomam conta do intelecto

humano e o impedem de alcançar os verdadeiros conhecimentos sobre o mundo?

Para Bacon, o primeiro passo para se chegar à verdade deve ser reconhecer essas falsas noções, tornar-se consciente delas, para mais tarde, através do método correto de investigação científica, se livrar delas.

Os ídolos e as falsas noções que invadiram o intelecto humano, nele lançando raízes profundas, não só sitiam a mente humana, a ponto de tornar-lhe difícil o acesso à verdade, mas também (mesmo quando dado e concedido tal acesso) continuam a nos incomodar durante o processo de instauração das ciências, quando os homens, avisados disso, não se dispõe em condição de combatê-los à medida do possível.

REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. 2. ed. 7v. São Paulo: Loyola, 2001. Volume III. p. 269.

São quatro os ídolos que atrapalham o conhecimento verdadeiro.

1 – Ídolo da tribo

[os ídolos da tribo] estão fundados na própria natureza

humana, na própria tribo ou espécie humana.

BACON. Novum Organum. Livro I, LXXII.

Tribo, para Bacon, significa a espécie humana, a raça humana. Assim, o homem coloca na natureza exterior aquilo que é de sua natureza própria. Tais ídolos acontecem quando o homem mistura o intelecto humano à natureza das coisas, dando a elas características que são próprias dos homens ou que lhes agradam. O homem dá ao Universo e à natureza relações e ordens que não existem, mas que ele acredita existirem porque lhe convém, enxergando as coisas de acordo com as limitações que são próprias da espécie humana. A natureza não é o que achamos que ela seja, ela tem uma objetividade que se constitui em suas verdades. A dificuldade de se encontrar a verdade não se refere às limitações individuais, mas às limitações da espécie humana.

2 – Ídolos da caverna

Cada um [...] tem uma caverna ou uma cova que intercepta e corrompe a luz da natureza; seja devido à natureza singular de cada um, seja devido à educação ou conversação com os outros, seja pela leitura dos livros ou pela autoridade daqueles que se respeitam e admiram.

BACON. Novum Organum. Livro I, LXXII.

Ao contrário do ídolo da tribo, que diz respeito ao conjunto dos homens, o ídolo da caverna diz respeito às falsas noções ou ideias provenientes dos homens em particular. Desse modo, Bacon afirma que “o espírito humano – tal como se acha disposto em cada um – é coisa vária, sujeita a múltiplas perturbações, e até certo ponto sujeita ao acaso”5.

Desse modo, esses ídolos referem-se às concepções e aos pré-conceitos particulares.

3 – Ídolo do foro (ou do mercado)

A relação entre os homens ocorre por meio da fala, mas os nomes são impostos às coisas segundo a compreensão do vulgo.

Bacon. Novum Organum. Livro I, LXXII.

Esses ídolos dizem respeito à linguagem, e por isso Bacon os considera os piores e mais graves ao entendimento humano. Para o filósofo, as palavras são imprecisas e se referem a coisas cuja natureza os homens não dominam. Dessa forma, eles utilizam termos e palavras sem saber exatamente o que significam, causando grande confusão.

4 – Ídolo do teatro

[Os ídolos do teatro] penetram no espírito humano por meio das diversas doutrinas filosóficas e por causa das péssimas regras de demonstração.

BACON. Novum Organum. Livro I, XCV.

5 BACON. Novum Organum. Livro I, LXXII.

Frente A Módulo 11

Page 15: 06 - Filosofia Bernoulli

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Segundo Bacon, esses são os ídolos derivados das diversas

doutrinas filosóficas e científicas que não são verdadeiras,

não passando de representações fantasiosas que poderiam

ser representadas em um teatro, pois são ilusórias.

Dessa forma, Bacon nos mostra quais são os preconceitos

dos quais os homens devem se ver livres. Assim, passamos

à segunda parte de sua filosofia, que busca mostrar qual

deve ser o melhor caminho ao conhecimento verdadeiro.

O método indutivoQuando o homem consegue purificar sua mente dos

ídolos, ele deve buscar obter o conhecimento do mundo

de forma experimental, por meio da indução. Segundo

Bacon, o homem deve se colocar como uma criança diante

da natureza para compreendê-la tal como ela é, sem ideias

pré-concebidas. O novo método indutivo deve se preocupar

com a regularidade dos fenômenos naturais, suas diferenças

e seu funcionamento, de modo que, pela observação

da experiência, se alcance uma lei geral. Para essas

observações, pode ser necessário o uso de instrumentos,

vistos como extenções dos sentidos humanos, de modo que

se superem as suas limitações.

Bacon representou o espírito da Ciência moderna

ao defender o progresso da Ciência e sua aplicação na vida

humana. Ele buscou uma ciência prática, ativa e atuante,

que rompesse, através da crítica, com as antigas concepções

ou ídolos, sendo capaz de representar a busca pelo domínio

e pela transformação da natureza, a qual deve servir ao

homem em suas necessidades.

O EMPIRISMO INGLÊS

O século XVI foi marcado pela eminência do racionalismo,

corrente filosófica que encontrou seu auge com a filosofia

de René Descartes. O racionalismo representou, por seu

modo de tentar compreender o mundo, a valorização

da razão em contraposição à força da autoridade medieval

e antiga, representada pela Escolástica, que encontrou

no Renascimento a sua crítica mais importante. O racionalismo

moderno encontrou na Matemática de Copérnico e de Galileu

(para citar alguns dos grandes expoentes desse pensamento)

o caminho que levaria à verdade sobre o homem e o

mundo, tendo, por consequência, a valorização do método

dedutivo-matemático como caminho para o conhecimento

das essências, das ideias e dos princípios que conduziriam

o pensamento humano ao seu pleno desenvolvimento.

Porém, o movimento que surgiu no século posterior tomou novos caminhos: não bastava conhecer o mundo, era necessário dominá-lo e transformá-lo de acordo com as necessidades humanas. Tal ideia encontrou seu ápice na Revolução Industrial, nascida na Inglaterra, que teve como base teórica o pensamento do filósofo inglês Francis Bacon. O que interessava aos pensadores dos séculos XVII e XVIII era o conhecimento instrumental que conduziria à descoberta de leis naturais através das quais se poderia dominar a natureza.

Nesse contexto, o empirismo moderno se fortaleceu na busca do progresso da humanidade por meio do desenvolvimento das Ciências. As discussões metafísicas cederam lugar às discussões práticas de como a natureza se comporta e como o homem pode interferir nela. Porém, para que isso fosse possível, era necessário responder à pergunta acerca do limite do conhecimento humano, sobre aquilo que o homem pode conhecer, sobre como as ideias são construídas na mente humana e sobre o papel dos sentidos para o conhecimento seguro e verdadeiro da natureza.

Apesar de Bacon também fazer parte dessa tradição empirista, os maiores representantes do chamado Empirismo Inglês nos séculos XVII e XVIII foram os pensadores John Locke e David Hume.

John LockeJohn Locke, um dos mais importantes pensadores

da Epistemologia moderna, é considerado o pai do empirismo. Apesar de ter se dedicado também a reflexões políticas, a importância de sua filosofia deu-se principalmente em relação à teoria do conhecimento.

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John Locke

Epistemologia moderna

Page 16: 06 - Filosofia Bernoulli

16 Coleção Estudo

Sua obra mais importante foi Ensaios sobre o entendimento

humano, publicada em 1690. Locke debruçou-se sobre essa

obra durante 20 anos e é nela que ele trata daquilo que

é mais caro à sua filosofia: os limites, as capacidades e

as funções do intelecto humano. Segundo Locke, sua função

com essa obra é trabalhar como um “ajudante de jardinagem,

preparando o terreno e removendo o entulho que atrapalha

o caminho do conhecimento”6.

Desse modo, Locke se propõe a refletir sobre como

o homem pode alcançar o conhecimento, buscando

entender, primeiramente, como as ideias são construídas

na mente humana.

É de grande utilidade para o marinheiro saber a extensão

de sua linha, embora não possa com ela sondar toda a

profundidade do oceano. É conveniente que saiba que ela

é suficientemente longa para alcançar o fundo dos lugares

necessários para orientar sua viagem, e preveni-lo de

esbarrar contra escolhos que podem destruí-lo. Não nos diz

respeito conhecer todas as coisas, mas apenas aquelas que

se referem à nossa conduta.

LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento humano.

São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 32.

A filosofia de Locke possui três interesses principais:

1 – Epistemológico: Locke procura saber a origem

das ideias e como elas são construídas pelo homem.

Esse é o aspecto mais importante de toda a sua reflexão

filosófica.

2 – Político: Locke busca compreender a formação do

Estado e legitimar a propriedade privada.

3 – Religioso: Locke busca estabelecer os traços

essenciais da revelação de Deus aos homens.

Neste módulo, iremos tratar exclusivamente da Epistemologia

de Jonh Locke.

Crítica ao inatismoAo contrário de pensadores anteriores, Locke inovou

ao afirmar que não é possível conhecer todas as coisas, mas

somente aquelas que estão de acordo com as possibilidades

humanas de conhecer.

Nesse caminho crítico, Locke contraria a posição filosófica de Descartes, ao afirmar que não existem ideias inatas, como a ideia de Deus, que, segundo a filosofia cartesiana, está presente por natureza na mente humana. Ao contrário, Locke defende que a mente humana é uma tábula rasa, uma folha de papel completamente em branco em que não há, absolutamente, nenhuma ideia escrita a priori, ou seja, não há a presença de nenhuma ideia previamente inscrita na mente dos homens.

Aqui se faz necessário definir de modo pormenorizado o que Locke entende por ideia. Enquanto na tradição platônica ideia era um ser em si mesmo, uma entidade metafísica, uma substância que existia por conta própria, com Descartes e Locke, essa concepção de ideia se esvai. Para esses dois filósofos, ideia é um conteúdo do pensamento humano, ou seja, é um pensamento sobre alguma coisa, não tendo realidade em si mesma e só existindo enquanto construção mental.

A diferença entre a posição filosófica de Descartes e a de Locke é que, enquanto o primeiro acredita que algumas dessas ideias são inatas e outras são adventícias e factícias, para o segundo, as ideias que existem na mente não podem, de forma alguma, serem inatas. Dessa maneira, Locke defende que:

A) não existem ideias, princípios ou quaisquer conteúdos inatos na mente humana;

B) nenhum intelecto humano é capaz, de forma alguma, de criar ou destruir ideias que existam nele;

C) a única fonte das ideias é a experiência, ou seja, todas as ideias são originadas nas experiências humanas.

O principal argumento que Locke refuta é aquele acerca da presença de ideias inatas, elaborando, assim, a sua crítica ao inatismo, segundo a qual, se existissem ideias inatas, todos os homens deveriam alcançá-las, o que não acontece, por exemplo, com a ideia de Deus ou com os princípios de identidade e de não contradição7. Se existissem ideias morais inatas – por exemplo a ideia de que matar uma criança é errado por si mesmo e, logo, essa “lei” deveria estar inscrita na mente e no coração de todos os homens –, todos deveriam seguir tais ideias, o que, na prática, não acontece, pois algumas culturas aceitam valores e fatos que para outras seriam absurdos ou antinaturais, agindo, portanto, de modo diferente. Assim, para Locke, sustentar que as ideias inatas existam, mas que não foram encontradas por alguns, seria absurdo.

6LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1999. Epístola ao leitor. p. 27.

7 Identidade: Na lógica, o princípio da identidade, uma das três leis básicas do raciocínio para Aristóteles, se expressa pela fórmula “A = A”,ou seja, todo objeto é igual a si mesmo. IN: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1996. Contradição: [...] A ontologia tradicional tem por premissa fundamental o princípio da não-contradição aplicado ao ser mesmo. O pensamento da contradição é insustentável, porque desqualifica todo pensamento, que se torna uma opinião sem valor de verdade. In: JAPIASSÚ, Hilton; MARCONDES, Danilo. Dicionário básico de Filosofia. Rio de Janeiro: Zahar, 1996.

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Murillo

Sagrada família (1650). Segundo Locke, tudo o que conhecemos

sobre o mundo chega à nossa mente através dos sentidos. Nessa

imagem, a criança, observando o cachorro, chegará à ideia

de o que é um cachorro.

Locke afirma que não há motivos para crer que a alma

pense antes que os sentidos lhe tenham fornecido ideias

nas quais pensar.

As idéias, especialmente as pertencentes aos princípios, não

nascem com as crianças. Se consideramos cuidadosamente

as crianças recém-nascidas, teremos bem poucos motivos

para crer que elas trazem consigo a este mundo muitas

idéias. Excetuando, talvez, algumas pálidas idéias de fome,

sede e calor, e certas dores, que sentiram talvez no ventre,

não há a menor manifestação de idéias estabelecidas

nelas, especialmente das idéias que respondem aos termos

que formam proposições universais que são consideradas

princípios inatos. Pode-se perceber como, por graus,

posteriormente, as idéias chegam às suas mentes, e não

adquirem mais, nem outras, do que as fornecidas pela

experiência e a observação das coisas que aparecem em seu

caminho, o que deve ser suficiente para convencer-nos

de que não há caracteres originais impressos na mente.

LOCKE, John. Ensaio sobre

o entendimento humano.

São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 51.

Ou seja, são os sentidos, as experiências, que oferecem

à mente a matéria-prima das ideias. Defendendo a ideia da

tábula rasa, Locke afirma:

Suponhamos, pois, que a mente é, como papel branco,

desprovida de todos os caracteres, sem quaisquer idéias;

como ela será suprida? De onde provém este vasto estoque,

que ativa e que a ilimitada fantasia do homem pintou nela

como uma variedade infinita? De onde apreende todos

os materiais da razão e do conhecimento? Aí eu respondo,

numa palavra, da experiência. Todo o nosso conhecimento

está nela fundado e dela deriva fundamentalmente

o próprio conhecimento. Empregada tanto nos objetos

sensíveis externos como nas operações internas de nossas

mentes, que são por nós mesmos percebidos e refletidos,

nossa observação supre nossos entendimentos com

todos os materiais do pensamento. Dessas duas fontes

de conhecimento jorram todas as nossas idéias, ou as que

possivelmente teremos.

LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento Humano. Tradução de Anoar Aiex e E. Jacy Monteiro. 2. ed.

São Paulo: Abril Cultura, 1978. p. 159.

É clara a diferença entre a concepção de conhecimento

para Locke e para Descartes. Este prioriza o papel do sujeito

para o conhecimento, uma vez que aquilo que garante

a verdade é a ideia clara e distinta que o sujeito conhecedor

alcança, sem interferência do objeto, sobre a coisa que está

sendo pensada.

Por outro lado, de acordo com a tese empirista de Locke,

o conhecimento alcançado sobre algo é fruto das experiências

realizadas, as quais dão ao homem os conteúdos essenciais

a partir dos quais as ideias serão formadas. Para Locke, a mente

humana é como cera quente, que, aos poucos, vai adquirindo

a forma do objeto que está sendo experimentado.

Segundo Locke, a mente humana é como se fosse uma cera quente que recebe a figura do brasão. O que permanece na mente são as idéias, cópias das experiências realizadas.

Epistemologia moderna

Page 18: 06 - Filosofia Bernoulli

18 Coleção Estudo

A constituição das ideiasLocke acredita que todas as ideias nascem da experiência,

por isso é necessário distinguir as experiências, já que não há ideias inatas no homem. Assim, em sua filosofia, ele distingui as experiências em dois tipos:

A) Experiências externas dos objetos que nos cercam.

Essas experiências geram a ideia simples ligada às sensações, como as ideias de cor, odor, sabor, textura, som e cheiro. E, pelo conjunto de sensações, geram as ideias de solidez, extensão, movimento, repouso, número e configuração.

Exemplo: Ao se observar uma piscina, percebe-se que sua água está transparente, fria e com odor de cloro. Também é possível perceber que ela é grande, profunda, que a água está em movimento e que foi construída em formato retangular.

É necessário deixar claro que as ideias simples, que nascem dos sentidos particulares, são subjetivas, já que podem variar de uma pessoa para outra. Duas pessoas podem, por exemplo, ter sensações diferentes sobre a água da piscina, sendo que para uma a água pode estar extremamente fria e, para a outra, nem tanto. Porém, as ideias simples relacionadas às qualidades físicas do objeto em questão, como comprimento, profundidade, extensão, não variam, uma vez que não dependem de impressões subjetivas, mas dizem respeito às suas características objetivas.

B) Experiência realizada pela reflexão.

Reflexão é a capacidade da mente de perceber seus processos internos; logo, esse tipo de experiência refere-se à mente pensando em si própria ao produzir as ideias. A mente humana não possui ideias inatas, mas pode trabalhar com as percepções originadas da sensibilidade do homem.

Exemplos: prazer, dor, força, distinção, comparação, etc.

Qualidades primárias e secundáriasOs objetos do mundo externo que geram as ideias simples

podem ser conhecidos de acordo com suas qualidades primárias e secundárias. No exemplo da piscina, percebe-se que ela possui características objetivas, invariáveis e independentes do observador, as quais estão ligadas a solidez, extensão, movimento, repouso, número e configuração. Tais características invariáveis são as qualidades primárias do objeto. As características variáveis, que podem ser diferentes de acordo com o observador – e que são, portanto, subjetivas, como a cor, o odor, a sabor –, são as qualidades secundárias do ser. Tanto as qualidades primárias quanto as secundárias originam-se do objeto, não existindo por conta própria ou na mente humana sem que o homem tenha contato com o objeto para que elas sejam formadas.

Qualidades primárias: São objetivas e produzem no homem a cópia exata daquilo que o objeto é em si mesmo. São qualidades dos próprios seres sem precisar do auxílio do homem para que existam.

Qualidades secundárias: São subjetivas e, portanto, não se assemelham exatamente àquilo que o objeto traz em si. São qualidades nascidas do encontro entre o homem e o objeto.

Ideias simples e ideias complexasComo vimos anteriormente, as ideias simples são formadas

pela capacidade do homem de receber as informações dos objetos, podendo ser constituídas por qualidades primárias ou secundárias do ser. Porém, uma vez que o homem adquire essas ideias simples, elas juntam-se na mente humana das formas mais variadas possíveis. Assim, as ideias complexas são produzidas pelo homem a partir das ideias simples. Em suma, a ideia complexa é a reunião de várias ideias simples.

Desse modo, as ideias simples são adquiridas de forma passiva, e as complexas de forma ativa, já que o homem pode ordená-las e compô-las de várias maneiras, formando novas ideias a partir dessas separações, composições, distinções, etc. São exemplos de ideias complexas: o espaço, a duração, as ações morais, as coisas corpóreas e as coisas espirituais, a causalidade, a identidade, as ideias morais, dentre outras.

David HumeNascido em Edimburgo, na Escócia, David Hume ficou

conhecido como um empirista radical, devido ao seu ceticismo em relação às ideias que não têm fundamento nas experiências.

Membro de uma família pertencente à pequena nobreza de proprietários de terra, desde cedo mostrou-se portador de uma inteligência ímpar. Seus pais queriam que ele estudasse Direito e se tornasse advogado, porém, Hume negou-se a dedicar-se a outra atividade que não fosse a Filosofia.

Aos 18 anos de idade, teve a intuição de uma nova “ciência da natureza”. Dedicou-se arduamente aos estudos dessa nova concepção filosófica, a ponto de ultrapassar os limites do corpo, caindo em depressão, doença da qual se livrou somente após longo tratamento.

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Hume ficou conhecido como um empirista radical, por excluir qualquer forma de conhecimento de coisas que não podem ser experimentadas.

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Sua nova “ciência da natureza” levou-o a um novo cenário de pensamento que culminou com sua obra magistral, Tratado sobre o entendimento humano, publicada em Londres em 1739. Em sua 2ª edição, em 1748, a obra sofreu algumas alterações e recebeu um novo nome: Investigação sobre o entendimento humano. Além dessas obras, Hume publicou, dentre outras menos importantes, a História da Inglaterra, um compêndio de 8 volumes ao qual se dedicou durante dez anos.

Hume tentou seguir uma carreira acadêmica, sem sucesso, já que não foi aceito como professor em universidades como as de Edimburgo e Glasgow devido a algumas de suas ideias, interpretadas como ateísmo. Porém, gozou de relativo prestígio em outros campos, ocupando importantes cargos no governo.

Apesar de seus contemporâneos não terem reconhecido o valor do seu Tratado sobre o entendimento humano, é nele que se encontram as principais ideias de Hume sobre sua nova concepção de Filosofia.

A ciência do homemO objetivo da filosofia de Hume era compreender os

caminhos e os limites do conhecimento humano. Com Bacon, surgiu um novo método que permitiu ao homem conhecer o mundo e, agora, era necessário utilizar esse método experimental para conhecer o homem e elaborar uma “ciência do homem”. Assim, o objetivo da filosofia de Hume era compreender a origem das ideias e como elas surgiam na mente humana. Dessa forma, o filósofo buscou explicar o “alcance e a força do intelecto humano” e também a origem ou natureza das ideias e como se elas comportam dentro da mente humana.

Seguindo a posição empirista de Locke e Bacon, Hume toma como ponto de partida de sua filosofia a confiança nos sentidos como únicas fontes do conhecimento. Assim, para ele, as ideias têm uma única origem, que se dá nas experiências.

Impressões e ideiasUma vez que as ideias originam-se das experiências

realizadas pelo homem no mundo sensível, essas experiências são a matéria-prima de todo e qualquer conhecimento ou ideias.

Desse modo, todos os conteúdos mentais são originados das impressões sensíveis, que são as percepções imediatas que o homem tem ao experimentar algo. As ideias, por sua vez, são os resquícios das impressões, as lembranças das impressões realizadas no mundo, chamadas por Hume de percepções8. As impressões são mais vivas e têm mais força do que as ideias, já que estas referem-se a lembranças, vestígios mentais daquilo que foi experimentado.

A diferença entre impressões e ideias consiste no grau

diverso de força e vivacidade com que as percepções

atingem nossa mente e penetram no pensamento ou na

consciência. As percepções que se apresentam com maior

força e violência podem ser chamadas de impressões – e,

sob essa denominação, eu compreendo todas as sensações,

paixões e emoções, quando fazem a sua primeira aparição

em nossa alma. Por ideias, ao contrário, entendo as imagens

enlanguescidas das impressões.

[...]

Podemos, por conseguinte, dividir todas as percepções do

espírito em duas classes ou espécies, que se distinguem por

seus diferentes graus de força e vivacidade.

HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1989. p. 69.

Dessa diferenciação entre impressões e ideias, nasce a distinção entre sentir e pensar. O que diferencia uma coisa da outra é o seu grau de intensidade: o sentir é mais forte, e o pensar é mais fraco. Desse modo, a ideia depende da impressão. Primeiro se experimenta e, como resultado dessa experiência, nasce a ideia. Nas palavras de Hume:

Todas as ideias simples provêm, mediata ou imediatamente,

de suas correspondentes impressões.

HUME, David. In: REALE, Giovanni. História da Filosofia

Antiga. 2. ed. 7v. São Paulo: Loyola, 2001. Volume IV. p. 135.

Impressões simples e complexas e ideias simples e complexas

Hume faz outra diferenciação importante para a compreensão de sua filosofia, que é a distinção entre impressões simples e complexas e ideias simples e complexas.

Impressões simples: são as impressões das características sensitivas particulares do objeto experimentado. Por exemplo: transparente, frio, rígido, etc. Cada uma delas refere-se a um dos sentidos humanos. O vermelho é percebido pela visão, já o frio e a rigidez são percebidos pelo tato.

Impressões complexas: são as impressões do objeto como um todo. Exemplo: gelo, fogo, mesa, etc.

Ideias simples: são as cópias enfraquecidas das impressões simples.

Ideias complexas: são as cópias enfraquecidas das impressões complexas.

8 Percepção, para Hume, acompanhando o empirismo de Berkeley, refere-se a tudo aquilo que se apresenta à mente humana.

Nesse caso, são tanto as impressões (simples ou complexas) quanto as ideias (simples ou complexas).

Epistemologia moderna

Page 20: 06 - Filosofia Bernoulli

20 Coleção Estudo

Segundo Hume, a mente humana possui a faculdade da

memória, que é capaz de guardar as ideias, as quais são

lembranças das impressões. Porém, a mente possui outra

faculdade, a imaginação, que é responsável pelos inúmeros

modos de compor, combinar, separar e distinguir as ideias.

A imaginação combina as ideias das mais variadas formas,

e essas combinações podem ser tanto frutos da simples

fantasia como de outras formas, chamadas por Hume

de “princípio da associação de ideias”.

As associações de ideiasPara Hume, as ideias contidas na mente humana

associam-se a partir de três princípios mentais, chamados

pelo filósofo de propriedades. São eles:

1 – Contiguidade (no espaço e no tempo):

associações de ideias que estão ligadas a outras no

tempo ou no espaço.

Exemplos: um lugar aconchegante que faz o homem

se lembrar de sua cama; a chegada do mês de dezembro,

que faz o homem se lembrar do Natal e das festas

de fim de ano; uma música, que faz o homem se

lembrar de uma pessoa ou de um lugar, etc.

2 – Semelhança: associações de ideias que

se assemelham.

Exemplos: uma foto que traz à mente a lembrança

da pessoa retratada; a escola atual, que faz o homem

lembrar das escolas em que estudou quando era criança

pela semelhança da arquitetura da construção; quando

o homem entra em uma loja e recorda-se de outro

estabelecimento que tinha uma decoração parecida

com aquela, etc.

3 – Causa e efeito: associações de ideias que são

estabelecidas por causa e efeito.

Exemplo: o fogo que faz lembrar o calor; a fumaça que

faz lembrar o fogo; o acidente que faz lembrar a morte

ou a dor.

Embora nosso pensamento pareça possuir esta liberdade

ilimitada, verificaremos, através de um exame mais

minucioso, que ele está realmente confinado dentro de limites

muito reduzidos e que todo poder criador do espírito não

ultrapassa a faculdade de combinar, de transpor, aumentar

ou de diminuir os materiais que nos foram fornecidos pelos

sentidos e pela experiência.

HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano.

Tradução de Anoar Aiex. São Paulo: Nova Cultural, 1996. p. 36.

Desse modo, Hume acredita que as ideias são associadas

de distintas maneiras na mente humana. Porém, as ideias

verdadeiras são aquelas que têm um correspondente

material, ou seja, que nasceram de uma impressão, como

a ideia de maçã, de casa, de livro, etc. Essas ideias são

verdadeiras porque nascem de impressões sensíveis das

coisas. No entanto, é possível a existência de ideias que

partam exclusivamente da imaginação humana, a qual

associou ideias simples ou complexas formando novos

conceitos que não são reais e não passam de fantasia.

Como exemplo, podemos pensar nas ideias de sereia

e do minotauro, que são associações de ideias fantasiosas,

já que não foram originadas da experiência, mas são

somente atividade da imaginação, que une a ideia complexa

de peixe com a ideia complexa de mulher e forma a ideia

de sereia, da mesma forma, une a ideia de homem

com a ideia de touro e forma a ideia de minotauro.

Nesse mesmo raciocínio, podemos incluir as ideias

de montanha de ouro, anjos, demônios, monstros e,

inclusive, a ideia de Deus.

Para verificar se uma ideia é verdadeira ou falsa, é necessário

analisá-la, buscando as impressões que a originaram.

Caso não sejam encontradas essas impressões, o homem

saberá que tal ideia é falsa e fruto de sua imaginação, uma

vez que todo conhecimento ou ideia verdadeira deve ter sua

origem nas sensações ou nas experiências.

Nessa mesma perspectiva, Hume afirma que as ideias

de Deus e de “eu” não podem ser definidas. Para o filósofo,

a ideia que os homens têm de Deus resulta de várias ideias

simples nascidas das impressões obtidas pelos sentidos

humanos. Dessa forma, o homem reuniu na ideia de ser

superior as ideias originadas de suas experiências particulares

de bondade, justiça, compaixão experimentadas nas relações

interpessoais. Portanto, para Hume, a ideia de Deus não

passa de uma ilusão, assim como a ideia de “eu” enquanto

substância ou essência. Segundo o filósofo, essa ideia também

não passa de invenção da mente humana, já que é variável e

subjetiva, resultando do conjunto de experiências realizadas

ao longo da vida do indivíduo.

Quando pensamos numa montanha de ouro, apenas unimos

duas idéias compatíveis, ouro e montanha, que outrora

conhecêramos. Podemos conceber um cavalo virtuoso, pois o

sentimento que temos de nós mesmos nos permite conceber

a virtude e podemos uni-la à figura e forma de um cavalo,

que é um animal bem conhecido.

HUME, David. Investigações acerca do entendimento

humano. Seção II. São Paulo: Abril Cultural, 1989.

Coleção Os Pensadores.

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Segundo Hume, a investigação humana, ou seja, os instrumentos com os quais o homem pesquisa e busca conhecer a realidade, divide-se em dois campos de investigação: “as relações de ideias” e “os dados de fato”.

A) Relações de ideias: são todas as investigações que se baseiam em conteúdos abstratos e ideias. Trata-se da utilização da álgebra, da geometria e da aritmética como instrumentos para estabelecer uma análise conceitual com base somente nas ideias, uma vez que os números não são reais em si, mas abstrações. Quando o homem alcança a ideia de que 5 + 10 é a quinta parte de 75, esse raciocínio trata somente de relações de ideias sem que haja qualquer experiência envolvida nesta conclusão. Assim, os resultados dessas investigações são certos e evidentes.

B) Dados de fato: não apresentam a mesma certeza das relações de ideias, não trazendo em si uma lógica, já que são resultados da associação de fatos e experiências baseados em relações de causa e efeito.

Todos os raciocínios que dizem respeito à realidade dos fatos parecem fundados na relação de causa e efeito. É só graças a essa relação que podemos ultrapassar a evidência de nossa memória e dos sentidos.

HUME, David. In: REALE, Giovanni. História da Filosofia Antiga. 2. ed. 7v.

São Paulo: Loyola, 2001. Volume IV. p. 138.

Hume critica os dados de fato enquanto fonte de conhecimento, já que, para ele, essas relações de causa e efeito que caracterizam os dados de fato têm sempre um caráter particular, porque nascem de experiências particulares dos seres. Os homens realizam generalizações sobre as experiências particulares, criando ideias gerais que dizem respeito a inúmeros objetos reais e particulares que tenham alguma semelhança entre si. Por exemplo, criamos a ideia geral de homem a partir de experiências particulares de vários homens que observamos ao longo da vida. Dessa maneira, esse conceito universal é resultado somente da força do hábito que nos leva a criar essas ideias generalizantes.

Hábitos e costumesHume utiliza um exemplo que se tornou clássico para

se referir à sua crítica sobre as relações de causa e efeito: se observarmos o movimento de uma bola de bilhar em uma mesa, tudo o que se pode ver é o impacto de uma bola na outra, e desta em outra e assim sucessivamente. A experiência nos mostra apenas as bolas que se chocam e não a existência de algo que faz com que esse acontecimento se torne inevitável, aquilo que os homens chamam de causalidade, ou seja, a relação de causa-efeito

Para Hume, causa e efeito são duas ideias separadas

e distintas. Segundo ele, a relação de causa e efeito

que os homens, principalmente os cientistas, insistem

em encontrar entre os fenômenos não passa de um costume

de ver dois acontecimentos sempre unidos, por exemplo,

o ferimento e a dor, mas isso não significa que um seja

a causa e o outro o efeito. Se assim o fosse, seria possível

identificar o efeito de alguma causa mesmo antes que esta

acontecesse, ou seja, seria possível saber a priori qual

é o efeito de determinado fenômeno antes que ele ocorresse.

E mais, se existisse causa e efeito, sempre que ocorresse

uma causa, inevitavelmente seu efeito seria verificado,

o que não acontece.

Pense nesse exemplo: acredita-se que a fumaça é o efeito

do fogo; porém, são possíveis situações em que haja fogo

mas não fumaça, como quando se acende a trempe de um

fogão qualquer. Um outro exemplo dado por Hume é:

será que Adão, ao ver a água (causa) pela primeira vez,

sabia que ela teria o poder (efeito da água) de molhar

ou afogar alguém?

Desse modo, o filósofo afirma que são as experiências

que nos levam às conclusões que temos acerca dos fatos.

Por exemplo, chegamos à conclusão de que o remédio

sempre curará a dor de cabeça, pois, até hoje, sempre que

tomado, tal efeito foi comprovado. Mas, será que sempre

será assim? Será que este efeito sempre ocorrerá? Se existir

a relação de causa e efeito, toda vez que o remédio for

tomado, a dor de cabeça será curada. Mas, se em alguma

ocasião isso não ocorrer, significa então que não existem

relações de causa e efeito.

Se um objeto nos fosse apresentado e fôssemos solicitados

a nos pronunciar, sem consulta à observação passada, sobre

o efeito que dele resultará, de que maneira, eu pergunto,

deveria a mente proceder nessa operação? Ela deve

inventar ou imaginar algum resultado para atribuir ao objeto

como seu efeito, e é obvio que essa invenção terá de ser

inteiramente arbitrária. O mais atento exame e escrutínio

não permite à mente encontrar o efeito na suposta causa,

pois o efeito é totalmente diferente da causa e não pode,

conseqüentemente, revelar-se nela.

HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano

e sobre os princípios da moral. Tradução de José Oscar de

Almeida Marques. São Paulo: UNESP, 2004. p. 57-58.

Epistemologia moderna

Page 22: 06 - Filosofia Bernoulli

22 Coleção Estudo

Hábito e crençaHume defende, então, que o costume e o hábito é que

levam o homem a acreditar nas relações de causa e efeito,

e não algo real e verificável na realidade. Esse costume leva

o homem à crença de que tais fenômenos sempre ocorrerão.

Essa crença nos dá a ilusão de que estamos diante de um

fenômeno determinado por causa e efeito, ilusão esta que

nos leva à convicção de que, uma vez ocorrida a causa,

o efeito inevitavelmente a sucederá.

Ao fim de sua reflexão, Hume afirma que aquilo

que possibilita a relação de causa e efeito não são

proposições ou princípios racionais, mas somente um

sentimento afetivo-irracional, que é a crença.

O ceticismo de HumeHume afirma que todo o conhecimento humano nasce

de impressões sensíveis da realidade e da reflexão das ideias

que surgem na mente do homem. Porém, essas ideias são

sempre variáveis, uma vez que nascem das experiências

particulares dos homens, e as relações entre tais ideias são

frutos das relações de causalidade, as quais não passam

de crenças ilusórias provenientes do hábito.

Desse modo, para Hume, nenhum conhecimento é certo

e seguro. Toda a Ciência é resultado de induções que

não garantem certeza alguma, já que essas induções

são generalizações estéreis, sem grau de certeza ou verdade.

Portanto, o único conhecimento que o homem pode obter

da realidade são probabilidades. A Ciência, que acreditava

poder permitir o conhecimento do mundo tal como ele é, que

acreditava ser possível encontrar certezas e verdades claras

e distintas sobre as coisas, precisa agora contentar-se com

hipóteses prováveis, que nunca poderão ser confirmadas

como certeza científica.

É nesse sentido e por esses motivos que Hume é considerado

um cético. Nosso conhecimento, nossas pretensões à ciência,

em última análise, não podem ser fundamentadas, justificadas

ou legitimadas por nenhum princípio ou argumento racional.

A maneira pela qual conhecemos e pela qual agimos

no real depende apenas de nossa natureza, de nossos

costumes e de nossos hábitos. [...] Alguns o consideram

[Hume] um cético, na medida em que nega a possibilidade

de um conhecimento certo, definitivo e justificado. Outros

o consideram um naturalista, na medida em que o ceticismo

dá lugar ao naturalismo, isto é, à posição segundo a qual

é nossa natureza que nos impulsiona a julgar e a agir.

MARCONDES. Danilo. Iniciação à história da Filosofia: dos pré-socráticos a Wittgenstein. Rio de Janeiro: Jorge

Zahar editor, 1997. p. 185.

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO01. Tomemos [...] este pedaço de cera que acaba de ser

tirado da colméia: ele não perdeu ainda a doçura do mel que continha, retém ainda algo do odor das flores de que foi recolhido; sua cor, sua figura, sua grandeza, são patentes; é duro, é frio, tocamo-lo e, se nele batermos, produzirá algum som. Enfim, todas as coisas que podem distintamente fazer conhecer um corpo encontram-se neste. Mas eis que, enquanto falo, é aproximado do fogo: o que nele restava de sabor exala-se, o odor se esvai, sua cor se modifica, sua figura se altera, sua grandeza aumenta, ele torna-se líquido, esquenta-se, mal o podemos tocar e, embora nele batamos, nenhum som produzirá. A mesma cera permanece após essa modificação? Cumpre confessar que permanece: e ninguém o pode negar. O que é, pois, que se conhecia deste pedaço de cera com tanta distinção?

DESCARTES, René. Meditações. Tradução de Jacó Guinsburg e Bento Prado Júnior. São Paulo:

Nova Cultural, 1996. p. 272.

A partir desse trecho e de outros conhecimentos sobre o assunto, REDIJA um texto explicando a tese defendida por Descartes e explicitando a importância desse problema para a Filosofia.

02. Para Bacon, o método científico é um conjunto de regras para observar fenômenos e inferir conclusões a partir de tais observações. O método de Bacon é, pois, indutivo. As regras de Bacon eram simples, a tal ponto que qualquer pessoa [...] poderia apreendê-las e aplicá-las. Eram também infalíveis: bastava aplicá-las para fazer a ciência avançar. Naturalmente, nem Bacon nem qualquer outro lograram jamais contribuir para a ciência usando os cânones indutivos – nem os de Bacon, nem os de Mill, nem os de qualquer outro. Porém, a idéia de que existe tal método e de que a sua aplicação não requer talento, e tão-pouco uma extensa preparação prévia, é tão atrativa que ainda existem os que acreditam na sua eficácia. [...]

Descartes, que, ao contrário de Bacon, era um matemático e cientista de primeira linha, não acreditava na indução, mas na análise e na dedução. Enquanto Bacon exagerava a importância da experiência comum e ignorava a experimentação e a existência de teorias, particularmente teorias matemáticas, Descartes menosprezava a experiência. Com efeito, deveria partir-se de princípios supremos, de natureza metafísica e mesmo teológica, para deles obter verdades matemáticas e verdades acerca da natureza do homem. [...]

A Ciência Natural moderna nasce à margem dessas fantasias filosóficas. Galileu não se conforma com a observação pura (teoricamente neutra) e tão-pouco com a conjectura arbitrária. Galileu propõe hipóteses e submete-as à prova experimental. Funda assim a dinâmica moderna, primeira fase da Ciência Moderna.

BUNGE, Mario. A Epistemologia. Tradução de Cláudio Navarra. São Paulo: 1980.

A partir desse trecho e de outros conhecimentos sobre o assunto, REDIJA um texto explicando a importância do método científico para a Ciência Moderna.

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Page 23: 06 - Filosofia Bernoulli

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03. Se um objeto nos fosse apresentado e fôssemos solicitados

a nos pronunciar, sem consulta à observação passada,

sobre o efeito que dele resultará, de que maneira, eu

pergunto, deveria a mente proceder nessa operação?

Ela deve inventar ou imaginar algum resultado para atribuir

ao objeto como seu efeito, e é óbvio que essa invenção

terá de ser inteiramente arbitrária. O mais atento exame

e escrutínio não permite à mente encontrar o efeito

na suposta causa, pois o efeito é totalmente diferente

da causa e não pode, conseqüentemente, revelar-se nela.

HUME, David. Investigações sobre o entendimento humano e sobre os princípios da moral. Tradução de José Oscar de

Almeida Marques. São Paulo: UNESP, 2004. p. 57-58.

Exemplo de causalidade: ciclones tropicais formam-se quando a energia liberada pela condensação da umidade em correntes de ar ascendentes causa uma retroalimentação positiva sobre as águas mornas dos oceanos.

EMANUEL, Kerry. Anthropogenic Effects on Tropical Cyclone Activity. Disponível em: http://pt.wikipedia.org/wiki/Causalidade#cite_note-0. Acesso em: 23 nov. 2010.

De acordo com a filosofia de Hume, REDIJA um texto respondendo à seguinte questão: toda causa tem um efeito?

EXERCÍCIOS PROPOSTOS

01. [a razão] é naturalmente igual em todos os homens; e,

destarte, que a diversidade de nossas opiniões não provém

do fato de serem uns mais racionais do que outros, mas

somente de conduzirmos nossos pensamentos por vias

diversas e não considerarmos as mesmas coisas. Pois não

é suficiente ter o espírito bom, o principal é aplicá-lo bem.

DESCARTES, René. Discurso do método, para bem conduzir a própria razão e procurar a verdade nas ciências.

São Paulo: Nova Cultural, 1987. p. 29.

A partir do trecho anterior e de outros conhecimentos sobre o assunto, IDENTIFIQUE e EXPLIQUE a tese defendida por Descartes.

02. O exercício da dúvida é o procedimento identificado com

o ceticismo. Descartes, no entanto, utilizou do expediente

da dúvida com outro propósito. A respeito de sua conduta

e do comportamento dos céticos, Descartes manifestou-se

na terceira parte do Discurso do Método:

Não que imitasse, para tanto, os céticos, que duvidam

apenas por duvidar e afetam ser sempre irresolutos:

pois, ao contrário, todo o meu intuito tendia tão-somente

a me certificar e remover a terra movediça e a areia, para

encontrar a rocha ou a argila.

DESCARTES, René. Discurso do método. São Paulo: Nova Cultural, 1979. p. 44. Coleção Os Pensadores.

REDIJA um texto explicando que outros propósitos levaram Descartes a utilizar o caminho dos céticos.

03. (UFMG–2006) Leia este trecho:

Suporei, pois, que há não um verdadeiro Deus, que

é a soberana fonte da verdade, mas certo gênio maligno,

não menos ardiloso e enganador do que poderoso, que

empregou toda a sua indústria em enganar-me. Pensarei

que o céu, o ar, a terra, as cores, as figuras, os sons

e todas as coisas exteriores que vemos são apenas

ilusões e enganos de que ele se serve para surpreender

minha credulidade. Considerar-me-ei a mim mesmo

absolutamente desprovido de mãos, de olhos, de carne,

de sangue, desprovido de quaisquer sentidos, mas dotado

da falsa crença de ter todas essas coisas. Permanecerei

obstinadamente apegado a esse pensamento; e se,

por esse meio, não está em meu poder chegar

ao conhecimento de qualquer verdade, ao menos está

ao meu alcance suspender meu juízo. Eis por que cuidarei

zelosamente de não receber em minha crença nenhuma

falsidade, e prepararei tão bem meu espírito a todos

os ardis desse grande enganador que, por poderoso

e ardiloso que seja, nunca poderá impor-me algo.

DESCARTES, René. Meditações. Tradução de J. Guinsburg e Bento Prado Júnior. São Paulo: Abril Cultural, 1979. p. 88-89.

Com base na leitura desse trecho e considerando outras

ideias contidas nessa obra de Descartes, REDIJA

um texto explicando como o filósofo se mostra capaz

de vencer o gênio maligno.

04.

Senhora,

Algumas vezes eu coloquei a mim mesmo uma dúvida:

saber se é melhor estar alegre e contente, imaginando

que os bens que possuímos são maiores e mais estimáveis

do que eles são e ignorando os que nos faltam, ou não

parando para considerá-los, ou se é melhor ter mais

consideração e saber, para conhecer o justo valor

de uns e de outros, e com isto tornar-se mais triste.

Se eu pensasse que o soberano bem fosse a alegria,

eu nunca duvidaria de que deveríamos dedicar-nos

a tornarmo-nos alegres a qualquer preço, e eu aprovaria

a brutalidade daqueles que afogam suas mágoas no vinho

ou as atordoam com o fumo. Mas eu distingo entre

o soberano bem, que consiste no exercício da virtude

[...] e a satisfação do espírito que acompanha esta

posse. É por isto que é uma maior perfeição conhecer

a verdade, mesmo que desvantajosa a nós, que ignorá-

la, e eu confesso que é melhor estar menos alegre e ter

mais conhecimento.

DESCARTES, R. Carta a Elizabeth, de 6 de outubro de 1645.

IDENTIFIQUE a tese defendida por Descartes nesta

passagem e, em seguida, REDIJA um texto posicionando-se

contra ou a favor dessa tese.

Epistemologia moderna

Page 24: 06 - Filosofia Bernoulli

24 Coleção Estudo

05. Que ninguém espere um grande progresso nas ciências,

especialmente no seu lado prático, até que a filosofia natural

seja levada às ciências particulares e as ciências particulares

sejam incorporadas à filosofia natural. [...] De fato,

desde que as ciências particulares se constituíram

e se dispersaram, não mais se alimentaram da filosofia

natural, que lhes poderia ter transmitido as fontes

e o verdadeiro conhecimento dos movimentos, dos raios,

dos sons, da estrutura e do esquematismo dos corpos, das

afecções e das percepções intelectuais, o que lhes teria

infundido novas forças para novos progressos.

BACON, Francis. Novum Organum. Tradução de José Aluysio Reis de Andrade. 4. ed. São Paulo: Nova Cultural, 1988 p. 48.

REDIJA um texto explicando as condições de possibilidade

do progresso da Ciência, segundo o trecho anterior.

06. As idéias, especialmente as pertencentes aos princípios,

não nascem com as crianças. Se consideramos

cuidadosamente as crianças recém-nascidas, teremos

bem poucos motivos para crer que elas trazem consigo

a este mundo muitas idéias. Excetuando, talvez, algumas

pálidas idéias de fome, sede e calor, e certas dores, que

sentiram talvez no ventre, não há a menor manifestação

de idéias estabelecidas nelas, especialmente das idéias

que respondem aos termos que formam proposições

universais que são consideradas princípios inatos.

LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 51.

De acordo com esse trecho e com outros conhecimentos

sobre o assunto, REDIJA um texto explicando qual

é a origem das ideias para Locke.

07. [...] embora nosso pensamento pareça possuir esta

liberdade ilimitada, verificamos, através de um exame

mais minucioso, que ele está realmente confinado dentro

de limites muito reduzidos e que todo poder criador

do espírito não ultrapassa a faculdade de combinar,

de transpor, aumentar ou diminuir os materiais que nos

foram fornecidos pelos sentidos e pela experiência.

HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1989. p. 70. Coleção Os Pensadores.

A partir do trecho anterior e de outros conhecimentos

sobre o assunto, IDENTIFIQUE e EXPLIQUE a tese

defendida por Hume.

08. (UFMG–2007) Leia estes trechos:

Podemos, por conseguinte, dividir todas as percepções

do espírito em duas classes ou espécies, que se distinguem

por seus diferentes graus de força e de vivacidade. As menos

fortes e menos vivas são geralmente denominadas

pensamentos ou idéias. A outra espécie não possui um

nome em nosso idioma e na maioria dos outros, porque,

suponho, somente com fins filosóficos era necessário

compreendê-las sob um termo ou nomenclatura geral.

Deixe-nos, portanto, usar um pouco de liberdade de

denominá-las impressões, empregando essa palavra num

sentido de algum modo diferente do usual. Pelo termo

impressão, entendo, pois, todas as nossas percepções

mais vivas, quando ouvimos, vemos, sentimos, amamos,

odiamos, desejamos ou queremos.

[...] todas as nossas idéias ou percepções mais fracas são

cópias de nossas impressões ou percepções mais vivas.

HUME, David. Investigação acerca do entendimento humano. 5. ed. Tradução de Anoar Alex.

São Paulo: Abril Cultural, 1992. p. 69-70. (Os Pensadores).

Com base na leitura desses trechos e considerando

outras informações presentes na obra citada,

EXPLIQUE, segundo Hume, a origem da ideia de Deus.

SEÇÃO ENEM

01. É de grande utilidade para o marinheiro saber a extensão

de sua linha, embora não possa com ela sondar

toda a profundidade do oceano. É conveniente que

saiba que ela é suficientemente longa para alcançar

o fundo dos lugares necessários para orientar sua

viagem, e preveni-lo de esbarrar contra escolhos que

podem destruí-lo.

LOCKE, John. Ensaio sobre o entendimento humano. São Paulo: Nova Cultural, 1999. p. 32.

John Locke é um dos grandes pensadores da Modernidade,

fazendo parte de um seleto grupo de filósofos que

receberam o nome de empiristas ingleses. Sua teoria

busca responder a um dos problemas filosóficos mais

importantes, tanto para a Filosofia quanto para todas

as outras ciências: como o homem pode conhecer?

Na citação anterior, ele expressa essa questão utilizando

uma metáfora. Por meio dessa metáfora, é possível dizer

que Locke acredita que o pensamento humano pode

A) conhecer toda a realidade, independentemente de qual ela seja, pois ele é o único ser racional e sua racionalidade constitui exatamente nessa capacidade.

B) conhecer somente algumas coisas que estão à sua volta, pois a liberdade de conhecimento é limitada pela capacidade de pensar do homem.

C) conhecer somente as realidades materiais, de forma que as realidades abstratas, como os sentimentos, não podem ser conhecidos.

D) conhecer somente aquilo que é experimentável, e o que inclui tanto as coisas materiais do mundo como os sentimentos, como tristeza, alegria, dentre outros.

E) conhecer somente os objetos e de forma precária, pois o conhecimento é sempre passageiro e incerto, uma vez que muda de pessoa para pessoa.

Frente A Módulo 11

Page 25: 06 - Filosofia Bernoulli

25Editora Bernoulli

FILO

SOFI

A

GABARITO

Fixação01. Descartes defende que o conhecimento dos seres

não se dá através dos sentidos. Ao contrário,

como demonstra no argumento citado, os dados

observados por meio da experiência são fugidios,

ou seja, não são estáveis, e, portanto, não podem

ser a fonte do conhecimento verdadeiro sobre o

mundo. Se a cera aparece aos sentidos com algumas

características sensíveis próprias, tais características

se alteram à medida que é aproximada do fogo.

Dessa forma, o conhecimento que se obteve da

cera, baseado nos dados empíricos, não pode

ser o único, uma vez que os dados empíricos

sofreram alterações. Conclui-se, portanto, que

a fonte do conhecimento verdadeiro não pode ser

a experiência, mas sim a razão.

O problema representado pela citação cartesiana

diz respeito ao método científico que permite

o conhecimento verdadeiro sobre o mundo.

Empirismo e racionalismo se confrontam,

cada um com seus argumentos, para ver qual

deles prevalece como caminho seguro para

o conhecimento de fato. Esta é a grande questão

da Filosofia Moderna e, para alguns filósofos,

o problema mais sério de toda a história da

Filosofia, começando pelos pré-socráticos,

passando por Platão e Aristóteles e chegando até

os modernos Descartes, Locke e Hume.

02. Na Modernidade, a natureza passou por

um processo de desencantamento, ou seja,

foi possível, a partir daquele momento, conhecer

o funcionamento da natureza e do Universo por

meio da razão investigativa, inclusive com fins

de dominação e de modificação da natureza, que

deve estar a serviço do homem e não o contrário.

O mundo desencantado é um mundo passível

de ser conhecido pelo homem e por isso se fala na

formação de um mundo antropocêntrico. Porém,

isso não significa que tudo o que o homem diz sobre

a natureza e seu funcionamento seja verdade,

já que a única coisa que garante a verdade

é o método. Por método, entende-se o caminho

que leva à verdade. Só o método científico garante

que aquilo que se afirma é correto ou incorreto,

verdadeiro ou falso. A verdade não é fruto mais

da autoridade, mas das razões racionalmente

expostas e que são inteligíveis e provadas,

principalmente, pela Matemática.

03. Para Hume, a relação causa e efeito é uma

ilusão, uma crença nascida do hábito de

se ver sempre uma experiência acompanhada

de outra, como o fogo acompanhado da fumaça.

Porém, tal relação não se justifica, uma vez que,

se ela existisse, todas as vezes que se observasse

um fenômeno natural acontecido, ele deveria,

sem exceção, vir acompanhado de sua causa;

por exemplo, em toda combustão, deveria haver

a liberação de fumaça, o que não acontece.

Outro argumento utilizado pelo filósofo para

contestar a relação causa-efeito é que, se tal

relação fosse verdadeira, os homens deveriam

ser capazes de determinar os efeitos das causas

sem antes tê-las observado em nenhuma outra

ocasião, pois se trataria, como no exemplo

do ciclone do segundo trecho, de uma lei natural

que, por si mesma, não poderia admitir nenhum

outro resultado.

Propostos01. A tese defendida por Descartes é a de que todos

os homens possuem as mesmas capacidades

e condições racionais ou de pensamento

para encontrar as verdades. Se as condições

são as mesmas em todos, o que difere entre

eles é a aplicação correta dessas condições,

ou, dito de outra forma, alguns homens não

aplicam sua razão de maneira adequada,

resultando, então, em um conhecimento falso

do mundo. Observa-se a ênfase que o pensador

dá ao método científico como caminho adequado

que levará o homem ao encontro da verdade.

Sendo um racionalista, Descartes defende que

só por meio da razão, e não da experiência,

é possível encontrar conhecimentos verdadeiros

sobre o mundo, desenvolvendo o seu método

cartesiano, que se resume em: regra da evidência,

regra da análise, regra da síntese e regra

da enumeração.

02. Ao contrário do ceticismo (em um sentido geral),

que se caracteriza por duvidar de tudo acreditando

não existirem verdades absolutas sobre nada,

Descartes utiliza-se do caminho dos céticos,

ou seja, da dúvida, para encontrar uma verdade

que seja irrefutável. O caminho é o mesmo,

mas os objetivos são completamente distintos.

A dúvida cartesiana tem como objetivo

a purificação para, a partir dela, buscar encontrar

uma verdade clara e distinta que possa servir como

a base para o seu novo edifício do saber. Como

o fogo que retira as impurezas do ouro, deixando

somente o metal puro, a dúvida tem o objetivo de

purificar as ideias ou verdades, deixando somente

resistir a ideia pura, ou seja, irrefutável e sem

sombras de dúvida. Esse é o propósito da dúvida

na filosofia cartesiana, manifestada especialmente

no processo denominado de “dúvida metódica”,

o qual levará à verdade ou certeza do Cogito.

Epistemologia moderna

Page 26: 06 - Filosofia Bernoulli

26 Coleção Estudo

Desse modo, não é possível à Ciência progredir

se ela não se voltar para a experiência, e essa

experiência, que ele denomina filosofia natural,

não se dedicar ao conhecimento empírico do

mundo. A partir da experiência é possível

formar ideias, o que Bacon chama de afecções

e percepções intelectuais.

06. Locke defende a tese da tábula rasa. Segundo

ele, não há na mente humana absolutamente

nenhuma ideia inata que nasceu com ele. Desse

modo, todas as ideias que temos são provenientes

das experiências que fazemos, sejam elas

externas, no mundo exterior, sejam internas, como

sentimentos de angústia, sofrimento, alegria,

etc. Assim, a origem da ideias está sempre nas

experiências e em nada mais. Se existissem ideias

inatas, todos os homens, independentemente de

sua cultura, localidade e tempo, deveriam alcançar

as mesmas ideias sobre todos as coisas, e isso não

ocorre na realidade.

07. A tese defendida por Hume no trecho da questão

refere-se à origem das ideias. Segundo o filósofo,

todas as ideias presentes na mente humana

nascem das impressões ou experiências que

temos dos seres sensíveis na realidade. Essas

experiências nos fornecem a matéria-prima das

ideias, que são cópias das impressões que temos

em nossa mente. Portanto, por mais ideias que

o homem possa elaborar, elas sempre serão

produtos de nossa capacidade de combinar,

transpor, aumentar ou diminuir os dados que

foram formados e adquiridos a partir de nossas

experiências no mundo sensível.

08. Na visão de David Hume, sempre que analisamos

nossos pensamentos ou ideias, verificamos que

eles podem se decompor em ideias simples,

que são cópias de sensações ou experiências

realizadas. Assim, a fim de exemplificar sua

tese, Hume expõe o seguinte argumento,

que legitima que as ideias são cópias das

impressões: “se evantássemos a ideia de Deus,

no sentido de um ser infinitamente inteligente,

sábio e bondoso notaríamos que esta ideia

é fruto da imaginação ou fantasia humana que,

por meio de associações de ideias, toma como

fundamento todas as experiências de qualidades

positivas e as eleva ao infinito, dando a um ser

a característica de possuir todas eles. Portanto,

Deus seria fruto da imaginação humana e não um

ser em si mesmo.”

Seção Enem01. D

03. René Descartes parte da ideia de que há um gênio maligno, um Deus enganador, que emprega toda a sua indústria em enganá-lo. Porém, ainda que exista tal gênio maligno, Descartes descobre em si uma única certeza: a de que ele, enquanto coloca todas as coisas em dúvida, para isso tem que pensar, ou seja, duvidar, e, enquanto ser que duvida, afirma a sua existência, não restando nenhuma dúvida de que ele próprio é algo, se esse gênio o engana; e, por mais que o engane, não poderá jamais fazer com que ele próprio (Descartes) nada seja, enquanto pensar ser alguma coisa. Assim, Descartes, a partir de uma intuição pura e primeira, chega à conclusão de que, enquanto pensar, ele é, e, se é, logo ele existe, e esta afirmação seria verdadeira todas as vezes que a enunciasse em seu pensamento. Descartes então chega à seguinte posição: Cogito, Ergo Sum! (Penso, logo existo!).

04. Tese: é melhor ser feliz e ignorar a verdade, ou é melhor ser menos feliz, porém conhecer a verdade. Em outras palavras, essa tese ressalta a dúvida de se é melhor ser feliz na mentira ou, ao contrário, ser infeliz na verdade.

A segunda parte da resposta é subjetiva (espera-se que o aluno seja capaz de posicionar-se argumentativamente contra ou a favor dessa ideia.) Em questões neste modelo, não existe resposta certa ou errada.

A favor: sou favorável à ideia cartesiana, uma vez que a verdade é um valor soberano e, sem ela, por mais que se queira, o homem não pode ser feliz de fato, mas terá tão somente uma ilusão de felicidade, pois viverá no engano e na ignorância, o que pode levar a uma felicidade ilusória, mas não à verdadeira felicidade nascida do conhecimento verdadeiro sobre si mesmo e sobre o mundo.

Contra: sou contrário à tese cartesiana, pois quem determina a felicidade ou a infelicidade do homem não é a posse da verdade em si, mas a atitude do homem diante da vida. Pode-se pensar, facilmente, em alguém que viva na ignorância de uma traição ou de algo parecido e que seja feliz de fato, não necessitando de conhecimento, uma vez que tal homem ignora inclusive sua própria ignorância. Conhecimento e ignorância dizem respeito a campos diversos daquele que determina ou não a felicidade de um homem.

05. Bacon, faz uma defesa da necessidade da experiência, do empirismo, para o progresso da Ciência. Ao se referir à filosofia natural, o filósofo fala sobre o papel dos sentidos para o conhecimento seguro. Tal corrente epistemológica defende que não é possível o conhecimento verdadeiro de todas as coisas se tal conhecimento não tenha como fundamento os sentidos, as percepções das coisas sensíveis.

Frente A Módulo 11

Page 27: 06 - Filosofia Bernoulli

FRENTE

27Editora Bernoulli

MÓDULOFILOSOFIAApesar de ter sua origem como um movimento tipicamente

filosófico de busca da liberdade de pensamento, o Iluminismo manifestou-se também em outros campos da vida humana, como na literatura, na arte e na política. Nesses campos, o Iluminismo representou a luta do homem contra o abuso do poder por parte das autoridades, de forma que todo tipo de autoritarismo deveria ser combatido como algo irracional e, portanto, inaceitável. A razão, para o Iluminismo, era mais que uma faculdade humana, era uma força que todos possuiam e que poderia levar o homem à plena liberdade de ser e de pensar. Ao se referir à “menoridade da razão”, Kant está dizendo que o homem deve abandonar qualquer tipo de tutela que o impeça de pensar de forma autônoma e livre, livrando-se da tutela da religião cega, da subserviência que leva à escravidão do espírito e da mente, de forma a desenvolver um pensamento livre.

Para este Esclarecimento (Aufklärung) porém nada mais se exige senão liberdade. E a mais inofensiva entre tudo aquilo que se possa chamar liberdade, a saber: a de fazer uso público de sua razão em todas as questões.

KANT, I. Resposta à pergunta: o que é esclarecimento? In: Textos Seletos. 2. ed. Tradução de Raimundo Vier.

Petrópolis: Vozes, 1985. p. 104.

Segundo Schopenhauer, filósofo alemão do século XIX, o Iluminismo teve por órganon (órgão, instrumento) a luz interior, a intuição intelectual, a única que pode libertar o homem e fazê-lo construtor de um mundo racional e, sobretudo, humano.

É importante ressaltar que, quando o Iluminismo fala da razão e de uma busca racional do conhecimento do Universo, ele não está se referindo ao racionalismo enquanto teoria epistemológica, mas sim à característica universal dos homens que pensam, ou seja, à racionalidade humana. A razão, para o Iluminismo, seria o caminho natural ao qual todos os homens poderiam recorrer, com o intuito de se libertarem dos grilhões da ignorância, a qual perpetuava a razão da força e não a força da razão.

Esse movimento filosófico encontrou suas raízes nas concepções mecanicistas dos séculos XVI e XVII e na Revolução Científica do século XVII. Essas concepções mostraram ao homem que a natureza não agia por meio de uma vontade externa acessível somente a poucos iluminados, mas que o Universo era um grande mecanismo que podia ser conhecido por todos. Dessa maneira, pode-se compreender o papel dos enciclopedistas, que tentavam reunir o conhecimento sobre o mundo de forma a torná-lo acessível a todos os homens que dele quisessem se aproximar.

ILUMINISMOKant resume, de forma simples e extraordinária,

o espírito e o objetivo do Iluminismo, na sua magistral obra Resposta à pergunta: o que é esclarecimento? (1784), da seguinte forma:

Esclarecimento (Aufklärung) é a saída do homem de sua

menoridade, da qual ele próprio é culpado. A menoridade

é a incapacidade de fazer uso de seu entendimento sem a

direção de outro indivíduo. O homem é o próprio culpado

dessa menoridade se a causa dela não se encontra na falta

de entendimento, mas na falta de decisão e coragem de

servir-se de si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude!

(Ousa pensar!) Tem coragem de fazer uso de teu próprio

entendimento, tal é o lema do esclarecimento.

KANT, I. Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?. In: Textos Seletos. Tradução de Floriano de S. Fernandes.

Petrópolis: Vozes, 1974. p. 103.

O Iluminismo foi um movimento filosófico do século XVIII, desenvolvido particularmente na França, na Alemanha e na Inglaterra, que teve como objetivo retirar o homem da escuridão da ignorância e levá-lo ao esclarecimento, tornando tudo claro à razão humana. Por isso, esse movimento recebeu também o nome de Século das Luzes, Ilustração ou Esclarecimento. O ideal iluminista consistia, assim, em tornar tudo perfeitamente claro e compreensível para o homem, de forma que somente ele pudesse ser o grande artífice e protagonista dessas conquistas. O Iluminismo denunciou tudo aquilo que era obscuro, supersticioso e dogmático, acreditando que a luz da razão crítica deveria romper com as amarras da autoridade e da força, transformando o mundo pelo conhecimento.

O Iluminismo é marcado pela busca da verdade pelos homens, os quais devem iluminar as trevas da ignorância.

Kant 12 A

Page 28: 06 - Filosofia Bernoulli

28 Coleção Estudo

O Iluminismo manifestou-se, na esfera social,

no “despotismo esclarecido”. Na esfera das Ciências

e da Filosofia, esse movimento apresentou-se como

uma tentativa de conhecer a natureza com a intenção

de dominá-la e de transformá-la a favor do homem.

No campo da moral e da religião, o Iluminismo atuou como

instrumento de conhecimento das origens dos dogmas

e das leis que regiam a vida humana, rompendo com toda

forma de autoritarismo. Na vida política, o Iluminismo

influenciou a Revolução Francesa de 1789 e os movimentos

de emancipação no continente americano a partir de 1776.

No Brasil, os ideais iluministas tiveram fundamental papel

na Inconfidência Mineira em 1789. Na Alemanha, um dos

berços do pensamento iluminista, o movimento recebeu

o nome de Aufklärung, ou Esclarecimento, e teve como

principal representante Immanuel Kant.

KANT

Immanuel Kant nasceu na cidade de Königsberg, hoje

Kaliningrado, Alemanha, em 1724. Membro de uma família

muito simples, recebeu uma educação exemplar que foi

crucial para o desenvolvimento de suas obras. Em um

de seus escritos, Kant lembra com gratidão a educação

recebida de seus pais, principalmente de sua mãe, por

quem nutria profundo carinho e admiração. Tanto na

escola do pastor F. A. Schultz, local onde estudou por

certo tempo, quanto em casa, Kant recebeu uma educação

muito severa, marcada pelo rigor religioso protestante,

o que influenciou notadamente sua filosofia moral.

Kant ingressou na Universidade de Königsberg em 1740,

terminando seus estudos em Filosofia em 1747. Esse período

foi de extrema miséria para o filósofo e sua família. Em 1755,

iniciou o doutorado e tornou-se professor livre-docente na

Universidade de Königsberg, assumindo o cargo de professor

efetivo somente em 1770. Seu caráter e personalidade

foram características de destaque em sua vida. Todos os

seus biógrafos afirmam que Kant era um homem íntegro,

extremamente digno, sistemático, disciplinado, desprendido

e determinado.

Os anos que se seguiram à sua entrada como professor

efetivo foram muito importantes para a filosofia kantiana.

De 1770 a 1781, o filósofo não produziu nenhuma obra.

Até então, Kant já havia escrito 17 livros, denominados escritos

pré-críticos. A partir de 1781, iniciando a sua fase crítica,

Kant produz suas mais importantes obras, começando com

a Crítica da razão pura (1781), Crítica da razão prática (1788)

e Crítica do juízo (1790), para citar somente algumas.

Seus últimos anos de vida foram marcados por dois

terríveis acontecimentos. O primeiro foi a perseguição por

parte do rei Guilherme II, que, adepto de ideias reacionárias,

ordenou que Kant se calasse, ainda que, a essa altura,

o filósofo já tivesse reconhecimento internacional. O segundo

foi a interpretação errada de suas obras, fato contra o qual

Kant lutou por muito tempo, mas que, por fim, acabou

por vencê-lo.

Kant morreu em 1804, aos 80 anos, cego, sem lucidez

intelectual e sem memória. Sem dúvida, um triste fim

para aquele que ficou conhecido como “o maior filósofo

da Modernidade”.

Eugèn

e D

elac

roix

Os ideais iluministas guiaram grandes movimentos de

contestação ao Antigo Regime, entre eles a Revolução Francesa

de 1789.

A filosofia kantianaÉ possível dividir o pensamento de Kant em dois períodos:

a fase pré-crítica e a fase crítica.

Na fase pré-crítica, a filosofia kantiana tem como

característica um racionalismo dogmático, com bases

na tradição cartesiana e, principalmente, com influência

dos alemães Leibniz e Wolff.

Porém, após a leitura das obras de Hume, que

desenvolveu um pensamento cético em relação à

possibilidade de se obter um verdadeiro conhecimento do

mundo, as concepções e certezas que Kant trazia foram

abaladas, principalmente em relação à forma de conhecer

o mundo. Kant percebeu que os questionamentos dos

empiristas tinham fundamento e precisavam ser levados em

consideração. O filósofo chegou a afirmar que foi a partir da

leitura de Hume que ele despertou de seu “sono dogmático”.

Frente A Módulo 12

Page 29: 06 - Filosofia Bernoulli

29Editora Bernoulli

FILO

SOFI

A

É a partir desse “despertar”, portanto, que sua filosofia passa à fase crítica, entendendo por crítica a tentativa de superação da dicotomia empirismo-racionalismo que deve ser realizada exatamente pela crítica. Nesse sentido, a crítica kantiana tinha como último objetivo superar o dogmatismo, buscando, pela investigação, os fundamentos do conhecimento e da ação.

É nesse contexto de crítica que fica clara a ideia kantiana de colocar a razão diante de seu próprio tribunal:

Um tribunal que, ao mesmo tempo que assegure suas legítimas aspirações, rechace todas as que sejam infundadas.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura. 4. ed. Tradução de Manuela Pinto dos Santos e Alexandre Fradique Morujão Lisboa.

Fundação Calouste Gulbenkian, 1997. A IX.

Ao se propor o desafio da crítica, Kant fez antes de mais nada um exercício de reflexão, ou seja, a volta do pensamento para si mesmo. Assim, para o filósofo, antes de o homem colocar-se a conhecer o mundo, ele deveria dedicar-se a olhar para dentro de si mesmo e verificar suas possibilidades e limites de conhecer.

Kant define a Filosofia como “a ciência da relação de todo o conhecimento e de todo uso da razão com o fim último da razão humana”.1 Assim, a Filosofia tem como objetivo responder a quatro questões essenciais, que dizem respeito à vida do homem e ao seu modo de conhecer, correspondendo, cada uma, a uma parte específica da Filosofia:

1 – O que posso saber?

Essa pergunta diz respeito diretamente à seguinte questão: como acontece o conhecimento e como o homem pode alcançar a verdade? Esse é o problema epistemológico da filosofia kantiana, chamada por ele de metafísica. Para Kant, a metafísica, temática tratada em sua obra Crítica da razão pura, é a investigação acerca dos limites e dos caminhos para o conhecimento humano. Buscando solucionar o problema da possibilidade de se obter o conhecimento, Kant realiza a chamada Nova Revolução Copernicana do Pensamento, unindo empirismo e racionalismo em uma nova teoria do conhecimento, o criticismo, e inaugura, assim, sua fase crítica.

2 – O que devo fazer?

Essa pergunta refere-se à temática tratada na obra Crítica da razão prática. Nela, Kant busca compreender quais são os fundamentos que orientam o homem em suas ações particulares e, assim, definir sua concepção de moral, que, para ele, baseia-se fundamentalmente na ideia do imperativo categórico.

1KANT, Immanuel. Lógica. Tradução de Guido Antônio de Almeida.

Rio de Janeiro: Tempo Brasileiro, 1997. Cap. III, Ak25.

3 – O que posso esperar?

Essa questão diz respeito à problemática da esperança,

da religião.

4 – O que é o homem?

Kant busca responder a essa última pergunta em seu

tratado antropológico, no qual procura compreender

a natureza do homem e suas possibilidades de

agir e de conhecer. De certo modo, essa última

problemática abarca todas as anteriores, sendo,

portanto, a mais importante.

Crítica da razão puraA Crítica da razão pura, obra fundamental de Kant,

consiste em sua teoria do conhecimento ou Epistemologia.

Nessa obra, o filósofo elabora a filosofia transcendental,

que consiste na teoria sobre as causas da possibilidade do

homem para conhecer o mundo, livrando o entendimento

das falsidades das concepções incorretas acerca da verdade

e levando o homem ao conhecimento verdadeiro e confiável,

o qual não é simples especulação, mas, ao contrário,

é aquele que alcança a verdade por meio da Ciência.

Juízos analíticos e juízos sintéticosJuízos analíticos ou explicativos: são os juízos lógicos,

os quais estão ligados à razão humana e que não produzem

nenhum conhecimento, apenas reconhecendo alguma

característica no objeto do juízo, e, por isso, são a priori,

existindo antes de qualquer experiência daquilo que está

sendo analisado.

Um exemplo é a afirmação “um triângulo é uma figura

de três ângulos”. Essa asserção é universal e necessária e,

portanto, é uma verdade incontestável. Para alcançar tal

definição, basta analisar a figura do triângulo. Assim, os

juízos analíticos nascem da simples análise do objeto,

baseando-se exclusivamente na razão – pensamento

humano –, sem que seja necessária qualquer interferência

dos sentidos – experiência.

Juízos sintéticos ou ampliativos: ao contrário dos juízos

analíticos, os juízos sintéticos são construídos depois da

experiência, sendo, portanto, a posteriori. Eles produzem um

conhecimento que está além daquilo que o objeto nos demonstra

imediatamente, acrescentando uma informação nova a ele.

Um exemplo de juízo sintético é a afirmação “todo homem

é um ser político”. Para alcançar tal juízo, é necessário

observar a realidade e fazer experiências. Porém, apenas

a observação imediata e instantânea do homem não

é suficiente para se chegar a tal definição sobre ele.

Kant

Page 30: 06 - Filosofia Bernoulli

30 Coleção Estudo

O conhecimento produzido por esses juízos, por ser

originado de generalizações – que podem ser associações

de ideias e não corresponderem à verdade dos fatos e

das coisas – não é universal e necessário e, portanto, não

é incontestável. Esses juízos se baseiam nas experiências

humanas, nos sentidos, no empirismo.

Percebe-se, assim, a diferenciação entre juízos analíticos

e sintéticos. Enquanto os juízos analíticos são universais

e necessários, mas não produzem conhecimento novo,

os juízos sintéticos ampliam o conhecimento, mas criam

contestações, já que são contingentes, ou seja, podem

mudar, e são frutos de generalizações.

Para Kant, a Ciência baseia-se em um desses dois

juízos, sendo ele insuficiente para se ter um conhecimento

completo sobre o mundo. Por essa razão, o filósofo

almeja alcançar juízos sintéticos a priori, ou seja,

juízos que ampliem o conhecimento, correspondam

à realidade, mas que, ao mesmo tempo, sejam universais e

necessários. Esses juízos teriam valor científico e filosófico,

sendo indubitáveis, ao mesmo tempo que poderiam

produzir ideias ou conhecimentos novos sobre o mundo.

Tais juízos seriam, assim, as condições de possibilidade

de toda e qualquer verdade, independentemente da área

na qual eles sejam aplicados. Para que esses juízos sejam

alcançados, Kant considera necessário, portanto, unir razão

e experiência, racionalismo e empirismo, em um mesmo e

único conhecimento.

A Nova Revolução Copernicana do Pensamento

Para que fosse possível alcançar os juízos sintéticos

a priori, Kant propôs uma Nova Revolução Copernicana

do Pensamento. Para o filósofo, era necessário que

a Filosofia, antes de buscar conhecer o mundo, procurasse

conhecer o homem, buscando descobrir quais são os seus

atributos, características e condições enquanto sujeito

conhecedor do mundo, ou seja, quais os aspectos que

permitem ao homem conhecer aquilo que está à sua volta.

Dessa forma, Kant ressalta que a razão, antes de se colocar

a conhecer o mundo, precisa pensar em si própria, verificando

seus limites, instrumentos e possibilidades de conhecer.

Com isso, o filósofo propõe uma mudança radical de

perspectiva, segundo a qual o homem deixaria de olhar

para fora de si, para os objetos do mundo, voltando-se

para dentro de si, para sua própria razão, tentando

compreender quais as condições que ele tem para conhecer,

como é possível conhecer e como se dá o seu conhecimento

sobre o mundo.

Para exemplificar suas ideias, Kant utilizou-se da imagem

da Revolução Copernicana, dizendo que, da mesma maneira

que o modelo tradicional de cosmos considerava que o Sol

girava ao redor da Terra, e Copérnico sugeriu que o movimento

era inverso, sendo que a Terra é que girava ao redor do Sol,

não é o homem que deveria se adaptar ao objeto a ser

conhecido, mas sim o objeto a ser conhecido é que deveria

se adaptar às condições que o homem tem de conhecê-lo.

Segundo Kant, sujeito conhecedor e objeto conhecido

se relacionam. Não há, portanto, uma predominância do

sujeito sobre o objeto, como defende o racionalismo, e nem

do objeto sobre o sujeito, como defende o empirismo, mas

é na relação entre os dois que se alcança o conhecimento.

Para Kant, as condições das quais o homem lança mão para

conhecer o mundo são capacidades ou faculdades inerentes

à natureza humana e que lhe permitem experimentar

o objeto e pensar aquilo que experimentou, chegando,

portanto, ao conhecimento verdadeiro. Essas faculdades

não são subjetivas, não estando, portanto, em um homem

particular, mas fazendo parte da natureza humana. Buscando

definir quais as condições universais que permitem ao

homem obter o conhecimento, Kant estabelece, então,

a definição de sujeito transcendental, o qual, segundo

o filósofo, consiste na própria condição humana, comum

a todos, a qual fornece as condições ou ferramentas

que são as causas de possibilidade para a experiência

e o pensamento. A essas condições Kant denomina formas

da sensibilidade e formas do entendimento.

As formas da sensibilidade e do entendimento

Para Kant, o conhecimento nasce do trabalho conjunto

entre o entendimento – a razão – e a sensibilidade

– os sentidos.

Formas a priori da sensibilidadeAs formas a priori da sensibilidade chamadas pelo filósofo

também de intuições puras, são o tempo e o espaço.

Essas formas não existem como realidades em si mesmas,

assim, não seria possível dizer que o espaço e o tempo

têm realidades fora do próprio homem, assim como outros

objetos do mundo físico. Tais formas existem no homem

como ferramentas que tornam possíveis as experiências.

Quando percebemos um objeto, por exemplo uma

mesa, e pensamos em determinadas situações – em

cima da mesa, embaixo, ao lado, antes, depois –, só é

possível fazer tais afirmações porque experimentamos tal

objeto, porque temos as condições do tempo e do espaço.

Frente A Módulo 12

Page 31: 06 - Filosofia Bernoulli

31Editora Bernoulli

FILO

SOFI

A

Outro exemplo: quando observamos uma maçã, só podemos

fazê-lo porque a maçã se “encaixa” nas condições que

temos de experimentá-la. Só podemos dizer que a maçã

está longe de mim, é grande ou pequena, é maior que

uma uva e menor do que um abacaxi porque temos o tempo

e o espaço como formas que nos permitem percebê-la.

Assim, os objetos adaptam-se nessas formas – tempo e

espaço – e só assim posso experimentá-los, logo, sem

tempo e espaço, o homem não poderia experimentar

absolutamente nada.

Formas a priori do entendimentoAs formas a priori do entendimento, o qual consiste na

capacidade do intelecto humano de julgar, são também

chamadas por Kant de categorias. Estas são ferramentas

das quais o homem dispõe para pensar aquilo que foi

experimentado, ou seja, são as diversas formas que o

homem tem para alcançar o conhecimento sobre o mundo.

As categorias, juntamente com o tempo e com o espaço,

constituem o sujeito transcendental.

Kant apresenta 12 categorias:

• Quanto à quantidade: unidade, pluralidade

e totalidade.

• Quanto à qualidade: realidade, negação e limitação.

• Quanto à relação: inerência e acidente (substância

e acidente), causalidade e dependência (causa e efeito),

reciprocidade (ação recíproca entre agente e paciente)

• Quanto à modalidade: possibilidade – impossibilidade,

existência – inexistência, necessidade – contingência.

As categorias consistem nos modos de funcionamento

do pensamento; são as leis do intelecto às quais as

coisas que foram experimentadas devem se submeter.

O homem ordena as coisas e determina-as de acordo com

as categorias, que funcionam como ferramentas com as

quais o homem pensa aquilo que os sentidos trazem como

informações sensitivas. Assim, através das categorias,

é possível criar relações entre tais informações, chegando,

então, ao conhecimento (juízo).

Ao definir as formas a priori da sensibilidade e as formas

a priori do entendimento, Kant buscou tornar possível

a formulação de juízos sintéticos a priori. Para o filósofo,

se o homem tem em si as faculdades de tempo e de espaço

que lhe permitem processar os dados dessa experiência,

dados estes pensados pelas categorias – lembrando que

tanto tempo e espaço quanto as categorias fazem parte da

natureza de todos os homens –, é possível, então, alcançar

verdades que ampliem o conhecimento humano e ao mesmo

tempo sejam universais e necessárias.

Resolvido esse primeiro problema, surge então a questão

acerca da delimitação daquilo que podemos conhecer do

mundo e se é possível conhecer a essência das coisas ou

somente aquilo que pode ser experimentado. A resposta

para essa questão está na diferença entre o nôumeno

e o fenômeno, discutidos a seguir.

Capa da obra Crítica da razão pura, que figura entre as mais

importantes obras de Kant.

Nôumeno e fenômenoPara Kant, o homem só pode ter experiências sensíveis

devido ao tempo e ao espaço, e, uma vez tidas essas

experiências, ele é capaz, por meio das categorias

do pensamento, de criar conexões com aquilo que

foi experimentado. O conhecimento é resultado,

portanto, da ação ocorrida entre experiência (empírico)

e razão (racional).

A essa teoria do conhecimento, na qual há uma

interdependência entre experiência e razão, chama-se

criticismo kantiano. Essa nova epistemologia é uma síntese

entre empirismo e racionalismo, pois, segundo Kant,

o conhecimento começa com a experiência e termina

com a razão, sendo que a ação de uma sem a outra não

permite ao homem chegar a um conhecimento verdadeiro

do mundo. Logo, se o conhecimento depende da experiência

e da razão, então aquilo que não pode ser experimentado

não pode ser conhecido, e, com isso, tudo aquilo que não

pode ser acessado pelos cinco sentidos não pode ser objeto

do conhecimento verdadeiro.

Kant

Page 32: 06 - Filosofia Bernoulli

32 Coleção Estudo

Fenômeno: são as características do ser que podem

ser percebidas pelos sentidos. Não é possível ao homem

conhecer nada além do fenômeno (aquilo que aparece)

de determinada coisa, o qual pode ser experimentado a

partir das formas do tempo e do espaço para, depois, ser

pensado pelas categorias. Para Kant, só há ciência verdadeira

(conhecimento universal e necessário) no fenômeno.

Nôumeno: consiste na realidade última do ser, ou seja,

é a ideia imaterial de uma coisa, aquilo que ela é em si

mesma e que ultrapassa a sua materialidade ou aparência,

não podendo ser experimentado, mas somente pensado.

O nôumeno é a essência, é aquilo que é dado ao pensamento

puro sem qualquer relação com a experiência. Como, para

Kant, se algo não pode ser experimentado, não pode ser

conhecido, o homem, por não ter acesso a essa realidade

pelos sentidos, não pode, portanto, conhecê-la.

Para Kant, o que se conhece do ser é o que aparece

dele aos nossos sentidos. Dessa forma, a ideia de que

é possível conhecer o ser em si mesmo, a sua essência

última e imutável, não condiz com a filosofia kantiana.

Para o filósofo, a metafísica, a busca de um conhecimento

das coisas que estão além da aparência e daquilo que

pode ser experimentado, não é legítima. Se o nôumeno

é o objeto da metafísica e ele não pode ser alcançado

ou conhecido, logo a metafísica não é possível enquanto

conhecimento. Porém, ainda que a metafísica não possa

ser conhecida, impossibilitando, assim, um conhecimento

universal e necessário do nôumeno, o filósofo considera que

ela pode ser pensada.

A metafísica kantianaSegundo Kant, a metafísica consistiu em uma insensatez

dogmática, por tentar conhecer aquilo que é impossível

ser conhecido, escapando de toda possibilidade de

conhecimento humano, uma vez que o homem não dispõe

de ferramentas para conhecer aquilo que não pode ser

experimentado. No entanto, isso não significa que a

metafísica não exista. Para Kant, a verdadeira Metafísica

não deveria buscar conhecer o nôumeno, a coisa em

si mesma, o “ser enquanto ser”, mas sim buscar conhecer

o homem, debruçando-se sobre o sujeito conhecedor para

compreender como o conhecimento acontece.

A metafísica teria, para Kant, o objetivo de estudar as

maneiras como o sujeito encontra o conhecimento; logo,

seus objetos de estudo são as condições de possibilidade

do conhecimento e da experiência humana, preocupando-se

com as condições a priori do sujeito conhecedor de

experimentar e pensar o que foi experimentado.

Todas as vezes que o homem atreve-se a tentar alcançar

verdades sobre aquilo que não pode ser experimentado,

ou seja, quando ele se envereda pela metafísica tradicional

tentando compreender, por exemplo, Deus, a imortalidade

da alma ou a liberdade humana, criam-se antinomias

(anti-nomía: contradição das leis, conflito entre as leis).

Estas são “verdades” passíveis de serem defendidas e

ao mesmo tempo refutadas por argumentos igualmente

robustos, constituindo-se, assim, um uso ilegítimo da razão.

Um bom exemplo de antinomia é a discussão acerca da

existência ou não de Deus. É possível defender tanto que

Deus existe e é a causa necessária do Universo quanto que

ele não existe, no entanto, não é possível determinar quem

esteja de fato certo sobre esse assunto. Porém, não poder

determinar alguma verdade sobre a existência de Deus,

a imortalidade da alma ou a liberdade do homem não

significa que tais coisas não existam ou que não tenham

papel na vida humana. Se elas não encontram espaço na

Crítica da razão pura, em que Kant se dedica a discutir como

o homem alcança o conhecimento verdadeiro, essas ideias

encontram um papel essencial na Crítica da razão prática,

em que Kant reflete sobre as ações humanas.

A moral kantianaA metafísica kantiana, além de ter se preocupado com

a possibilidade de o sujeito conhecer o mundo, ocupou-se

também do campo prático da moral humana, buscando

responder à seguinte pergunta: como o homem pode agir

com liberdade?

Para Kant, o mundo exterior ao homem constitui o campo

da necessidade, pois todas as coisas da natureza seguem

leis naturais de causalidade, estando inseridas em relações

de causa e efeito. O homem, ao contrário, enquanto um ser

de vontade, tem liberdade para fazer suas escolhas de acordo

com os fins que deseja alcançar, não sendo determinado por

leis naturais ou instintivas que guiam suas ações.

Segundo Kant, no campo da razão teórica, as possibilidades

naturais humanas (formas da sensibilidade e do entendimento)

limitam seu conhecimento da natureza. O homem não é,

então, realmente livre nesse terreno. Contudo, no campo

da ação moral, o homem pode agir guiado pela razão

absolutamente livre de qualquer determinação natural.

Kant trabalha essa problemática moral em suas obras

Fundamentação da metafísica dos costumes (1785), Crítica

da razão prática (1788) e Metafísica dos costumes (1797).

Nelas, o filósofo procura compreender como a ação humana

pode ser verdadeiramente livre, sendo uma ação por

“dever”. Por “dever”, Kant compreende a ação ética que deve

guiar-se única e exclusivamente pela racionalidade

humana, a qual busca princípios ou valores racionais que

fundamentarão a ação, livrando-se de todo e qualquer desejo

subjetivo que possa desvirtuar a ação correta.

Frente A Módulo 12

Page 33: 06 - Filosofia Bernoulli

33Editora Bernoulli

FILO

SOFI

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Tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional

tem a capacidade de agir segundo a representação das

leis, isto é, segundo princípios, ou: só ele tem uma

vontade. Como para derivar as ações das leis é necessária

a razão, a vontade não é outra coisa senão razão prática.

Se a razão determina infalivelmente a vontade, as ações

de um tal ser, que são conhecidas como objetivamente

necessárias, são também subjetivamente necessárias,

isto é, a vontade é a faculdade de escolher só aquilo que

a razão, independentemente da inclinação, reconhece

como praticamente necessário, quer dizer bom.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela.

Lisboa: Edições 70, 1995. p. 47.

Sendo o homem um ser racional, ele deve utilizar sua racionalidade para buscar os princípios que serão a base da ação e nada mais. Esses princípios estão acima de toda e qualquer particularidade, devendo servir a todos os homens sem exceção, uma vez que a racionalidade humana determinará os mesmos princípios para todos eles. Essa é a ética do dever que, em sua natureza, é tanto prescritiva quanto normativa: a ação correta é determinada pela razão e o homem deve segui-la. Não há circunstâncias pessoais ou relativismo moral que diga que o homem deva agir de outra forma.

Assim, para Kant, o homem é essencialmente livre porque é racional. Enquanto todos os outros seres seguem leis determinadas pela sua própria natureza, o homem é o único capaz de tomar decisões utilizando sua razão. A moral é, portanto, independente do mundo natural.

Kant afirma que existem princípios a priori de moralidade, o que significa que o homem não precisa experimentar certa coisa ou viver uma situação concreta para saber o que deve ou não fazer. Utilizando sua razão, o homem é capaz de encontrar os princípios morais que devem ser colocados em prática. Para encontrar esses princípios, o homem deve partir de outro, em uma espécie de “fórmula” racional que Kant denomina imperativo categórico ou imperativo absoluto.

O imperativo categórico é portanto, só um único, que é este:

Age apenas segundo uma máxima tal que possas ao mesmo

tempo querer que ela se torne lei universal.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela.

Lisboa: Edições 70, 1995. p. 59.

Diante de qualquer questão moral, o homem, utilizando-se do imperativo categórico, chegará inevitavelmente à resposta do princípio que deve guiar sua ação. Por exemplo, ao perguntar: o homem deve mentir para não magoar alguma pessoa? O sujeito, aplicando o imperativo categórico, deve pensar o seguinte: será que mentir pode tornar-se uma lei moral universal, ou seja, será que todos os homens do mundo podem mentir?

A razão nos leva a concluir que não. Se todos os homens

do mundo tomassem a mentira como um princípio, o mundo

tornaria-se caótico, uma vez que não haveria mais confiança

entre os homens. Logo, se a razão nos levou a concluir que

a mentira não pode ser utilizada como princípio da ação,

o homem não deve mentir, nem mesmo para não magoar

alguém, uma vez que, se fossem admitidas exceções,

os homens agiriam sempre por interesses próprios,

atendendo ou não ao princípio moral racional de acordo com

seus interesses particulares.

[...] uma pessoa vê-se forçada pela necessidade a pedir

dinheiro emprestado. Sabe muito bem que não poderá

pagar, mas vê também que não lhe emprestarão nada se

não prometer firmemente pagar em prazo determinado.

Sente a tentação de fazer a promessa; mas tem ainda

consciência bastante para perguntar a si mesma:

Não é proibido e contrário ao dever livrar-se de apuros desta

maneira? Admitindo que se decida a fazê-lo, a sua máxima

de ação seria: Quando julgo estar em apuros de dinheiro,

vou pedi-lo emprestado e prometo pagá-lo, embora saiba

que tal nunca sucederá.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica

dos costumes. Tradução de Paulo Quintela.

São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 130.

Kant, ao propor o imperativo categórico, não afirmou o que

deveria ou não ser feito, fornecendo somente o caminho

racional que deveria ser utilizado para alcançar o princípio

universal. Se qualquer homem, de qualquer cultura e

em qualquer situação, aplicar o imperativo categórico,

ele chegará à mesma conclusão de todos os outros homens

do mundo. Isso consiste no que Kant chamou de ação

por dever, uma ação que não admite exceções e que não

leva em consideração necessidades, apetites, interesses,

desejos ou circunstâncias pessoais. A razão ordenou por

meio do imperativo categórico e o homem deve sempre

obedecê-la, ainda que as consequências dessa ação lhe

sejam ruins. A lei moral é universal, invariável, insubstituível

e determinante das ações. Essa liberdade de qualquer

determinação, exceto a razão para a escolha da ação

humana, foi chamada por Kant de vontade autônoma.

Quando a vontade é autônoma, ela pode ser vista como

outorgando a si mesma a lei, pois, querendo o imperativo

categórico, ela é puramente racional e não dependente

de qualquer desejo ou inclinação exterior à razão. [...]

Na medida em que sou autônomo, legislo para mim mesmo

exatamente a mesma lei que todo outro ser racional

autônomo legisla para si.

WALKER, Ralph. Kant: Kant e a lei moral.

Tradução de Oswaldo Giacóia Júnior.

São Paulo: Unesp, 1999. p. 41.

Kant

Page 34: 06 - Filosofia Bernoulli

34 Coleção Estudo

Há uma diferença fundamental entre ação por dever e ação

correta. O homem pode agir corretamente, sem, no entanto,

a ação ser por dever. Se a ação correta é realizada porque

o sujeito tem interesses próprios, ele então ganhará alguma

vantagem, será bem visto pelos outros homens, tendo

agido corretamente, mas não por dever. A ação por dever

é totalmente desinteressada, não havendo nela qualquer

influência a não ser a da simples racionalidade, a qual

determina que o sujeito deva agir de determinada maneira.

É na verdade conforme ao dever que o merceeiro não

suba os preços ao comprador inexperiente, e quando

o movimento do negócio é grande, o comerciante esperto

também não faz semelhante coisa, mas mantém um preço

fixo geral para toda a gente, de forma que uma criança pode

comprar em sua casa tão bem como qualquer outra pessoa.

É-se, pois, servido honradamente; mas isto ainda não

é bastante para acreditar que o comerciante tenha assim

procedido por dever e princípios de honradez; o seu interesse

assim o exigia; mas não é de aceitar que ele, além disso,

tenha tido uma inclinação imediata para os seus fregueses,

de maneira a não fazer, por amor deles, preço mais vantajoso

a um do que outro.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela.

São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 112.

Para Kant, a ação digna é apenas aquela que ocorre por

dever. Veja o fragmento a seguir, em que o filósofo discorre

acerca desse caráter digno da ação.

No Reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade.

Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez

dela qualquer outra como equivalente; mas quando uma

coisa está acima de todo o preço, e portanto não permite

equivalente, então tem ela dignidade. O que se relaciona com

as inclinações e necessidades gerais do homem tem um preço

venal; aquilo que, mesmo sem pressupor uma necessidade,

é conforme a um certo gosto, isto é a uma satisfação no

jogo livre e sem finalidade das nossas faculdades anímicas,

tem um preço de afeição ou de sentimento; aquilo porém

que constitui a condição só graças à qual qualquer coisa

pode ser um fim em si mesma, não tem somente um

valor relativo, isto é um preço, mas um valor íntimo, isto é

dignidade. Ora a moralidade é a única condição que pode

fazer de um ser racional um fim em si mesmo, pois só por

ela lhe é possível ser membro legislador no reino dos fins.

Portanto a moralidade e a humanidade enquanto capaz

de moralidade, são as únicas coisas que têm dignidade.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela.

Lisboa: Edições 70, 1988. p. 77.

Para Kant, o homem só é realmente feliz e livre quando segue sua razão e, por conseguinte, a lei moral determinada pelo imperativo categórico. A razão é o que separa o homem do mundo natural e é o que nos diferencia dos animais, os quais seguem determinações naturais. Se a razão determina um princípio moral, o homem deve segui-lo. Se, pelo contrário, o homem nega esse princípio racional e decide agir de acordo com seus desejos e necessidades particulares, ele está abandonando aquilo que o diferencia dos outros seres, perdendo, assim, sua própria dignidade.

Túmulo de Kant, onde estão escritas as seguintes palavras: “Duas coisas enchem o ânimo de admiração e veneração sempre nova e crescente, quanto mais frequente e persistentemente a reflexão ocupa-se com elas: o céu estrelado acima de mim e a lei moral dentro de mim.”

EXERCÍCIOS DE FIXAÇÃO

01. Ser caritativo quando se pode sê-lo é um dever, e há além disso muitas almas de disposição tão compassivas que, mesmo sem nenhum outro motivo de vaidade ou interesse, acham íntimo prazer em espalhar alegria à sua volta, e se podem alegrar com o contentamento dos outros, enquanto este é obra sua. Eu afirmo, porém, que, neste caso, uma tal ação, por conforme ao dever, por amável que ela seja, não tem contudo nenhum verdadeiro valor moral, mas vai emparelhar com outras inclinações, por exemplo o amor das honras que, quando por feliz acaso, topa aquilo que efetivamente é de interesse geral e conforme ao dever, é conseqüentemente honroso e merece louvor e estímulo, mas não estima; pois à sua máxima falta o conteúdo moral que manda que tais ações se pratiquem não por inclinação, mas por dever.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica

dos costumes. Tradução de Paulo Quintela.

São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 113.

De acordo com a moral kantiana, REDIJA um texto explicando por que uma ação por dever não pode ter qualquer influência que não seja a da razão.

Frente A Módulo 12

Page 35: 06 - Filosofia Bernoulli

35Editora Bernoulli

FILO

SOFI

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02. É, pois, difícil para cada homem em particular conseguir

livrar-se desta menoridade tornada quase uma natureza.

Mas que um público se esclareça a si mesmo, isso é bem

mais possível e, mais, se é deixado em liberdade, então

é quase inevitável.

KANT, Immanuel. Resposta à pergunta:

que é esclarecimento? In: Textos Seletos.

2. ed. Tradução de Raimundo Vier.

Petrópolis: Vozes, 1985.

REDIJA um texto explicando por que, segundo Kant,

o esclarecimento é consequência da liberdade.

03. É na verdade conforme ao dever que o merceeiro não

suba os preços ao comprador inexperiente, e quando o

movimento do negócio é grande, o comerciante esperto

também não faz semelhante coisa, mas mantém um preço

fixo geral para toda a gente, de forma que uma criança

pode comprar em sua casa tão bem como qualquer outra

pessoa. É-se, pois, servido honradamente; mas isto ainda

não é bastante para acreditar que o comerciante tenha

assim procedido por dever e princípios de honradez; o seu

interesse assim o exigia; mas não é de aceitar que ele,

além disso, tenha tido uma inclinação imediata para os

seus fregueses, de maneira a não fazer, por amor deles,

preço mais vantajoso a um do que outro.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica

dos costumes. Tradução de Paulo Quintela.

São Paulo: Abril Cultural, 1980. p. 112.

De acordo com o trecho anterior e com outros

conhecimentos sobre o assunto, REDIJA um texto

explicando por que uma ação por dever deve prescindir

de interesses pessoais.

EXERCÍCIOS PROPOSTOS

01. No Reino dos fins, tudo tem um preço ou uma dignidade.

Quando uma coisa tem um preço, pode-se pôr em vez

dela qualquer outra como equivalente; mas quando

uma coisa está acima de todo o preço, e portanto não

permite equivalente, então tem ela dignidade. O que se

relaciona com as inclinações e necessidades gerais do

homem tem um preço venal; aquilo que, mesmo sem

pressupor uma necessidade, é conforme a um certo

gosto, isto é a uma satisfação no jogo livre e sem

finalidade das nossas faculdades anímicas, tem um preço

de afeição ou de sentimento; aquilo porém que constitui

a condição só graças à qual qualquer coisa pode ser um

fim em si mesma, não tem somente um valor relativo,

isto é um preço, mas um valor íntimo, isto é dignidade.

Ora a moralidade é a única condição que pode fazer

de um ser racional um fim em si mesmo, pois só por ela

lhe é possível ser membro legislador no reino dos fins.

Portanto a moralidade e a humanidade enquanto capaz

de moralidade, são as únicas coisas que têm dignidade.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela.

Lisboa: Edições 70, 1988. p. 77.

De acordo com o texto e com outros conhecimentos

sobre o assunto, REDIJA um texto diferenciando a noção

de preço e de dignidade das ações que tendem a um fim.

02. (UFMG–2008)

Leia estes quadrinhos:

WATTERSON, Bill. A vingança da babá. Editora Best News, 1997. v. I. p. 78.

Kant estabelece que as ações das pessoas, para serem

realmente éticas, devem pautar-se no seguinte princípio,

denominado imperativo categórico:

Age apenas segundo uma máxima tal que possas

ao mesmo tempo querer que ela se torne lei universal.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica dos costumes. Tradução de Paulo Quintela.

São Paulo: Abril Cultural, 1974. p. 224.

REDIJA um texto relacionando as declarações do garoto

Calvin ao imperativo categórico kantiano. JUSTIFIQUE

sua resposta.

Kant

Page 36: 06 - Filosofia Bernoulli

36 Coleção Estudo

03. O imperativo categórico é portanto só um único,

que é este: Age apenas segundo uma máxima tal

que possas ao mesmo tempo querer que ela se torne

lei universal.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica

dos costumes. Tradução de Paulo Quintela.

Lisboa: Edições 70, 1995. p. 59.

REDIJA um texto explicando a relação entre dever

e razão, segundo Kant.

04. Tudo na natureza age segundo leis. Só um ser racional

tem a capacidade de agir segundo a representação

das leis, isto é, segundo princípios, ou: só ele tem

uma vontade. Como para derivar as ações das

leis é necessária a razão, a vontade não é outra

coisa senão razão prática. Se a razão determina

infalivelmente a vontade, as ações de um tal ser,

que são conhecidas como objetivamente necessárias,

são também subjetivamente necessárias, isto é,

a vontade é a faculdade de escolher só aquilo que

a razão independentemente da inclinação, reconhece

como praticamente necessário, quer dizer bom.

KANT, Immanuel. Fundamentação da metafísica

dos costumes. Tradução de Paulo Quintela.

Lisboa: Edições 70, 1995. p. 47.

A partir do trecho anterior, REDIJA um texto respondendo

à seguinte questão: a razão realmente determina

infalivelmente a vontade?

05. De acordo com Kant, o ato de conhecer é efetuado por

meio da relação entre sujeito e objeto, em que se fixam

dois pressupostos fundamentais. Por um lado, objetos que

possam ser percebidos; por outro, o sujeito que assimila

a representação dos objetos.

De acordo com a epistemologia kantiana, REDIJA um

texto explicando a Nova Revolução do Pensamento

operada por Kant.

06. (UFMG–2004)

Leia estes trechos:

É, pois, difícil para cada homem em particular conseguir

livrar-se desta menoridade tornada quase uma natureza.

Mas que um público se esclareça a si mesmo, isso

é bem mais possível e, mais, se é deixado em liberdade,

então é quase inevitável.

KANT, Immanuel. Resposta à pergunta:

que é ilustração? In: Textos Seletos.

Tradução de Floriano de S. Fernandes.

Petrópolis: Vozes, 1974.

A partir da leitura desses trechos e de outras ideias

presentes nessa obra de Kant, REDIJA um texto

justificando por que, para o autor, a saída da menoridade

é difícil para os homens na esfera privada e bem mais

possível para os homens como membros de uma

comunidade total.

07. Um rapaz de 23 anos, cozinheiro de uma empresa

terceirizada do restaurante da Infraero em São Paulo,

havia sido preso por “roubar” três coxas de frango

do restaurante onde trabalhava. Detalhe: o alimento

iria para o lixo, e o rapaz, que tem em sua ficha bons

antecedentes, foi preso acusado de furto. Agora me

respondam: neste país então é permitido fraudar

a previdência, como a tal Georgina fez, praticar as

falcatruas como faz o Renan Calheiros, superfaturar

obras como o Maluf, assassinar covardemente como

fez o Pimenta Neves. Como tantos Lalaus, Suzanes,

universitárias “filhinhas de papai” que participam de

roubos e sequestros ficam impunes? Dá pra ver que

neste país quem rouba um pote de manteiga, uma

coxinha, um leite para dar ao filho comete crime

inafiançável. Agora, quem sangra os cofres públicos

goza de um bem-estar enorme. O que acham disto?

Disponível em: <http://br.answers.yahoo.com/question/

index?qid=20070821105600AATLjr3>.

Acesso em: 15 maio 2010 (Adaptação).

O texto anterior parece justificar as ações humanas

pela sua gravidade ou potencialidade de lesar

mais. De acordo com o estudado sobre a ética

kantiana como o trecho anterior, REDIJA um texto

posicionando-se contra ou a favor do conceito

de dever para Kant.

08. A razão humana, num determinado domínio dos seus

conhecimentos, possui o singular destino de se ver

atormentada por questões, que não pode evitar, pois

lhe são impostas pela sua natureza, mas às quais

também não pode dar respostas por ultrapassarem

completamente as suas possibilidades.

KANT, Immanuel. Crítica da razão pura (Prefácio

da primeira edição, 1781). Tradução de Manuela Pinto

dos Santos e Alexandre Fradique Morujão. Lisboa:

Fundação Calouste Gulbenkian, 1994. p. 3.

Segundo a teoria do conhecimento de Kant, quais

as questões impostas pela natureza humana que não

podem ser respondidas? JUSTIFIQUE sua resposta.

Frente A Módulo 12

Page 37: 06 - Filosofia Bernoulli

37Editora Bernoulli

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SOFI

A

SEÇÃO ENEM

01. Esclarecimento (Aufklãrung) é a saída do homem

de sua menoridade, da qual ele próprio é culpado.

A menoridade é a incapacidade de fazer uso de seu

entendimento sem a direção de outro indivíduo.

O homem é o próprio culpado dessa menoridade se a

causa dela não se encontra na falta de entendimento,

mas na falta de decisão e coragem de servir-se de

si mesmo sem a direção de outrem. Sapere aude!

(Ousa pensar!) Tem coragem de fazer uso de teu próprio

entendimento, tal é o lema do esclarecimento.

KANT, Immanuel. Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?.

In: Textos Seletos. Tradução de Floriano de S. Fernandes.

Petrópolis: Vozes, 1974. p. 103.

Em seu texto “Resposta à pergunta: o que é esclarecimento?”,

Kant utiliza o termo “menoridade” para se referir à condição

daqueles que se submetem ao poder de outros. Nesse

sentido, podemos compreender essa menoridade como

A) a falta de coragem dos homens que se acostumam

à vida e não buscam melhorar de condição.

B) a atitude do indivíduo que tenta tornar-se diretor

e guia de outros indivíduos que a ele recorrem.

C) a situação daqueles que se deixam guiar por outras

pessoas e abrem mão de ter ideias próprias.

D) a coragem do homem de ousar pensar sem a direção

de ninguém, desprezando as outras pessoas.

E) o desprezo pela ajuda de outras pessoas na direção

da própria vida, pois estas sempre atrapalharão.

02. Por esclarecimento, entende-se a atitude

humana de sair da menoridade da razão

e ir para a maioridade da razão, processo

pelo qual o homem pode pensar por

si mesmo, sem tutela de outrem, para

alcançar a autonomia sobre suas ações

e pensamentos. De forma mais simples:

seria a saída do senso comum rumo ao

pensamento crítico e individual sobre as

ideias e atitudes humanas. Kant afirma,

em seu texto “Resposta à pergunta: o que

é esclarecimento?”, que, para o homem sair

de sua condição de tutelado, de menoridade

da razão, uma única coisa é necessária:

a liberdade. Ele afirma também que

tal libertação do senso comum é quase

inevitável se um povo é livre, pois

a liberdade do pensamento se manifesta na

possibilidade da crítica e, consequentemente,

na reavaliação daquilo que até então

constituía os valores e ideias dos homens

particulares.

03. A ação por dever é aquela que não tem

nenhuma outra fonte a não ser a razão

humana. O imperativo categórico determina

o que é certo, e tal determinação tem

força de lei, sendo, portanto, uma ação

por dever. Dois homens podem agir

exatamente da mesma forma, sendo

que um age por dever e outro não.

As motivações internas, os desejos e

os interesses desfiguram a ação por

dever, pois, segundo Kant, quando

se age, deve-se agir tão-somente a partir

das premissas determinadas pela razão.

Dessa forma, os interesses pessoais não

podem influenciar na decisão humana

de agir conforme o dever, pois, mesmo

que o merceeiro da citação da questão

vendesse para todos as mesmas

mercadorias pelo mesmo preço, se o faz

com interesses pessoais de ser considerado,

por exemplo, honesto, tal motivação

desfigura a ação por dever.

GABARITOFixação

01. Kant propõe em sua filosofia um princípio

moral denominado imperativo categórico.

Por esse princípio, o homem racional pode

encontrar princípios morais a priori, que

devem, em toda ocasião e independentemente

das circunstâncias, guiar as ações humanas.

Dessa forma, a ação por dever não pode ser

influenciada por nenhum interesse particular,

por menor que seja, pois perderia, então, a

sua dignidade. A ação correta é aquela que

obedece exclusivamente à razão que alcançou

o princípio, a lei moral, fazendo dela o princípio

absoluto de toda e qualquer ação.

Kant

Page 38: 06 - Filosofia Bernoulli

38 Coleção Estudo

Propostos01. O argumento kantiano considera o valor

das coisas e a dignidade delas. Se, quando

uma ação é realizada, ela puder ser avaliada

quanto ao seu valor, essa ação não é digna,

já que, para o filósofo, ação digna é aquela

que dispensa qualquer avaliação externa para

ser cumprida. Portanto, uma ação que pode

ser valorada o é a partir de seu resultado.

Ao contrário, uma ação digna o é por si mesma,

pois não espera absolutamente nenhuma

valoração de quem quer que seja. As ações

humanas devem estar no reino da dignidade

e não no do valor. Se estiverem no reino da

valoração, elas serão realizadas ou não com

fins a uma avaliação externa interessada.

Ao contrário, se estiverem no reino da

dignidade, elas não necessitarão de qualquer

valoração, mas serão realizadas por si mesmas,

de forma completamente desinteressada,

constituindo, portanto, ações por dever.

02. Segundo a posição kantiana, toda ação se faz

a partir do imperativo categórico, que consiste

na máxima de que o indivíduo age para toda

a humanidade em todo o tempo, tendo como

base que a sua ação se torne lei universal.

Ao analisarmos as declarações do garoto

Calvin, notamos que elas vão contra a posição

defendida por Kant, pois partem de uma ação

de característica individual para o universal:

“Então eu vou fazer o que eu tiver de fazer,

e deixar os outros discutirem se é certo ou não”.

De acordo com Kant, o imperativo categórico

funda-se no momento em que a ação não

é voltada ao indivíduo, consistindo na máxima

de que uma ação particular possa servir de

espelho para toda a humanidade. Logo, aquele

que realiza a ação deve querer que essa ação

sirva para o outro a todo o momento.

03. Segundo Kant, a ação por dever é

essencialmente racional. Toda ação baseia-se

em valores ou máximas que a fundamentam.

Tais máximas devem ser racionais e deduzidas

a partir do imperativo categórico. Esse

imperativo funcionaria tal como uma fórmula

para que o homem pudesse, pela razão,

determinar o que é certo ou errado. Diante

de uma situação específica, a razão humana

diria o que deve ou não ser realizado a

partir de máximas que determinarão a ação.

Portanto, a ação por dever, que deve ser

totalmente desinteressada e livre de fatores

externos à própria razão, só é de fato por dever

se for produto da razão livre que pensa a partir

do imperativo categórico.

04. Resposta subjetiva (espera-se que o aluno seja

capaz de posicionar-se argumentativamente

contra ou a favor dessa ideia.)

Segundo Kant, a razão tem o poder de

determinar, pelo imperativo categórico, o

que deve ser feito. Para o filósofo, as ações

humanas devem refletir a racionalidade, uma

vez que correto é tudo aquilo que corresponde

à capacidade racional humana, e não aos

apetites ou inclinações.

A favor: Concordo com o pensamento

kantiano e argumento a favor de que a

razão deve ser, por si, a legisladora da

moral humana. Se o que nos diferencia

fundamentalmente dos animais irracionais é a

nossa capacidade de nos autodeterminarmos

com o uso da razão, seria um retrocesso

admitirmos que a razão não deve preceder

as ações, uma vez que o homem pode

controlar seus desejos e impulsos imediatos

por sua capacidade racional. Ser dono de si

mesmo significa, em última instância, não

ser escravo dos instintos ou pulsões e

poder controlar tais desejos, tornando-se

verdadeiramente autônomo.

Contra: Dizer que a razão é importante

para a determinação das ações humanas

é um dado irrefutável, mas dizer que ela

determina infalivelmente as ações humanas

é uma ilusão. O homem não é constituído

somente de racionalidade, mas também de

paixões, vontades, sentimentos, afetos, etc.

Sendo uma síntese entre paixões e razão,

a racionalidade não é capaz de determinar

todas as ações humanas. Santo Agostinho

dizia que a razão é incapaz de comandar a

vida humana, uma vez que o homem é mau

e sua maldade determina muitas de suas

ações. Freud dirá que a maior parte das ações

humanas é fruto de nosso inconsciente e,

por isso, fazemos coisas que não estão sob as

rédeas de nossa racionalidade, mas as quais

são frutos da busca pelo prazer.

Frente A Módulo 12

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39Editora Bernoulli

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A

05. Kant apresenta em sua teoria do conhecimento

uma síntese entre racionalismo e empirismo.

Segundo o filósofo, tanto a experiência quanto

a razão são responsáveis pelo conhecimento

verdadeiro sobre o mundo. Porém, o homem deve,

antes de se colocar a conhecer o mundo, pensar

sobre as suas possibilidades de conhecê-lo.

É nesse contexto que se insere sua Nova

Revolução Copernicana do Pensamento, em

que a atenção se volta antes para o sujeito

conhecedor que deve investigar quais são as

suas possibilidades de conhecer, aquilo que ele

tem a priori que o capacita a conhecer o mundo.

É nesse contexto que Kant vai falar das

formas da sensibilidade, que permitem ao

homem experimentar o mundo e as formas do

entendimento, que permitem que o homem

pense e forme ideias a partir dos dados

fornecidos pelos sentidos.

06. Ao trabalharmos o texto de Kant, não podemos

nos esquecer de que, para que ocorra

a ilustração, é necessário o uso da razão em

condições públicas. Assim, para o homem

sair do princípio da menoridade, ele terá que

ter contato com novas ideias, as quais serão

expostas para o público por pessoas letradas,

que necessitam usar sua razão na esfera

pública. Dessa forma, o homem teria contato

com inúmeras formas de pensamento que iriam

levá-lo a uma possibilidade para ir à maioridade.

Se tais fundamentos se dão na esfera particular,

o processo da ilustração se dará de forma lenta.

07. Resposta subjetiva (espera-se que o aluno seja

capaz de posiciona-se argumentativamente

contra ou a favor desta ideia.)

Segundo Kant, a ação por dever é uma ação

deliberadamente racional, isto é, uma ação

cujo fundamento encontra-se na racionalidade

humana ao aplicar o imperativo categórico.

Dessa forma, não interessa à ação por dever

as consequências da ação, se estas serão mais

graves ou menos graves. O que é correto é

correto em toda e qualquer circunstância,

e o que é errado, ou contra o dever,

o é em toda e qualquer circunstância. Desse

modo, tomando como exemplo a citação

da questão, não importa, para terceiros,

a gravidade da ação do rapaz que furtou

a comida ou a da ação dos políticos que sangram

os cofres públicos, ambas as ações são contra

o dever e, portanto, não devem ser realizadas.

A favor: Concordo com a ética kantiana, uma

vez que o homem deve agir guiado pela razão

e esta é capaz de determinar o que é correto

e o que não é. Se assim não fosse, cairíamos

no total subjetivismo das circunstâncias, uma vez

que cada homem agiria levado por aquilo que

acha mais certo ou conveniente para si. A ação

por dever, correspondendo à razão, determina

as máximas pelas quais as ações devem ser

erigidas, impedindo o consequencialismo

das ações e levando os homens a uma maior

harmonia, pois todos, sendo igualmente

racionais, deveriam agir de acordo com essa

razão universal.

Contra: Não concordo absolutamente com

a ética kantiana. Sua ética do dever não

considera as situações particulares dos

homens. Dessa forma, torna-se necessário

pensar que todos os homens são iguais e

vivem nas mesmas circunstâncias. Como

não acreditar que é legítimo que um pai em

situação de extrema pobreza furte do quintal

vizinho frutas ou qualquer outra coisa com

o objetivo de alimentar seu filho? Nivelar o

homem a partir da razão parece fácil para

aqueles que têm um mínimo de conforto e

não estão em nenhuma situação conflitiva.

Ao contrário, para aqueles que sofrem, que

se encontram sob uma série de dificuldades,

esta pretensa ação por dever não passa

de uma abstração que não corresponde

à realidade humana.

08. Segundo a filosofia kantiana, o conhecimento

é fruto do trabalho conjunto da experiência

e da razão. Desse modo, os juízos sobre

o mundo são resultados daquilo que se

experimentou e que servirá de matéria-prima

para o pensamento. Nada que não possa ser

experimentado pode ser conhecido. Algumas

questões, como a existência de Deus,

a liberdade humana e a imortalidade da alma,

são dúvidas que se colocam ao homem e que

a própria natureza humana busca responder.

Porém, um conhecimento verdadeiro sobre

essas questões é impossível uma vez que elas

não podem ser experimentadas pelos sentidos,

mas somente pensadas pela razão.

Seção Enem01. C

Kant

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