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Escola da Magistratura do Estado do Rio de Janeiro
Diferenciao da Tutela Antecipada e Tutela Cautelar
Patricia de Souza Barbosa Rodrigues
Rio de Janeiro
2010
PATRICIA DE SOUZA BARBOSA RODRIGUES
Diferenciao de Tutela Antecipada e Tutela Cautelar
Artigo Cientfico apresentado Escola de
Magistratura do Estado do Rio de Janeiro, como
exigncia para obteno do ttulo de Ps-
Graduao.
Orientadores: Prof. Mnica Areal
Prof. Nli Fetzner
Prof. Nelson Tavares
Rio de Janeiro
2010
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DIFERENCIAO ENTRE TUTELA ANTECIPADA E TUTELA CAUTELAR
Patricia de Souza Barbosa Rodrigues
Graduada pela Faculdade de Direito Cndido
Mendes. Advogada.
Resumo: sabido que as tutelas antecipada e cautelar vm sendo utilizadas com muita
frequncia e servindo de tema para inmeras discusses com relao aplicao correta de
cada uma delas. Marcantes so as diferenas tcnicas e tericas entre tais medidas, porm,
com as recentes alteraes introduzidas pela Lei 10.444/02, que disciplinou o princpio da
fungibilidade, tornou-se mais difcil visualizar critrio que possibilite a precisa identificao
da cautelaridade (tutela cautelar) e da satisfatividade (tutela antecipada).
Assim, de modo a evitar dvidas quanto ao cabimento de uma ou outra, inclusive a
possibilidade de sucumbncia por equvoco na formulao do pedido, imprescindvel a
compreenso das distines e divergncias acerca deste tema.
Palavras-chave: cautelaridade, satisfatividade
Sumrio: Introduo; 1. Histrico da Antecipao de Tutela no Direito Brasileiro; 1.1. A
Tutela Antecipada; 1.2. Pressupostos; 1.3. Requisitos inseridos nos pargrafos do art. 273 do
CPC; 1.4. Antecipao de Tutela contra a Fazenda Pblica; 2. Tutela cautelar; 3. Distines
entre a Tutela Antecipada e a Tutela Cautelar; 4. Fungibilidade. Concluso. Referncias.
INTRODUO
Identificar o correto manejo das tutelas cautelar e antecipada nunca foi tarefa das mais
fceis para os operadores do direito. Com as alteraes introduzidas pela Lei 10.444/02,
aumentou-se ainda mais essa zona nebulosa existente entre os dois institutos, ao disciplinar o
princpio da fungibilidade, acrescentando-se um novo pargrafo 7 ao artigo 273, do Cdigo
de Processo Civil.
Justamente em razo da dificuldade em distinguir, em circunstncias concretas, as
diversas espcies de tutela de urgncia, a jurisprudncia, com amparo no mencionado
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pargrafo 7 do art. 273 do Cdigo de Processo Civil em vigor, tem admitido a fungibilidade
procedimental entre as medidas cautelares e satisfativas atpicas, estando presentes os
requisitos essenciais, e levando-se em conta o preceito constitucional do acesso ordem
jurdica justa e a efetividade da jurisdio. Todavia, h quem recuse a fungibilidade quando
haja erro grosseiro na apresentao do pedido, e quem no admita a apreciao de pedido de
tutela satisfativa veiculado por meio do procedimento cautelar, j que o novo dispositivo
contempla expressamente apenas a hiptese inversa.
De modo a evitar erros graves, e assim a possibilidade de sucumbncia por equvoco
na formulao do pedido, imprescindvel a compreenso das distines e divergncias
acerca do tema. Sendo assim, alguns cuidados podem ser assumidos de modo que as medidas
sejam aproveitadas, mesmo quando consideradas inadequadas, por fora da admisso legal e
jurisprudencial da fungibilidade.
Por fora de expressa dico legal, tem o julgador a oportunidade de antecipar a tutela
almejada pela parte; contudo, impe-se, desde logo, diante da fora que a mens legis (Esprito
da Lei) inspira, assentar fundamental diferena entre a antecipao de tutela e a cautela.
Dessa forma, o presente trabalho visa analisar a diferenciao entre a tutela antecipada
e a tutela cautelar, destacando-se a possibilidade de aplicao e seus efeitos.
1. HISTRICO DA ANTECIPAO DE TUTELA NO DIREITO BRASILEIRO
Pode-se dizer que, desde h muito tempo, existe a previso de medidas urgentes.
O direito romano j apresentava instrumentos que, de forma provisria, buscavam
proteger o direito do requerente, como por exemplo, as interdicta, que constituam ordens
emanadas do pretor em cognio sumria, provisria, e que tinham carter proibitrio,
exibitrio ou restitutivo. Outros instrumentos ainda surgiram no direito romano, apresentando
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enorme similaridade com as tutelas de urgncia atuais. Porm, somente nos tempos modernos
a tutela de urgncia tornou-se um dos elementos principais no cotidiano da atividade
jurisdicional, dada a agilidade da vida moderna, em descompasso com a lentido da prestao
da tutela jurisdicional,
A tutela antecipada j existe no ordenamento processual brasileiro bem antes de sua
introduo no art. 273 do CPC, o que se deu com a micro-reforma realizada em 1994,
especificamente por meio da Lei n 8.952, de 13 de dezembro de 1994.
J houve reconhecida a antecipao de tutela desde o CPC de 1939, com a
possibilidade de decises liminares nas aes possessrias, sendo tais medidas de urgncia
uma execuo para a garantia, entregando ao requerente, enquanto pende o processo, o bem
da vida que busca receber ao final, satisfazendo antecipadamente o direito perseguido.
Diversas outras situaes de satisfao antecipada do direito do requerente foram
reconhecidas pelo legislador antes e aps o CPC de 1973, seja ao permitir a tutela liminar em
sede de mandado de segurana, seja ao admitir a execuo dos ttulos executivos
extrajudiciais ou mesmo a possibilidade de liminares em sede de ao civil pblica. Outros
exemplos que podem ser citados como situaes particulares em que havia a antecipao de
tutela, so as liminares em ao de busca e apreenso (Decreto-Lei n 911/69), em ao de
despejo etc.
Dessa forma, pode-se afirmar que o art.273 do CPC no criou efetivamente o instituto
da tutela antecipada, mas apenas converteu em regra geral o que j estava prescrito para
aquelas situaes particulares.
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1.1 A TUTELA ANTECIPADA
A tutela antecipada uma forma de tutela jurisdicional satisfativa, prestada com base
em juzo de probabilidade, tratando-se de fenmeno prprio do processo de conhecimento.
A forma tradicional de prestao da tutela jurisdicional se d por meio dos chamados
procedimentos comuns, e no processo de conhecimento esses procedimentos so dois:
ordinrio e sumrio. O procedimento ordinrio, porm, quase que onipresente em nosso
sistema de direito positivo, uma vez que, nos termos do artigo 272, pargrafo nico, do CPC,
suas disposies so aplicveis subsidiariamente a todos os demais procedimentos do
processo de conhecimento. Ocorre que, esse procedimento por natureza longo, visto que o
juiz chamado a proferir, nos processos que o seguem, julgamentos baseados em juzo de
certeza.
H, porm, muitas situaes em que no se pode esperar o tempo necessrio
formao do juzo de certeza, exigido para a prolao de sentena no processo cognitivo,
havendo a necessidade, para se tutelar adequadamente o direito material, de se prestar uma
tutela jurisdicional satisfativa mais rpida.
De acordo com MARINONI (2008), a tutela antecipatria satisfativa do direito
material, permitindo sua realizao, e no a sua segurana, mediante cognio sumria ou
verossimilhana. Na verdade, a tutela antecipatria tem a mesma substncia da tutela final,
com a nica diferena de que lastreada em verossimilhana e, por isso, no fica acobertada
pela imutabilidade inerente coisa julgada material. A tutela antecipatria a tutela final
antecipada com base em cognio sumria.
Assim, se a tutela antecipada permite o gozo ou fruio de um direito, mesmo que em
cognio sumria e provisria, fundada em juzo de aparncia, ela satisfativa da pretenso
de direito material, em parte ou totalmente.
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A tutela jurisdicional antecipada, consistente em permitir a produo dos efeitos da
sentena de procedncia do pedido do autor desde o incio do processo (ou desde o momento
em que o juiz se convencido da probabilidade de existncia do direito afirmado pelo
demandante), exige alguns requisitos para a sua concesso. No basta estar presente a
probabilidade de existncia do direito alegado, fazendo-se necessrio que haja uma situao
capaz de gerar fundado receio de dano grave, de difcil ou impossvel reparao, ou que tenha
ocorrido abuso de direito de defesa por parte do demandado (art. 273, I e II, CPC).
Trata-se, pois, de tutela jurisdicional diferenciada, que por isso mesmo deve ser
considerada como excepcional. A tutela antecipada s poder ser prestada nos casos em que
se faa estritamente necessria, ou seja, nos casos em que esta for a nica forma de prestao
da tutela jurisdicional adequada tutela do direito substancial.
1.2 PRESSUPOSTOS
Impe o art. 273, caput do CPC, a observncia dos pressupostos genricos, para
qualquer hiptese de antecipao de tutela.
Inicialmente, fala a lei em prova inequvoca, que convena o juiz da
verossimilhana da alegao. Prova inequvoca no aquela que conduza a uma verdade
plena, absoluta, real, j que essas so atingidas to-somente aps uma cognio exauriente.
Trata-se de prova robusta, consistente, que conduza o magistrado a um juzo de probabilidade,
o que perfeitamente vivel no contexto da cognio sumria.
No entanto, a antecipao no dever ser concedida base de simples alegaes ou
suspeitas. Haver de apoiar-se em prova preexistente, que, todavia, no precisa ser
necessariamente documental. Ter que ser clara, evidente, portadora de grau de
convencimento tal que a seu respeito no se possa levantar dvida razovel.
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inequvoca, em outros termos, a prova capaz, no momento processual, de autorizar
uma sentena de mrito favorvel parte que invoca a tutela antecipada, caso pudesse ser a
causa julgada desde logo. No momento, pode haver prova suficiente para a acolhida
antecipada da pretenso do autor. Depois, porm, da resposta e contraprova do ru o quadro
de convencimento pode resultar alterado, e o juiz ter de julgar a lide contra o autor.
No que tange verossimilhana da alegao, essa refere-se ao juzo de convencimento
a ser feito em torno do quadro ftico invocado pela parte que pretende a antecipao de tutela,
no apenas quanto existncia de seu direito subjetivo material, mas tambm e,
principalmente, no que concerne ao perigo de dano e sua irreparabilidade, bem como ao abuso
dos atos de defesa e de procrastinao praticados pelo ru.
Assim, como a certeza obtida atravs de cognio exauriente, e a verossimilhana
alcanada na cognio rarefeita, ao unir estes dois conceitos radicalmente opostos, pretende a
lei a afirmao de um conceito que se coloque em posio intermediria entre aqueles dois: a
cognio sumria, a qual leva formao de juzos de probabilidade.
Portanto, conclui-se que o primeiro requisito para a concesso da tutela antecipatria
a probabilidade de existncia do direito afirmado pelo demandante.
Exige, tambm, o art. 273 do CPC, o pedido do interessado para a concesso da tutela
antecipada. Veda-se, assim, a tutela antecipada ex officio (de ofcio). Trata-se de regra
coerente com o princpio da congruncia adotado pelo nosso Cdigo nos arts. 128 e 460.
No entanto, h casos em que o pedido de concesso da tutela antecipada se reputa
como implcito, como, por exemplo, o pedido de fixao de alimentos provisrios em ao de
alimentos (art. 4 da Lei Federal n 5.478/1968).
No parece ser possvel a concesso ex officio, ressalvadas as hipteses expressamente
previstas em lei, no s em razo de uma interpretao sistemtica da legislao processual,
que se estrutura no princpio da congruncia. A efetivao da tutela antecipada d-se sob
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responsabilidade objetiva do beneficirio da tutela, que dever arcar com os prejuzos
causados ao adversrio, se for reformada a deciso. preciso que a parte requeira a
concesso, exatamente porque, assim, conscientemente se coloca em uma situao em que
assume o risco de ter de indenizar a outra parte, se restar vencida no processo.
As partes legitimadas a pleitear a antecipao de tutela jurisdicional devero ser
verificadas. O autor, obviamente, poder faz-lo. Isto decorre do fato de se permitir, com o
art. 273, a antecipao de tutela pretendida no pedido inicial, e este, como parece bvio, o
formado pelo demandante. Pode, ainda, pleitear a antecipao da tutela o assistente, simples
ou qualificado, uma vez que este dispe dos mesmos poderes da parte assistida (art. 52 do
CPC). No nos parece possvel, de outro lado, que o Ministrio Pblico, atuando como custus
legis, possa postular a tutela antecipada, o que decorre de sua posio de sujeito imparcial do
processo.
O ru no poder pleitear a antecipao da tutela jurisdicional, salvo nos casos em que
tenha ajuizado demanda ele prprio (como nos casos de reconveno, ou de pedido
contraposto formulado na contestao, o que possvel, por exemplo, no procedimento
sumrio), mas nesses casos, o ru se torna demandante, sendo tratado como se autor fora.
A lei permite que a antecipao da tutela jurisdicional seja total ou parcial, sendo
assim, pode o juiz, ao incio do processo, e com base em cognio sumria, conceder desde
logo tudo aquilo que o autor pleiteou, ou apenas parte do que fora pedido. Basta pensar numa
demanda em que se pea a condenao de ru ao pagamento de uma certa quantia em
dinheiro. Presentes os requisitos da antecipao de tutela jurisdicional, poder o juiz conceder,
desde logo, tudo o que foi pedido, ou apenas parte daquele valor.
O aludido dispositivo do CPC (art. 273) condiciona o deferimento da tutela antecipada
a dois outros requisitos, a serem observados de maneira alternativa, alm dos pressupostos
genricos de natureza probatria acima mencionados. So eles: o fundado receio de dano
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irreparvel ou de difcil reparao (inc. I); ou o abuso de direito de defesa ou o manifesto
propsito protelatrio do ru (inc.II).
Estes dois requisitos, como dito anteriormente, so alternativos, bastando a presena
de um deles, ao lado da probabilidade de existncia do direito, para que se torne possvel a
antecipao da tutela jurisdicional.
J o fundado receio o que no provm de simples temor subjetivo da parte, mas que
nasce de dados concretos, seguros, objeto de prova suficiente para autorizar o juzo de
verossimilhana, ou de grande probabilidade em torno do risco de prejuzo grave.
Com efeito, os simples inconvenientes da demora processual, no podem, por si s,
justificar a antecipao de tutela. indispensvel a ocorrncia do risco de dano anormal, cuja
consumao possa comprometer, substancialmente, a satisfao do direito subjetivo da parte.
Dessa forma, alm de ser provvel a existncia do direito afirmado pelo autor, existe o
risco de que tal direito sofra um dano de difcil ou impossvel reparao (art. 273, I, do CPC).
Este requisito nada mais do que o periculum in mora (perigo na demora), tradicionalmente
considerado pela doutrina como pressuposto da concesso da tutela jurisdicional de urgncia.
Diante do risco do direito substancial sofrer dano de difcil, dever o juiz conceder
antecipao da tutela jurisdicional.
de se notar que tal hiptese no se trata de tutela cautelar, no sendo possvel a
confuso entre as duas modalidades de tutela jurisdicional. Isto porque tanto a tutela cautelar
como a tutela antecipada, prestada com base neste inciso I do art. 273, tm como fundamento
de concesso o periculum in mora, o risco de dano. Ocorre que, na tutela cautelar, o que
corre o risco de sofrer dano irreparvel (ou de difcil reparao) a efetividade do processo,
do provimento jurisdicional. O direito substancial, nesta hiptese, no est em risco. J na
tutela antecipada o que corre risco de perecer o prprio direito material.
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O abuso do direito de defesa se d quando o ru apresenta resistncia pretenso do
autor, totalmente infundada ou contra direito expresso ou, ainda, quando emprega meios
ilcitos ou escusos para forjar sua defesa. Esse abuso, tanto pode ocorrer na contestao, como
em atos anteriores propositura da ao, como notificao, interpelaes, protestos ou troca
de correspondncia entre os litigantes.
J na prpria inicial pode o autor demonstrar o abuso que vem sendo praticado pelo ru, para
pleitear a antecipao da tutela. Especialmente em torno de atos extraprocessuais que se
pode falar em caracterizao do manifesto propsito protelatrio do ru.
Assim, esta modalidade de tutela antecipatria, prestada com fulcro no inciso II do art.
273, do CPC, no tem relao com o estado de perigo do direito, razo pela qual se mostra
inadequada a denominao tutela de segurana. Trata-se de hiptese em que, ao lado da
probabilidade de existncia do direito do autor, ocorre abuso do direito de defesa do
demandado, o qual apresenta defesa manifestamente protelatria.
Nesse caso, pode-se dizer que h verdadeira antecipao- sano, j que a tutela
antecipada atua como sano contra o abuso do direito de defesa. A rigor, no h sano mais
grave para quem pretende protelar, do que imprimir uma maior acelerao entrega da
prestao jurisdicional. Foi o que fez o legislador, criando-se, deste modo, uma tcnica
sancionadora, eficiente contra o abuso do direito de defesa.
Dessa maneira, se o ru apresenta a defesa com o nico propsito de protelar a entrega
da prestao jurisdicional, deve-se tutelar antecipadamente o direito substancial que, em razo
da defesa abusiva, mais do que provvel, j se revela evidente. Constitui exemplo uma ao
de despejo por denncia vazia, em que o ru contesta to-somente para alegar a injustia
da denncia imotivada da locao. A defesa, claramente, despida de fundamento srio que
permita sua apreciao. Trata-se de defesa protelatria, que permite a imediata prestao da
tutela jurisdicional, atravs da antecipao dos efeitos da sentena de mrito.
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Cabe ressaltar que, nesta ltima hiptese, s se pode admitir antecipao de tutela
jurisdicional aps o oferecimento da contestao do demandado, ao contrrio da hiptese de
tutela antecipada de segurana, em que se torna possvel a concesso de medida inaudita
altera parte, ou seja, antes da manifestao do ru no processo.
1.1. REQUISITOS INSERIDOS NOS PARGRAFOS DO ART.273 DO CPC
Determina o pargrafo 1 do art. 273 do CPC que, a deciso que antecipa a tutela
jurisdicional seja fundamentada de modo claro e preciso. A necessidade de fundamentao,
obviamente, se estende tambm s decises que indeferem a antecipao, por fora do
princpio da motivao das decises judiciais, previsto no art. 93, IX, da Constituio da
Repblica.
O pargrafo 2 cuida da irreversibilidade dos efeitos da tutela, norma segundo a qual
no se pode antecipar a tutela jurisdicional quando esta puder produzir efeitos irreversveis.
Em primeiro lugar, h que se afirmar que no trata a norma, apesar de sua expresso
literal, de irreversibilidade de provimento jurisdicional que antecipa a tutela, mesmo porque
tal provimento no se torna irreversvel, j que pode ser modificado ou revogado a qualquer
tempo (art. 273 4). da irreversibilidade dos efeitos da tutela jurisdicional antecipada que
trata a lei, erigindo-a condio de requisito de concesso da tutela jurisdicional.
Deseja a lei que o direito ao devido processo legal, com os seus consectrios do
contraditrio e ampla defesa, seja preservado, mesmo diante da excepcional medida
antecipatria.
A necessidade de valorao do princpio da efetividade da tutela jurisdicional no deve
ser pretexto para a pura e simples anulao do princpio da segurana jurdica. Adianta-se a
medida satisfativa, mas se preserva o direito do ru reverso do provimento, caso a final seja
ele, e no o autor, o vitorioso no julgamento definitivo da lide.
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O periculum in mora (perigo na demora) deve ser evitado para o autor, mas no
custa de transport-lo para o ru. Em outros termos, o autor tem o direito a obter afastamento
do perigo que ameaa seu direito. No tem, todavia, a faculdade de impor ao ru que suporte
tal perigo. A antecipao de tutela, em suma, no se presta a deslocar ou transferir risco de
uma parte para a outra.
Nos termos do pargrafo 3 do artigo 273, a efetivao da tutela antecipada
observar, no que couber e conforme sua natureza, as normas previstas nos arts. 475-O, 461,
4 e 5, e 461-A. Significa isto, que a efetivao da deciso concessiva de tutela antecipada
se far, quando se tratar de obrigao pecuniria, na forma do art. 475-O, do CPC; tratando-se
de tutela antecipada referente obrigaes de entregar coisa diversa de dinheiro, ser
aplicvel o disposto no art. 461-A.
Essas regras, todavia, so aplicveis apenas no que couber, o que significa dizer que
as mesmas devem ser vistas como parmetros operacionais, cabendo ao juiz, se verificar
que alguma das regras a referidas no adequada efetivao da tutela antecipada em
determinado caso concreto, determinar que a atuao da medida se d pelo meio que se revele
mais eficiente, e que atender exigncia constitucional de tutela jurisdicional efetiva e
adequada.
O pargrafo 4 do art. 273 trata da possibilidade de revogao ou modificao a
qualquer tempo da tutela antecipada. De acordo com o disposto neste pargrafo, observamos
que a lei processual impe que a deciso que antecipa a tutela jurisdicional pode ser revogada
ou modificada a qualquer tempo, desde que em deciso fundamentada.
Esta possibilidade de revogao ou modificao conseqncia da natureza sumria
da cognio exercida pelo juiz para o fim de conceder a antecipao da tutela jurisdicional,
sendo possvel toda vez que surgirem novas circunstncias - de fato ou de direito que sejam
capazes de alterar a convico do juiz.
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Convm mencionar, todavia, que a revogao ou modificao da tutela antecipada
exige requerimento da parte interessada, no podendo se dar de ofcio.
Dispe o pargrafo 5 do artigo em anlise, que se concedida ou no a antecipao da
tutela jurisdicional, dever o processo seguir at o final julgamento. Trata-se de regra afinada
com a ideia de que no processo de conhecimento a obteno de certeza quanto existncia ou
inexistncia do direito do autor um dos objetivos a serem alcanados, e tal s ser possvel
com o exerccio, pelo juiz, de cognio exauriente. Por esta razo, dever o processo seguir
at a prolao da sentena, a qual estar embasada em juzo de certeza, e permitir o
encerramento do processo com a integral satisfao da pretenso.
A possibilidade da concesso da tutela antecipada com relao a pedidos
incontroversos encontra-se prevista no pargrafo 6, introduzido no artigo 273, pela Lei
10.444/02. Tal dispositivo determina que a tutela antecipada tambm poder ser concedida
quando um ou mais pedidos cumulados, ou parcela deles, mostrar-se incontroverso. Na
realidade, essa norma significa que toda vez que uma parcela do objeto do processo tornar-se
incontroversa, dever o juiz, com relao a tal parcela, proferir imediata deciso,
prosseguindo o feito apenas com relao ao que ainda controvertido.
Convm mencionar que, se todo o objeto do processo se torna incontroverso, no o
caso de se pensar em tutela antecipada, mas em julgamento imediato de todo o mrito (arts.
329 e 330 do CPC). Basta pensar, por exemplo, no caso de reconhecimento da procedncia do
pedido, ou de confisso por uma das partes de todos os fatos narrados pela outra, no
aduzindo o confitente qualquer outro fato em seu favor. Nessas hipteses, dever o juiz
proferir a sentena, no sendo aplicvel este 6, do art. 273.
Porm, existem casos em que o objeto do processo composto (quando so
formulados dois pedidos cumulados) ou decomponvel (quando se formula um s pedido, o de
condenao do demandado a entregar uma certa quantidade de coisas divisveis, como no
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caso de pedido de condenao pecuniria). Nessas hipteses, pode acontecer de uma parcela
do objeto do processo tornar-se incontroversa, como por exemplo, quando o ru reconhece a
procedncia de um dos pedidos cumulados, ou reconhece a parcial procedncia do pedido
(quando o autor quer ver o ru condenado a pagar cem e o demandado contesta dizendo dever
apenas trinta).
Nesses casos, forma-se um juzo de certeza, baseado em cognio exauriente, quanto
parcela incontroversa do objeto do processo, o que deve levar o magistrado a proferir
imediata deciso a respeito da mesma.
Pode-se observar que, o caso do 6, do art. 273, a deciso antecipatria
interlocutria, sendo, pois, impugnvel por agravo (na forma do art. 522 do CPC). Trata-se,
porm, de deciso baseada em cognio exauriente, capaz de declarar a prpria existncia ou
inexistncia do direito material, razo pela qual ser tal provimento, ao se tornar irrecorrvel,
capaz de alcanar a autoridade de coisa julgada material. No se tratando de uma antecipao
provisria, mas de uma antecipao definitiva da tutela, a tutela antecipada concedida com
fulcro no dispositivo em questo, pode ter natureza meramente declaratria, constitutiva ou
condenatria.
Por fim, cumpre analisar o pargrafo 7, de forma breve, j que ser objeto de anlise
especfica em item prprio. O referido pargrafo, acrescentado tambm pela Lei n 10.444/02,
dispe acerca da fungibilidade entre a tutela antecipada e a tutela cautelar, e representa
importante inovao, pois, no permite que o juiz indefira uma medida cautelar sob o
fundamento de que ela deveria ter sido requerida em processo autnomo, bem como probe ao
juiz o indeferimento de tutela sumria satisfativa, sob o fundamento de que esta no deve ser
postulada em demanda autnoma, mas incidentemente ao processo de conhecimento.
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1.2. ANTECIPAO DE TUTELA CONTRA A FAZENDA PBLICA
Assim que editada a lei instituidora da antecipao genrica dos efeitos da tutela,
intensa discusso doutrinria surgiu sobre a possibilidade de se anteciparem os efeitos da
tutela de mrito contra a Fazenda Pblica.
Atualmente, parece no haver mais discusso sobre a possibilidade de antecipao dos
efeitos da tutela em face do Poder Pblico, haja vista a existncia de uma lei que a disciplina
(Lei Federal n 9.494/1997).
Em princpio, como corolrio do direito fundamental do acesso justia, a
antecipao da tutela haveria de ser disciplinada pelas leis infraconstitucionais, e por isso, a
Lei n 9.494/1997 regulou a antecipao da tutela contra a Fazenda Pblica, proibindo-a em
certos casos. Se uma lei veio regul-la porque a antecipao possvel.
Aqueles que defendiam o no-cabimento arguiam que o reexame necessrio
configuraria um obstculo admissibilidade de tutela antecipada contra a Fazenda Pblica,
pois, se a sentena final contra a Fazenda s pode produzir efeitos depois de confirmada pelo
tribunal, uma deciso antecipatria, meramente interlocutria, jamais poderia produzir efeitos
imediatamente. Alegavam, tambm, que o regime de pagamentos em dinheiro da Fazenda
Pblica, que se d por meio dos precatrios (art.100, CPC), seria um bice antecipao dos
efeitos da tutela, pois impediria a satisfao imediata das obrigaes pecunirias.
Tais argumentos, desfavorveis a concesso da tutela antecipada contra a Fazenda
Pblica, segundo DIDIER JR. (2008), revelam-se descabidos. Entende o referido autor que,
isto se deve, pois, a necessidade do precatrio para o pagamento de quantia no pode servir
como empecilho para a admissibilidade da tutela antecipada contra a Fazenda Pblica, sendo
que, na pior das hipteses, a deciso antecipatria j colocaria a parte vitoriosa na fila de
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espera para a sua expedio, cujo procedimento findaria com o depsito judicial da quantia,
que somente poderia ser levantada em caso de procedncia definitiva da demanda.
Com efeito, o problema dos precatrios diz respeito, apenas, s demandas
condenatrias a uma prestao de pagar quantia, espcie executiva em que a Fazenda goza de
prerrogativas procedimentais. Quanto s demais prestaes (fazer, no-fazer e entregar coisa)
no h qualquer diferena no formalismo processual.
No h apenas demandas condenatrias contra a Fazenda Pblica, sendo plenamente
admissveis as meramente declaratrias e constitutivas, cujos efeitos podem ser perfeitamente
antecipados.
Ademais, h dvidas pecunirias do Poder Pblico, oriundas de deciso judicial, que
no se submetem ao regime dos precatrios, como por exemplo, as dvidas de pequeno valor
(art.100, 3, CF/88); os crditos provenientes de sentena de mandado de segurana,
relacionados a parcelas vencidas aps o ajuizamento da ao (art.1, 2, Lei Federal n
5.021/1966); dvidas contratuais ou j previstas no oramento, como as dvidas salariais e
outras.
No se justifica o argumento da imposio do reexame obrigatrio das decises
proferidas contra o Poder Pblico, haja vista que o duplo grau obrigatrio s se refere s
sentenas, sendo que a tutela antecipada concedida por meio de deciso interlocutria. Alm
disso, j se demonstrou que a tutela antecipada no novidade em nosso ordenamento, pois,
havia previso em alguns procedimentos especiais.
Dessa forma, possvel a concesso da tutela antecipada em face da Fazenda Pblica.
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2. TUTELA CAUTELAR
Como detentor da jurisdio, ao Estado, no basta apenas garantir a tutela jurdica,
instituindo o processo e assegurando o socorro a ele por meio da ao.
Para que se atinja o objetivo maior do processo, que a paz social, por intermdio da
manuteno do imprio da lei, no se pode contentar com a simples outorga, parte, do
direito de ao. Urge assegurar-lhe, tambm e principalmente, o atingimento do fim precpuo
do processo, que a soluo justa da lide.
importante lembrar que, se os rgos jurisdicionais no contassem com um meio
pronto e eficaz para assegurar a permanncia ou conservao do estado das pessoas, coisas e
provas, enquanto no atingido o estado ltimo da prestao jurisdicional, ela correria o risco
de cair no vazio, ou de transformar-se em providncia incua. Da a necessidade do processo
cautelar.
O processo cautelar exerce funo auxiliar e subsidiria, servindo tutela do processo,
onde ser protegido o direito.
A atividade jurisdicional cautelar dirige-se segurana e garantia do eficaz
desenvolvimento e ao profcuo resultado das atividades de cognio e de execuo,
concorrendo, dessa maneira, para o atingimento do escopo geral da jurisdio.
Dessa forma, no tendo a finalidade de solucionar o litgio e sendo seu objetivo tutelar
o prprio processo, a funo cautelar tem por escopo servir o interesse pblico na defesa do
instrumento criado pelo Estado para compor lides, isto , a defesa do processo.
Diante da presena de um processo cautelar como forma de exerccio da jurisdio,
existe, tambm, uma ao cautelar, no sentido processual da expresso, ou seja, no sentido de
direito subjetivo tutela jurisdicional; mas a tutela cautelar, diversamente da tutela de mrito,
, por sua prpria natureza, provisria e subsidiria.
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A ao cautelar corresponde ao direito da parte, de provocar o rgo judicial para que
se realizem providncias para conservar e assegurar a prova ou bens, ou para eliminar de
outro modo a ameaa de perigo de prejuzo iminente e irreparvel ao interesse tutelado no
processo principal; vale dizer, a ao cautelar consiste no direito de assegurar que o processo
possa conseguir um resultado til.
Pode-se dizer que, o processo cautelar possui como caractersticas a acessoriedade, a
provisoriedade, a revogabilidade e a instrumentalidade.
A eficcia da medida preventiva obtida por meio da ao cautelar essencialmente
temporria e provisria, ou seja, dura apenas enquanto se aguarda a soluo do processo de
cognio ou de execuo, que o principal, o que soluciona realmente a lide; e destina-se
forosamente a ser substituda por outra medida que ser determinada, em carter definitivo,
pelo processo principal.
por isso mesmo que a admissibilidade do processo cautelar pressupe sempre a do
processo principal, cuja eficcia h de ser assegurada pelo primeiro.
Nesse sentido, dispe, textualmente, o art. 796 do nosso Cdigo de Processo Civil que,
embora o procedimento cautelar possa ser instaurado antes ou no curso do processo principal,
aquele deste sempre dependente.
Pode-se dizer que toda medida cautelar caracterizada pela provisoriedade, a fim de
que a situao preservada ou constituda mediante o provimento cautelar no se revista de
carter definitivo. Essa provisoriedade significa que as medidas cautelares tm durao
temporal limitada quele perodo de tempo que dever transcorrer entre a sua decretao e a
supervenincia do provimento principal ou definitivo. Por sua natureza, esto destinadas a ser
absorvidas ou substitudas pela soluo definitiva do mrito.
A sentena proferida em processo cautelar no faz coisa julgada material, que a
eficcia material que torna imutvel e indiscutvel a sentena de mrito no mais sujeita a
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recurso (art. 467). Isto se deve, pois, sumariedade da cognio exercida no processo
cautelar.
caracterstica da medida cautelar, como provimento emergencial de segurana, a
possibilidade de sua substituio (art. 805), modificao ou revogao a qualquer tempo (art.
807).
A mutabilidade e a revogabilidade da medida cautelar so inerentes sua prpria
natureza e objetivos. Se desaparece a situao ftica que levou o rgo jurisdicional a
acautelar o interesse da parte, cessa a razo de ser da precauo.
O processo principal (execuo ou cognio) e o processo cautelar existem para atuar
sobre uma mesma lide, mas diferem quanto ao seu escopo, porque o processo acautelatrio
serve para garantir o bom resultado do processo definitivo, ao passo que este serve
imediatamente composio da lide.
Da a mais importante caracterstica do processo cautelar, sua instrumentalidade, que
significa que a medida cautelar no tem um fim em si mesma, mas sim, em relao a uma
providncia definitiva que h de sobrevir e cujos efeitos antecipa, para que assim possa evitar-
se o dano que derivaria da demora na prolao da futura sentena de mrito.
Atualmente, a doutrina majoritria, no mais reconhece tutela cautelar o carter de
antecipao provisria da satisfao do direito material.
Pode-se afirmar que, enquanto o processo principal serve tutela do direito, o
processo cautelar serve tutela do processo.
No so medidas satisfativas, pois seu fim direto e imediato no a satisfao do
direito substancial da parte, mas apenas servir imediatamente ao processo principal,
preservando situaes e garantindo-lhe o resultado til.
Cumpre analisar os requisitos para a concesso da tutela cautelar, quais sejam, o fumus
boni iuris (fumaa do bom direito) e o periculum in mora (perigo na demora).
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Requisito de concesso da tutela jurisdicional cautelar tradicionalmente reconhecido
por toda doutrina nacional e aliengena, o designado pela expresso latina fumus boni iuris,
que pode ser traduzida como fumaa do bom direito.
Conforme mencionado anteriormente, a tutela cautelar constitui modalidade de tutela
de urgncia destinada a assegurar a efetividade de um provimento jurisdicional, a ser
produzido no processo principal. Faz-se necessria a existncia da previso da tutela cautelar
em razo da demora na entrega da prestao jurisdicional, pleiteada no processo principal, que
pode gerar o risco de que o futuro provimento seja incapaz de alcanar os resultados prticos
que dele se esperam.
Desta maneira, a concesso da medida cautelar no pode estar condicionada
demonstrao da existncia do direito substancial afirmado pelo demandante, devendo o
Estado-Juiz contentar-se com a demonstrao da aparncia de tal direito. Assim, o que se quer
dizer que a tutela jurisdicional cautelar deve ser prestada com base em cognio sumria, o
que significa que a medida cautelar ser deferida ou no conforme um juzo de probabilidade.
Pode-se observar ento, que a tutela jurisdicional cautelar ser prestada com base em
cognio sumria, e no em cognio exauriente (como se d, em regra, com a tutela
jurisdicional de natureza cognitiva). Para que a tutela cautelar no se torne um instrumento
absolutamente intil, no h que se falar em exigncia de certeza quanto existncia de
direito substancial para sua prestao.
Convm mencionar que no pacfica a doutrina quando se trata de definir o fumus
boni iuris. H quem afirme tratar-se ele da mera aparncia do bom direito. Outros autores,
por sua vez, definem o fumus boni iuris como a plausibilidade do direito. Parte da doutrina,
ainda, refere-se a este requisito de concesso das medidas cautelares como a verossimilhana
do direito afirmado pelo demandante. Todos estes conceitos, embora tenham sutis diferenas
entre si, conduzem todos, a uma mesma ideia de que a cognio a ser realizada no processo
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cautelar sumria, no se exigindo a certeza quanto existncia do direito substancial.
Assim, nos parece mais adequado definir o fumus boni iuris como a probabilidade da
existncia do direito invocado pelo autor da ao cautelar.
O fumus boni iuris no se apresenta apenas como requisito da tutela jurisdicional
cautelar, sendo sua presena necessria para a concesso de qualquer modalidade de tutela
jurisdicional sumria, como a j referida tutela antecipatria do art. 273, do CPC.
Porm, a probabilidade de existncia do direito no requisito suficiente para a
concesso da tutela cautelar, sendo necessrio, tambm, o periculum in mora (perigo na
demora).
Esse requisito consiste na situao de perigo iminente que poder provocar a
inefetividade do processo principal. Esta iminncia de dano irreparvel (ou de difcil
reparao) no capaz de afetar o direito substancial, mas gera perigo, to-somente, para a
efetividade do processo. H, porm, dois tipos de situao de perigo: a que gera risco de dano
irreparvel (ou de difcil reparao) para o direito substancial, e a que provoca risco de dano
(tambm aqui irreparvel ou de difcil reparao) para a efetividade do processo. No primeiro
caso, adequada ser a tutela antecipatria; no segundo, a tutela cautelar.
Cabe ressaltar, no entanto, que tambm no pacfica a doutrina quanto forma de
definir o periculum in mora. Alguns processualistas, ao definir este requisito, limitam-se a
afirmar que o mesmo deve ser entendido como probabilidade de dano a uma das partes de
futura ou atual ao principal, resultante da demora no ajuizamento ou no processamento e
julgamento desta, sem fazer distino entre o perigo para a efetividade do processo e o
perigo para o direito substancial.
No entanto, outros autores expressamente afirmam que, tanto nos casos em que haja
perigo para o direito material, como naqueles em que h risco para a efetividade do processo,
estar presente o requisito da tutela cautelar. H autores, por fim, que no estudo do periculum
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in mora, como requisito de concesso da tutela jurisdicional cautelar, ligam-no apenas ao
direito substancial.
Assim sendo, havendo o fundado receio de que a efetividade do processo venha a
sofrer um dano iminente, grave, de difcil ou impossvel reparao, estar presente o
periculum in mora autorizador da concesso da tutela cautelar.
Presentes, ento, o periculum in mora e o fumus boni iuris, ser concedida pelo
Estado-Juiz a tutela jurisdicional cautelar.
3. DISTINES ENTRE A TUTELA ANTECIPADA E A TUTELA CAUTELAR
As medidas cautelares e as antecipatrias so tecnicamente distintas, apesar de suas
caractersticas comuns e da sua identidade quanto funo constitucional que exercem. Tendo
por base o art. 273 do Cdigo de Processo Civil, pode-se definir medida antecipatria como a
medida pela qual o juiz antecipa, total ou parcialmente, os efeitos da tutela pretendida no
pedido inicial. Ao lograr-se identificar, no conjunto das medidas de tutela provisria, as que
apresentam essas caractersticas, pode-se, ainda que por excluso, distingui-las das demais,
sujeitas ao regime do processo cautelar.
Tendo em vista a estruturao do Cdigo de Processo Civil brasileiro de 1973, ficou
reservado Livro prprio para o Processo Cautelar e nele o legislador, alm de disciplinar
diversos procedimentos especiais, alguns, inclusive, sem natureza genuinamente cautelar,
atribuiu ao juiz o que se convencionou denominar poder geral de cautela, ou seja, o poder de
determinar as medidas provisrias que julgar adequadas quando houver fundado receio de que
uma das partes, antes do julgamento da lide, cause ao direito da outra leso grave e de difcil
reparao (art. 798 do CPC). A interpretao desse instituto sempre foi controvertida na
doutrina, especialmente no que respeita o alcance e contedo das tais medidas provisrias
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adequadas. A polmica girou em torno de se saber se essas medidas eram apenas consistentes
de garantias do processo, restritamente consideradas, ou se, ao invs, poderiam comportar
tambm providncias que representassem a prpria antecipao do direito material afirmado
pelo interessado. Questionou-se, portanto, sobre a legitimidade ou no, no mbito do processo
cautelar, das chamadas medidas cautelares satisfativas.
Atualmente a doutrina se inclina no sentido de que o processo cautelar consiste em
instrumento de proteo a outro processo. O que se quer dizer que, com o processo cautelar,
combate-se situaes em que existe risco para a efetividade de um processo. E, quando o
tempo de durao do processo gerar uma situao de perigo para o prprio direito material,
no ser adequada a utilizao do processo cautelar, mas sim do instituto da tutela
antecipatria. Assim, por exemplo, pode-se vislumbrar a hiptese em que algum v a juzo
pedindo a condenao do demandado a pagar um tratamento mdico de que o demandante
necessita, sendo essencial que o tratamento se realize desde logo, custa do demandado, sob
pena de o demandante no sobreviver. Neste caso, como parece bvio, o que sofre risco de
dano se no for tutelado de imediato o prprio direito substancial do demandante, razo pela
qual ter o Estado de prestar a ele a tutela jurisdicional antecipatria. Situao diversa seria
aquela em que o demandante j tivesse se submetido ao tratamento, e pretendesse ser
ressarcido dos gastos que teve, verificando-se que o demandante, para se furtar ao pagamento,
estivesse se desfazendo de todos os seus bens penhorveis. Neste caso, seria a efetividade do
futuro processo executivo que estaria sofrendo o risco, pois nenhuma utilidade se pode
esperar de uma execuo se o executado no dispe de bens de valor suficiente para assegurar
a realizao do crdito do exeqendo. Seria necessrio, ento, a realizao de uma apreenso
de bens do devedor, tantos quantos fossem necessrios para assegurar que, na futura
execuo, seu patrimnio fosse ainda capaz de assegurar a realizao do direito material do
credor.
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Na hiptese em que se pretende assegurar de forma mediata a tutela jurisdicional,
evitando-se a consumao do dano que a efetividade do processo poderia sofrer, ser cabvel a
tutela jurisdicional de ndole cautelar.
Desta maneira, o processo cautelar , pois, instrumento atravs do qual se presta uma
modalidade de tutela jurisdicional consistente em assegurar a efetividade de um provimento a
ser produzido em outro processo, dito principal. Ao contrrio do que ocorre com os outros
dois tipos de processo (cognitivo e executivo), o processo cautelar no satisfaz o direito
substancial, mas apenas garante que o mesmo possa ser realizado em momento posterior,
permitindo assim, uma forma de tutela jurisdicional mediata.
4. FUNGIBILIDADE
Diante da alterao, j mencionada anteriormente, introduzida pela Lei n 10.444 de
2002, que disciplinou o princpio da fungibilidade ao acrescentar um novo pargrafo 7 ao
artigo 273 do Cdigo de Processo Civil, identificar a correta aplicao das tutelas cautelar e
antecipada tornou-se tarefa mais complexa.
O pargrafo 7 prev que se o autor, a ttulo de antecipao de tutela, requerer
providncia de natureza cautelar, poder o juiz, quando presentes os respectivos pressupostos,
deferir a medida cautelar em carter incidental no processo ajuizado.
Por constiturem modalidades de tutela jurisdicional de urgncia distintas, no
significa que no se possa ter um sistema unificado de prestao das mesmas, o que permite a
simplificao do processo, evitando-se que por razes de tcnica processual se deixe de
prestar a tutela jurisdicional adequada.
No entanto, surgiram interpretaes distintas acerca do novo pargrafo, no que tange
sua fungibilidade. Alguns doutrinadores entenderam que no seria correto falar, no caso, em
fungibilidade de procedimentos, como est na justificativa do projeto. O procedimento
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poderia ser at o mesmo, ou seja, a disciplina formal dos atos processuais a realizar, porm,
no se trata de proceder de um modo, havendo o autor pedido que se procedesse por outro.
Trata-se de autntica fungibilidade de pedidos, no sentido de que, nominalmente postulada
uma daquelas medidas, ao juiz lcito conceder a tutela a outro ttulo. Desta forma, entendem
que no existe fungibilidade em uma s mo de direo.
De maneira oposta, afirmam outros que, a fungibilidade estabelecida no pargrafo 7
do art. 273, tem mo nica, e, diz respeito to-somente medida cautelar, que pode ser
deferida em carter incidental. Sendo que no autoriza, todavia, o contrrio, ou seja, que a
medida antecipatria possa ser requerida, como a cautelar, por ao autnoma. Se assim fosse
entendido, estar-se-ia atentando contra a lgica do sistema atual, um dos principais avanos
trazidos pelo movimento reformador do sistema, que a de concentrar em uma nica relao
processual, tanto quanto possvel, toda a atividade jurisdicional.
Convm mencionar que, segundo CARREIRA ALVIM (2004), a introduo do
pargrafo 7 do art.273 foi o ponto mais importante da ltima reforma, sendo legtima
manifestao do que ele denomina fenmeno do sincretismo processual. Segundo o referido
autor, o sincretismo processual traduz uma tendncia do direito processual de combinar
frmulas e procedimentos, de modo a possibilitar a obteno de mais de uma tutela
jurisdicional (de forma simples e imediata), no bojo de um mesmo processo com o que, alm
de evitar a proliferao de processos, simplifica a prestao jurisdicional.
Assim, diante das vrias opinies doutrinrias, cabe tambm demonstrar essa questo
em mbito jurisprudencial. Essa inovao veio consagrada em acrdo unnime da 12
Cmara do 1. TACSP, proferido no julgamento do Agravo de Instrumento 806.046-6,
relatado por Jos Roberto Bedaque, do qual se extrai que, tratando-se de tutela de urgncia e
provisria, faz-se possvel a incidncia da regra da fungibilidade, cabendo ao julgador adotar
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a soluo mais adequada preservao da utilidade do resultado final, desde que atendidos os
limites objetivos da demanda.
Portanto, pode-se observar que, estando presentes os requisitos essenciais, o juiz
dever aplicar o princpio da fungibilidade dos pedidos.
CONCLUSO
Tendo em vista esclarecer a correta aplicao da medida cautelar e da medida
antecipatria, por meio de critrios que possibilitam a precisa identificao da cautelaridade e
da satisfatividade, pode-se concluir que, tanto a medida cautelar propriamente dita (objeto de
ao cautelar) como a medida antecipatria (objeto de liminar na prpria ao principal)
representam providncias, de natureza emergencial, executiva, e sumria, adotadas em carter
provisrio.
Todavia, o que as distingue, em substncia, que a tutela cautelar apenas assegura
uma pretenso, enquanto a tutela antecipatria realiza de imediato a pretenso.
Dessa maneira, pode-se dizer que, na tutela cautelar o que corre o risco de sofrer dano
irreparvel ou de difcil reparao a efetividade do processo, do provimento jurisdicional.
Porm, na tutela antecipada o que corre risco de perecer o prprio direito material. A tutela
cautelar uma modalidade de tutela do processo, enquanto a tutela antecipada destinada a
proteger o direito substancial.
Cabe ressaltar, por fim, que esses dois institutos do nosso direito processual so
fungveis como determina o pargrafo 7 do art. 273 do Cdigo de Processo Civil, o que
significa dizer que, defeso ao juiz indeferir uma medida cautelar sob o fundamento de que
ela deveria ter sido requerida em processo autnomo e no incidentemente ao processo em
que se busca a tutela satisfativa, bem como no permite ao juiz o indeferimento de tutela
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sumria satisfativa sob o fundamento de que esta no deve ser postulada em demanda
autnoma, mas incidentemente ao processo de conhecimento.
Talvez esta regra seja o primeiro passo na formao de uma nova cultura jurdica, que
dispense a formao de dois processos (cognitivo e cautelar) para que se obtenha um
resultado que pode ser alcanado com um s processo.
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