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h ARTES, LETRAS E IDEIAS PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nº 2746. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE O TERCEIRO HOMEM LÚCIO PINHEIRO DOS SANTOS

h - Suplemento do Hoje Macau #62

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Suplemento h - Parte integrante da edição de 30 de Novembro de 2012

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  • hARTES, LETRAS E IDEIA

    S

    PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU N 2746. NO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE

    O TERCEIRO HOMEMLCIO PINHEIRO DOS SANTOS

  • O FILSOFO FANTASMA

    Lus MigueL Queirsin Pblico

    EM 1937, lvaro Ribeiro sugeria, numa carta enviada a Jos Marinho, que L-cio Pinheiro dos Santos deveria talvez ocupar hoje o lugar de primeiro filsofo

    portugus. Um juzo significativo, se tivermos em conta que Ribeiro e Marinho, discpulos de Leonardo Coimbra na Faculdade de Letras do Porto, comeavam j ento a ser vistos como as duas principais figuras do chamado movimento da filosofia portuguesa, cuja actividade se inten-sificaria a partir dos anos 40 em torno das tert-lias que ambos iriam animar em Lisboa.A convico de lvaro Ribeiro foi expressa um ano aps ter sido publicado, em Frana, o livro Dialectique de la Dure, de Gaston Bache-lard, cujo sexto e ltimo captulo constitui uma extensa introduo Ritmanlise, de Lcio Pinheiro dos Santos, da qual o filsofo francs as- sumidamente se serve para criticar, como j fizera em LIntuition de LInstant (1932), a no-

    Lcio Pinheiro dos Santos

    INFLUENCIOU O FILSO-

    FO FRANCS GASTON BA-

    CHELARD E FOI CONSIDE-

    RADO UMA DAS MENTES

    MAIS BRILHANTES DA SUA

    GERAO. JUZO HOJE DI-

    FCIL DE AVALIAR PORQUE

    A OBRA DE PINHEIRO DOS

    SANTOS, INVENTOR DA

    RITMANLISE, DESAPARE-

    CEU SEM DEIXAR RASTO.

    PEDRO BAPTISTA RECONS-

    TITUIU O PERCURSO DO

    FILSOFO FANTASMA,

    NUM LIVRO QUE SER

    APRESENTADO NA PRXI-

    MA QUARTA-FEIRA, DIA 5

    DE DEZEMBRO, NA FUN-

    DAO RUI CUNHA. PE-

    LAS 18.30 HORAS.

    o substancialista e continuista do tempo em Henri Bergson.Do que Bachelard escreveu, depreende-se que o que Pinheiro dos Santos propunha era, na verdade, um novo sistema de conhecimento, que se baseava na centralidade do ritmo e da vi-brao, e que o autor considerava virtualmente aplicvel a todos os saberes, da fsica biologia ou da psicologia pedagogia.Se Pinheiro dos Santos tivesse sido um filso-fo grego antigo, provavelmente teria postulado que o ritmo a medida de todas as coisas. E a verdade que h pelo menos uma circunstncia que aproxima o pensador portugus de vrios desses seus longnquos antecessores pr-socr-ticos: o que hoje conhecemos da sua obra resu-me-me, com poucas excepes, a comentrios de terceiros.Que livros manuscritos h 2500 anos no te-nham chegado at ns, compreende-se. Que

    volumes impressos em pleno sculo XX, por muito confidencial que possa ter sido a respecti-va tiragem, tenham simplesmente desaparecido, no sendo possvel encontr-los em qualquer bi-blioteca pblica nem, tanto quanto se sabe, em coleces particulares , j francamente estranho.Sabemos que Bachelard compulsou uma edi-o em vrios tomos de Ritmanlise, cujo t-tulo considerou belo, luminoso e sugestivo. Segundo a informao bibliogrfica fornecida em Dialectique da la Dure, a obra teria sido publicada no Rio de Janeiro, em 1931, com a chancela da Sociedade de Psicologia e Filoso-fia. O facto que, depois de Bachelard, no h notcia de que algum tenha tido nas mos um exemplar desta obra.O filsofo francs elogia ainda um outro estudo de Pinheiro dos Santos, no qual este questio-na as teses de Freud sobre Leonardo Da Vinci.

    Tambm este texto desapareceu misteriosamen-te. Quem recorrer ao Google para saber alguma coisa sobre Pinheiro dos Santos, pouco encon-trar. No entanto, se procurar por rhythma-nalysis, em ingls, ou por rythmanalyse, em francs, ter milhares de pginas para ler entan-to, se procurar por rhythmanalysis, em ingls, ou por rythmanalyse, em francs, ter milhares de pginas para ler, a maior parte delas relacio-nadas com o socilogo e filsofo marxista Henri Lefebvre, cuja influente obra pstuma Elments de Rythmanalyse, publicada em 1992, assu-midamente inspirada pelas pginas que Bache-lard dedicou tese de Pinheiro dos Santos.A Ritmanlise est hoje na moda em diversos domnios do saber, muito ao contrrio do seu criador.

    PESSANHA E A FOTOGRAFIALcio Pinheiro dos Santos nasceu a 19 de Abril de 1889, em Braga, filho de um oficial do exrci-to que, ao que parece, no nutria especial simpa-tia pela causa republicana qual o filho iria ade-rir ainda adolescente. Era, sim, um apreciador de msica, o que poder ter influenciado a vocao da irm de Lcio, Conceio, que frequentou o Conservatrio de Lisboa, esteve como bolseira na Blgica e, regressada a Portugal, exerceu actividade como pianista. Conceio veio a casar-se com o clebre mdico Francisco Puli-do Valente, j ento amigo do seu irmo, com quem participara na greve acadmica de 1907, que abalara o governo de Joo Franco.O casal teve cinco filhos, entre os quais se con-tam o engenheiro Fernando Pulido Valente, o arquitecto Jos Pulido Valente, e Maria Helena Pulido Valente, me do historiador Vasco Puli-do Valente.Pinheiro dos Santos manteria sempre uma for-te ligao a este seu cunhado. Nas vsperas da sua morte, gravemente doente no Brasil, a ele que escreve a pedir aconselhamento mdico e a ponderar um regresso a Portugal, que acabaria por j no se concretizar.Uma fotografia de 1908 mostra Pinheiro dos Santos entre Camilo Pessanha e Lus Amaro, o homem que fez chegar a Fernando Pessoa os poemas do futuro autor de Clepsidra.Enquanto estudava matemtica e fsica na Es-cola Politcnica de Lisboa, Pinheiro dos Santos contribua para a propaganda republicana, e ter mesmo estado directamente envolvido no 5 de Outubro de 1910. J sob o novo regime, recebe, em 1912, uma bolsa para prosseguir os seus es-tudos de matemtica em Mons, na Blgica, e na Sorbonne, em Paris. Mas todas as sextas-feiras est entre os alunos que assistem, no Collge de France, s aulas de Bergson, frequentadas, entre outros, pelos poetas T. S. Eliot e Antonio Ma-chado, e tambm por Bachelard, que decerto conheceu Pinheiro dos Santos nesta altura. Com o incio da I Guerra, regressa a Lisboa e nomeado professor numa seco do Liceu Cen-tral Passos Manuel, que em breve se tornaria um liceu autnomo: o Gil Vicente. Leonardo Coim-bra o bibliotecrio da escola, a cujo corpo do-cente se junta, em 1917, Newton de Macedo. Pinheiro dos Santos dir mais tarde que Leo-nardo foi o primeiro a compreender, por volta de 1916, a significao filosfica dos primeiros

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  • trabalhos de Ritmanlise. Ter sido neste mes-mo ano de 1916 que se apaixonou por uma mulher nove anos mais velha, Maria Correia da Costa, ento casada com o portuense Antnio Serpa Pinto e me de duas filhas. Lcio e Ma-ria tero fugido para o Brasil, boa maneira dos romances oitocentistas, em Dezembro de 1917. Mas o casal que nunca o ter sido a ttulo formal regressa a Portugal em 1919, quando Leonardo Coimbra chega, pela primeira vez, a ministro da Instruo e nomeia Pinheiro dos Santos e Newton de Macedo para a Faculdade de Letras de Coimbra, atribuindo-lhes a misso de reformar os estudos filosficos. Como ne-nhum deles tinha currculo acadmico na rea, as nomeaes foram violentamente contestadas. Leonardo acaba por colocar os dois amigos na Faculdade de Letras do Porto, que acabara de criar, mas Pinheiro dos Santos, agastado com a transferncia, que via como uma condenvel soluo de compromisso, nunca ter chegado a exercer o cargo.Nesses anos, dedicar-se- activamente polti-ca, tendo sido por duas vezes eleito deputado nas listas do Partido Republicano Portugus. Em 1923, vai em comisso de servio para Goa, ten-do sendo detido, em Agosto de 1926, por se ter oposto a uma sublevao militar. Baptista admi-te que a dita sublevao possa ter sido o 28 de Maio a instalar-se nos confins do Imprio com dois meses de atraso.

    O SUPOSTO ECLIPSEEm Dezembro de 1916, regressa a Portugal e assume a cadeira de Psicologia na Faculdade de Letras do Porto, mas logo a 27 de Janeiro do ano seguinte ausenta-se do servio, pretextando doena. Dado estar-se nas vsperas da revolta de 3 de Fevereiro, a primeira grande tentativa de derrube da recm-implantada dita- dura, Bap-tista no exclui que Pinheiro dos Santos tenha metido baixa para fazer a revoluo. O certo, conclui, que, derrotada a intentona, o pensa-dor voltou a partir para o Brasil, e, desta vez, para nunca mais regressar.At sua morte, em 1950, ir ser professor do ensino livre. Um dos mritos do livro de Pedro Baptista foi ter investigado este perodo, que aparentemente correspondia a um completo eclipse do pensador enquanto figura pblica. A verdade que no foi bem assim.Os documentos que Baptista descobriu no Brasil (e que transcreveu na ntegra, como apndices ao seu livro), mostram que Pinheiro dos San-tos prosseguiu os seus estudos de Ritmanlise, escreveu e divulgou textos relevantes, foi entre-vistado pelos jornais, conviveu com os grandes intelectuais e artistas brasileiros da poca, e manteve-se durante anos como figura central da oposio ao salazarismo nos crculos da emigra-o portuguesa. O prprio Franco Nogueira lhe confere este estatuto na sua biografia de Salazar, acusando-o de se multiplicar em panfletos anti--salazaristas e de dirigir apelos as partidos so-cialistas e crculos intelectuais da Gr-Bretanha, Estados Uni- dos, Unio Sovitica, Amrica La-tina, Frana, Naes Unidas.Salvo no final da vida, quando estava a morrer de um enfisema e admitiu regressar a Portugal com a mulher, Pinheiro dos Santos s ter pon-derado deixar o Brasil no incio da II Guerra. Em 1939, numa carta irm, escreve: com estes 50 [anos] que j c cantam (e cantam ainda), ofere-ci- me ao Ministro da Instruo de Frana, por intermdio do filsofo francs Gaston Bache-lard (...); e se a guerra durar muito, provvel que ainda v at uma universidade francesa.Hiptese plausvel ou piedosa iluso, no se sabe. Em todo o caso, como lembra Baptista, o projecto dificilmente se poderia ter concretiza-do, j que, em Julho de 1940, os alemes entra-vam em Paris.

    () EM LCIO Pinheiro dos Santos, o fil-sofo portugus contemporneo mais conhecido no mundo, desenvolve-se esta constatao sau-dosista como elemento primordial.Na verso da Ritmanlise que nos foi transmiti-da por Bachelard, um mito lrico que, do ponto de vista do pensador francs, nunca transcre-vendo a palavra saudade, se poderia chamar Complexo de Orfeu, aparece como uma ant-tese do Complexo de dipo da Psicanlise. Ao contrrio desta, a Ritmanlise uma doutrina do reencontro de uma infncia sempre possvel, abrindo sempre diante dos nossos olhos um fu-turo indefinido. A genialidade de Leonardo da Vinci, ainda numa dissertao de Pinheiro dos Santos citada pelo filsofo da Borgonha, resul-taria da obteno de uma espcie de infncia eterna, sendo pois o criacionismo termo que Bachelard j transcreve um mtodo de perp-tua volta infncia, fonte e impulso dos nossos ritmos criativos e formativos, que atravs do conhecimento entusistico, permite a ascen-so ao estado lrico1.Cerca de uma dcada depois do envio a Ba-chelard do texto referido2, Pinheiro dos Santos afirma que, na adolescncia, a vida do esprito constitui-se numa mitologia, em que, cada um, vivendo a iluminao do sonho do que poder vir a ser, dispe do seu mito, que lhe oferece, atravs da imaginao, o outro lado de si prprio e que lhe parece ao alcance das mos ansiosas, como asas, dentro do sonho da criao huma-na. No correr da vida, esse mito, medida que vai ficando para trs ou que vai fugindo frente, tornando-se cada vez mais distante e, portanto, inacessvel, vai passando para as novas infn-cias do mundo. Depois, a infncia eterna do mundo recuperada no corao do sbio. Se o homem vai, nas asas da metamorfose, do sonho para o futuro da vida, o sbio, por sua vez, recu-pera para si a infncia do mundo iluminada por uma nova luz3. Esta luz a conscincia comum que as gera-es vindouras, nos seus empreendimentos futu-ros, viro a tomar. Por isto, viver uma arte po-tica, sendo nesta que se pode atingir a grande sabedoria, que consiste em abandonar o interes-se pessoal pelos homens e pelo mundo e assumir o supremo desinteresse de quem, em esprito, se coloca j no alm da vida. A vida do sbio pois, na metafsica agnstica ou atesta de Lcio Pinheiro dos Santos, a que procura o caminho da transcendentalidade, mormente o de uma imortalidade obtida pela concentrao da acti-vidade no terreno excedente da vida pessoal. aqui que surge a expresso superior da saudade, transmutando-se e elevando-se na inverso da recordao: a saudade torna-se nsia, na f e na esperana de um mundo melhor4. Mas h outro sentido da saudade: a daqueles que em lugar de, com ela, se elevarem, pelo con-trrio, descem das alturas humanas ao terreno da mistificao poltica. Podero ter resultados

    1 Bachelard, Gaston La Dialectique de la dure. Paris: Boivin. 1936. P. 169.2 Segundo Bachelard Ritmanlise ttulo da obra que lhe foi enviada, editada pela Sociedade de Psicologia e Filosofia, Rio de Janeiro, 1931. O facto de Bachelard estar convencido de que a Universidade do Porto no Brasil, resulta de Pinheiro dos Santos fazer acompanhar o seu texto por um carto de visita com o endereo do Rio de Janeiro, onde habitava desde 1927, e com a apresentao de Professor da Universidade do Porto.3 Santos, Lcio Pinheiro dos A Filosofia do Momento Actual, Comunicao ao Primeiro Congresso de Escritores, So Paulo, Janeiro de 1945. In Baptista, Pedro O Filsofo fantasma. Zfiro. 2010. P. 179. 4 Idem, ibidem.

    prticos imediatos aparentemente vitoriosos, mas no passaro de agentes de um saudosismo interessado, dos que apenas pretendem a defesa das suas posies pessoais contra a ascenso do povo a uma vida digna e livre5. na primeira perspectiva que se coloca, para o pensador bracarense, a verdadeira saudade lri-ca e da epopeia portuguesa, no na intolervel choradeira do passado imperialista6, ficando as-sim discernidos, com clareza, dois sentidos para o vocbulo saudosismo, em dois conceitos no s bifurcados e distantes, como tendentes a se afrontarem como antagnicos.Mesmo com conscincia de que, a tendncia para a arrumao dicotmica dos conceitos, ou das noes, em arquiplagos incomunicveis, no ser, muitas vezes, a melhor conselheira intelectual, a no ser para a urdio da sobres-suno dialctica, sendo sempre passvel da en-fermidade maniquesta, parece ficar muito claro, por um lado, uma saudade nostlgica e revivalis-ta, onanista e neurtica, infecunda e reaccion-ria, por um outro, pelo contrrio, uma saudade animada e futurista, construtivista e criacionista, prolixa e inovadora.A primeira, de pendor emocional mrbido, so-nha com o passado perdido em tempos ultrapas-sados pela histria, deleitando-se nos umbros a rememorar e tentar reviver, muitas vezes incons-cientemente, realidades que, vistas com o olhar reflexivo do nosso tempo, foram as diversas expresses da opresso. A segunda, de pendor emocional revivificante, tambm sonha a partir da lembrana de um passado perdido, que en-tender como castigo do pecado da opresso, no assalto, no extermnio e na escravatura, cri-mes maiores de fogo, de sangue e de cativeiro, procurando a expiao na construo social, no sentido utpico de um novo paraso redimido do pecado ancestral, colocando a libertao no espao vazio da derrubada opresso. que, em cada histria de cada povo, o pecado original o pecado tido, no consciente ou no inconsciente colectivo, como principal.O Imprio o paraso passadista da saudade reaccionria; a Epopeia o den referencial e mobilizador de uma utopia universalista do por-tucalense, que no contender, nem contradir, a utopia reconstrutora no prprio territrio ori-ginrio, porque essa capacidade para estender a

    5 Idem, ibidem. P. 180.6 Idem, ibidem.

    lembrana no tempo , precisamente, a virtuali-dade da saudade.O homem faz-se a si mesmo, imagem do de-sejo que tem de si, contemplando-se nas guas dos olhares da sua figura de sonho. Todavia, como tudo se degrada e tudo se inverte, o ho-mem precisa de ser activo, para sustentar o ca-rcter e combater a degenerescncia, na busca incessante dos momentos generosos da vida. por isso que a alma humana requer incessan-temente o ascetismo entusiasta, que permite a resistncia nas mais difceis condies, a luta pelo renascimento da vida e pela liberdade do esprito7.Tambm nas coordenadas de Leonardo de Coimbra de O Criacionismo de 1912, o senti-do ancilosado da saudade resulta do erro coisis-ta que complicando todos os substancialismos emotivos a que anda ligada a ideia de tempo a petrifica numa Substncia8.E a lembrana de Ral Proena demasiado premente, para no ser assinalada. O ascetis-mo entusiasta de Lcio Pinheiro dos Santos, o pensador bracarense, professor da Universidade do Porto, mundialmente estudado, por equvo-co, como brasileiro, est muito perto da atitude herica, essa audcia generosa proenana, do navegante intrpido em busca de mais vida9, chegando a usar, mais tarde, a expresso asce-tismo herico, entre aspas, a propsito da vida absmica de Leonardo Coimbra que, todavia, enquanto pensador, nunca se teria despenha-do10. Tal como o homem de elite de Ral Proen-a, potencialmente o artista, o poeta, o homem superior, que adopta perante os problemas do mundo a atitude herica do Excubitor, o acordador das adormecidas conscincias que deveria sentir que tudo est a gritar por uma santificao11. Num caso ou noutro, a imorta-lidade conquista-se pela mstica da aco social, nomeadamente poltica.Curiosamente, tambm em Proena, a mesma dicotomia estabelecida entre aquele fssil que para o passado volve os olhos, desejando eter-nizar as coisas mortas, parar a vida, fazer da his-tria uma repetio e o revivificante que, pelo contrrio, percebe no progresso mesmo da vida a tradio mais iniludvel e a mais nobre12.Quanto faltar ainda para que se chegue ao que se espera?, pergunta Pinheiro dos Santos a propsito do pensamento de Leonardo Coim-bra. No importa, prossegue, outros, depois de ns, faro o que ns no chegamos a fazer, e o faro com certeza. Esta a alegria de um pensamento certo que sabe que se continuar no futuro do mundo13.E, noutro passo: Nada se pode esperar do que est; tudo h-de vir, para o futuro, do nosso es-foro de renovao14. ()

    *Extracto de uma conferncia proferida no IV Congresso Luso-Galaico sobre a Saudade, 2011

    7 Idem, ibidem.8 Coimbra, Leonardo O Criacionismo. Renascena portuguesa. 1912. P. 132.9 Proena, Ral A Coerncia. In Alma nacional, n 11, 21 Abril 1910.10 Santos, Lcio Pinheiro dos - Profundidade e perenidade do pensamento de Leonardo Coimbra. In Leonardo Coimbra testemunho dos seus contemporneos. Tavares Martins. 1950. P. 56 . Transcrito em Baptista, Pedro O Filsofo fantasma. Zfiro. 2010. P. 187.11 Proena, Ral A Filosofia de Epicuro e a concepo herica da vida. (1920) In Reis, Antnio Ral proena Estudos e antologia. Alfa. 1989. P. 177.12 Idem, ibidem.13 Santos, Lcio Pinheiro dos - Profundidade e perenidade do pensamento de Leonardo Coimbra. In Leonardo Coimbra testemunho dos seus contemporneos.. Tavares Martins. 1950. P. 59 . Transcrito em Baptista, Pedro O Filsofo fantasma. Zfiro. 2010. P. 191.14 Idem, ibidem.

    DA SAUDADE AO PARASO DO FUTURO*Pedro BaPtista

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  • OS estudos complexos e variadssi-mos de Lcio Alberto Pinheiro dos Santos, tal como os pudemos co-nhecer, apresentam-se sob a forma

    de um conjunto de ensaios que o prprio autor considerada provisrios e sujeitos a reviso1. No pretendemos dar o seu plano de conjun-to nem desenvolver as linhas mltiplas do seu desenvolvimento. Pretendemos apenas fixar alguns temas gerais e examinar quais as resso-nncias que estes temas podem determinar na nossa tese das duraes essencialmente dialcti-cas, construdas sobre as ondulaes e os ritmos. Para ser exposta com a amplitude que merece, a obra de Pinheiro dos Santos precisaria de um trabalho muito mais vasto. Em muito domnios, a sua obra extremamente sugestiva do que po-der ser a pesquisa dos trabalhadores em busca de ideias novas.

    IPinheiro dos Santos estuda a fenomenologia rt-mica de trs pontos de vista: material, biolgico, psicolgico. Traaremos apenas um esboo em relao aos dois primeiros pontos de vista uma vez que, neste pequeno livro, so sobretudo as bases da psicologia da durao que nos interes-sam.Que a matria se transforma em radiao ondu-latria e que a radiao ondulatria se transfor-ma reciprocamente em matria, um dos princ-pios mais importantes da Fsica contempornea. Esta transformao facilmente reversvel deve conduzir-nos a pensar que, sob certos aspec-tos, a matria e as radiaes so semelhantes. o mesmo que dizer que tanto a matria como as radiaes devem ter caracteres ondulatrios e rtmicos. A matria no est estendida no es-pao, indiferente ao tempo; no subsiste como algo constante e inerte, numa durao uniforme. Tambm no vive como algo que se usa e dis-persa. no s sensvel aos ritmos, como existe, em toda a fora do termo, no plano do ritmo, e o tempo em que desenvolvem certas manifes-taes delicadas um tempo ondulante, que s tem uma maneira de ser uniforme: a regularidade da frequncia. As diversas potncias substanciais da matria, desde que estudadas em detalhe, apresentam-se como frequncias. Em particular, desde que se acede s trocas energticas deta-lhadas entre as diversas matrias qumicas, per-cebe-se que as trocas se efectuam sob o modo rtmico, por intermdio indispensvel de radia-es com frequncias determinadas. A energia, se grosseiramente apreciada, pode, sem dvida, perder aparentemente os ritmos, baixando a proporo no tempo ondulante; apresentar-se- ento como resultado global, como um balano onde o tempo perdeu a estrutura ondulatria: paga-se a electricidade em hectowatt-hora, o carvo tonelada. Mas somos sempre ilumina-dos e aquecidos pelas vibraes. As formas de energia mais constantes no nos devem iludir. A teoria cintica dos gases ensinou-nos que um gs encerrado no corpo de uma bomba mantm o pisto a um nvel invarivel por mltiplos cho-

    1 Lcio Alberto Pinheiro dos Santos, professor de filosofia na Universidade do Porto (Brasil): A Ritmanlise, publicao da Sociedade de Psicologia e Filosofia, Rio de Janeiro, 1931.

    Traduo do VII captulo de La Dialectique de La Dure, de Gaston Bachelard, de 1936, conforme a edio das P.U.F. de 1963

    A RITMANLISE

    ques irregulares. No seria absurdo, sem dvida, que um acordo temporal sobrevivesse entre os choques e que o pisto saltasse sob o simples efeito dos choques sincrnicos, sem qualquer razo macroscpica. Mas o fsico confia: a lei dos grandes nmeros guarda os seus fenme-nos; a hiptese dum acordo temporal dos cho-ques tem uma probabilidade negligencivel. Da mesma maneira, uma teoria cintica dos slidos mostrar-nos- que as figuras mais estveis devem a sua estabilidade a um desacordo rtmico. So as figuras estatsticas duma desordem temporal; nada de mais. As nossas casas so construdas com uma anarquia de vibraes. Caminhamos sobre uma anarquia de vibraes. Sentamo-nos sobre uma anarquia de vibraes. As Pirmi-des, cuja funo a de contemplar os sculos montonos, so cacofonias interminveis. Um encantador, chefe de orquestra da matria, que poria de acordo os ritmos materiais, volatilizaria todas as pedras. Esta possibilidade de uma ex-ploso puramente temporal, devida unicamente a uma aco sincronizadora sobre os tempos sobrepostos relativos aos diferentes elementos, mostra bem o carcter fundamental do ritmo para a matria.Se estudarmos o problema ao nvel dum corps-culo particular, a concluso ser a mesma. Se um corpsculo cessar de vibrar, cessar de existir. Donde, ser impossvel conceber a existncia de um elemento da matria sem juntar a esse ele-mento uma frequncia determinada. Pode pois dizer-se que a energia vibratria a energia de existncia. Porque no teramos ento o direi-to de inscrever a vibrao no prprio plano do

    tempo primitivo? No hesitamos. Para ns, o tempo primitivo o tempo vibrado. A matria existe num tempo vibrado e apenas num tempo vibrado. Mesmo em repouso, tem energia por-que repousa sobre o tempo vibrado. Seria pois esquecer um carcter fundamental considerar o tempo como um princpio de uniformidade. preciso atribuir ao tempo uma dualidade de raiz pois a dualidade, inerente vibrao, o seu atributo operante. Compreende-se agora que Pinheiro dos Santos no hesite em escrever2: A matria e a radiao s existem no ritmo e pelo ritmo. No se trata, como acontece tantas vezes, de uma declarao inspirada numa msti-ca do ritmo; uma intuio nova solidamente fundada sobre os princpios da fsica ondulatria contempornea. Desde j, o problema inicial no tanto de procurar saber porque a matria vibra, mas querer saber de que forma a vibrao pode tomar aspectos materiais. A doutrina das relaes da substncia e do tempo apresenta-se sob um raiar metafsico inteiramente novo; no podemos dizer que a substncia se desenvolve e se manifesta sob a forma do ritmo; devemos dizer que o ritmo regular que aparece sob a forma de atributo material determinado. O as-pecto material com a pseudo-riqueza da sua irracionalidade apenas um aspecto confuso. Estritamente falando, o aspecto material a con-fuso realizada. O estudo qumico dirigindo-se, no a uma matria, mas a uma substncia pura, conduzir, mais tarde ou mais cedo, a definir as qualidades precisas desta substncia pura como

    2 Pinheiro dos Santos, loc. cit., t.II, sec. I, p. 18.

    qualidades temporais, ou seja, como qualidades inteiramente caracterizadas pelos ritmos. A fo-toqumica sugere j, neste sentido, substncias verdadeiramente novas, onde o tempo vibrado deixa a sua marca. Pode prever-se que o qumi-co far brevemente substncias, com o espao--tempo simetrizado e ritmado. Por outras pa-lavras, no espao-tempo duplamente uniforme usual na era prbrogliana, o metafsico, que quer fundar as intuies conforme as necessidades metafsicas actuais, tem de substituir a simetria--ritmia.Como se v, o realismo tem necessidade de uma verdadeira inverso metafsica para correspon-der aos princpios do materialismo ondulat-rio. um ponto ao qual nos propomos voltar numa outra obra em que possamos apresentar provas cientficas. Tambm no discutiremos se o realismo assim invertido ainda um realismo propriamente dito. De momento, pretendemos apenas esboar as bases fsicas da Ritmanlise e mostrar que esta doutrina, mais propriamente biolgica e psicolgica, procede de uma viso metafsica geral.

    IITambm seremos breves quanto ao ensaio de biologia ondulatria tentado por Pinheiro dos Santos. A propsito de um nmero considervel de factos, obtidos sobretudo na homeopatia, o autor prope a interpretao ondulatria, quer dizer, a explicao da aco substancial pela substituio, na substncia, duma radiao par-ticular. A diluio, sempre bastante grande em homeopatia, favorece em suma a temporaliza-o vibrada da substncia mdica. Esta interpre-tao plausvel; mas no afasta completamente a tradicional interpretao substancialista. Seria preciso, sem dvida, instituir experincias de discriminao por exemplo, verdadeiras inter-ferncias medicinais, concebidas sobre o modo vibratrio para legitimar plenamente a forma ondulatria proposta por Pinheiro dos Santos. Tentemos apenas caracterizar metafisicamente os dois pontos de vista opostos e complemen-tares da substncia e do ritmo.A intuio substancialista habitual antes de mais contraditada, de qualquer maneira, pela existncia da homeopatia. Sob a sua forma in-gnua, isto , pura, a intuio substancialista desejaria que uma substncia agisse proporcio-nalmente massa, pelo menos at um centro limite. Compreende-se que haja doses ligeiras cujo excesso produziria perturbaes. Mas no se admite facilmente uma eficcia das diluies extremas administradas pelos homeopatas. Des-de que se considera a substncia mdica como uma realidade quantitativa, no se compreende facilmente uma aco substancial que resultasse, de qualquer maneira, de uma razo inversa da quantidade. Tanto assim que, geralmente, uma higiene racional implica que as substncias ali-mentares sejam ministradas sob a dependncia de um critrio ponderal. O corpo humano como um armazm de provises em que ne-nhum lote pode estar vazio. preciso absorver a dose quotidiana dos diversos elementos que devem, matria por matria, encontrar-se na economia. Mais uma vez, a intuio quantitati-va passa para o primeiro plano. Neste momen-

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  • to, poderia empreender-se uma psicanlise do sentimento de ter. O sucesso fcil das anedotas dirigidas contra os homeopatas est ligado, sem dvida, preponderncia do prazer na posses-so, tanto claramente fsica, como claramente material, que resulta da conscincia de digerir e engordar. contra esta segurana maior e ime-diata que d o prazer de devorar que a homeo-patia e a higiene ondulatria devem reagir. Estas doutrinas da pequena dose tm contra si, no apenas a ideia de substncia, mas ainda o evi-dente sentimento de fora que se experimenta ao possuir uma substncia, a armazenar reservas e capitais.Mas aceitemos, contra esta primeira convico duvidosa, o facto homeoptico e vejamos como Pinheiro dos Santos o interpreta ritmanalitica-mente. Para ele, a assimilao mais uma troca de energia do que uma troca de substncias; e como a energia no pode escapar, na sua evolu-o detalhada, forma vibratria, Pinheiros dos Santos prope-se introduzir sistematicamente uma radiao entre a substncia absorvida e a substncia assimilada. O termo: substncia assi-milada, tem alis pouco sentido. Trata-se duma simples reserva, como nas clulas adiposas, nada tem a ver com a aco vital anagentica. no momento em que a substncia se gasta, se des-tri, que preciso apreender a sua aco. (No dizemos no momento em que a substncia se transforma, porque o materialismo ondulatrio pode considerar a destruio da matria). Ora, do ponto de vista da biologia ondulatria, impossvel que uma substncia aja verdadeira-mente se no se temporaliza sob a forma vibra-tria, seguidamente sua destruio. Posta na reserva, ela est bloqueada no espao inerte. S age onde est, ou seja sobre si mesma. Para ir para fora dela, ser necessrio que se propague e s se pode propagar ondulatoriamente. A aco externa necessariamente uma aco vibrada. Alis, seria preciso sempre a interveno de uma ondulao para acordar e activar uma substncia colocada na reserva. preciso portanto voltar sempre a um perodo de activao para compre-ender a aco de um alimento ou dum remdio.Desde logo, muito mais de ritmo a ritmo, do que de coisa a coisa, que as aces teraputicas precisam de ser apreciadas. De que vibraes temos geralmente necessidade? Eis a questo propriamente vital. Quais as vibraes que se extinguem e quais as que se excitam? Quais as vibraes a avivar ou a moderar? Eis a questo teraputica.Mas como vai esta viso geral, contribuir para explicar o facto homeoptico? porque a dose ultradiluda que a substncia mdica pode pro-pagar os ritmos. Com efeito, sob forma massiva, a substncia absorver de qualquer maneira os seus prprios ritmos; entrar em ressonncia com ela mesma, sem preencher o papel de ex-citao exterior a si. Escapar indispensvel destruio, incapaz de jogar com o nada. Recu-perar-se- por si. De facto, a fsica das radiaes mostra bem que as substncias agem sobretudo atravs dos elementos superficiais e que as ra-diaes das partes profundas so absorvidas pela prpria matria radiante. A diluio da matria homeoptica portanto uma condio da sua aco vibratria.De maneira similar, os cheiros e os aromas tm uma aco digestiva tanto mais eficaz quan-to mais delicados e raros. Com efeito, estas substncias complexas e frgeis so facilmente decompostas ou neutralizados, facilmente des-trudas. Ora, uma substncia que volta ao nada ocasiona uma radiao. A onda de destruio ser aqui particularmente penetrante e activa. O epicurismo superficial que atribui aos odores e aos sabores um simples valor apetitivo deve surgir, luz dos factos, insuficiente. O prazer tem uma eficcia mais profunda. Podemo-nos

    interrogar se uma teoria activa ritmanaltica da sensao no poderia vir a completar a teoria tradicional, passiva, receptiva. A excitao ser ento uma ressonncia que se aparalher a vi-braes especficas produzidas pela destruio de substncias particulares. preciso, portan-to, mudar todos os valores digestivos. Para um epicurismo profundo, a ambrsia e os divinos lcoois so necessidades primrias. Estas ma-ravilhosas tinturas trazem-nos, sabiamente doseadas, as raras e mltiplas essncias do mun-

    do vegetal. So as fontes de uma homeopatia exaltante e guiam-nos no sentido da vida acres-centada. Ser preciso, pois, colocar na base da higiene ritmanaltica o princpio: pequenas causas, grande efeitos; pequenas doses, grandes sucessos. Poder-se-ia ento fundar uma arte da micro-alimentao, se quisermos empregar um termo to brbaro mas que sugere uma vida to felizmente desmaterializada! Antes de tudo, ser preciso desembaraarmo-nos dos caracte-res temporais desta micro-alimentao. Com um micro-alimento, absorve-se a durao e os ritmos, mais do que a substncia. A substncia no passa de uma oportunidade de um devir; a essncia pura no mais do que um tempo bem vibrado. Tomaremos como princpio fun-damental a necessidade de sustentar os ritmos teis e normais, de ajudar ao acordo dos ritmos pessoais e dos ritmos impostos pela natureza, de guardar a sinfonia das hormonas. No devere-mos nunca perder de vista que todas as trocas se fazem por intermdio dos ritmos. A Ritmanlise biolgica dever ter como funo codificar to-dos estes ritmos e dar totalidade orgnica e substancial o sentido sinfnico.Se as substncias diludas tm efeitos ondulat-rios caractersticos, pode explicar-se facilmente o efeito directo de certas ondulaes. Estas ra-diaes particulares podem ser o substituto de substncias particulares e Pinheiro dos Santos prope exactamente uma teoria da reversibili-dade das vibraes e das vitaminas3. Certos s-

    3 Pinheiro dos Santos, loc. cit., t.I, sect.I, p. 26

    bios, entre os quais o Professor Centani cr-em na existncia de cargas elctricas nas vitami-nas; eles assimilam assim estas a ies e explicam a sua aco por fenmenos que seriam, na or-dem biolgica, o mesmo que so as radiaes na ordem fsica. Rosenkeim e Webster mostraram que os raios ultra-violetas tm uma aco seme-lhante da vitamina D. Os raios ultra-violetas fornecem fotes com a mesma frequncia que os que podem ser emitidos pela vitamina D que os absorve do sol. Donde, diga-se de passagem,

    uma explicao psicanaltica da aco mdica de certos sais isolados. V-se de resto o carc-ter eminentemente reversvel das radiaes e das substncias. Pode, pois, afirmar-se que cer-tas substncias qumicas trazem ao organismo no um conjunto de qualidades especficas mas antes um conjunto de ritmos, ou, como muito bem afirma Pinheiro dos Santos, um corpo de fotes.Nada se ope, de resto, a que uma substncia homeoptica, tendo tomado a forma de vibra-o pura, seja reconstituda em seguida sob a forma de substncia. H, com efeito, uma exac-ta reversibilidade da matria em ondulao e da ondulao em matria. O papel da micro-subs-tncia seria talvez simplesmente o de desenca-dear as vibraes biolgicas naturais. Assim se explicaria tambm como a dose ultra-diluda se conserva mais integralmente do que uma dose massiva pois ela poderia restituir-se. Chegar-se--ia ao paradoxo de que o infinitamente pequeno bem estruturado e bem ritmado se perde com menos facilidade do que a matria volumosa e inerte.Precisamente, a esta teoria rtmica das activida-des substanciais, Pinheiro dos Santos junta uma hiptese inversa da concreo de certos ritmos. Tal , por exemplo, a curiosa hiptese da forma-o ondulatria das toxinas: recebero certas c-lulas ritmos em frequncias perigosas? H ento uma reteno toxnica4. Sem a formao das toxinas que vo concretizar e absorver a energia

    4 Pinheiro dos Santos, loc. cit., p.1.

    radiante nociva, uma pequena perturbao mr-bida levaria morte. Segue toda uma hiptese das relaes microbianas que poderia constituir a base de uma bactereologia ondulatria e es-clarecer muitos problemas. Mas, se a explicao de Pinheiro dos Santos coerente e rica, no se v que proponha experincias especficas que poderiam permitir contrastar a interpretao substancialista e a interpretao ondulatria. Todavia, j de uma grande importncia que a traduo ondulatria da bactereologia clssica seja possvel.Qualquer que seja, alis, a deciso do laborat-rio, o esforo de pensamento de Pinheiro dos Santos ter sempre o mrito de ter mostrado o carcter verdadeiramente primordial da vibra-o como base da prpria vida. Se a matria inerte entra j em composio com os ritmos, seguro que, pela sua base material, a vida deve ter propriedades profundamente rtmicas. Mas sobretudo por via da emergncia que se in-troduzem as necessidade ritmanalticas do pro-cesso vital. Uma vez que a vida estritamente contempornea de transformaes materiais, j que impossvel sem o socorro incessante das transformaes materiais, sem o jogo duplo da assimilao e desassimilao, preciso que ela passe pela intermediao duma energia ondula-tria. nas suas velocidades estatsticas e glo-bais que a vida parece seguir uma continuidade e uma uniformidade temporais. Ao nvel das transformaes elementares que a suscitam, a vida ondulatria. Sob este prisma, relaciona-se directamente com a Ritmanlise.Ademais, se nos lembrarmos de que as matrias formadas pela actividade orgnica so particu-larmente complexas e frgeis, seremos levados a considerar a matria viva como mais rica em timbres, mais sensvel aos ecos, mais prdiga de ressonncias, que a matria inerte. Todas as des-truies que a ameaam, todas as mortes parciais que a arrunam, toda esta zona de nada activo que tenta o seu ser atravs de mil vertigens so ocasies de oscilaes. O mesmo se passa com a assimilao: toda a conquista de estrutura acompanhada por uma harmonizao de ritmos mltiplos. A via, nos seus sucessos, feita de tempos bem ordenados; feita, verticalmente, de instantes sobrepostos ricamente orquestra-dos; religa-se a ela mesma. Horizontalmente, pela justa cadncia dos instantes sucessivos uni-ficados numa funo. Sentir-se- melhor, alis, a velocidade rtmica da via tomando-a nos seus cumes, estudando, como vamos fazer agora, a actividade ritmanaltica do esprito, esse mestre dos arpejos!

    IIIPoderamos repetir aqui, termo por termo, tudo o que temos dito relativamente emergncia necessariamente ondulatria da vida. Com efei-to, a vida consciente uma nova emergncia que se efectua nas condies de raridade, de iso-lamento, de desligamento, altamente favorveis s formas ondulatrias. Em qualquer processo, quanto menos energia dispendida, mais clara ser a forma ondulatria das trocas energti-cas. A energia espiritual deve ser pois, entre as energias vitais, a que est mais perto da energia quntica e ondulatria. aquela pela qual a con-tinuidade e a uniformidade so as mais excep-cionais, as mais artificiais, as mais trabalhadas. Quanto mais o psiquismo se eleva, mais ondu-la. Na passagem do material ao espiritual, da matria memria, poder-se-ia estabelecer um autntico programa de pesquisas que permitiria tomar conscincia da importncia do factor re-petio. Tal como um tratamento helioterapu-tico, guiado pela Ritmanlise, aconselhar per-odos alternativos de pigmentao e de despig-mentao, uma pedagogia ritmanaltica instau-rar a dialctica sistemtica da lembrana e do

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  • esquecimento. Como dizem os pedagogos indulgentes, os bons, s se sabe bem o que se esqueceu e reaprendeu sete vezes. Contudo, esses pedagogos, confiantes na reaco natu-ral que defender, felizmente, o esprito das sobrecargas dos conhecimentos no assimi-lveis, no conseguiram ainda, neste ponto, auxiliar a natureza trazendo mtodos de es-quecimento, mtodos de despigmentao. As frias no foram suficientes para isso. S a muito longo prazo teriam efeito. No se incorporaram na cultura, no tecido temporal escolar. O ritmo escolar est desequilibrado: contradiz os princpios elementares de uma filosofia do repouso. no tempo de trabalho que preciso introduzir a oscilao. Podem fazer-se matemticas no metrnomo. Eis uma maneira de aproveitar as oscilaes da emer-gncia espiritual. Mas no insistamos mais sobre o carcter cada vez mais claramente ondulatrio das diversas emergncias e concentremos a aten-o num problema particular que d bem a medida do alcance psicolgico da Ritman-lise. o problema das relaes da Psicanlise com a Ritmanlise. Mais sistematicamente que a Psicanlise, a Ritmanlise procura os motivos da dualidade para a actividade espi-ritual. Ela encontra a distino das tendncias inconscientes e dos esforos de conscincia; mas equilibra melhor do que a Psicanlise as tendncias para os plos contrrios, o duplo movimento do psiquismo.Com efeito, para Pinheiro dos Santos, o ho-mem pode sofrer uma escravatura de ritmos inconscientes e confusos que significam uma falta de estrutura vibratria. Mas pode sofrer sobretudo da conscincia da sua infidelidade aos ritmos espirituais elevados5: O homem sabe que pode superar-se e tem necessida-de e gosto em superar-se. A sublimao no um impulso obscuro, um apelo. A arte no um tapa-buraco da tendncia sexual. Pelo contrrio, a tendncia sexual j uma tendncia esttica; est implicada profunda-mente num conjunto de tendncias estticas. Pinheiro dos Santos apoia a sua Ritmanlise sobre a filosofia criacionista, sobre uma subli-mao activa de todas as tendncias. a falta de uma sublimao activa, atractiva, emer-gente, positivamente criacionista, que derru-ba o equilbrio da ambivalncia psicanaltica e perturba o jogo dos valores psquicos. No poder realizar um amor ideal certamente um sofrimento. No poder idealizar um amor realizado um outro.Eis-nos chegados ao ponto mais delicado da doutrina de Pinheiro dos Santos. Tentemos precisar como o criacionismo impe ao psi-quismo uma ondulao afectiva. O ser vivo quer sair do seu estado? Submete-se ao seu impulso pessoal? Arrisca uma parte da sua potncia, da sua energia? Logo, sente neces-sidade de se curvar sobre a sua conquista, de retomar um apoio para assegurar o seu impul-so como bem viu Jean Nogu. Pelo contr-rio, o ser permanece no plano do adquirido? Consequentemente os ritmos montonos que caracterizam este estado, mais vizinho da matria, tendem a amortecerem-se cada vez mais e a reaco criacionista aparece como mais necessria e, ao mesmo tempo, como mais fcil. Sem esta reaco, o devir do ser vivo cair no torpor. A evoluo criadora, encontrada, no no resumo estatstico que a evoluo das espcies, mas em cada indiv-duo, e sobretudo em cada indivduo jovem, uma evoluo necessariamente ondulada. Em cada indivduo, a evoluo um tecido de sucessos e de erros. A evoluo das esp-

    5 Pinheiro dos Santos, loc. cit.,t. II, sec. I. p.5.

    cies no nos d mais do que uma soma de sucessos, maiores ou menores, mais ou me-nos especiais, onde o erro s aparece sob as-pectos teratolgicos. Pelo contrrio, a funo do indivduo enganar-se. Que cada um faa sobre si a psicologia de um ensaio criador, duma tentativa inovadora; por mais modesto que seja esse ensaio, ou mesmo sobretudo se esse ensaio criador modesto, a justeza da psicologia criacionista ondulatria aparecer. O erro no pode ser contnuo sem prejuzo. O sucesso no pode ser contnuo sem risco e sem fragilidade. No seu detalhe, a evoluo do indivduo ondulante.No plano mais especificamente moral, Pi-nheiro dos Santos nota que o recalcamento libertado ou corrigido, como o indica Freud, pelo mtodo catrtico. Mas o mtodo de Freud no vai suficientemente longe: ignora caracteres que a Ritmanlise sabe associar cuidadosamente ao exame catrtico. Com efeito, quando o facto recalcado trazido conscincia clara, parece, para a doutrina psicanaltica, que o doente vai imediatamen-te curar-se, que a conscincia esclarecida vai perdoar a falta, longo tempo escondida, e que o remorso inconsciente vai ser apazi-guado pela confisso consciente. Mas no de temer que o processo doloroso se recons-titua no inconsciente? Esse processo doloro-so no ser, como confessa Freud, uma per-turbao dinmica, uma perturbao do devir mais do que uma perturbao de estado? Para estar protegido de uma repetio da neurose dever-se- preparar no inconsciente o siste-ma claro do perdo ntimo. Ento poder-se- esperar que o escrpulo no se reconstituir mais. Este sistema de perdo sistemtico e consciente, montado face ao automatismo da m conscincia, em oposio m inclinao do devir nocivo, deve formar o plo claro da dialctica moral. A psicanlise tem-se assinalado numerosas vezes subestimou a vida consciente e racional do esprito. No tem reconhecido que a aco vigilante e constante do esprito que d forma ao in-forme, uma interpretao aos desejos e aos instintos obscuros. O mtodo catrtico ser sempre pois um acto mdico, realizado por um esprito hbil e instrudo. uma opera-o que pode ser necessria nas neuroses, nas grandes desgraas da vida criminal. A moral delicada tem necessidade dum mtodo catr-tico mais frequente, mais flexvel. Ela mostra uma ritmanlise mais adequada do que a psi-canlise para seguir as tentaes ondulantes. De resto, quando preciso aceder a uma vida moral positiva e inventar o bem e no apenas faz-lo, apenas a ritmanlise nos pode guiar. Apenas ela tem em conta o dualismo moral e Pinheiro dos Santos escreve6: O equilbrio rtmico da inflexibilidade moral e da doura do corao a lei do amor e a sua prpria ex-presso. De uma maneira mais precisa, sob o nome de esprito de casal, a Ritmanlise trou-xe luz o motivo fundamental da dualidade moral. Como o egosmo humano volta sem-pre finalmente ao desejo de se apropriar dos valores sociais, a seduo da conquista do ou-tro mantm-se como objectivo do egosta. A personalidade vive ento sobre um ritmo de conciliao e de agresso que vai dum plo ao outro das duas atitudes contrrias do ritmo amor de si amor do outro7. Em parte algu-ma a ambiguidade das interpretaes mais visvel do que na moral: todos os actos morais tm um duplo sentido. A moral tem uma re-aco sobre o ser. Estimo para ser estimado. Amo para ser amado. Pratico o bem para ser

    6 Pinheiro do Santos, loc. cit.,t.II, sec. II. P. 12.7 Idem, ibidem, p. 6

    feliz. A comparao entre o eu e o outro o princpio fundamental de toda a prova moral. A emoo moral , de todas, a mais ondulan-te. A moral ritmanaltica prope-se regular essa ondulao.

    IVTemos pois extrado dos longos desenvolvi-mentos da obra de Pinheiro dos Santos al-guns exemplos desta polaridade essencial da vida espiritual que constitui a base fundamen-tal da Ritmanlise. Limitando-nos assim, no podemos dar uma ideia da riqueza da obra que evocamos. Mas suficiente que dmos a impresso de que todos o esforo da vida se dialectiza, que toda a actividade espiritual passagem dum nvel a um nvel mais eleva-do e que toda a emergncia necessita de um apoio. Aceitar-se-o, talvez de forma bastan-te fcil, todas estas polaridades que no so novas na filosofia; mas far-nos-o, sem d-vida, a seguinte objeco: em que que tais oposies psicolgicas e morais contam para uma filosofia temporal? No parece que a du-rao nada tem a ver com estes problemas e que se podem resumir todas as oposies no velho tema: os contrrios ligam-se?Para responder a estas objeces, podem invocar-se dois tipos de casos seguindo que os contrrios se lanam numa hostilidade decisiva quando existem apenas contrarie-dades mnimas. No primeiro caso, a durao dum estado vai precisamente condicionar a intensidade da reaco contrria. Eis uma ob-servao feita muitas vezes pelos pedagogos e polticos; mas esta observao ganharia se fosse alargada a todos os domnios da vida. Ento, seria reconhecido que toda a inibio severa determina acumulaes energticas que, cedo ou tarde, devero reagir. A durao da reaco sucedendo a uma coaco de lon-ga durao alongada; donde a instalao de um ritmo simultaneamente poderoso e lento.Sem nos alargarmos sobre este ponto que permitiria fceis desenvolvimentos, solici-tamos aos nossos crticos que considerem exemplos onde os contrrios sejam menos longnquos, menos hostis, que os contrrios examinados por Pinheiro dos Santos. Ver-se-- ento que entre estes dois plos bastante vizinhos, a hesitao forma indispensvel do progresso toma o aspecto duma oscila-o tanto mais regular quanto melhor sincro-nizada com ritmos temporais precisos. Trata--se assim de uma ambivalncia afectiva? No peguemos mais em valores passionais ou dra-mticos decisivos. Tomemos indisposies ligeiras, habitadas por desejos inconstantes; tomemos, por assim dizer, tentaes que no tentam, desprezos indulgentes, recusas am-veis, alegrias verbais e eis que o tempo se pe a oscilar, que todos os segundos se con-tradizem e coloram ligeiramente, ternos ou brilhantes. Os contrrios casam-se, depois dissociam-se para se casarem de novo:Valsa melanclica e langorosa vertigem.Tal a ambivalncia menor onde veremos animar-se a Ritmanlise. Nestes estados de instabilidade superficial, verdadeiramente o tempo que o esquema da anlise apropria-da; a dialctica da conscincia e da vontade, bem separada dos interesses e das utilidades, tende a tornar-se temporal. As razes para continuar um estado so to fracas que o gosto de interromper se afirma. Em toda esta doce vida livre, s o tempo comanda: ento tudo cintila.As dores fsicas ligeiras interessam tambm Ritmanlise. Com um pouco de exerccio, podemos, por exemplo, fazer vibrar uma dor de dentes. Basta atravs de uma ateno cal-ma reconduzir s propores precisas, evitar

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  • a impacincia geral, a agitao geral, que viria encher os intervalos da dor. As pulsaes da dor local tomam ento o seu ritmo regular. Uma vez aceite, esta regularidade apresenta-se como um alvio. A dor volta ao seu aspecto local porque foi bem determinado o seu aspecto temporal.Mas estas aplicaes detalhadas, cuja eficcia constatmos pessoalmente, implicam um exer-ccio bastante longo. No so possveis sem an-tes retomar o valor e a regularidade dos grandes ritmos naturais que sustentam a vida. Antes de tudo a respirao, lenta e regular cadncia que marca profundamente, quando se libertou a nossa confiana temporal de qualquer preocupa-o orgnica, a confiana que temos no nosso futuro prximo, o nosso acordo com o tempo escandido8. Romain-Rolland transmite-nos, nestes termos, a primeira lio de Vivekananda9: Aprender a respirar ritmicamente, duma manei-ra medida, por cada uma das narinas, alternada-mente, concentrando o esprito sobre a corrente nervosa, sobre o centro. Juntar algumas palavras ao ritmo respiratrio, para melhor o escandir, marcar e dirigir. Que todo o corpo se torne rt-mico. Assim se apreende o verdadeiro domnio e o verdadeiro repouso, a calma do rosto e da voz. Por intermdio da respirao rtmica, tudo se coordena pouco a pouco no organismo. To-das as molculas do corpo tomam a mesma di-reco. Por outras palavras, os ritmos regulares reforam, pela sua ressonncia, as simetrias es-truturais. preciso sublinhar tambm o conse-lho de assegurar o ritmo respiratrio sobre uma cadncia vocal mais lenta. A eficcia maior de tais ritmos menos frequentados , com efeito, do nosso ponto de vista, essencial. Mostra que o ritmo grave, em pulsaes lentas, pode susten-tar e condicionar um ritmo agudo, com maiores frequncias. Se um ritmo vital rpido pertur-bado, ser remediado pelo enquadramento dum ritmo mais lento, mais fcil de vigiar, mais fcil de impor. por isso que a marcha escandida por um canto muito descontnuo, por um batimento de reunio de todos os dois ou trs passos, to

    8 Cf. Massom-Oursel, Les doctrines indiennes de physiologie mystique, Apud: Journal de Psychologie, 1922, p. 322.9 Romain Rolland, La vie de Ramakrishna, p. 295

    salutar para dar respirao a calma e a regulari-dade. Uma concluso muito rapidamente realis-ta colocaria mais a eficcia inversa, imaginando que o ritmo com numerosas frequncias que traz, como incidentes suplementares, os aconte-cimentos de ritmo lento. Mas as experincias so demonstradoras: o esprito impe o seu domnio sobre a vida por aces pouco numerosas e bem escolhidas, por isso que uma arte do repouso se pode fundar sobre a segurana de algumas mar-cas referenciais bem distribudas.Teremos alis abundantes confirmaes exami-nando, do ponto de vista da Ritmanlise, os lon-gos ritmos que marcam a vida humana. Ser pre-ciso, por exemplo, lembrar o interesse que uma vida sbia e meditativa encontra para se regular sobre o dia, sobre a marcha regular das horas? Ser preciso descrever a durao bem ritmada do homem dos campos vivendo de acordo com as estaes, fazendo a terra consoante o ritmo do seu esforo? Que tenhamos um interesse fsi-co em nos adaptarmos muito rigorosamente aos ritmos vegetais, o mais evidente desde a desco-berta das vitaminas: a hora do morango, a hora do pssego e da uva so ocasies de renovao fsica, de acordo com a Primavera e o Outono. O calendrio dos frutos o calendrio da Rit-manlise. A Ritmanlise procura por toda a par-te ocasies de ritmos. Tem confiana de que os ritmos naturais se correspondem ou que podem se sobrepor facilmente, um puxando o outro. Previne-nos tambm do perigo que h em viver a contra-tempo, desconhecendo a necessidade fundamental das dialcticas temporais.

    VMas o enquadramento da vida humana nos grandes ritmos naturais fixa mais a felicidade do que o pensamento. O esprito tem necessidade de marcos mais estreitos e se, como cremos, a vida intelectual deve tornar-se fisicamente falando a vida dominante, se o tempo pen-sado deve dominar o tempo vivido, preciso entregarmo-nos procura dum repouso activo que no se pode satisfazer com os dons gratuitos da hora e da estao. Este repouso activo, este repouso vibrado, corresponde, parece, para Pi-

    nheiro dos Santos, ao estado lrico. A literatura brasileira conhece de muito perto a nossa litera-tura contempornea. um adepto de Valry e de Claudel. Submete-se grande torrente da frase claudiana e hbil ambiguidade dos pensamen-tos de Paul Valry. De Valry, ele ama sobretudo a arte suprema de perturbar a calma e de acalmar a perturbao, de ir do corao ao esprito para voltar em seguida do esprito ao corao.Mas Pinheiro dos Santos no se contenta com esta traduo intelectual um pouco fria da vida lrica. Prefere guardar o lirismo sob a forma dum encanto fsico, dum mito que embala, dum com-plexo que nos liga ao passado, aos impulsos de juventude. Prope, para a Ritmanlise, um mito lrico que se poderia denominar o complexo de Orfeu. Este complexo corresponderia necessi-dade primitiva de agradar e de consolar; ligar--se-ia carcia caridosa e caracterizar-se-ia pela atitude em que o ser se compraz em agradar, por uma atitude de oferenda. O complexo de Orfeu formaria assim a anttese do complexo de dipo. Veramos tradues poticas deste complexo de Orfeu no que Felix Bertaux chamou o lirismo rfico de Rilke, vivendo como um egosmo o amor indeterminado do outro. to doce amar seja quem for, seja o que for, vivendo a partida, o jorro nico das efuses! Eis a base de uma teoria do prazer formal que se ope teoria do prazer material, imediatamente objectivo, que, no com-plexo de dipo, liga desgraadamente a criana ao primeiro rosto que se debrua sobre o bero. A Ritmanlise oferece ento, em oposio psi-canlise, como que uma doutrina da infncia re-encontrada, da infncia sempre possvel, abrindo diante dos nossos sonhos um futuro indefinido. Precisamente, numa dissertao especial, que se ope ao trabalho de Freud sobre Leonardo de Vinci, Pinheiro dos Santos explica a actividade especial de Leonardo como uma infncia eterna. O criacionismo no seria mais, com efeito, do que um rejuvenescimento perptuo, um mto-do de espanto sistemtico que reencontra olhos maravilhados para ver espectculos familiares. Todo o estado lrico deve fundar-se sobre o co-nhecimento entusistico. A criana o nosso professor, disse Pope. A criana a fonte dos

    nossos ritmos. na infncia que os ritmos so criadores e formadores. preciso ritmanalisar o adulto para o trazer disciplina da actividade rt-mica qual deve o impulso da juventude.

    VINo que nos diz respeito, a uma elaborao espiritual que quereramos submeter o estado lrico, afastando-nos por consequncia das po-tncias inconscientes que nos encerram no com-plexo de Orfeu. , pois, nas regies elevadas dos tempos sobrepostos, nos tempos pensados, que procuramos as dialcticas mais claras e por con-sequncia as mais empolgantes.Por exemplo, para sentir nossa maneira toda a poesia de Valry, aplicamos-lhe os esquemas da dialctica temporal. A est, sem dvida, uma im-posio muito abstracta, muito pessoal, sugerida pelos hbitos da aridez filosfica. Mas reconhe-cemos, contudo, que este mtodo pobre trazia al-guns ecos bastante raros; sentimos, em particular, quanto o esquema temporal da ambiguidade nos ajudava a intelectualizar o ritmo sonoro, a pensar uma poesia que nos no transmite todo o encanto quando nos limitamos a fal-la e a senti-la. Ento constatamos que eram as ideias que cantavam, que o jogo das ideias tinha os seus acentos prprios, e que estes acentos comandavam, no nosso ser pro-fundo, murmrios sufocados. A voz muda, dei-xando as imagens sucederem s imagens, vivendo na sobreposio das diversas interpretaes, d-vamos conta do que podia ser um estado lrico propriamente espiritual, propriamente intelectual. A realidade vestia-se, enriquecia-se em condicio-nais. A associao das ideias era substituda pela dissociao sempre possvel das interpretaes. O esprito divertia-se a recusar as adeses mais obs-tinadas. Experimentava um gozo potico em des-truir a poesia, em contradizer as primaveras, em resistir a todas as sedues. Ascetismo, alis, alta-mente epicuriano, porque, sob a sua forma condi-cional, o prazer parecia mais vibrante. A poesia, assim liberta das arrebataes habituais, voltava a ser um modelo de vida e de pensamento ritmados. Era assim o meio mais adequado a ritmanalisar a vida espiritual, a devolver ao esprito o domnio das dialcticas da durao.

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  • h830 11 2012

    U T O P I A S F R G E I S

    ESTRANGEIRO, kuai, lao wai, so tudo nomes que me soam bem porque marcam uma distncia. E algo que devemos sempre preservar a distncia. Em vrias mitolo-gias, s os estrangeiros podiam ser esco-lhidos para reis, precisamente porque no tinham nenhuma ligao aos interesses da terra. No ser o caso da China, mas d na mesma.Quer dizer, no d na mesma porque na China ainda melhor. O estrangeiro uma espcie de ser translcido que mal se v, que pode circular vontade por todo lado, porque tem uma realidade extrema-mente rarefeita. , inclusivamente, preci-so ter cuidado ao andar na rua para que as pessoas no choquem com o estrangeiro. Simplesmente, porque no o vem. E isso bom: passar despercebido uma das coi-sas mais importantes no mundo de hoje em que o anonimato precioso.Pessoalmente, gosto muito de viver no meio de um povo to preocupado consigo prprio que mal d pela presena dos ou-tros. Ou se d no se interessa, porque no tem a ver com a sua vida. Todos sabemos que um estrangeiro nunca ter problemas na China, desde que no invada territrios alheios. Desde que no se imiscua onde no deve e no lhe per-mitido. De resto, livre de andar por todo o lado, de fazer o que muito bem lhe ape-tecer e, nos momentos mais difceis, ain-da gozar de um sorriso de compreenso: pois, um estrangeiro, deixa l, no li-gues. So coisas de kuais. Querem melhor que isto? Parece-me difcil.Ao contrrio de outros povos, que so intrometidos, vendilhes sem vergonha e autnticas melgas, o povo chins reser-vado e no precisa de chatear os estrangei-ros. Basta chatear-se a si prprio que j so muitos. O estrangeiro pode passear-se sem que ningum se venha pendurar no seu casaco. Quando muito pode despertar um olhar de curiosidade por dois segundos. Mas depois a vida continua e continuar por mais dez mil anos.Tudo isto vem a propsito da palavra kuai-lo que maa alguma desta nclita gente. Se ofensiva ou no, se deve ser usada ou no, etc.. C para mim devia continuar a ser usada. Quem no gosta de ser um fantasma, com todas as suas prerrogativas?

    SER KUAI

  • h930 11 2012

    U T O P I A S F R G E I S

  • h1030 11 2012

    D E P R O F U N D I S

    BAR DO HOTEL MANDARIN ORIENTAL

    Pedro Lystmanna revolta do emir

    Confesso que este bar de hotel me coloca um grave problema. No sei bem onde me sentar e no sei bem o que vou l fazer. Os enor-mes pilares que o dividem em zo-nas quadradas, frias a uma primeira apreciao, no deixam que o olhar se estenda preguiosamente e possa tentar adivinhar seja o que for sobre os outros frequentadores. Estes pi-lares fazem-me pensar numa esp-cie de disposio matinal faranica que se no cumpre. A eles juntam--se uns enormes cilindros a cuja descrio me escuso mas que tm o seu no sei qu de fico cientfica (ou sero os Brandies Alexander, como sugere arrogantemente algum?). Numa noite de negronis estes cilin-dros assemelhavam-se a colunas de teletransporte de sries de televiso dos anos 70 mas por vezes no.

    Espero camelos e homens de turbante, criados nbios, porven-tura mulheres druzas, enigmticas e de perfumes doces e intoxicantes mas s me chega mais um brandy e a sensao de que vista que das suas janelas se desfruta falta tambm al-guma coisa. Yet. No consigo defi-nir esta impresso mas h um mdio orientalismo ou um norte africanis-mo neste stio, talvez resultado da fuso de um excesso de ornamento com a frieza do cho prpria aos climas quentes.

    No h em Macau uma imag-tica tropical que se aplique ao de-senho dos bares, felizmente. Ao invs, aqui onde nos sentimos mais rabes, ou persas, mais gordos e mais bem sentados. Nunca ten-do estado no Egipto ou no Mdio Oriente comeo a concordar com a ideia de Edward Said de que os europeus, excessivement eurocentriques inventaram um Oriente, mdio e prximo, de acordo com as suas ne-cessidades de mistrio e exotismo (ou libidinosas), ao qual impuseram posteriormente a sua vontade de domnio poltico uma concepo exclusivamente europeia. S existe uma inteno mdio orientalista neste hotel - Mandarin Oriental por outro acaso - na imaginao de quem se atreveu a pedir um terceiro dry martini ou de quem j vem com estas opinies formadas. Mas, repi-ta-se, tambm porque a histria no promoveu a criao de uma ima-gem extremo oriental que se tenha estendido ao desenho dos bares. A moda da chinoiserie, no sculo XVIII e XIX, assim como a da japonoiserie oitocentista, no criaram um corpus com a persistncia das modas que se inspiraram no (mdio) orienta-lismo, tendo permanecido bastante individualizadas.

    No que respeita ao desenho do bar, aos poucos as opinies vo co-

    meando a (trans)formar-se, da per-plexidade at ao elogio. No me es-quivo a pensar sempre assim sobre este lugar encravado no segundo andar do melhor hotel de Macau. A razo que continua a promover o meu patrocnio no fcil de iden-tificar, mas prende-se no s com a ideia mdio oriental que se me in-troduziu teimosamente na maneira de o usufruir, mas igualmente com a qualidade do servio, tanto do pessoal de mesa como do que se move por trs do balco. Nele se fazem bem os coquetis clssicos, os coquetis de assinatura (cerca de 20, entre os quais se encontra um Oriental Punch), e tambm aqueles que sofrerem desvios por imposio dos nossos caprichos. A lista bem composta e a esta poder-se- juntar uma generosa lista de vinhos que serve tambm o restaurante cont-guo.

    Este bar exibe uma vantagem til, para alm de ser em Macau e no obrigar a desvios excessivos: tem uma geografia bastante diversa. Existem zonas de sofs longos e de almofadagem prpria ao descair dos corpos e pose orientalista que a bebida ou o rumo lnguido das con-versas pode conduzir. Existe uma zona central quadrada de cho mar-moreado e pequenas mesas. Exis-tem dois balces, com respectivos

    assentos, com vista larga para os la-gos e a ponte velha, suficientemen-te prprios a uma bebida solitria. Existe o balco propriamente dito (que neste caso, um pouco escondi-do, no ajuda s excurses e divaga-es que outros permitem) e, final-mente, h uma pequena zona reca-tada e fria, que se pode tratar como se fosse um pequeno reservado. Em todas estas zonas poderemos deixar o olhar perder-se na altura genero-sa do seu p direito, porque olhar para cima nunca fez mal a ningum e porque a elevao do olhar e dos espritos uma das consequncias mais provveis da frequncia de um bar (e mesmo que no mdio orien-te raramente se olhe para cima). O acesso ao restaurante muito agra-dvel. Poder-se- fazer atravs do bar, passando rasante ao balco - o que muito aconselhvel. quase como se de um pequeno labirinto se tratasse, especialmente quando este pequeno percurso se faz de copo na mo e com a confiana do iniciado condescente para com os prstimos demasiado industriosos dos empre-gados. No conheo nenhum outro stio em Macau, com a possvel ex-cepo de restaurantes que incluem um bar, em que esta transio se faa de um modo to suave, to es-perado e (porque no diz-lo ?) to sumptuoso.

  • h1130 11 2012

    S U P E R F C I E

    prximo oriente Hugo Pinto

    Na China, durante a dinastia Song, havia um jogo popular parecido com o que, hoje, chamamos de golfe: Chuiwan (). Mas, ao que parece, no foi a que os Chui Wan (Yan Yulong, Wu Qiong, Liu Xinyu e Josh Feola) foram buscar inspirao.

    De acordo com a editora Maybe Mars, o nome do quarteto de rock psi-cadlico e experimental de Pequim que, numa noite destas, deu em Macau um memorvel concerto para umas duas dezenas de pessoas, deve-se a Zhuangzi, especialmente a um trabalho mstico do filsofo taoista, Qi Wu Lun (), acerca da relao entre a natureza e a vida humana. O esprito desta obra an-tiga consubstanciar-se- numa expresso que reza mais ou menos assim: Quando o vento sopra, todos os sons podem ser ouvidos nele.

    Segundo a leitura da editora marcia-na, este conceito de procurar o infinito a partir do mundano serve de inspirao aos Chui Wan.

    Na linguagem da banda, infinito e mundano so, na verdade, duas dimen-ses da mesma tessitura, organizando-se em dialcticas que alternam improvisos e arranjos cuidadosamente compostos. um dilogo a mltiplas vozes, mas no h aqui laivos de esquizofrenia. Ainda que o rumo possibilite vrias direces, a barca vai determinada e animada por uma m-riade de sonoridades que se confundem, feitas de psicadelismo em arrebatado flirt com o noise, rock submisso em verso shoegaze, baixos ondulando em mars surf rock, nterins minimalistas que se somem em reverberaes distan-tes, e melodias que parecem querer apa-ziguar a sede de infinito, ou seja, de caos. E sempre s portas de uma qualquer babel que a msica dos Chui Wan nos deixa, sem que, todavia, nos leve a per-dermo-nos completamente na confuso.

    Nunca se afastando demasiado de portos seguros, mas no fazendo con-cesses a lugares de conforto no ponto da anestesia, os Chui Wan colocam-se algures entre o rock pouco ortodoxo dos Carsick Cars e o experimentalismo aca-dmico dos White +.

    A sntese vem exposta no primeiro disco, editado este ano, e cuja apresen-tao serviu de pretexto para a digresso dos Chui Wan (com os norte-americanos Psychic Ills) que passou por diversas ci-dades chinesas, Hong Kong e tambm Macau (Live Music Association, no pas-sado dia 25 de Novembro).

    E TODOS OS SONS O VENTO LEVOU

    White Night abre com Swimming. A surf guitar acentua, desde logo, uma toada retro e extica, que vai sendo dis-sipada ao longo dos oito temas sem, con-tudo, se perder por completo. Black Cat, White Cat traz uma descarga de distor-o, vozes espectrais reminiscentes dos negros anos 1980 e tambm as primeiras doses fortes de substncias com princ-pios activos lisrgicos. Refute, o ter-ceiro tema, talvez o que deve mais ao perodo ps-punk, como se estivessmos perante uns The Fall perdidos em Chon-gqing. Another Kind of Love, espcie de cano de amor under the influence, devia ocupar os topos de tabelas de sin-gles mais vendidos deste mundo. O ape-lo pop estende-se at Dan Ding He, que, no entanto, se revela um remoinho de guitarras elpticas.

    White Night, o tema que d nome ao lbum, o ponto alto. Convocando melodias orientais, em jeito das ragas in-

    dianas, os Chui Wan constroem aqui um portento do psicadelismo, com direito a crescendo e delrios de saxofone. Excu-se me while I kiss the sky, como diria o outro.

    Berber, que comea com o que pa-rece ser o som de uma porta a abrir, ser-ve como interldio, suspenso e tenso, ao tema que encerra o disco: Tomorrow Never Knows, um longo desvio pelos caminhos da experimentao, passando por diversos estados, umas vezes explo-dindo, outras implodindo, e fazendo-nos crer que os quase 40 minutos de White Night duraram mais do que o tempo real nos mostra.

    A transcendncia tambm isto: per-dermo-nos no tempo. Depois, o vento, que tudo trouxe, tudo levar.

    White NightMaybe Mars, 2012Chui Wan

  • h1230 11 2012

    C I D A D E S I N V I S V E I S

    GUIMARES ROSA REVISITADO

    AINDA QUE no tenha sido comemo-rado com a efuso que merecia, o cen-tenrio de nascimento de Joo Guima-res Rosa (1908-1967), em 2008, ano que marcou tambm o centenrio do falecimento de Machado de Assis (1839-1908), ao menos serviu para a publicao de importantes estudos crticos-literrios sobre a obra do autor. E o melhor exem-plo disso o livro A potica migrante de Guimares Rosa (Belo Horizonte, Editora UFMG, 2008), de Marli Fantini (organi-zadora), doutora em Estudos Literrios pela Universidade Federal de Minas Ge-rais (UFMG) e autora deGuimares Rosa: fronteiras, margens, passagens(So Paulo, Se-nac/Ateli Editorial, 2004), que obteve o Prmio Jabuti de 2005.No se pode dizer que a obra rosiana no tenha sido estudada em profundida-de, at porque h estimativa que supe a existncia de mais de 1.500 trabalhos sobre o romance Grande serto: veredas. At porque, como diz Marli Fantini na apresentao, baseada nas observaes de Italo Calvino (1923-1985), trata-se de uma obra considerada clssica, que por isso mesmo est destinada a provocar in-cessantemente uma nuvem de discursos sobre si.Mas Guimares Rosa no sGrande ser-to: veredas- e, se o fosse, j seria muito. Pelo contrrio, na obra do escritor minei-ro h uma srie de textos que tambm es-to condenados a cada gerao a receber novas e distintas formas de recepo.

    IIUm estudo que se destaca nesta reunio de 20 ensaios e artigos, dividida em nove partes, sobre a temtica rosiana Ale-goria e poltica no serto rosiano, de Maria Clia Leonel e Jos Antonio Segat-to, professores da Universidade Estadual Paulista (Unesp) e autores de Poltica e violncia no Grande serto de Guimares Rosa, ensaio publicado na revista Estu-dos Sociedade e Agricultura(Rio de Janeiro, Mauad/UFRJ, v. 13, n 1, pp.75-93, abril de 2005).Segundo o estudo de Maria Clia e Se-gatto, Guimares Rosa teria um projecto literrio, qui poltico-ideolgico, como pressuposto na elaborao deGrande ser-to: veredas, que permite que a obra seja lida no s como recriao do passado, ou seja, a vida no Brasil profundo nas d-cadas de 1920 a 1930, como iluminador do presente, j que o mandonismo da-quela poca ainda hoje est presente em vrias regies brasileiras marcadas pela grande propriedade latifundiria, embo-ra hoje o prottipo do latifundirio tenha

    sido substitudo por grandes empresas agrcolas, pelo patriarcalismo, pelo clien-telismo, pela violncia, pela ausncia de Estado e justia, o que se verifica inclu-sive no Estado de So Paulo, pretenso exemplo de modernidade.Nesse sentido, os autores contestam es-tudiosos que, atribuindo a Guimares Rosa uma qualidade de ensasta que ele nunca buscou, definiram Grande serto: veredascomo um retrato da vida rural na-quela poca, observando que o autor, por sua inventividade, aponta tendncias que viriam a ganhar cristalizao mais ntida na realidade do Pas ps-1930.

    IIIOutro texto de grande valia para os es-tudos rosianos - e de outro grande espe-cialista na rea - Patriarcalismo e dio-

    nisismo no santurio do Buriti Bom, de Luiz Roncari, professor da Universidade de So Paulo (USP) e autor deO Brasil de Rosa: mito e histria no universo rosiano: o amor e o poder(So Paulo, Unesp/Fapesp, 2004). Como observa Marli Fantini, o trabalho de Roncari procura as chaves para o entrelaamento da histria com o mito. O ensaio - cujo ttulo forma um oxmoro - uma condensao de extenso trabalho de Roncari sobre a novela Bu-riti, que faz parte do livroCorpo de baile, de Guimares Rosa.Em O Brasil de Rosa, o autor j havia procurado mostrar como Guimares Rosa usara modelos que Oliveira Vianna (1883-1951) utilizara para representar a vida poltica brasileira na segunda metade do sculo XIX e tambm na Primeira Re-pblica (1889-1930). Assim, Guimares

    Rosa teria entranhado em personagens como Z Bebelo, um Rui Barbosa (1849-1923), em Hermgenes e Ricardo, um Hermes da Fonseca (1855-1923) e um Pinheiro Machado (1851-1915), respec-tivamente, e em Joca Ramiro, o Baro do Rio Branco (1845-1912).Para Roncari, a novela Buriti tambm teria sido construda a partir de modelos vivos. Assim, toda a primeira parte da no-vela composta praticamente pelas lem-branas de Miguel, que compartilham as informaes e verses que Guimares Rosa recebera de nh Gualberto Gaspar, um fazendeiro, sobre o Buritim Bom e pessoas do lugar com quais ele pde con-viver.

    IVComo curiosidade histrica pode-se apontar a nona parte do livro que traz o ensaio Memria da leitura e rememora-o da viagem: cartas de Joo Guimares Rosa para Aracy de Carvalho Guimares Rosa, elaborado por Elza Min e Neuma Cavalcante a partir da correspondncia (indita) trocada pelo autor no perodo de 1938 a 1960 com aquela que seria sua segunda esposa.Esse arquivo que compreende 107 cartas, 44 cartes-postais, bilhetes e telegramas foi passado pela famlia de Aracy de Car-valho (1908-2011) s pesquisadoras, que esto para publicar uma biografia dessa poliglota que prestou trabalho ao Minis-trio das Relaes Exteriores e teve o seu nome inscrito no memorial Yad Vashem (Museu do Holocausto), em Jerusalm, por ter ajudado muitos judeus a entrarem ilegalmente no Brasil ao tempo do gover-no Getlio Vargas, livrando-os da priso e da morte sob as botas do nazismo. A essa poca, ela era chefe da seo de passaportes do consulado brasileiro em Hamburgo. Guimares Rosa, como cn-sul adjunto, sabia das manobras arrisca-das que Aracy fazia para ajudar os judeus e nunca se ops. Pelo contrrio.Se para o leitor comum esse tipo de cor-respondncia pode parecer curiosidade histrica, para os especialistas, por cer-to, uma oportunidade rara, pois revela, mais que a obra completa do autor, a sua individualidade, seus gostos e paixes. De passagem, fica-se sabendo que Ara, como o marido a chamava, acompanhou muito de perto tanto a escritura deGrande serto: veredascomo deSagarana, inclusive, com sugestes e correes.

    (*) Adelto Gonalves doutor em Literatura Portuguesa pela Universidade de So Paulo e autor de Gonzaga, um Poeta do Iluminismo (Rio de Janeiro, Nova Fronteira, 1999), Barcelona Brasileira (Lisboa, Nova Arrancada, 1999; So Paulo, Publisher Brasil, 2002) e Bocage - o Perfil Perdido (Lisboa, Caminho, 2003).

    Adelto GonAlves*In Pravda

  • h1330 11 2012

    perspectivas Jorge rodrigues simo

    C I D A D E S I N V I S V E I S

    A CONFERNCIA sobre as Alteraes Climticas (COP17) da Conveno das Naes Unidas Contra as Alteraes Cli-mticas (UNFCCC), que se realizou em Durban entre 28 de Novembro e 11 de De-zembro de 2011, terminou com um impor-tante e inesperado acordo, que foi o de pro-longar a vigncia do Protocolo de Quioto para alm de 2012. Intitulada como a Ci-meira do Clima do Planeta e dos dramas cli-mticos que se prolongam indefinidamente, encerrou com grandes oposies, seno mesmo contradies de interesses e vises, dada a falta de consenso entre os 195 pa-ses participantes, acerca da definio de um calendrio para a criao e implementao de um novo tratado internacional que suce-desse ao Protocolo de Quioto, igualmente, tendo como objectivo, reduzir as emisses de gases com efeito de estufa, considerado como sendo o maior dano causado ao pla-neta, e cujas consequncia so as conheci-das e malficas alteraes climticas.

    Uma das razes do dissenso, foi a tese defendida pelos Estados Unidos de pre-tender findar com a distino entre pases desenvolvidos e no desenvolvidos, sendo que os ltimos para se desenvolverem fi-caram isentos de reduzir as suas emisses, como o caso da China e da ndia. Os Esta-dos Unidos representam 17,6 por cento das emisses, em termos de consumo energti-co mundial e que no ratificaram o Protoco-lo de Quioto assinado em 1975.

    A China considerada a segunda econo-mia mundial representa 26,3 por cento das emisses, em termos de consumo energ-tico mundial. A Conferncia de Durban conseguiu que 190 pases, se comprometes-sem a formalizar uma agenda, no sentido de reduzir as suas emisses de gases de estufa. O acordo inclui a implementao do Fundo Verde para o Clima, idealizado na Cimeira de Cancun de 2010, cujo mecanismo de funcionamento prev ajudas de 100 mil mi-lhes de dlares anuais, a partir de 2020 aos pases em desenvolvimento, para poderem adaptar-se s consequncias das alteraes climticas e promover projectos para a pro-teco do clima.

    O acordo global para reduzir os gases de efeito de estufa deve ser adoptado em 2015, e entrar em vigor em 2020, sendo uma condio imposta pela Unio Europeia (UE), funcionando como um segundo pe-

    A CIMEIRA DE DOHArodo do Protocolo de Quioto, que expira em 31 de Dezembro de 2012. A UE atingiu a meta oito anos mais cedo que o previsto, que era de reduzir em 20 por cento as suas emisses at 2020.

    A Rssia, Japo e Canad anunciaram a sua inteno de no renovar o Protocolo de Quioto, no entrando no segundo perodo de compromisso do nico tratado em vigor sobre reduo de emisses, que obriga ape-nas as naes industrializadas, com excep-o dos Estados Unidos, cujo reeleito pre-sidente Barack Obama promete um empe-nhamento pessoal nas questes climticas, com um Congresso que lhe desfavorvel neste tema, e a braos com os devastadores efeitos do ciclone Sandy e da terrvel seca que destruiu a colheita de cereais do Vero, e est a originar a subida de preos dos ali-mentos.

    A posio do Canad de total irres-ponsabilidade, ao afirmar que abandona o Protocolo de Quioto, porque no conse-guir cumprir os objectivos a serem assina-dos em 2015 e implementados em 2020, que levaria o pas a ser sancionado e a pagar multas exorbitantes, dando como exemplo, a proibio de circulao de todos os auto-mveis pelo perodo de um ano como um dos meios ao cumprimento.

    Assim, quase predizem que saem porque o Protocolo de Quioto no ter forma de funcionar adequadamente, pelo que levanta a grande questo de saber qual seria o futu-ro com obrigaes assumidas pelos pases, se a qualquer momento um deles abando-nar os compromissos a que se obrigou, para no ser responsabilizado pelo seu incumpri-mento?

    Todavia, o acordo nunca teria sido pos-svel se os pases desenvolvidos tivessem colocado os seus interesses em primeiro plano, e se os pases em desenvolvimento no entendessem que o esprito que subjaz ao Protocolo de Quioto, o da responsa-bilidade colectiva pela conservao da vida no planeta, ainda que se apresente diferen-ciada na luta contra as alteraes climticas.

    A Conferncia de Durban fixou a data de incio do segundo perodo de compro-misso de Quioto para 2013, que ser deci-dida na Cimeira sobre o Clima de Doha, que teve o seu nicio no dia 26, evitando-se dessa forma um vazio no direito internacio-nal do ambiente. A Cimeira de Durban foi considerada como sendo um quase compo-misso para um tratado global, mas a presen-te situao a caminho de um aumento de temperatura no planeta de 4 C, em relao era pr-industrial.

    Acima de 2 C que o limite, as alte-raes climticas podero ser de autnticas catstrofes. As conversaes entre os pases, devem criar as condies para que a tempe-ratura mdia do planeta no seja superior a 2 C at 2100, em relao aos valores dos fi-

    nais do sculo XIX. O C02 emitido para at-mosfera atingiu tal volume, que se prev um aquecimento do planeta de 4 C em 2060, que transformar o mundo em que vivemos, em algo bem diferente e impossvel de ser descrito, com cataclismos em srie, em que as secas por exemplo, no sero apenas na frica Subsariana, mas estender-se-o aos Estados Unidos e Europa, bem como a pro-pagao a nvel mundial de doenas como a malria ou a febre de dengue.

    Os objectivos de reduo de emisses para os diferentes pases, devem ser fixados nos prximos anos. A UE e os pases que aderiram ao Protocolo de Quioto, geram apenas 15 por cento das emisses globais de gases poluentes. Quanto proteco das florestas no foram dados passos significa-tivos, no sentido de chegar a um consenso que possibilitasse a elaborao de um acor-do para a sua proteco, no tendo sido previstos no Fundo Verde para o Clima, montantes destinados a atingir tal deside-rato.

    Assim, ganha consistncia a ideia de ser possvel que tal financiamento para a pro-teco das florestas, seja proveniente das centrais elctricas e indstrias, que no te-riam que reduzir to drasticamente as suas emisses, uma vez que as florestas absor-vem muito dixido de carbono, embarate-cendo os direitos de poluio. A Confern-cia de Durban, apesar de todos os males que lhe so apontados, conseguiu elaborar uma agenda de temas a serem seguidos e propostos pela UE, no sentido de adoptar um novo acordo global vinculativo de redu-o de emisses de gases de efeito de estufa, aplicvel a todos os pases, ao contrrio do Protocolo de Quioto, que s inclui os pases desenvolvidos.

    A UE, aps um acordo difcil com a n-dia que se recusava a assumir compromissos vinculativos, fez prevalecer no documento final a recomendao de que as negociaes at 2015, devem apresentar como resultado final a adopo de um documento com for-a legal para todos os pases. A ambiguidade do texto conclusivo transfere para posterio-res cimeiras a verdadeira negociao, que estabelecer o quadro legal e as obrigaes que os pases que ratificarem o novo tratado tero de cumprir.

    O novo acordo global ter de ser elabo-rado antes de 2020, perodo em que termi-nam os compromissos voluntrios de redu-es efectuados pelos pases na Cimeira de Cancun. A Cimeira de Durban no s foi a mais longa da histria, como considera-da como uma nova rota no sistema de luta contra as alteraes climticas, tendo com grande esforo conseguido alcanar con-sensos para a segunda fase do Protocolo de Quioto, abrindo a porta a um sistema mais alargado no futuro, legalmente aplicvel a todos os pases, e criado instrumentos para

    que os pases desenvolvidos possam ajudar os pases em desenvolvimento.

    A XVIII Conferncia das Partes da ONU sobre Mudana Climtica (COP18/CMP8) ou Cimeira de Doha, que termina em 7 de Dezembro com a participao de dezassete mil pessoas, e tem como fim ava-liar os progressos dos diferentes pases na reduo da emisso de gases de efeito de estufa e de continuar as negociaes nos termos conseguidos na Conferncia de Durban. Um dos temas principais a ne-cessidade de seguir a rota traada na ante-rior Conferncia de Durban, com a viso de 2020 e conseguir fundos para fazer face s alteraes climticas.

    A Cimeira de Doha tem a grande res-ponsabilidade, mas tambm a oportunidade de ser um marco histrico na luta contra as alteraes climticas, tendo um desafio adicional, uma vez que assinala o final do primeiro perodo de compromisso do Pro-tocolo de Quioto, que deve continuar por forma a enfrentar o desafio comum da hu-manidade e fazer o possvel para assegurar um futuro melhor para a presente gerao e para as vindouras.

    Os 194 pases presentes baseados nos princpios da transparncia, da participa-o e do fortalecimento do papel das partes como suporte de negociao, tm a possibi-lidade e obrigao de dar a resposta urgente que o mundo e o planeta necessitam para a sua existncia, valorizando tudo quanto foi feito at ao presente. a primeira Cimeira sobre mudana climtica que se celebra no Mdio Oriente e a maior que tem lugar na histria do Qatar.

    A Cimeira de Doha implementar o programa PaperSmart da ONU, sendo dado aos participantes cpias digitais de to-dos os documentos permitindo que impri-mam apenas os que necessitam, e atravs da Expo Sustentabilidade sero mostrados os projectos de tecnologia verde das empre-sas internacionais e locais, providenciando toda a informao acerca das consequn-cias desastrosas das alteraes climticas. A Cimeira de Doha ser neutra em carbono, pois todas as emisses de carbono produ-zidas sero compensadas pelo investimento na sua reduo.

    Enquanto os representantes polticos negoceiam na Cimeira de Doha os com-promissos que assumiro para reduzir o im-pacto das alteraes climticas, os cientistas constatam como o aumento das temperatu-ras est a comear a afectar a agricultura em todo mundo, reduzindo a produo de alimentos. As alteraes no clima esto a ter consequncias graves, quer na agricul-tura de bens alimentares essenciais de mi-lhes de pessoas em todo mundo, quer em produtos gourmet que nas ltimas dcadas impulsionaram a economia de algumas zo-nas rurais do Mediterrneo.

    The Governments of Singapore and China are jointly developing the 30 km2 city into an environmentally friendly, socially harmonious and resource efficient city. This project involves putting in place key infrastructure to support sustainable development, such as a light-rail transit line to link the Eco-city to Tianjin City and surrounding districts, a pneumatic waste collection system, a new wastewater treatment plant, and major rehabilitation works for existing water bodies.

    Zero-Carbon Energy Kyoto 2010 Takeshi Yao

  • h1430 11 2012

    gente sagrada Jos simes morais

    O L H O S A O A L T O

    BODHIDHARMA

    MUITOS ERAM os mon-ges, tanto vindos da ndia como partindo da China, que desde a dinastia Han circulavam pelos caminhos conhecidos hoje por Rotas da Seda. Para os monges chineses, que empreendiam to dura jornada, o objec-tivo era seguir o trilho de Sakyamuni, ou ir procura de textos budistas antigos, que esclarecessem os ensi-namentos de Buda. No sen-tido inverso, os indianos vi-nham ajudar nas tradues e mais tarde outros chegaram procura do Grande Vecu-lo, Mahayana.Por isso, todos traziam para a China as Escrituras Sagra-das, transportando tambm imagens e antigos textos bu-distas. Mas, no sculo VI, da ndia chegou ao Sul da Chi-na pela Rota Martima um monge j idoso, conhecido por Bodhidharma. No trazia livros, nem imagens, j que como o nome revela era um Ser Iluminado (bodhi) com-plementado com dharma, para ajudar os outros a des-pertar ainda nesta vida, atra-vs da meditao profunda.A tradio budista na Chi-na no vinha da transmisso oral dos que se reconhecem pelo Estar, mas era antes sustentada pelo recitar dos mantras e na leitura e anlise dos Sutras, em vez de dar n-fase meditao. Talvez co-nhecedor dessa realidade, o ento 27 Patriarca Prajnata-ra enviou Bodhidharma para a China. Pretendia-se passar o Dharma pela transmisso oral que vinha como heran-a desde Mahakasyapa. Este desperto foi escolhido como primeiro Patriarca do Budis-mo pelo sorriso com que leu a flor na mo do Buda Sakya-muni.Bodhidharma era oriundo da ndia, de uma famlia Hindu da casta brmane e se uma fonte indica ser da parte Noroeste, outras do-

    -no como sendo de Tamil. Foi o terceiro filho de um rei dessa regio e na ndia, o vigsimo oitavo patriarca do Budismo.O mestre Da-Mo, como na China conhecido Bodhi-dharma, aps trs anos de viagem, aportou em Guan-gzhou em 526, onde foi construdo o templo Xilai no ano seguinte. Aqui en-sinou o caminho dharma-paryaya, a transmisso fora das Escrituras, que atravs da meditao permite des-pertar. Como foi o Primeiro Patriarca do Budismo Chan, no templo Xilai mais tar-de estiveram os terceiro e sexto Patriarcas, Sengcan e Huineng.Bodhidharma, partindo para Norte em viagem at Nanjing, atravessou Sha-oguan e junto a uma fonte predisse a vinda de um Ser Superior, que por a pas-saria da a cem anos. Por sua sugesto, para acolher esse Ser desperto deveria no lugar ser construdo um templo. Seguiu para Nan-jing, nessa altura chamada Jinling, e em 527 foi parar ao templo de Shaolin, nas montanhas Song. A, numa caverna, passou nove anos em meditao virado para a parede. Transmitiu o seu conhecimento ao discpulo Huike e tambm oralmente quatro volumes do suran-gama-samadhi-sutra, que se tornou um livro sagrado para o Budismo Chan. O Budismo Chan, que sig-nifica meditao profunda, no Japo conhecido por Budismo Zen. Bodhidharma morreu nos anos 30 do sculo VI, com uma idade muito avana-da, havendo quem diga ter atingido mais de 150 anos.Em Macau encontramos a esttua de Bodhidharma no templo Kong Tac-Lam, perto do Seminrio de So Jos.

  • h1530 11 2012

    L E T R A S S N I C A S

    HUAI NAN ZI O LIVRO DOS MESTRES DE HUAINAN

    BODHIDHARMA Confia na inteligncia e o povo a contestar; confia no poder e o povo contra ele lutar.

    Huai Nan Zi (), O Livro dos Mestres de Huainan foi com-posto por um conjunto de sbios taoistas na corte de Huainan (ac-tual Provncia de Anhui), no sculo II a.C., no decorrer da Dinastia Han do Oeste (206 a.C. a 9 d.C.).Conhecidos como Os Oito Imortais, estes sbios destilaram e re-finaram o corpo de ensinamentos taoistas j existente (ou seja, o Tao Te Qing e o Chuang Tzu) num s volume, sob o patrocnio e coordenao do lendrio Prncipe Liu An de Huainan. A verso portuguesa que aqui se apresenta segue uma seleco de extractos fundamentais, efectuada a partir do texto cannico completo pelo Professor Thomas Cleary e por si traduzida em Taoist Classics, Volume I, Shambhala: Boston, 2003. Estes extractos encontram-se organizados em quatro grupos: Da Sociedade e do Estado; Da Guerra; Da Paz e Da Sabedoria.O texto original chins pode ser consultado na ntegra em www.ctext.org, na seco intitulada Miscellaneous Schools.

    DO ESTADO E DA SOCIEDADE 25

    Os olhos e ouvidos dos lderes iluminados no se cansam; a sua vitalidade e esprito no se exaurem. Quando as coisas se do, observam as suas mutaes e quando os eventos sucedem, respondem aos seus desenvolvimentos. Quando no existe confuso nas imediaes, h ordem na distncia.

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