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h ARTES, LETRAS E IDEIAS PARTE INTEGRANTE DO HOJE MACAU Nº 2807. NÃO PODE SER VENDIDO SEPARADAMENTE A DEMANDA DO TAO

h - Suplemento do Hoje Macau #77

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Suplemento h - Parte integrante da edição de 8 de Março de 2013

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PARTE inTEgRAnTE DO HOJE MACAU nº 2807. nÃO PODE SER VEnDiDO SEPARADAMEnTE

a demanda do Tao

O homem comum é um clarim inteiro: a vida o toca, tira dele certos sons, certas no-tas. O homem que atingiu

o Nirvana, a iluminação, a santidade, é como um clarim quebrado: dele não saem sons, à medida que a vida o soa. Permanece o mesmo, silencioso: daí nasce o eflúvio de violetas numa manhã de primavera; justamente da ausência do eu, do ego que vê, perscruta e analisa. O fim de todos os registos; a vida pura. Vamos falar a respeito do pensamento chinês, como um todo, antes de partir-mos para o assunto “taoísmo” em si. Ba-seamos nossas observações, largamente, na obra essencial de Marcel GRANET (La pensée chinoise).A história do pensamento, na China, é marcada pela independência entre o sa-ber filosófico e aquilo que chamamos ci-ência: em lugar de uma Ciência, os chi-neses conceberam uma Etiqueta, que,

Paulo de Tarso Cabrini Júnior para eles, é suficientemente eficaz para instaurar uma Ordem total. Seria muito fácil atribuir-lhes, portanto, uma menta-lidade “mística” ou “pré-lógica”, se inter-pretássemos os seus símbolos ao pé da letra. Os pensadores chineses, porém, contentam-se em orientar a acção, e não formular conceitos, teorias ou dogmas. Procuram estabelecer uma hierarquia das Eficácias ou das Responsabilidades, sem a preocupação de discriminar abs-tractamente géneros ou causas. As téc-nicas do raciocínio e da experimentação não têm tanto crédito, para eles, como a arte do registo concreto de sinais e o repertoriar de suas ressonâncias. A ideia de mutação retira todo o interesse em se fazer um inventário da natureza, dis-tinguindo os antecedentes e as conse-quências de uma série de factos. Em vez de considerar os acontecimentos como uma sequência de fenómenos mensurá-veis e relacionáveis entre si, os chineses vêem na realidade sensível apenas uma massa de sinais concretos. O encargo de repertoriá-los compete a memorialistas,

pessanha e o daoísmo

Pessanha parece estar mais próximo do budismo do que do taoísmo, à medida em que observamos o total de sua obra poética. Mas, muitos de seus poemas lembram o Tao Te Ching. O budismo enfatiza a dor, que, para o taoísta, já é um estágio ultrapassado (lembrar

que, na “escada espiritual” chinesa, o taoísmo é o último degrau, antecedido, respectivamente, pelo budismo e pelo

confucionismo).

ExTRACTO dA TESE “CAMiLO PESSANhA E O TAO TE ChiNG|”

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não a físicos: a História faz as vezes da Física, assim como faz as vezes da Mo-ral. Assim, pode-se dizer que a China antiga, mais do que uma Filosofia, teve uma Sabedoria. A língua chinesa não se organiza para exprimir conceitos, e oferece poucas fa-cilidades para a expressão abstracta das ideias. No entanto, o seu destino como língua de civilização foi prodigioso. Para os chineses, a linguagem visa, aci-ma de tudo, à acção. Pretende nortear a conduta, mais do que informar com cla-reza. Ao invés de signos abstractos que possam ajudar a especificar as ideias, ela prefere símbolos ricos em sugestões práticas; estes, em vez de um significado definido, possuem uma eficácia indeter-minada: não visam a identificar precisa-mente, mas a converter a conduta. Os chineses, por um lado, evitam os arti-fícios verbais que tendam a facilitar as operações mentais: desprezam as formas analíticas; não empregam nenhum sinal a que confiram o simples valor de signo; desejam, enfim, que, em todos os ele-mentos da linguagem – vocábulos, gra-fias, ritmos e máximas –, cintile a efici-ência dos Emblemas. A expressão, escri-ta ou falada, deve figurar o pensamento, e essa figuração deve impor o sentimen-to de que exprimir não é simplesmente evocar, mas provocar, realizar. Quando o sujeito fala, denomina, de-signa, ele não se limita a descrever ou a classificar idealmente: o vocábulo qua-lifica, contamina, provoca o destino e suscita o real. Como realidade emble-mática, a fala domina os fenómenos. Não há, em Chinês, por exemplo, ne-nhuma expressão que exprima a ideia geral, abstrata e neutra de “morrer”. Não se pode simplesmente exprimir a ideia de “morrer”, sem qualificar e julgar o que morreu: dependendo da expressão escolhida, teremos disposto do destino do morto, determinado seu destino na outra vida e classificado sua família – a menos que, incapazes de formular um juízo válido, tenhamos desqualificado a nós mesmos, pois a força de um em-blema volta-se contra quem não sabe atribuí-lo bem. Consequentemente, no campo da cria-ção literária, a originalidade de uma obra é menos valorizada do que a re-petição de lugares-comuns, uma vez que a linguagem original, ganhando em precisão, perderia, todavia, em “efi-cácia”. As fórmulas estereotipadas têm, por sua vez, um poder de sugestão in-finito, e podem expressar, por um pro-longamento secreto, os matizes mais requintados – justamente os que seriam inexprimíveis em termos analíticos. As-sim, aqueles poemas do Shijing (o Livro das Odes) que estão escritos na lingua-gem mais proverbial são, seguramente, os que expressam os pensamentos mais subtis. A mesma regra se aplica às obras de todas as épocas e de todos os géne-ros: os poemas mais ricos em expressões consagradas são os mais admirados pelo público. E a prosa erudita conserva esse ideal, preferindo os símbolos que falam

da linguagem. As línguas ocidentais es-tão fundamentadas no verbo ser, e disso decorrem muitos problemas filosóficos: por ter um significado de existência, o verbo ser fornece a “lei de identidade”, que preside a Lógica ocidental. Os ca-racteres chineses, por sua vez, por serem ideográficos, enfatizam os signos, ou símbolos dos objectos. Os chineses se interessam apenas pelas inter-relações entre os diferentes signos, sem se pre-ocuparem com a substância que lhe fica subjacente, daí a consideração relacional ou correlacional. Um bom exemplo é a palavra “Céu”: os chineses se interessam pela vontade do Céu, sem se deterem de maneira especial no próprio Céu, pois, de acordo com o ponto de vista chi-nês, a vontade do Céu é o próprio Céu. Cogitar do Céu sem dar atenção à sua vontade seria, para eles, logicamente in-concebível.. . A coisa e sua vontade são uma entidade só. Não há um primeiro (o Céu), seguido da manifestação de sua vontade. Sendo idênticos (a coisa e sua vontade), os chineses jamais considera-ram o Céu, em si, como uma entidade, de modo que o “Céu” chinês não tem qualquer relação com a substância oci-dental... (CAMPOS, 1977, p. 201-217). Dentre todas as noções chinesas, a ideia de Tao é aquela cuja história é mais di-fícil de estabelecer, tamanha é a incer-teza quanto à cronologia e ao valor dos documentos. Para GRANET (1997), o costume de chamar “taoístas”, ou par-tidários do Tao, aos defensores de uma doutrina considerada muito definida ex-põe ao risco de nos levar a crer que a no-ção de Tao pertence a uma determinada Escola. No entanto, é preciso ligá-la ao âmbito do pensamento comum. O I Ching é a base literária e filosófica de todo o pensamento chinês. Consi-dera-se impossível determinar a data de sua composição, ou mesmo o seu au-tor, embora o lendário Fu Xi seja, nor-malmente, responsabilizado pela obra. Camilo PESSANHA refere-se a ela na conferência sobre “Literatura chinesa” (1915), dando ao seu auditório “uma ideia da antiga concepção chinesa, du-alista, do Universo” (1993, p. 57). Se-gundo GRANET (1997, p. 83), este é um erro comum aos ocidentais: imputar aos chineses a tendência para um dualis-mo substancialista, que estaria figurado nas noções de yin e yang – quando, na verdade, os povos ocidentais são quem “sofrem” de dualismo substancialista (es-pírito x matéria, corpo x espírito, etc.). A filosofia chinesa é dominada pelas no-ções de yin e yang, palavras que expres-sam aspectos antitéticos e concretos do Tempo e do Espaço. Mas, ao invés de forças, substâncias, princípios, yin e yang não passam de emblemas dotados de um poder de evocação realmente total e in-definido. Nenhuma palavra chinesa pode ser qualificada de masculina ou femini-na: inversamente, todas as coisas, todas as ideias são distribuídas entre o yin e o yang. A origem dessas duas noções se en-contra nos primórdios da civilização: re-transformados em lavradores, os homens

com maior autoridade, não importando se eles evocam conceitos claros e distin-tos: o essencial é que sugiram com vigor, e provoquem a adesão. Se os chineses exigem da linguagem uma eficiência tão perfeita, é porque não a separam de um vasto sistema de atitudes que permitem aos homens fi-gurarem, em seus diversos aspectos, a acção civilizadora que pretendem exer-cer sobre todos os domínios, inclusive o Universo. Quando meditam sobre o curso dos acontecimentos, não procu-ram determinar o geral, nem calcular o provável: empenham-se obstinadamen-te em discernir o que é furtivo e singu-lar, visando captar os indícios das muta-ções que afectam o total das aparências – pois só se prendem aos detalhes para se imbuírem do sentimento da Ordem. O maior mérito do pensamento chinês é nunca haver separado o humano e o natural, e ter sempre concebido o hu-mano pensando no social, baseados na crença, extremamente arraigada, de que

o Homem e a Natureza não constituem dois reinos separados, mas uma única sociedade. Em termos gerais, portanto, os chine-ses têm um pensamento mais prático do que os ocidentais, e isso se expressa pela própria constituição de sua língua. Muito esclarecedor, a esse respeito, é o livro de Haroldo de CAMPOS (particu-larmente, os últimos ensaios, dedicados às diferenças linguístico-filosóficas entre a China e a Europa). Diz, por exemplo Chang TUNGSUN: na medida em que o objecto da Lógica está nas regras de raciocínio implícitas na linguagem, a ex-pressão desse raciocínio deve ser impli-citamente influenciada pela estrutura da linguagem, e as diferentes línguas terão formas de lógica mais ou menos diferen-tes. A Lógica aristotélica se fundamenta na gramática grega e se limita por ela: as falácias apontadas por Aristóteles são essencialmente as encontradas na língua grega. A base da Lógica aristotélica está na forma sujeito-predicado da estrutura

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iam activar-se ao sol em pleno campo. As tecelãs, ao contrario, só trabalhavam em lugares escuros. Os dois sexos eram sub-metidos a uma disciplina antitética. Seus domínios eram o interior e o exterior, e são também esses os domínios respecti-vos do yin e do yang, da sombra e da luz. Assim, a oposição dos sexos traduziu--se miticamente por esse par de opos-tos (GRANET, 1997, p. 96-7). Todo o mundo fenoménico é dominado por essa dualidade criativa: com/sem, dentro/fora, positivo/negativo, masculino/feminino, belo/feio, grande/pequeno, etc. Somente aquele que, nos termos de Laozi, atingiu o Tao, (ou, em termos budistas: alcançou o Nirvana) logrou escapar do mundo dos opostos, localizou-se “acima do bem e do mal”. Yin e yang não são, portanto, substâncias, mas aspectos passageiros. O vazio do copo é yin, a substância que se põe ao copo é yang; o estômago é yin, o líquido é yang. Há sempre um activo e um receptivo. Há sempre um sim e um não. Todo o funcionamento de nossos aparelhos electrónicos segue o padrão yin (apagado, ou “0”) e yang (aceso, ou “1”), o que denominamos “sistema biná-rio”. A toda perda segue um ganho (e vi-ce-versa). Quem regula essa alternância, ao final das contas, é o Tao. Seguir o Tao significa ter quando a hora é de ter, e não ter quando a hora exige isso. A maioria dos homens, porém, deseja ter quando a hora ainda não é propícia, e deseja livrar--se quando a hora ainda não chegou. Procuram apressar o Tao, e disso nascem as confusões. Com o poder da técnica, os povos ocidentais acreditaram poder do-mar o Tao à sua vontade. O sábio, porém (o shòng rén, ou Santo, como diria o Tao Te Ching) não tem vontade própria, mas segue a vontade dos Céus (o Tao). Para os antigos chineses, Tao é o símbo-lo da Ordem eficaz, e é, ele próprio, um total eficaz. Rege o ritmo das coisas, e é, ele próprio, o ritmo do Espaço-Tempo. O Tao não cria os seres, pois nada se cria no Mundo, e o Mundo não foi cria-do: o Tao apenas faz com que tudo seja como é. Os soberanos são responsáveis pela Ordem do Mundo, mas não são os seus autores. Quando têm Eficácia, eles conseguem, numa área e durante uma era determinadas – determinadas em função da Autoridade que têm – man-ter uma Ordem de civilização, da qual a Ordem das coisas é solidária. O Tao é apenas a sublimação dessa Eficácia e dessa Ordem. Ele convida a reconhe-cer solidariedades e responsabilidades. Exime-nos de conceber uma Causa, bem como de procurar causas. Principio global de toda a coexistência, ele com-põe um meio neutro, e, por isso mesmo, propicio ao fluxo e refluxo infindáveis das interações espontâneas (GRANET, 1997). O Sábio é solidário ao Tao (soli-dário... muito diferente de dominador.). Essa solidariedade se expressa bem quando começamos a praticar a arte dos bonsais, as pequenas árvores japonesas: é preciso saber a vontade da árvore, e coaduná-la com nossa própria vontade:

nenhuma árvore obedecerá cegamente à vontade do bonsaísta. A maleabilidade e a dureza existem em um e em outro. Entre os dois: o Tao... O taoísmo é a religião que se desenvol-veu a partir da obra de Laozi. Mas, como vimos, a noção de tao é bem mais antiga do que o Tao Te Ching, escrito, provavel-mente, no século VI a. C. Para Lin YU-TANG, os taoístas podem ser comparados aos nossos escritores “românticos”, en-quanto os confucionistas seriam os “clássi-cos”. Semelhante oposição entre clássicos e românticos faz a riqueza da civilização chinesa, unidos os seus opostos taoístas e confucionistas: Confúcio, supostamente um contemporâneo de Lao-tzu, solidifi-cou, para sempre, toda a estrutura social da China. Lao-tzu, por sua vez, deixou uma obra a respeito da libertação do in-divíduo. Ambas as doutrinas, nascidas do mesmo solo (o I Ching), são filosofias complementares. Por essa razão, um chi-nês comum dificilmente se sentirá obriga-do a escolher entre uma ou outra dessas religiões/filosofias. No artigo do professor Inty Scoss MENDOZA, temos claro o quanto o taoísmo representa, para os chi-neses, a culminância de um caminho que só pode ser seguido através de Confúcio:

como se a liberdade tivesse de ser apren-dida através da disciplina, e o deambular vagabundamente só pudesse ser algo efec-tivo depois de se sair do duro exército: Ser confucionista é ser letrado, não como o detentor do poder sobre a letra, mas um ser “letrificado” que colocou à disposição dessa estrutura ideográfica suas possibili-dades de representação do mundo, e que passará muito tempo até perceber os ca-minhos que essa mesma teia gráfica de traços oferecem para sua libertação, para a ruptura poética que “brinca” com as múl-tiplas possibilidades de uma língua cuja escrita está desvinculada da fala. Diríamos que esse seria o momento taoísta da escri-ta chinesa. Os Pais do Taoísmo quase não empre-garam a palavra tao sem aproximá-la da palavra te, um termo que designa a Eficácia quando esta tende a se particu-larizar. De certa maneira, Tao designa o Absoluto de que todas as outras coisas são particularizações (te). Tao Te Ching, então, poderia ser traduzido como: “O livro (clássico) do Espírito e das formas”. Há citações do livro desde o século IV a.C., ora apresentando-o como obra de Lao-tzu, ora como obra de Huangdi, um dos cinco soberanos míticos da China. É

provável que o texto tenha sofrido refor-mulações, ao longo do tempo, até che-gar à forma que hoje conhecemos. Para GRANET (1997, p. 304), além de ser propriamente intraduzível, o livro não apresenta nenhuma sequência, e tem pouca unidade, opinião que nos lembra directamente aquela, dada por Ester de LEMOS, em seu clássico estudo sobre a poesia de Camilo Pessanha, a respeito de a Clepsydra ser “uma colectânea de poemas, incompleta e susceptível de ser aumentada”, um texto que não é abso-lutamente definitivo, nem constitui um todo organizado.Na filosofia taoísta, o papel da tendência mística é igual ao da tendência intelectu-alista. Visto como o principio imanente e neutro de todos os desenvolvimentos li-vres, o Tao (mesmo que seja qualificado, na exaltação da visão extática, de “miste-rioso” e “inefável”) é concebido, antes de mais nada, como um principio de expli-cação racional. Ao intelectualizar a idéia do Tao, e ao insistir nas noções de impes-soalidade e imparcialidade, os Mestres taoístas procuraram interpretar como um principio de explicação racional aquilo que só fora concebido, até o advento de-les, como o principio concreto e total da

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Ordem, ou o meio eficiente das acções mágicas. Tién (o “Celeste”, que se opõe a Rén, “Civilização”) evoca uma ideia que a palavra “natureza” pode transmitir. Na medida em que pareça correcto traduzir “physis” por natureza, esse é também o termo que melhor expressa a noção ta-oista de Tao. Só existem verdades ocasionais, imper-manentes, múltiplas, singulares e con-cretas, ou, em outras palavras: existe apenas uma verdade, abstracta, total e indefinida, que é o Tao: o meio – indi-ferente e neutro, impassível, indetermi-nado e soberanamente autónomo – da totalidade das verdades transitórias, das aparências contrastantes, das mutações espontâneas (GRANET, 1997). Chuang-tzu diz que Liezi, tendo recon-quistado a simplicidade primária, viu seu coração (sua vontade) cristalizado, enquanto seu corpo se dissolvia e seus ossos e sua carne se liquefaziam. Ele não mais sentiu que seu corpo se apoiava ou que seus pés repousavam sobre algo. Foi seguindo ao sabor do vento, para o leste e para o oeste, qual folha ou palha ressequida, sem poder discernir se era o vento que o carregava ou se era ele mes-mo quem carregava o vento. A expressão “palha ressequida, gavela vazia” merece ser guardada, já que, para retratar o santo em êxtase, nunca se deixa de dizer que seu coração é como cinza apagada, e seu corpo, como madeira morta. O que nos lembra “O meu coração desce, / Um ba-lão apagado...”, de Camilo Pessanha. Para designar o êxtase religioso taoís-ta (seja ele, ou não, atingido por meio do vinho ou de outros entorpecentes), é sempre comum usar-se a expressão “deambulações aéreas”: as “viagens”. A respeito das “deambulações aéreas” de Camilo Pessanha, é interessante con-sultar o livro de ilustrações de Carlos MARREIROS (1998), de resto, um livro engraçadíssimo...

À noite, o eremita recita a oração das “Pérolas Floridas”. Uma branca cegonha, então, desce, e revoa ao redor do incenso, escutando.Acabada a noite, findas as rezas, o eremita monta a sua cegonha, E vão-se, ambos, com o vento de outo-no, desaparecendo no infinito. .. Pao Yang, dinastia T´ang (tradução nos-sa, a partir de Marcela de JUAN) 41

O taoísmo é uma espécie de quietismo naturalista. Abandonando o corpo e os membros, banindo a audição e a visão, separando-se de toda aparência corpo-ral e eliminando qualquer ciência, é-se unido Àquele que penetra por toda par-te e que confere ao Universo sua conti-nuidade. Graças à purificação do cora-ção e ao vazio, adere-se ao Tao:

Aproxima-te! Vou dizer-te o que é o Tao supremo! Retiro, retiro, escuridão, escuridão: eis o apogeu do Tao supre-mo! Crepúsculo, crepúsculo, silêncio,

promove sem dominar, e nisso consiste o seu mistério (Richard Wilhelm). O mundo do Tao não é somente o da unidade abstrata, pois nele há varieda-des imanentes (te). No Tao, há “ima-gens”, “coisas”, “sementes”. Certamente essas imagens não são fenômenos es-peciais isolados, mas estão potencial-mente no Tao unitário, e, como energia germinal da realidade, condicionam os fenómenos do nosso mundo. Uma visão primária oriunda das profundezas in-teriores produzirá, por si mesma, essas imagens. São imateriais, sem dimensão, apenas como se fossem imagens fugazes que passam pela superfície de um espe-lho. São elas a semente da realidade. (Richard Wilhelm):

Ó cores virtuais que jazeis subterrâneas,— Fulgurações azuis, vermelhos de he-moptise,Represados clarões, cromáticas vesânias —,No limbo onde esperais a luz que vos baptize, As pálpebras cerrai, ansiosas não veleis. Abortos que pendeis as frontes cor de cidra,Tão graves de cismar, nos bocais dos museus,E escutando o correr da água na clep-sidra,Vagamente sorris, resignados e ateus, Cessai de cogitar, o abismo não sondeis. Gemebundo arrulhar dos sonhos não sonhados,Que toda a noite errais, doces almas pe-nando,E as asas lacerais na aresta dos telhados,E no vento expirais em um queixume brando, Adormecei. Não suspireis. Não respi-reis.

Pessanha parece estar mais próximo do budismo do que do taoísmo, à medida em que observamos o total de sua obra poética. Mas, muitos de seus poemas lembram o Tao Te Ching. O budismo enfatiza a dor, que, para o taoísta, já é um estágio ultrapassado (lembrar que, na “escada espiritual” chinesa, o taoísmo é o último degrau, antecedido, respecti-vamente, pelo budismo e pelo confucio-nismo). A religião de Buda, então, é uma religião de ainda sofredores, que anelam por um estado correspondente ao do ta-oísta: o de “feliz independente do mun-do e da fortuna”. Lembrar, aqui, a famo-sa fotografia de Pessanha, na praia do Leitão, em Macau, tirada em 1921: com seus dois cães de estimação, seu bordão de inválido, magro, sujo e desarrumado, com um sorriso plácido no rosto.. . No poema “Final”, o “eu-lírico” tenta evitar que o que existe como potencial, no interior, transponha o limite, pas-sando a ser algo realizado. Para Gilda

silêncio: não olhes para nada, não ou-ças nada! Mantém cingida tua correcção inata! Conserva a quietude, conserva tua essência: usufruirás a vida longa! Não tenham teus olhos nada para ver! teus ouvidos nada para ouvir! teu coração nada para saber! Tua potência vital con-servará teu corpo, teu corpo gozará da vida longa! Zela por teu interior, fecha--te para o exterior: saber muitas coisas é nocivo... (Chuang-tzu).

O pensamento de Lao-tzu apega-se à ideia, comum no pensamento chinês, como vimos, de que os homens e a na-tureza formam uma só sociedade. O ta-oísmo, portanto, é uma filosofia essen-cialmente rural, ou melhor: contrária à civilização urbana. Os ritos, as leis, as regras de etiqueta, tudo isso de que ne-cessitamos para a organização social da colectividade (urbana) se lhe apresen-tam como um subproduto da natureza; ou, nas palavras de Richard WILHELM: “Quando o comportamento natural e bom entre os homens deixa de ser algo lógico, a moral faz a sua colheita”. Daí o desprezo de Lao-tzu, e dos taoístas em geral, pela cultura, entendida como algo pertencente ao mundo próprio dos ho-

mens, e não à sociedade “universal”. Toda a metafísica do Tao Te Ching ba-seia-se fundamentalmente na intuição, inacessível à fixação rigorosa de noções; Lao-tzu designa a intuição com a pala-vra Tao, apenas para lhe dar um nome aproximado. A filosofia grega antiga se orientava para o exterior, na hora de buscar uma explicação para o mundo, o que torna as suas conclusões sempre unilaterais; para Lao-tzu, no entanto, qualquer princípio resultante da expe-riência externa se tornará antiquado e será desmentido no curso do tempo, já que a essência do mundo não é uma condição estática e mecânica: não se pode afirmar que Sócrates, sendo mor-tal, é homem, pois não sabemos se os homens serão sempre mortais... Toda-via, o que é reconhecido a partir da ex-periência central, permanecerá irrefutá-vel. Lao-tzu não nega abstractamente o mundo; o bem, para si, é um conceito de lternância; “não-ser” é uma noção quali-tativa e significa “ser para si mesmo”. A vida não tem necessidade de aprovação, pois é inteiramente aceita por si mesma: gera, nutre, acrescenta, cultiva, aperfei-çoa, mantém e abriga todos os seres: ela produz sem possuir, actua sem manter,

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SANTOS, “uma vez que o universo se lhe afigura como caos, resta-lhe ansiar pelo refúgio no ‘caos menor’ da pré-exis-tência, do pré-formal” (2007, p. 79). O que nos interessa, é claro, são as coin-cidências entre essas “imagens poten-ciais” do poema “Final” e as “sementes da realidade” que, segundo LAO-TZU, mo-ram na Totalidade (no Tao), esperando, apenas, a “luz” que as “baptise”. Para es-clarecer, ainda, esse ponto, recorremos às seguintes observações, feitas por Jacques HADAMARD e Haroldo de CAMPOS: As palavras ou a linguagem, escritas ou fa-ladas, parecem não desempenhar nenhum papel em meu mecanismo de pensamento. As entidades físicas, que parecem servir de elementos no pensamento, são certos sig-nos e imagens mais ou menos claras, que podem ser “voluntariamente” reproduzidos e combinados... De um ponto de vista psi-cológico, este jogo combinatório afigura--se um traço essencial no pensamento pro-dutivo, antes de que haja qualquer conexão com a construção lógica em palavras ou outras espécies de signos comunicáveis a outrem [...] o pensamento interior, espe-cialmente quando criativo, de bom grado usa outros sistemas de signos, que sejam mais flexíveis, menos padronizados do que a linguagem e deixem mais liberdade, mais dinamismo para o pensamento criativo (Hadamard, apud CAMPOS, 1977, p. 86 e 87, grifos nossos). O cenário do pensamento inventivo pa-rece ser, desde logo, como queria Peirce, o quali-signo, o ícone em estado genuí-no, pura aptidão de similaridade enquan-to mera possibilidade ainda não actuali-zada em um objecto, em nível de primei-ridade, portanto. Peirce chega a conce-ber a “qualidade” ou “talidade” como pura errância, independente do percepto ou da memória, como um mero “poder-ser”, anterior a qualquer corporificação, uma quality of feeling ainda não factualizada em ocorrência (CAMPOS, p. 88).Em outras palavras: o “ícone em estado ge-nuíno”, o “quali-signo”; essa “quality of fe-eling”, que reside no “intelecto”, antes de qualquer corporificação em palavra, e que promove o pensamento inventivo melhor (segundo Hadamard) do que o signo lin-güístico; essa linguagem em potência (em “primeiridade”), não terá TUDO a ver com as “imagens” que, segundo Lao-tzu, pulsam, vibram, subjazem, existem em potência na Totalidade – no Tao.

“InscrIpção” “Inscrição” é o nome que João de Castro Osório deu ao primeiro poema da Clep-sydra, quando preparou a segunda edição do livro de Pessanha (1945). É uma das muitas liberdades que se deu, como editor, e que não nos compete julgar. O nome, de resto, é muito apropriado ao poema:

Eu vi a luz em um país perdido. A minha alma é lânguida e inerme. Oh! Quem pudesse deslizar sem ruído! No chão sumir-se, como faz um verme...

Não sabemos quando Pessanha o teria escrito, mas foi, quase seguramente, an-

tes de 1916, segundo a edição crítica de Paulo FRANCHETTI (1994). O poema ganhou muitas interpretações, princi-palmente por conta do “paiz perdido” que se cita: para muitos, como João de Castro Osório, o poeta se referia a Portugal. Para Gustavo RUBIM, o “paiz perdido” seria “o país sem nome nem território, verdadeira ficção de lugar, que é o lugar inabitável da ficção poéti-ca” (1993a, p. 99). E, para outros, como Álvaro Cardoso Gomes, ele é, antes de mais nada, “a luminosidade primordial não existente neste mundo”. Paraíso é a perfeição – o modelo original do qual todas as coisas não são mais que cópias. O paraíso é o arquétipo dessa cria-ção imperfeita, a Ideia inerente a todas as formas palpáveis e perecíveis. Cada artista guarda o paraíso de memória. A sua incu-rável nostalgia pela ideia oculta em cada coisa é maldição inata, a sua aflição per-manente e também a fonte do seu génio, coração e vida da sua visão. Onde espera-rá encontrar o seu Paraíso Perdido, a sua Ideia, a sua perfeição? Nunca na realidade, evidentemente. A realidade é impura e de-formada. Só o reflexo de sua nostalgia, só as imagens do seu sonho contêm a lem-brança do puro Éden, o Jardim das Ideias. A realidade é irreal. Só o símbolo possui realidade” (MANN, 1944, p. 70). Gil de CARVALHO (1996, p. 202), em recensão ao livro de Stephen Reckert, alude à possibilidade de a “Inscrição” ser aparentada a uma forma chinesa de poe-sia, o jüeh-ju, devido ao fato de ser uma quadra. “Não teria algo de rubai e de

quadra tonal”, pergunta. A possibilidade deve ser levantada, é claro, mas, um exa-me acurado pode desmentir a impres-são: en el cuarteto [jüeh-jü], una o varias parejas de versos se deben construir en paralelo, es decir, que a cada carácter de un determinado verso debe correspon-der, en el mismo lugar del otro verso, un carácter con la misma función gramati-cal y perteneciente si es posible a una misma serie de palabras (JUAN, 1973, p. 28). O poema de Pessanha não segue esses preceitos, é o que achamos. O que nos interessa, porém, não é, nem o “paiz per-dido”, nem a construção poemática apa-rentada, ou não, à chinesa. O que nos interessa é o “no chão sumir-se”... Camilo Pessanha expressa uma tendência co-mum à sua época: a recusa em participar de um mundo descaracterizado, feito de fragmentos, ou marcado por incertezas, que a instabilidade dos sistemas filosófi-cos acabaria por instituir. A viagem para a Morte, que supõe um renascimento e consequente encontro do poeta consigo mesmo, pode, num certo sentido, ex-plicitar a integração do homem com o mundo, através das forças cósmicas. Em suma, frente à crise, Camilo Pessanha opta por um colectivo arcaico, primitivo, quando o ser comunga com as forças ele-mentares da Natureza, reconhecendo-se parte de um todo e, não somente, o in-divíduo produtor e gerador de conflitos (GOMES, 1978, p. 9). Álvaro Cardoso Gomes está comen-tando o soneto intitulado (por João de Castro Osório) “Roteiro da Vida”. Mas a observação serve, não apenas também para a “Inscrição”, senão para toda a po-ética de Camilo Pessanha. Nossa per-gunta é: o desejo de morte, expresso nos poemas, é, de fato, desejo de morte, ou apenas desejo de encasular-se?

Porque o melhor, enfim,É não ouvir nem ver...Passarem sobre mimE nada me doer! — Sorrindo interiormente,Co’as pálpebras cerradas,Às águas da torrenteJá tão longe passadas. — Rixas, tumultos, lutas,Não me fazerem dano...Alheio às vãs labutas,Às estações do ano. Passar o estio, o outono,A poda, a cava, e a redra,E eu dormindo um sonoDebaixo duma pedra. Melhor até se o acasoO leito me reservaNo prado extenso e rasoApenas sob a erva Que Abril copioso ensope...E, esvelto, a intervalosFustigue-me o galopeDe bandos de cavalos.

 Ou no serrano mato,A brigas tão propício,Onde o viver ingratoDispõe ao sacrifício Das vidas, mortes durasRuam pelas quebradas,Com choques de armadurasE tinidos de espadas... Ou sob o piso, até,Infame e vil da rua,Onde a torva raléIrrompe, tumultua,Se estorce, vocifera,Selvagem nos conflitos,Com ímpetos de feraNos olhos, saltos, gritos... Roubos, assassinatos!Horas jamais tranquilas,Em brutos pugilatosFracturam-se as maxilas... E eu sob a terra firme,Compacta, recalcada,Muito quietinho. A rir-meDe não me doer nada.

Para Lin YUTANG, o Ocidente com-preende pouco a tranquilidade. Ou, quer compreendê-la pouco: Em geral, a esta-ção do Outono significa simplicidade, madureza e conservação; em contraste com o verão luxuriante, o cenário outo-nal indica o fino e frágil da atmosfera, e a frescura penetrante, mas vivificante, do vento de Outono. Aqui a imagem de uma lua e de um lago desempenha importan-te papel. Presume-se que no Outono já se deixou atrás a exuberância do verão e se começou a amar a simplicidade e a paz. Como o lavrador, já não se traba-lha a terra nem corre pelos campos, sob o sol ardente, mas começa-se a colher e a contar o que foi colhido. Ah, se pudésse-mos aprender a viver em harmonia com o ritmo da natureza! Mas não o fazemos. Queremos correr sempre sob o sol arden-te. (YUTANG, 1949, p. 395) Se pensarmos que a época de Camilo Pessanha foi de apogeu (portanto, tam-bém de declínio) do chamado “pensa-mento positivista” (cujo nome, por si só, já enfatiza o lado enérgico, luminoso, actuante, ou yang, da vivência humana), então o seu desejo de estar sob a “terra compacta” pode significar somente um contra-exagero (o exagero de um desejo de tranquilidade, em face de um exagero em prol da actividade). Lembramo-nos, mais uma vez, do ensaio de Óscar LOPES (“O quebrar dos espe-lhos”, 1970), onde se encontra a opinião de que Pessanha foi um poeta corajoso, ao expor sua desistência diante de um mundo que vivia em prol da acção. A respeito desse querer “estar sob a erva”, muito frequente na poesia de Pessanha, diz Carlos MORAIS JOSÉ: “Eis, portan-to, a condição necessária à metamorfose no reino da Natureza, de certo modo re-tomada na tradição tauísta [sic] que ape-la à transformação do homem no Feto Imortal” (1991, p. 40). O ensaísta se re-

O desejo de serenidade, de estar “junto à Mãe” (Tao Te Ching, Capítulo 20). Isso é muito diferente de morrer: isso é morrer para o mundo, morrer para o mundo da actividade, da busca frenética da satisfação dos desejos, da procura desenfreada do enriquecimento ou do divertimento. Esse morrer, em última instância, é viver realmente. Camilo Pessanha queria viver.

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feria, não à poesia, mas ao modo de vida de Pessanha, em Macau: sua casa, seu quarto, seu “casulo”. Daí a nos perguntar-mos: a terra, onde, poeticamente, procu-ra “inumar-se”, “sumir-se”, “subervar-se”: será, tudo isso, mais do que desejo de morte, desejo de alar-se, colorir-se..? Em seu capítulo 10 (ou Seção 10), o Tao Te Ching nos dá a seguinte ques-tão: “Serás capaz de, com a tua clareza e pureza interior, penetrar em tudo sem precisar de acção?” Camilo Pessanha, num dos pólos do seu sentimento poético, deseja a acção, a contenda, o desfraldar de bandeiras, a vinda de seios frementes, a vinda daque-la que vem dentre as folhagens, o bei-jo ardente; mas, em outro pólo, deseja (não-desejando) o desaparecimento, a falta de acção, o aquietar-se infinita-mente. Pessanha vivia uma existência (poética) (bi) polar. Entre a acção e a conquista, entre desistir e sumir-se, não podia compreender (poeticamente) que: Tudo na terra está sujeito à mutação. À prosperidade segue-se decadência. Esta é a eterna lei da terra. O mal pode ser con-trolado, mas não permanentemente eli-minado. Sempre voltará. Esta convicção poderia provocar melancolia, porém isso não deve acontecer. Ela deve servir, ape-nas, para que o homem não se deixe iludir quando a boa fortuna chega. Se permane-cer atento ao perigo, poderá prosseguir com perseverança e sem cometer erros. Enquanto a natureza interior do homem permanecer mais forte e mais rica que a fortuna externa, enquanto ele permanecer interiormente superior à sua sorte, a felici-dade não o abandonará (I CHING). Este comentário de Richard Wilhelm à terceira linha do hexagrama 11 (A Paz), do I Ching, tem o mesmo sentido do he-xagrama 32 (Duração): entre a perda e o ganho, entre a acção e a inacção, entre o ser e o não-ser, o homem “superior” mantém-se constantemente alheio à sua sorte, não participando do entusiasmo do “ir”, nem da falência pressuposta no “não-ir”. Como o “meio-termo” era algo desvalorizado, ou mesmo “desconheci-do”, em sua época, não é de se estranhar que Pessanha expressasse uma sentimen-talidade bipolar.

Todas as coisas, por mais diversas que sejam, retornam à sua raiz. Retornar à raiz significa serenidade. Serenidade significa voltar ao destino. Voltar ao destino significa eternidade.

O trecho do capítulo 16 do Tao Te Ching lembra-nos a poética de Pessanha no que ela tem desse desejo de “voltar à raiz”. O desejo de serenidade, de estar “junto à Mãe” (Tao Te Ching, Capítu-lo 20). Isso é muito diferente de mor-rer: isso é morrer para o mundo, morrer para o mundo da actividade, da busca frenética da satisfação dos desejos, da procura desenfreada do enriquecimento ou do divertimento. Esse morrer, em úl-tima instância, é viver realmente. Cami-lo Pessanha queria viver.

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Carlos Morais José

As relAções entre homens e animais sempre perturbaram os primeiros, enquan-to os segundos, demonstrando uma supe-rior compreensão do mundo se dedicam basicamente à ignorância da espécie huma-na ou se encontram submetidos e transfor-mados pelo desastre da domesticação. Cla-ro que para os homens os animais habitam um universo à parte e faz parte da nossa identidade distinguirmo-nos das bestas. “Animal racional”, na famosa definição de Aristóteles. Mas não apenas racional, vie-ram a dizer os sucessores do enciclopédi-co grego. Sobretudo animal cultural, isto é, capaz de transmitir saberes e modos de fazer de tal modo que estes se autonomi-zam dos indivíduos e constituem estruturas quase atemporais como as línguas, o paren-tesco ou certas formas religiosas. Animais de um lado, humanos do outro, assim se queriam os homens desde que destruíram as subtis conexões do totemismo.Isto até ao século XVIII e à emergência do naturalismo e da ciência. “Se queres conhecer o teu corpo, abre um porco”, e nunca este di-tado da sabedoria popular terá sido tão apli-cado como nesse período, vindo a atingir o seu cume com a blasfémia darwiniana. Con-tudo, já antes de Darwin o famoso biólogo e naturalista classificador Georges-Louis Buffon sussurrava, baixinho para escapar aos rigores das prisões eclesiásticas, que “se não existis-sem os animais, a natureza humana seria ainda mais incompreensível”. E com esta subtileza se safou aos interrogatórios dos ressentidos e vigilantes homens de saiote. Daí para cá foi um ver se te avias. A come-çar pelo génio Darwin que, para além do famoso ensaio sobre a selecção natural e da colocação do símio como antepassado do Homem, atreveu-se a escrever um livro na sua época votado a algum recolhimento so-bre a expressão das emoções nos homens e nos animais. Fundava assim a moderna eto-logia, ciência que estuda o comportamento animal, incluindo a bicharada que calcor-reia este mundo vestida de calças, de saias ou de djellaba. O século XX assistiu a um grande desenvolvimento deste saber, tam-bém na medida em que existiu uma filiação quase contranatura com a extrema-direita europeia e americana. Porquê? Se quiserem saber perguntem, que isso será assunto para outro lugar. Como pista, sugiro a compara-ção das teorias evolucionistas de Darwin e de Lamarck. O seu cume é atingido já nos anos 70 com Edward Wilson, um sociobi-ólogo fascinado com as formigas e outra bicharada cujas sociedades são extrema-mente ordeiras, disciplinadas e, sobretudo, hierarquizadas. Enfim, umas bestas... sem ofensa aos bichinhos.Pessoalmente, gosto muito de etologia porque se trata de uma ciência muito útil na vida prática, no nosso explanar de to-dos os dias. Ensinou-me, por exemplo, a distinguir as poses de ataque nos machos e de interesse manifesto nas fêmeas. A assu-mir posturas de dissuasão quando me sinto confrontado por algum animal mais agres-sivo. Entre muitas outras coisas, também por me ter permitido uma colorida análise da Assembleia da República.Como sabem todos os que me conhecem, detesto os bichos edipianizados, ou seja,

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Caravaggio, Abraão e Isaque

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A gAlinhA e A mulher encerrados no pesadelo de um lar. É que os humanos, como se não bastassem as torturas psicológicas que infligem uns aos outros, ainda ousam fechar em casa o mais diverso tipo de bicharada impondo-lhes o seu salivante afecto. A humanização dos bichos aflige-me, horroriza-me, parece-me uma das mais vis formas de despotismo. Muitos deles vítimas silenciosas e indefesas de uma série inenarrável de abusos, até se-xuais, sendo a versão mais normal o exercí-cio ainda que contemporizado do sadismo. É claro que se a gente fosse mais saborosa de comer a bicharada também não perdoa-ria como bem o provam os repugnantes in-sectos que estupidamente se deleitam com o nosso sangue vermelho e quente no ve-rão quando, numa inequívoca manifestação de bom gosto, o deviam fazer no inverno.Mas, apesar de todo este relambório que aqui vos deixo, a verdade é que muitos ani-mais apontam o dedo à Humanidade, na medida em que assumem comportamentos dignos de uma Madre Teresa de Calcutá. Se o fazem por instinto, por amor ou por outra razão qualquer isso não interessa – o conceito de instinto mostra-se, aliás, cada vez mais desajustado porque demasiado abrangente. A verdade é que os casos de al-truísmo animal têm fascinado os cientistas. Não vou maçar o meu hominídeo leitor (é favor pararem por um momento de se coça-rem) com detalhes so-bre o comportamento dos seus primos em geral. Vou, pelo con-trário, contar-vos a estranha coincidência que inspira este texto.Assisti na televisão a uma bizarra, apesar de normalíssima, re-portagem sobre cria-dores de galinhas, desde que os conservam os bichos em aviários até aos que criam as chamadas aves felizes. Enfim, uma seca das antigas... se exceptuarmos as incríveis parecenças que estas famílias, ao longo de gerações, desenvolvem com os galináce-os. E estava eu naquela modorra de estar acordado sem vontade, suinamente espar-ramado e a deixar as galinhas e seus donos entrarem-me pela casa dentro, quando o autor da reportagem se lembrou de fechar com chave de ouro. Contou pois um caso de uma galinha japonesa nos Estados Uni-dos da América, portanto emigrante. Para tornar uma longa história curta e sem lágri-mas, dir-vos-ei desde já que a bicha queria à força ser mãe e que por fim lá conseguiu, após muitos percalços e vários tipos de in-seminações. Depois, já mãe feita, lá andava com os pintainhos atrás dela, com o seu contínuo e irritante cacarejar. Adiante. Ele há um belo dia – o sol iluminava impeni-tente a pradaria – quando, para mui espan-to do patrão da dita quinta, os galináceos todos procuraram abrigo como se do fim do mundo se tratasse. E tratava: era um fal-cão que pairava sobre eles na ânsia benfa-zeja de se alimentar e livrar a terra de um estúpido. Será assim? O que pensa o caro leitor sobre estes seus parentes de penas? Não interessa. Mas oiça isto. Os pintai-

nhos da japonesa não deram pelo falcão e continuavam a sua obsessiva tarefa de de-bicar, um vício comum às galinhas e certas senhoras às compras. Foi quando a mãe, arriscando as próprias penas, atravessou o terreiro e os protegeu sobre as asas, tentan-do levá-los assim até a um sítio protegido. Ora para o falcão era uma espécie de ouro sobre azul, uma galinha assim tão visível, de branco ataviada e asame aberto. E zás. Japonesa presa nas garras e bico já a sabo-rear-lhe as penas do pescoço. Quem não conseguia fechar a larga boca era o dono, surpreendido pela abnegação da sua japo-nesa, capaz de sacrificar a própria vida para salvar os filhos. Temendo o pior, lá correu para o local onde o falcão se principiava a deleitar com a sua nipónica presa. Esta não tugia nem mugia ou sequer cacarejava. Só que com a aproximação do humano, a ave de rapina resolveu ir rapinar para outra fre-guesia, deixando a presa imóvel no solo. O homem examinou a galinha com poucas es-peranças. Mas o bicho estava vivo, parece que devido à espessura das suas japonesas plumas, que lhe serviram de protecção. Se-guiu-se um bom bocado de filosofia barata sobre a inteligência, abnegação e altruísmo da galinha que assim se expunha para salvar a sua prole. Tudo isto não teria a menor importância se

a seguir eu, já a sentir nas narinas um insu-portável fedor a tanta filosofia e galinhas, não tivesse mudado de canal para cair na inefável CNN. Onde, de repente, surgiu um interesse inusitado pelo Hamas, cujos membros dizem viver a partir dos ditames de um livro escrito

por volta do século VII da nossa era. Parece que ganharam as eleições na Palestina, onde lutam pela terra contra uns que seguem os ditames de outro livro. Enfim, o costume. Só que agora as reportagens são ao interior do Hamas e esta, concretamente, apresentava--nos a chamada “Mãe dos Mártires”. Trata-se de uma senhora nos seus 60 anos cuja carac-terística principal foi ter enviado para a mor-te os seus três filhos, a quem transformou em bombistas suicidas. E dizia ela: “Gostava de ter cem filhos para os enviar a todos”. Estranho, não é? Enquanto a galinha ja-ponesa sacrifica a vida para salvar os fi-lhos, a mulher palestiniana compraz-se em mandá-los para a morte. Ela explica: o mais importante é a Palestina e o Islão, não a minha família. Abraão, um senhor que é suposto ter fundado a religião hebraica também estava disposto a sacrificar o filho ao seu Deus. Resta dizer que a senhora é altamente respeitada, aplaudida e acarinha-da. Abraão também.Afinal, os humanos são mesmo diferentes dos animais: uns cultivam a vida e são capazes de morrer por ela, os outros cultivam a morte para garantir a continuidade de valores como Pátria, Religião, etc.. Isto é que é ser humano. Buffon tinha, afinal, pouca razão.Se me dão licença, acho que vou subir a uma montanha. Daquelas. E vocês, querem vir?

“Se não existissem os animais, a natureza humana seria ainda mais incompreensível”.Georges-Louis Buffon

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Pedro Lystmanna revolta do emir

Numa altura em que o bar do décimo sexto andar do Hotel Star World, parece estar condenado a uma infeliz redução, co-meça a ser cada vez mais difícil encontrar um lugar em que se possa ler com conforto.

Esta falta aparece um pouco (mas de modo nenhum suficientemente) suprida pela existência de dois ou três lounges de lo-bby muito decentes. Um deles é o do lobby do Hotel Banyan Tree. Outro o de um dos poucos hotéis menos maus do território: o Mandarin, um dos raros que escapou à fú-ria provinciana que preside à construção da maioria das novas estalagens de Macau. No seu lobby encontram-se reunidas condições suficientes de serviço, bem estar e bom gos-to para sustentar a leitura.

O livro que naquele se desfruta debruça--se sobre um fenómeno de modo nenhum recente, mas cada vez mais divertido, no hábito imobiliário chinês – o da cópia de bairros, partes de cidades ou monumentos ocidentais onde a classe média estaciona o seu desejo de pertença a um mundo supos-tamente melhor e certamente diferente.

O livro em causa é de 2013 e chama-se Original Copies. Architectural Mimicry in Contem-porary China. A sua autora é Bianca Bosker. A sua leitura ajuda a questionar não apenas a altiva derrisão que sobre esta prática gos-tamos de estender (que é acompanhada de uma crítica pela intelectualidade chinesa) mas ajuda também a reflectir, ao som de um Pu Erh ou de um copo de Sauvignon Blanc, sobre a relação que o Ocidente mantém, em termos de arquitectura mas não só, com a ideia de originalidade e de cópia.

A oferta de comida e bebida é, neste lu-gar sossegado, não muito extensa mas mais do que suficiente e diversificada para entre-ter desejos não muito extravagantes.

Têm sido ao longo dos últimos anos no-tícia a construção de cidades-cópia, mas o livro de Bosker revela-nos um número es-pantoso delas, réplicas de Dorchester, da Torre Eiffel e dos Campos Elíseos, da Casa Branca, Veneza, Versailles, Amesterdão, Londres, Madrid, Nova Iorque, etc.

Não devem confundir-se estas constru-ções com parques temáticos ou turísticos, como os de Macau - mesmo que por ve-zes preencham esse desígnio por parte de não residentes - mas como complexos de habitação permanente, completos com in-fraestruturas de restauração e de lazeres de aspecto ocidental, sinalização em línguas ocidentais, monumentos (estátuas de Chur-chill), introdução do costume de celebração de festivais de matriz europeia e até aulas de etiqueta.

As novas classes média e alta parecem insistir em pensar que para fazer parte do primeiro mundo é preciso viver num par-que temático. O filme The World, de Jia Zhengke, que já tem quase 10 anos, ajuda a perceber até onde esta aspiração leva as

Cópias Originais

pessoas. Os números são impressionantes, do ritmo de urbanização à quantidade de cimento necessária para garantir todo este aparato rococó ou art nouveau, mas talvez mais impressionante é o aborrecimento que se desprende deste desejo de transporte so-cial.

Divertido parece ser só a indignação mostrada por parte de alguns nacionais perante esta incondicional aceitação, por parte da nova classe habitante da suburbia, do estilo estrangeiro. Bosker não deixa de referir, mais para o fim do livro, que uma possível alteração na relação entre a China e o Ocidente pode vir a alterar a apetência para este tipo de bairros.

Para Alex Chu, da empresa Enclave, esta tendência é “pateta” e “desinspirada”, para K.M.Tan, da KUU Architects, “atrasada”, “inautêntica” e “insegura”.

Quem vive nestes complexos discordará e vê-los-á, certamente, como lanças de pro-gresso, ultra-modernistas e plenas de pres-tígio. Este constitui um primeiro nível de apreciação mas para chegar a ele não seria necessário o livro de Bosker. Será este infi-nitamente mais interessante, para perceber que, para lá desta aspiração básica de ascen-são, esta escolha esconde um auto-elogio à capacidade tecnológica e à nova riqueza do país, um modo de sublinhar a supremacia chinesa: evidenciam uma intenção naciona-lista – a capacidade de igualar e ultrapassar o Ocidente enquanto se afirma como po-tência mundial. Conseguir fazer uma cópia perfeita equivale ao controlo do mundo. A posse da cópia, assim como antigamente de uma miniatura, confere um poder sobre o original. É um processo semelhante ao da antropofagia entendida enquanto exercício de domínio ou de integração das qualidades do ser engolido.

Em muitos países ocidentais constrói-se e construiu-se em imitação mas esta deu-se

no interior do mesmo complexo cultural. O que é novo na simulacra chinesa é a apropria-ção de modelos de uma cultura tão distinta.

No Ocidente a cópia é vista não só como um sinal de inferioridade criativa mas também como um exercício de onde não se exclui a desonestidade. Enquanto na China a originalidade também tem um valor ele-vado, uma cópia de qualidade é vista como uma proeza tecnológica e cultural superior (distinguem-se dois termos, fangzhipin e fu-zhipin, este último referência a uma cópia de elevada qualidade passível de honra de museu), ao mesmo tempo que uma imagem replicada pode adquirir um valor idêntico ao da imagem original.

Zong Bing, pintor e académico do sécu-lo V, refere esta mesma posição ao debru-çar-se sobre a construção de jardins. Um bom simulacro (este o termo mais usado ao longo do livro), um que consiga capturar a essência do original, investe-se de uma força vital, de um qi, que tem o poder de substituir o original. A uma perspectiva lo-cal estas cópias de cidades podem parecer tão autênticas, uma vez portadoras do seu qi, como as originais.

A manipulação que o simulacro permitia era uma imagem do domínio do original e conferia poderes quase sobrenaturais e uma incontornável legitimidade ao poder do imperador. Quando o imperador perde a exclusividade de possuir certo tipo de simu-lacros, estes funcionam igualmente como imagem de um estatuto social elevado por parte daqueles a quem é permitida esta nova liberdade, diz Bosker.

Poder-se-á pensar que algumas destas aspirações estão na base do desejo turístico de vir a Macau experimentar, por exemplo, uma cópia sino-americana de uma cópia americana de uma cidade da Europa - Ve-neza. Nesta experiência poderá estar, mais ou menos subliminarmente, um desejo de

poder e domínio. Se os lugares copiados são ocidentais, o poderoso desígnio que informa o desejo da cópia e da sua vivência tornar-se-á menos admirativa e subservien-te em detrimento de um desejo de afirma-ção e domínio.

Por outro lado, uma vez que muitas des-tas cópias não são feitas com muita exac-tidão mas de modo a representar aquilo que os copistas seleccionam, este processo oferece-nos pistas para perceber como a China vê o outro e o que dele deseja copiar ou adaptar ou, por outro lado, o que dele rejeita.

Será este fenómeno um dos resultados da globalização? De um desejo de ostenta-ção? Ou de algo mais profundo? Decerto um desejo não escondido ou envergonha-do de aprender copiando ideias considera-das mais avançadas. Ou mostrará uma crise de identidade e criatividade pós-Mao, uma era em que pensar a cidade não só não era uma actividade intelectual bem recebida como prevalecia uma cultura de forçada humildade? Talvez um pouco de tudo isto.

O que causa perplexidade é verificar que os modelos copiados não são os que exibem uma orientação moderna ou de vanguarda (a partir dos quais se poderiam retirar mais ensinamentos) mas estilos anti-quados, pseudo-aristocráticos, “imperiais”, e, aos olhos ocidentais, declaradamente kitsch. Mais do que a cópia em si, a derrisão ocidental derivará da escolha do tipo de modelos copiados

Este movimento demonstra, sobretudo, uma grande desorientação no tipo de mo-delos a seguir em termos de arquitectura e de usufruto do lazer, este último uma pre-ocupação anátema ainda há relativamente pouco tempo. Fica-se com a impressão, além disso, de que todo neste processo po-derá estar ainda no seu início.

Porque não construir em estilos chine-ses? Provavelmente porque não existe um modelo nacional para a construção de re-sidências para uma classe alta e uma classe média razoavelmente abastada - que não existem há muitas décadas. A par desta falta não existe igualmente, passada a árida moda soviética, um tipo chinês para a cons-trução de edifícios oficiais. A severidade deste estilo comunista internacional parece ser exactamente aquilo a que os construc-tores chineses tentam fugir.

Que se tenham refugiado neste tipo de pastiches pode trazer consequências pro-fundas mas pode também, afinal, não pas-sar de uma moda que a população rápida e eficazmente rejeitará se dela não retirar os proveitos desejados. Mesmo no final do livro a sua autora chama a atenção para a tendência, ainda tímida, de encontrar um vocabulário mais próximo de estilos indí-genas ou internacional para acolher parte da população mais abastada.

t e r c e i r o o u v i d o

Wilson Tsang é de Hong Kong, Bernardo Devlin é de Portugal. Até terem sido convida-dos para colaborarem num tema do primeiro volume da compilação “T(h)ree”, que juntou músicos de Portugal, Macau e Hong Kong, nenhum tinha ouvido falar do outro. Amanhã, aqui em Macau, na praça que conhecemos como a “praça do Sintra”, num pré-evento do festival literário “Rota das Letras”, os dois so-bem ao palco para interpretar, além originais dos respectivos discos, também o belíssimo “Sea of Amnesia” que resultou do trabalho que fizeram juntos.

Apesar de serem de lados opostos do mes-mo mundo, e ainda que movendo-se em sono-ridades distintas, Wilson e Bernardo estão em sintonia sobre diversas coisas, incluindo a im-portância do intercâmbio que projectos como o “T(h)ree” promovem.

Da participação no disco que juntou, ain-da, os portugueses A Naifa com Winnie Lau, de Hong Kong, ou o português Kubik com os Evade, de Macau, entre outros pares imprová-veis, Wilson Tsang diz que foi “uma oportu-nidade preciosa, bem como uma plataforma aberta que me permitiu estudar e explorar as possibilidades da música de vários géneros e diferentes contextos culturais. Foi também um desafio trabalhar com alguém que não conhe-cia e que, de certa forma, me fez sentir mais ligado à cultura portuguesa, apesar de já ter viajado muitas vezes até Macau”.

Noutra troca de “e-mails”, Bernardo Devlin corrobora: “Parece-me ser do maior relevo que num mundo globalizado, muitas vezes com in-tuitos comerciais e corporativos, as portas glo-bais também se abram para um conhecimento mais profundo entre as pessoas, e o campo ar-tístico é um bom veículo a esse nível.”

A Macau, Devlin traz na bagagem o álbum “Sic Transit”, editado no ano passado, mas pro-mete, na sua actuação a solo, “apresentar músi-cas que foram feitas a pensar no meu próximo álbum, ‘Chroma Key’”, mesmo que ainda não tenha decidido “se irão constar de facto, ou não”, do disco.

A música de Bernardo Devlin assenta na sua voz cavernosa que faz lembrar Peter Murphy e uma série de outros românticos de outros tempos. Entre o canto e a declamação, a inti-midade e a pose, temos drama, negrume, mas em diferentes tonalidades que não descuram, por vezes, um ar displicente ou levemente hu-morístico.

Wilson Tsang é um artista que privilegia a experimentação. Na sua música, as diferentes linguagens são todas meios para um mesmo fim. Do piano à electrónica, do rock ao jazz, o músico de Hong Kong parte para criar am-

próximo oriente Hugo Pinto

bientes que podem ser descritos como suges-tivos de filmes que estão por realizar.

No concerto de Macau, Wilson vai apre-sentar temas com os novos membros da sua banda, e apostar na improvisação.

Do encontro que acontecer, tanto Wilson Tsang como BErnardo Devlin esperam que possa vir a servir de pretexto para novas co-laborações. “Certamente que espero trabalhar com o Bernardo outra vez”, confessa Wilson, que vê na música do português “muitos ele-mentos que me inspiram, como o negrume e o mistério, e a teatralidade com que aborda a música. Espero que possamos estabelecer uma linguagem comum e que a partir daí possamos

explorar e desenvolver algo juntos ao longo dos próximos dias.”

Bernardo Devlin é mais sintético, mas nem por isso menos expressivo: “Estou certo que isso vai ser abordado nestes próximos dias. Da minha parte, com o maior prazer.”

Adivinham-se capítulos a não perder. O próximo, é amanhã.

Wilson Tsang & Bernardo Devlin “T(h)ree” Praça da Amizade (Praça do Hotel Sintra)Pré-evento do festival literário “Rota das Letras”19 Horas

Encontro Em macau

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perspectivas Jorge rodrigues simão

c i d a d e s i n v i s í v e i s

O empregO mOtOr dO desenvOlvimentO

O relatóriO sobre os avanços con-seguidos relativamente aos “Objectivos de Desenvolvimento do Milénio (ODM)”, publicado em 2 de Julho de 2012, pelo “Programa das Nações Unidas para o Desenvolvimento (PNUD)”, aponta que determinadas metas foram atingidas, com três anos de antecedência, em geral, em relação à data prevista de 2015. A pobre-za extrema estava a diminuir em todas as regiões do mundo, e pela primeira vez começavam a ser analisadas e estudadas as tendências da pobreza, quer quanto à quantidade de pessoas que vivem na ex-trema pobreza, quer quanto à descida da taxa de pobreza em todas as regiões em desenvolvimento, incluindo a África Sub-saariana, que apresentava as taxas mais altas.

A proporção de pessoas que vive com menos de 1,25 dólares por dia, diminuiu dos 47 por cento, em 1990, para 24 por cento em 2008, o que significa, que nesse período, os mais de dois mil milhões de pessoas que viviam em extrema pobreza, diminuíram para 1,4 mil milhões de pes-soas. O objectivo de reduzir a extrema pobreza, era atingido, visto que avaliações realizadas indicam que a taxa de pobreza das pessoas que vivem com 1,25 dólares por dia, em 2010, diminuiu para menos de metade em relação à taxa de 1990.

Se esse resultado se viesse a confir-mar, que não é o caso, a primeira meta dos “ODM” de reduzir a taxa de pobreza extrema a metade do nível de 1990, teria sido atingida à escala mundial, com cinco anos de antecedência, em relação à meta proposta de 2015, sem embargo de cerca de mil milhões de pessoas, continuarem a viver com um rendimento inferior a 1,25 dólares por dia, bem como mães a morrer durante o parto, e crianças com idade in-ferior a cinco anos de idade, a sofrer e a morrer de doenças preveníveis.

Os dados constantes do relatório e en-carados com grande optimismo têm de ser ajustados, dado não ter em total conside-ração, as consequências graves, derivadas de uma conjuntura económica e financei-ra dominada pela crise; com a economia

“The quality and the availability of work dramatically affect the future of our daily lives. While unemployment lines are lengthening in the United States and around the globe, the number of people who lack work is far exceeded by the hundreds of millions who are employed but lack basic decent working conditions. Forced labor captures, the lives of more tan twelve million adults worldwide, and tens of millions more work under sweatshop conditions “voluntarily” because they have no other way to survive.”Raising the Global Floor: Dismantling the Myth That We

Can’t Afford Good Working Conditions for EveryoneJody Heymann and Alison Earle

mundial estagnada e os países desenvol-vidos em recessão, enfrentando as suas economias graves dificuldades, quanto às perspectivas de crescimento.

É uma realidade que a economia mun-dial sofreu uma contracção em 2009, como resultado da crise financeira e eco-nómica global. O impacto da crise foi sentido de formas muito diversas em todo o mundo. O ano de 2009, para o grupo de países mais desenvolvidos, passou a ser tido como o ano da “Grande Recessão”, a cri-se económica mais grave desde a “Grande Depressão” da década de 1930.

A recuperação em 2010, foi mais forte do que inicialmente estava previsto, no entanto, a crise da dívida soberana e as várias medidas de austeridade que a acom-panharam, levaram a uma desaceleração significativa do crescimento subsequen-te, especialmente na Europa. O grupo de países emergentes e em desenvolvimento, pelo contrário, evitou uma recessão ge-neralizada, e conseguiu manter taxas de crescimento superiores às dos países de-senvolvidos, desde o ano 2000.

O impacto da crise financeira e eco-nómica mundial nos mercados de traba-lho tem sido analisado sob o prisma da taxa de desemprego, especialmente nas economias desenvolvidas. A prolongada recessão nos países industrializados e os impactos negativos no desenvolvimento e nas economias emergentes, mantiveram a produção mundial, em baixa, em 2012, segundo o relatório publicado a 15 de Fevereiro, pela “Organização Industrial de Desenvolvimento das Nações Unidas (UNIDO)”.

A produção mundial cresceu cerca de 2,2 por cento em 2012, muito inferior ao previsto de 3,1 por cento. A crise econó-mica mundial que teve o início em 2009, obrigou a enormes cortes no sector indus-trial dos países industrializados e diminuiu a produtividade do trabalho. O “Relatório Global sobre os Salários 2012/13”, publi-cado recentemente, pela “Organização Internacional do Trabalho (OIT)”, afirma que a crise global teve repercussões nega-tivas importantes sobre os mercados de trabalho, em muitas regiões do mundo, e a retoma afigura-se incerta e indefinível.

O desemprego subiu de menos de 6 por cento para mais de 8 por cento da po-pulação activa, com dois dígitos na Gré-cia, Irlanda, Portugal e Espanha. As taxas de desemprego nos países em desenvol-vimento apresentam menos flutuações. Mesmo assim, o desemprego em todo o mundo, aumentou em mais de vinte e sete milhões de pessoas, desde o início da cri-se, aumentando o número total de desem-pregados diariamente, pelo que os cerca de duzentos milhões de pessoas aponta-

dos, ou seja, 6 por cento da população activa global, necessita de uma correcção.

A maior preocupação relaciona-se com o desemprego juvenil, que atingiu proporções alarmantes. A “OIT”, previu que em 2011 o desemprego tivesse afecta-do 75 milhões de jovens de idade inferior aos 25 anos, em todo o mundo, represen-tando mais de 12 por cento da totalidade dos jovens. Muitos, não aparecem nas es-tatísticas de desemprego, porque ficaram desencorajados e desistiram de procurar trabalho.

Quanto aos salários médios, a nível global cresceram, mas a taxas inferiores às do período de antes da crise. A crise, nas economias desenvolvidas, provocou uma dupla queda (“double dip”) nos salários; os salários médios reais caíram em 2008 e de novo em 2011, e as perspectivas actuais fazem prever que, em muitos desses países os salários em 2012, no melhor dos cená-rios, tiveram um crescimento marginal. As tendências na Ásia e, particularmente, no Leste Asiático, contrastam fortemente com as de outras regiões.

O desempenho resiliente da economia da região durante a crise, reflectiu-se nos salários na Ásia, que continuaram a apre-sentar elevadas taxas de crescimento, sig-nificando, que a influência da China, em particular, onde os salários nas cidades aumentaram, em média, a taxas anuais de dois dígitos ao longo de toda a década se-gundo o “China Yearbook of Statistics (Anuário de Estatísticas da China)”.

Tendo em consideração os números oficiais, que apontam uma taxa anual de crescimento de 12 por cento ao ano, os salários médios reais na China mais do que triplicaram ao longo da década de 2000 a 2010, colocando a questão do possível fim da “mão de obra barata” na China. O total de cerca de 620 milhões de jovens, na maio-ria mulheres, não se encontram a trabalhar nem à procura de trabalho. Apenas para manter constantes as taxas de emprego, 600 milhões de novos empregos devem

ser criados nos próximos 15 anos. A nível mundial, mais de três mil milhões de pes-soas encontram-se a trabalhar, mas meta-de são agricultores ou trabalhadores por conta própria.

A maior parte das pessoas que aufere um rendimento baixo, trabalha longas horas e mesmo assim, não ganha o su-ficiente para custear as suas despesas. A violação dos direitos humanos funda-mentais, neles se incluindo os direitos mais básicos no trabalho, tem vindo a ser uma constante por todo o mundo, não sendo algo de inusitado. O mundo do trabalho está a mudar rapidamen-te, devido às transições demográficas,

urbanização, progresso tecnológico e a migração das pessoas e empregos entre os países. Os empregos na maioria dos pa-íses em desenvolvimento são nas peque-nas empresas e propriedades agrícolas, frequentemente de baixa produtividade e com moderado potencial de crescimento.

O seu sucesso é importante não ape-nas pelo impacto sobre a subsistência. As grandes empresas, surgem em países, onde em grande parte existem ligações e apoio por parte do Estado, podendo pelo êxito, as microempresas quebrar tais ci-clos de privilégio. O sucesso empresarial é possível, pois nos países industrializados, muitas empresas inovadoras começaram em garagens. Os empregos, mesmo no sector informal, podem ser transforma-cionais em três dimensões.

A primeira, tem a ver com os padrões de vida, dado que a pobreza diminui à me-dida que as pessoas conseguem vencer as dificuldades, especialmente nos países em que o âmbito de redistribuição do rendi-mento é limitado. A segunda, diz respeito à produtividade, pois a eficiência aumen-ta quando os trabalhadores melhoram a sua actividade, quando surgem empregos mais produtivos e os menos produtivos desaparecem. A terceira, está relacionada com a coesão social, dado que as socieda-des crescem, porque os empregos reúnem pessoas de origem étnica e social diferen-te e criam um sentido de oportunidade. Os empregos são o que auferimos, a acti-vidade que desenvolvemos e o que somos verdadeiramente como pessoas.

O “Relatório sobre o Desenvolvimento Mundial de 2013”, do “PNUD”, analisa os empregos, considerando-os como motores do desenvolvimento, não como uma pro-cura derivada do trabalho, pelo que todas as políticas implementadas que não condu-zam ao pleno emprego, são erradas, por-quanto são violadores dos direitos humanos e contrárias ao desenvolvimento económi-co e social, sendo o contrario, o desempre-go, motor da estagnação, do decrescimento e quiçá do declínio e morte das nações.

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Vicenç Navarro In SISTEMA

A cApturA e morte do inimigo nº1 dos Estados Unidos, Osama Bin Laden, deu origem a toda uma série de filmes sobre esta operação militar, filmes que serão provavelmente gran-des êxitos de bilheteira não só nos Estados Unidos, mas também noutros países que viveram atemorizados com o terrorismo praticado pe-las forças políticas lideradas por esta personagem. Estes filmes são uma tentativa de fantasiar a capacidade dos chamados serviços de segu-rança do establishment norte--americano para conseguir o que desejam, seja onde for, seja como for.

Independentemente das simpatias ou antipatias que se tenha para com este tipo de filmes, todas as pes-soas que dão valor aos Di-reitos Humanos deveriam, no entanto, concordar na necessidade de denunciar comportamentos – como a tortura – promovidos por muitos destes filmes. As-sim, num dos filmes mais populares em termos de bilheteira sobre a captu-ra e morte de Osama Bin Laden, justifica-se e até se aplaude a tortura de mem-bros das forças terroristas que, de acordo com o fil-me, deram informações va-liosíssimas para o localizar. Esta promoção da tortura deu origem a um protesto que ultrapassou os círculos intelectuais de base aca-démica que tendem a mo-nopolizar a temática dos Direitos Humanos. Vozes conservadoras dentro do Congresso dos Estados Unidos, como a do sena-dor John McCain, can-didato à presidência dos Estados Unidos nas elei-ções de 2008 pelo Partido Republicano, denunciaram este canto à tortura repre-sentado por alguns destes filmes. Na realidade, ne-nhuma das informações da campanha de captura de

A violAção dos direitos HumAnos nos filmes

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Bin Laden que se conside-ram válidas foi obtida atra-vés da tortura. Muito pelo contrário. A informação obtida por essa via – maio-ritariamente falsa – criou uma enorme confusão, atrasando a operação. Es-pecialistas em assuntos de

informação e comunicação do próprio governo fede-ral dos Estados Unidos o admitiram.

Mas o que deu origem aos maiores protestos en-tre a comunidade científi-ca e académica, foi a uti-lização de campanhas de

saúde pública para obter informações (situação que se verificou na busca e cap-tura de Bin Laden). A par-tir da publicação de alguns pormenores desta opera-ção, descobriu-se que as agências responsáveis por essa missão tinham utili-

zado pretensas campanhas de vacinação para obter dados sobre o ADN de crianças e jovens em áre-as onde se suspeitava que Bin Laden pudesse estar a viver, a fim de localizar a sua casa, onde vivia com familiares, filhos incluídos.

A obtenção de dados para fins militares ou po-liciais, utilizando como instrumento campanhas de saúde pública, com-promete todas estas cam-panhas, que passam a ser encaradas como objetivos militares pelo inimigo. O conhecimento destas prá-ticas teve um impacto ne-gativo imediato, incluindo o assassinato de oito tra-balhadores dos serviços de vacinação das Nações Unidas no Paquistão, tra-balhadores que estavam a efetuar programas de vaci-nação reais e não fictícios, como os realizados por aquelas agências dos EUA no Paquistão. Várias asso-ciações e ONGs de ajuda humanitária, que incluíam programas de saúde pú-blica, tiveram de abando-nar aquele país, receosos de que as forças próximas da Al Qaeda as conside-rassem instrumentos dos serviços de espionagem do governo federal dos Esta-dos Unidos.

Os decanos das doze escolas de saúde pública mais importantes dos EUA escreveram uma carta de protesto ao presidente Obama por ter utilizado os serviços sanitários e de saúde pública como instru-mentos das agências de in-teligência do governo fe-deral. Tal como assinalam estes cientistas, os serviços de saúde pública devem ser considerados instru-mentos orientados única e exclusivamente para a saú-de e devem, não só sê-lo, mas também ser encarados como tal. Qualquer alte-ração destas regras causa danos enormes em todos os serviços sanitários. Exis-tem normas de conduta, mesmo nos conflitos ar-mados, que têm de ser res-peitadas. É muito preocu-pante que se façam filmes onde se exalta e/ou justi-fica semelhantes violações dos códigos de conduta e que estes comportamentos não sejam denunciados.

gente sagrada José simões morais

黄大仙 Huang é mais um imortal que não pertence à série dos 8 Imortais definidos na dinastia Ming e é conhecido em cantonense por Wong Tai Sin.Huang Da Xian, cujo nome era Huang Chu Ping, está conectado com quatro personagens. Aqui escreveremos sobre a pessoa que nasceu no ano 328, durante a dinastia Jin do Leste (317-420), em Dan Xi, na actual província de Sichuan.Aos 15 anos pastava um rebanho de cabras, quando um dia se encontrou com mestre daoista, que logo ali o iniciou no Dao. Sem perder tempo, seguiu o seu novo mestre que o levou para a montanha de Jinhua, na actual província de Zhejiang. Aí encontrou guarida numa gruta de pedra, onde ficou a praticar meditação durante 40 anos.O seu irmão mais velho, Chu Qi, após o seu desapareci-mento, procurou-o por toda a província de Sichuan, situa-da a Oeste da China. Nunca o encontrou pois tinha viajado até Zhejiang, que fica no lado Leste do país. Desesperado, um dia Chu Qi foi ter com um adivinho e questionou-o sob o paradeiro do seu irmão, que tinha desaparecido quan-do pastava o rebanho. Procurando saber onde este esta-ria, teve como resposta do adivinho haver em Jinhuashan uma pessoa que pastava um rebanho caprino. Logo Chu Qi empreendeu a viagem para Leste e ao encontrar irmão, a primeira pergunta que lhe fez foi: “Onde estão as cabras?”“Segue-me” e assim foram até a um local cheio de pedras. “Aqui estão!”Só vendo pedras, começou a ficar zangado, pensando que o seu irmão o estava a gozar. Então Chu Ping imitando o som do balir das cabras logo as pedras se transformaram em cabras ficando assim Chu Qi a saber estar perante um Imortal.Chu Qi regressou a Dan Xi para contar à família que tinha encontrado o irmão e para esta não mais se preocupar, ten-do depois voltado para junto do seu irmão para que este o introduzisse no Dao. Apesar de praticarem durante 500 anos, as suas caras e peles continuaram jovens.Quando Huang Da Xian aparece ao comum dos mortais vem como um mestre de medicina e oferece-lhes os seus préstimos tão valiosos, que as pessoas se curam das suas maleitas. Por isso, tem cada vez mais quem o venere au-mentando o número de templos em sua honra.Durante a dinastia Song do Sul foram atribuídos dois tí-tulos a Huang Chu Ping. O imperador Xiao Zong (1162-89) conferiu-lhe o título de Yang Su Zhen Ren (养素真人) quando em 1189 aconteceu uma epidemia e Huang Chu Ping apareceu às pessoas e lhes indicou a maneira de a curar. Bastava beberem a água de um poço que ele indicou e a doença desaparecia. Já em 1262, uma diluviana chuva ocorreu durante dias ininterruptamente. O povo pediu-lhe ajuda e após a oração, esta repentinamente parou. Já na outra vez, passaram-se meses sem cair do céu uma única gota de água e então, o povo virou-se de novo para Huang Da Xian e este, mais uma vez milagrosamente fez com que chovesse. Por estes novos feitos, o imperador Li Zong (1224-64) adicionou ao título anterior mais dois caracteres 净正 e assim ficou com o título, Yang Su Jing Zheng Zhen Ren O seu aniversário acontece no dia 23 do oitavo mês lunar e em Macau a sua estátua encontra-se no templo do Bam-bual, na Estrada de Coelho do Amaral, situado na zona de San Kiu.

Huang Da Xiano Imortal Huang

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Quando a corda é curta, não pode ser utilizada para puxar água de um poço profundo.

Do EstaDo E Da sociEDaDE – 38

Se as pessoas forem capazes de recorrer àquilo que nas as beneficia de maneira a ajudarem os outros, tal é aceitável. Quando um louco se põe a correr e outro corre atrás dele, é certo que correm ambos na mesma direcção, embora corram com objectivos diferentes. Quando o homem se afoga na água e alguém se lança nela para o salvar, é certo que ambos se encontram na água, embora lá estejam por razões diferentes.

* * *

Usar as medidas e regulamentos de uma geração ou época para governar o mundo é como o caso do viajante num barco que deixa cair a sua espada no meio do rio e faz uma marca no casco do barco para marcar o sítio onde a espada caiu indo, nessa noite e já na margem, procurar a espada debaixo da marca que fez no barco.Muito longe estará deveras do discernimento.

* * *

Quando se seguem exemplos limitados e não se sabe como viajar pelo céu e pela terra, é deveras difícil estar mais confuso.

* * *

Quando a corda é curta, não pode ser utilizada para puxar água de um poço profundo; se um recipiente for pequeno não poderá ser usado para conter aquilo que é grande – em ambos os casos nenhum dos objectos consegue dar conta da tarefa.

tradução de Rui cascais ilustração de Rui Rasquinho

Huai Nan Zi (淮南子), O Livro dos Mestres de Huainan foi composto por um conjunto de sábios taoistas na corte de Huai-nan (actual Província de Anhui), no século II a.C., no decorrer da Dinastia Han do Oeste (206 a.C. a 9 d.C.).Conhecidos como “Os Oito Imortais”, estes sábios destilaram e refinaram o corpo de ensinamentos taoistas já existente (ou seja, o Tao Te Qing e o Chuang Tzu) num só volume, sob o patro-cínio e coordenação do lendário Príncipe Liu An de Huainan. A versão portuguesa que aqui se apresenta segue uma selecção de extractos fundamentais, efectuada a partir do texto canóni-co completo pelo Professor Thomas Cleary e por si traduzida em Taoist Classics, Volume I, Shambhala: Boston, 2003. Estes extractos encontram-se organizados em quatro grupos: “Da So-ciedade e do Estado”; “Da Guerra”; “Da Paz” e “Da Sabedoria”.O texto original chinês pode ser consultado na íntegra em www.ctext.org, na secção intitulada “Miscellaneous Schools”.

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