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Artigo sobre a experiência de Educação do Campo de uma professora no cotidiano de uma sala de aula localizada no meio rural de um município mineiro.
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UNIVERSIDADE FEDERAL DE VIÇOSA
CENTRO DE CIÊNCIAS HUMANAS, LETRAS E ARTES DEPARTAMENTO DE EDUCAÇÃO
PROGRAMA DE PÓS-GRADUAÇÃO EM EDUCAÇÃO MESTRADO EM EDUCAÇÃO
MARIANA DE SOUSA FARIA
ARTIGO
Artigo apresentado como parte das exigências da disciplina EDU 790 – Tópicos Especiais I e EDU 792 – Tópicos Especiais III (Educação e Cotidiano) do Programa de Pós-Graduação em Educação, Mestrado em Educação, do Departamento de Educação do Centro de Ciências Humanas, Letras e Artes da Universidade Federal de Viçosa, sob a orientação do Prof. Dr. Eduardo Simonini Lopes.
VIÇOSA – MINAS GERAIS JUNHO/2014
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ORA BOLAS, CARAMBOLA
Minha intenção neste texto é problematizar algumas questões sobre o
processo de construção curricular no cotidiano da sala de aula de uma escola
do campo a partir de uma experiência narrada por uma professora
pesquisadora no contexto de afirmação de uma política pública municipal e que
nos auxilia a avançar para uma outra concepção de construção do
conhecimento e de currículo.
As problematizações acerca dessa experiência não se encontram na
tentativa de se buscar um universal, ou seja, por uma essência imutável de
como o conhecimento deve ser trabalhado ou de como tem de ser o currículo,
mas sim converge para uma tentativa de desinvisibilizar uma prática de uma
professora que em seu contexto e na constituição de suas redes se depara
com uma situação imprevisível do cotidiano e busca por uma melhor maneira
de se interagir com ela.
O pano de fundo para discutir o currículo nesta proposta vai ao
encontro dos princípios norteadores da Educação do Campo, que integra
atualmente quinze anos de reivindicações dos movimentos sociais do campo e
ao mesmo tempo introduziu no meio acadêmico, diversas outras possibilidades
de propostas de uma escola adaptada ao contexto dos sujeitos.
Estes estudos e o otimismo advindo de políticas públicas ainda não
trouxeram discussões que fundamentassem a escolha por determinada
pedagogia que envolvesse desde a formulação de conteúdos até a
organização escolar como um todo, de forma que a construção da escola
pública do campo ainda fique dependente de experiências externas, como as
escolas do Movimento dos Trabalhadores Sem Terra e experiências da
Pedagogia da Alternância. A escolha pela melhor pedagogia que se adapte aos
sujeitos é um diálogo em constante processo e que nunca estará finalizado.
A partir dessa lacuna, a proposta aqui é também analisar como as
escolas públicas localizadas no meio rural se organizam para construir seus
currículos em suas experiências singulares de práticas pedagógicas. Assim,
este trabalho se justifica por se adentrar nessa demanda de refletir sobre as
práticas cotidianas que acontecem nas salas de aula e que dão corpo a um
currículo do campo.
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A Educação do Campo é abordada aqui como uma construção coletiva
dos movimentos sociais do campo, dessa forma engloba uma concepção mais
abrangente que apenas a educação escolar, entretanto não nega a importância
dessa instituição (RIBEIRO, 2010). A escolha por estudar a escola do campo
exige, primeiramente, problematizar alguns elementos sobre os sujeitos, a
escola e sua produção do currículo, pois essa é considerada ainda uma das
instituições principais de disseminação do conhecimento.
Os sujeitos do campo: quem são?
O modo de vida social e utilização do espaço denominado campo são
fundamentais para a constituição da identidade camponesa, em sua
diversidade. De acordo com as Diretrizes Operacionais para a Educação
Básica nas Escolas do Campo:
A identidade da escola do campo é definida pela sua vinculação às questões inerentes à sua realidade, ancorando-se na temporalidade e saberes próprios dos estudantes, na memória coletiva que sinaliza futuros, na rede de ciência e tecnologia disponível na sociedade e nos movimentos sociais em defesa de projetos que associem as soluções exigidas por essas questões à qualidade social da vida coletiva no país. (RESOLUÇÃO 1/2002 - CNE/CEB).
Atualmente, os sujeitos do campo é uma denominação que pode
abranger qualquer trabalhador que tenha sua sobrevivência relacionada ao
campo, tais como: agricultores familiares, sem terra, pescadores artesanais,
quilombolas, povos indígenas, extrativistas, quebradeiras, comunidades
tradicionais, camponeses, ribeirinhos, assalariados rurais, trabalhadores e
trabalhadoras rurais e demais povos do campo, das águas e das florestas.
Todos esses sujeitos demonstraram capacidade de articulação e
unidade em resposta aos desafios da desigualdade de distribuição de terra no
Brasil. Na busca pela reforma agrária, os sujeitos do campo fortalecem sua
identidade e reivindicam condições de sobrevivência no campo compondo
diversos movimentos sociais.
Neste artigo os camponeses são compreendidos como qualquer outro
grupo social, que possuem suas identidades construídas a partir das relações,
no tempo e espaço, com o outro. Neste sentido, a construção de identidade é
definida através do processo histórico e social, de forma que cada sujeito pode
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assumir diferentes identidades em diferentes momentos. Os sujeitos do campo,
ainda que na diversidade dos espaçostempos que ocupam, assumem uma
identidade comum que é a relação com a terra.
A pluralidade de sujeitos do campo nos exige assumir o
posicionamento de não tornar sua identidade como única e universal, mas
supõe uma definição de que camponês estamos falando, de quais tensões e
disputas ele encerra na complexidade de seu mundo.
No Brasil, a passagem da colonização para o capitalismo trouxe para
os sujeitos do campo a desterritorialização, o rompimento de pertencimento
com o lugar físico, histórico e social, e o impedimento ao conhecimento de
mundo e de si mesmo. Mas essas consequências não são de fato inteiramente
responsáveis pela criação da barreira entre campo e cidade, pois
“num certo sentido pode-se dizer que os camponeses constroem suas vidas a partir de relações não capitalistas, no entanto, isso não quer dizer que estejam à margem da produção capitalista. (...) os camponeses brasileiros não são um resíduo, mas resultado das contradições do desenvolvimento histórico do capitalismo também no campo.” (RIBEIRO, 2012, p. 6).
As referências que apresentam o campo como o lugar do atraso e a
cidade como o lugar do moderno estão fundamentadas na concepção
capitalista que se contrapõe a toda e qualquer outra estrutura diferente dela.
Neste sentido, a dicotomia se baseia na subjetividade de que o rural representa
algo que deve ser superado e o urbano o progresso, a evolução e a ciência.
Ribeiro (2012) nos explica então que “por isso associar o campo e o seu modo
de vida ao atraso ajudou a construir o modo de vida que dava sustentação ao
novo modo de produção: o modo de vida urbano” (p.7).
A identidade do campo passa a ser construída a partir da diferenciação
de que não é a cidade, ou seja, para ser valorizado deveria ser a cidade e não
é. A identidade camponesa começa a ser subjetivada pela negação de outras
possibilidades de construção da realidade que também se coloca em
movimento com o mundo.
Numa compreensão rizomática de totalidade, existem modos de existir
no mundo que se relacionam com as redes que os sujeitos compõem, mas que
vistas mais de perto são heterogêneas e singulares, mas ainda fazem parte de
um todo. A existência de um modo de vida diferente, que é o campo e sua
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relação do Homem com a terra, e o processo de negação histórica que tem
sofrido, nos leva a refletir sobre a necessidade de reafirmação do campo como
um lugar possível de se viver.
A compreensão de sujeito vai ao encontro das considerações freirianas
que advogam a inconclusão do ser humano e sua formação enquanto homem
através dos processos de aprendizagem. Esses processos estão
continuamente imbricados ao longo da vida, de forma que todos os seres
humanos aprendem algo permanentemente baseado no movimento da práxis.
A educação só tem sentido quando faz relações com isto ou aquilo no
cotidiano, “e os seres humanos são tão projetos quanto podem ter projetos
para o mundo” (FREIRE, 2000, p. 40). Neste sentido:
“O sujeito – entendido como subjetivação – é um projeto inconcluso, um significante circulando a depender de uma significação sempre adiada. Seres linguageiros, cindidos e precários. Nem a ciência, nem Deus, nem um partido, nem a dialética, nem a formalidade matemática, nem as regras administrativas servem mais – se é que um dia serviram – de porto seguro para nos constituir como sujeitos, balizar os nossos projetos e para a resolução dos conflitos em torno de diferentes opções de leitura do mundo.” (LOPES, 2013, p. 8)
Dessa maneira, todas as multiplicidades dos seres humanos coexistem
no mundo. No processo de reivindicação dos sujeitos do campo, há um
processo de incorporação do inacabamento e da tomada de consciência para
se chegar à autonomia. Devido ao processo de negação que sofreram, o
movimento Por uma educação do Campo visa basicamente o resgate dessas
possibilidades de todos os seres humanos possuírem o livre arbítrio de se
tornarem o que desejarem.
Por isso, a identidade dos sujeitos do campo se justifica pela
necessidade de reafirmar a existência desse mundo concreto que é negado e
invisibilizado cotidianamente, inclusive pelos processos educativos. De acordo
com Freire (1982):
"O domínio da existência é o domínio do trabalho, da cultura, da história, dos valores - domínio em que os seres humanos experimentam a dialética entre determinação e liberdade" (p. 66)
Atingir a consciência processual dos seres humanos enquanto seres
inacabados torna possível também o discernimento das condicionalidades a
que estão submetidos e aponta as possibilidades para ir além dos
determinismos. De acordo com Freire, a construção do próprio movimento de
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estar no mundo não se faz independentemente das relações sociais, mas se
essa construção estiver determinada, não há autonomia.
Uma escola do campo: que escola?
Na sociedade capitalista que se estabeleceu, criou-se uma
necessidade de instituir um processo educativo único, que restringiu a ação
educativa à simples transmissão de conhecimentos de determinada cultura.
Neste sentido, a institucionalização da escola como lugar de aprendizagem foi
firmada a partir da ideia de que ela era o lugar com um tempo e conteúdos
específicos, distintos de outros espaços e tempos sociais.
Neste sentido, o currículo escolar passa a selecionar, priorizar, definir,
legitimar e reelaborar o que é considerado conteúdo escolar. Se a escola é o
lugar do conhecimento, o que é feito dos saberes que não são ensinados pela
escola? Na maioria das vezes, o conhecimento que é ensinado pelo professor,
sujeito principal tido como o único que detém o saber, é tido como válido e
reconhecido, os outros conhecimentos que a escola não ensina não costumam
ser valorizados.
Os sujeitos do campo foram contemplados com uma escola que os
desloca de sua realidade frente ao padrão urbano, ou seja, alguns agricultores
e agricultoras não mais valorizam as aprendizagens na lida com a terra,
todavia, a escolarização em um espaço definido entre quatro paredes passou a
ser a única a ser reconhecida e dotada de valor. As demandas das populações
do campo passam a não ser atendidas pela escola, uma vez que esta vem
desqualificando os agricultores para permanecerem no campo, pois não
consegue partir de suas origens e não valoriza as raízes das populações no
entorno das escolas, já que o indivíduo idealizado que a escola pretende
receber e formar é definido a partir de um padrão capitalista e urbano.
O que não se encaixa nestes termos é tido como deslocado, o que
posteriormente irá definir, através desse processo subjetivo de produção de
identidades, o sucesso ou fracasso escolar e profissional dos sujeitos. Mas
algumas escolas do campo, no entanto, são diferentes. Mesmo parecendo que
seguem semelhante programa de ensino, conteúdos e rotinas, os sujeitos que
ali estão se identificam de alguma maneira com a escola, gostam dela e de
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seus professores. O que me dá pistas de que no dia a dia dessas escolas há
uma transformação do currículo em práticas que recriam a realidade.
Acredito então que a escola, mesmo nesse movimento de negar outros
espaços de aprendizagem e de construção de conhecimentos, não pode ser
considerada nem boa nem má em si mesma, pois de acordo com Freire (2004,
p. 38): “[...] Depende a que serviço ela está no mundo. Precisa saber a quem
ela defende”. Ou seja, mesmo a escola instituída no e por um determinado
modelo social, possuindo suas normas e regras, ela reafirma a interação social
e inclui espaços de emancipação, pois os sujeitos que lá se encontram também
possuem autonomia para tomar decisões.
Dessa maneira, a definição de conteúdo escolar não acontece sem
resistências, pois na escola, além de informações, estão coexistindo diferentes
culturas, valores, modos de vida e visões de mundo nas suas multiplicidades.
Portanto, neste texto, a noção de escola é tida como uma construção social e
cada instituição, mesmo envolta em um momento histórico mais amplo, é
sempre uma versão local e singular desse momento. O que leva a acreditar
que cada concepção curricular que a escola assume é também parte desse
processo de adaptação à realidade particular dos sujeitos, o que molda o
processo de ensino aprendizagem para ser recriado no cotidiano das
experiências escolares.
Em termos simples para análise, coexistem duas instâncias na definição
curricular: uma quando é idealizado no âmbito prescritivo e outra quando chega
às escolas para ser implementado. Entendendo que essas duas instâncias não
são duas metades de uma mesma moeda que nunca se encontrarão, muito
pelo contrário. A prescrição e a prática se entrecruzam durante todo o
momento da experiência escolar, ora com conflitos e resistências, ora em
sintonia. A prescrição pode não ser o único ponto de partida para construção
do currículo, nem a prática cotidiana das escolas apresenta o conteúdo real de
novas alternativas pedagógicas.
Na trama real que a instituição escolar se constitui, as decisões do
Estado e de qualquer âmbito prescritivo podem ser assumidas ou não, podem
ser ressignificadas, recriadas ou ainda simplesmente ignoradas (MENDES,
2009). Neste sentido, é fundamental compreender que:
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As normas educativas oficiais não se incorporam à escola de acordo com sua formulação explicita original. É recebida e reinterpretada dentro de uma ordem institucional existente e desde diversas tradições pedagógicas que estão ativas dentro da escola. Toda a experiência escolar participa da dinâmica existente entre as normas oficiais e a realidade cotidiana (ROCKWELL, 1995, p. 14).
O currículo, portanto, não se encontra à margem dos processos de
ensino e aprendizagem nos sistemas educativos em que se desenvolvem e
para os quais se planeja. Ele influencia a prática cotidiana ao mesmo tempo em
que é influenciado por ela.
Levando em conta que o currículo é uma construção social, a inclusão
das ações dos sujeitos como constituintes da construção da escola pública e
do currículo, faz parte do processo de valorizar sua atuação na organização
curricular, sistematização e produção de saberes.
Sendo uma opção historicamente configurada, numa determinada
realidade cultural, política, social e escolar, está carregado, portanto, de valores
e pressupostos. No entanto, afirmar que a escola possui a única função de
reprodução social nos leva a minimizar outros processos que se configuram
como estratégias de resistência. Determinados paradigmas sociais, políticos,
econômicos e culturais podem ser levados em conta na prescrição curricular
em detrimento de outras experiências, mas não podemos afirmar que não
existem movimentos contrários a esse modelo de organização.
As decisões a serem tomadas sobre o currículo e todas as dinâmicas de
sua organização não são neutras, pois a escola sob qualquer modelo
educativo, adota uma posição: teórica, política, econômica, social e/ou cultural,
que é uma orientação seletiva frente à cultura que se concretiza no currículo
que transmite. Em meio a esse processo, há necessidade de se fazer
constantemente uma reflexão sobre os conhecimentos que a escola difunde e
suas bases estruturantes.
O conhecimento escolar tem sido legitimado por uma segregação
histórica, que é uma tradução de conflitos que tem silenciado os sujeitos que
não se encaixam dentro dos padrões. A contextualização de todo e qualquer
saber a constituir o currículo nos elucida a possibilidade de incluir conteúdos de
acordo com o contexto sócio-histórico de produção de conhecimentos e assim
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ponderar, numa análise relacional, se este é significativo e indispensável na
rede de conhecimentos ao qual se insere.
Isso quer dizer que implica muito mais que inverter as prioridades
exigidas por uma ideologia mercadológica da sociedade de classes, pois exige
refletir sobre a organização estrutural do currículo e da escola para partir das
necessidades dos sujeitos, de sua realidade e de seu cotidiano.
Se, por um lado, a educação brasileira atingiu um nível de
reconhecimento dos direitos dos educandos, por outro, as escolas marcadas
pelas lógicas do capitalismo vêm negando esses direitos, uma vez que a
ordenação curricular, a lógica sequenciada, rígida, linear, previsível é pensada
para seres humanos disponíveis, sem quaisquer desafios postos para a escola
(ARROYO, 2008).
Portanto, é necessário compreender que a relação entre o conhecimento
escolar e a escola, permeada pelo currículo, deve partir das relações culturais
e do contexto de prática vivenciado e (re)construído cotidianamente nas
escolas – tanto de escolas do campo quanto de escolas urbanas – e, dessa
forma, que deve reconhecer a multiculturalidade e a diversidade como
elementos fundantes, constitutivos e, portanto, indispensáveis no processo de
ensino e aprendizagem.
A escolha pela melhor concepção curricular se molda cotidianamente
com e a partir dos sujeitos que estão na escola e os planejamentos vão se
modificando durante os processos de aprendizagem tendo em vista uma
melhor adequação ao meio e à realidade local. O currículo escolar vai se
tornando dessa maneira dinâmico, demonstrando possibilidades nas formas de
sua organização e vai ganhando vida a partir da ideia e da proposição dos
sujeitos do campo tendo como referência suas lutas, culturas e experiências.
O currículo se tece em cada escola com a carga que seus sujeitos
trazem para cada ação pedagógica de sua cultura e de sua memória de outros
espaços e de outros cotidianos nos quais vivem. É nessa grande rede de
saberes, formada de múltiplas redes de subjetividades, que cada sujeito cria
suas histórias e suas interações sociais.
De modo geral, as políticas nem sempre correspondem a todos os
anseios e necessidades das comunidades escolares, pois se o currículo acaba
assumindo o foco central da reforma educacional e negando prescrições
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anteriores, por outro as escolas se vêem limitadas em sua capacidade de
implementar ou não as orientações curriculares, que esbarram em diversas
contradições do cotidiano escolar. O protagonismo dos movimentos sociais na
disputa por políticas e reformas educacionais é o resultado de um longo
processo contraditório no cenário brasileiro, principalmente ao se tratar da
questão agrária.
Arroyo (2004) destaca que “o movimento social do campo é educativo
(...). Os processos educativos acontecem fundamentalmente no movimento
social, nas lutas, no trabalho, na produção, na família, na vivência cotidiana” (p.
78). Caldart (2002), acerca da escola do campo, afirma que:
Construir uma escola do campo significa pensar e fazer a escola desde o projeto educativo dos sujeitos do campo [...]; trazer para dentro da escola as matrizes pedagógicas ligadas às práticas sociais; combinar estudo com trabalho, com cultura, com organização coletiva, com postura de transformar o mundo [...] se assim o for, a escola do campo será mais que escola, porque com uma identidade própria, mas vinculada a processos de formação bem mais amplos, que nem começam nem terminam nela mesma, e que também ajudam na tarefa grandiosa de fazer a terra ser mais que a terra (p. 35).
A construção de uma escola do campo não é, entretanto, uma outra
escola completamente diferenciada. Segundo esta mesma autora:
Uma escola do campo não é, afinal, um tipo diferente de escola, mas sim é a escola reconhecendo e ajudando a fortalecer os povos do campo como sujeitos sociais, que também podem ajudar no processo de humanização do conjunto da sociedade, com suas lutas, sua história, seu trabalho, seus saberes, sua cultura, seu jeito. Também pelos desafios da sua relação com o conjunto da sociedade. Se é assim, ajudar a construir escolas do campo é, fundamentalmente, ajudar a constituir os povos do campo como sujeitos, organizados e em movimento. Porque não há escolas do campo sem a formação dos sujeitos sociais do campo, que assumem e lutam por esta identidade e por um projeto de futuro. Somente as escolas construídas política e pedagogicamente pelos sujeitos do campo, conseguem ter o jeito do campo, e incorporar neste jeito as formas de organização e de trabalho dos povos do campo (CALDART, 2003, p. 66).
Dessa maneira, a Educação do Campo aponta possibilidades teórico-
metodológicas para a construção curricular das escolas, pois ao se aproximar
dos professores, dos educandos e de outros sujeitos levanta o desafio de
compreender as determinações oficiais e como as prescrições marcam suas
formas de conceber o processo de ensino e aprendizagem das escolas, e
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também colocam em foco as apropriações feitas por esses sujeitos no
cotidiano escolar.
Práticas curriculares no cotidiano
“A gente vê com outros olhos, e você vê que você tem que estar construindo o conhecimento junto com a criança a partir daquilo que ela traz, não adianta eu estar levando exercícios repetitivos pra eles irem fazendo, uma coisa que não tem significado pra criança, então você tem que estar buscando significado. Ontem, na caixinha deles, na rodinha, um trouxe carambola e deu um pra cada um depois. Primeiro, a gente trabalha os sentidos, percepção da caixa, do peso, e tal, porque é 1º ano, eu sou alfabetizadora agora. Aí depois: carambola! Mudamos de plano, larga o plano pra lá e vamos trabalhar carambola. De onde é a carambola? Quê que você tem no seu terreiro? (porque lá todo mundo fala é pomar, horta, aqui todo mundo fala é terreiro) Você tem terreiro? Quê que nasce? E aí você vai trabalhando as plantas. E eu ganhei três, três carambolas, uma pequena, média e grande, por coincidência. Que beleza! Vamos trabalhar o conceito pequeno, médio e grande que eles não sabem ainda. E não estava... não tinha sistematizado ainda, o médio, o tamanho médio, aí nós fomos trabalhar. Você esquece aquilo que você planejou ou até faz uma adaptação, faz uma junção daquilo que você planejou com aquilo que a criança está trazendo. (...) É a prática da construção, a partir do quê que a criança traz e eu busco dessa forma.” (Márcia, professora)
Algumas concepções teóricas sobre currículo foram historicamente
construídas na ideia de que os conteúdos que deveriam ser ensinados e
aprendidos eram muito bem definidos (LOPES, 2013), mesmo quando a escola
não dispunha de condições para que o mesmo ensino fosse garantido a todos.
Acreditava-se que os conteúdos básicos curriculares e sua organização
poderiam contribuir para a consolidação de um projeto de sociedade
idealizado.
Tais conteúdos eram concebidos como a centralidade do currículo e se
objetivava a formação de sujeitos capazes de agir em busca de mudanças
sociais que garantiriam o projeto social defendido pela maioria da população de
um país.
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Variadas teorias curriculares existentes no Brasil são apresentadas de
forma linear, como se o currículo tivesse passado de uma teoria a outra e
influenciado as práticas escolares. Acreditar na linearidade das mudanças pode
nos levar, no entanto, a dividir o cotidiano e as disputas que nele ocorrem, ora
em sintonia ora com resistências, em etapas bem definidas que atinge num
determinado momento o progresso, o que garantiria uma certeza
tranquilizadora de evolução (LOPES, 2013).
Para uma tentativa de afastamento desse movimento gradual entre as
teorias curriculares, acredito na ideia do hibridismo entre as correntes teóricas,
uma vez que uma teoria nunca está totalmente superada e nem uma novidade
se encontra descolada de um contexto que possibilitou seu surgimento.
Dessa maneira, no cotidiano escolar se encontram as várias faces de
muitas teorias e práticas curriculares. E mesmo que algumas concepções de
professores reduzem o currículo à grade de conteúdos, os saberesfazeres que
acontecem no dia-a-dia das salas de aulas dão corpo a um currículo do campo.
O trecho que inicia este tópico é fruto de experiências de pesquisa e da
produção de um trabalho de conclusão de curso, nos quais se discutiam as
facetas de uma escola pública do campo e seus desafios. A proposta da
pesquisa foi refletir sobre os processos de construção da Educação do Campo
em conjunto com a construção da identidade profissional, dos saberes e
práticas das professoras através de narrativas de suas práticas nas escolas
municipais de Miradouro-MG.
A escolha pelo trecho em destaque se justifica pelo fato de que nele está
muito claro como que a professora, em contato com a novidade e o imprevisto
na sala de aula, de repente “abandona” seu planejamento e se dá conta de que
aquele momento em que uma criança traz determinada fruta, outros aspectos
que também compunham o currículo escolar puderam ser valorizados e
trabalhados por ela.
A composição do currículo no cotidiano nos dá a ideia de que é no dia-a-
dia que estas relações podem ser e são fortalecidas, em conjunto com o que a
grade prescreve. Neste sentido, encontramos ali mil e duas possibilidades de
fazer acontecer uma proposta diferenciada e que valoriza os saberes trazidos
pelos sujeitos e o conhecimento escolar como partes de um quebra cabeça que
se encaixa nas relações que aquelas crianças fazem com o mundo.
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