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A Fronteira da Magia - A ajuda de Argon

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Capítulo 28 – A Fronteira da Magia Parte 1 – A ajuda de Argon

Para ser libertado do Exílio, Mon procura agir por trás das pessoas, corrompendo e manipulando aquelas que têm a sombra em seu coração. Por volta de vinte anos atrás Mon conseguiu um grande aliado, o Guardião do Tempo Mirundil. Mas ele não acreditou que a interven-ção do Mago Morton fosse destruir seu plano. Graças a Morton, mais uma tentativa de Mon foi arruinada. Mas Mon não desistiu. Jamais desistirá. Passou os anos seguintes pensando em um novo plano. Havia falhado na tentativa de conseguir a espada Kentairen, mas logo sua atenção se voltou para uma relíquia elementar, uma poderosa relíquia que talvez fosse o bastante para fi-nalmente livrá-lo do Exílio: o Cristal de quatro Faces. Com base no Cristal, Mon elaborou seu plano perfeito, sempre agindo por trás das pessoas. Se ele conseguisse encontrar um modo de isolar um Elemento dos demais, todos os três iriam enfraquecer e definhar e, quando esti-vessem fracos o bastante, poderia usar o poder do Cristal para conse-guir fugir. Tendo o plano em mente, Mon só precisava de um novo aliado, que não tardou em aparecer. Não muitos anos após a morte de Morton, foi dentro dos próprios Domínios da Magia que o aliado perfeito se reve-lou, alguém em cujo coração cultivava uma sombra de rancor, incerte-zas e culpa. Assim os planos de Mon foram postos em ação. A Magia foi isolada, gerando o enfraquecimento dos três Elementos da Vida. Era um plano perfeito, cuidadosamente arquitetado. Cada passo, cada mentira, cada luta, tudo foi guiado por Mon nos últimos anos, até que a hora de agir surgiu.

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Mon concedeu ao seu mais novo aliado o poder de controlar qualquer um que carregasse um colar da Magia. Assim muitos protetores foram manipulados ao longo dos anos. O feitiço de controle era tão eficaz que nem mesmo os Cavaleiros da Magia se livraram de serem contro-lados. Se Mon ao menos tivesse pensado nisso quinze anos atrás, Morton poderia não ter sido um estorvo e já poderia estar livre. Mas após seu último fracasso pensou em todas as coisas que poderia dar er-rado e tomou o devido cuidado para não deixar nenhuma falha. Desta vez ele iria escapar; Morton estava morto e ninguém seria capaz de detê-lo, estava certo disso. O plano seguia perfeitamente, mas Mon continuava ignorando o fato de que, mesmo com sua morte, Morton não deixaria de lhe enfrentar. Morton sabia de grande parte das coisas que aconteceriam após sua morte e, com a ajuda de amigos fiéis, elaborou um plano tão perfeito quanto o de Mon. Então dois planos perfeitos foram postos em ação e, por muitos anos, cada passo foi dado com o maior cuidado. Mon achou que finalmente venceria, mas Morton tratou de colocar os Sa-cerdotes em seu caminho. Agora é o momento em que os dois planos perfeitos se chocam; o resultado de anos de preparação. Cada um dos lados está disposto a qualquer coisa para se sobressair sobre o inimigo e, nesta guerra, qualquer coisa pode acontecer…

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Kaiser foi derrotado. Os Sacerdotes venceram a guerra. Finalmente derrotaram o verdadeiro inimigo, o aliado de Mon. Os três encararam o corpo inconsciente do Cavaleiro-Líder que jazia no chão do Cemité-rio de Dragões, não muito longe de onde estava o corpo sem vida de Bulque, o oitavo Cavaleiro. — Conseguimos – disse Mifitrin contente; seu sorriso era radiante. – Derrotamos todos os Cavaleiros da Magia. Nós vencemos… Elkens estava ao seu lado. Não sabia o que dizer, não conseguia for-mar palavras para expressar o que estava sentindo. Até minutos atrás não conseguia imaginar a cena da vitória, não conseguia se imaginar ao lado de seus amigos, olhando para o corpo do aliado de Mon aos seus pés. Olhou para Mifitrin e a viu sorrindo como uma criança, en-tão apenas sorriu também. — Agora vamos libertar o Guardião da Magia – Meithel mal conse-guia se conter. Parecia flutuar centímetros acima do chão, tamanha felicidade que sentia. Mas também estava impaciente para acabar com aquilo; precisava libertar Zander de seu cárcere imediatamente. Não admitia que o seu próprio Guardião continuasse como prisioneiro de Kaiser. — Mas precisamos de todos os cristais – disse Elkens calmamente, finalmente conseguindo dizer algo. – Três deles estão aqui, mas ainda há um cristal com Laserin no jardim de Briluem. — Eu pego – disse Mifitrin. Elkens olhou para ela, mas teve tempo apenas de vê-la tocando seu colar de safira, então a Sacerdotisa desa-pareceu. Elkens sentiu Mifitrin sair correndo do Cemitério de Dragões em grande velocidade, mas não pôde ver nada além de um borrão no ar. Mifitrin se foi. Elkens correu até onde Kanoles estava. A aparência do caçador de re-compensas estava cada vez pior, talvez por conta do ferimento em seu

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peito que voltou a sangrar. Kanoles não conseguiu dizer coisa algu-ma, mas seu sorriso discreto revelou o quanto estava feliz. — Acabou – Elkens disse ao amigo. – Tudo vai ficar bem agora. Enquanto falava com o outro, Elkens pegou dois cristais da bolsa de Kanoles, um vivo e outro morto, transformado em pedra. O terceiro cristal estava com Meithel, também morto, assim como o de Laserin, o qual Mifitrin tinha ido buscar. — Fique aqui só mais um pouco – Elkens pediu a Kanoles. – Nós vamos atravessar o portal e seguir adiante. Quando libertarmos o Guardião da Magia, tudo estará resolvido. Depois nós vamos pra ca-sa… Elkens parou ao dizer isso. Pela primeira vez estava pensando no que iria acontecer agora que haviam cumprido aquela missão. Tudo havia terminado bem, mas o que aconteceria agora? Cada um dos três Sacer-dotes ficaria dentro dos seus Domínios, dando continuidade aos seus treinamentos. Kanoles não era um protetor, era um homem de Gar-dwen. Sequer tinha casa, era um viajante, alguém que conhecia cada parte daquele continente. Continuaria vivendo como um viajante, um caçador de recompensas solitário. — Que bom que tudo terminou bem – Kanoles falou com um pouco de esforço. Elkens não conseguiu lhe dizer mais nada, apenas sorriu, con-cordou, pegou os cristais e se levantou. Quando olhou para trás, ficou surpreso ao ver que Mifitrin já estava de volta, trazendo em suas mãos o cristal de Laserin transformado em pedra. — Vamos? – ela sugeriu sorrindo. Elkens olhou uma última vez para Kanoles, então acenou um adeus com as mãos e lhe deu às costas. Antes de seguirem em frente, Mifitrin caminhou até o corpo de Kaiser e pegou seu colar. Precisariam dele pa-

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ra abrir o portal que daria acesso ao templo do Guardião. Juntos, os três subiram pelos degraus do altar e atravessaram o portal sob o arco de pedra, deixando o Cemitério de Dragões para trás. Agora estavam no nono templo, o templo de Kaiser. Era o último templo de um Cavaleiro, pois o próximo templo era o de Zander. Pela oitava vez dentro dos Domínios da Magia, Elkens atravessou um portal e se viu em um lugar completamente desconhecido. Do alto do altar, eles puderam ver gigantescas paredes de pedra por todo o lado, entrecruzando-se em diversos pontos, criando inúmeros caminhos entre elas. Estavam num labirinto gigantesco que parecia não ter fim. Elkens e Mifitrin começaram a descer pelos degraus do altar, mas Meithel ficou para trás, com a expressão apavorada. — Qual é o seu problema? – perguntou Mifitrin sorrindo. – Precisa-mos de você para nos mostrar o caminho até o Guardião. Você é o úni-co de nós que já esteve aqui. Meithel não respondeu de imediato. Continuou olhando para o labi-rinto que se estendia ao redor deles e, só após alguns segundos, foi que disse algo: — O problema é que eu também nunca estive aqui!

♦ — Do que está falando? – Elkens perguntou. – Este é o templo de Kaiser. Quer dizer que você nunca passou por aqui? Meithel balançou a cabeça de um lado para o outro. — É claro que já estive no templo de Kaiser. Eu não poderia ter ido até o templo do Guardião sem antes passar pelo templo de Kaiser. O

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problema é que este aqui não é o templo de Kaiser! Pelo menos não como me lembro dele. Nunca foi um labirinto. Os três Sacerdotes ficaram quietos, sem saber o que fazer. Foi Mifi-trin quem quebrou o silêncio: — Mas com certeza estamos no templo de Kaiser, pois atravessamos o portal de Bulque. Então não vejo outra resposta possível: o templo foi alterado! — Como assim? Elkens estava tão decepcionado quanto Meithel, mas Mifitrin apa-rentava calma quando respondeu: — Kaiser aprisionou o Guardião e não devia querer que qualquer um chegasse até Zander. Por isso alterou seu templo, criando este labirin-to mágico. — Mas isto aconteceu depois que passei por aqui pela última vez. Não faço a menor idéia de qual caminho devemos seguir. Meithel estava mais que decepcionado, estava desesperado com aquele novo problema. Elkens também parecia preocupado, mas Mifitrin es-tava sorrindo. — Hei, Kaiser foi derrotado! Esse labirinto não é um problema, nos-sos problemas se acabaram. Isso vai nos atrasar, com toda certeza, mas não temos pressa. Percorreremos cada corredor deste labirinto até encontrarmos a saída. Meithel relutou em assentir, mas a alegria de Mifitrin o contagiou, assim como a Elkens. Realmente não havia com o que se preocupar. Com o aliado de Mon derrotado, os problemas deles se acabaram, lite-ralmente. Assim os três recomeçaram a andar e entraram no labirinto. Mifitrin tomou a dianteira do grupo e passou a guiá-los, aparentemente esco-lhendo os caminhos a seguir de forma aleatória. Enquanto a Sacerdo-

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tisa seguia com a maior calma do mundo, uma calma que Elkens não imaginou que ela seria capaz de sentir, Meithel preocupava-se em en-contrar um modo de decifrar aquele labirinto. Tentou usar o shuiken, olhos de cristal, e, quando seus olhos adquiriram um tom lilás, passou a enxergar a estrutura e o fluxo de magia pelo labirinto. Tentou en-xergar através das paredes mágicas, tentou enxergar qualquer vestígio de magia que levasse para a saída, mas não obteve nenhum resultado; assim seus olhos voltaram para o negro habitual. Tentou diversos ou-tros feitiços simples, mas nenhum deu qualquer resultado positivo. Resolveu testar os feitiços de Mensageiro que Gauton lhe ensinou du-rante a jornada; usou conjuração avançada: quatro pássaros surgiram e seguiram por corredores diferentes do labirinto. Porém, os pássaros que deveriam fazer um reconhecimento do território e lhe trazer in-formações sobre qual caminho seguir, jamais voltaram, o que fez Mifi-trin rir. Aquele era um feitiço de Mensageiro; Meithel não sabia se os pássaros também não haviam encontrado o caminho certo, ou se ele mesmo não soube executar o feitiço do modo correto. Chegou à conclu-são de que o labirinto era a prova de feitiços de localização, mas ainda assim não desistiu. Tentou flutuar acima das altas paredes de pedra, mas se chocou com algo que parecia ser um teto invisível; não poderi-am ir por cima. A única coisa que pudesse ser considerada útil feita por Meithel foi um feitiço que ele executou para deixar rastros por onde passavam, como sinais nas paredes e no chão, indicando o cami-nho pelo qual já haviam seguido. Jamais voltaram a encontrar qual-quer um desses rastros; Meithel não sabia se era alguma magia do la-birinto para apagar os rastros mágicos ou se simplesmente não volta-ram a passar pelo mesmo caminho novamente. Mas não importava o que fizesse; o fato era que Mifitrin tinha razão. Teriam de percorrer por todo o labirinto até encontrarem a saída.

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Por muito tempo eles continuaram seguindo pelos caminhos em que Mifitrin os conduzia. Mas já havia se passado quase uma hora e Meithel estava se irritando com toda aquela situação. Após se depara-rem com uma nova bifurcação, diante da qual Mifitrin escolheu seguir pelo caminho da direita, Meithel se irritou e perguntou: — O que estamos seguindo, Mifitrin? — A minha intuição – respondeu a Sacerdotisa com calma. Então Meithel parou de andar, irritado. — Isso não vai dar certo. Desse modo vamos ficar presos aqui por uma eternidade. Precisamos de um plano. — E qual é o seu plano, Meithel? Meithel olhou determinado para a Sacerdotisa: — Precisamos nos separar! — Nos separar? – ela repetiu. – Parece um bom plano… mas quem ficará com os cristais? Ele percebeu a estupidez do seu plano antes de ouvir a pergunta dela. Caso se separassem, realmente teriam mais chances de encontrarem a saída. Mas quem encontrasse a saída precisaria estar com os quatro cristais para libertar o Guardião. Portanto as chances seriam as mes-mas se seguissem juntos. Assim recomeçaram a andar, ainda seguindo a intuição de Mifitrin. — Quando eu ainda era uma Aprendiz, Morton me treinou em um labirinto. Meithel e Elkens ouviram a história da Sacerdotisa com atenção. — Claro que o objetivo não era eu aprender a sair de um labirinto, na verdade ele queria que eu aprendesse a me concentrar em detalhes, de-talhes que me ajudassem a encontrar a saída. “Ficamos durante uma semana com o mesmo treinamento. Foi numa ruína de um verdadeiro labirinto, bem perto dos Domínios do Tempo.

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Eu me lembro que ele me deixava no labirinto logo pela manhã, en-tão ia embora. Uma vez ou outra aparecia na minha frente para me trazer comida e água, além de bons conselhos, mas logo voltava a me deixar sozinha. Quando anoitecia ele ia me buscar para que fossemos embora, mas no dia seguinte voltávamos pela manhã”. “Eu me lembro de como odiei este treinamento e de como o achei com-pletamente inútil, mas não tive coragem de dizer isso a Morton. No último dia, decidida a não voltar para aquele lugar na manhã seguin-te, pensei em todos os conselhos que ele me havia dado e passei a me concentrar nos detalhes que me ajudariam a sair. O perfume das flores que ficavam fora do labirinto, o vento… mas o mais importante era não perder o senso de direção. Durante o dia me concentrava nas nu-vens e em Tunmá, as únicas coisas que eu podia ver. Durante a noite me orientava por Listel e pelas estrelas no céu”. — Isso é interessante – disse Meithel quando Mifitrin parou de fa-lar. – Mas o problema é que aqui não temos nada para nos orientar. Não há Tunmá, nem Listel, nem nuvens ou estrelas, nem vento ou o perfume de flores. Estamos presos neste labirinto sem nada para nos orientar. — Isso pode ser verdade – concordou Mifitrin sem parar de andar – mas eu sei exatamente de onde estamos vindo. Sei que já passamos por este corredor, por isso vou escolher o caminho da esquerda ao reencon-trarmos aquela bifurcação, e sei também que os rastros mágicos que você está deixando estão desaparecendo logo em seguida – a decepção de Meithel apenas aumentou. – E a propósito, você disse que não te-mos como nos orientar. É só nos concentrarmos em cada caminho que escolhemos e seguimos. Desse modo eu sei que a entrada do labirinto está à nossa direita, a uns noventa metros.

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Meithel ficou impressionado com a capacidade de Mifitrin saber on-de estavam, mesmo depois de uma hora andando por aqueles corredo-res. — Posso ter odiado o meu treinamento no labirinto, mas não tardei em perceber o quanto ele foi importante. Pode não nos ajudar muito a encontrar a saída deste labirinto, mas se precisarmos voltar, sei exa-tamente qual caminho percorrer e também sei os caminhos que já pas-samos, por isso vamos ganhar tempo. Eles continuaram seguindo pelos corredores entre as paredes de pedra por um bom tempo, mas agora Meithel seguia pelos caminhos escolhi-do por Mifitrin sem se irritar. Apesar de não ser grande coisa, ela era a que mais estava contribuindo com a situação deles, e ele reconhecia isso agora. — Agora é a sua vez, Meithel – pediu a Sacerdotisa. – Nos conte al-go da sua época de Aprendiz. Meithel pensou por algum momento, então sorriu. Um dia queria ter tempo para compartilhar suas melhores lembranças com seus amigos, mas isso não seria hoje. Mas também não queria contrariar Mifitrin, por isso escolheu qualquer coisa para dizer: — Meu tutor me ensinou muita coisa, mas eu sempre quis aprender mais. Após meus treinamentos, sempre procurava alguém que pudesse me ensinar alguma coisa nova. Claro que Mudriack estava sempre co-migo. Sempre querendo aprender mais e mais, nos metemos em algu-mas confusões sérias… sempre fomos muito curiosos. Certo dia Mu-driack e eu descemos escondidos até o Templo das Relíquias. Gastamos meses de preparação para conseguir burlar toda a segurança do local. Queríamos aprender a usar as relíquias. Cada um de nós pegou uma relíquia, sem nem saber quais poderes tinham, e saímos para treinar. Acontece que a relíquia que Mudriack escolheu, a Arca de Phonterin,

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não era uma relíquia para ser usada por qualquer um. A Arca de Phonterin mantinha aprisionado um exército de demônios antigos e, sem querer, nós os libertamos. “Houve muita confusão e nós fomos castigados durante um mês. Não me lembro quantos Generais e Guerreiros foram encarregados de cap-turarem os demônios, só sei que eram muitos, mas jamais conseguiram encontrá-los”. Elkens sorriu. Durante sua época de Aprendiz, também foi muito cu-rioso, mas não costumava se meter em confusões; sempre foi mais res-ponsável. Responsabilidade era uma virtude mais encontrada nos pro-tetores da Alma, uma vez que trabalhavam com a forma mais pura de vida. — E qual foi a relíquia que você pegou? – ele perguntou curioso. Meithel riu. — Não sei qual era o seu nome, só me lembro que era uma coroa. Não sei o que eu fiz, mas a coroa desapareceu assim que os demônios foram libertados e, até onde eu sei, também nunca foi encontrada. Era noite e eu não consegui ver os demônios, pois fugiram muito rápido, mas Mudriack os viu… Ao ouvir o nome de Mudriack mais uma vez, houve um estalo na mente de Elkens. O amigo de Meithel foi assassinado pela besta mís-tica Argon, sob a montanha Monaltag. Ao ouvir o nome do Feiticeiro novamente, Elkens pensou em algo incrível. Ficou surpreso por não ter pensado naquilo antes. — Agora é a sua vez Elkens, conte-nos algo… — Tive uma idéia! Meithel e Mifitrin olharam surpresos para ele. O rosto do Sacerdote da Alma reluzia de entusiasmo.

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— Do que está falando? – perguntou Meithel esperançoso. – Al-guma idéia que nos mostre a saída do labirinto? Elkens confirmou. — Você disse que nunca viu este labirinto, mas quando passou por aqui Zander ainda não havia sido aprisionado por Kaiser. Tudo isso aconteceu depois que ele se rebelou contra a Magia. — Isso já sabemos… — Mas Mudriack deve ter passado por este labirinto para receber as ordens de Kaiser para nos matar. Meithel concordou. — Mas Mudriack está morto! No que nos ajudará o fato de sabermos que ele conhecia o caminho? Desta vez Elkens não respondeu. Estava muito empolgado com a sua idéia; precisava mostrá-las em ação para os amigos. Deixando a per-gunta de Meithel pairando no ar, Elkens segurou seu colar de rubi com as duas mãos e se concentrou nele. Passou a dizer algo… na ver-dade apenas movia os lábios sem produzir som algum. Mifitrin pres-tou atenção nos movimentos da boca de Elkens, tentando descobrir o que ele estava falando em silêncio. Mas seja lá o que fosse, não fazia o menor sentido; talvez estivesse enunciando um encantamento, pois Mifitrin não entendeu o significado, ou mesmo dizendo algo em outra língua. Mifitrin não conseguiu chegar a uma resposta, mas não se preocupou mais com isso quando Elkens soltou seu colar e olhou para ela. — E então? – ela perguntou após alguns segundos. Nada havia acontecido, nem parecia prestes a acontecer. — Agora é só esperar. Ela já está chegando. — Ela? Quem?

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Elkens não respondeu, apenas sorriu. Mas ele estava certo, pois pouco tempo depois alguém se materializou diante deles. Mifitrin se perguntou se realmente podia chamá-lo de alguém. No início parecia apenas uma sombra, mas logo foi tomando a forma de alguém alto e encapuzado. Nenhuma parte do seu corpo estava vi-sível, a não ser os olhos que brilhavam estranhamente sob o capuz. Em torno do estranho havia uma constante névoa azul-perolada. Meithel gritou de susto ao reconhecer o estranho. Mifitrin fechou os olhos e virou o rosto. — O QUE ELA ESTÁ FAZENDO AQUI? – perguntou a Sacerdo-tisa ainda com os olhos fechados. Sabia o perigo que representava olhar para aquele ser. Era Argon, a besta mística da Renovação, a mesma que assassinou Mudriack sob a Monaltag apenas com seu olhar. — Não há com o que se preocupar – disse Elkens tentando tranqüili-zá-los – Ela não nos fará mal algum. — COMO ELA VEIO PARAR AQUI? — Eu a chamei. Argon está aqui para nos ajudar. — E como ela pode nos ajudar? – perguntou Meithel sem ousar abrir os olhos e encarar a besta. – Nos matando? Elkens não pôde deixar de rir. Toda aquela situação estava muito cô-mica, mas ele precisava deixar uma coisa bem clara: — Argon não mata qualquer um, nem o faz por prazer; já lhes expli-quei isso. Ela só mata alguém para dar lugar à outra alma que precisa muito reencarnar, só quando é estritamente necessário. Mas acontece que sua última vítima foi Mudriack! Meithel e Mifitrin continuaram sem entender, mas agora já estavam de olhos abertos, embora não ousassem encarar a besta diretamente. Elkens resolveu explicar de uma vez por todas:

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— Argon só pode andar por onde sua última vítima andou em vida. Ela deve estar vagando por todos os lugares em que Mudriack passou desde que o matou. — Agora eu compreendo – Mifitrin estava admirada com a idéia de Elkens. – Mudriack deve ter passado por este labirinto para receber a ordem de nos matar, então Argon pode refazer o caminho que ele fez! — Isso mesmo. Elkens deu um passou a frente, encarou os olhos brilhantes de Argon e pediu: — Por favor Argon, nos guie até a saída deste labirinto. Precisamos refazer o caminho feito por Mudriack. Argon fez um estranho som. Talvez aquilo fosse sua voz, ou um gani-do de concordância; era como uma voz trazida de longe pelo vento. A alta besta encapuzada deu às costas aos Sacerdotes e passou a desli-zar sobre o chão, com sua névoa sempre a envolvê-la. Os Sacerdotes tiveram de correr para conseguir acompanhá-la pelos corredores do la-birinto. Agora estavam a um passo de acabar com toda aquela confusão. Nem podiam acreditar que apenas poucos dias atrás estavam deixando os Domínios do Tempo e partindo juntos para o vilarejo Rismã. Naquela época nem se conheciam, mas logo um forte vínculo nasceu entre eles. Meithel, Mifitrin e Elkens se tornaram grandes amigos e logo Lase-rin, Kanoles, Karnar e Gauton se juntaram a eles e fortaleceram ain-da mais esse vínculo. Yusguard chegou mais tarde e, embora não os conheça bem, também já faz parte desse vínculo. Já estava escrito que todos eles se encontrari-am e que, juntos, seriam responsáveis por grandes acontecimentos que ainda estavam por vir. O primeiro deles está prestes a acontecer…

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Argon continuava seguindo confiante pelos corredores do labirinto aparentemente sem fim, e os Sacerdotes continuavam correndo atrás dela. Vários minutos depois, após percorrerem por dezenas de corredo-res diferentes, finalmente chegaram a um corredor mais largo que os demais. No fim do corredor havia um grande altar e, sobre ele, um ar-co de pedra. Era o portal que enfim os levaria até o Guardião da Ma-gia. Ainda estava fechado, mas o colar de Kaiser que estava com Mi-fitrin iria abri-lo. Voando em torno do portal, estavam os pássaros conjurados por Meithel assim que entraram no labirinto. Ele sorriu ao revê-los. Pelo menos não fez o feitiço totalmente errado; os pássaros conseguiram encontrar o caminho certo, só restou voltarem até Meithel para indicar o caminho. Tendo o colar em mãos, Mifitrin subiu no altar primeiro. — Obrigado por nos ajudar – disse Elkens encarando Argon. A besta fez o mesmo som estranho, então desapareceu. Voltaria a vagar pelos lugares em que Mudriack esteve enquanto vivia. Talvez Elkens ja-mais voltasse a precisar da ajuda de Argon, mas, caso precisasse, a besta o ajudaria. Elkens era um Sacerdote da Alma, um dos tipos de protetores que as bestas místicas mais respeitam. Ficaria contente em voltar a ajudá-lo caso isso acontecesse. Ninguém pode saber com cer-teza; tudo depende do destino, mas nem sempre o destino é certo. Pe-quenas coisas que o destino não previu podem alterar todos os aconte-cimentos futuros, por isso nem mesmo o futuro é certo. Só nos resta aguardar e ver o que acontece… — Elkens! O Sacerdote olhou para a Sacerdotisa que o chamava. Mifitrin e Meithel estavam diante do portal, já aberto, prontos para atravessa-rem. Elkens subiu correndo pelos degraus de pedra e, juntos, atraves-

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saram o último portal, aquele que os levaria para o templo do Guar-dião da Magia. Agora não havia como voltar atrás. Os minutos estão contados…

Zander Guardião da Magia

A passagem de um templo para outro era imediata. Por um breve se-gundo eles deixavam de sentir o chão sob os pés, além de também não conseguirem enxergar nada. Mas esse breve segundo passou e Elkens, Meithel e Mifitrin se encontravam no último templo. O lugar conti-nuava o mesmo, Meithel logo o reconheceu, mas para Elkens e Mifi-trin era um lugar completamente novo. Do alto do altar, vislumbra-ram o local gigantesco onde se encontravam. Estavam exatamente no meio do templo. Todo o lugar era cercado por uma incrível muralha. Era tão alta quanto uma montanha, e circun-dava todo o lugar, prendendo-os ali. Passada a surpresa que sentiram ao vislumbrar a muralha gigantesca, Elkens e Mifitrin passaram a re-parar nos outros detalhes espalhados. Havia um trono majestoso não muito longe de onde estavam, além de algumas construções espalhadas à volta, mas por maiores que fossem, eram insignificantes perto da muralha colossal. — Essa muralha representa a fronteira dos Domínios da Magia. To-dos sabemos que existem duas dimensões paralelas, apenas duas co-nhecidas. Em uma delas está Gardwen, com toda a sua vida e seu es-plendor. Mas a outra dimensão é apenas um vazio, um lugar sem luz,

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calor, ou vida. Essa dimensão recebe o nome de Exílio, onde Mon es-tá aprisionado. “Mas também sabemos que cada um dos Domínios Elementares não está em Gardwen, pois os Domínios também ficam no Exílio. Os por-tais mágicos são a única coisa que permite uma ligação entre as duas dimensões. Portanto, estamos no mesmo lugar em que Mon está apri-sionado, mas estamos protegidos. Cada Elemento tem a sua fronteira com o Exílio, e a fronteira dos Domínios da Magia é esta muralha protegida pelo Guardião. Atrás dela fica o vazio do Exílio, e também é onde Mon está”. — Então era por isso que Kaiser queria o Cristal de quatro Faces – disse Mifitrin ainda admirando a muralha. – Ele acreditava que o Cristal poderia destruir a muralha e libertar Mon. Meithel não respondeu; seu olhar, que estivera buscando por algo des-de que chegaram ali, arregalou-se ao encontrar o que queria. Ele apon-tou para frente e começou a correr. Mifitrin e Elkens o acompanha-ram, passaram pelo trono vazio, então finalmente viram o que fez Meithel agir daquele modo. Já não muito longe da muralha, havia al-go flutuando no ar, algo que lembrava um grande cristal. As grades formadas por luz alva se cruzavam no ar e realmente tomavam a for-ma de um cristal. Ele flutuava alguns metros sobre o chão, e girava lentamente num movimento sem fim. Mas o que realmente chamou a atenção deles foi o homem preso dentro do cristal. O homem que flu-tuava em pé no interior do cristal de luz, completamente adormecido. — É ele? – Elkens perguntou para o amigo. — Sim – Meithel estava feliz, Elkens logo percebeu. Estavam diante de Zander, o Guardião da Magia. Mifitrin estendeu uma das mãos e tocou o cristal de luz, tentando atravessá-lo, mas não conseguiu.

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— O que é isso? – ela perguntou intrigada. A prisão de Zander era formada por luz sólida, aparentemente impos-sível de ser quebrada considerando a quantidade de magia que havia nela. Sua estrutura parecia perfeita, inquebrável. — Não sei o que é, nem como funciona – Meithel também tentou cruzar as paredes do cristal, inutilmente. – Mas sei que nenhum pro-tetor seria capaz de criar uma prisão tão perfeita quanto esta. Não há dúvidas de que foi criada pelo poder do Cristal de quatro Faces. Não me surpreende saber que foi Shiron quem a criou, ele sempre compre-endeu como ninguém a estrutura da magia. Nunca vi algo assim; é magia pura e poderosa. Parece não haver falhas neste feitiço, está re-almente perfeito… O coração de Meithel batia num ritmo acelerado. Sentia-se muito or-gulhoso pelo que foi capaz de fazer. Foi capaz de enfrentar tantos pe-rigos e superá-los e, agora, estava prestes a libertar o Guardião da Magia. — Os cristais – ele pediu, quase explodindo de ansiedade. Enquanto pegava um dos cristais de sua bolsa, Mifitrin pegou o cristal de Lase-rin, que também havia se transformado em pedra. Da sua bolsa, El-kens tirou os dois cristais que Gauton lhes trouxe, um também trans-formado em pedra, o outro belo e brilhante como sempre foi; o último cristal vivo, o único capaz de reviver todos os outros. Assim que foram colocados juntos, passaram a reagir. Finalmente as quatro partes daquela relíquia estavam juntas. O cristal vivo passou a brilhar intensamente, enquanto vibrava com a quantidade de magia que passou a fluir dele. Alguns segundos depois os três cristais mortos também passaram a reagir. Primeiro começaram a vibrar enquanto re-cebiam a magia do cristal vivo, depois passaram a emitir um fraco bri-lho que, aos poucos, foi se intensificando. Uma finíssima camada de

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pedra se desprendeu de cada um dos cristais, como se fosse a casca de uma árvore se soltando, revelando cristais belos e brilhantes. Agora os quatro cristais estavam vivos. Mas isso não foi tudo o que aconteceu. Após todos os cristais voltarem ao normal, elevaram-se no ar e passa-ram a girar numa mesma órbita. A velocidade com que giravam foi aumentando conforme o brilho emitido por cada um deles também se intensificava. Passaram a girar tão rápido e a brilhar tanto, que logo os Sacerdotes não conseguiram mais olhar para o que estava aconte-cendo. Quando o brilho minguou, eles enxergaram não quatro, mas apenas um cristal. Um cristal maior, mais belo e muito mais poderoso, resultado da junção das quatro partes. Aquele era o verdadeiro Cristal de quatro Faces, unificado em seu esplendoroso poder.

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Admirado, Meithel caminhou alguns passos e segurou o Cristal em suas mãos. — O que fazemos agora? – Elkens perguntou olhando para a relíquia nas mãos do companheiro. — Não sei – ele respondeu com sinceridade. – Mas vocês se lembram do que Tûm nos disse no vilarejo Rismã? Segundo ele, o Cristal tem vontade própria. — Estive pensando nisso enquanto estávamos no labirinto – Mifi-trin parecia realmente intrigada com alguma coisa. – Se o Cristal tem vontade própria, por que ele iria obedecer Shiron e criar esta prisão para o Guardião da Magia? Nem Elkens nem Meithel souberam responder. A pergunta de Mifi-trin realmente fazia sentido, mas a resposta não, fosse ela qual fosse. Shiron era inteligente, muito inteligente pelo o que ela ouvia dizer; ele poderia ter induzido o Cristal a obedecê-lo. Com certeza sabia como fazer isso. — Mas não devemos pensar nisso agora – Meithel ainda admirava a relíquia em suas mãos. – Kaiser foi derrotado, por isso creio que não precisamos nos preocupar com Shiron; possivelmente não o veremos mais. O que temos de fazer agora é libertar Zander o quanto antes. — Mas como? — O Cristal obedecia Laserin, não é? – Meithel fez uma breve pausa para que Elkens e Mifitrin meditassem, então continuou: – Talvez se pedíssemos para ele… — Então você pede – Mifitrin indicou Meithel. – O Cristal obedecia Laserin porque, como descobrimos depois, ela é uma protetora da Ma-gia, assim como você. O único de nós que pode esperar ser atendido pe-lo Cristal é você, Meithel.

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O Sacerdote da Magia concordou. Olhou fixamente para o grande e belo Cristal em suas mãos, se concentrou e pediu: — Por favor, liberte o Guardião da Magia. Sua voz tremia de excitação, mas nada aconteceu. O Cristal em suas mãos não fez qualquer coisa para realizar o que o Sacerdote pediu. Se o Cristal realmente tinha vontade própria, parecia que não queria obedecer Meithel. — Por favor – ele repetiu. – Liberte Zander do feitiço que Shiron usou para aprisioná-lo. Novamente nada aconteceu. Meithel então fechou os olhos, preparan-do-se para sua última tentativa. Focou toda a sua atenção no Cristal em suas mãos, então fez seu último apelo: — Estamos aqui em nome dos três Elementos da Vida. Passamos por muita coisa para chegarmos até aqui e arriscamos nossas vidas inúme-ras vezes, por isso eu imploro que liberte o Guardião da Magia. Desta vez funcionou, e Meithel soube disso quase que imediatamente. O Cristal em suas mãos voltou a brilhar tal como fez poucos minutos antes. A gaiola do Guardião passou a reagir ao cristal, brilhando as-sim como ele. Isso se prolongou por poucos segundos, pois logo a pri-são de Zander passou a ser destruída de dentro pra fora, como se fosse feita simplesmente de vidro. Se não estivessem em tal situação, achariam a cena até mesmo bela. As diversas camadas do cristal de luz que prendia Zander explodiam de dentro para fora, num espetáculo de cores. Assim que explodiam, parte dos fragmentos desaparecia, dissolvendo-se em luz, outros se transformavam em flocos de luz e ficavam flutuando no ar. Quando a gaiola estava prestes a ser destruída por completo, Zander passou a despertar. Quando a última camada da prisão explodiu nos milhares de fragmentos, o Guardião estava completamente acordado.

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Ele caiu ao chão, mas manteve-se firmemente em pé. A expressão em seu rosto indicava que ele estava desorientado, sem compreender direi-to o que estava acontecendo; mas isso era de se esperar, já que estivera preso em sono profundo nos últimos dias. Seu colar e suas vestes ma-jestosas indicavam que ele realmente era o protetor mais importante da Magia. Passado algum tempo, ele finalmente enxergou os Sacerdo-tes ali; sua expressão agora mostrava que ele começava a lembrar dos fatos e a entender o que estava acontecendo. Os três Sacerdotes fize-ram uma reverência, cada um tocando o seu próprio colar em sinal de respeito. — Vocês me libertaram? – Zander finalmente perguntou. Ao ouvir sua voz, uma inquietação se manifestou dentro de Mifitrin. Uma sen-sação de deja vu, algo que passou a incomodá-la sem reconhecer o que era. — Sim – respondeu Meithel orgulhoso de si mesmo. O Guardião não disse nada, nem mesmo uma palavra de agradecimen-to. Apesar de agora aparentemente ter compreendido o que estava acontecendo, parecia demasiado preocupado. Estava encarando o chão; em sua testa as rugas de preocupação. Estava tentando achar uma solução para algum problema que os Sacerdotes não conheciam, preocupado que algo pudesse ter saído errado enquanto estivera apri-sionado. — Onde está Kaiser? — Nós o derrotamos, senhor – Meithel respondeu. – Kaiser e Shiron foram corrompidos por Mon. Kaiser estava controlando todos os ou-tros Cavaleiros e vários protetores para que se voltassem contra o se-nhor e contra a Magia. Mas agora não há com o que se preocupar. Kaiser foi derrotado e Shiron fugiu…

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Zander mal dava ouvidos ao que Meithel dizia. Realmente parecia muito preocupado. Quando ele levantou a cabeça do chão e seu olhar se voltou para os Sacerdotes pela primeira vez, seus olhos se encontra-ram com os de Mifitrin momentaneamente. A inquietação dentro dela cresceu. O que está acontecendo?, ela perguntava para si mesma. O que há de errado aqui? — Como conseguiram me libertar? — Com o Cristal de quatro Faces, senhor – ao que Meithel disse isso, os olhos de Zander brilharam ao finalmente reconhecer o Cristal nas mãos do Sacerdote. Mifitrin viu o brilho em seu olhar e sua inquieta-ção cresceu como um câncer dentro dela. Seu coração doía diante da-quilo que, em seu íntimo, ela já passava a suspeitar. Tem uma peça faltando neste quebra-cabeça. O que é? O que nós estamos ignorando? Sua mente a levou para uma noite há quinze anos, no dia em que Morton morreu. A resposta que ela queria estava naquelas lembran-ças. Sabia que havia uma relação entre aquela noite e o momento que vivenciavam agora. Havia algo que ligava os passado e presente, mas ela era incapaz de fazer essa associação. Viu Morton caindo no preci-pício… mas não era isso o que ela procurava. Continuava vagando por suas lembranças. Viu a si mesma segurando a pequena esfera do Tempo que guardava o segredo de Kentairen; também não era isso. Lembrou-se da terrível batalha contra os kenrauers… a resposta es-tava perto; ela podia senti-la. Sabia que a resposta para a sua inquie-tação estava em suas lembranças daquela noite catastrófica. Olhou mais uma vez para os olhos de Zander e assim lembrou-se de Mirun-dil, o Guardião que aliara-se a Mon e traíra o Tempo. Assim encon-trou a resposta: o olhar! Era o mesmo, absolutamente o mesmo. Mifi-trin encarava Zander agora, mas seus olhos eram assustadoramente os mesmos de Mirundil.

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— Me entregue o Cristal – ela ouviu Zander pedindo, tentando transpassar em sua voz um pouco de calma. Obediente, Meithel es-tendeu as mãos ao Guardião, oferecendo-lhe a relíquia da Magia. Po-rém, antes que Zander pegasse o Cristal, Mifitrin interveio: — Espere Meithel – ela formulou a frase quase inconscientemente. Só percebeu o que fez depois de ter dito, mas sentiu-se aliviada por is-so. Seu instinto a instigava, lhe dizia que precisavam de tempo, lhe dizia que Meithel precisava segurar aquele Cristal o máximo que pu-desse. ‒ Não entregue o Cristal ainda! Meithel ficou confuso com a intervenção da amiga. Encarou seus olhos azuis tentando compreendê-la, mas logo se irritou. Onde estava o respeito que ela deveria ter com o seu Guardião? — O que está dizendo, Mifitrin? Ele é o Guardião… — Não entregue ainda… A irritação de Meithel apenas aumentou. Ele continuou encarando-a, mas percebeu que ela sequer o enxergava. Estava pensativa e, a julgar por sua expressão, estava pensando em coisas importantes. Meithel reconheceu o medo e o susto em seu rosto, ambos crescendo em propor-ções iguais. Mas ali também havia raiva, desgosto e vergonha. Talvez até um pingo de arrependimento, ele não teve certeza… As mãos de Zander que estavam estendidas para pegarem o Cristal ca-íram ao lado do corpo. Ele olhou para a Sacerdotisa do Tempo e, ao contrário do que fez com Meithel, Mifitrin encarou seu olhar. Tenho a peça que estava faltando na minha mão, ela pensou. Só preciso encai-xá-la no lugar certo… O clima pesado que recaía sobre a cena estra-gou o momento que deveria ser de comemoração, afinal de contas a missão foi um sucesso. Mas enquanto encarava os olhos de Zander (os olhos de Mirundil), o sexto sentido de Mifitrin foi ativado. O destino

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veio ao seu encontro; a previsão despertou dentro dela. Ela tocou um vestígio do destino… Alguém corria… Era Meithel, ela logo o reconheceu. Havia um misto de medo e raiva em seu rosto, e ela não soube à qual dos sentimentos pertenciam as lágrimas que ele derrubava. Ele corria sozinho; nem ela nem Elkens estavam na cena; haviam ficado para trás: Meithel esta-va fugindo! O portal estava a frente dele, o portal que o levaria para o labirinto no templo de Kaiser. Estava definitivamente fugindo… mas então ela enxergou o Cristal em suas mãos! Ele estava fugindo sim, mas não para se salvar; estava fugindo para evitar que alguém tomasse posse da relíquia. Ela assistiu a cena esperançosa. Não sabia o que havia acontecido com ela e Elkens, mas esperava ver Meithel passando por aquele portal. Porém, a cena mudou antes que isso acontecesse. Novamente estava vendo Meithel, ainda com o Cristal em suas mãos. Mas ele não estava mais correndo, tampouco estava sozinho. Elkens estava à sua frente e Meithel o encarava com uma fúria irreconhecível em seu rosto, uma fúria que não parecia ser dele. Elkens olhava para o amigo com medo. Mifitrin percebeu que estavam se enfrentando; a ba-talha entre os dois amigos iria começar (ou continuar, ela não sabia o que havia se passado antes). Meithel tocou levemente seu colar e uma espiral de luz alva passou a rodopiar seu corpo em grande velocidade; enquanto ele se preparava para atacar o amigo, Elkens conjurou em seus braços uma luz rubra que os envolveu: o kotetsu… Meithel estava caído no chão, morto, sobre uma poça do seu próprio sangue… Mais um lampejo de luz e a visão se alterou pela terceira vez. Lá na frente Zander caminhava em direção à Fronteira da Magia, levando o

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Cristal consigo. Alguém vinha correndo atrás dele. Hora era ela e Elkens, hora ela e Meithel, por um momento eram os três, mas de re-pente era apenas Elkens… o destino estava muito incerto. O que iria acontecer ainda não estava completamente definido. O destino estava se reescrevendo constantemente. Que alguém iria atrás de Zander para impedi-lo era certo, embora ainda não se soubesse qual deles, e o fato de Zander conseguir se apossar do Cristal também já parecia defini-do… parecia ser impossível mudar isso… Ela observou Zander próximo à muralha colossal quando a visão se alterou mais uma vez. Mas esta visão também estava indefinida. Por um segundo o Guardião estava sozinho, no outro Elkens estava ten-tando detê-lo. Por um momento ela viu o seu próprio corpo e o de Meithel no chão, mais afastados de Elkens. Ambos pareciam mortos ou prestes a morrer. Havia muito sangue, muitos ferimentos… E de repente não estavam mais lá, como se apenas Elkens tivesse consegui-do chegar tão longe. Ela viu Zander arremessando-o no chão. Viu quando o Guardião empunhou uma grande e bela espada branca, uma espada que ela reconheceu como sendo a Espada da Lei de Kaiser, e caminhou em direção a Elkens. Torceu para que a visão se alterasse, mas isso parecia já estar definido também… Ainda caído de costas no chão, Elkens teve seu coração transpassado pela espada de Kaiser… Um novo lampejo de luz e a mente de Mifitrin foi projetada em outro momento no tempo. O Cristal estava brilhando, liberando uma quan-tidade de magia assustadora. A gigantesca muralha que circundava todo o templo de Zander passou a trincar, rachar e ruir. Estava se despedaçando pelo poder do cristal. Uma sombra de medo passou a es-capar pelas fendas na muralha, penetrando nos Domínios da Ma-gia… Mon estava escapando!

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Mifitrin respirou fundo, como se tivesse acabado de emergir após um longo mergulho. Estava exatamente no mesmo instante e ninguém chegou a perceber que sua mente foi projetada através das linhas do Livro do Destino. Por mais que a visão fosse longa (ou não, impossí-vel saber) na verdade não passou um segundo sequer desde e que a previsão de Mifitrin despertou. Ela estava ali, encarando aquele olhar perturbador de Zander, mas agora todos os seus receios foram confir-mados por um vestígio do destino. Ela sabia que estava diante do ver-dadeiro aliado de Mon, e todas as mentiras em que acreditara eram ar-ruinadas no mesmo momento em que novas dúvidas surgiam. Mas es-tava na hora de desmascará-lo: — Como foi que Shiron conseguiu te atacar? – Mifitrin finalmente perguntou. Diversas perguntas passaram a surgir em sua mente agora, perguntas que já devia ter feito a si mesma há muito tempo. Mas a pergunta que fez foi a primeira de muitas em que pensou. – Como um protetor conseguiu violar as leis e usar seu poder para atacar seu pró-prio Guardião, mesmo isso sendo impossível? E como ele ainda conse-guiu escapar? Meithel prendeu a respiração e seu rosto chegou a corar. Ainda com o Cristal em suas mãos, deu as costas ao Guardião e ficou de frente para Mifitrin. — O que há de errado com você, Mifitrin? – ele perguntou, irritando-se ainda mais. Elkens apenas observava, também sem saber o que es-tava acontecendo. – Como ousa falar dessa maneira com o Guardião da Magia? Mifitrin, ainda sem tirar os olhos de Zander, respondeu: — Você disse na Convocação Elementar Meithel, você disse que viu Shiron atacando o Guardião…

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— Exatamente – o Sacerdote confirmou. – O mesmo Cavaleiro que aprisionou o Guardião e causou todos os nossos problemas. — Agora não tenho tanta certeza disso, Meithel. Só quero te pergun-tar uma coisa: tem certeza de que Shiron atacou Zander com o seu próprio colar? Meithel chegou a abrir a boca para responder, mas o que quer que fos-se dizer, ficou preso em sua garganta. Com as insinuações de Mifitrin, uma grande dúvida surgiu em sua mente. A pergunta de Mifitrin con-tinuava a atormentá-lo: “tem certeza de que Shiron atacou Zander com o seu próprio colar?”. Meithel sabia que a resposta para isso era sim. Tinha certeza de que Shiron atacou Zander com seu próprio co-lar, mas o que não fazia sentido era que ele mesmo sabia que isso era impossível. Um protetor não pode atacar seu próprio Guardião. Não importa o quanto tente, seu colar jamais surtirá efeito contra o Guar-dião, pois ele é invulnerável à qualquer feitiço do seu Elemento que tenha a intenção de prejudicá-lo em qualquer aspecto. Leu isso quan-do ainda era um Aprendiz; estava escrito num dos vários pergaminhos que Lakar, seu tutor, lhe deu para estudar. Nesses pergaminhos con-tinham várias regras e leis importantes que qualquer protetor deveria saber, e o fato de um protetor não conseguir atacar seu Guardião era uma das primeiras coisas que ele aprendeu. Mas então lembrou-se de mais coisas que leu, e delas tirou forças para se opor à Mifitrin: — Mas assim como eu, você também deve saber que já há registros de um protetor atacar seu Guardião com seu próprio colar. Isso é possível sim, Mifitrin… E na Convocação Elementar todos concordaram que Shiron é inteligente o bastante para burlar as leis. Deve ter encontra-do um meio de… — É exatamente neste ponto onde eu queria chegar – disse a Sacer-dotisa finalmente desviando os olhos de Zander e passando a encarar

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Meithel. – Todos os Guardiões que foram atacados por um protetor do mesmo Elemento que eles, todos, sem nenhuma exceção, não tarda-ram a serem punidos por seus próprios colares. Tenho certeza de que você também sabe disso, não sabe? Quando o colar do próprio Guar-dião passa a suspeitar dos atos e atitudes de seu dono, este se torna vulnerável e pode ser atacado por um semelhante. Em outras pala-vras, Shiron atacou Zander porque ele não é mais digno de seu colar! As pernas de Elkens tremiam, assim como as de Meithel. A acusação de Mifitrin era muito séria. Ela podia ser condenada por se voltar contra um Guardião e a punição era uma só: seu colar poderia ser quebrado e ela passaria os restos de seus dias como uma simples hu-mana, sem qualquer poder. O fato de Shiron ter atacado o Guardião da Magia já havia sido dis-cutido na Convocação Elementar, quando os três Sacerdotes se conhe-ceram, mas na época todos acreditaram que havia motivos maiores por trás disso. Mas agora uma série de acontecimentos levava Mifitrin a suspeitar do próprio Zander; apesar de se opor completamente, até mesmo Meithel tinha suas dúvidas em relação ao que Mifitrin dizia. — Isso não interessa agora – Zander quebrando o silêncio com impa-ciência. – Entenderão tudo mais tarde. Agora preciso que me entre-guem o Cristal de Quatro Faces. Num movimento automático para obedecer às ordens do seu Guar-dião, Meithel voltou a lhe estender as mãos que seguravam a relíquia, mas novamente Mifitrin o impediu de entregá-lo. — NÃO! Meithel, não entregue esse Cristal ainda. Meithel não soube o que fazer, continuava sem reação alguma, mas inconscientemente obedeceu Mifitrin e não entregou o Cristal. Ele não queria dar ouvidos à acusação da Sacerdotisa, e se irritava ao ouvi-la lhe mandando recusar uma ordem de Zander, mas no seu subconscien-

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te uma dúvida passava a crescer. Havia algo estranho ali que deve-ria ser esclarecido. — Me entregue o Cristal – Zander voltou a insistir. Sua impaciência crescia rapidamente e seu tom de voz foi lentamente mudando, en-chendo-se de uma fúria já conhecida pela Sacerdotisa: – O CRISTAL ME PERTENCE! Aquele grito desesperado de Zander serviu apenas para confirmar as dúvidas de Mifitrin e para aumentar as mesmas dúvidas de Meithel e Elkens. Havia um tom de insanidade em sua voz, o mesmo tom que Mifitrin havia ouvido quinze anos atrás saindo da boca de outro Guardião. — Agora chega, Mifitrin – Meithel recuperou-se do susto e voltou a se opor a amiga. Fazendo isso ele se sentia redimido diante do Guar-dião por sequer ter duvidado dele. Apesar de saber que coisas estra-nhas estavam acontecendo, tentava a todo custo manter sua lealdade. – O que estamos fazendo não faz sentido. Eu vou entregar este Cris-tal porque ele é o Guardião da Magia! Ele voltou a estender as mãos com o Cristal, mas Mifitrin correu e se interpôs entre os dois. — Não entregue, Meithel – ela voltou a pedir. – Ainda não, por fa-vor. Confie em mim uma última vez… Meithel tentou não dar atenção ao que ela pedia. Empurrou Mifitrin para que saísse da sua frente, mas ela não saiu. Meithel sentia-se en-vergonhado diante de seu Guardião. Precisava pôr um fim naquilo, precisava se redimir. Tendo este único pensamento em sua mente, to-mou uma decisão desesperada: levou uma das mãos ao colar e a amea-çou: — Serei obrigado a te machucar.

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Mifitrin continuou firme. Não fez qualquer sinal de que ia enfren-tar Meithel ou mesmo se defender, mas também não se moveu para permitir que ele continuasse adiante. Olhou bem fundo nos olhos dele e pediu: — Espere só mais um pouco. Vou fazer uma última pergunta a Zan-der; depois de ouvirmos o que ele tem a dizer, você decidirá por si mesmo o que acha correto fazer. Meithel não disse nada, mas Mifitrin compreendeu que ele havia con-cordado com o seu pedido; não precisou dizer nada, seu olhar foi o que bastou para ela entendê-lo. Grata, Mifitrin lhe deu às costas, ficando de frente para Zander, então perguntou: — Por que deixou Shiron escapar depois que ele te atacou? O Guardião olhou irritado para a Sacerdotisa e respondeu de forma seca: — Eu não deixei Shiron escapar. Ele fugiu e eu tive que mandar Kai-ser atrás dele… — Mas um Cavaleiro conseguiu fugir de você? – a voz de Mifitrin era insinuante. – Me pergunto, Zander – ela deu ênfase ao chamá-lo pelo nome ao invés de Guardião ou senhor – se você realmente chegou a usar seu colar para atacá-lo. Me parece que você evitou usar seu próprio colar com medo de ser… punido! Parece que não se arriscou tanto… — MIFITRIN! – Meithel não conseguia conter-se. Estava estupefa-to. Mifitrin estava destruindo tudo aquilo em que ele acreditara desde que se tornou protetor. Sendo um protetor da Magia, Zander é a figu-ra máxima de sua idolatria, é onde põe toda a sua fé, sua motivação e seu orgulho. Ela estava praticamente ofendendo-o. Era como caçoar do deus que Kanoles ou Stemon acreditavam, como insultar a própria

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Magia, insinuar que ela escolheu alguém errado para representá-la e protegê-la. – Como ousa insinuar isso? Mifitrin tinha certo receio em dar as costas ao Guardião, medo do que ele pudesse tentar fazer enquanto ela estivesse com a guarda baixa, mas não podia se dar ao luxo de ter Meithel como um rival. Precisava dele ao seu lado e não contra ela. Elkens faria o que ela pedisse, não precisava se preocupar com ele. Precisava da confiança e lealdade de Meithel, por isso, tentando conseguir ao máximo sua confiança, des-viou os olhos de Zander e olhou para o amigo quando respondeu: — Se ele tivesse usado todo o poder do seu colar para atacar Shiron, ele nunca teria como escapar em condições de voltar com os quatro cristais para aprisioná-lo aqui – ela parecia convicta do que dizia. – Zander ficou com medo de usar todo o poder do seu colar e ser punido por ele. Estivemos errados desde o começo. Acreditamos que Shiron era nosso inimigo e fizemos de tudo para libertar o Guardião, mas não percebemos que estávamos fazendo tudo ao contrário. Estivemos no caminho errado desde o começo! — O que está dizendo, Mifitrin? Desta vez era Elkens quem havia perguntado; era a primeira vez que ele falava qualquer coisa desde que libertaram Zander. O Sacerdote tremia, resultado de uma mistura de emoções. Sentia medo e raiva, e os princípios sob os quais foi treinado se chocavam com as sérias acu-sações de Mifitrin, as quais ele dolorosamente começava a acreditar. Mifitrin o olhou com carinho, mas manteve a voz impassível quando respondeu: — Estou dizendo Elkens, que Kaiser nunca foi nosso inimigo. Estou dizendo que Shiron também nunca foi um aliado de Mon, talvez seja o nosso maior aliado…

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— Se você não se ajoelhar e implorar por perdão, serei obrigado a puni-la Mifitrin! A expressão de Meithel confirmava que ele estava falando a verdade. Apesar de gostar muito da amiga, parecia realmente disposto a ma-chucá-la caso continuasse acusando alguém tão importante como Zander. Mas sua expressão também mostrava outra coisa: Meithel finalmente tomou uma decisão sobre em quem acreditar, e esse alguém era Zander. Manteria sua lealdade, mesmo que fosse obrigado a lutar contra alguém tão querido para ele. Seria fiel a Zander até o fim. — Desculpe Meithel – a Sacerdotisa não se alterou diante de sua no-va ameaça – mas eu não vou fazer isso. Se quiser me punir pode ten-tar, mas eu também te enfrentarei em nome daquilo que acredito ser o correto. Os olhos de Meithel brilhavam com a tamanha raiva que sentia. To-cou seu colar de diamante e conjurou seu habitual gládio de batalha, formado por luz alva sólida, ao mesmo tempo em que Mifitrin conju-rava um bastão de luz anil. Os dois Sacerdotes estavam preparados para se enfrentarem. As mãos apertavam suas armas com uma força desnecessária… — PAREM! Elkens continuava tremendo, talvez ainda mais do que antes, mas foi capaz de tomar uma atitude ao perceber que seus dois amigos realmen-te estavam dispostos a lutarem um contra o outro. Aquilo lhe deu mais medo que qualquer outra coisa. Mais medo que a idéia de Zander ser um traidor, mais medo que os kenrauers provocavam, mais medo que a morte, mais medo que tudo. A visão de seus dois amigos se en-frentando daquela maneira fez o coração de Elkens doer como se um kenrauer estivesse dentro dele. Precisava intervir, precisava tomar a liderança mais uma vez.

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— Ouça o que Mifitrin tem a dizer, Meithel. Meithel olhou para Elkens com uma profunda decepção. Pedir a ele que ouvisse o que Mifitrin queria dizer era como insinuar que ela po-dia ter razão no que dizia. Realmente Elkens não descartava a hipó-tese de Mifitrin estar certa, mas isso deixou Meithel ainda mais furio-so. Seus dois amigos, justo com os quais enfrentou tantas coisas, agora estavam contra ele. — Não conseguem perceber o óbvio? – Mifitrin exaltou-se numa de-sesperada tentativa de abrir os olhos dos amigos, principalmente os de Meithel que estavam tão relutantes em enxergar a verdade. – O Cris-tal obedeceu quando Shiron lhe pediu para aprisionar o Guardião, mas agora, quando Meithel pediu que libertasse Zander, ele recusou e hesi-tou por duas vezes. O Cristal tem vontade própria e sabe de mais coi-sas que nós. Ele hesitou em libertar Zander porque sabe que ele é o verdadeiro aliado de Mon. Pela expressão de Meithel, parecia que lhe estavam arrancando partes do corpo; parecia que estava ruindo por dentro, sentindo uma dor in-suportável. Desde que Mifitrin passou a acusar Zander, Meithel tem tentado buscar provas que revelassem que seu Guardião era inocente, que também era mais uma vítima em toda aquela história, mas não conseguia. O número de indícios que Mifitrin apresentava contra Zander só aumentava, mas ele não conseguia encontrar nada que pu-desse manter a imagem de Zander imaculada. Meithel chegou a tal ponto tentando buscar por respostas que desmentissem Mifitrin que sua mente começou a entrar em colapso. Então desistiu. Não foi ca-paz de manter-se fiel e aceitou as palavras de Mifitrin. Simplesmente desistiu, mas isso foi mais difícil que se opor à amiga. Significava que alguém a quem sempre admirou não passava de um grande traidor, um corrupto, um mentiroso.

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— Isso não é possível… ‒ sua voz era um mero sussurro. — É sim Meithel – agora a Sacerdotisa olhava com compaixão para o Sacerdote da Magia. Ela tinha idéia do que ele estava sentindo. – Eu também pensei que isso fosse impossível, mas quinze anos atrás Mor-ton me provou o contrário. Naquele dia eu vi o verdadeiro Guardião do Tempo. Eu idolatrava Mirundil tanto quanto Morton, mas naque-le dia percebi o quanto estava enganada. Naquele dia percebi que até mesmos os Guardiões podem ser corrompidos. O Sacerdote da Magia chorou, incapaz de conter as lágrimas que for-çavam seus olhos por dentro, mas não teve coragem de se virar e enca-rar Zander, por isso apenas abaixou a cabeça. Não sabia se chorava de raiva ou por decepção, só sabia que estava ao lado do verdadeiro responsável por tantas mortes, incluindo as de Lakar, seu tutor, e de Mudriack. Mifitrin sentia-se imensamente grata por Meithel acreditar nela. Sa-bia o que ele estava sentindo, pois sentiu tudo isso no passado. Olhou para seu rosto riscado pelas lágrimas, e dele olhou para Zander logo atrás. Quando os olhos da Sacerdotisa e do Guardião se encontraram mais uma vez, Zander soltou uma imensa gargalhada. Riu tanto que chegou a perder o ar, mas, quando parou, ainda teve fôlego para dizer: — Você está certa, Sacerdotisa do Tempo! Mifitrin se controlou para não se atirar contra aquele traidor despre-zível. Primeiro precisava ouvir a verdade da boca dele, e Zander de-monstrou saber o que ela queria, pois logo começou a dizer: — Foi tudo um grande plano… e vocês acreditaram nele! Caíram di-reitinho. “Shiron é muito esperto, não me surpreende que ele tenha sido o único Cavaleiro a perceber que eu estava do lado de Mon. Quando percebeu isso, tentou me derrotar… acredito que você se lembre desta cena, não

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Meithel? Você viu quando ele me atacou, mas é tão tolo que não en-xergou a verdade”. Meithel não se moveu. Continuava sem coragem de olhar para Zander, olhando para o chão. Embora seu rosto ainda esti-vesse molhado, já não chorava mais. As lágrimas congelaram-se dentro dele; ele próprio parecia ter se congelado: parecia uma estátua, com-pletamente imóvel, completamente sem reação. Zander prosseguiu: “Mas ele percebeu que não seria páreo para mim, por isso fugiu; eu mandei Kaiser atrás dele. Kaiser foi o primeiro dos nove Cavaleiros em que eu lancei o meu feitiço de controle. Poucos dias se passaram e Shiron retornou aos Domínios da Magia, trazendo consigo o Cristal de quatro Faces e, com ele, conseguiu me aprisionar. Fui pego com a guarda baixa. Mas nesse momento Kaiser já estava agindo sob as mi-nhas vontades, por isso prosseguiu com o plano. Perseguiu Shiron e o alcançou antes que pudesse fugir. Acredito que os dois travaram uma grande batalha, pois Shiron foi obrigado a fugir para não ser morto e, até onde sei, encontra-se muito ferido. Ele é mais forte que Kaiser, mas acredito que não tenha tido coragem de matar seu grande amigo sabendo que ele era uma marionete. Mas antes que pudesse fugir com os quatro cristais e trancar todos os portais, Kaiser recuperou um de-les. Assim os planos de Shiron de me trancar aqui falharam, pois dos cinco portais trancados, incluindo o portal principal, tínhamos uma das chaves. Então Kaiser começou a busca pelos outros três cristais; encontrou dois deles, e Mudriack foi enviado para pegar o último…”. — Mas Mudriack falhou – Mifitrin exibia seu orgulho enquanto o desafiava. — Mas eu já sabia que isso aconteceria – Zander afirmou com um sorriso malicioso. – Por intermédio de Kaiser eu já havia enviado um grupo de kenrauers em nome de Mon ao vilarejo conhecido como Ris-mã, pois sabia que o último cristal podia estar lá – os Sacerdotes se

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lembraram da batalha contra os kenrauers ainda no vilarejo, logo que iniciaram a missão. – Mas os kenrauers falharam, por isso perce-bemos que estávamos enfrentando alguém com muito poder. Desse modo sabíamos que não importava quem mandássemos atrás de vocês, pois dificilmente conseguiriam trazer o cristal. Por isso escolhemos Mudriack, um protetor sem um grande valor e que podia ser descarta-do… Nesse momento Meithel se virou. Enxugou as lágrimas do rosto com o dorso das mãos e encarou Zander com um imenso ódio no olhar. — Mudriack era meu amigo! Zander não fez nada a não ser rir. Mifitrin ficou pronta para deter Meithel caso ele avançasse contra o Guardião, mas isso não aconte-ceu. Meithel continuou tremendo de raiva, mas permaneceu no mesmo lugar. Isso Meithel, não perca a razão… — Se sabiam que Mudriack não seria páreo para recuperar o cristal, então por que não enviaram alguém mais forte? — Porque nem mesmo os kenrauers haviam conseguido roubar o cris-tal, por isso acreditei que seria inútil enviar alguém mais forte. Seria apenas uma perca desnecessária. O que eu realmente queria era plan-tar uma dúvida no coração de vocês. Fiz com que Mudriack insinuas-se que os nove Cavaleiros da Magia haviam tomado o poder e que ha-viam me aprisionado. Eu sabia que iriam acreditar nisso, pois sabia que Meithel estava com vocês e ele já havia visto um dos Cavaleiros me atacando. A raiva de Meithel apenas aumentou. Sentiu raiva por ter sido usado, algo que ele realmente detestava. Sentiu raiva por ter sido usado para que aquele plano funcionasse, e funcionou. Sabendo que não poderiam roubar o Cristal, Zander bolou uma armadilha para que os Sacerdotes levassem o cristal até ele o mais rápido possível. A isca foi as palavras

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de Mudriack e eles a morderam. Meithel finalmente deixou de lado o pouco de respeito que ainda sentia por Zander e perguntou: — Se Shiron não era nosso inimigo, por que tentou nos matar no Templo do Sacrifício? O Guardião sorriu ao ouvir isso, um sorriso do qual Meithel sentia vontade de arrancar todos os dentes. — Essa é uma pergunta interessante, pois também me intrigou muito. Mas não demorei a entender; apesar de não ser inimigo de vocês, Shi-ron não podia permitir que vocês viessem até aqui e me trouxessem a última face do Cristal. Logicamente que seria muito mais fácil sim-plesmente aparecer para vocês e lhes contar toda a verdade, mas creio que ele ainda não tenha se recuperado da luta contra Kaiser, talvez nem esteja consciente. Sendo assim, ele só tinha uma chance de fazer qualquer coisa para impedi-los, mas caso aparecesse abertamente, Meithel ainda acharia que ele era um inimigo e talvez ninguém acre-ditasse em sua história. Shiron é muito esperto e sei que ele não igno-rou esta possibilidade, por isso ele tomou a decisão de matá-los. Ele não podia correr o risco contando verdades nas quais dificilmente acreditariam e foi muito esperto ao tomar a decisão que tomou. Mas por mais que a suposição de Zander fosse aceitável, ainda não era completa, pois essa hipótese apresentava muitas falhas. Assim que fugiu dos Domínios da Magia, Shiron já deveria ter ido até os Domí-nios do Tempo ou da Alma e contado tudo o que estava acontecendo. Isso evitaria muitos problemas, evitaria que Zander fosse libertado pelos Sacerdotes ou por qualquer outro. Por mais que pensassem, não conseguiam entender realmente quais as verdadeiras intenções de Shi-ron. Mas há coisas que não são feitas para serem entendidas, apenas são o que são e mais nada. Coisas que foram cuidadosamente planejadas e

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que não podem ser compreendidas ou alteradas. Shiron não é sim-plesmente o Cavaleiro que aprisionou Zander por saber que ele é um traidor, Shiron é alguém de suma importância na trajetória dos acon-tecimentos recentes. Alguns segundos de silêncio se seguiram ao pararem de falar do Cava-leiro. Zander parecia prestes a quebrar o silêncio e iniciar uma batalha na qual acabaria com os Sacerdotes e tomaria posse do Cristal, mas Mifitrin percebeu isso e resolveu adiar a inevitável batalha contra o pior de todos os inimigos que já haviam enfrentado. Havia uma últi-ma pergunta que ela precisava fazer, algo que ela não conseguia en-tender e precisava da resposta: — Graças aos juramentos feitos durante o Ritual de Plena Lealdade, os Cavaleiros não podem recusar uma ordem direta do Guardião, por-tanto você poderia passar qualquer ordem aos Cavaleiros que de um jeito ou de outro eles o obedeceriam. Mas juntos os quatro Sábios tem os mesmos poderes e direitos que um Guardião, portanto poderiam confrontá-lo; acredito que foi por isso que você mandou matar os Sá-bios – Mifitrin fez uma breve pausa, na qual Zander confirmou com a cabeça tudo o que ela dizia. – Mas o que eu ainda não consigo en-tender é como você conseguiu controlar todos os outros. Apesar de po-der questionar e não concordar com alguma ordem sua, os Cavaleiros são obrigados por seus colares a cumprirem, mas isso não se aplica aos demais protetores; apenas os Cavaleiros estão sujeitos a esta regra por causa do juramento que fazem ao Guardião quando recebem o colar. Então como foi que você conseguiu controlar Mudriack, Ego, Calar-rin, Gauton e tantos outros? Zander sorriu. Por algum motivo esta pergunta lhe proporcionava um prazer sem igual. Sua expressão era radiante quando respondeu de forma simples:

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— Quando juramos lealdade a Mon, ele nos concede poderes inima-gináveis – seus olhos brilhavam de alegria ao responder. – Mon me deu o poder de controlar qualquer um que use um colar da Magia. Shi-ron percebeu isso e logo tomou algumas medidas precatórias, por isso não pude controlá-lo com o feitiço de controle. Assim eu passei a lan-çar esse feitiço em cada protetor aqui dentro, mas fiz de modo que to-dos acreditassem que estavam sendo controlados por Kaiser. Fiz de modo que todos acreditassem que Kaiser era o verdadeiro inimigo; se não tivesse feito isso, Kam já teria estragado meu plano quando con-tou a verdade para Meithel. Se isso acontecesse, jamais teriam vindo me libertar. Meithel encarava o Guardião com uma expressão mortificada no ros-to. Mifitrin sabia como era se sentir daquela maneira. Sabia como era idolatrar alguém a quem tinha grande respeito e, de repente, descobrir que esse alguém se rebaixou ao nível de Mon. A Sacerdotisa do Tempo e o Sacerdote da Magia sentiram a mesma coisa, mas Mifitrin sentiu isso quinze anos atrás e Meithel estava sentindo agora. Mas Meithel conseguia se sentir ainda pior do que Mifitrin se sentiu, pois ele fez parte de todo aquele plano de Zander. Ele foi enganado e usado e, por sua culpa, o verdadeiro aliado de Mon estava livre mais uma vez. Po-rém, nem lhe passava pela cabeça que tudo isso fazia parte de um pla-no ainda maior. Zander olhou para a grande muralha logo atrás dele. Mon estava pre-so atrás daquela muralha e, de alguma forma, parecia estar se comuni-cando com ele. Quando o Guardião voltou a olhar para a frente, seus olhos havia se transformado. Parecia sedento por sangue, desesperado para matar logo aqueles três infelizes e libertar de uma vez por todas o seu soberano.

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— Agora chega – disse ele com a voz também alterada. – Mon está impaciente e não quer esperar mais. Já que não quiseram me entregar o Cristal, serei obrigado a tomá-lo…

Zander levantou a mão direita acima da cabeça e nela conjurou uma lança de luz sólida. Sem hesitar, atirou a lança pelo ar. Mifitrin jo-gou-se para o lado para poder desviar, mas ela não era o primeiro alvo do Guardião. A lança passou por ela e atravessou o peito de Meithel… Tudo aconteceu tão rápido que ela só conseguiu entender quando viu o corpo de Meithel inclinado para trás, meio metro acima do chão, em-palado na arma de Zander. Abaixo dele a poça de sangue ia crescendo rapidamente. O sangue saía por sua boca e seu nariz e os olhos esta-vam vidrados, voltados para o alto. A lança, que estava fincada no chão formando um ângulo com o corpo nela empalado, desmanchou-se em flocos de luz. Sem qualquer apoio, o cadáver de Meithel caiu sobre a poça de sangue que chegava a um metro de diâmetro. Ela era incapaz de respirar; o ar havia se solidificado em seus pul-mões. Enquanto encarava o corpo do amigo, teve esperanças de que fosse ver seus olhos piscarem, ou seus dedos se moverem levemente… teve esperanças de ver seu peito (agora com um buraco do tamanho de um palmo) inflar-se enquanto ele respirava… teve vontade de correr até ele, se certificar de que o coração ainda estava bombeando sangue para o resto do corpo, mas não estava. Nada do que esperava aconte-ceu; o que viu foi seu corpo brilhar momentaneamente e uma bela al-ma sair de dentro dele, batendo suas asas para voar para longe de to-da aquela confusão. Meithel estava morto!

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Perdendo completamente a razão, atirou-se contra o Guardião. Dei-xou que seu ódio a guiasse. Mas mal chegou há dois metros dele e al-gum feitiço de proteção foi ativado. Mifitrin sentiu seu corpo ser jo-gado para longe. Quando caiu no chão, olhou para o lado e viu Zan-der atacando o último dos três Sacerdotes em pé: Elkens. Ele foi der-rotado com incrível velocidade; não levou mais que cinco segundos pa-ra cair nocauteado no chão. Zander caminhou até ele e pisou com for-ça em seu pescoço, tentando esmagá-lo… Mifitrin não queria assistir a cena, por isso virou a cabeça para cima. Nem tentou se levantar, pois sabia que seria apenas questão de segundos para que os três Sa-cerdotes estivessem finalmente mortos… Respirou fundo quando tudo acabou. Confusa e assustada olhou para os lados. Elkens e Meithel ainda estavam ali, bem pertinho dela. Foi apenas mais uma previsão. Agora ela sabia o que iria acontecer, só precisava impedir. Lembrando-se do corpo de Meithel, reuniu toda sua coragem para agir. Viu Zander levantar uma das mãos para o alto e conjurar a lança de luz sólida. Quando lançou sua arma, Mifitrin não se desviou… segurou a arma no ar, interrompendo o percurso que a levaria até o peito de Meithel. O Guardião vacilou por um momento, surpreso pela reação tão rápida da Sacerdotisa. Mifitrin aproveitou esse descuido momentâneo e usou o tempo ao seu favor para chegar às costas de Zander antes que ele pudesse fazer qualquer coisa. Quando teve certeza de que conseguira imobilizá-lo, gritou para os companhei-ros: — CORRAM! FUJAM DAQUI E LEVEM O CRISTAL PARA O MAIS LONGE QUE PUDEREM.

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