TURISMO CULTURAL - Uma Visão Antropologica - Xerardo P. Pérez

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  • Uma viso antropolgica

    TURISMO CULTURAL

    ColeccinPASOSedita,n2

    XerardoPereiroPrez

  • XerardoPereiroPrez

    TURISMO CULTURAL

    Uma viso antropolgica

    ColeccinPASOSedita,nmero2www.pasosonline.org

  • Turismo Cultural. Uma viso antropolgica / Xerardo Pereiro Prez El Sauzal (Tenerife. Espaa): ACA y PASOS, RTPC. 2009. 307p. Incluida bibliografa. 1. Turismo y cultura. 2. Cambio cultural. 3. Impactos. 4. Experiencia. I Pereiro, Xerardo. II.

    Ttulo. III. PASOS, Revista de Turismo y Patrimonio Cultural. IV. Serie

    3(304.2):3(316)(379.85)

    Edita:AsociacinCanariadeAntropologa.

    PASOS,RevistadeTurismoyPatrimonioCulturalP.O.Box33.38360ElSauzalTenerife(Espaa)

    Dieodecubierta:ast_aluego

    Depsitolegal:TF11982009ISBN(13):97884884291312009.PASOS.RevistadeTurismoyPatrimonioCultural

    www.pasosonline.orgemail:[email protected]

  • I

    PREFACIO

    Desde o ponto de vista da antropologia o turismo acima de tudo um desafio. Desafio este que deriva, em primeiro lugar, do prprio cariz fugidio do objeto: como distinguir na comunidade receptora os efeitos do turismo daqueles outros deflagrados por fatores mais gerais, provenientes dos meios de comunicao de massa ou do processo de globalizao/mundializao? Como inferir sobre as influncias sofridas por visitantes e visitados no mbito de uma relao social necessariamente transitria e assimtrica? At que ponto os conceitos mais largamente utilizados no turismo so operacionais no plano emprico observado? Em termos sociolgicos, o que implica, afinal, ser um turista?

    Aqui se est a falar de uma atividade cujas conseqncias podem at mesmo se antecipar aos fatos, e cujos principais apelos comerciais so baseados em atributos intangveis: a experincia, a fantasia, o esprito do lugar, a magia, a imagem, o bronzeado, a recordao (Selwin, 1996; Simonicca, 2001 e 2007; Santana Talavera & Pinto, 2008).

    E, a despeito da sua prpria volatilidade, trata-se de um negcio que representa a maior indstria do mundo e o principal deslocamento humano em tempos de paz na histria da humanidade (OEA, 2008). Quanto s suas conseqncias, estas podem ser mesuradas, por exemplo, na recomendao da seguinte orao pela Igreja Ortodoxa grega, na dcada de 1970:

    Senhor Jesus Cristo, Filho de Deus, tende piedade das cidades, das ilhas e dos povoados desta Ptria Ortodoxa, assim como dos santos monasterios que vm sendo assolados pela onda turstica mundial. Concede-nos a graa de uma soluo para este dramtico problema e protege aos nossos irmos submetidos a uma dura prova pelo esprito modernista destes invasores ocidentais contemporneos (Smith and Turner, 1973, 55 apud Crick, 1992).

    Da sua pr-histria elitista e inicipiente, anotada a partir de fins do sculo XIX, at sua viragem massiva aps a Segunda Guerra Mundial, proporcionada por um conjunto de disposies econmicas, tecnolgicas e scio-culturais que foram se constituindo paulatinamente nesse lapso temporal, o turismo se espraiou pelos mais diversos rinces do mundo, reconfigurando e re-localizando os mais distintos espaos sociais.

    E nesse processo ele prprio foi se alterando de forma cada vez mais intensa, apresentando uma mirade de variaes motivacionais, de derivaes simblicas, de usos do espao e, por conseqncia, de novas disposies atitudinais dos turistas, dotado que de um carter altamente mutante e adaptativo (Santana Talavera, 1997).

    Desse modo, o turismo s pode ser entendido se pensado enquanto um sistema no-linear, multifoliado, complexo, excntrico e inconstante, uma vez que sua evoluo e ramificao se tornaram imprevisveis, apresentando vrios centros simultaneamente autnomos e interdependentes e pelos quais cresce, transborda e se reproduz, guisa de um rizoma (Deleuze e Guattari, 1999, 32; Barretto, 2009, 11-13).

  • II

    essa complexidade que leva alguns autores a classificar o turismo como uma indisciplina (Tribe, 1997) ou mesmo uma ps-disciplina (Coles, Duval e Hall, 2005), demandante de um esforo conjugado de vrios campos de conhecimento, considerando todos os problemas da derivados. E nesse mbito que a antropologia do turismo isto , os estudos antropolgicos sobre o turismo (Santana Talavera, 1997) partilha seu objeto com disciplinas contguas e destas passa a dividir enfoques, mtodos e tcnicas, numa simbiose consoante a porosidade ontolgica do prprio turismo.

    E aqui se tem um segundo desafio: ter em considerao os perigos ocultos do ecletismo (Marvin Harris, 1979; Hernndez Ramrez, 2006), isto , mesmo trabalhando numa arena terico-metodolgica inter e multidisciplinar, no descurar de um rigor acadmico que mantenha uma distncia prudente de um relativismo terico e metodolgico que assumiria acriticamente as aproximaes analticas e metodolgicas de distintos enfoques, em detrimento de um esforo de teorizao que procure compreender a variedade das circunstncias empricas encontradas no terreno.

    No bojo dessa complexidade emerge um terceiro desafio, que , considerando o turismo como um consumidor de culturas (Santana Talavera, 2003) e o turista como depositrio de uma pauta cultural itinerante (Magnani, 1984; Urbain, 1993), compreender nos planos sincrnico e diacrnico e dentro do rigor acadmico que se supe inerente ao cientista social as regularidades e as nuances sutis que configuram o turismo como um fenmeno sociolgico irrevogvel, um fato social total e um emblema da contemporaneidade (Aug, 2001; Graburn & Barthiel-Boucher, 2001). dentro desse esprito estimulante que concebido o livro Turismo Cultural. Uma Viso Antropolgica.

    A obra dividida em dez captulos, dos quais os quatro primeiros so dedicados a alguns dos principais temas-problemas da antropologia do turismo, quais sejam: o turismo enquanto objeto da antropologia; o turismo como relao scio-cultural; os sistemas de produo de imagens e de experincias ritualizadas; e os efeitos da atividade turstica nas comunidades receptoras.

    Os seis ltimos captulos se referem mais especificamente ao turismo cultural, ao patrimnio, aos museus e espacializao rural e urbana do turismo, apresentando no s aspectos relativos ao enquadramento histrico, terico e conceitual, como tambm conexes empricas, numa feliz aproximao com a dimenso aplicada da antropologia.

    Seguindo a idia original do autor, este livro pode ser pensado como duas obras que se completam: uma primeira parte dedicada problematizao mais geral do turismo dentro das cincias sociais, onde so apresentados com uma erudio invulgar os principais pontos de discusso do tema segundo uma pauta estabelecida por autores fundantes (Cohen, 1972, 1979 e 1984; Smith, 1977; MacCannel, 1976; Nash, 1996), e uma segunda parte, que deslinda minuciosa e rigorosamente o tema do turismo cultural e suas co-relaes com o patrimnio.

    Embora se proponha a ser uma introduo temtica, o que se reflete na sua leitura fluida e didtica, com uma cuidadosa disposio de objetivos, exemplos e referncias bibliogrficas a cada captulo, o livro Turismo Cultural. Uma Viso Antropolgica excede sobejamente sua proposta inicial, abundande tanto em indicativos empricos cotejados luz da teoria, quanto em referenciais conceituais que se articulam numa sntese

  • III

    simultaneamente saliente e equilibrada, representando um importante marco nos estudos sobre o tema, especialmente para os leitores de lngua portuguesa, h muito carentes de uma obra referencial sobre a convergncia entre turismo e antropologia.

    Enfim, nada mais h a dizer do que convidar o leitor dita de desfrutar do livro e de explorar todas as suas possibilidades, servindo-se do largo conhecimento terico e aplicado do autor, com o qual enredada essa obra que j nasce como uma referncia incontornvel sobre a temtica da antropologia do turismo e do turismo cultural.

    Roque Pinto Universidade Estadual de Santa Cruz - Brasil

  • IV

    Referncias

    AUG, M. (2001). Rapports Entre Tourisme, Culture et Territoire. Turisme i Cultura. Debats del Congrs de Turisme Cultural. Sal Internacional del Turismo a Catalunya. Barcelona: Fundaci Interarts. P. 21-31.

    BARRETTO, M. (2009). Turismo y cultura. Relaciones, contradicciones y expectativas. El Sauzal (Tenerife, Espaa): PASOS, Revista de Turismo y Patrimonio Cultural (www.pasosonline.org). E-book, Coleccin PASOS Edita, n 1.

    COHEN, E. (1972). Towards a Sociology of International Tourism. Sociological Research, 39. P. 164-182.

    COHEN, E. (1979). Rethinking the sociology of tourism. Annals of Tourism Research, 6. P. 18-35.

    COHEN, E. (1984). The Sociology of Tourism: Approaches, issues and findings. Annual Review of Sociology, n. 10. P. 373-392.

    COLES, T., DUVAL, D. T. y HALL, M. (2005). Sobre el turismo y la movilidad en tiempos de movimiento y conjetura posdisciplinar. Poltica y Sociedad, 42(1). P. 85-99.

    CRICK, M. (1992). Representaciones del turismo internacional en las ciencias sociales: sol, sexo, paisajes, ahorros y servilismos. In: JURDAO ARRONES, F. (Comp). Los Mitos del Turismo. Madrid: Endimin. P. 339-404.

    DELEUZE, G. e GUATTARI, F. (1999). Mil Plats. So Paulo: 34. (Vol. 1). GRABURN, N. & BARTHIEL-BOUCHER, D. (2001). Relocating the Tourist. International

    Sociology, 16(2). P. 147-158. HARRIS, M. (1979). El Desarrollo de la Teora Antropolgica. Una Historia de las Teoras de la

    Cultura. Madrid: Siglo XXI. HERNNDEZ RAMREZ, J. (2006). Produccin de Singularidades y Mercado Global. El

    estudio antropolgico del turismo. Boletn Antropolgico, 24(66). P. 21-50. MACCANNELL, D. (1976). The tourist: A new theory of the leisure class. Londres: Macmillan. MAGNANI, J. G. (1984). Festa no Pedao: Cultura Popular e Lazer na Cidade. So Paulo:

    Brasiliense. NASH, D. (1996). Anthropology of Tourism. New York: Pergamon. OEA ORGANIZAO DOS ESTADOS AMERICANOS. (2008). Apoio s atividades da

    OEA em matria de turismo. Departamento de Direito Internacional. Resolues da Assemblia Geral de 7 de junio de 1996. AG/RES. 1426 (XXVI-O/96). Disponvel em: http://www.oas.org/juridico/spanish/ag-res96/Res-1426.htm. Capturado em 12 de novembro de 2008.

    SANTANA TALAVERA, A. (1997). Nuevas Hordas, Viejas Culturas? La Antropologa y el Turismo. Barcelona: Ariel.

    SANTANA TALAVERA, A. (2003). Mirando Culturas: La Antropologa del Turismo. In: Rubio Gil, A. (Ed.). Sociologa del Turismo. Barcelona: Ariel. P. 103-125.

    SANTANA TALAVERA, A. & PINTO, R. (2008). Tourism in the Consumer Society: Anthropologic Subsidies to the Static Subsystem Figuration. Journal of Hospitality and Tourism, 6(2). P. 87-110.

    SELWYN, T. (1996). (Ed.). The Tourist Image: Myths and Myth Making in Tourism. Chichester: John Wiley and Sons.

    SIMONICCA, A. (2001). Antropologia del Turismo: Strategie di Ricerca e Contesti Etnografici. Roma: Carocci.

    SIMONICCA, A. (2007). Conflicto(s) e Interpretacin: Problemas de la Antropologa del Turismo en las Sociedades Complexas. In: LAGUNAS, D. (Coord.). Antropologa y Turismo. Claves Culturales y Disciplinares. Mxico, D. C.: Plaza y Valds. P. 27-46.

    SMITH, V. (org.) (1977). Hosts and Guests: The Anthropology of Tourism. Philadelphia: University of Pennsylvania Press.

    SMITH, M. and TURNER, L. (1973). Some Aspects of the Sociology of Tourism. Society and Leisure, n. 5. P. 55-71 apud CRICK, M. (1992). Representaciones del turismo internacional en las Ciencias Sociales: Sol, Sexo, Paisajes, Ahorros y Servilismos. In: ARRONES, J. (1992). Los mitos del turismo. Madrid: Endimin. P. 339-403.

    TRIBE, J. (1997). The indiscipline of Tourism. Annals of Tourism Research, 24. P. 638-657. URBAIN, J-D. (1993). El Idiota que Viaja. Madrid: Endymion.

  • V

    APRESENTAO E AGRADECIMENTOS

    A relao entre turismo e cultura, numa perspectiva antropolgica, o ponto de partida para uma reflexo sobre o campo do turismo cultural. Os textos aqui reunidos resultam da investigao bibliogrfica e documental sobre turismo cultural que eu tenho vindo a desenvolver desde 1997,acompanhada de investigao de terreno feita na Galiza, no Norte de Portugal e em Kuna Yala (Panam). Este caminho foi percorrido em dilogo com muitos actores sociais entre os quais destaco os alunos de Recreao, Lazer e Turismo do Plo da UTAD em Chaves, os de Antropologia Aplicada e os de Trabalho Social do Plo da UTAD em Miranda do Douro, os de Animao Sociocultural do Plo de Chaves, os alunos do Mestrado em Turismo da UTAD e da Universidade de Vigo. Juntamente com eles fui debatendo e construindo um conjunto de reflexes tericas e estratgias metodolgicas para trabalhar a relao entre turismo e cultura. Esse debate e essa construo beneficiaram, tambm, do dilogo permanente que eu tenho vindo a manter com colegas de vrias universidades especialistas em diversas disciplinas.

    O meu interesse pelo turismo nasceu em meados dos anos 1990 quando desenvolvi um trabalho de investigao no Parque Etnogrfico de Alhariz (Galiza). Foi nesse espao de encontro entre o patrimnio cultural, os museus e o turismo que aprofundei a reflexo sobre o turismo como agente de mudana sociocultural. Nesse terreno acompanhei e trabalhei com os turistas e os visitantes dos museus. Ali, tive o acompanhamento e o incentivo de Xos Carlos Sierra, antroplogo e director do Museu Etnolgico de Ribadavia, que, por um lado, me orientou muito e bem nas minhas pesquisas e, por outro, estimulou o meu crescimento intelectual. Uns anos antes, no programa curricular de doutoramento em antropologia da Universidade de Santiago de Compostela, o Prof. Agustn Santana, j me motivara para esta temtica. A eles devo, de certa forma, o enveredar por este caminho.

    Nestes anos de trabalho, fui apoiado, atravs de bolsas de investigador visitante, nas seguintes instituies: Universidade de Birminghan (Inglaterra, bolsa Scrates-Erasmus), Universidade de Perugia (Itlia, bolsa Scrates-Erasmus), Universidade de Santiago de Compostela (Galiza, bolsa do Centro de Estudos Euroregionais CEER-). Tambm tenho recebido uma bolsa de licena sabtica da Fundao para a

  • VI

    Cincia e a Tecnologia (FCT), durante alguns meses do ano de 2006, o que me permitiu completar e melhorar alguns captulos desta obra.

    O texto tem formato de manual escolar, o que justifica a organizao e os contedos apresentados, pois inicialmente destinava-se a estudantes de turismo e patrimnio cultural. Os pblicos-alvo so os estudantes de turismo, patrimnio cultural, antropologia e cincias sociais, e tambm os tcnicos e polticos do turismo e da gesto cultural.

    Alguns captulos que se apresentam agora foram debatidos nos seguintes congressos: (2001): Patrimonializao e transformao das identidades

    culturais, em 1 Congreso de Estudos Rurais, Vila Real, 16-18 de Setembro de 2001, em (www.utad.pt/~des/cer).

    (2001): Turismo cultural: Leituras da Antropologia, em Congresso Internacional de Turismo Cultural, organizado por Naya (Notcias de Antropologia e Arqueologia Argentina, www.naya.org).

    (2002): Do museu ao ecomuseu: os novos usos do patrimnio cultural, em Pardellas, X. (ed.) (2002): Turismo Natural e Cultural. Pontevedra: Universidade de Vigo, pp. 141-158.

    (2003): El turismo cultural y sus perspectivas, em VIII Congresso da Associao Espanhola de Expertos Cientficos em Turismo, Pontevedra, de 2 a 4 de Outubro de 2003.

    (2003): Ecomuseums, Cultural Heritage, Development and Cultural Tourism in the North of Portugal, em ATLAS Expert Meeting on Cultural Tourism, Barcelona (Catalunha Espanha), de 30 de Outubro a 1 de Novembro de 2003.

    (2005): Museums and regional development, em Curso de Vero Ecologia, Poltica e Cultura, organizado pelo Plo da UTAD em Miranda do Douro de 9 a 27 de Junho, em cooperao com o Departamento de Antropologia da Universidade de Louisville.

    (2006): Turismo em espao rural e animao: A percepo dos alunos de RLT, em Actas do III Congresso Internacional de Animao Sociocultural. UTAD: Plo de Chaves, Maro de 2006.

    (2006): Representing Transnational Spaces: Touristic Images and the Transformation of the Spanish-Portuguese Frontier, em 105th Annual Meeting of American Anthropological Association, San Jos (Califrnia), de 15 a 19 de Novembro de 2006. Na primeira parte da obra conceptualiza-se o turismo nas

    suas perspectivas antropolgicas, na segunda parte da mesma analisa-se o encontro entre o turismo e a cultura, e na terceira apresenta-se uma leitura do turismo rural e do turismo urbano como produtos do turismo cultural. Em cada tema fornecido um conjunto de exemplos para o debate e tambm uma bibliografia que permitir ao leitor aprofundar as temticas analisadas.

    Durante o processo de redaco desta obra, tive o apoio e o estmulo de muitas pessoas entre as quais quero especialmente destacar: Chris Gerry (UTAD), Amrico Peres (UTAD), Jos

  • VII

    Antonio Fernndez de Rota (Universidade da Corunha, Galiza), Xulio Pardellas (Universidade de Vigo, Galiza), Xos Santos (Universidade de Santiago de Compostela, Galiza), Cebaldo de Len (Universidade de Crdoba, CETRAD-UTAD), Shawn Parkhurst (Universidade de Louisville, EE.UU.), Veronika Joukes (UTAD), Brian ONeill (ISCTE), Chago Prado (Universidade Autnoma de Barcelona Museu Etnolgico de Ribadavia), Greg Richards (TRAM Research, ATLAS), Rubn Lois (Universidade de Santiago de Compostela, Galiza), Jorge Ventocilla (Instituto Smithsonian de Investigaes Tropicais, Panam), Sharon Roseman (Memorial University of Newfounland, Canad), Xos Manuel Prez Paredes (Centro de Documentacin e Interpretacin da Comarca da Ulloa, Galiza), Artur Cristvo (UTAD-CETRAD), Duarte Nuno Morais (Pennsylvania State University, EE.UU.). Um agradecimento muito especial a Daniela Arajo (CETRAD-UTAD), que fez uma reviso muito aprofundada da obra, realizando notveis crticas e comentrios.

    A todos eles o meu Muito Obrigado! Pelo seu ensino,

    orientao, amizade e apoio.

    Xerardo Pereiro Universidade de Trs-os-Montes e Alto Douro Portugal

    Departamento de Economia, Sociologia e Gesto. CETRAD

    (Centro de Estudos Transdisciplinares para o Desenvolvimento).

    UTAD Plo de Chaves Avenida Nuno Alvares

    Apartado 61 5400-909 CHAVES Fax: (351)276-309309

    Telefone: (351) 276-309300 www.utad.pt

    Correio electrnico: [email protected] Pgina web pessoal: www.utad.pt/~xperez/

  • TURISMO CULTURAL.

    Uma viso antropolgicaINDICE 1.ANTROPOLOGIAETURISMO..............................................................................................................31.1.OTURISMOENQUANTOOBJECTODEESTUDODAANTROPOLOGIA..............................................4

    1.1.1.Oturismocomointercmbiosociocultural............................................................................101.1.2.Oturismocomoexperinciaritualmoderna.........................................................................111.1.3.Oturismocomoprticadeconsumodiferencial...................................................................141.1.4.Oturismoenquantoinstrumentodepoderpolticoideolgico............................................16

    1.2.AORIGEM(INVENO)DOTURISMO............................................................................................161.3.TURISMO,LAZERETRABALHO........................................................................................................221.4.POSTURASFACEAOTURISMO.......................................................................................................281.5.BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................................30 2.OTURISMOCOMOINTERCMBIOSOCIOCULTURAL......................................................................352.1.ADIVERSIDADETURSTICA:TURISTASELOCAIS............................................................................362.2.AHOSPITALIDADEEOTURISMO....................................................................................................402.3.OSGUIASTURSTICOSCOMOMEDIADORES..................................................................................422.4.TIPOLOGIASDEINTERACOTURSTICA.......................................................................................432.5.BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................................48 3.OTURISMOCOMOSISTEMADEPRODUODEIMAGENSEDEEXPERINCIASRITUAIS.............513.1.OSELEMENTOSDOSISTEMATURSTICO.......................................................................................523.2.CULTURASEIMAGENS:COMOSEGERAMDESTINOSETURISTAS?..............................................533.3.OSPOSTAISTURSTICOS.................................................................................................................643.4.OTURISMOENQUANTORITUALDEPASSAGEM............................................................................663.5.BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................................714.OSIMPACTOSDOTURISMO.............................................................................................................754.1.INTRODUOOSIMPACTOSDOTURISMO...................................................................................764.2.OSIMPACTOSECONMICOSDOTURISMO...................................................................................774.3.OSIMPACTOSMEIOAMBIENTAISDOTURISMO...........................................................................814.4.OSIMPACTOSSOCIOCULTURAISDOTURISMO.............................................................................864.5.EXEMPLOSDEIMPACTOSDOTURISMO........................................................................................974.6.BIBLIOGRAFIA.................................................................................................................................995.TURISMOCULTURAL.......................................................................................................................1035.1.OCONCEITODECULTURA............................................................................................................1045.2.OSPIONEIROSDOTURISMOCULTURAL.......................................................................................1065.3.DEFINIROTURISMOCULTURAL...................................................................................................1085.4.COMPONENTESDAOFERTADETURISMOCULTURAL.................................................................1205.5.CARACTERSTICASDAPROCURADETURISMOCULTURAL...........................................................1235.6.ASPOLTICASDETURISMOCULTURAL.........................................................................................1275.7.OSDILEMASDOTURISMOCULTURAL..........................................................................................1305.8.TICADOTURISMOCULTURAL....................................................................................................1325.9.BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................................134

  • 6.TURISMO,CULTURAEPATRIMNIOCULTURAL...........................................................................1396.1.OQUEOPATRIMNIOCULTURAL............................................................................................1406.2.APATRIMONIALIZAOENQUANTOPROCESSO.........................................................................1466.3.OPATRIMNIOCULTURALDOPONTODEVISTAJURDICO........................................................1516.4.PATRIMNIOCULTURAL,DESENVOLVIMENTOETURISMO........................................................1596.5.PATRIMNIOCULTURALEGLOBALIZAO.................................................................................1696.6BIBLIOGRAFIA................................................................................................................................1727.MUSEUSETURISMOCULTURAL.....................................................................................................1777.1.BREVEHISTRIADOSMUSEUS....................................................................................................1787.2.MUSEOLOGIA,MUSEOGRAFIAEMUSEUS...................................................................................1817.3.TIPOSDEMUSEUS........................................................................................................................1847.4.MUSEUSEDESENVOLVIMENTO...................................................................................................1897.5.MUSEUSAOARLIVRE,ECOMUSEUSEECONOMUSEU................................................................1937.6.MUSEUSETURISMOCULTURAL...................................................................................................2037.7.MUSEUSEREPRESENTAODACULTURA..................................................................................2077.8.ASITUAODOSMUSEUSEMPORTUGAL..................................................................................2137.9.BIBLIOGRAFIA...............................................................................................................................2178.AINTERPRETAODOPATRIMNIOCULTURAL..........................................................................2238.1.AINTERPRETAODOPATRIMNIOCULTURALCOMOMTODO.............................................2248.1.1.Aevoluohistricadainterpretao......................................................................................2248.1.2.Oqueainterpretaodopatrimnioculturalenatural?......................................................2258.1.3.Quaisastcnicasdeaplicaodainterpretao......................................................................2298.1.4.Ositinerriosouroteirosculturais............................................................................................2328.1.5.Oquesooscentrosdeinterpretao?...................................................................................2378.1.6.Osplanosdeinterpretaoterritorial.......................................................................................2388.2.TIPOSDEPROJECTOSTURSTICOPATRIMONIAIS........................................................................2408.3.EXEMPLOSDEINTERPRETAODACULTURA,DOPATRIMNIOCULTURALENATURAL..........2448.4BIBLIOGRAFIA................................................................................................................................2509.TURISMOEMESPAORURAL........................................................................................................2539.1.INTRODUO...............................................................................................................................2549.10.EFEITOSECONMICOSESOCIOCULTURAISDOTURISMORURAL.............................................2809.11.UMACOMPARAOENTREOTURISMORURALDONORTEDEPORTUGALEDAGALIZA........2819.12.BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................................2849.2.OTURISMOEMESPAORURALCOMOTURISMOCULTURAL.....................................................2559.3.TIPOSDETURISMOEMESPAORURAL.......................................................................................2589.4.APROCURADOTURISMOEMESPAORURAL............................................................................2599.5AOFERTADOTURISMOEMESPAORURAL.................................................................................2639.6.POTENCIALIDADESEOBJECTIVOSESTRATGICOSDOTURISMOEMESPAORURAL.................2659.7.PRINCIPAISTIPOSDEALOJAMENTOESPECIFICAMENTERURAIS.................................................2679.8.ACTIVIDADESDERECREAOEDEANIMAOSOCIOCULTURALEMESPAORURAL...............2689.9.DESENVOLVIMENTODOSRECURSOSTURSTICOSEMESPAORURAL.......................................27110.TURISMOCULTURALEMESPAOURBANO.................................................................................28710.1.OTURISMOURBANO.................................................................................................................28810.2.OESPAOURBANO....................................................................................................................29010.3.TURISMOCULTURALEMCIDADES.............................................................................................29410.4.ASCIDADESPATRIMNIODAHUMANIDADE............................................................................29710.5.ASCIDADESEUROPEIASDACULTURA.......................................................................................30110.6.EXEMPLOSDETURISMOCULTURALURBANO...........................................................................30310.7.BIBLIOGRAFIA.............................................................................................................................307

  • 1.ANTROPOLOGIAETURISMO

    Objectivos:1. De conhecimento:

    Identificar as abordagens analticas do turismo. Delimitar o objecto de estudo da antropologia do turismo. Definir uma perspectiva antropolgica de abordagem do turismo. Conhecer o funcionamento da corrente: trabalho-produo-lazer-consumo. Diferenciar o turismo como simples negcio do turismo enquanto fenmeno

    sociocultural. Pensar o turismo como um sistema ou subsistema.

    2. De procedimento: Estimular os leitores na procura de estratgias de conhecimento.

    3.De atitude: Reflectir sobre a actual sociedade de consumo e o papel do turismo.

    Guiodecontedos:1.1. O turismo enquanto objecto de estudo da antropologia.

    1.1.1. O turismo como intercmbio sociocultural. 1.1.2. O turismo como experincia ritual moderna. 1.1.3. O turismo como prtica de consumo diferencial. 1.1.4. O turismo como instrumento de poder poltico-ideolgico.

    1.2. A origem (inveno) do turismo. 1.3. Turismo, lazer e trabalho. 1.4. Posturas face ao turismo. 1.5. Bibliografia Stios na Internet de interesse Documentrio de apoio pedaggico: Cannibals Tours (1988) de Dennis ORourke, 70 minutos.

  • TurismoCultural.Umavisoantropolgica 4

    1.1.OTURISMOENQUANTOOBJECTODEESTUDODAANTROPOLOGIA Toda a viagem de 1000 lguas depende do primeiro passo, porque o que marca a direco (Ditado chins) O turismo uma actividade complexa e mutvel, multifacetada e multidimensional que no deve ser reduzida exclusivamente a negcio, actividade industrial, marketing ou gesto de produtos. Isto leva a que alguns autores (Tribe, 1997) definam o turismo como uma indisciplina. Na realidade, o turismo um fenmeno sociocultural que pode ser abordado de distintos pontos de vista (Carvajal, 1992: 25) e com diferentes perspectivas disciplinares:

    ECOLOGIA

    SOCIOLOGIA

    DIREITO

    ANTROPOLOGIA

    ECONOMIA

    GEOGRAFIA

    TURISMO

  • 5 XerardoPereiroUTAD

    1. Economia. O turismo uma indstria de servios. O turismo uma actividade econmica que se pode estudar atravs das anlises de custo lucro.

    2. Geografia. O turismo a deslocao de pessoas de um lugar para outro. A geografia do turismo estuda os movimentos de turistas no espao e os processos de desenvolvimento turstico.

    3. Direito. O turismo um exerccio do direito liberdade de circulao que as pessoas tm. O Direito, na sua relao com o turismo, estuda a legislao das actividades tursticas.

    4. Sociologia. O turismo uma prtica social enquadrada no tempo de lazer do turista. A sociologia estuda, habitualmente na sua prpria sociedade, o turismo enquanto fenmeno social contemporneo.

    5. Antropologia. O turismo um fenmeno sociocultural complexo que possibilita a turistas e residentes a vivncia da alteridade. O turismo uma indstria de encontros entre locais e visitantes, produtores e consumidores de bens tursticos. O turismo tambm uma indstria da hospitalidade (Chambers, 2000: 10).

    6. Ecologia. O turismo enquanto actividade humana realizada num mdio ambiente especfico e ao qual afecta. O interesse da antropologia pelo turismo prende-se, em primeiro lugar,

    com o facto de vivermos num mundo turstico, fenmeno sociocultural impossvel de ignorar (Wallace, 2005). Em segundo lugar, muito difcil, explicar a cultura como processo sem ter em ateno o turismo, assim como os contactos culturais que o mesmo origina. Podemos afirmar que o turismo uma actividade consumidora de culturas (Santana, 2003: 121) e que o turista um tipo de nmada (Urbain, 1993). O turista um portador de cultura que faz com que esta circule. Em terceiro lugar, o turismo converteu-se num produtor de novas formas culturais (MacCannelll, 1992), o que significa que para as entender preciso estudar o turismo, o qual uma boa janela para poder observar a produo de cultura. Em quarto lugar, o turismo e a antropologia so duas formas de peregrinao na procura do sentido da vida perdida, ambas praticadas com um

  • TurismoCultural.Umavisoantropolgica 6

    bilhete de ida e volta suportando certas incomodidades, em ambos os casos se procura demonstrar o facto de ter estado l (Delgado, 2002: 52).

    No meu ponto de vista, os contributos da antropologia para o estudo do turismo tm sido de trs tipos. O primeiro de tipo metodolgico, precisamente aquele que distingue a antropologia de outras disciplinas, e que se traduz no trabalho de campo e o mtodo comparativo (Atkinson e Hammersley, 1994; Gmelch, 2004; Hannerz, 2003). O qual tem como base a observao participante e a convivncia intensiva com os grupos humanos estudados para tentar interpretar e compreender empaticamente os problemas socioculturais abordados. A natureza comparativa e holstica da antropologia descreve e interpreta as diferenas e semelhanas entre culturas, assim como as relaes entre elas.

    O segundo tipo de contributo terico-conceptual (Burns, 2004); na ptica do relativismo cultural privilegia-se uma abordagem holstica e qualitativa do turismo, procurando entender-se os significados que os actores sociais atribuem s suas aces. A actividade turstica tem beneficiado da aplicabilidade do conhecimento antropolgico, permitindo-lhe adoptar uma perspectiva humanista e social com os seguintes objectivos (Carvajal, 1992: 40-41):

    1. Procurar o desenvolvimento de contactos interculturais enriquecedores, evitando a discriminao de qualquer tipo. Este objectivo leva outros associados, como a diminuio do etnocentrismo e do racismo e a consciencializao da diversidade cultural e da mestiagem enquanto traos humanos positivos.

    2. Respeitar as identidades culturais, conhecer e compreender as mesmas de acordo com os princpios do relativismo cultural.

    3. Entender a mudana e os impactos socioculturais do turismo enquanto processo social. O terceiro tipo de contributo todo um conjunto de etnografias de

    referncia que tm ajudado a compreender este fenmeno to complexo. O objectivo destas etnografias interpretar o papel do turismo (ex.: o papel do turismo na reinveno e produo da cultura) e ajudar a melhor lidar com os impactos tursticos, exercitando, assim, a aplicabilidade da antropologia. Estas

  • 7 XerardoPereiroUTAD

    etnografias so teis para repensar criticamente o turismo, para a criao de guias de turismo responsveis e para nos tornarmos melhores viajantes (Chambers, 2005).

    Um exemplo de importncia da antropologia na investigao sobre o turismo dado pela revista Annals of Tourism Research, que dirigida por um antroplogo, Jafar Jafari, e pelo facto de aproximadamente 15% dos artigos publicados serem de antroplogos (Wallace, 2005). Nesta revista o primeiro estudo antropolgico sobre turismo aparece em 1977 e em 1983 temos o primeiro nmero especial sobre antropologia do turismo (Burns, 2004: 7).

    O primeiro estudo antropolgico sobre o turismo foi realizado por Theron Nuez (1963), quem analisou o turismo de fim-de-semana que os norte-americanos praticavam no Mxico. Mais tarde, em 1974, Valene Smith organiza o primeiro simpsio sobre antropologia do turismo, enquadrado no encontro anual da triple AAA (American Anthropology Association). Este simpsio foi um quanto mais alargado (Smith, 1977) com o famoso ttulo de Hosts and Guests (Anfitries e Convidados), no qual rene um conjunto de textos sobre as relaes entre turistas, receptores e mediadores. Este texto seria revisto em 1989 e em 2001 (Smith, 1989; Smith e Brent, 2001). Tambm nos anos 1970, De Kadt (1979) publica uma obra com reflexes antropolgicas sobre a relao entre turismo e desenvolvimento, sendo que nele defendida a ideia de que o turismo pode converter-se num passaporte para o desenvolvimento dos pases menos desenvolvidos.

    A palavra turismo nasce em 1811, numa publicao, o Sporting Magazine (Smith, 1995: 20). No geral, o turismo apresenta dois tipos de definies. A primeira quantitativa, estatstica e jurdica, tendo como fim contabilizar e medir o turismo quantitativamente assim como control-lo atravs da legislao. Um exemplo a definio da Organizao Mundial do Turismo (OMT), que em 1950 definiu o turismo como a estadia de uma pessoa fora da sua morada habitual por mais de 24 horas e por motivos de lazer, descanso, aventura ou negcios. Esta definio serviu para diferenciar dois tipos de visitantes: os turistas e os excursionistas, sendo estes ltimos definidos como aqueles que visitam um local turstico, mas regressam sua morada habitual em menos de 24 horas. Um dos problemas deste tipo de definio que se uma pessoa faz duas viagens tursticas e uma outra nenhuma, a definio estatstica atribui uma viagem a cada uma. Outro problema a dificuldade em obter informaes

  • TurismoCultural.Umavisoantropolgica 8

    estatsticas fiveis, j que por exemplo, difcil conhecer com rigor o nmero de pessoas que ficam alojadas em casas particulares de alguns destinos tursticos. Outro tipo de definies de turismo, devedoras das cincias sociais, apresentam o turismo como um fenmeno sociocultural complexo que no deve ser s medido estatisticamente, como tambm interpretado qualitativamente na sua complexidade humana. Segundo Agustn Santana (2003: 107) quatro so os aspectos fundamentais que definem o turismo:

    Aspecto dinmico Mudana de lugar. Deslocao

    Aspecto esttico Estadia no destino

    Aspecto teleolgico Motivaes do turista

    Aspecto consequencial Impactos Quadro 1: Aspectos que definem o turismo (Santana, 2003:117). Achamos que pensar o turismo desde esta segunda perspectiva de definio, permitir-nos- compreender com maior profundidade e rigor a complexidade do sistema turstico. Nesta linha, o quadro que se segue permite-nos observar algumas definies que os antroplogos tm vindo a dar do turismo. Em sntese, podemos afirmar que a antropologia permite pensar o turismo a partir das seguintes perspectivas:

    1. O turismo como intercmbio sociocultural. 2. O turismo como experincia ritual moderna. 3. O turismo como prtica de consumo diferencial. 4. O turismo como instrumento de poder poltico-ideolgico.

    Neste tema estas perspectivas sero esboadas a seguir enquanto que nos prximos sero abordadas com mais complexidade e profundidade.

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  • TurismoCultural.Umavisoantropolgica 10

    1.1.1.Oturismocomointercmbiosociocultural

    Desde esta perspectiva terica, o turismo pensado como uma relao de intercmbio entre turistas e receptores de turistas - anfitries e convidados- (Smith, 1977; 1989, Smith e Brent, 2001), estabelecida num tempo de lazer para os turistas, durante o qual os locais trabalham para os turistas. O turismo um veculo de intercmbio cultural entre pessoas e grupos humanos, entre ns e outros; um jogo de espelhos entre uns e outros, umas vezes actuando como espelho cncavo, pelo que nos magnifica, e outras como convexo, pelo que nos minora. Para a antropologia, o turismo um facto social total e tambm um processo social, econmico e cultural no qual participam vrios agentes sociais, sendo fundamentais os mediadores, isto , polticos, planificadores, profissionais do marketing, hotis, transporte, guias, agncias de viagem, escritores e investigadores.

    Podemos afirmar que o turismo um encontro entre culturas e sistemas sociais que provoca mudanas (Smith, 1992). Mas, ao contrrio de outros tipos de viagens e deslocaes, como por exemplo as migraes, o turismo uma deslocao voluntria na procura de algo no estritamente material .

    Nesta perspectiva que entende o turismo como sistema, a antroploga Valene Smith (1992) considera o turismo como o conjunto de transaes que estabelecem compromissos entre anfitries e convidados, e as consequncias das mesmas. Entre essas consequncias destaca-se a diminuio das distncias, tornando o mundo mais pequenino (Santana, 1997: 9), isto , contribuindo para o processo de globalizao (Bauman, 1999: 103-133) ao mesmo tempo que a globalizao contribui para o desenvolvimento do turismo.

    O turismo uma forma de contacto intercultural do tipo aculturao. A aculturao um mecanismo de mudana que consiste no contacto entre duas ou mais culturas. O conceito de aculturao foi criado em 1880 pelo antroplogo norte-americano J. W. Powell (in Cuche, 1999: 92) para designar a transformao dos modos de viver e de pensar dos imigrantes nos EUA. Este contacto intercultural pode provocar trs efeitos (Panoff e Perrin, 1973):

  • 11 XerardoPereiroUTAD

    a) Assimilao da cultura dominada pela dominante. um processo de aculturao ou perda atravs do qual um grupo culturalmente dominado se incorpora numa cultura dominante. Implicaria uma hierarquia e uma assimetria entre as partes da relao.

    b) Integrao ou combinao de culturas, que tem como resultado novas culturas num certo plano de equidade.

    c) Sub culturas ou coexistncia de culturas dominantes com dominadas. Implica formas de resistncia dominao. Resultado dos processos de aculturao ou contacto intercultural, o turista

    deixa de ter a experincia quotidiana do seu grupo de origem para se juntar a um novo grupo temporrio, o dos turistas, cheio de esteretipos e originando uma nova forma cultural. Ao mesmo tempo, as culturas receptoras de turismo geram sistemas de hospitalidade e adaptam-se aos visitantes, consciente ou inconscientemente, atravs de esteretipos. Os esteretipos tambm so atribudos pela indstria turstica e pelos prprios turistas, criando-se, assim, o que se denomina cultura do encontro (Santana, 1996: 289). Esta cultura do encontro resultado da interaco entre turista e anfitrio, que, separados j dos seus universos culturais de origem, realizam emprstimos uns aos outros e provocam mudanas culturais. Neste encontro entre anfitries e convidados, intervm vises do mundo, estilos de vida, modos de reagir e lidar com o outro, padres culturais, relaes de poder, etc.

    Os receptores de turistas acabam, por vezes, por imitar os turistas, produzindo-se mudanas no sistema de valores, atitudes, linguagem, formas de comer e vestir, e na procura de bens de consumo. Tambm pode acontecer que o turista imite os locais. um contacto por meio do qual se produz uma converso na imagem do espelho. Segundo Nettekoven (1991: 218), os receptores de turistas adoptam uma imagem falsa sobre o bem que se vive nos pases geradores de turistas. 1.1.2.Oturismocomoexperinciaritualmoderna

    Nesta ptica, o turismo pode ser entendido como um ritual que marca o tempo, separando o tempo de trabalho do tempo de lazer, definindo o tempo

  • TurismoCultural.Umavisoantropolgica 12

    cclico e vital, e delimitando a experincia de uma mudana, de um renascer. O conceito antropolgico de ritual de passagem (Turner, 1974) ajuda-nos a compreender melhor o turismo enquanto experincia de mudana, de renascimento, e, nas palavras de Nelson Graburn (1977), como viagem sagrada. Para este autor, o turismo uma inveno cultural e uma prtica ritual moderna caracterstica do ocidente industrializado onde o no trabalho passou a estar associado recreao. Representando uma inverso do quotidiano, o turismo traduz tambm motivaes psicolgicas na procura de sentido para a vida (Graburn, 1977). O turismo estimula energias psquicas e possibilita experincias de realizao pessoal. uma inverso do quotidiano do turista, necessria em todas as sociedades, segundo Graburn (1977). O turismo, diz Graburn (1977), uma inveno cultural recente produzida no Ocidente industrializado, no qual o no trabalho se associou recreao. O turismo assim uma viagem que cria um estado alterado da conscincia do turista. O turismo seria para Graburn (1977) uma motivao psicolgica universal para procurar o sentido das nossas vidas, mas como tal seria uma prtica ritual historicamente moderna e ocidental. Esta perspectiva peca, em nosso entender, de etnocntrica, menosprezando as prticas tursticas de outras culturas. Segundo Kripendorf (1986), o turismo e a recreao so partes do sistema social industrial, na medida em que actuando como terapia social e possibilitando que os trabalhadores recarreguem foras, contribuem para a manuteno do modo de produo capitalista. Uma tese semelhante defende Jafar Jafari (1987; 2007), que afirma que os pases industriais e ps-industriais dependem das reas satlite de recreao, criadas pelo turismo, para ajudar a regenerar os cidados cansados. Nesta ptica, podemos questionar-nos sobre a autenticidade dessa experincia ritual moderna. Reisinger e Steiner (2005) distinguem trs perspectivas sobre o assunto: a modernista, a constructivista e a ps-modernista. A primeira, a modernista, inclui autores como Boorstin (1964) e MacCanell (1976, 2003) para os quais o autntico sinnimo do tradicional e genuno, o que tem implcita a ideia de que os produtos culturais so imutveis. Alm disso, para estes autores, o valor do autntico pode ser considerado universal.

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    Contudo, enquanto Boorstin (1964) defende que a alienao caracterstica da sociedade de massas, implica que qualquer experincia turstica seja tambm superficial, construda, ilusria e no autntica. MacCannell (1976) considera que os turistas, sobretudo as classes mdias, procuram experincias autnticas, porque no seu local de origem vivem num mundo no autntico, desumano, aborrecido, oprimido e alienado. E embora o turismo funcione como uma escapatria para compensar a insatisfao da sociedade de massas, ele acaba por oferecer uma autenticidade representada para turista ver. Segundo ele o turista procura alteridade e autenticidade na natureza, no passado ou nos seres diferentes (ex. etnias). uma procura ligada a uma fuga da alienada vida quotidiana mas acontece que o turista no consegue encontrar a autenticidade, visto o turismo comercial estar dominado pelas produes culturais artificiais para consumo turstico.

    Na mesma linha, Turner e Ash (1975) afirmam que o sistema turstico, ao dificultar que se estabelea um contacto mais profundo do turismo com o outro, acaba por contribuir para a construo de uma viso estereotipada desse outro.

    Na perspectiva constructivista, a autenticidade definida como uma construo social da realidade, dependendo do observador. De acordo com Bruner (1991) a autenticidade projectada pela conscincia ocidental e pelas imagens estereotipadas cultivadas pela mesma. Consequentemente, os elementos produzidos e publicitados pela indstria turstica so percebidos como autnticos, no porque sejam originais ou representativos de uma tal cultura local, mas sim por serem smbolos da sua autenticidade (Reisinger e Steiner, 2005). Esta perspectiva enfatiza os significados produzidos e difundidos pelo turismo na percepo subjectiva da autenticidade.

    Na perspectiva ps-modernista, a autenticidade no relevante. Para autores como Urry (1990) o importante da experincia turstica no tanto a procura da autenticidade, como a procura da quebra das rotinas quotidianas. O turista procura stios e experincias diferentes do seu quotidiano. O turismo a procura de um outro (Selwyn, 1996), que se explica pela crescente busca de emoes intensas, apesar de ser uma procura de descontrolo controlado (Elias e Dunning, 1990). E embora, o turista esteja, frequentemente, consciente das

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    encenaes da autenticidade promovidas pelo sistema turstico e pelas comunidades, s vezes com o objectivo de minorar o seu impacto, o facto que isso no se torna incmodo para ele. O ps-turista de Urry (1990) consciente da inautenticidade do turismo, mas para ele no relevante, pois consegue encontrar, do mesmo modo, uma satisfao nela. Esta perspectiva obriga-nos a questionar de que modo os turistas so afectados pelas suas experincias e quais so as suas ps-experincias. Tambm temos que pensar que nem todas as experincias tursticas so iguais, pois nem todos os turistas so portadores dos mesmos valores e vises do mundo. Portanto, no podemos negar a diversidade de experincias tursticas tal como afirma Erik Cohen (1979, 1988). Nem todos os turistas esto alienados (Graburn e Moore, 1994): uns querem apenas recreao e outros querem realizar actividades diversas; uns apenas desejam experincias de contacto superficial e outras experincias de contacto ntimo com os locais e a sua cultura. Da que, por exemplo, uns viajem sozinhos, outros com os membros do casal, os amigos, a famlia ou os colegas de profisso. 1.1.3.Oturismocomoprticadeconsumodiferencial Se o turismo entendido enquanto produo e consumo de bens simblicos com significao social, ento, praticar turismo desenvolve as identidades sociais definidas pelo estatuto social dos seus intervenientes, tal como a posse de um bom carro significa integrao social praticada atravs da sua experincia ritual, tambm significa diferenciao social atravs do consumo. O tempo de lazer , hoje, fundamentalmente, um tempo de consumo. A partir desta perspectiva terica, o turismo um sistema de produo e consumo de tempo de lazer, socialmente conotado de signos e atributos sociais. O turismo uma produo e consumo de bens simblicos com significaes sociais. Fazer turismo uma expresso das identidades sociais dos seus intervenientes. Praticar turismo um definidor de estatuto social, tal como ter um bom carro ou uma casa bonita (Urry, 1990). Se o turismo moderno esteve associado na sua origem ao capitalismo, hoje est mais associado ao consumismo e sociedade consumista na qual estamos a viver, e na qual afirmamos a integrao e a distino social atravs do consumo.

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    Se o turismo se converteu numa prtica geral nos nossos pases, porque os nossos contemporneos vem nele a forma de viver uma experincia breve mas intensa e com valor num mundo diferente. Hoje em dia, o turismo converteu-se num meio para acrescentar o prestgio de cada um, afirmar o seu estatuto social, apoio sobre o qual joga, entre outras coisas, a publicidade ( preciso ter estado na Islndia ou no Nepal!) (Rossel, 1988, citado em Carvajal, 1992: 63).

    De acordo com esta perspectiva, a prtica do turismo tem um sentido retrico e social, utilizando nele signos de diferenciao social (Appadurai, 1988: 38). O turista consome selectivamente produtos que lhe servem para construir uma identidade social que se simboliza atravs dos artigos, objectos, imagens e lugares consumidos. O produto turstico constri simbolicamente um prestgio associado ao consumo do produto e este consumo define uma diferena social entre grupos e identidades sociais (Bourdieu, 1984). Segundo Bourdieu (1984), as classes sociais lutam por se distinguir umas das outras atravs da educao, a ocupao e o consumo. Para entender o consumo turstico necessrio associ-lo s classes mdias e mais concretamente nova burguesia com elevado capital econmico cultural e pequena burguesia, com menor capital econmico e alto capital cultural.

    Desta forma, praticar turismo significa afirmarmo-nos como seres modernos atravs do uso de bens de consumo convertidos em signos e veculos de significao. O turista, diz MacCannelll (1992: 66), um canibal simblico, da que possamos afirmar que o turismo um tipo de consumo cultural, isto , um: Conjunto de processos de apropriao e usos de produtos nos quais o valor simblico predomina sobre os valores de uso e de troca, ou onde, pelo menos, estes ltimos se configuram subordinados dimenso simblica (Garca Canlini, 1999: 42).

    Nstor Garca Canclini (1995; 1999) coloca o acento nos processos socioculturais de apropriao, uso, significao, atribuio e comunicao dos valores dados aos produtos consumidos. Assim, o consumo turstico no est influenciado apenas pelo preo das suas mercadorias mas tambm pela construo e inveno social da sua necessidade.

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    1.1.4.Oturismoenquantoinstrumentodepoderpolticoideolgico Nesta perspectiva, o turismo entendido enquanto mecanismo de afirmao e construo scio-poltica subjacente inveno e fabrico do local turstico. Uma das consequncias do actual sistema capitalista o movimento de capital institucional e de turistas para regies mais preparadas para a recepo de turistas. MacCannell (2003) refere-se, alis, a um nomadismo dos turistas que viajam voluntariamente, em oposio ao nomadismo dos pobres.

    Na construo de lugares tursticos, toda uma super-estrutura ideolgica se expressa em diversos elementos como narrativas, imagens, literatura de viagens, brochuras e patrimnio cultural, os quais condensam verses das identidades que no esto isentas de tenses, conflitos e negociaes um terreno de luta simblica - .

    Deste modo, podemos afirmar que o turismo funciona como um aparato de afirmao poltica, originando polticas de representao que utilizam e manipulam smbolos com o objectivo de reforar os modelos de dominao e controlo polticos (Chambers, 2000: 53 e ss.) e que, inevitavelmente, expressam e defendem sempre os interesses de alguns apenas.

    Malcolm Crick (1989) e Dennison Nash (1992) chegaram mesmo a afirmar que o turismo uma forma de imperialismo, embora posteriormente Nash (1996) tenha admitido que nem sempre o turismo se desenvolve de forma imperialista e que tambm no deve ser considerado como a nica actividade imperialista, colonizadora e exploradora que actua nos terrenos tursticos. Concluindo, esta perspectiva privilegia o estudo das utilizaes que as foras de desenvolvimento turstico fazem do poder e do controlo. Um pequeno exemplo o que acontece no Walt Disney World Hotel, no qual a norma lingustica dos empregados ter sempre de falar em ingls para os seus clientes (Lewin, 1994).

    1.2.AORIGEM(INVENO)DOTURISMO El mundo es cada vez ms pequeo (Guia turstico do projecto Yandup, -Uzkupeni, Kuna Yala, Panam, Diario de campo, 18-07-2004)

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    A procura de pases, climas e povos diferentes tem a sua origem no

    passado, o fascnio pela diferena foi grande na histria da humanidade. Na Roma Imperial as elites viajavam para a ilha de Capri e para cidades como Pompeia ou Hrcules para passar frias (Bohn, 2004). Hoje em dia, os contactos entre todas as partes do mundo intensificaram-se, sem deixar de existir assimetrias e desigualdades, as interligaes tm aumentado. A origem do turismo moderno tem alguns pontos destacados no Ocidente: 1. William Cody (Bfalo Bill). Explorador, guia e caador, trabalhou para a

    Union Pacific Railroad (1867-1868), animando a caa de bfalos nas viagens de comboio pelo Oeste dos EUA. Em 1883 organizou a primeira exposio sobre o Selvagem Oeste (Davidson, 1989: 5-7).

    2. Thomas Cook and Son. Primeira agncia de viagens, criadora em 1874 dos Travellers checks promoveu excurses de comboio por Inglaterra (1841, de Leicester a Loughborough), para logo em 1855 dar o salto para o continente europeu -Exposio Mundial de Paris- (Santana, 1997: 20). Thomas Cook foi ministro da Igreja Baptista e em 1841 alugou um comboio para transportar um grupo de 500 activistas abstmios at uma manifestao anti lcool em Loughborough, a 20 milhas de Leicester. No ano 1872 organizou uma volta ao mundo em 222 dias.

    3. Fred Harvey Company foi uma agncia que, nos fins do sculo XIX, levou turistas para o Sudeste dos EUA com o objectivo de observar os indgenas hopi e navajo (Chambers, 2000: 25).

    Estes pioneiros tm em comum o facto de possurem uma concepo mercantil e comercial das viagens, eles no s transportam pessoas, como ocupam tambm o tempo de lazer de essas pessoas com actividades recreativas e uma oferta de servios (ex.: alimentao). Assim, podemos afirmar que o turismo moderno est intimamente ligado ao nascimento do capitalismo, ainda que para alguns historiadores do turismo como Boyer (2003) o que ele denomina como revoluo turstica simultnea e no filha da revoluo industrial.

    Um elemento importante na inveno do turismo moderno foi o papel dos escritores e publicistas, que contriburam para a criao de uma mentalidade

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    colectiva na procura do estranho e do desconhecido. Do mesmo modo estes escritores participaram na criao das ideias romnticas de reencontro com a natureza e a histria, as guas, o mar e o patrimnio cultural. Alguns exemplos literrios importantes so Stendhal (1838: Memrias de um turista) e Almeida Garret(1), fruto de um nacionalismo romntico, deram lugar ao gosto pelo conhecimento de lugares diferentes, e escrita de guias e itinerrios de viagens. Mas o desenvolvimento acelerado do turismo moderno s comea a partir dos anos 1870 do sculo XIX por toda Europa, e foi possvel graas a clientes possuidores de poupanas suficientes para se dedicarem ao lazer, mobilidade social ascendente das burguesias, e tambm s companhias de transportes. o tempo do romantismo, uma poca na qual se glorificou a natureza e a paisagem, algo que contribuiu decisivamente para o desenvolvimento do turismo. A prpria palavra turismo tem a sua origem etimolgica (lvarez Sousa, 1994: 15) em tour, que era a viagem que nobres ingleses, alemes e outros realizavam pela Frana desde fins do sculo XVII. Um exemplo portugus o caso do rei Dom Pedro V, que fez a rota inversa dos turistas ingleses, rumando a Londres (1854) e Paris (1855) para adquirir conhecimentos que lhe servissem mais tarde para a sua governao (Lowndes, 2003). Estas prticas sociais, definidas como Grande Tour, eram uma etapa da educao das classes mais poderosas, realizada em zonas rurais, orientais e meridionais europeias. Era esta a preparao para o trabalho na poltica, na diplomacia ou no mundo dos negcios.

    No sculo XIX a revoluo industrial e burguesa provocaram uma mudana sociocultural muito importante, por um lado os transportes, como por exemplo o

    (1) Almeida Garrett, chamado o Divino nos seus anos de Direito em Coimbra, poltico e escritor, passou muito tempo no exlio em Inglaterra. Em 1846 escreveu um livro de viagens que serviu como guia turstico de Portugal: A doura que mete na alma a vista refrigerante de uma jovem seara do Ribatejo nos primeiros dias de Abril, ondulando lascivamente com a brisa temperada da Primavera, - a amenidade buclica de um campo minhoto de milho, hora da rega, por meados de Agosto, a ver-se-lhe pular os caules com a gua que lhe anda por p, e roda as carvalheiras classicamente desposadas com a vide coberta de racimos pretos so ambos esses quadros de uma pesia to graciosa e cheia de mimo, que nunca a dei por bem traduzida nos melhores versos de Tecrito ou de Virglio, nas melhores prosas de Gessner ou de Rodrigues Lobo. A majestade sombria e solene de um bosque antigo e copado, o silncio e escurido de suas moitas mais fechadas, o abrigo solitrio de suas clareiras, tudo grandioso, sublime, inspirador de elevados pensamentos. Medita-se ali por fora; isola-se a alma dos sentidos pelo suave adormecimento em que eles caem... e Deus, a eternidade - as primitivas e inatas ideias do homem - ficam nicas no seu pensamento... (Garrett, A., 1983, or. 1846: As viagens na minha terra. Porto: Porto Editora, p. 54). Esta tradio continuada hoje por escritores como Jos Saramago. Ver: -Saramago, J. (1985, or. 1981): Viagem a Portugal. Lisboa: Crculo de Leitores.

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    comboio, a bicicleta ou o carro facilitariam as viagens, e por outro a burguesia imitaria os costumes da aristocracia. O comboio, no s vai permitir que a gente viaje mais rpido e mais longe, mas tambm vai provocar uma nova viso do mundo. O mundo passa a ser observado como paisagem, como panormica. Assim o turismo converte-se numa forma de ver, segmentar e apresentar o mundo (Yamashita, 2003: 14-15). Nesta poca foram ainda construdos novos espaos para o lazer dessas elites: as termas. As termas eram o lugar de relao social da burguesia urbana. Na Frana de finais do sculo XIX a excurso dominical pedestre ou em bicicleta, deu lugar aos primeiros touring clubs (Santana, 1997: 21).

    Neste ponto cabe destacar que, ao contrrio dos autores que defendem uma origem apenas moderna e ocidental para o turismo, a antroploga Erve Chambers (2000: 6) afirma que no apenas a tradio ocidental tem contribudo para a inveno do turismo moderno. Ela coloca o exemplo dos oshi ou guias japoneses de peregrinos na Idade Mdia, para defender a ideia da multiplicidade de origens, primrdios e invenes do turismo. A mesma autora critica tambm a ideia de que o turismo foi criado apenas pelas elites. O turismo tambm nasceu nas classes operrias, como acontecia em Lancaster no sculo XIX, quando as famlias operrias faziam visitas ao mar (Chambers, 2000: 9).

    Nos anos 1930 as reivindicaes sindicais conquistam as frias pagas. O automvel, o avio e a mota facilitaro ainda mais o impulso das viagens tursticas, contribuindo para a criao de rotas tursticas. Aps a Segunda Guerra Mundial quase todas as classes sociais comeam a praticar o turismo, democratizar-se- o fenmeno, ao mesmo tempo que se passa de um turismo pr-industrial para outro industrial. O turismo converte-se num bem econmico ligado indstria de servios, controlada pelos tour operadores. O crescimento econmico, a modernizao dos meios de transporte, a urbanizao, o pagamento das frias e a relativa estabilidade poltico-social dos pases emissores e receptores sero alguns factores estruturais e causais do empurro turstico. De produtores passamos a ser consumidores, e da T (trabalho) passamos s quatro S (sun, sand, sea and sex). O turismo de sol e praia nasceu imitando e emulando os gostos da classe alta. Intensificou-se assim a alterotropia (Nogus

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    Pedregal, 1995), que era a prtica de sair do seu prprio contorno imediato, e esta foi inicialmente litoral e rural. Este processo foi semelhante, no geral, em todos os casos: descobrimento de uma rea por parte de um turismo selecto, mercantilizao e massificao do destino turstico (Sousa Tavares, 2000; De Toro, 1999: 38).

    Nasce assim o turismo contemporneo, com a entrada dos trabalhadores na sociedade de consumo (Fernndez Fuster, 1991), mas para que isso acontecesse foi necessria a construo do Estado de Bem-estar, que se forja no sculo XIX com o aumento dos salrios e a criao do sistema de Segurana Social para resolver as tenses entre patres e operrios verdadeiros perigos para o poder dominante. Foi assim, e dentro de um processo scio histrico, que as organizaes sindicais foram reivindicando menos tempo de trabalho, direitos laborais e mais tempo de lazer. Resultado das reivindicaes a OIT (Organizao Internacional do Trabalho) aprovou a jornada de trabalho de 8 horas por dia ou 48 horas por semana. Isto aconteceu em 1919 e significou um fito muito importante na histria da humanidade. Posteriormente, aps a Segunda Guerra Mundial, nalguns pases as frias comearo a ser pagas. Entramos no que poderamos denominar fase do hotel, que a partir dos anos 1960 se convertem num turismo de massas sem grandes preocupaes pelo meio ambiente. Ser a partir dos anos 1990 quando as preocupaes ambientais e culturais criem novos turismos (turismo alternativo) e novas formas de encarar o turismo. Para melhor entender este processo, podemos afirmar que a passagem de um sistema econmico orientado para a produo para um sistema econmico orientado para o consumo, seguindo a ideia keynesiana, levar associada uma outra mudana, como a passagem de uma tica estritamente puritana do trabalho trabalhar muito e bem para alcanar a realizao pessoal e a melhoria social - para uma tica hedonista moral da diverso-, qual comearo a servir as indstrias culturais nas quais se enquadra a nova mercadoria do turismo, o individualismo e o culto do corpo.

    Outras explicaes, sobre a inveno do turismo, so as de tipo psicolgico. Alguns autores como o antroplogo Jafar Jafari (1977; 1987) interpretam a apario do turismo de massas como:

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    O desejo de quebra na rotina diria e a liberdade de escolha de uma vida distinta (temporariamente limitada).

    O sistema scio econmico dominante prepara subsistemas recreativos para o descanso curativo do esgotamento dos trabalhadores, logo da recreao o trabalhador volta a estar preparado para desempenhar os seus trabalhos no sistema.

    Mario Gaviria (1974), em vez de causas, prefere falar de condicionamentos infra-estruturais para o desenvolvimento do turismo de massas, que so: a) Infra-estruturas urbansticas e tursticas. b) Mo-de-obra abundante, educada ou educvel para seguir as pautas do

    turista. c) Ter um exotismo diferencial suficiente sem cair no estranho ou no no

    familiar; o turista procura o mesmo que no seu pas, mas com uma diferena aparente.

    d) Espao urbano. Outro elemento muito importante na origem do turismo foi a inveno da

    praia. No sculo XVIII existia um nojo social pela mesma, mas j na segunda metade do sculo XVIII a praia converte-se num miradouro do infinito, do vazio, provocando emoo nos seus observadores. Posteriormente, no sculo XIX a praia foi-se convertendo num espao de sade e cura (ex.: spas litorais), de recreao e de lazer (Corbin, 1993). Aqui temos que diferenciar praias frias (ex.: Biarritz, Ostende, Scarborough) nas quais se praticava um turismo vestido e, sobretudo a partir de fins do sculo XIX, as praias quentes (ex.: Madeira, Canrias, Riviera italiana) nas quais os visitantes se foram despojando de roupa (Fuster, 1991; Boyer, 2003).

    A praia foi-se universalizando como espao de experincia do lazer em associao com a globalizao. Desta forma nos contextos onde os EUA entraram em guerra, posteriormente os soldados e as suas famlias foram fazer turismo (Lfgren, 2004). A praia reinventou-se associada a uma nova ideia do corpo e da sua exibio. Desta forma, em 5 de Julho de 1946, o francs Louis Rard apresentava em Paris o menor traje de banho do mundo: o biquini (Carmona, 2006). Este s foi aceite plenamente nos anos 1960, aps ser proibido pela Igreja

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    Catlica e em muitos pases. Este elemento mudaria a ideia da ocultao do corpo feminino e contribuiria para sua exibio nas praias.

    1.3.TURISMO,LAZERETRABALHO

    Neste ponto pretendo apresentar uma interpretao da produo histrico social do tempo de lazer e a sua relao com o turismo.

    A OMT (Organizao Mundial do Turismo) prev que em 2.020 haver 1.600 milhes de turistas (1999: 625 milhes; 2006: 800 milhes), e que as despesas atingiro os 2 bilhes de dlares (2003: 445.000 milhes). Isto converter o turismo na primeira actividade econmica do mundo, e quase a metade dos turistas provir da Europa e da sia. De entre as caractersticas do turismo podemos sublinhar (Mathieson e Wall, 1982) as seguintes: a) Indstria de exportao estacionria. b) Produto no armazenvel. c) Tempo de frias. d) Tempo de lazer. e) Relao desigual entre turista e anfitrio. f) Emprego instvel e flutuante. g) Benefcios estacionrios, mas grandes.

    Uma das caractersticas importantes do turismo o facto de ser uma forma de ocupao dos tempos de lazer. De acordo com Marc Auge (2003: 62), o turismo um mapa de lazeres e de exotismo programado.

    O turismo no apenas lazer nem todo o lazer turstico, mas para melhor entender o turismo temos que interpretar a produo do tempo de lazer, isto , o modo como a sociedade produz o lazer face ao trabalho e s outras obrigaes. E esta produo do lazer aconteceu em muitas culturas e sociedades e no apenas no Ocidente, segundo autores como Smith (1992), Nash (1996) ou Chambers (2000).

    J o antroplogo Marshall Sahlins (1974) tinha chamado a ateno para as sociedades de caa e recoleco, s quais ele denominou de sociedades da

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    abundncia, nelas o tempo de lazer era muito superior ao tempo de trabalho. Nestas sociedades, a abundncia atingia-se, no atravs da produo abundante, mas sim atravs do desejo de no acumular muito. Viviam com constrangimentos, mas sempre encontravam uma soluo de adaptao. Trabalhavam muito menos do que ns e no esgotavam os recursos do meio ambiente. Socialmente igualitrios e solidrios, s trabalhavam entre 4 e 5 horas por dia, menos tempo, portanto, que os agricultores. este um exemplo de como o lazer um conceito com diferentes significados em diferentes contextos socioculturais e histricos.

    Segundo Herbert (1995) o lazer uma ideia relativamente moderna, pois antigamente no havia uma separao clara entre trabalho e lazer. Basta pensar nas comunidades camponesas e em como o lazer e a sociabilidade estavam intimamente ligados ao trabalho como forma de ultrapassar a dureza do mesmo.

    O lazer, de acordo com as teorias clssicas (Veblen, 1971) era entendido como o perodo de tempo, oposto ao tempo de trabalho, que os humanos passavam sem fazer algo produtivo. Considero esta perspectiva ingnua e redutora, pois entendo que a educao est fora do sistema produtivo, o que manifestamente uma perspectiva muito criticvel. Esta diviso dicotmica entre tempo de trabalho e tempo de lazer no era assim to rgida nas comunidades camponesas, onde o trabalho estava intimamente associado ao lazer e festa. mais do que isso, o conceito de lazer um conceito urbano criado recentemente. Segundo esta perspectiva, o lazer serviria para carregar as pilhas dos trabalhadores, mas paradoxalmente j se comeou a trabalhar tambm nas viagens e nas frias criando-se novos produtos e conceitos como os de turismo de congressos ou turismo de incentivos.

    Este debate, porm, j antigo. Nos EUA, Dumanzedier (1967) tinha defendido uma perspectiva optimista face ao lazer e o seu contributo para a sociedade industrial. A reduo das horas de trabalho, o aumento das actividades de lazer e o desenvolvimento de novos valores culturais associados ao tempo de lazer seriam algumas das caractersticas da nova sociedade do lazer. Segundo Dumazedier (1967; 1975) o lazer em termos sociais determinado por trs funes:

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    1. Repouso, que liberta da fadiga, recuperao das condies fsicas, neurolgicas e psquicas; 2. O divertimento, o recreio, o complemento de evaso que, para alm da compensao da fadiga, sirva de compensao ao tdio; 3. O desenvolvimento da personalidade, facultando uma mais vasta participao social, uma cultura da sensibilidade e da razo para alm da formao prtica e tcnica, a integrao voluntria na vida de agrupamentos recreativos, culturais e sociais.

    Seguindo esta linha de argumentao, Smith (1987) tem afirmado que o lazer um processo de relaxamento, entretenimento e liberao contra o stress. Segundo Stockdale (1985), o lazer pode ser entendido de trs formas: 1. O lazer como tempo de escolha de actividade. 2. O lazer como tempo diferente do trabalho. 3. O lazer como tempo interpretado subjectivamente pelas pessoas. Ao contrrio de Stockdale (1985), e segundo Bourdieu (1984), os estilos de lazer estariam influenciados pela idade, o gnero, a educao e a classe social. Assim os gostos do lazer estariam afectados pelo capital cultural e material. Por exemplo, os trabalhadores adultos gostariam de ver desportos como espectadores e as classes mdias praticariam desportos, apreciariam arte e visitariam museus.

    Contra as posturas como a de Dumazedier (1967), aparecem os argumentos de autores como Linder (1970), que numa obra de pouca divulgao, vai argumentar que a sociedade industrial implica uma vida frentica, produtivista e de pouco relaxamento. Para Linder o crescimento econmico tem provocado falta de tempo, ganhar mais no significaria ter mais prosperidade, porm trabalhar mais para ganhar mais. Portanto, no significaria trabalhar apenas para ganhar o suficiente para viver.

    As ideias deste autor sero retomadas por Schor (1991) e por Rybczynski (1992). A obra do primeiro provoca fortes debates pblicos e passa da discusso sobre o lazer para a discusso sobre o problema do tempo, um tempo pensado como escasso e com muito stress, algo que Maslach (1982) tinha sublinhado quando elaborou a teoria do burnout. De acordo com esta teoria, a sociedade industrial provocava uma sobrecarga e um aumento dos conflitos que derivavam

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    em stress crnico e problemas de sade. E um autor como Rybczynski (1992) afirmou que na sociedade ocidental vivemos uma perda de tempo de lazer, em relao com o crescimento econmico, que provoca falta de tempo, mais receitas no significa mais prosperidade, a gente ganha mais porque trabalha mais e uma grande parte do tempo de lazer converteu-se em tempo de consumo. A pressa, a ansiedade de ver mais em menos tempo so produto de um sistema econmico capitalista que nos exige cada vez mais trabalho, mais rendimento, mais flexibilidade, mais competitividade, mais lucros e mais entrega ao tempo de trabalho.

    Na mesma linha, o antroplogo Manuel Delgado (2002: 55-57) tem afirmado que o tempo de lazer no nem autnomo nem independente, porm dependente de circunstncias polticas, econmicas, legais e sociais mutveis. Isto significa que os seus contedos so condicionados pelas instituies de produo e controlo atravs da publicidade e o disciplinar de todos os momentos da vida. Nas sociedades industrializadas, diz-nos Manuel Delgado, vivemos num culto produo que mercantiliza o tempo, cronifica a realidade e pratica um despotismo dos ritmos todos eles sincronizados com calendrios e relgios. Hoje temos poucos pretextos para o tempo morto e o turismo dos poucos usos qualificados do tempo de cio. Igualmente e em articulao com essa ideia de tempo, temos hoje um tempo de impredictibilidade, isto , de incerteza no emprego, de contratos temporrios, de horrios flexveis, prprios de uma sociedade urbana hipersegmentada (Delgado, 2002: 58).

    O debate est aberto e algumas investigaes na rea do lazer (http://www.ahs.uwaterloo.ca/~cahr/news/vol20/time.html) demonstram que em pases como Quebeque, EUA ou Frana as pessoas tm aumentado o seu tempo de lazer e diminudo o seu tempo de trabalho produtivo (Provonost, 2001). No contexto europeu, uma estatstica da Unio Europeia (Cf. La Voz de Galicia, 12-10-2003) tem concludo que no ano de 1998 se trabalhava 38,8 horas por semana e que em 2003 se trabalhava 35,6. Isto pode ser interpretado como um acrscimo do tempo livre, mas ao mesmo tempo interessante diferenciar os pases. Assim, as horas efectivas de trabalho, nas empresas de mais de 20 empregados, segundo alguns pases europeus eram em 2000 as seguintes:

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    Frana 1340 Sucia 1342 Alemanha 1444 Dinamarca 1499 Espanha 1595

    Fonte: Eurostat, Publicado em La Voz de Galicia, 12-10-2003, p. 35.

    Uma das mudanas face ao tempo de trabalho diz respeito questo do sedentarismo. Para definir a problemtica do sedentarismo que se vive hoje e cada vez mais na maioria das profisses De Masi (1998) refere que: Uma consequncia da passagem de uma sociedade industrial para uma sociedade ps- industrial constituda pelo que os economistas americanos chamam de jobless growth, isto , o desenvolvimento sem trabalho. Aprendemos a produzir sempre mais com cada vez menos trabalho humano. Na Fiat, em Turim, na Itlia, para produzir um automvel, h dez anos, eram necessrias catorze pessoas. Hoje necessrio uma pessoa s. (...) aprendemos a produzir cada vez mais trabalhando menos.

    Este autor afirma tambm que se trabalha menos durante a vida da pessoa, isto , durante o nosso ciclo vital. De Masi (1998) diz que trabalhamos mais com a mente e menos com o corpo, em relao ao acrscimo do maquinismo tecnolgico. Este autor sublinha as desigualdades geogrficas no planeta em relao ao lazer, pois nalguns pases do denominado terceiro mundo o tempo de lazer escasso (ex.: trabalho infantil). Uma posio contrria a viso de Manuel Castells (2000), para quem hoje trabalhamos mais que h dez anos, isto pode ser observado segundo ele em que h mais mulheres que trabalham, mais vagas de trabalho, menor taxa de desemprego, maior nvel tecnolgico das empresas e mais horas de trabalho por parte dos trabalhadores. Pierre Bourdieu (2001: 37) tambm afirma que, no caso dos EUA, declina o tempo de lazer, que progride a durao anual mdia de trabalho e que as pessoas ganham muito dinheiro mas no tm tempo para o

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    gastar. Isto provoca stress e sobrecargas de trabalho face s ameaas de despedimento. O que certo que hoje em dia o conceito de flexibilidade solicitada para muitos empregos converte muitos trabalhadores em prisioneiros do trabalho, acabando alguns por viver para trabalhar, porque no podem fazer outra coisa ou porque no sabem fazer outra coisa. Temos, portanto, que considerar o conceito de sociedade do stress. Nos pases mais desenvolvidos uma em cada cinco pessoas apresenta sintomas de ansiedade (Fonte: El Pas Semanal, 28-9-2003, p. 60; Ver tambm: www.ucm.es/info/seas.). Assistimos hoje ao que os psiquiatras denominam sndroma da fadiga crnica ou fibromialgia, uma patologia cada vez mais expandida, ainda que nem sempre ligada ao excesso de trabalho e sim ao reumatismo ou factores psquicos. Alm do debate entre mais tempo de lazer ou mais tempo de trabalho, temos tambm que pensar nas diferenas qualitativas no uso e significado do lazer. Assim podemos diferenciar o lazer tradicional do lazer moderno. No primeiro, o espao pblico fundamental, existindo uma agaroflia que tem como base uma cultura comum e solidria. No segundo, o espao privado o seu espao por excelncia, nele, a individualizao, o negcio e reproduo atravs do consumo cultivam uma cultura do ego. Claro est que estes dois tipos de consumo convivem na actualidade e articulam-se em diversos contextos. Hoje em dia, pensamos que necessrio ultrapassar as dicotomias tempo livre / tempo de trabalho e tempo de lazer / tempo de trabalho, para pensar em diferentes modalidades de uso do tempo. Tambm devemos abandonar a perspectiva que considerava residual o tempo livre e o lazer nas vidas das pessoas, para os entender a partir dos significados socioculturais que os grupos humanos e as pessoas atribuem s suas actividades. Pensar o turismo na sua relao com as culturas do trabalho implica tambm pensar na diviso internacional do trabalho e como se criam semiperiferias e periferias para o descanso dos trabalhadores. Do mesmo modo, a modernidade transformou as culturas do trabalho em produtos culturais que os turistas visitam ex. museus - e que servem como atraces tursticas (MacCannell, 2003: 50).

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    1.4.POSTURASFACEAOTURISMO

    De acordo com Alf H. Walle (1998) podemos dividir os profissionais do turismo em dois: a) humanistas e b) homens de negcios ou empresrios. Os primeiros utilizam mais os mtodos qualitativos e artsticos, e pensam que o turismo, sem deixar de ser um negcio, uma actividade humana complexa, para a qual a formao em cincias sociais e humanas essencial para compreender e melhor lidar com as actividades tursticas. Eles so empreendedores que pretendem humanizar o turismo e dar-lhe um rosto mais humano. Nesta linha de abordagem e na Conferncia de Filipinas Manila, 1980-, realizou-se uma declarao (Carvajal, 1992: 45) assinada por 107 pases, de acordo com a qual o turismo deve realizar o ser humano, deve educar, deve garantir a igualdade entre povos, respeitar a identidade cultural e a identidade dos povos, e respeitar os bens, o espao e os valores dos grupos humanos receptores de turismo. O segundo tipo de profissionais do turismo, os homens de negcios, tendem a utilizar mtodos mais cientficos e estatsticos, e a sua formao preferida a do mundo dos negcios e do marketing. Pensamos que esta viso demasiado dicotmica e que a realidade mostra mais inter-relao entre uma postura e outra, da que muitos profissionais do turismo sejam conscientes de que precisam de conhecer estratgias genricas, instrumentos metodolgicos, tericos e de anlise tanto qualitativa como quantitativa, com o objectivo de melhorar a sua compreenso dos problemas e o seu desempenho.

    Segundo os antroplogos Jafar Jafari (1990) e Agustn Santana (2003) podemos falar em quatro perspectivas, tericas e tcnicas, fundamentais face ao turismo: optimista, pessimista, de adaptao e investigadora (ou de conhecimento). Os quadros que se seguem sintetizam estas quatro perspectivas:

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    OPTIMISTA

    Segundo esta perspectiva o turismo um mercado em expanso que gera riqueza, trabalho e renda. O turismo sempre positivo e a defesa dele realizada por planeadores, economistas e profissionais do marketing. Sob esta ptica, o turismo gera riqueza, emprego e bem-estar, reforando tambm as identidades colectivas e outros aspectos das culturas locais. O turism