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UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA, PATRIMÔNIO CULTURAL E TURISMO MISMA TEREZA BARBOSA DE SOUSA O BAIRRO DA RIBEIRA E AS AÇÕES OFICIAIS DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL URBANO. NATAL 2007

UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP - natal.rn.gov.br · CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA, PATRIMÔNIO CULTURAL E TURISMO ... uma avaliação sobre as intervenções de preservação

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UNIVERSIDADE POTIGUAR – UnP PRÓ-REITORIA DE PESQUISA E PÓS-GRADUAÇÃO

CURSO DE ESPECIALIZAÇÃO EM HISTÓRIA, PATRIMÔNIO CULTURAL E TURISMO

MISMA TEREZA BARBOSA DE SOUSA

O BAIRRO DA RIBEIRA E AS AÇÕES OFICIAIS DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL URBANO.

NATAL 2007

1

MISMA TEREZA BARBOSA DE SOUSA

O BAIRRO DA RIBEIRA E AS AÇÕES OFICIAIS DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL URBANO.

Monografia apresentada à

Universidade Potiguar– UnP,

como parte dos requisitos para

obtenção do titulo de Especialista

em História, Patrimônio Cultural e

Turismo.

ORIENTADOR: Profº Ms. Iago

Henrique Albuquerque de

Medeiros

NATAL 2007

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MISMA TEREZA BARBOSA DE SOUSA

O BAIRRO DA RIBEIRA E AS AÇÕES OFICIAIS DE PRESERVAÇÃO DO PATRIMÔNIO CULTURAL URBANO.

Monografia apresentada à

Universidade Potiguar - UnP, como

parte dos requisitos para obtenção

do título de Especialização em

História Patrimônio Cultural e

Turismo.

Aprovado em: ____/___/____

_________________________________________

Profº Ms. Iago Henrique Albuquerque de Medeiros

Orientador

Universidade Potiguar – UnP

________________________________

Profª Marlúcia Galvão Brandão

Coordenador do Curso

Universidade Potiguar - UnP

3

TERMO DE AUTORIZAÇÃO

Eu, Misma Teresa Tereza Barbosa de Sousa, Brasileira, casada, historiadora,

residente e domiciliado na Rua Tereza Dávila, 32, Candelária, na cidade de

Natal, Estado do Rio Grande do Norte, portador do documento de Identidade:

000.849.933, CPF: 565.890.184-72, na qualidade de titular dos direitos

morais e patrimoniais de autor da obra sob o título: O Bairro da Ribeira e as Ações Oficiais de Preservação do Patrimônio Cultural Urbano., apresentada na Universidade Potiguar – UnP, em 06/11/2007, com base no

disposto na Lei Federal nº 9.160, de 19 de fevereiro de 1998:

1. ( ) AUTORIZO, disponibilizar nas Bibliotecas do SIB / UnP para consulta a

OBRA, a partir desta data e até que manifestações em sentido contrário de

minha parte determina a cessação desta autorização sob a forma de depósito

legal nas Bibliotecas, bem como disponibilizar o título da obra na Internet e

em outros meios eletrônico."

2. ( ) AUTORIZO, disponibilizar nas Bibliotecas do SIB / UnP, para consulta e

eventual empréstimo, a OBRA, a partir desta data e até que manifestações

em sentido contrário de minha parte determina a cessação desta autorização

sob a forma de depósito legal nas Bibliotecas.

3. ( ) AUTORIZO, a partir de dois anos após esta data, a Universidade

Potiguar - UnP, a reproduzir, disponibilizar na rede mundial de computadores

- Internet e permitir a reprodução por meio eletrônico, da OBRA, até que

manifestações contrária a minha parte determine a cessação desta

autorização.

4. ( ) CONSULTE-ME, dois anos após esta data, quanto a possibilidade de

minha AUTORIZAÇÃO à Universidade Potiguar - UnP, a reproduzir,

disponibilizar na rede mundial de computadores - Internet - e permitir a

reprodução por meio eletrônico, da OBRA.

Natal, 06 de novembro de 2007

______________________________

Misma Tereza Barbosa de Sousa

4

Dedicatória

Tudo que consegui e sou, dedico ao Deus

único e supremo.

5

Epígrafe Aprender a valorizar o patrimônio é

exercer um dos atributos da cidadania.

6

AGRADECIMENTOS

Agradeço ao Meu Deus por ter permitido que fizesse o curso de História e

agora a Especialização.

Aos meus queridos esposo e filha pelo apoio de sempre.

Aos amigos e colegas da Universidade Potiguar que colaboraram com

acervos de fotos da antiga cidade do Natal.

À Coordenadora do curso, Prof. Marlúcia Galvão Brandão, pelo apoio em

todos os momentos.

Em especial, ao Prof. Iago Henrique Albuquerque de Medeiros, nosso

respeito e admiração como pessoa e mestre, pela inestimável orientação neste

período.

.

7

RESUMO

A cidade do Natal foi fundada em fins do século XVI e foi ao longo de todo o

período colonial um núcleo de pouca expressão urbana. A política de distribuição

de datas de terras ao longo dos séculos XVII e XVIII, não resultou em um

desenvolvimento urbano como o verificado em outras cidades no contexto das

Capitanias do Nordeste. Este fato é devido não ao fracasso desta política de

ocupação do espaço, mas, sobretudo, ao fato da capitania do Rio Grande ter se

configurado como área de pecuária extensiva e da pequena lavoura de

subsistência; até o desenvolvimento do setor agro-exportador, em conjunturas

favoráveis nos mercados internacionais ao longo dos séculos XVIII e XIX. Os dois

primeiros e significativos adensamentos urbanos em Natal foram a Cidade Alta e

a Ribeira. Essas duas áreas constituem o sítio histórico que sediou algumas

iniciativas de preservação de bens culturais. Não obstante, essas iniciativas foram

norteadas pela noção tradicional de centro histórico que se limita a certos

episódios de patrimônio arquitetônico e que não contemplam outras dimensões

econômicas e sociais do sistema urbano. Objetivou-se com a pesquisa realizar

uma avaliação sobre as intervenções de preservação ou restauro desenvolvidos

em Natal e seus resultados, tendo como estudo de caso o bairro da Ribeira.

Foram realizados levantamentos bibliográficos, em fontes primárias, em registros

iconográficos e fotográficos. Ressalte-se que apesar da existência de normas

legais previstas de adensamento e uso nos Planos Diretores, nas leis municipais

e federais, para as “áreas de preservação histórica”, foi constatado que as

intervenções de preservação se caracterizaram por resultados limitados a

pequenos conjuntos de edificações ou até mesmo a edificações isoladas.

Palavras-chave: História da Cidade do Natal. Patrimônio Cultural Urbano.

Preservação. Bairro da Ribeira.

8

ABSTRACT

The city of Natal was founded at the end of the sixteenth century and has been

throughout the colonial period a core of urban poor expression. The policy of

distribution of dates of land over t

he centuries XVII and XVIII, did not result in urban development as seen in other

cities in the context of Capitanias the Northeast. This fact is not due to failure of

the policy of occupation of the area, but, more importantly, the fact of capitania the

Rio Grande have configured as extensive area of livestock and small plantation of

subsistence; to the development of agro-sector exporter, conjunturas favorable in

international markets during the eighteenth and nineteenth centuries. The first two

significant adensers urban Of Natal City were in the City High and Ribeira. These

two areas are the historical site which hosted some initiatives for preservation of

cultural goods. However, these initiatives have been guided by the traditional

notion of the historic center that is limited to certain episodes of architectural

heritage and do not include other economic and social dimensions of the urban

system. With the objective to conduct a search assessment on the activities of

preservation or restoration developed of Natal City and their results, with the case

study of the neighborhood Ribeira. Bibliographic surveys were conducted in the

primary sources, iconografic and photographic records. Ressalte is that despite

the existence of laws laid down for adensament and use in plans Directors, in

municipal and federal laws, for "areas of historic preservation," has been found

that the interventions of preservation have been characterized by the limited sets

of the small buildings or even the isolated buildings.

Keywords: History of the City of Natal. Urban Cultural Heritage. Preservation.

Neighborhood of Ribeira.

9

SUMÁRIO

INTRODUÇÃO 1. O CONTEXTO HISTÓRICO DA COLONIZAÇÃO DA CAPITANIA DO RIO GRANDE 2. A RECUPERAÇÃO DA CAPITANIA DO RIO GRANDE A PARTIR DO SÉCULO XVIII: ADMINISTRAÇÃO, SOCIEDADE E ECONOMIA. 3. O PATRIMÔNIO CULTURAL URBANO E AS INICIATIVAS GOVERNAMENTAIS DE PRESERVAÇÃO 4. CONCLUSÃO 5. REFERÊNCIAS BIBLIOGRÁFICAS

Pág. 10 13 25 50 57 58

10

INTRODUÇÃO

A cidade do Natal foi fundada em fins do século XVI e foi ao longo de todo

o período colonial um núcleo de pouca expressão urbana. A política de

distribuição de datas de terras ao longo dos séculos XVII e XVIII, não resultou em

um desenvolvimento urbano como o verificado em outras cidades no contexto das

Capitanias do Nordeste.

Este fato é devido não ao fracasso desta política de ocupação do espaço,

mas, sobretudo, ao fato da capitania do Rio Grande ter se configurado como área

de pecuária extensiva e da pequena lavoura de subsistência; até o

desenvolvimento do setor agro-exportador, em conjunturas favoráveis nos

mercados internacionais ao longo dos séculos XVIII e XIX.

Os dois primeiros e significativos adensamentos urbanos em Natal foram a

Cidade Alta e a Ribeira. Essas duas áreas constituem o sítio histórico que sediou

algumas iniciativas de preservação de bens culturais. Não obstante, essas

iniciativas foram norteadas pela noção tradicional de centro histórico que se limita

a certos episódios de patrimônio arquitetônico e que não contemplam outras

dimensões econômicas e sociais do sistema urbano.

Objetivou-se com a pesquisa realizar uma avaliação sobre as intervenções

de preservação ou restauro desenvolvidos em Natal e seus resultados efetivos,

tendo como estudo de caso o bairro da Ribeira.

Foram realizados levantamentos bibliográficos, em fontes primárias, em

registros iconográficos e fotográficos.

Ressalte-se que apesar da existência de normas de adensamento e uso

previstas nos Planos Diretores, para as “áreas de preservação histórica”, foi

constatado que as intervenções de preservação se caracterizaram por resultados

limitados: contemplando por vezes pequenos conjuntos de edificações ou até

mesmo edificações isoladas.

No primeiro capítulo foi analisado o contexto histórico da colonização da

Capitania do Rio Grande, que foi efetivamente conquistada em fins do século XVI.

O início da colonização foi lento devido às contendas com os franceses e os

indígenas, além das dificuldades inerentes de fazer desenvolver-se uma

11

capitania, em suas demandas como a inversão de capitais para a montagem de

engenhos, aquisição de escravos, assentamento de colonos, abertura de

lavouras, etc.

No segundo capítulo foi analisado o processo de recuperação da Capitania,

a partir da segunda metade do século XVI, com o final da ocupação holandesa;

estendendo-se ao longo dos séculos XVIII e XIX. Neste contexto teve importância

a ação do capitão-mor Antônio Vaz Gondim, que fez retornar às suas antigas

roças, mais de 150 colonos. Entretanto, a ocupação da Capitania ainda se

restringia ao litoral. O século XVIII foi o da ocupação do interior da capitania, que

se deu com o inevitável choque com os indígenas que ocupavam o espaço que se

destinaria às fazendas de criação extensiva. Esse movimento foi denominado

como o “ciclo do gado” e resultou na ocupação das áreas sertanejas.

Nesse capítulo foi analizado o panorama de desenvolvimento da cidade

que ainda no início do século XIX, tinha pouca expressão. A população se

concentrava na Cidade Alta e na Ribeira. As obras de construção do porto fizeram

surgir armazéns que serviam para estocar mercadorias. Já na segunda metade

do século XIX e início do século XX, a Ribeira assistirá modificações em sua

estrutura urbana motivada pelo adensamento de edificações, incremento dos

fluxos de capitais, de mercadorias e de pessoas. Estas melhorias urbanas se

inserem numa perspectiva de modernização da cidade materializadas por

intevensões, sintonizadas com o contexto de modificações introduzidas pelo

capitalismo e desenvolvimento das modernas urbis.

A Ribeira teve, então, o seu passado colonial representado pela ruas

constantemente encharcadas, “pantanosas”, encobertas. O Bairro foi drenado e

aterrado no início do século XX, dando lugar à Praça Augusto Severo. Vieram o

pavimento das ruas, a luz elétrica, os bondes. No bairro se instalaram os

comerciantes ligados ao comércio externo, os cinemas, cafés, boulevares,

escolas, teatro. Era na Ribeira também que se davam as elegantes batalhas de

confetes e serpentinas, uma folia contida e adaptada à modernidade na qual a

cidade e sua população se inseria. A ruptura com o passado colonial e a

emergência de uma nova forma de “pensar” a cidade, foi representada pelos

planos de ordenamento urbanístico e de saneamento confiados pelo poder

públicos a arquitetos europeus e ao escritório de Saturnino de Brito.

12

No terceiro capítulo foi realizada uma análise da questão da preservação

do patrimônio cultural urbano à luz das iniciativas governamentais oficiais e do

estágio atual dos bens patrimoniais culturais.

13

CAPÍTULO I - O CONTEXTO HISTÓRICO DA COLONIZAÇÃO DA CAPITANIA DO RIO GRANDE

O século XVI vem marcado por um acontecimento o qual vai delinear as

origens da estrutura territorial, que foi a anexação do Brasil em 1500 às

possessões portuguesas do ultramar. Segundo Gabriel Soares de Sousa,

desenhava-se a costa brasileira de acordo com Tordesilhas: terá segundo o

tratado, no tocante à cosmografia dele, mais de mil léguas cuja terra é quase toda

muito fértil, sadia, fresca e lavada de bons ares, e regada de frescas e frias

águas. Nela tem portos imensos e seguros para neles entrarem grandes armadas

com muita facilidade, ela também é abastecida de mantimentos de muita

substância, dão-se nela muitas carnes naturais devido à variedade, maravilhosos

pescados, e pau de fazer tinta. O Brasil está situado além da linha equinocial da

parte do sul, debaixo da qual começa ela correr junto do rio amazonas, onde a

linha da demarcação se principia indo até a linha pelo sertão a fora. No seu

contexto, o Brasil se enquadra no expansionismo comercial, que visava a busca

de lucros imediatos e de novos mercados para exploração, mas tal acontecimento

não causou muita euforia por parte da coroa portuguesa, pois o olhar lusitano

estava voltado para o oriente. De forma que nem a coroa e nem os reduzidos

concessionários estavam interessados em colonizá-la, ou seja, manter

populações na colônia, destinadas ao desenvolvimento da agricultura e indústria,

pois o ponto principal eram os lucros rápidos.

Após os trinta primeiros anos do Brasil, considerados por alguns historiadores como um período de negligência o eixo central das preocupações lusas transferiram-se de forma categórica do oriente para o novo mundo, tendo em vista diversas razões de natureza militar, política e econômica. (Suassuana; Mariz, pág. 14, 1997).

A nova posição assumida pela coroa com relação às terras descobertas

levou-a a instituir o sistema das Capitanias Hereditárias com vista à colonização

do imenso território brasileiro, este empreendimento tinha com meta conseguir o

efetivo domínio sobre as terras descobertas.“O mesmo método de colonização foi

14

adotado no Brasil, em 1504, com doação por D. Manuel I”. (História do Brasil,

Hélio Viana, pág. 80, ano 1982)

No tocante ao planejamento do sistema, o objetivo era atingir ao mesmo

tempo o desenvolvimento total de todo o território legalmente pertencente a

Portugal. Com isso o mapa do Brasil foi dividido em quinze lotes, distribuídos

entre doze donatários. Cada uma das capitanias começava na costa do Atlântico

e se estendia para o oeste até o limite de Tordesilhas, sendo os seus capitães-

donatários em sua maioria da pequena nobreza.

A estrutura de poder instituída no Brasil colonial assegurava juridicamente,

a ocupação da terra através da carta de doação e do foral. Todavia o

empreendimento não correspondeu totalmente às expectativas dos que arcaram

com o seu financiamento.

Só duas capitanias sobressaíram-se a de São Vicente, de Martim Afonso

de Sousa, e a de Pernambuco, doada a Duarte Coelho, as únicas que

apresentavam sinais de prosperidade.

As demais capitanias podem ter tido uma curta duração, mas a coroa

conseguiu com esse projeto consolidar o domínio na colônia, vencendo as

ameaças externas e internas à sua hegemonia. Com isso o Brasil estava

definitivamente estabelecido. Mesmo com a resistência indígena, prosseguiam as

tentativas de colonização. Anos mais tarde as capitanias arruinadas foram

reclamadas por novos colonizadores, ou pela própria coroa, e nela foram

fundados povoamentos prósperos e permanentes.

O ponto mais expressivo da fraqueza do sistema consistia na falta de

coesão entre as povoações primitivas, pelo isolamento umas das outras, sendo

assim, a coroa resolveu criar em 1549, outra forma administrativa com a

denominação de governo geral. Toda a organização administrativa e burocrática

visava criar a base necessária para valorizar economicamente suas terras na

América, de modo que o início da colonização vai se configurar no cultivo da cana

e no preparo do açúcar.

A estrutura fundiária, que foi tão aplicada no Brasil, deve ser creditada à

origem do sistema sesmarial, utilizado em Portugal no séc. XVIII.

A sesmaria derivou-se do termo sesma, e significa 1/6 do valor estipulado

para o terreno. Sesmo ou sesma também procedia do verbo sesmar ( avaliar,

15

estimar, calcular),. ou podia significar, um território que era repartido em seis

lotes, nos quais, durante seis dias da semana, exceto no domingo, trabalhariam

seis sesmeiros.

A sesmaria foi instituída em 1375 e tinha como meta obrigar os

proprietários a cultivarem e semearem as terras, e não fazendo, cederem parte

delas a um agricultor para que realizasse a lavoura.

Com o sistema de sesmaria instituído nas capitanias, e divisão de lotes, surgiu a

capitania do Rio Grande, com a doação do Rei D. João III de 100 léguas de terras

ao donatário João de Barros.

“A demarcação das terras do Rio Grande faz o seguinte trajeto... Deste rio do meio à baía do Ano Bom são 11 léguas, a qual costa está na mesma altura de dois graus, onde entram navios da costa e tem muito boa colheita , a qual baía tem um grande baixo, no meio e dentro nela se vem meter no mar o Rio Grande dos tapuias, e se navega um grande espaço pela terra adentro e vem de muito longe; o qual se chama dos tapuias por eles virem por ele abaixo em canoas a mariscar ao mar desta baía.”( Tratado Descritivo do Brasil em 1587, Gabriel Soares de Sousa, pág 9, 2000).

Figura 1: Cartografia Holandesa do Século XVII, mostrando o litoral da Capitania

16

A conquista do Rio Grande tornou-se fundamental para e efetivação do

empreendimento colonizador o mais breve possível, por isso foram expedidas as

cartas régias de 1596 e 1597, dirigidas ao governador geral D. Francisco de

Souza, e aos capitães-mores de Pernambuco e da Paraíba, recomendando ao

primeiro, que gastasse o que fosse necessário da fazenda real para a diligência,

acrescentando que se fundasse uma povoação e se construísse uma fortaleza

para a sua defesa, e assim foi feito, organizaram uma expedição comandada por

Mascarenhas Homem, capitão-mor de Pernambuco, com ela a participação de

Feliciano Coelho, capitão- mor da Paraíba, Francisco de Barros Rego,

comandante de esquadra, os irmãos Jerônimo, Antônio e Jorge Albuquerque, os

padres Lemos e Gaspar de Samperes, da companhia de Jesus, além do

franciscano Frei Bernardino das Neves, perito em língua dos índios. Esta

expedição dividiu-se em dois grupos, uma foi por mar, sob o comando de

Mascarenhas Homem, e o outro por terra liderado por Feliciano Coelho.

Figura 2: Detalhe da figura anterior onde se divisa a cidade nova proposta pelos batavos

Mesmo com tantas dificuldades apresentadas, como doenças,

principalmente a “bexiga”, chamada a “peste do Brasil”, que matava diariamente

dez ou doze integrantes que estavam por terra, além de lutas travadas com os

17

nativos. Prosseguindo a viagem, Manoel Mascarenhas que estava por mar,

mandou dois caravelões sondar a embocadura do Rio Grande, isto é, o rio

Potengi. Somente depois que chegaram as informações foi que “entrou a armada

à tarde guiada pelos marinheiros dos caravelões que o tinham sondado”.

Segundo o padre Serafim Leite, o desembarque das tropas de Manoel

Mascarenhas no rio Potengi aconteceu no dia 25 de Dezembro de 1597, data está

que marca o início da colonização portuguesa no Rio Grande do Norte, e assim

iniciaram a construção de um fortim na barra do Rio Grande, para se defenderem

dos constantes ataques dos índios.

“Imediatamente providenciou-se um entrincheiramento, através da utilização de madeira do mangue”. (FILHO, Olavo de Medeiros, pág. 22, 1997).

Os trabalhos de edificação da fortaleza tiveram início no dia de Reis, 6 de

Janeiro de 1598. O material de construção utilizado no forte foi da taipa.

Inicialmente foram colocadas grossas vigas de madeiras, muito juntas, sendo em

seguida aplicado um espesso forro de barro, à época denominado “entulho”.

Serviu de alicerce a própria rocha, representada por uma “lagea branda”. A

origem desse forte foi de autoria do frei Gaspar de Samperes, que continha

características das construções portuguesas e recebeu o nome de Reis Magos

por ter sido iniciada dia 6 de Janeiro de 1598, de acordo com o costume da

época.

Figura 3: Detalhe da Fortaleza. Vê-se um frontão retirado em “restaurações” posteriores

18

As medidas iniciais tornaram-se imprescindíveis para vencer a resistência

indígena, que em constantes ataques tornava a vida dos agentes da colonização.

Em fins do século XVI conquista-se a Capitania do Rio Grande. O feito foi

simbolicamente representado pelo ato de Mascarenhas Homem ao entregar as

chaves da Fortaleza a Jerônimo de Albuquerque e em seguida foi para

Pernambuco.

Consolidada a conquista, era indispensável que fosse iniciado o

povoamento, e implantadas as atividades agrícolas.

Figura 4: Cartografia Portuguesa do Século XVIII, onde se vê em detalhe a planta da Fortaleza dos Reis Magos.

Quinze dias depois de fundada, Natal ainda estava deserta, e a primeira

petição de sesmaria no Rio Grande concedida por Mascarenhas Homem, foi de

Colaço em 1600. A partir de 1601, este, já nomeado capitão-mor interino,

procurou fazer largas concessões de sesmaria, na tentativa de expandir o

povoamento e valorizar as terras da capitania, ele distribuiu 51 datas de terra, das

quais 18 foram localizadas no “sítio da cidade”. As demais localizaram-se às

margens do rio Potengi, Jundiaí, Pirangi, Curimataú e os outros rios próximos ao

19

litoral, conforme o “Auto da Repartição das terras do Rio Grande do Norte”, de

1614. “No que se refere a Natal, pouco era o seu progresso nesses primeiros tempos. Dos raros concessionários de sesmaria no sítio da cidade, poucos se apossaram de suas concessões. A fortaleza contava com o efetivo de 200 praças de guarnição, fora os oficiais”. (SUASSUANA, Luiz Eduardo; MARIZ, Marlene da Silva, pág 30,1997).

O processo de colonização teve início no século XVII, com sua existência

oficial subordinada administrativamente ao governo da Bahia e depois a de

Pernambuco.

Em 1603 deu-se o aparecimento do primeiro engenho de fabricar açúcar

instituído nas terras doadas a Antônio e Matias de Albuquerque, filhos de

Jerônimo de Albuquerque, na vázea de Cunhaú, tão famoso na história e de onde

se produzia uma das maiores riquezas do período colonial, o açúcar.

Por um tempo a capitania se caracterizou pela lentidão do seu processo de

desenvolvimento. Para lá iam afluindo famílias de colonos, mas a terra fraca para

roçados e canaviais, e com escassez de chuvas, faziam com que o número fosse

pequeno, os europeus, que nessa fase inicial chegavam não ultrapassavam 80

pessoas e os indígenas eram a grande maioria. A capitania estava adaptável para

a criação de gado, com abundância de peixes e caças, e farta produção de

farinha, milho e frutas silvestres. Segundo Cascudo, Natal era “cidade apenas no

nome. Uma capelinha de taipa forrada de palhas e os moradores viviam

espalhados nos sítios ao redor, plantando roças, caçando, colhendo junto nos

tabuleiros”. Tudo ocorria muito devagar, quase obedecendo ao ritmo do sopro do

vento orquestrado pelo rugido do mar. Este foi o cenário do início da colonização

portuguesa no Rio Grande: Lento e tardio.

Os limites da cidade do Natal foram feitos segundo o costume medieval

presente na tradição portuguesa.

Os limites da cidade foram assinalados por duas cruzes, uma fixada no

pequeno planalto que se estende da atual praça das mães, na Avenida Junqueira

Aires, a outra na descida do Baldo, “o chão firme e elevado”.

Natal em 1607, segundo os registros da época, contidos na obra “A Razão

do Estado do Brasil”, de Diogo Campos Moreno, indicam que a população nessa

época atingia o número de 100 habitantes. No total da capitania, talvez uns 300

20

com maior concentração fixada em Natal e o restante espalhados pelas roças e

fazendas. Naquela época, Natal contava com 30 a 35 casas. Afora Cunhaú,

Ferreiro Torto e Natal eram os dois centros mais populosos.

O início, o governo do estado do Rio Grande do Norte e de Natal era

exercido pelos capitães-mores, mas em 1611, Dom Diogo de Meneses e Siqueira,

governador geral do Brasil, a pedidos dos moradores de Natal, concedeu-lhe

governo próprio, segundo Cascudo, “Deu os rudimentos de uma organização

municipal ao Rio Grande do Norte, criando e fazendo prover os cargos de: juiz,

um vereador, um escrivão da câmara, um procurador do conselho e um

procurador dos indígenas”.

A cidade se arrastava lentamente em termos de crescimento urbano. A

fortaleza era suficiente, pois satisfazia às exigências da defesa da Capitania.

Outro edifício construído foi o da matriz.

Natal só conheceu apenas duas atividades: a dos soldados, construindo a

fortaleza e lutando contra os inimigos da coroa e a segunda é marcada pela

atuação dos missionários.

Naquela época só interessava ao rei o forte, que serviu de sede

administrativa da capitania, onde funcionava o comando militar, quartel e refúgio

dos raros moradores. Os soldados moravam dentro do forte e qualquer

modificação levava os colonos, às carreiras, para a defesa oferecida por suas

muralhas. Na Fortaleza moravam os capitães-mores até a invasão holandesa.

Era de fato um lento caminhar, mas dentro em breve Natal haveria de

passar por sua fase mais difícil: O período da invasão holandesa.

Esta é uma fase de dificuldades para a coroa e seus agentes, quando os

holandeses atacaram o Rio Grande do Norte, Pero Mendes de Gouveia

governava a capitania.

A primeira tentativa de implantar uma colônia no Brasil, pelos batavos, foi

na Bahia. Os armadores holandeses conheciam o Brasil, mantendo relações

amistosas com os portugueses, durante os reinados de João III, D. Sebastião e o

cardeal D. Henrique. Com a anexação de Portugal e suas colônias pela Espanha,

a situação mudou. Filipe IV, que era contra os países baixos, determinou “o

confisco dos navios flamengos que tivessem nos portos de seus novos domínios,

europeus, africanos, asiáticos e americanos”. Nesse tempo os espanhóis se

21

apresentavam como inimigos. Portanto deveriam aproveitar a oportunidade para

invadir e conquistar o Brasil, pois o sonho holandês de invadir o Brasil era antigo.

O primeiro passo dado pelos holandeses para se apossarem do Brasil foi a

criação da companhia privilegiada das Índias Ocidentais, pela carta Patente de 03

de junho de 1621. A companhia decidiu atacar a Bahia, que era sede do governo,

mais precisamente Salvador e, após dois dias de luta os holandeses dominavam

a cidade. Mais no dia 22 de março de 1625, foram vencidos sob o comando de D.

Fadrique de Toledo Osório, e a 1º de maio, Salvador estava liberta. Os

holandeses, contudo, não desistiram de se apossar definitivamente do Brasil. A

companhia resolveu fazer nova investida contra a colônia luso-espanhola, agora

seria Pernambuco, com mais de 130 engenhos, cuja safra ultrapassava as mil

toneladas, fazendo de Pernambuco “a principal e mais rica região produtora de

açúcar do mundo”. Já no aspecto militar, o nordeste brasileiro estava

desguarnecido e, assim, não tinha condições de resistir a um ataque de uma

grande esquadra, por isso os holandeses já em Pernambuco, procuraram

estender seu domínio pelas capitanias vizinhas, ao norte e ao sul, nos atuais

estados de Alagoas, Sergipe, Paraíba, Rio Grande do Norte e Ceará.

Após tantos estudos, os holandeses decidiram, finalmente, realizar a

conquista do Rio Grande, houve quatro incursões, a primeira em 1625, a segunda

em 1630, e no ano seguinte, em 1631, aconteceram as duas últimas, quando em

1633 caía a fortaleza do Rio Grande. Começava a partir desta data, o domínio

holandês.

22

Figura 5: Gravura Holandesa do século XVII onde se identificam a Fortaleza, indígenas e europeus. A gravura é encimada pelo brasão da Capitania do Rio Grande, representada por uma ema.

Ao ocuparem o Rio Grande, os holandeses mudaram o nome da fortaleza

para castelo de Keulen, em homenagem a um dos diretores da companhia,

Matias Van Keulen, que viera na expedição e assistira tudo. Natal passou a se

chamar Amsterdã ou Nova Amsterdã, tendo assumindo o governo Joris

Gardtzman. Com a invasão, o senado da câmara foi naturalmente substituído

pelas instituições flamengas, foi criada em 1637 câmaras dos escabinos,

presididas pelo esculteto, cargo que correspondia ao de prefeito, na atualidade.

Havia também os curadores municipais. O Rio Grande não possuía autonomia

administrativa, dependia da justificação da Paraíba onde residia um diretor.

Durante o domínio holandês, nada foi feito pelos representantes da

Companhia das índias Ocidentais. Havia somente duas preocupações: Dominar e

explorar economicamente a região. Em Pernambuco o fator preponderante foi a

produção açucareira, no caso do Rio Grande do Norte, o que atraiu os

23

holandeses foi a abundância de gado bovino, secundada pela produção de

farinha de mandioca e o fornecimento de peixe seco. Por conseguinte, no cenário

do domínio holandês no Nordeste, o Rio Grande funcionou como retaguarda

fornecedora de alimentos, garantindo o abastecimento das tropas invasoras. Os

holandeses tinham um certo receio em relação aos portugueses pois temiam que

os mesmos dominassem o interior, naturalmente eles seriam privados do

fornecimento de carne bovina e farinha, de forma que o maior fornecedor de reses

era feito pelos criadores do gado do Rio Grande... Sem o Rio Grande, os

soldados holandeses tão miseravelmente tratados, com o só recurso dos

armazéns, ficariam condenados a morrer de fome; e a alimentação da população

pernambucana seria uma coisa impossível.

“As suas agressões visavam exclusivamente a proventos materiais imediatos”. (Lyra, A. Tavares, pág. 69, 1998).

O raio de ação dos holandeses limitou-se às regiões do litoral e do agreste:

Natal, Macaíba, Extremoz, São Gonçalo, o vale do Ceará-Mirim, São José de

Mipibu, Arês, Nísia Floresta, Goianinha e Canguaretama. Incursionaram também

pela região salineira de Macau e Areia Branca, de onde tiravam o sal para

conservar os seus produtos.

Os massacres que os flamengos promoveram no Rio Grande do Norte,

ocorreram em determinadas circunstâncias, em primeiro lugar. A violência que

caracterizou o domínio holandês começou pelo ataque aos moradores de Ferreiro

Torto, segundo engenho da Capitania.

Estava situado à margem direita do rio Janduí, nas proximidades de

Macaíba, onde Francisco Coelho foi o seu primeiro proprietário e construtor. A

primeira investida contra os habitantes de Ferreiro Torto aconteceu em 14 de

Dezembro de 1633, travou-se uma luta, morrendo Francisco Coelho, sua esposa,

cinco filhos e sessenta pessoas que estavam lá refugiados. O massacre de

Cunhaú que também é chamado de morticínio foi um dos mais cruéis. Desde o

início da colonização as chaminés do engenho de Cunhaú contrastava com o

verde dos canaviais, que alimentavam as suas moendas. Este engenho era a

menina dos olhos dos holandeses por causa da fertilidade das suas terras. Por

24

isso, em 1634, eles atacaram Cunhaú, se apossaram e se tornaram os novos

donos, continuado a produzir açúcar e exportando para Recife. Em redor do

engenho, vivia e trabalhava uma população pacífica e ordeira.

Mais surgiu neste cenário a figura de Jacob Rabbi, alemão, e viera ao

Brasil a serviço do Conde Maurício de Nassau.

“A chegada de Jacob à povoação de Cunhaú, num sábado de tarde, onde recebera instruções do governo do Recife, avisou aos moradores ter ordens para transmitir, indicando o horário após a missa com o escolhido para a comunicação”. (SUASSUANA, Luiz Eduardo; MARIZ, Marlene da Silva, pág. 94, 1997).

Impelidos pela curiosidade e também pelo cumprimento do preceito

dominical, muitas pessoas foram para capelinha, que ficou cheia, era Domingo,

16 de Julho de 1645, quando se abateu sobre os fiéis, executando-os.

Outra ocasião foi marcada por atos de violência. Em Outubro de 1645,

desta vez em Uruaçu.

Os eventos de Uruaçu e Cunhaú são utilizados sempre quando a

historiografia local trata da ocupação holandesa na Capitania esses são referidos

como exemplo da firme opção religiosa dos colonos e demais agentes da

colonização que resistiram bravamente à violência do conquistador protestante,

de seu aliado um judeu alemão e dos indígenas da terra.

25

CAPÍTULO II - A RECUPERAÇÃO DA CAPITANIA DO RIO GRANDE A PARTIR DO SÉCULO XVIII: ADMINISTRAÇÃO, SOCIEDADE E ECONOMIA.

Expulsos os holandeses em 1654, os colonos portugueses tiveram que

enfrentar o desafio de reconstruir as capitanias do nordeste, e a do Rio Grande

estava em ruínas, raros moradores, casas desmoronadas, campos inutilizados,

gado desaparecido, caminhos intransitáveis.

Coube a Antônio Vaz Gondim a tarefa de iniciar a obra restauradora, pois

foi o primeiro capitão-mor nomeado para governar a Capitania após o domínio

holandês. Até o final do século XVII, a Capitania do Rio Grande foi administrada

por 13 capitães-mores.

Iniciou-se uma fase no seu processo histórico de desenvolvimento para a

recuperação do seu ritmo administrativo, social e econômico, o que vale dizer,

começar de novo, com os mínimos recursos, o Rio Grande retomando o seu ritmo

normal, no processo da colonização, vagarosamente e bastante retardo em

relação as capitanias vizinhas, tendo em vista todos esses acontecimentos que

impediram um desenvolvimento natural.

Uma das primeiras providências tomadas pelo capitão-mor Antônio Vaz

Gondim, foi fazer retornar às suas antigas roças e fazendas mais de 150 colonos.

Até 1600, não havia ato prescrevendo normas uniformes à ação dos

capitães-mores, que, sem uma legislação que limitasse o seu poder, abusavam

da autoridade que lhe era confiada. Em 1º de outubro daquele ano, D. Vasco

Mascarenhas, expediu um regimento geral que regulamentava a atuação dos

capitães-mores.

Quando Valentim Tavares Cabral assumiu a capitania do Rio Grande, para

uma administração que se estendeu de 1663 1670, um dos artigos do regimento

proibia a concessão de sesmarias. Mas ele as fez, não abrindo mão da

competência até então assegurada aos seus antecessores, ainda assim, o

movimento colonizador restringia-se ao litoral.

Foi com o Capitão-Mor Antônio de Barros Rego que a colonização avançou

sertão adentro, os colonos iam penetrando no interior da capitania, buscando as

vantagens proporcionadas pela pecuária. Crescia a criação de gado no sertão,

26

mais os colonos tinham de contar as freqüentes rebeliões dos índios, que

aumentavam substancialmente com o povoamento dos sertões.

“O crescimento constante da criação do gado, cuja expansão se dava cada vez mais para o interior, na procura de novos pastos e currais, invadia o espaço habitado pelo indígena, empurrando-o para outras localizações.” (SUASSUANA, Luiz Eduardo Brandão; MARIZ, Marlene da Silva, pág.108, 1997)

A concessão de sesmarias para criação de fazendas de gado fixou a

população e originou o ciclo do gado, iniciou-se uma fase de produtividade e

colonização efetiva na capitania, após a expulsão dos holandeses.

Recém saído de um período de destruição, a Capitania do Rio Grande

passou por um longo período de instabilidade. Essa luta, conhecida como guerra

dos bárbaros ou confederação dos cariris, eclodiu na administração de Pascoal

Gonçalves Carvalho, que sem condições de enfrentá-la, foi substituído no

comando da capitania.

A guerra freqüentemente variava de intensidade, tornando-se mais uma

questão administrativa que militar. Como solução para os conflitos que afligia

tanto aos colonos com os índios, em 08 de Janeiro de 1695 assumiu a

governança da capitania Bernardo Vieira de Melo, o último capitão-mor do século

XVII e o primeiro do século XVIII, homem de princípios rígidos, que não permitia o

menor deslize, inteligente, que compreendeu logo que os indígenas se rebelavam

porque eram provocados pelos brancos. Agiu, portanto, sem derramar sangue,

aldeou os índios e incentivou a formação de povoados no interior da capitania,

criando condições políticas e administrativas para a ocupação definitiva do Rio

Grande. Os seus atos durante o seu segundo governo não desmentiram os do

primeiro, pois Bernardo Vieira de Melo governou por duas vezes a capitania,

tendo seu governo sido prorrogado por mais 03 anos.

“A contar de então, se acentuarem os grandes surtos da colonização,

que atingia no século seguinte o seu máximo de intensidade.”(LYRA, A.

Tavares de, pág.157, 1998).

27

Acabados os conflitos, tornava-se fundamental colonizar toda a capitania,

feito concretizado já ao final do século XVII, quando o espaço da Capitania do Rio

Grande estava todo ocupado e povoado.

Em termos econômicos podemos traçar a história da Capitania num quadro

resumido: com a concentração das atividades mercantis dos colonizadores no

século XVII, veio a criação de gado, produção de sal, de peixe seco e salgado.

Nos séculos do desbravamento e conquista do território, a capitania terá

como principal especialização no quadro econômico regional a produção

subsidiária à atividade canavieira, com o principal núcleo de produção em

Pernambuco. Esta vinculação será refletida principalmente na produção e

fornecimento de gado, farinha e pescado para diminuir a escassez destes

gêneros nas áreas dedicadas ao cultivo da cana-de-açúcar. Esta orientação da

economia determinará um perfil de utilização do espaço norte-rio-grandense que

terá nas áreas sertanejas e nas ribeiras dos rios Piranhas-Açu e Mossoró-Apodi

as vias de penetração da colonização e estabelecimento de fazendas de pecuária

bovina1.

A cidade participará deste processo, vinculada às atividades de

escoamento da produção econômica das áreas adjacentes, via porto de Natal.

Também em grande parte, deve seu posterior desenvolvimento às suas

atribuições de sede do aparato administrativo-fiscal da capitania. A política de

distribuições de sesmarias e datas de terras pelo Senado da Câmara do Natal,

inaugurada com a concessão da primeira a João Rodrigues Colaço, em 9 de

janeiro de 1600, e as que a seguiram ao longo dos séculos XVII, XVIII e XIX,

tiveram a função primeira de fazer desenvolver a cidade de Natal, e esquadrinhar

o traçado das terras particulares no sítio da cidade.

O século XVIII foi de recuperação econômica, o Rio grande constituía uma

Capitania subsidiária às áreas produtoras de açúcar. Em carta régia de 11 de

Janeiro de 1701 deixou de ser subordinada direta do governo da Bahia, como

anteriormente, para ficar sujeita ao de Pernambuco. Segundo Câmara Cascudo

“essa subalternidade retardou o desenvolvimento do Rio Grande”.

O poder na Capitania era exercido pelo capitão-mor (de 1598 até 1821),

com exceção do período sob o domínio holandês. O poder legislativo era exercido 1 ANDRADE, Manuel Correia de. A Produção do Espaço Norte-Rio-Grandense, p. 18.

28

pela câmara municipal, semelhante às atuais câmaras dos vereadores. Exercia

uma extensão da administração municipal e funcionava no consistório da matriz

de nossa senhora da apresentação, presidida por um juiz ordinário. No poder

judiciário a autoridade máxima da comarca era o ouvidor. Primeiro, nomeado

pelos donatários das capitanias, e depois, pelo próprio rei. Na verdade nunca

tivemos, durante quase todo o período colonial, um ouvidor, sempre ficamos na

dependência de outras capitanias. Mas em 18 de Março de 1818, conquistamos

por força do alvará de D.João VI, nossa organização judiciária autônoma e a partir

daí constituímos uma comarca, com sede em Natal e independente da Paraíba.

No século XVIII, a economia se baseava, principalmente, em duas fontes:

A agricultura e a atividade pastoril. O comércio era a aspiração dos mais ativos e

inteligentes em outros pontos da colônia, porque dava facilidades de vida e a

consideração dos proprietários abastados. Os estabelecimentos comerciais eram

pequenas vendas, verdadeiros bazares em que tudo se encontrava.

A estrutura social da Capitania baseava-se no modelo do tradicional

patriarcalismo, fundada no trabalho da pecuária, da grande lavoura canavieira e

da agricultura de outros gêneros.

Somente no século XVIII foi que Natal começou a adquirir uma fisionomia

urbana tradicional. Os dois bairros implantados no início do povoamento: Cidade

Alta e Ribeira se consolidaram no seu espaço geográfico delineando, assim, as

primeiras ruas.

Desta política resultou um perfil de ocupação do espaço que determinou a

criação na cidade e em seu entorno de sítios e áreas destinadas à agricultura de

subsistência onde:

“... Mantinham as roças de mandioca, feijão, jerimum, milho, inhame, cará e pescavam, de anzol, covo, jequi ..., e, criavam cabras, porcos, ovelhas, gados e a pesca também era praticada. Os que viviam na Cidade também criavam galinhas e porcos, estes soltos pelas ruas, não havia muros e eram raras as cercas de faxina.”2

Nos séculos XVII e XVIII, a população que compunha este perfil morava

nos arredores, mais precisamente nestes sítios e fazendas. A cidade era pouco

habitada, nela viviam mestiços, escravos e poucos comerciantes. A população

2 CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal, p. 87

29

abastada, só vinha a cidade aos domingos para rezar missa ou para festividades

oficiais e religiosas. Estas se desenrolavam preferencialmente no largo da Igreja

Matriz. Caracterizando a povoação portuguesa Lira escreve que: “Um quarto de légua da fortaleza está a povoação que chamam de cidade do Natal tem uma boa Igreja, porém, a povoação é muito limitada respeito dos moradores estarem e morarem nas suas fazendas onde têm muitos deles suas casas mui nobres.”3

Ainda no século XVIII, a cidade do Natal por motivo de seu isolamento, ou

como seja um alheamento em relação às áreas interioranas do resto da capitania,

não passará por muitas transformações em termos de expansão do sítio urbano,

no que pese a falta de informações na escassa historiografia existente sobre a

cidade, sendo ainda grande parte desta historiografia composta por trabalhos de

cunho meramente descritivo. Dificultando também a reconstrução da história da

cidade de Natal em bases documentais, existe como aponta GALVÃO4, a

inexistência de dados oficiais, ou censos demográficos específicos para a cidade

o que caso o contrário, viria a contribuir para traçar um perfil demográfico para

Natal5.

Este século deixará na estrutura urbana da cidade um traçado de ruas

estreitas que acompanham a topografia do sítio da Cidade Alta. Este será vigente

até o início do século XX, com “as mesmas praças, ruas e limites urbanos”.6

Como ressaltado por CLEMENTINO (1990) o relativo isolamento de Natal

será responsável pela não repercussão na cidade das transformações ocorridas

no interior da capitania em virtude do povoamento e criação de vilas a partir da

pecuária extensiva, e subsidiária das áreas açucareiras tradicionais nordestinas,

resultando que Natal não passava de um mero núcleo de controle: “a enorme

extensão territorial alcançado em relativo pouco tempo com a criação de gado fez

com que as ligações do sertão pastoril e o litoral açucareiro se tornassem

episódicas”.7 A autora ressalta que este momento seria aquele em que o conjunto

do sistema urbano potiguar estaria deitando suas raízes no estado. É evidente 3 LIRA, Augusto Tavares de. História do Rio Grande do Norte, p. 41. 4 Id. Ibid. 147 5 Id. Ibid.. 6 CASCUDO, Luís da Câmara. Cidade do Natal:1999 7 CLEMENTINO, Maria do Livramento M. Complexidade de uma urbanização periférica, p. 74.

30

que esta rede urbana efetivada a partir desta conjuntura histórica e econômica,

será responsável pela criação de um tipo característico de urbanização, aquela

em que: “o gado seria, a matriz do sistema urbano potiguar...”.

O desenvolvimento urbano da cidade foi lento. De 1599 a 1729, alcançou

o número reduzido de sessenta casas e em seus arredores moravam mais

habitantes, sitiantes ou fazendeiros como se depreende do relato de João Maria

da Gama que inspecionava as capitanias desde o Maranhão em 1729 e

observava que Natal tinha cerca de ... cincoenta para sessenta casas e muitas

mais perto da cidade onde mais gente vive nas suas fazendas.8 Já na segunda

metade do século XVIII, um outro visitante, o ouvidor-mor da Paraíba, Domingos

Monteiro da Rocha deixou relato sobre a cidade, este mais preciso e completo

pois descreve o limite físico alcançado pela Cidade neste século: “... quatrocentas

braças de comprido por cinqüenta de largo, com 118 casas.”9 Neste século a

cidade que se divisa a partir desses relatos, passou por um processo lento de

crescimento e por até mesmo períodos de involução como ficou atestado em

1722, ano em que o capitão-mor José Pereira Fonseca relata que em Natal existia

apenas trinta casas, e acrescenta que nas imediações da cidade o mato era

fechado com um número de habitações que Galvão afirma ser menor do que o de

1627, a partir do relato de Domingos da Veiga morador da cidade.

Ao longo do século XVIII a cidade contava com quatro igrejas, sendo três

na Cidade Alta e uma na Ribeira. Além destas edificações religiosas, memórias

vivas de um passado distante, no século XVIII foi construído o prédio onde

funcionou, no térreo, o senado da câmara, e no andar superior, a cadeia da

cidade. Quanto à população de Natal, no século XVIII, os dados são escassos.

A capitania atravessava um período de ocupação do espaço geográfico,

prejudicado nos anos de estiagens que prejudicavam suas plantações. No

entanto, mesmo com as dificuldades enfrentadas no decorrer de um século, o Rio

Grande assume sua característica territorial e social sedimentada na pecuária, na

grande lavoura açucareira, e, no século XVIII, assistiu-se a implantação da

produção algodoeira delineando o perfil econômico da Capitania até o século XIX.

8 GALVÃO, Hélio. Aspectos da Evolução Urbana e Demográfica de Natal, In. Revista Acadêmica Norte-rio-grandense de Letras. Ano 1, n. 1, 1951. p. 145-162. 9 Id.

31

Já na segunda metade do século XVIII, ocorrerá uma intensificação no

processo de povoamento do interior vinculado às condições daquele momento

histórico, em que os inimigos externos da coroa portuguesa estavam inativos no

tocante à disputa pela colônia brasileira e principalmente segundo ANDRADE,

quando “... na Europa se procedia à Revolução Industrial; a partir daí, se expandiu

e ganhou importância a demanda do algodão produto nativo da América.”.10

Na transição do século XVIII para o XIX, a produção se diversificou e a

pauta de produtos agrícolas exportáveis constava principalmente do açúcar,

algodão, sal, e mais tardiamente a cera de carnaúbas em 1840.

A urbanização assim gestada no estado àquele momento, será exígua;

“...com a atomização da população e da atividade econômica, inclusive a urbana

que padece de frágeis estruturas terciárias”.11 Natal já no século XIX, reforçará

sua função político-burocrática e repartirá em dado instante deste século com

Mossoró a convergência de fluxos comerciais.

O início do século XIX marcou o final do sistema colonial e a capitania do

Rio Grande do Norte entrou nesse século vivenciando uma fase de relativa

normalidade, depois de um longo período de combates com os grupos indígenas

e dificuldades advindas das limitações impostas pelo espaço natural de seu

território passadas no decorrer do seu processo de colonização.

A cidade do Natal, que foi o primeiro núcleo de população organizada na

capitania, ao se iniciar o século XIX não passava de um pequeno núcleo urbano

mais próximo em suas características a uma pequena vila do que a uma cidade. A

população se concentrava quase toda no alto da colina que constitui hoje a parte

alta da cidade.

As transações marítimas da cidade via porto de Natal eram em sua grande

maioria feitas por cabotagem e se destinavam ao porto da cidade do Recife; eram

raras as exportações diretas para o estrangeiro. Estas foram inauguradas com o

período do “cotton hunger”, agora serão exportações diretas a partir de vapores

estrangeiros que irão reforçar a condição de Natal como centro administrativo e

político da província.

10 ANDRADE, Manuel Correia. A produção do espaço norte-rio-grandese. 1995. 11 Loc. Cit., p. 74

32

Por causa da guerra de Secessão, nos Estados Unidos, a Inglaterra deixou

de comprar algodão a este país, e voltou-se para os mercados do Egito e do

Brasil. Este fato normalmente contribuiu para a expansão da cotonicultura

potiguar, que era uma das fontes gerais da economia Provincial. Com a procura

desse produto, permitiu-se realizar um aumento significativo nas rendas do

Estado. O Rio grande do Norte chegou a ocupar o primeiro lugar em qualidade do

algodão produzido no Nordeste, principalmente pelo desenvolvimento no Seridó

de uma das melhores fibras do mundo, a do algodão mocó, que teve a

preferência das indústrias de roupa da Inglaterra. Este crescimento econômico

possibilitou efetivamente a realização de maiores investimentos na capital

potiguar, tanto pelo poder público quanto pela iniciativa privada.

Durante o século XIX, Natal teve um discreto crescimento urbano. Segundo

o inglês Henry Koster, ele descreveu os dois bairros da cidade, primeiro sobre a

Cidade Alta, relatou que Consistia numa praça cercada de residências, tendo

apenas o pavimento térreo, as igrejas mo número de três, além do palácio, da

câmara e da prisão. Três ruas desemborcavam nesta quadra mas elas não

possuiam senão algumas casas de cada lado. A cidade não era calçada em parte

alguma e andava-se sobre uma areia solta. Sobre a Ribeira, está foi à

impressão: “É situada nas margens do rio e as casas ocupam as ribas meridionais

e não há, entre elas e o rio, senão a largura da rua”.

Desde o início da colonização citava-se a região da Ribeira com suas

características topográficas diferenciadas em comparação com o seu oposto, a

Cidade Alta.

Em 1603, no início da ocupação da cidade de Natal, a Ribeira era apenas o lugar onde Jorge de Araújo tinha uma olaria e fazia tijolos junto a uma lagoa sem nome” (CASCUDO, Luiz da Câmara, pag. 155, ano 1999)

Toda a Ribeira teve, no correr do século XVII, XVIII e XIX, grandes plantios

de coqueiros, formando cinturões densos, ainda visíveis apesar das mudanças

urbanísticas pelas quais passou.

33

Figura 6: Gravura Holandesa do Século XVII: Vê-se as características topográficas do espaço natural da Ribeira, com a representação da lagoa e o córrego, transposto pelas tropas flamengas através de uma ponte que existia à época. Esta ponte subsistiu até o século XIX.

De 1614 a 1700, as concessões de datas foram apenas em número de

três. Neste espaço de tempo a capitania foi conquistada pelos holandeses e só

após a expulsão destes é reiniciada a política de concessões de datas de terras a

sesmeiros pelo Senado da Câmara de Natal. O povoamento começa a se

concretizar. Os beneficiários foram, o primeiro em maio de 1676, Francisco

Rodrigues que não “toma posse ou não habita”, pois as mesmas terras vão, em

maio de 1677, ser concedidas a Francisco de Oliveira Banhos, que também as

deixa devolutas e em janeiro de 1693 estas serão concedidas a Bernardo da

Costa.12

Olavo de Medeiros Filho fez referência ao bairro da Ribeira a partir de um

registro gráfico raro: uma carta de Albernaz o cartógrafo real. Nesse mapa vê-se

que depois do riacho que provinha da atual lagoa do Jacó, que desaguava no

chamado canto do mangue, há referências ainda a algumas casas no espaço da

Ribeira. O espaço hoje correspondente à Praça Augusto Severo no bairro da

12 MEDEIROS FILHO, Olavo de. Terra Natalense, p.66.

34

Ribeira, aparece sob a denominação de “campina rasa”, sendo limitado por dois

riachos, paralelos, afluentes do Potengi.

Documentos do século XVIII atestam, segundo Cascudo o plantio de

coqueiros e cita um dos mais antigos plantadores de coqueiros que circundavam

a Ribeira, o coronel Manuel de Oliveira Miranda, falecido no Natal.

Ribeira ou “a cidade baixa” nasceu banhada pelas águas do rio Potengi é

assim chamada, pois a Praça Augusto Severo era uma campina alagada pelas

marés e as águas do Potengi, lavavam os pés dos morros. Onde atualmente está

localizado o teatro Carlos Gomes tomava-se banho salgado em fins do século

XIX.

Nos tempos coloniais deveria ser esta a feição dominante na região. Não

causa estranhamento que o seu oposto, em termos topográficos, a Cidade Alta,

tenha sido o sítio escolhido para nela se assentar o núcleo da cidade de Natal.

Como foi pouco modificada em seu ambiente por todo o período colonial, a

Ribeira desempenhará apenas o papel de ligação entre o pequeno núcleo urbano

situado a uma légua da muito importante unidade de defesa do território, a

Fortaleza dos Reis Magos.

A parte baixa da Cidade do Natal denominada, Ribeira, deve o topônimo a

sua situação à margem do Rio Potengi13. Apresentava pontos onde as águas do

rio conseguiam vencer a terra e penetrar formando charcos e até o que parece,

uma lagoa de certo vulto formava-se onde hoje se localiza a Praça Augusto

Severo. Compondo este quadro acrescente-se uma formação vegetal bem

característica do estuário do Potengi, que são os sistemas de mangues. É

inegável que a proximidade de tão largo curso d’água e devido às baixas cotas

topográficas do bairro em sua parte média, tornavam estas terras constantemente

alagadas “... o terreno era quase todo ensopado, pantanoso, enlodado. Apenas

alguns trechos ficavam a descoberto nas marés altas de janeiro”.14

A sua topografia e o pouco escoamento das águas, causava à população e

às autoridades o temor das doenças motivadas pelas exalações miasmáticas das

águas que se acumulavam em muitos pontos da Ribeira. Um destes alagados, um

dos mais citados era o que cobria o espaço da atual Praça Augusto Severo, o que 13 A respeito do topônimo Ribeira, Câmara Cascudo em seu livro “Nomes da Terra” escreve:“ Não falavam em arroio, regato, ribeiro, ribeirão, mas ribeira, nome de rio denominador de vertentes”. 14 CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal, p.150

35

motivou um pronunciamento do Presidente da Província, Casimiro José de Morais

em 1847 “... o pântano da campina da Ribeira, cujas águas rebalçadas e

impregnadas de matérias vegetais putrefatas, fornecem exalações produtivas de

febres intermitentes, e de outras muitas enfermidades”.15

Duas décadas depois um outro residente da cidade ainda divisava o

quadro antes descrito e reclamava ações para a melhoria das condições de

salubridade:

“... que esses terrenos fossem aterrados e aproveitados para construção e recreio públicos. (e acrescentava que) Nenhuma outra localidade da cidade se prestaria melhor a isso, nenhuma seria tão aprazível como esses sítios atualmente tão funestos”.16

Segundo Medeiros Filho (1991), as primeiras concessões de terras na

Ribeira datam, do início do século XVII. Em 1603, uma data foi concedida ao

oleiro José de Araújo, que por volta de 1614 possuía uma olaria nesta área. Em

aproximadamente seis anos as terras desse oleiro se encontravam devolutas.

Estas terras localizavam-se junto a Lagoa da Campina. Já em 1604, foram

doadas trezentas braças de terras, também na mesma Campina17, a um padre

vigário, e, em 20 de junho de 1608, Jerônimo de Albuquerque concede 50 braças

quadradas de terras a Antônio Rodrigues Leitão.

A primeira referência documental de cessão de terras na atual Praça

Augusto Severo, data de 05 de Outubro de 1703, cujo beneficiário foi o alferes (Antigo posto militar correspondente ao atual segundo- tenente), Antônio da Silva

Carvalho, “começando pelo primeiro (mangue) do salgado até os morros da

fortaleza”. Esse primeiro mangue do salgado corresponde ao terreno atualmente

ocupado pela praça citada.

O maior número de concessões de terra, que inauguram o efetivo

povoamento, datam da segunda metade do século XVIII, e se concentraram na

descida íngreme do sul da colina da Cidade Alta, posteriormente chamada de rua

do Aterro, pelo fato de já neste século e principalmente no século XIX ser

necessários reparos nesta via de comunicação dos dois bairros na forma de 15 Id. Ibid., p. 189. 16 Id. Ibid., p. 189 17 Campina ou Campina da Ribeira, era a denominação dada ao Bairro da Ribeira no início de seu povoamento.

36

aterros. É importante o fato desta via ter perdurado por todo o período colonial e

até a década de 30 do século XX como a única via de ligação entre a Ribeira e a

Cidade Alta, com o prolongamento da Rua Nova, ou atual Rio Branco, esta perde

tal função. Esta rua é a atual Junqueira Aires.

O bairro da Ribeira teve as primeiras configurações de seu espaço

determinadas diretamente por essa política de ocupação. Com as concessões de

datas de terras no século XVII, formaram-se sítios e currais, onde a atividade

sesmeira consistia na exploração de pomares em sítios, currais e hortas, às

margens do rio Potengi. A conformação topográfica da Ribeira veio sendo

documentada e citada desde os inícios da ocupação da capitania. Vê-se

representada em carta geográfica que fixou a invasão holandesa de 1633, que

mostra a descida dos contingentes batavos do outeiro da cidade vencendo os

charcos, e, ao cruzar uma ponte, a lagoa que persistiu durante todo o período

colonial na paisagem da área18

Ainda no século XVIII, persistia a lagoa que sofria influência do Potengi a

qual encontra-se referenciada em data de terra concedida em 24-07-1725, que

dizia textualmente que o favorecido, Tenente Coronel João de Souza Nunes, com

uma data de terra que ia do “... Potengi até a Junqueira Aires [e que este]

construíra uma baldo com a finalidade de disciplinar as águas da maré que

inundavam o trecho da Ribeira que ficava ao sopé do outeiro”.19 O outeiro

mencionado era a Cidade Alta e o trecho inundado ao sopé deste outeiro

localizado exatamente para a sorte de pesquisadores futuros do bairro da Ribeira,

é atualmente o local da Praça Augusto Severo.20

Em carta portuguesa atribuída a João Teixeira Albernaz, provavelmente

feita tendo por base um desenho de 1614 e publicada em 1631, a Ribeira aparece

sob o topônimo de Campina Rasa e delimitada por dois pequenos cursos d’água

com desaguadouro no Rio Grande21. Aparece em número de sete, as casas

18 “... o charco da Ribeira, tido como riacho e lagoa possuindo ponte desde abril de 1604, conforme os registros do AUTO DE REPARTIÇÃO DE TERRAS que é de fevereiro de 1614.” CASCUDO, Luís da Câmara. Os holandeses no Rio Grande do Norte, p. 254. 19 MEDEIROS FILHO, Olavo de. Terra Natalense, p.86. 20 A lagoa ou os charcos que se localizavam ao sopé do monte da Cidade Alta, só foram domados em 1904 numa obra de vulto para a Cidade do Natal àquela época. 21 MEDEIROS FILHO, Olavo de. Natal do Rio Grande de 1614 num mapa raro de Albernaz, 1997.

37

situadas na chamada Campina Rasa. Já na Cidade Alta, aparecem em número de

doze as casas excetuando os prédios da Matriz e da Casa de Câmara e Cadeia.22

Entre o final do século XVIII e o início do século XIX, seis outras pessoas foram

favorecidas com doações de terras na atual Praça Augusto Severo. As cartas de

doações feitas pelo Senado da Câmara de Natal, faziam sempre referência ao

alagado, ou ao aterro da Ribeira.

Em 1º de Setembro de 1791, Caetano da Costa de Almeida requeria terras

ao aterro da Ribeira. Em 23 de Setembro de 1809, José Joaquim Pereira recebia

terras “no início do aterro que vai desde a cidade para a Ribeira. Em 2 de

Dezembro de 1815, foi doada a Antônio José de Souza Caldas, uma parte da

terra alagada, o último registro de concessão de terras naquela área, data de 13

de Agosto de 1825, cujo beneficiário foi José Joaquim Raposo no pé do aterro,

parte leste.

No século XVIII, foi construído uma ponte que seria o único elo de ligação

entre a cidade alta e a Ribeira. Está ponte existiu pelo menos até o final do século

XIX, e apresentava uma extensão de cerca de 120 metros, segundo Jeanne Nesi

e encontra-se em mapa de 1864.

O crescimento do bairro, assim como o da cidade deu-se de forma lenta,

tanto que no final do século XVIII ainda continuava deserto.

No século XIX, o Presidente da província Casimiro José de Morais

Sarmento estudando as condições sanitárias de Natal em Setembro de 1847,

referiu-se ao “pântano da Ribeira”, esse “pântano era a futura e linda Praça

Augusto Severo”, informou da necessidade de dessecá-lo das “águas

impregnadas de materiais vegetais putrefatos, que fornecem exalações produtivas

de febres intermitentes, e de outra muitas enfermidades, que se observam

naquele bairro da cidade”, e que também o bosque denso de coqueiros fosse

desbastado o qual circundava o bairro.

Em Novembro de 1878, o chefe da polícia, Dr. Joaquim Tavares da Costa

Miranda, que realizou a obra de saneamento, descreveu o estado em que se

encontrava o terreno, antes do início das obras:

22 Este número de construções conta do Alto da Repartição das Terras da Capitania do Rio Grande de 21-02-1614.

38

“No bairro, além do canto há um descampado (esse descampado além do canto é a Rocas), onde o oceano se espraia sobre as plantas rasteiras, capim, algas, ficando ali as águas estagnadas com uma vasa ladacenta, que no istmo de união dos bairros, há uma ponte por baixo da qual as águas do mar atravessam um canal, e vão derramar-se em uma extensa superfície, que confina com um canavial” (Nesi, Jeanne Pag. 84, 2002)

O canavial citado ficava onde está o colégio Salesiano, na Praça Augusto

Severo.

Natal, que foi o primeiro núcleo de população organizada na capitania, ao

se iniciar o século XIX não passava de uma pequena vila, pelas suas proporções.

A população se concentrava quase toda no alto da colina que constitui hoje a

parte alta da cidade. À margem do rio Potengi não havia mais do que poucas

casas construídas, na maioria armazéns de comércio nos quais moravam os

guardas dos ditos e precários armazéns que vigiavam as mercadorias

transportadas para Pernambuco.

Figura 6: Cais do porto Figura 7: Vista de vapor fundeado

O desenvolvimento urbano da Ribeira foi impulsionado pela construção do

porto, elo de ligação mais rápido com o interior do estado e com outras

localidades do litoral. As obras de melhoria do porto foram iniciadas no final do

século XIX, tornado-o mais ativo e dinâmico.

O povoamento deste bairro realizou-se em ritmo lento. Na primeira metade

do século XIX, precisamente em 1838, a Ribeira possuía as seguintes vias: Rua

do Aterro (Junqueira Aires), a Duque de Caxias, a Silva Jardim e a rua da

Alfândega. As ruas de Natal foram se consolidando de forma a constituir uma

trama viária típica de cidade colonial, com ruas estreitas, casas pequenas,

39

construídas sobre os alinhamentos frontais e laterais dos lotes, sem qualquer

separação entre o espaço privado e o público, e as calçadas como espaço das

atividades de convivência e confraternização de vizinhança.

A partir de 1850 construíram os prédios de pedra e cal na rua do comércio,

próxima ao cais (hoje rua Chile), mercado de compra e venda de mercadorias

como o açúcar e o algodão. A primeira ocupação nesta parte do bairro da Ribeira

é atestada pela existência de concessões de datas de terras ainda no segundo

quartel do século XVIII, em documento do Livro 8º do Registro de Cartas e

Provisões do Senado da Câmara de Natal (1728-1743)23, nesta um dos

favorecidos Antônio Barbosa de Aguiar, requer oito braças de terras, que dava

fundo para o caminho que ia para a Fortaleza do Reis Magos. Em 1895, Cascudo

faz referência a uma padaria onde se ergue o edifício da Recebedoria de Rendas

Estaduais.

“Um empregado, Odorico Pelinca, esperava a hora de acompanhar o entregador de pães, mergulhando, nas madrugadas de luar, na água salgada das enchentes, onde está o teatro Carlos Gomes.”(CACUDO, Luís da Câmara, pág.153,1999).

No começo Natal iniciou seu comércio pela simples troca de produtos entre

os moradores. As dificuldades de transporte de mercadorias eram bastante

grandes e as rotas terrestres de escoamento da produção não passavam de

estradas carroçáveis chamadas de “caminhos”. Nesses caminhos a principal

mercadoria “transportada” era o gado bovino. As boiadas eram encaminhadas

para o sul, para as feiras de Goiana, Pedras de Fogo, Itabaiana e arredores de

Recife. Tratava-se, portanto, de um comércio com vantagens precárias, onde

faltava sobretudo capital de reserva, além de armazéns para estocar os produtos

e transportes.

As habitações do bairro foram erigidas em lotes de menores dimensões, a

partir do desmembramento das primeiras concessões de terras. Com isso,

formaram-se as primeiras ruas que viriam a compor o bairro. Isto pode ser

comprovado a partir das concessões de datas de terras, que mostra o

23 MEDEIROS FILHO, Olavo de. Terra Natalense, p.105

40

desmembramento a o favorecimento de Francisco Rodrigues Viana, de 29-02-

1732,

“... que obteve terra na Ribeira, ‘entre casa de Manuel da Costa Rodrigues, e que são de Miguel Raposo, e casa de João de Souza Nunes, possuía uma morada de casa térreas de taipa, que houve título de compra, que dela havia feito ao dito Miguel Raposo, a qual não tinha terra para quintal’. Foram concedidas terras ao requerente, destinadas ao seu quintal.”24

Câmara Cascudo ressalta que em fins do século XVIII as mesmas ainda

estavam desertas: “... a Duque de Caxias (antiga Sachet), Doutor Barata, Chile,

Frei Miguelinho, Tavares de Lira, e as paralelas a esta ...”,25 também, segundo

este autor, a existência de uma licença para casamento de 05 de fevereiro de

1776, atesta a existência da capela do Senhor do Bom Jesus da Penha, que

poderíamos aceitar como um marco arquitetônico do bairro neste século.

É importante ressaltar que, a partir da segunda metade do século XIX, a

Ribeira consolidou a sua função de bairro comercial fixando a sua vocação

urbana, fazendo vir a existir grandes armazéns onde eram guardados as

mercadorias, tais como: Algodão, Açúcar, Tatajuba, peixe seco, uns serviam para

importação e outros para exportação. Nos últimos anos do século XIX e primeiro

do século XX a Ribeira cresceu.

No início do século XX, os bairros da Ribeira e Cidade Alta ainda tinham

vidas quase independentes em virtude da distância e da dificuldade de acesso.

Embora a cidade parecesse tranqüila e ociosa, anúncios e notícias publicados

nos periódicos da época mostravam algumas curiosidades, eventos culturais e

esportivos, ilustrando as oportunidades disponíveis e as atividades desenvolvidas

na cidade do Natal.

Com o advento da República e com o crescimento das cidades tiveram

início as intervenção nas cidades com o objetivo de higienizá-las. Nesse século

XIX a recorrência de epidemias nas principais cidades do litoral e interior fizera

emergir ainda mais as preocupações com os “níveis de salubridade” desses

núcleos populacionais.

24 Idem. 25 CASCUDO, Luís da Câmara. História da Cidade do Natal, 1999.

41

A região pantanosa da Ribeira foi drenada e aterrada no início do século

XX, com o objetivo de se construir a Praça Augusto Severo, na época o

Presidente da Intendência municipal era, Joaquim Manoel Teixeira de Moura, e o

governador Tavares de Lira que em homenagem a Augusto Severo, já falecido

pediu que se criasse, no bairro da Ribeira, bairro este mais importante da época,

a Praça Augusto Severo. Segundo Cascudo, o ato de criação deste logradouro foi

baixado no dia 14 de Maio de 1902. Anteriormente por deliberação do Conselho

da Intendência Municipal, tomada no dia 05 de Março de 1892, aquela área da

Ribeira recebeu a denominação de Praça da República, em homenagem ao novo

regime político do Brasil.

Quando chovia forte na Ribeira, toda aquela área se transformava num

verdadeiro charco. Por isso o então governador Tavares de Lira providenciou o

aterro e contratou o arquiteto Herculano Ramos, italiano residente em Natal, que

executava as obras do governo sem nenhuma concorrência, um ajardinamento da

praça.

Figura 8 – Detalhe da Praça Augusto Severo

Os serviços foram imediatamente iniciados. O sistema de galerias para

escoamento das águas foi feito para preservar a praça da força destruidora das

enxurradas, foram as ruas que contornavam o logradouro, calçadas, assim como

todas as ladeiras adjacentes, com pedras pretas, tiradas dos arrecifes. Para

42

completar tudo isso várias pessoas da elite natalense fizeram doações de

árvores, o coronel Avelino Freire ofertou duas grandes palmeiras imperiais, o

negociante Silvestre Alves Pereira ofereceu duas belíssimas palmeiras oriundas

do Pará e o capitão Manuel Joaquim do Amorim Garcia, três oitizeiros. Os antigos

charcos coloniais do bairro foram finalmente dessecados em 1904. Aterrados com

toneladas de areia, no Governo de Tavares de Lira. No local construir-se-á, de

concepção de Herculano Ramos, a Praça Augusto Severo, esta será um dos

principais espaços verdes e ajardinados da cidade, local aprazível e pitoresco

com coreto, ponte rústica e canal, ponto de encontro e socialização dos

natalenses nos idos de 1900. No bairro localizar-se-á o grande comércio

exportador de gêneros agrícolas, as casas importadoras de artigo de luxo, o

teatro da cidade, o cinematógrafo, a sede dos principais jornais e os clubes de

atividades náuticas esportivas. O Rio Potengi também gozava de prestígio, como

atestam as festividades que o envolviam. Em suas águas eram disputadas

regatas náuticas, e procissões religiosas, todas muito concorridas.

A Praça Augusto Severo foi inaugurada no dia 15 de Novembro de 1905.

Foi a primeira grande praça pública construída em Natal, em termos de criação

oficial, e passou a ser o ponto de atração da cidade, com vários bancos, árvores

frondosas, jardins floridos, que propiciava à população uma sensação de bem-

estar e descanso, sobretudo nos meses de verão.

A instalação da comissão de obras do porto em 1892, especialmente a

partir de 1902, com engenheiro Antônio Pereira Simões, deu desmesurado

impulso ao povoamento da zona norte e leste da Ribeira, Rocas, Areal,

Montagem. Uma série de filas de casinhas riscou o morro principal, nesse espaço

moravam os pescadores, operários, mergulhadores e engenheiros que haviam

sido atraídos pelos serviços de melhoramento do porto.

A Intendência Municipal em 1902 fixou os limites dos quarteirões dentro de

cada rua ou travessa do bairro.

43

Figura 9 – Intendência Municipal – ano 1902

As delimitações se deram da seguinte maneira: Para regularidade de

limitação dos diversos “quarteirões” em que tem de ser subdividido o bairro da

Ribeira foram denominadas: rua Chile, a antiga Travessa da Alfândega; travessa

do progresso, a passagem entre a estrada de ferro e a fábrica de tecidos; o cais

Olinto Meira, a antiga travessa do palácio; cais do melhoramento do porto, o

antigo canto da Ribeira; travessa Argentina, a primeira que, a partir da Praça

Augusto Severo liga a rua Dr. Barata à rua do comércio; travessa da Venezuela, a

segunda; travessa Uruguai, a que liga a Praça da República à Praça Deodoro;

travessa do Panamá, a que liga a rua 13 de maio à rua do comércio; travessa

Quintino Bocayúva, a que liga a Praça da República à rua Dr. Barata; rua do

Norte, a que deve ligar a Praça Augusto Severo à avenida Deodoro, passando ao

norte do edifício do teatro; rua do sol, a que deve ligar as referidas praça e

avenida, passando ao sul do edifício da polícia; travessa do México, a que as ruas

José Bonifácio e Dr. Barata; travessa do Equador, a que liga as ruas José

Bonifácio e Sachet; travessa Nísia Floresta, a antiga 13 de Maio; travessa do

Amapá, a que liga as travessas do Bom Jesus e Nísia Floresta; rua 15 de

Novembro, a antiga rua do triunfo; rua da trindade, a antiga rua dos coqueiros;

largo das missões, praça em que desembocam a rua da Trindade e as travessas

do Amapá e Nísia Floresta; rua Almino Afonso, a que vai da rua Silva Jardim à rua

44

da Trindade, cortando as ruas 15 de Novembro e Ferreira Chaves; travessa

Saldanha Marinho, a antiga travessa Soledade; Praça Leão XIII, o largo em que

demora a igreja do Bom Jesus ( uma das primeiras Igrejas erguidas no bairro);

rua do Canadá, a que liga a Praça Leão XIII à rua Ferreira Chaves, cortando a rua

trindade; rua da Constituição, a que, partindo da Praça Leão XIII ao sul da Igreja

do Bom Jesus, vai terminar na avenida Deodoro; rua General Glicério, a que,

partindo da Praça Leão XIII, ao norte da Igreja do Bom Jesus, vai terminar na

Avenida Deodoro. Muitas dessas ruas e praças descritas já desapareceram do

bairro da Ribeira.

Figura 10: Av.Tavares de Lyra

45

Figura 11:– Av. Duque de Caxias

O bairro cresceu e este crescimento trouxe o progresso, de modo que a

Ribeira teve luz a gás acetileno em primeiro lugar.

O primeiro trecho a iluminar-se, na noite de 29 de Junho de 1905, foi entre

a Frei Miguelinho, compreendendo o quartel do batalhão de segurança que ficava

na esquina da Silva Jardim, até a Praça Augusto Severo.

O velho Palácio do Governo, na então rua Tarquínio de Sousa, comércio e

hoje Chile, teve o privilégio de assistir a momentos que marcaram a história, à

campanha da abolição, hospedou o Conde d’Eu, a Proclamação da República, a

deposição do Presidente Miguel Castro, a posse de Pedro Velho eleito pelo

progresso, e a posse de Ferreira Chaves, eleito pelo povo, diretamente, na

aplicação inicial da lei eleitoral no regime republicano. Somente em Março de

1902 o governador Alberto Maranhão transferiu a sede administrativa do Palácio

da Ribeira, casarão particular alugado, para o prédio da Assembléia e do tesouro

oficial, onde ficou até hoje.

A Ribeira era o bairro da classe mais abastada de Natal, do comércio mais

variado, era um bairro muito movimentado, vivia em constante frenesi. Bonito,

limpo, arborizado e bem calçado, assim era a Ribeira, sempre movimentada.

46

Figura 12 – Movimentação no Bairro

Além do comércio, havia o porto, que naquela época era mais importante,

pois foi quem impulsiou o crescimento do bairro, a estação ferroviária (a antiga

Great Western), hoje Rede Ferroviária Nacional e o transporte fluvial para

Macaíba, que era feito por lanchas do Mestre Antônio.

Este bairro era o centro do carnaval local, devido ao calçamento, pois

circulava nessa grande festa, carros e as tradicionais batalhas de confete, que

durou mais de trinta anos. Os melhores hotéis, como: Internacional, Hotel dos

leões e Avenida, hoje Avenida Hotel.

Este bairro é de um valor imensurável, por guardar em seu espaço

exemplares arquitetônicos e lugares de memória que marcaram aquela época. O

maior e melhor cinema era chamado de Polyteama, de Petrolino de Paiva, o

Teatro Carlos Gomes, hoje Alberto Maranhão, os clubes Náuticos, Esporte Clube

de Natal e Centro Náutico Potengi, que davam alegria nos dias de regata. Este

bairro também tinha a escola normal, o grande grupo escolar “Augusto Severo”,

que foi o primeiro grupo escolar construído na capital do Estado, obra do regime

republicano, no qual foi inaugurado no dia 12 de Junho de 1908, prédio muito

bonito, onde hoje é o Jornal “A Imprensa”, correios e telégrafos, Alfândega, a

Faculdade de Direito, a escola Doméstica, este educandário nasceu da feliz

iniciativa do poeta e escritor Henrique Castriciano de Souza, que ao viajar para

47

Europa, em meados de 1909, observou como eram educadas as jovens daquele

País, retornando a Natal, implantou o mesmo sistema para educar as jovens da

elite potiguar.

Figura 13: Detalhe Polyteama

Naquela época, o peso colonial de menosprezo à mulher, era enorme em

toda a sociedade nordestina. Esta escola foi inaugurada no dia 1º de Setembro de

1914. Na Ribeira também existiu o Mercado Público, um prédio bonito e bem

construído, ficava na esquina do lado esquerdo na confrontação das ruas Ferreira

Chaves e Almino Afonso, mais devido ao desaparecimento da freguesia o

mercado morreu, hoje é um depósito da Prefeitura Municipal, havia uma feira

chamada “Feira da Tatajubeira”, este nome provinha de um imenso pé de

Tatajuba, era uma feira tradicional, pois vinha deste os tempos memórias.

Segundo Veríssimo de Melo “as medidas e pesos usados na época eram a cuia, a

vara e a libra.

48

Figura 14: Antiga Estação da great Western

As moedas eram o “xenxèm” de 10 réis; dobrões de cobre de 20 e 40 réis;

notas de 1$000 e 2$000; sendo que unidade era a “pataca”, equivalente a

dezesseis vinténs”.

As alfaiatarias que por muitos e muitos anos ditaram a moda masculina em

Natal, além dos armarinhos, padarias, confeitarias, farmácias, clubes de dança e

a famosa Topografia Comercial, de José Pinto, onde era o ponto certo dos

desembargadores que ali estavam todos os dias, a Livraria Cosmopolitana, de

Fortunato Aranha, era a roda dos advogados e intelectuais, o célebre café Cova

da Onça, o mesmo tendo teve lugar de destaque na crônica política e social do

Estado, o certo é que o Cova da Onça deu muita vida a Ribeira e muitas coisas

que ali se planejaram foram posteriormente realizadas pelos Partido Popular

Vitorioso. Esse café também ficou na História Política do Estado porque foi palco

de um conflito sangrento na manhã do dia 29 de Outubro de 1935. Tudo isso

aconteceu no dia-a-dia da Ribeira. Era um Bairro rico e desenvolvido e

concentrava todo o comércio de Natal, e era possível encontrar tudo, e para onde

se voltava todos os grandes investimentos comerciais.

Hoje a Ribeira deixou de ser aquele bairro dinâmico e corre o risco de

passar por um processo de esquecimento. Passando por ela vimos o quanto

mudou. Apresenta-se descaracterizada. A Ribeira está sem vida, decadente,

prédios históricos abandonados ou em ruínas, apesar de sua grande importância

arquitetônica, como os exemplares neoclássicos, que resistem ao descaso.

49

Não se pode mais andar ou até mesmo passear pelas suas ruas, pois não

há mais aquela efervescência de pessoas de um lado para outro, principalmente

pelas ruas que fizeram a História da Ribeira. Com o crescimento da cidade e dos

seus bairros, veio também o progresso com suas novas tecnologias, a Ribeira

não teve forças para competir com a expansão da cidade e seus grandes

shoppings, com isso o seu comércio foi aos poucos definhando, até atingir a

pobreza de negócios que marca o bairro hoje: “Mutilado e sem função é um lugar

por onde se passa e nada sugere, parar e descansar”(CASCUDO, Luís da

Câmara, pág154, 1999).

À proporção que Natal cresce, populacional e urbanisticamente para outros

bairros, a Ribeira se empobrece com a falência ou transferência de grandes

empreendimentos comercias, de modo que há uma necessidade de renascimento

deste bairro, de forma que traga à tona a importância sócio-cultural e patrimonial,

condizente com a sua relevância para a história natalense.

50

CAPÍTULO III - O PATRIMÔNIO CULTURAL URBANO E AS INICIATIVAS GOVERNAMENTAIS DE PRESERVAÇÃO

O patrimônio histórico e artístico é composto pelo conjunto dos bens

móveis e imóveis existentes no país e cuja conservação é de interesse público,

quer por sua vinculação a fatos memoráveis da história do Brasil, quer por seu

valor arqueológico ou etnográfico, bibliográfico ou artístico. (Conforme o Art.1 do

Decreto-Lei nº 25, de 30 de Novembro de 1937).

A Constituição de 1988 qualifica como fazendo parte do patrimônio cultural

brasileiro:

“... os bens de natureza material e imaterial, tomados individualmente ou em conjunto, portadores de referência à identidade, à Nação, à memória dos diferentes grupos formadores da sociedade brasileira, nos quais se incluem: as formas de expressão; os modos de criar, fazer e viver; as criações científicas, artísticas e tecnológicas; as obras, objetos, documentos, edificações e demais espaços destinados às manifestações artístico-culturais; os conjuntos urbanos e sítios de valor histórico, paisagístico, artístico, arqueológico, paleontológico, ecológico e científico”.

Essa legislação é reconhecida nacional e internacionalmente por sua

abrangência, pois considera virtualmente toda a vasta gama de realizações da

sociedade brasileira, e propicia uma atuação diversificada no campo da

preservação ambiental, urbana e rural, das paisagens culturais e do patrimônio

material e imaterial.26

A esta definição estrita acrescentamos outra mais aberta que está sintonizada com as concepções mais abrangentes: entendemos o patrimônio cultural como as manifestações materiais atuais, remanescentes do passado pré-histórico/histórico ou aquelas que sejam por natureza imateriais como os modos tradicionais das relações humanas com o meio ambiente e suas mais variadas formas de expressão Os bens culturais representam os testemunhos das diferentes tradições e realizações do passado, constituindo-se em elementos fundamentais da identidade de um povo. A sua importância histórica, cultural, artística, seus significados e as imagens evocadas por eles

26 MEDEIROS, Iago Albuquerque de. A Preservação do Patrimônio Cultural. Folha da Memória. Número 37. 3ª Sub-Regional do IPHAN. Outubro de 2007

51

constituem a base da identidade de um grupo social, de um povo, de uma civilização.27

Pragmaticamente os bens culturais podem contribuem para o

desenvolvimento socioeconômico. Não se trata da simples mercantilização do

patrimônio, mas sim desenvolver estratégias para a capitalização e socialização

dos dividendos econômicos com a compatibilização entre a preservação da

herança cultural e as transformações impostas pelo desenvolvimento

socioeconômico.

O patrimônio cultural vem sendo entendido como um tipo de recurso finito e

passível de impactos diversos que, não raramente, causam a destruição dos

componentes da base de recursos culturais da nação.

Estes impactos são advindos do desenvolvimento de projetos econômicos

(públicos ou privados), mas uma de suas principais componentes é a ignorância

sobre a sua importância para a identidade dos grupos sociais, das bases culturais

fundamentais do povo brasileiro.

Para a promoção da salvaguarda dos recursos culturais, lança-se mão de

todo um conjunto de leis cujo fim precípuo deve ser o de servir como instrumento

para a promoção da preservação desses bens patrimoniais. A existência de

normas legais não resultam diretamente na preservação desse patrimônio, na

maioria dos casos isto se dá através de ações educativas, de valoração dos bens

culturais junto às comunidades, aos agentes sociais e às outras instâncias

governamentais e da sociedade civil.28

É importante o desenvolvimento de ações de educação patrimonial, que literalmente resgatam a importância do patrimônio e a execução de projetos que suscitem o desenvolvimento sustentável, socializando os dividendos culturais e econômicos para as comunidades, partícipes essenciais no processo de preservação.29

Do corpo legal relativo à proteção dos bens culturais sobressai a legislação

que disciplina os projetos econômicos, potencialmente impactantes do Patrimônio

Cultural Brasileiro. A Avaliação de Impacto Ambiental é atualmente um dos mais

27 Idem. 28 MEDEIROS, Iago Albuquerque de. A problemática da preservação do patrimônio cultural norte-rio-grandense. Relatório elaborado apresentado à 3ª Sub-Regional do IPHAN. 2006 29 Idem.

52

importantes instrumentos para salvaguardar, preservar ou mitigar os danos aos

bens culturais.

Em verdade, no Brasil se dispõe de um corpo de leis dos mais modernos

do mundo e essa breve exposição da legislação existente é suficiente para se

constatar que não é devido à falta de normais legais a causa que está levando ao

acelerado ritmo de perda do nosso patrimônio cultural.

Além de tudo é necessário mudar uma certa cultura reforçando a idéia que um estado pobre e periférico como o Rio Grande do Norte as questões relacionadas à preservação do Patrimônio Cultural são quase sempre colocadas em segundo plano, essas questões são colocadas de modo a mostrar-se como impossível compatibilizar a sua preservação com o desenvolvimento econômico.30

As iniciativas de ordenar o crescimento da cidade do Natal datam de fins

do século XIX, em verdade elas marcaram uma ruptura com o período colonial em

que as iniciativas de “pensar” a cidade inexistiam. Deve-se, entretanto, diferenciar

os códigos de posturas urbanas do período colonial e do período provincial e os

planos urbanísticos de fins do século XIX até a década de 1940.

Os planos urbanísticos se inserem em um contexto de mudanças

introduzidas pelo desenvolvimento do capitalismo e das cidades modificadas por

este. Já no início do século XX, a cidade sofre transformações em seu traçado

urbano, provocadas pelos investimentos públicos em equipamentos urbanos e de

infra-estrutura como a ponte férrea sobre o rio Potengi que interligou a cidade ao

seu setor norte, composto somente por pequenas vilas e sítios.

Nesse período foi implementado o primeiro plano urbanístico conhecido

como Plano da Cidade Nova (Master-Plan) ou Plano Polidrelli. Este previu a

criação do novo bairro da cidade até então conhecido como Cidade Nova (bairros

de Petrópolis e Tirol). Este plano possibilitou, um crescimento planejado da cidade

sobre um traçado em tabuleiro de xadrez. À época na existiam apenas quatro

bairros: Cidade Alta, Ribeira, Cidade Nova e Alecrim.

Ao longo do século XX a cidade dá sinais de uma alteração de seu

contexto urbano, que até então era caracterizado pelo núcleo histórico dos bairros

da Ribeira e Cidade Alta. Além deste existiam as Rocas, o Passo da Pátria, o

30 MEDEIROS, Iago Albuquerque de. A Preservação do Patrimônio Cultural. Folha da Memória. Número 37. 3ª Sub-Regional do IPHAN. Outubro de 2007

53

Baldo, o Barro Vermelho, o Refoles (hoje Alecrim) e as Quintas. Todas essas

áreas se situavam fora do perímetro urbano e eram habitadas por pessoas que

desenvolviam atividades agrícolas e pecuárias.

O bairro do Alecrim foi criado em 1911 e sua população foi

predominantemente de sertanejos, com sítios, vacarias, feiras. Era um bairro

habitado por trabalhadores.

Em 1916, o governo federal recebeu da firma contratante inglesa, medindo

550 metros de extensão a ponte metálica sobre o rio Potengi. Durante muito

tempo funcionou como ligação entre a parte norte do Estado com as demais

áreas da cidade.

No decorrer da década de 1920 a cidade mantém-se quase que estagnada

sua superfície territorial, mas com uma população que representava o dobro do

início do século com 30.696 habitantes, devido às secas no interior do estado,

levando à cidade uma grande leva de migrantes.

Essa população ocupava as áreas periféricas do centro planejado da

cidade, principalmente as áreas das Rocas, Alecrim e chácaras que se

desenvolviam nas margens de suas vias de circulação.

No final da década, em 1929, foi elaborado pelo então Prefeito Omar

O’Grady, o Plano Geral de Sistematização de Natal, também conhecido como

Plano Palumbo, que tinha como objetivo projetar em cinqüenta anos o

crescimento de Natal, tendo uma população estimada de cem mil habitantes, com

especial atenção à rede viária e à articulação dos centros comerciais da Ribeira e

Cidade Alta às outras áreas da cidade recém-criadas e de futura expansão,

objetivando o impedimento de um crescimento desordenado da c idade, fato este

merecedor de destaque, pois pela primeira vez o poder público se preocupa e

sistematiza um planejamento na cidade tendo por base uma futura expansão e

seus problemas urbanísticos advindos.

Entretanto, o Plano Geral de Sistematização de Natal não foi efetivado

devido os efeitos da Revolução de 1930, que fizeram surgir novas instituições

política e reordenando os agentes da política local com o reordenamento da

máquina do estado e do poder político e econômico.

Surgem nesse período novas linhas de intervenção e planejamento da

cidade. Em 1935, um novo plano urbanístico foi contratado ao escritório Saturnino

54

de Brito. O plano se destinava ao planejamento e ordenamento do abastecimento

de água, esgotamento sanitário e um anteprojeto de melhoria de infraestrutura

urbana como criação de avenidas e praças públicas.

Com este plano urbanístico, já na década de 40, a cidade passa por

alterações em sua morfologia. Natal, em razão da 2ª Grande Guerra, se

transforma em um ponto estratégico contra o esforço de guerra. Na cidade, foi

construída uma base aérea norte-americana que tinha como função servir de

apoio na rota de aviões militares para o norte da África. Nessa década surgiram a

Base Aérea, a Base Naval e, a estrada asfaltada que ligava a cidade à Base

Aérea.

A Cidade passa a ser um ponto de atração, com os novos postos de

trabalho abertos e toda uma população flutuante devido o grande número de

militares. A melhoria da infra-estrutura da cidade também é reflexo da conjuntura

da década de 1940.31

Na cidade de Natal a sua área central, constituída pela cidade Alta e

Ribeira foram classificadas como pertencentes ao “centro histórico”, esta noção

reflete a noção tradicional de centro histórico: aquele limitado a certos episódios

de patrimônio arquitetônico e objeto de medidas de conservação e restauro que

não tinham cuidado de outras dimensões econômicas e sociais do sistema

urbano.32

Em Natal, a Cidade Alta vai inequivocamente apresentar uma concentração de atividades humanas, ao que é caro à historiografia norte-rio-grandense, será o centro do poder, da troca, da cultura, o lugar onde se exercem os confrontos, as tensões e os conflitos A Cidade Alta, como lócus administrativo e militar da Capitania e depois da Província irá dever a maior parte de seu patrimônio edificado e do seu arranjo urbano a esta condição. A estrutura física do poder do Estado materializado no patrimônio edificado em prédios oficiais e religiosos, destes séculos ainda subsistem na Cidade Alta e em seu entorno.33.

31 Até dez mil militares norte-americanos passaram pela cidade. Acrescente-se ainda o fluxo migratório de trabalhadores provenientes do interior em busca de trabalho. Todo esse contingente populacional provocou o surgimento de modificações na sua dinâmica urbana e o crescimento da demanda no setor de prestação de serviços e de moradia. 32 MEDEIROS, Iago Henrique. Albuquerque de. Levantamento das potencialidades arqueológicas da cidade do Natal: séculos XVIII e XIX. Monografia de Graduação apresentada ao Curso de História da Universidade Federal do Rio Grande do Norte. Natal 2000. 33 Idem.

55

As iniciativas de preservação de bens culturais urbanos na cidade

começam a partir da década de 1930, através do instituto do tombamento.

Através da ação da, então, chamada Secretaria do patrimônio Histórico e Artístico

Nacional – SPHAN. Foram inscritos na lista de bens nacionais a Fortaleza dos

Reis Magos, o Marco de Touros, a Capela do Engenho Cunhaú entre outros. A

iniciativa do tombamento de bens isolados marcou a tônica da ação

governamental sobre os bens culturais.

As primeiras ações recaíram sobre remanescentes do período colonial no

estado. A inexistência de um grande número de exemplares desse período de

alguma forma o diferencia dos tombamentos de bens patrimoniais em outros

estados em que a ação da SPHAN, recaiu sobre bens de pedra e cal do período

colonial ou imperial. Nas regiões com exemplares do Barroco religioso brasileiro

como nas regiões das Minas, Rio de Janeiro, Bahia, Pernambuco. Em São Paulo

foram tombados remanescentes do período bandeirista. No Rio Grande do Sul

destaca-se o tombamento das Missões Jesuíticas.

No estado as ações de tombamento de bens isolados continuaram com um

certo incremento a partir da década de 1980.

O centro histórico da cidade do Natal sediaria o maior número de

tombamentos, representados por exemplares arquitetônicos que representam

fases ou conjunturas que desconsideram outras classes de bens patrimoniais que

não apresentam a visibilidade do que está edificado, ou, então, identificado aos

personagens de destaque da política, economia ou cultura da cidade.34

Na década de 1980, intensificaram as ações de restauro de edificações

históricas. Datam desse período as intervenções em edificações religiosas a

Igreja de Santo Antônio dos Militares e do Rosário dos pretos, ambas edificações

representantes do barroco no estado.

Na década de 1990, intervenções importantes foram realizadas no primeiro

templo construído na cidade, a igreja Matriz de Nossa Senhora da Apresentação,

no Armazém da Capitania do Rio Grande (atual sede do IPHAN) e na Rua Chile,

no Bairro da Ribeira.

As intervenções urbanas na Ribeira foram concebidas como um projeto de

intervenção urbanística geral, com objetivos ambiciosos de “revitalização” de uma 34 Idem.

56

parcela significativa do bairro. O projeto, entretanto, não conseguiu atingir os

objetivos previstos. O resultado final foi a intervenção limitada a uma parcela de

edificações, situadas em um pequeno trecho da Rua Chile, entre o Largo da Rua

Chile e a Tavares de Lira.

Como se constata as intervenções de preservação/

salvaguarda/restauração empreendidas pelas agências governamentais ou

órgãos de tutela do patrimônio restringiram-se a bens isolados em meio ao tecido

urbano da cidade. Foram principalmente edificações religiosas, representativas do

aparelho administrativo do Estado, e de estratos sociais diferenciados que podem

abranger, desde as edificações da camada dirigente, às residências das camadas

sociais intermediárias e edificações civis de pessoas de extratos sociais

subalternas. Com exceção de poucos exemplares preservados do primeiro grupo,

uma parcela muito significativa já desapareceu da paisagem urbana de Natal que

as fez surgir. Destruídas pela dinâmica urbana inerente que provoca

transformações nas áreas antes de uso residencial ou comercial, com prédios

térreos ou no máximo com dois pavimentos, são substituídos por casas

comerciais ou prestadoras de serviços que ocupam os antigos lotes urbanos.

Edifícios modernos já ocupam o sítio histórico da Cidade Alta, não respeitando a

ambiência que deve ser observada no entorno de prédios tombados.

O bairro da Ribeira atualmente encontra-se relegado a um plano

secundário dentro da hierarquia das áreas urbanas a na cidade de Natal. Com a

atrofia das funções que desempenhava no passado, merecendo poucos

investimentos por parte dos setores público e privado da economia.

A atrofia e o esvaziamento do espaço urbano Ribeira que sediou funções

urbanas importantes no século XIX até a primeira metade do século XX, é sem

dúvida resultado das transformações causadas pela urbanização acelerada da

cidade a partir da década de 1970, com o início da perda da hegemonia do capital

comercial de investidores vinculados quer a grupos nacionais ou internacionais no

estado ganhando impulso em fins da década de 1980 e no transcorrer da década

de 1990.

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CONCLUSÃO

O bairro da Ribeira foi ao longo de todo o periodo colonial uma campina

alagável. O início de seu povoamento remonta ao século XVII, com as primeiras

concessões de datas de terras pela Câmara do Senado de Natal. Desde então, o

referido bairro passou por transformações que remetem ao uso e função de seus

espaços. Na transição do século XIX para o XX, foi palco de modificações

urbanas causadas pelo desenvolvimento econômico e social, fruto de sua

vinculação com o porto fluvial da cidade.

Essa area da cidade sediou algumas iniciativas de preservação de bens

culturais. Não obstante, essas iniciativas foram norteadas pela noção tradicional

de centro histórico que se limita a certos episódios de patrimônio arquitetônico e

que não contemplam outras dimensões econômicas e sociais do sistema urbano.

Ressalte-se que apesar da existência de normas legais previstas de adensamento

e uso nos Planos Diretores, nas leis municipais e federais, para as “áreas de

preservação histórica”, foi constatado que as intervenções de preservação se

caracterizaram por resultados limitados a pequenos conjuntos de edificações ou

até mesmo a edificações isoladas.

Apesar do estado atual de abandono, o bairro da Ribeira encerra em seus

logradouros e lotes, edificações que compõem juntamente com o seu entorno

urbano um conjunto arquitetônico singular e de grande importância histórica.

A Ribeira apresenta uma grande importância historica materializada por

seu patrimônio edificado e pelo seu traçado urbanístico original. Estes elementos

devem ser objeto de ações de preservação e estudo que já se tornam urgentes,

pois, verifica-se o abandono do bairro, a mutilação de suas edificações históricas,

dos seus elementos urbanísticos originais e o desconhecimento da importância do

seu patrimônio cultural.

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