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  • 1CAPTULO 1 Introduo ao uso clnico de antimicrobianos

    1. Introduo

    At 1936, no havia tratamentos clnicos com medicamentos que fossem realmente efetivos no tratamento de bactrias, ocasionando milhares de mortes. A partir dessa data, estudos para o tratamento de infeces surgi-ram com os primeiros sulfamdicos, que passaram a ser empregados para esse fim. Em 1942, iniciou-se o uso de penicilina G na prtica clnica, subs-tncia bactericida de sntese natural que havia sido descoberta por Alexan-der Fleming em 1928. Novas substncias com atividade microbicida foram sendo descobertas em seguida e, finalmente, na dcada de 1960, foram in-troduzidos compostos sintticos e semissintticos, o que aumentou muito a capacidade de produo e o espectro de atividade das drogas antimicrobia-nas. O impacto na sobrevida da populao foi significante, e a perspectiva de erradicao de todas as infeces (agora com tratamentos possveis) foi considerada.

    Tabela 1 - Histrico da descoberta de alguns antimicrobianos naturais e microrganis-mos dos quais foram extrados

    Descobertas Contextos

    1929Alexander Fleming constata a atividade antibacteriana de uma subs-tncia produzida pelo fungo Penicillium notatum.

    1932 Atividade antibacteriana das sulfas in vivo.

    1938 a 1942Surgimento de inmeros derivados sulfamdicos com atividade anti-bacteriana (exemplos: sulfadiazina, sulfatiazol e sulfamerazina).

    1941 Utilizao da penicilina, pela 1 vez, em infeces humanas.

    1943 Uso teraputico da penicilina na prtica clnica.

    1944Descoberta da estreptomicina, obtida de culturas de um actinomi-ceto, o Streptomyces griseus.

    1953 Descoberta da cefalosporina C, obtida de culturas de Cephalospo-rium acremonium.

    1956 Obteno da vancomicina a partir de culturas de Streptomyces orientalis.

    1959 Incio da produo dos antibiticos semissintticos, aps a obten-o do cido 6-aminopenicilnico (6-APA) em laboratrio.

    1960 a 1961Surgimento da meticilina e da oxacilina, ativas contra os Staphylo-coccus produtores de penicilinase, importante causa de infeces intra-hospitalares naquele momento.

    1962 Obteno da 1 cefalosporina semissinttica, a cefalotina.

    1963 Obteno da gentamicina, a partir de culturas de Micromonospora purpurea.

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    No entanto, o pensamento de uso inesgotvel de antimicrobianos fez que houvesse aumento substancial da prescrio de antimicrobianos e, conse-quentemente, seu uso indiscriminado. O que se seguiu foi o inusitado surgi-mento de resistncia bacteriana aos principais antimicrobianos, relacionado presso seletiva imposta por seu uso abusivo e impreciso, dificultando pro-gressivamente o tratamento de infeces, o que derrubou a falsa ideia de que estas desapareceriam da prtica mdica a partir da introduo daquela classe de medicamentos. No final da dcada de 1940, por exemplo, j havia Staphylococcus beta-hemolticos, gonococos e pneumococos resistentes sulfonamida.

    A situao atual a existncia de bactrias com mecanismos de resistn-cia, inclusive a frmacos de amplo espectro, e at mesmo resistncia mltipla em uma mesma cepa bacteriana, o que implica grande dificuldade terapu-tica e tem impacto na sobrevida. A presena das cepas resistentes, especial-mente em ambiente hospitalar, tem consequncias individuais e coletivas. Para o paciente, ocorrem aumento da morbimortalidade, desenvolvimento de infeces crnicas ou recorrentes e maior incidncia de sequelas. A disse-minao de resistncia bacteriana leva piora de indicadores hospitalares e ao aumento do custo global, vinculados maior necessidade de tratamento em unidades crticas, prolongamento do perodo de internao e necessida-de de uso de drogas de maior custo.

    O conhecimento dos princpios gerais que norteiam o uso de antibiticos evita a progresso da resistncia bacteriana e diminui os custos do tratamen-to das doenas infecciosas. A seguir, sero detalhados os principais conceitos que embasam o uso racional dessas drogas.

    2. Definies

    Segundo o conceito original, antibiticos seriam substncias capazes de matar agentes infecciosos ou de impedir seu crescimento, produzidas natu-ralmente por seres vivos, em geral bactrias ou fungos. A seguir, essas subs-tncias foram estudadas em nvel molecular, com determinao de seus s-tios ativos, reproduzidos em laboratrio, originando frmacos sintticos ou semissintticos, que foram denominados quimioterpicos.

    Atualmente, o termo antimicrobiano refere-se a qualquer composto com atividade anti-infecciosa, tanto de origem natural (antibiticos) quanto de sntese laboratorial (quimioterpicos).

    3. Princpios bsicos para o uso de antimicrobianos

    A eficcia teraputica de um antimicrobiano est diretamente relacionada escolha do antimicrobiano adequado, a ser feita com base em alguns prin-cpios, relacionados tanto ao paciente quanto a caractersticas do ambiente envolvido e das opes existentes.

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    Antimicrobianos

    Sensibilidade

    Resistncia

    MicrorganismoInfeco

    Imunidade

    Toxicidade

    Metabolismo

    Hospedeiro

    Figura 1 - Interao entre o antimicrobiano, o microrganismo e o hospedeiro

    Os aspectos clnicos envolvidos na escolha teraputica dizem respeito a caractersticas individuais do paciente a ser tratado e ao stio de infeco diagnosticado no momento. Como fator individual, pode-se destacar a gran-de importncia da idade, visto que, para a maioria das infeces, os agen-tes etiolgicos possveis variam com a faixa etria. Alm disso, extremos de idade lactentes e idosos tm metabolizao e toxicidade diferentes em relao populao geral, o que diminui a segurana de utilizao de alguns antimicrobianos. A presena de comorbidades como diabetes, neoplasias e infeco por HIV suscita a possibilidade da presena de agentes especficos, que devem ser inclusos na cobertura antimicrobiana escolhida. Insuficincia renal ou heptica pode exigir ajuste de doses de antimicrobianos ou at mes-mo contraindicar o uso de alguns deles.

    importante conhecer a histria teraputica pregressa do indivduo, vis-to que o uso prvio de antimicrobianos pode ocasionar ou selecionar cepas resistentes, que podem ser responsveis pela infeco vigente. A presena de dispositivos invasivos como cateteres venosos e sondas vesicais pre-dispe a certos agentes etiolgicos, que devem ser considerados na escolha teraputica.

    Tabela 2 - Bases para a escolha do tratamento emprico

    - Estabelecer o diagnstico provvel pela histria clnica;

    - Conhecer os microrganismos mais provveis para determinada infeco;

    - Presumir a sensibilidade do patgeno aos antimicrobianos;

    - Eleger, empiricamente, o antimicrobiano mais adequado, considerando a eficcia em relao ao agente mais provvel, a via de administrao e o perfil de toxicidade da droga;

    - Instaurar tratamento coadjuvante quando possvel (por exemplo, drenagem de abscessos, sinusectomia e retirada de prteses quando possvel);

    - Obter, antes do incio do tratamento, amostras clnicas que permitam o isolamento do agente etiolgico.

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    Com relao ao stio acometido, importante conhecer os agentes mais frequentes de infeco em determinado rgo ou sistema. Existem exemplos clssicos, como Streptococcus pneumoniae como causa de pneumonia; Sta-phylococcus aureus como agente de infeco de partes moles e abscessos; Neisseria meningitidis para meningites bacterianas; e bacilos Gram negativos e anaerbios causando infeces abdominais. Essas informaes permitem a escolha da antibioticoterapia emprica eficaz, at que se obtenham resulta-dos de culturas, ou at mesmo nas situaes em que no possvel isolar o agente. Alm disso, a escolha de determinado antimicrobiano deve conside-rar sua penetrao e concentrao no stio que se pretende tratar.

    Quanto aos aspectos microbiolgicos, o melhor desempenho da terapia antimicrobiana obtido quando direcionada por resultados de culturas e testes de sensibilidade. Portanto, devem sempre ser coletadas amostras para tal anlise, preferencialmente, antes da administrao da 1 dose do antimicrobiano, para evitar sua interferncia na sensibilidade do teste. No entanto, a obteno dos resultados no deve retardar o incio da terapia, o que poderia comprometer o prognstico. Novamente, torna-se essencial o conhecimento dos agentes mais importantes para determinado rgo ou sndrome, para que se institua terapia emprica to logo as amostras sejam colhidas, para posterior ajuste quando houver identificao do agente e seu perfil de sensibilidade, se necessrio.

    O ambiente em que foi adquirida a infeco comunitrio ou hospitalar tambm deve influenciar a seleo do antimicrobiano, uma vez que a flo-ra bacteriana presente em servios de sade em geral apresenta perfil de sensibilidade distinto, com maior probabilidade de resistncia s drogas de uso comum. Durante a permanncia em ambiente hospitalar, o paciente colonizado rapidamente por tais bactrias, que com frequncia se tornam agentes de infeco invasiva e, neste caso, podem requerer antimicrobianos de amplo espectro para seu tratamento eficaz. Basicamente, considera-se a possibilidade de infeco de aquisio hospitalar a partir de 48 horas aps a admisso em internao e ainda por 30 dias aps a alta. importante res-saltar que no internados, porm frequentadores de servios de sade (in-divduos em quimioterapia ou hemodilise, por exemplo) ou portadores de dispositivos invasivos para uso domiciliar como cateteres venosos de longa permanncia e sondas vesicais de demora , podem apresentar infeces por agentes de origem hospitalar, mesmo estando, na maior parte do tempo, na comunidade.

    Neste sentido, so fundamentais programas eficientes de vigilncia e con-trole de infeco hospitalar, para a obteno de informao sobre os perfis de resistncia dos agentes presentes em determinado servio de sade, de maneira a nortear a instituio de terapia emprica para as infeces adqui-ridas nesse ambiente. Tais programas devem estabelecer, ainda, medidas de controle de disseminao de resistncia, de aspectos simples como lava-

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    gem das mos e tcnicas de antissepsia a processos complexos, como es-terilizao de instrumental, controle de antimicrobianos e investigao de surtos.

    Analisados todos esses aspectos, alguns antimicrobianos podem parecer adequados ao tratamento do paciente em questo. Neste momento, im-portante estudar os aspectos farmacolgicos de cada droga que figure como opo possvel, para a determinao da melhor escolha. A seguir, conceitua-remos esses aspectos principais.

    - Aspectos farmacolgicos

    a) Concentrao srica

    Quando uma dose-padro de antimicrobiano administrada por via intra-venosa, sua concentrao srica aumenta rapidamente at atingir a concen-trao srica mxima (Cmx), que rotineiramente se nomeia pico. medi-da que a droga se distribui pelos tecidos e metabolizada e/ou eliminada, sua concentrao diminui progressivamente at atingir a concentrao srica mnima (Cmn), isto , a concentrao detectada antes da administrao da dose seguinte, habitualmente denominada vale. A via intravenosa sempre produz a maior Cmx possvel para determinado antimicrobiano, quando comparada s vias oral e intramuscular para a mesma dose. O tempo de-corrido entre a Cmx e a Cmn varia de acordo com a natureza qumica da droga e sua interao com as protenas e com os tecidos. A concentrao srica mdia a concentrao mdia alcanada quando doses sucessivas do antimicrobiano so administradas em intervalos regulares. A rea sob a curva (AUC) a rea abaixo da curva em grficos que relacionam a concentrao srica e o tempo (Figura 2).

    Figura 2 - Relaes farmacocinticas e farmacodinmicas dos antimicrobianos

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    - Exemplo de uso de concentrao srica

    O uso de vancomicina tem absoro errtica, principalmente em pacientes graves, mal perfundidos, idosos, obesos e com insuficincia renal. Neste per-fil de populao, a dosagem de vancocinemia essencial, pois avalia a dose correta para o tratamento. A vancocinemia realizada na concentrao de vale (1 hora antes da dose seguinte, na 3 dose).

    b) ndice de ligao proteica

    a proporo do antimicrobiano que se liga s protenas plasmticas, prin-cipalmente a albumina, e influencia diretamente a velocidade com que a droga se distribui pelos tecidos e lquidos orgnicos e ultrapassa membranas celulares, a intensidade de seu efeito antimicrobiano e sua velocidade de eli-minao. Classicamente, considera-se que somente a frao livre do frmaco no complexada com albumina seja dotada de efeito antimicrobiano, pois o complexo grande demais para penetrar a clula. No entanto, estudos in vivo demonstram que a ligao proteica pode favorecer a penetrao tecidu-al em algumas situaes, visto que as reas infectadas apresentam aumento da permeabilidade capilar local, com consequente afluxo de protenas ex-travasadas com o plasma. Alm disso, o complexo antimicrobiano-protena pode ser responsvel pelo efeito ps-antibitico de algumas drogas, isto , a manuteno do efeito por um perodo aps sua suspenso e eliminao do soro, em virtude dos complexos proteicos que permanecem no tecido infectado. Para a prtica, importante conhecer a penetrao tecidual de cada antimicrobiano em determinado stio e a possibilidade de contar com o efeito ps-antibitico, para a determinao do tempo de tratamento.

    c) Meia-vida

    Corresponde ao tempo necessrio para que a concentrao srica aps a administrao de uma dose de antimicrobiano se reduza metade da Cmx. Independe do valor absoluto da Cmx alcanada e influenciada pela velo-cidade de metabolizao e/ou de excreo da droga, bem como pela rapidez de sua difuso tecidual. um dos principais parmetros de determinao dos intervalos preconizados para a administrao do antimicrobiano em ques-to, que devem ser respeitados para a obteno do efeito adequado. Por sua relao com metabolismo e excreo, pode estar alterada na presena de comorbidades, como insuficincias renal e heptica, o que pode requerer ajuste de dose e/ou intervalos de administrao, para evitar o acmulo de droga e de efeitos txicos.

    d) Biodisponibilidade

    a proporo do antimicrobiano administrado que se encontra efetiva-mente disponvel sob sua forma ativa na circulao. Por definio, a biodispo-nibilidade de uma droga aps injeo intravenosa de 100%, varivel aps a

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    administrao por via oral, dependente de sua absoro e metabolismo de 1 passagem. Deve ser considerada, em ltima anlise, a biodisponibilidade no stio-alvo, que influenciada no s pela concentrao srica, mas tambm pela penetrao tecidual, ligao proteica, solubilidade lipdica e passagem por barreiras, como a hematoenceflica. Esse conceito diferente, ainda, para drogas cuja atividade depende da transformao em determinado me-tablito, ou seja, que se torna ativa e disponvel apenas aps a metaboliza-o.

    e) Concentrao Inibitria Mnima (CIM ou MIC)

    a menor concentrao do antibitico capaz de inibir o desenvolvimento visvel de um microrganismo. o parmetro utilizado para a avaliao da sen-sibilidade de dado microrganismo frente a determinado antibitico, a partir de valores de corte padro, estabelecidos com base em grandes estudos en-volvendo diversas cepas de um mesmo agente. Basicamente, so conside-rados sensveis a certo antibitico os agentes que apresentam valor de CIM baixo quando expostos droga em cultura. Para a atividade adequada desse antimicrobiano in vivo, a concentrao srica mdia deve manter-se superior CIM determinada para o agente infeccioso em questo, respeitados os da-dos de biodisponibilidade e concentrao tecidual no stio envolvido.

    f) ndice teraputico

    a relao entre a concentrao txica de um frmaco, estabelecida por estudos prvios realizados, e sua concentrao srica mdia obtida com do-ses-padro. Quanto mais prximas essas concentraes, menor o ndice e, portanto, maior o risco potencial de toxicidade. O ndice deve ser considera-do para avaliaes de segurana da droga, especialmente em pacientes que apresentem condies que diminuam sua capacidade de depurao.

    Com base nos conceitos descritos, chega-se a uma classificao dos antimi-crobianos baseada em suas caractersticas farmacodinmicas. Pode-se dizer que existem os antimicrobianos tempo-dependentes e os concentrao-de-pendentes.

    Os antimicrobianos tempo-dependentes so aqueles cuja atividade de-pende fundamentalmente do tempo, durante o qual os agentes infecciosos permanecem expostos a suas concentraes sricas e teciduais. Sua ao no depende da Cmx, mas do tempo em que as concentraes sricas e no tecido-alvo permanecem acima da CIM determinada para o agente infeccio-so presente. Um exemplo dessa categoria so os antibiticos betalactmicos. As estratgias de otimizao de efeito dessa classe pressupem aumento de tempo de exposio, como fracionamento da dose ou infuso contnua.

    Os antimicrobianos concentrao-dependentes tm sua ao baseada na Cmx, ou de pico, atingida aps a administrao de uma dose, e conse-quente concentrao tecidual obtida. Em geral, a otimizao de seu efeito

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    possvel com o aumento de doses individuais respeitadas as doses txicas e at mesmo com a administrao de dose nica diria, como o caso dos aminoglicosdeos.

    A associao de tempo e concentrao produz grficos que revelam um 3 parmetro importante: a rea sob a curva (ASC ou AUC) (Figura 2). Dessa forma, quanto maior a concentrao mxima atingida e maior o tempo de exposio, maior a rea sob a curva acima da CIM (ASC:CIM), o que confere atividade mxima a um dado antimicrobiano. Como exemplos de antimicro-bianos dependentes desse parmetro, esto as fluoroquinolonas frente aos pneumococos.

    Os antimicrobianos podem ser classificados, ainda, em bactericidas ou bac-teriostticos, de acordo com seu modo principal de ao contra os microrga-nismos.

    As drogas bactericidas so capazes de induzir a morte celular, com elimi-nao da populao bacteriana em tempo varivel, dependendo de seu me-canismo de ao e de potncia e da espcie de bactria envolvida. As bac-teriostticas interferem apenas na reproduo das bactrias, impedindo sua proliferao. A erradicao da populao bacteriana , habitualmente, mais lenta e dependente da morte celular natural e dos mecanismos imunolgicos do hospedeiro. Assim, como regra geral, infeces graves e/ou dissemina-das pressupem tratamento com antimicrobianos bactericidas para melhor prognstico.

    Tabela 3 - Classificao dos antibiticos de acordo com a ao antimicrobiana

    Bacteriostticos BactericidasMacroldeos BetalactmicosTetraciclinas GlicopeptdiosSulfamidas Aminoglicosdeos

    Oxazolidinonas Quinolonas

    Escolhido o antimicrobiano, devem ser considerados todos esses indi-cadores para a determinao da dose, da via de administrao e do tem-po de tratamento. As doses devem respeitar as padronizaes dos estudos de liberao da droga em questo, e para infeces graves se deve sempre utilizar a dose mxima permitida, especialmente nos casos dos antibiticos concentrao-dependentes, com ressalvas para as caractersticas individuais do paciente (idade, peso, comorbidades e toxicidades).

    A via de administrao est diretamente relacionada biodisponibilidade. A via intravenosa oferece biodisponibilidade mxima e primordial no trata-mento de infeces graves principalmente em casos de sepse ou locali-zadas em stios de difcil penetrao tecidual. A via oral a preferencial, pela possibilidade de autoadministrao, dispensando procedimentos invasivos e hospitalizao, mas s possvel quando a biodisponibilidade oral no est

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    comprometida por situaes como choque, doenas disabsortivas, ps-ope-ratrio de cirurgias gastrintestinais, entre outras. Alm disso, dependendo do stio-alvo, a biodisponibilidade propiciada pela administrao oral pode no ser suficiente para a concentrao tecidual adequada, o que impe a neces-sidade de infuso parenteral, como o caso de meningites e endocardites.

    O tempo de tratamento relaciona-se penetrao no stio tratado e s ca-ractersticas do agente envolvido. Stios de difcil penetrao requerem tem-po prolongado de tratamento, para que se acumule quantidade suficiente da droga no alvo. Exemplos fiis so as osteomielites, as endocardites e os abscessos em geral. Agentes etiolgicos que apresentem baixo metabolismo e multiplicao lenta o que dificulta os mecanismos de ao dos antimi-crobianos tambm exigem prolongamento de terapia, como o caso da tuberculose, da hansenase e das actinomicoses. A suspenso da antibiotico-terapia deve ocorrer em momento preciso, para que no seja precoce pos-sibilitando o recrudescimento da infeco nem tardia , o que pode incor-rer na seleo de flora resistente no indivduo e/ou na induo de resistncia no ambiente envolvido.

    4. Falha teraputica

    Assim como na escolha do antimicrobiano adequado, todos os fatores des-critos devem ser reavaliados na ocorrncia de falha teraputica de um de-terminado esquema. A falha de um antimicrobiano no tratamento de dada infeco ocorre no somente por questo de espectro inadequado, mas tam-bm em virtude de doses subteraputicas; via de administrao com biodis-ponibilidade insatisfatria (por exemplo, via oral em paciente com distrbio de deglutio ou de absoro intestinal); intervalos inadequados entre as doses; falha de distribuio em pacientes edemaciados, chocados ou com grande porcentagem adiposa na composio corporal; penetrao subtima no stio infectado; e tempo insuficiente de tratamento.

    A condio imunolgica tambm influencia o sucesso teraputico, uma vez que a ativao da resposta imune funciona sinergicamente droga para a eliminao dos agentes infecciosos. Especialmente em imunodeprimidos e em pacientes crticos, deve ser considerada a hiptese de superinfeco. Algumas situaes requerem tratamento cirrgico adjuvante, por exemplo, na existncia de colees fechadas com volume considervel e/ou de gran-de quantidade de tecido necrtico, o que dificulta a penetrao tecidual. A presena de materiais inertes sejam corpos estranhos em infeces secun-drias a trauma, sejam dispositivos mdicos, como cateteres e prteses pode requerer a remoo para tratamento eficaz da infeco, visto que esses materiais se comportam como refgios para os agentes infecciosos, pois a ausncia de irrigao sangunea os torna imunes penetrao dos antimi-crobianos.

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    CAPTULO 2 Aspectos morfolgicos das bactrias: mecanismos de ao dos

    antimicrobianos e mecanismos de resistncia de bactrias

    1. Aspectos morfolgicos das bactrias

    As bactrias so organismos unicelulares procariotas, isto , sua clula desprovida de membrana celular e de organelas membranosas. Seu material gentico permanece imerso no citoplasma e limitado, em geral constitudo por um cromossomo nico. Existem, ainda, fragmentos de cido nucleico de conformao circular, chamados plasmdeos, que tm importncia na repro-duo sexuada e na variabilidade gentica desses microrganismos. Diferen-ciam-se das clulas animais, entre outros aspectos, por possurem parede celular localizada externamente sua membrana plasmtica.

    O conhecimento de alguns aspectos morfolgicos das bactrias essen-cial compreenso dos stios de ao dos antimicrobianos, dos mecanismos pelos quais impedem a sobrevida ou a proliferao dessas clulas e para a elucidao das caractersticas fenotpicas que tornam algumas bactrias re-sistentes a essas drogas.

    A - Parede celular

    A parede celular uma estrutura semirrgida que se dispe externamente membrana plasmtica da clula bacteriana, conferindo-lhe forma e prote-o a agresses mecnicas e a variaes osmolares do meio. composta por peptidoglicanos, responsveis por sua consistncia, em quantidades e com caractersticas moleculares variveis de acordo com a espcie de bactria.

    Os peptidoglicanos so compostos por 2 carboidratos principais cido N-acetilmurmico e N-acetilglucosamina ligados a oligopeptdios de ami-nocidos variados. Esses carboidratos dispem-se alternadamente em con-formao linear, formando cadeias interligadas por meio de pontes cruzadas entre os oligopeptdios, o que resulta na estrutura final do peptidoglicano (em rede ou paliada). Essas ligaes covalentes, essenciais para a manu-teno da arquitetura da parede celular, so catalisadas por enzimas chama-das transpeptidases.

    A sntese de peptidoglicanos inicia-se no citoplasma, onde seus precurso-res so produzidos separadamente e, em seguida, transportados para o meio externo por meio de molculas lipdicas atravs da membrana plasmtica. Na face extracitoplasmtica da membrana, organizam-se em cadeias linea-res, interligadas pela reao de transpeptidao, isto , as ligaes cruzadas entre os oligopeptdios so catalisadas pela enzima transpeptidase.

    A natureza da parede celular varia entre os diversos gneros de bactrias, e essa caracterstica que permite sua classificao pelo mtodo de colo-

  • Aspectos morfolgicos das bactrias: mecanismos de ao dos antimicrobianos e mecanismos de resistncia de bactrias

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    rao de Gram. As bactrias Gram negativas possuem 1 nica camada de peptidoglicano na parede celular e 1 membrana externa, semelhante mem-brana plasmtica, onde esto presentes protenas de membrana denomina-das porinas. Pela natureza delgada da parede, a impregnao por corantes basoflicos pobre, e o aspecto final microscopia tica aps a colorao eosinoflico (rosa).

    Espao periplsmico

    Este compartimento contm enzimas degradativas (proteases, nucleases, fosfatases)

    que agem em molculas grandes e impermeveis. Esse espao contm enzimas

    que inativam antibiticos como as beta-lactamases. As bactrias Gram positivas no

    apresentam espao periplsmico, mas secretam exoenzimas e realizam a digesto

    extracelular.

    Parede celular

    A parede celular dos Gram positivos composta por inmeras camadas de

    peptidoglicanos, enquanto a parede celular dos Gram negativos composta por apenas 1 camada; a parede celular permite que a

    bactria sobreviva em ambientes com presso osmtica menor que a de seu citoplasma.

    Membrana externa

    As bactrias Gram positivas so desprovidas de membrana externa; nas bactrias Gram negativas, a membrana

    externa constitui um importante fator de virulncia pela presena dos

    lipopolissacrides (LPSs); a membrana externa ainda apresenta protenas

    denominadas porinas, importantes no mecanismo de ao e na resistncia a

    determinados antimicrobianos.

    Membrana celular

    Constitui uma barreira de permeabilidade seletiva para o meio extracelular; alguns

    antimicrobianos provocam desestruturao dessa membrana, permitindo a sada de

    elementos vitais da bactria, ocasionando a morte bacteriana. A membrana celular contm as protenas ligadoras, como as

    PBPs (Penicillin-Binding Proteins).

    Gram positivas

    Gram negativas

    Figura 1 - Diferenas morfolgicas do envelope de bactrias Gram positivas e Gram negativas

    As bactrias Gram positivas apresentam vrias camadas de peptidoglica-nos em sua parede que, portanto, mais espessa e permanece impregnada por corantes basoflicos mesmo aps as lavagens do mtodo, com aspec-to final azul na colorao. So desprovidas de membrana externa. Essas diferenas so responsveis por diferentes padres de sensibilidade entre Gram positivos e Gram negativos s diversas classes de antimicrobianos, da a importncia do conhecimento da classificao pela colorao de Gram de determinada bactria para a escolha teraputica adequada.

    B - Membrana plasmtica e membrana externa

    A membrana plasmtica da clula procaritica tem caractersticas fsico--qumicas semelhantes s da clula eucaritica e constitui-se basicamente de uma bicamada de fosfolipdios onde se ancoram protenas transmem-brana. Sua principal funo a permeabilidade seletiva, isto , a regulao de trocas de ons e outras substncias entre o citoplasma e o meio extrace-lular, de acordo com as necessidades da clula. Regula o equilbrio osmti-co entre os meios, protegendo a clula de lise em situaes de variao de osmolaridade.

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    Guia de Antibioticoterapia

    A membrana externa est presente apenas em bactrias Gram negativas, disposta externamente parede celular. Confere proteo adicional clula, dada a fragilidade de sua parede, e participa das trocas entre meios, sobre-tudo por intermdio de estruturas proteicas denominadas porinas. Por meio do tamanho de seus poros e de sua polaridade eltrica, essas protenas agem como reguladores da entrada de substncias especficas no ambiente intra-celular. So vias de acesso de alguns antimicrobianos clula bacteriana. Na membrana externa, encontram-se, ainda, LPSs envolvidos na patogenicidade de bactrias Gram negativas.

    C - cidos nucleicos e sntese proteica

    O material gentico bacteriano constitudo por DNA, organizado num cro-mossomo nico. Este se encontra livre no citoplasma, pois a clula despro-vida de membrana nuclear. O DNA bacteriano duplica-se durante o processo de reproduo assexuada por bipartio, e a clula-filha recebe um cromos-somo que conserva uma fita de DNA da clula parental replicao semicon-servativa do DNA. Participam desse processo as enzimas DNA-polimerase, helicase, ligase e topoisomerase, sendo a 1 a mais importante. O subtipo II da topoisomerase denomina-se DNA-girase e tem papel fundamental na manuteno da conformao espiralada do DNA na cromatina bacteriana.

    H, ainda, fragmentos de DNA em conformao circular, dispersos pelo citoplasma, que contm informaes genticas da bactria, denominados plasmdeos. Estes constituem elementos genticos mveis, isto , podem ser transferidos a outra bactria da mesma espcie ou no, pela conjugao. A bactria receptora pode, ento, expressar caractersticas fenotpicas adquiri-das a partir do material gentico obtido.

    Para a sntese proteica, ocorre a transcrio das informaes genticas do DNA cromossmico para uma fita complementar de RNA-mensageiro (RNAm), por meio da enzima RNA-polimerase. So produzidos, ainda, RNA-transporta-dor (RNAt) responsvel por carrear aminocidos livres para serem integrados cadeia proteica nascente e RNA-ribossmico (RNAr), stio em que ocorre a traduo do RNAm com integrao sequencial dos aminocidos especficos, originando a molcula de protena correspondente ao gene expresso.

    2. Identificao das bactrias

    A classificao das bactrias quanto s suas caractersticas tintoriais, pelo mtodo de Gram, fornece informaes importantes sobre seu perfil intrnse-co de sensibilidade a antimicrobianos. No entanto, essa correlao ainda mais precisa quando possvel a identificao do gnero e, em alguns casos, da espcie do agente etiolgico de uma infeco, visto que, mesmo dentro do mesmo grupo tintorial Gram positivo ou Gram negativo , existem varia-es interespecficas de sensibilidade natural e de capacidade de expressar mecanismos de resistncia geneticamente determinados.

  • Aspectos morfolgicos das bactrias: mecanismos de ao dos antimicrobianos e mecanismos de resistncia de bactrias

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    A identificao laboratorial rotineira de uma bactria possvel a partir de seu crescimento em cultura. Aps mtodos de triagem, que incluem colora-o de Gram, incubao em condies de aerobiose ou anaerobiose e cultivo em meios seletivos para determinados grupos, so realizadas provas bioqu-micas em srie que permitem detectar caractersticas fenotpicas da bact-ria em anlise, como capacidade de fermentao de acares, presena de enzimas especficas, como a catalase e a coagulase, capacidade de utilizao de certos aminocidos, produo de hemlise quando cultivados em meio prprio (gar-sangue), entre outras. Os resultados dessas provas fornecem dados que, analisados em algoritmos taxonmicos previamente padroniza-dos, permitem identificar a bactria.

    Tabela 1 - Principais bactrias Gram positivas de importncia mdica

    Morfologias Gneros Espcies

    Cocos

    Staphylococcus

    - Coagulase-positivo: S. aureus.

    - Coagulase-negativos: S. epidermidis; S. saprophyticus; S. lugdunensis.

    Streptococcus

    - eta-hemolticos: Grupo A: S. pyogenes; Grupo B: S. agalactiae.

    - No beta-hemolticos: S. pneumoniae; S. bovis.

    - Grupo Viridans: S. milleri; S. mitis; S. mutans; S. oralis; S. salivarius; S. sanguis.

    Enterococcus

    - E. faecalis;

    - E. faecium;

    - E. avium/E. gallinarum.

    Bacilos aerbios

    Bacillus- B. anthracis;- B. cereus.

    Listeria - L. monocytogenes.

    Corynebacterium- C. diphtheriae;- Corynebacterium sp.

    Nocardia- N. asteroides;- N. brasiliensis;- N. farcinica.

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    Morfologias Gneros Espcies

    Bacilos anaerbiosClostridium

    - C. tetanii;- C. botulinum;- C. difficile;- C. perfringens.

    Actinomyces - A. israeli.

    Tabela 2 - Principais bactrias Gram negativas de importncia mdica

    Morfologias Gneros e espcies

    Bacilos fermentadores

    - Escherichia coli;- Klebsiella sp. (K. pneumoniae);

    - Enterobacter sp. (E. cloacae);- Citrobacter sp. (C. freundi);- Proteus sp. (P. mirabilis);- Serratia sp.;- Salmonella sp. (S. typhi, S. paratyphi, S. typhimurium);- Shigella sp. (S. shigellae);- Yersinia pestis;- Helicobacter pylori;- Campylobacter sp. (C. jejunii).

    Bacilos no fermentadores

    - Pseudomonas aeruginosa;

    - Acinetobacter baumannii;

    - Aeromonas sp.;

    - Stenotrophomonas maltophilia;

    - Burkholderia cepacia.

    Cocos/cocobacilos

    - Neisseria (N. meningitidis, N. gonorrhoeae);- Moraxella catarrhalis;- Haemophilus sp. (H. influenzae);- Brucella sp.;- Bordetella sp. (B. pertussis, B. parapertussis).

    Espiroquetas

    - Leptospira interrogans;

    - Treponema pallidum;- Borrelia burgdorferi.

    Vibries- Vibrio cholerae;- Vibrio vulnificus.

    Algumas bactrias no podem ser enquadradas na classificao de Gram, pois no possuem parede celular e, portanto, tm comportamento tintorial atpico. Entre elas, podem-se destacar as espcies dos gneros Legionella (L. pneumophila), Mycoplasma (M. pneumoniae) e Chlamydia (C. trachomatis, C. pneumoniae e C. psittaci).

  • Aspectos morfolgicos das bactrias: mecanismos de ao dos antimicrobianos e mecanismos de resistncia de bactrias

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    O mesmo acontece com pequenas bactrias denominadas rickttsias, que no crescem em meios de cultura, portanto no podem ser submetidas a mtodos de colorao. Por exemplo: Rickettsia rickettsii e Coxiella burnetti.

    As micobactrias (Mycobacterium tuberculosis, M. leprae, M. avium-intra-cellulare, M. kansasii) habitualmente no so classificadas pelo mtodo de Gram, e sim pelo mtodo de Ziehl-Neelsen, que as caracteriza como bacilos lcool-cido-resistentes.

    A correlao clnica das bactrias patognicas para o ser humano e seu perfil de sensibilidade a antimicrobianos ser feita ao longo dos captulos seguintes.

    3. Mecanismos de ao de antimicrobianos e de resistncia bacteriana

    A - Antimicrobianos que agem sobre a parede celular

    Alguns antimicrobianos interferem na sntese de peptidoglicanos, o que re-sulta na produo de parede celular defectiva e frgil, com consequente lise da clula bacteriana. As drogas que agem por esse mecanismo so, portanto, bactericidas. As classes mais importantes com essa atuao so os betalact-micos e os glicopeptdios.

    Os betalactmicos bloqueiam a fase de transpeptidao do peptidoglicano, isto , impedem as ligaes entre os aminocidos que conferem o arranjo molecular final estrutura da parede celular. Para isso, ligam-se ao stio ati-vo das enzimas transpeptidases, catalisadoras desse processo. Por configu-rarem o alvo de ao dessa classe de antimicrobianos, as transpeptidases ficaram conhecidas como protenas ligadoras de penicilina (PBP). As PBPs apresentam subtipos enumerados de 1 a 6, cada betalactmico com afinida-des diferentes, o que resulta em variao de sensibilidade entre as espcies de bactrias diante das vrias drogas da classe.

    Tabela 3 - Antimicrobianos pertencentes classe dos betalactmicos

    - Penicilinas;- Cefalosporinas;- Cefamicinas;- Carbapenmicos;

    - Monobactmicos.

    Os glicopeptdios ligam-se ao terminal dos oligopeptdios da cadeia em sn-tese de peptidoglicanos, impedindo que a transpeptidase se acople para a interligao dessas molculas. Novamente, o resultado uma parede celular de estrutura frgil, o que culmina em lise celular. Logo, so bactericidas, po-rm de maneira muito mais lenta do que os betalactmicos, e ativos apenas contra Gram positivos, visto que no penetram na membrana externa de Gram negativos. As drogas pertencentes a essa classe disponveis atualmente para uso clnico em nosso meio so a vancomicina e a teicoplanina.

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    Tabela 4 - Tipos de resistncia a antimicrobianos com ao na parede celular

    Antimicrobianos Tipos de resistncia Bactrias Mecanismos

    Betalactmicos

    Alterao de PBP(codificao cromoss-mica).

    Grampositivas

    Alterao da estrutura da PBP alvo do betalac-tmico, impedindo sua ligao e ao.

    Inativao por betalac-tamase (codificao cro-mossmica e plasmidial).

    Gram negativas

    Produo de enzimas que hidrolisam o stio ativo (anel) do betalac-tmico.

    Permeabilidade reduzida(codificao cromoss-mica).

    Gram negativas

    Alterao da estrutura das porinas da membra-na externa, impedindo a penetrao do beta-lactmico at seu stio de ao. Produo de bombas de efluxo.

    GlicopeptdiosAlterao de alvo (codi-ficao cromossmica e plasmidial).

    Grampositivas

    Alterao dos amino-cidos do terminal do precursor de peptido-glicano onde se liga o glicopeptdio.

    B - Antimicrobianos que agem na membrana plasmtica e externa

    As polimixinas B e E so antibiticos com atividade sobre bactrias Gram negativas. Inicialmente, ligam-se aos LPS da membrana externa, e a seguir so internalizadas. Integram-se estrutura fosfolipdica da membrana plas-mtica, gerando descontinuidades letais clula, seja por desregulao dos mecanismos osmticos, seja por extravasamento de citoplasma, que culmi-nam com lise celular.

    C - Antimicrobianos que agem na sntese de cidos nucleicos e protenas

    As sulfonamidas e trimetoprima inibem enzimas que participam da via de sntese de folatos a partir do cido paraminobenzoico. Os produtos dessa via so importantes cofatores na sntese de DNA, que intensamente prejudi-cada na presena dessas drogas. Sua apresentao clssica a associao sulfametoxazol-trimetoprima, atuante sobre vrias espcies de bactrias, fungos e protozorios, com diversas indicaes clnicas.

    As quinolonas so antimicrobianos bactericidas com atividade sobre Gram positivos e Gram negativos. Seu stio de ao principal a enzima topoisome-rase-II ou DNA-girase, responsvel pela manuteno da conformao espira-lada do DNA bacteriano. As drogas dessa classe ligam-se topoisomerase de maneira a inibi-la, o que provoca a desconfigurao da estrutura espacial da molcula de DNA e a interrupo de sua duplicao, interferindo na expres-so gnica e na sntese proteica da bactria, com consequente morte celular.

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    Tabela 5 - Drogas pertencentes classe das quinolonas

    - cido nalidxico;

    - Ciprofloxacino;

    - Gatifloxacino e trovafloxacino (retirados do mercado por toxicidade);

    - Levofloxacino;

    - Moxifloxacino;

    - Gemifloxacino;

    - Nitrofurantona;

    - Norfloxacino.

    As rifamicinas ligam-se irreversivelmente RNA-polimerase bacteriana, impedindo a transcrio do DNA e, portanto, a sntese proteica, com ao bactericida. O principal representante dessa classe a rifampicina.

    Os aminoglicosdeos so drogas bactericidas ativas contra bactrias Gram negativas aerbias. Seu principal stio de ao o RNA ribossmico, que se torna inibido para ligao ao RNAm e, desta forma, incapaz de iniciar a tra-duo e a sntese proteica. Podem, ainda, provocar ligao errnea de RNAt, com pareamento inadequado de aminocidos e produo de protenas de-fectivas e no funcionais. Sua penetrao na clula bacteriana dependente de energia de produo aerbia, o que torna as drogas dessa classe inativas contra bactrias anaerbias.

    O cloranfenicol tambm age por meio da inibio ribossmica e pode ter ao tanto bacteriosttica quanto bactericida, dependendo do microrganis-mo envolvido e das concentraes teciduais obtidas.

    Tabela 6 - Drogas pertencentes classe dos aminoglicosdeos

    - Amicacina;- Estreptomicina;- Gentamicina;- Neomicina;- Tobramicina.

    Os macroldeos tambm tm, como stio principal de ao, o DNA ribos-smico, ao qual se ligam de maneira reversvel, bloqueando a extenso da cadeia peptdica nascente. A reversibilidade da ligao torna seu efeito bac-teriosttico. Atividade semelhante observada nas lincosamidas, cujo princi-pal representante a clindamicina.

    Tabela 7 - Drogas pertencentes classe dos macroldeos

    - Azitromicina;- Claritromicina;- Eritromicina;- Roxitromicina;- Telitromicina (cetoldio).

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    As tetraciclinas impedem a ligao do RNA transportador ao ribossomo, necessria para a agregao do aminocido transportado ao peptdio nas-cente. O mecanismo de ao o mesmo para as glicilciclinas, representadas pela tigeciclina, droga de amplo espectro, inclusive sobre bactrias que ex-pressam fentipos de resistncia.

    Tambm relacionadas ao RNAt, as oxazolidinonas atuam como inibidores competitivos dos stios de ligao destas molculas, bloqueando a 1 ligao peptdica da traduo proteica. A 1 droga desse grupo a linezolida, ativa contra Gram positivos, inclusive os resistentes a glicopeptdios.

    O metronidazol um composto azlico cujos metablitos intracelulares so citotxicos por leso direta do DNA bacteriano. Tem ao antibacteria-na, sobretudo contra bactrias anaerbias, e antiparasitria, principalmente contra protozorios.

    Tabela 8 - Tipos de resistncia a antimicrobianos com ao em cidos nucleicos e sn-tese proteica

    Antimicrobianos Tipos de resistncia Bactrias Mecanismos

    Quinolonas

    Alterao de DNA--girase (codificao cromossmica).

    Gram positivas e Gram nega-tivas.

    Mutao no gene codifi-cador de DNA-girase, com alterao da estrutura da enzima, impedindo ligao e a ao da quinolona.

    Permeabilidade re-duzida (codificao cromossmica).

    Gram nega-tivas.

    Alterao da estrutura e diminuio do nmero de porinas da membrana externa, impedindo a pene-trao da quinolona at o seu stio de ao. Produo de bombas de efluxo.

    Aminoglicosdeos

    Inativao por modificao enzi-mtica (codificao plasmidial).

    Gram positi-vas e Gram negativas.

    Produo de transferases que alteram a molcula de aminoglicosdeo e a inativam.

    Reduo de perme-abilidade de mem-brana (codificao cromossmica).

    Gram nega-tivas.

    Alterao dos mecanismos energticos aerbios res-ponsveis pela penetrao do aminoglicosdeo.

    Aminoglicosdeos(estreptomicina)

    Alterao de alvo(codificao cro-mossmica).

    Gram positi-vas e Gram negativas.

    Alterao do stio ribos-smico de ligao do aminoglicosdeo.

    Macroldeos e lincosamidas

    Alterao de alvo(codificao cromossmica e plasmidial).

    Gram positi-vas.

    Metilao do stio de liga-o no DNA-ribossmico.

    Efluxo.Gram positi-vas.

    Produo de bombas de efluxo.

  • Aspectos morfolgicos das bactrias: mecanismos de ao dos antimicrobianos e mecanismos de resistncia de bactrias

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    D - Consideraes sobre resistncia bacteriana

    A existncia de resistncia bacteriana precede o domnio dos antimicrobia-nos pelo homem. importante lembrar que os antibiticos produzidos por microrganismos a partir dos quais se desenvolveram todas as drogas subse-quentes esto presentes na natureza e ao longo da evoluo induziram, nas bactrias, a mecanismos de evaso (por exemplo, bombas de efluxo). Alm disso, existe a resistncia bacteriana intrnseca, caracterstica constitucional das espcies de bactrias que as tornou naturalmente imunes aos mecanis-mos de ao de certos grupos de antibiticos.

    A resistncia intrnseca pode ser expressa e potencializada durante o curso do tratamento com antimicrobianos. Isso acontece por 2 vias:

    a) Seleo de clones resistentes

    A populao bacteriana de uma mesma espcie presente num determina-do stio naturalmente heterognea, em virtude de mutaes aleatrias que ocorrem durante a diviso celular, algumas delas capazes de ocasionar resis-tncia. Quando se instaura a terapia antimicrobiana, os clones resistentes, antes minoritrios, so selecionados e se proliferam. Esses clones tornam-se a populao dominante, com consequente falha teraputica. Como exemplo, podem-se citar as alteraes de PBP e stios ribossmicos.

    b) Desrepresso de genes de resistncia

    Algumas bactrias possuem, intrinsecamente, genes relacionados resis-tncia a antimicrobianos, sobretudo por mecanismo de inativao enzim-tica. Esses genes encontram-se habitualmente reprimidos, para economia energtica. O contato com o antimicrobiano substrato da enzima em ques-to fornece sinalizao intracelular que induz expresso desses genes, e a enzima inativadora passa a ser produzida como mecanismo de defesa. o caso de algumas betalactamases de codificao cromossmica.

    Existe, ainda, a resistncia bacteriana adquirida. As bactrias so dotadas de elementos genticos mveis inclusos em seus plasmdeos que carreiam genes de resistncia. Por meio de conjugao bacteriana, esses genes podem ser transferidos a outras bactrias de mesma espcie ou no, que passam a expressar a caracterstica fenotpica responsvel pela resistncia. O exemplo mais comum so as betalactamases plasmidiais.

    A determinao da resistncia bacteriana pode ser feita por meio de m-todos fenotpicos e genotpicos. Os mtodos fenotpicos identificam mecanis-mos de resistncia j expressos pela bactria, por meio da exposio da cepa ao antimicrobiano em anlise. Aps o cultivo e a identificao da bactria, a cultura exposta a concentraes conhecidas de antimicrobianos-padro: a inibio de crescimento significa sensibilidade, enquanto o crescimento man-tido reflete resistncia. Para tal, podem ser utilizados mtodos de difuso em gar (disco-difuso e E-test) e mtodos dilucionais, manuais ou automatizados.

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    Os mtodos genotpicos detectam o gene de resistncia por meio de estu-do do DNA bacteriano, mesmo que o mecanismo no esteja expresso. Para tal, so necessrios mtodos de Biologia molecular, como o PCR (Polimerase Chain Reaction reao em cadeia da polimerase) e a PFGE (Pulsed Field Gel Electrophoresis eletroforese de campo pulsado). Essas tcnicas no so usadas rotineiramente na prtica clnica, mas em projetos de pesquisa e em estudos epidemiolgicos. A tipagem molecular muito til para investiga-o de surtos hospitalares identificao de fonte comum e/ou transmisso cruzada.

    Outro importante fator de resistncia bacteriana a capacidade de for-mao de biofilmes sobre superfcies inertes. O biofilme constitudo por mltiplas colnias de bactrias envolvidas por uma matriz amorfa por elas secretada que se comunicam por sinalizao hormonal e tm atividade me-tablica reduzida. Desta maneira, diminuem a expresso antignica e conse-guem evadir a resposta imune do hospedeiro. Como benefcio secundrio, obtm proteo fsica contra a ao de antimicrobianos, que tm penetrao reduzida neste ambiente, e ao diminuda pela baixa atividade metablica e replicao das bactrias. Exemplos de biofilme natural so as vegetaes de endocardite e os sequestros sseos em osteomielites crnicas. Os biofilmes podem se formar sobre dispositivos artificiais, como cateteres e prteses.

    Essas consideraes permitem compreender a importncia do uso racio-nal de antimicrobianos para evitar o desenvolvimento de resistncia. O uso indiscriminado dessas drogas acelera os processos de seleo e expresso de resistncia intrnseca, at mesmo para drogas de desenvolvimento mais recente e amplo espectro de ao. A inobservncia das medidas de controle de infeco como isolamento de pacientes infectados por cepas resistentes permite a disseminao das bactrias mutantes e o contato entre popula-es geneticamente distintas, que podem permutar elementos genticos e expressar resistncia adquirida.

    Nos captulos seguintes, sero detalhadas as caractersticas dos grupos de antimicrobianos, no que diz respeito s suas caractersticas farmacolgicas, ao espectro de ao, ao uso clnico e aos mecanismos de resistncia associados.

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    CAPTULO 3 Antimicrobianos betalactmicos: penicilinas

    1. Introduo

    Historicamente, os betalactmicos foram os primeiros antibiticos pro-duzidos em larga escala. A utilizao da penicilina a partir da 2 Guerra Mundial marcou esse momento. Nas dcadas seguintes, surgiram penicili-nas com espectros diferenciados de cobertura antimicrobiana e com menor toxicidade.

    As penicilinas constituem uma das mais importantes classes de antibi-ticos e so amplamente utilizadas no tratamento clnico de infeces cau-sadas por diversas bactrias. A descoberta da penicilina creditada ao Dr. Alexander Fleming, que em 1928, ao estudar variantes de estafilococos em laboratrio, observou que a cultura de um tipo de fungo, Penicillium nota-tum, produzia uma substncia que inibia o crescimento bacteriano. Essa substncia recebeu o nome de penicilina, em funo do microrganismo que lhe deu origem. Em virtude de dificuldades na sua produo e purificao, a penicilina s foi usada no tratamento de infeces a partir de 1941, quan-do o Dr. Howard W. Florey e colaboradores a produziram em quantidades suficientes para uso clnico. Os primeiros ensaios clnico-teraputicos com o uso dessa classe de antibiticos em humanos foram conduzidos com su-cesso nos EUA na dcada de 1940, objetivando o tratamento de infeces estreptoccicas e gonoccicas. Desde ento, a penicilina passou a ser utili-zada no tratamento de diversas infeces. Com o tempo, foram necessrias alteraes na sua estrutura qumica inicial por conta da emergncia de bac-trias resistentes e da necessidade de ampliao do seu espectro de ao antibacteriano.

    So drogas bastante seguras, bactericidas, com aplicao em infeces tanto comunitrias quanto hospitalares. Didaticamente, podem-se dividir os betalactmicos em 4 subfamlias:

    - Penicilinas;

    - Cefalosporinas;

    - Monobactmicos;

    - Carbapenmicos.

    Neste captulo, abordaremos as penicilinas e suas principais utilizaes na prtica clnica.

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    Tabela 1 - Caractersticas gerais

    Mecanismo de ao

    - Os betalactmicos bloqueiam a fase de transpeptidao do peptidoglicano, isto , impedem as ligaes entre os aminocidos que conferem o arranjo molecular final estrutura da parede celular. Para isso, ligam-se ao stio ativo das enzimas trans-peptidases (PBPs), catalisadoras desse processo.

    Farmacodinmica

    - Tempo-dependentes.

    Efeito antimicrobiano

    - Ao bactericida.

    Resistncia

    - Alterao das PBPs, determinando diminuio da afinidade pelo betalactmicos;

    - Produo de betalactamases, que inativam o antimicrobiano;

    - Reduo de porinas, com consequente diminuio de permeabilidade.

    A - Mecanismo de ao das penicilinas

    A parede celular das bactrias Gram positivas composta por peptidogli-canos, carboidratos que do forma e estrutura s bactrias e so respons-veis pela proteo osmtica. A parede das bactrias Gram negativas, por sua vez, apresenta peptidoglicanos e lipopolissacardeos (LPSs). O espao entre a membrana citoplasmtica e a camada de LPS denominado espao pe-riplsmico. Os peptidoglicanos precisam ser ligados de forma cruzada para compor a parede.

    Embora o mecanismo de ao da penicilina ainda no tenha sido comple-tamente determinado, sua atividade bactericida inclui a inibio da sntese da parede celular e a ativao do sistema autoltico endgeno da bactria. A ao da penicilina depende da parede celular que contm peptidogli-cano na sua composio. Durante o processo de replicao bacteriana, a penicilina inibe as enzimas que fazem a ligao entre as cadeias peptdicas, impedindo, portanto, o desenvolvimento da estrutura normal do peptido-glicano. Essas enzimas (transpeptidase, carboxipeptidase e endopeptidase) localizam-se logo abaixo da parede celular e so denominadas protenas ligadoras de penicilina (Penicillin-Binding Proteins PBPs). A habilidade de penetrar a parede celular e o grau de afinidade dessas protenas com a penicilina determinam a sua atividade antibacteriana. As bactrias, por sua vez, diferem entre si quanto ao tipo e concentrao de PBP e, conse-quentemente, quanto permeabilidade de suas paredes celulares ao an-tibitico. Assim, temos diferentes suscetibilidades bacterianas penicilina. Alm da ao sobre a parede celular, considera-se que a penicilina age na ativao do sistema autoltico endgeno da bactria, determinando a sua lise e consequente morte.

  • Antimicrobianos betalactmicos: penicilinas

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    Nesse contexto, a ao bactericida dos antibiticos betalactmicos requer: - Associao bactria;- Em Gram negativos, penetrao atravs da membrana externa e do espa-

    o periplsmico;- Interao com as PBPs na membrana citoplasmtica;- Ativao de uma autolisina que degrada o peptidoglicano da parede ce-

    lular.

    B - Estrutura molecular

    Trata-se de um grupo de antibiticos que contm o cido 6-aminopenicil-nico, tendo uma cadeia lateral ligada ao grupo 6-amino. O cido aminopenici-lnico formado pela ligao dos anis tiazolnico e betalactmico. O ncleo de penicilina o principal requisito estrutural para sua atividade biolgica. O rompimento em qualquer ponto desse ncleo resulta na perda completa da ao antimicrobiana da droga. A estrutura de suas cadeias laterais determina muitas das caractersticas antibacterianas e farmacolgicas.

    Figura 1 - Ncleo central das penicilinas

    C - Reaes adversas s penicilinas

    O principal efeito colateral dessa classe so as manifestaes de hipersen-sibilidade, que podem ser de pequena gravidade, destacando-se a urticria e outras erupes cutneas, ou de gravidade maior, apresentando-se como choque anafiltico, edema de glote e sndrome de Stevens-Johnson. Esses efeitos alrgicos so causados pela prpria penicilina, por produtos de de-gradao ou por impurezas remanescentes do processo de obteno. A ocor-rncia de efeitos de hipersensibilidade tardia muito mais comum do que as reaes graves imediatas.

    As penicilinas apresentam hipersensibilidade cruzada com outros betalac-tmicos (5 a 10% com cefalosporinas). Na prtica, se um paciente j apresen-tou reao alrgica a penicilinas, tambm pode t-la a outros derivados de penicilinas (cefalosporinas com maior frequncia, mas ainda carbapenmi-

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    cos ou monobactmicos). Por isso, a substituio por classe coirm em casos de alergia deve ser sempre cuidadosa.

    2. Classificao

    As primeiras penicilinas foram obtidas por meio da fermentao do Peni-cillium. Nesse processo, so produzidas vrias penicilinas (F, G, K, O e V), mas somente so utilizadas as penicilinas G e V, por serem mais ativas. As penicili-nas semissintticas originam-se de um processo laboratorial em que modifi-caes qumicas so introduzidas no radical bsico da famlia (introduo de radicais). As outras penicilinas (antiestafiloccicas e anti-Pseudomonas) so tambm consideradas semissintticas, porm com espectro diferenciado.

    Tabela 2 - Classificao das penicilinas

    Penicilinas naturais ou benzilpenicilinas- Penicilina G cristalina;

    - Penicilina G procana;

    - Penicilina G benzatina;

    - Penicilina V.

    Aminopenicilinas- Ampicilina;- Amoxicilina.

    Penicilinas resistentes s penicilinases- Oxacilina;

    - Meticilina.

    Penicilinas de amplo espectro- Ureidopenicilinas (mezlocilina, piperacilina);

    - Carboxipenicilinas (carbenicilina, ticarcilina).

    A - Penicilinas naturais

    As penicilinas naturais (benzilpenicilina ou penicilina G e penicilina V) so ativas contra muitos cocos Gram positivos, incluindo a maioria dos Staphylo-coccus aureus e S. epidermidis no produtores de penicilinases, estreptoco-cos, pneumococos de quase todos os grupos, Streptococcus viridans e algu-mas cepas de enterococos. So tambm ativas contra alguns bacilos Gram positivos, como Bacillus anthracis, Corynebacterium diphtheriae, Listeria mo-nocytogenes, alguns cocos Gram negativos como a Neisseria meningitidis e, ainda, alguns bacilos Gram negativos, como o Haemophilus influenzae. Muitos anaerbios Gram positivos, o Treponema pallidum e alguns anaer-bios Gram negativos, so sensveis a essas penicilinas. As Enterobacteriaceae e a Pseudomonas aeruginosa so sempre resistentes s penicilinas naturais.

    A benzilpenicilina ou penicilina G o antimicrobiano de eleio para mui-tas situaes clnicas. Com meia-vida plasmtica de apenas 20 a 50 minu-tos, deve ser administrada por via intravenosa ou intramuscular, a intervalos

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    muito curtos ou mesmo em infuso contnua. A utilizao de doses elevadas poder originar alguns desequilbrios eletrolticos porque a maioria das pe-nicilinas se apresenta sob a forma de sais sdicos ou potssicos. Quando uti-lizadas doses elevadas, particularmente em doentes com disfuno cardaca ou renal, esse aporte de sdio ou potssio deve ser considerado. A penicilina cristalina a nica disponvel para uso intravenoso. A penicilina G benzatina e a penicilina G procana so sais pouco solveis de penicilina G formulados exclusivamente para administrao por via intramuscular. A penicilina ben-zatina no tem boa concentrao no sistema nervoso central nem em tecido pulmonar, portanto no deve ser usada para tratamentos nesses stios. Desse modo, possvel manter concentraes sricas de penicilina G por perodos prolongados (at 24 horas para a penicilina procana e at 21 dias para a pe-nicilina benzatina). A penicilina V ou fenoximetilpenicilina um derivado da penicilina G resistente ao pH cido do estmago, o que torna possvel a sua administrao por via oral. No , contudo, recomendado seu uso no trata-mento de infeces graves, uma vez que sua atividade bactericida bastante inferior da penicilina G, e a sua biodisponibilidade bastante varivel.

    Tabela 3 - Penicilinas naturais: diferenas farmacocinticas relevantes

    Drogas Vias Intervalos

    Penicilina cristalina IV 4 a 6 horas

    Penicilina G procana IM 12 a 24 horas

    Penicilina G benzatina IM Dose nica, semanal ou mensal

    Penicilina V VO 6 horas

    Tabela 4 - Penicilina G cristalina espectro: microbiota relevante

    Estreptococos- Streptococcus pneumoniae;

    - Streptococcus pyogenes;

    - Streptococcus viridans.

    Enterococos (em associao a aminoglicosdeos)Anaerbios

    - Clostridium tetani;- Outros anaerbios;

    - Exceo: Bacteroides fragilis.

    Neisserias- N. meningitidis.

    Espiroquetas- Lepstospira sp.;- Treponema pallidum.

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    Tabela 5 - Penicilina G cristalina: uso clnico relevante

    - Infeces de pele e partes moles: erisipelas e celulites;

    - Meningites por N. meningitidis e S. pneumoniae com sensibilidade comprovada;- Pneumonias comunitrias em reas de baixa resistncia de pneumococos;

    - Endocardites;- Neurossfilis.

    Tabela 6 - Penicilina G procana: em desuso (IM, 12/12h)

    - Pouca utilizao atualmente.

    Tabela 7 - Penicilina G benzatina: nvel srico por 2 a 4 semanas

    Usos- Tratamento de sfilis, exceto neurossfilis, pois no atravessa a barreira hematoen-

    ceflica (Tabela 2);

    - Profilaxia na febre reumtica;

    - Profilaxia de erisipela em pacientes com insuficincia vascular perifrica e erisipela de repetio.

    Tabela 8 - Tratamento da sfilis adquirida

    Estadiamentos Tratamentos

    Primria Penicilina G benzatina 2.400.000UI, IM, dose nica (1.200.000UI, IM, em cada glteo).

    Secundria e latente precoce (com menos de 1 ano de evoluo)

    Penicilina G benzatina 2.400.000UI, IM, 1x/semana, por 2 semanas (dose total de 4.800.000UI).

    Terciria ou latente tardia (com mais de 1 ano de evoluo) ou com dura-o ignorada

    Penicilina G benzatina 2.400.000UI, IM, 1x/semana, por 3 semanas (7.200.000UI, IM, em cada glteo).

    NeurossfilisPenicilina cristalina, 3 a 4.000.000UI, IV, 4/4h, 10 a 14 dias.

    Tabela 9 - Penicilina V (fenoximetilpenicilina)

    - Absoro por via oral comparvel biodisponibilidade intravenosa varivel;

    - Com o surgimento das semissintticas, est em desuso;

    - Intolerncia gastrintestinal como fator limitante na prescrio.

    B - Aminopenicilinas

    A ampicilina foi o 1 frmaco deste grupo a ser comercializado. A amoxicilina difere da ampicilina apenas pela presena de um grupo hidroxila na sua mol-cula. mais bem absorvida que a ampicilina quando administrada por via oral, e a sua biodisponibilidade no alterada pelos alimentos, apresentando-se assim com vantagens sobre o outro frmaco. Alm disso, seu espectro de ati-vidade idntico ao da ampicilina. As aminopenicilinas so resistentes ao pH cido do estmago, o que permite a sua administrao por via oral.

  • Antimicrobianos betalactmicos: penicilinas

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    As penicilinas semissintticas apresentam um espectro de atividade que inclui, alm de cocos Gram positivos, um nmero significativo de bactrias Gram negativas, como o Haemophilus influenzae e vrias cepas de E. coli, Proteus mirabilis, Salmonella e Shigella. So habitualmente resistentes quase totalidade dos estafilococos produtores de betalactamases, outras En-terobacteriaceae, Bacteroides fragilis e Pseudomonas. A ampicilina mais ativa contra Enterococcus e H. influenzae do que a penicilina G.

    Atualmente, uma porcentagem significativa de E. coli resistente ampici-lina e amoxicilina. Por isso, na prescrio (teraputica emprica) a doentes com infeco urinria, o conhecimento do padro de sensibilidade aos anti-microbianos dever ser considerado.

    Tabela 10 - Aminopenicilinas: indicaes e reaes adversas

    IndicaesTratamento de infeces respiratrias, exacerbaes da bronquite crnica e otites, habitualmente causadas por estreptococos ou Haemophilus e, ainda, infeces uri-nrias e gonorreia.

    Reaes adversasAlm das j referidas na introduo s penicilinas, destacam-se as nuseas e a diar-reia, que podem aparecer com alguma frequncia. A ampicilina e a amoxicilina induzem comumente a erupes cutneas, que no so, contudo, descritas como resultado de uma verdadeira alergia s penicilinas.

    Tabela 11 - Aminopenicilinas: espectro relevante

    - Streptococcus;- Enterococcus;- Neisseria;

    - Salmonella;

    - Haemophilus;- Listeria;- Enterobactrias.

    Tabela 12 - Ampicilina: usos clnicos mais frequentes

    - Meningite bacteriana;- Enterococcia (em associao a aminoglicosdeo);

    - Tratamento de portador-so de Salmonella typhi;

    - Infeco por L. monocytogenes.

    C - Penicilinas resistentes s penicilinases ou antiestafiloccicas

    Aps a introduo das penicilinas naturais, o surgimento de cepas de es-tafilococos produtores de betalactamases limitou a utilizao dessas peni-cilinas para infeces por esse agente. O mercado foi, ento, em busca de um derivado de penicilina que tivesse um anel resistente degradao pela

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    Guia de Antibioticoterapia

    penicilinase. Na dcada de 1970, foram lanadas as chamadas penicilinas an-tiestafiloccicas, resistentes ao enzimtica da betalactamase. O principal representante no Brasil a oxacilina.

    Tabela 13 - Oxacilina

    - Atividade diminuda para os outros cocos Gram positivos;

    - Sem espectro de ao para bacilos Gram negativos.

    - Dose: Sempre IV; De 150 a 200mg/kg/d; Concentrao adequada no sistema nervoso central em pacientes com a barreira

    hematoliqurica inflamada; No h formulao oral disponvel no Brasil (dicloxacilina). Assim, uma opo te-

    raputica oral para infeces estafiloccicas de menor gravidade seriam as cefa-losporinas de 1 gerao (cefalexina).

    Tabela 14 - Uso clnico

    Estafilococcia comunitria grave- Impetigo;

    - Celulites;

    - Broncopneumonia;

    - Osteomielite;

    - Meningites;- Artrite sptica;

    - Endocardite;- Sepse.

    Nas dcadas de 1980 e 1990, a resistncia aos Gram positivos surgiu como um grande problema nas infeces hospitalares.

    Os estafilococos produzem betalactamase (penicilinase), codificada por plasmdio, que os torna resistentes s penicilinas naturais. A meticilina e as isoxazolilpenicilinas so resistentes a essa penicilinase. Tais estafilococos so chamados de meticilino-sensveis (MSSA) ou oxacilino-sensveis (OSSA).

    Estafilococos MSSA so frequentemente cepas comunitrias, e a droga de escolha para infeces causadas por essas cepas a oxacilina.

    A resistncia dos estafilococos meticilina e oxacilina acontece por mu-tao cromossmica e alterao de PBP. Estafilococos meticilino-resistentes (MRSA) so frequentemente cepas hospitalares; s infeces causadas por elas, indica-se o tratamento com glicopeptdios (vancomicina ou teicoplani-na) ou linezolida.

    D - Penicilinas de amplo espectro ou anti-Pseudomonas

    No Brasil, as formulaes disponveis das penicilinas anti-Pseudomonas so sempre associadas a inibidores de betalactamase. A ticarcilina (no dis-ponvel no Brasil) e a piperacilina so as mais utilizadas.

  • Antimicrobianos betalactmicos: penicilinas

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    E - Penicilinas combinadas com inibidores de betalactamase

    Os inibidores de betalactamase so betalactmicos com pouca atividade antibitica direta. Agem como inibidores por competio: ligam-se enzima como substrato e a tornam indisponvel para se ligar a outro betalactmico ativo. So terapeuticamente equivalentes, apesar de haver pequenas dife-renas de potncia e farmacocintica. Os principais utilizados no Brasil so o clavulanato, o sulbactam e o tazobactam. O espectro de ao varia conforme a combinao utilizada:

    - A associao de amoxicilina a inibidor de betalactamase (amoxicilina-cla-vulanato) amplia o seu espectro para H. influenzae resistentes, S. aureus, Neisseria sp. e anaerbios;

    - A combinao ampicilina-sulbactam apresenta atividade antimicrobiana muito semelhante apresentada pela associao amoxicilina-clavulanato, mas apresenta excelente atividade in vitro contra Acinetobacter bauman-nii. Excepcionalmente nessa circunstncia, a atividade antimicrobiana do composto se deve ao sulbactam, que no apresenta atividade antimi-crobiana importante contra outras espcies bacterianas. Da mesma for-ma, outros inibidores de betalactamase (clavulanato e tazobactam) no apresentam atividade antimicrobiana contra Acinetobacter baumannii. Mesmo cepas resistentes a carbapenns, quinolonas e aminoglicosdeos podem ser sensveis in vitro ampicilina-sulbactam. Apesar de recente-mente ter sido descrito seu uso para casos de A. baumannii multirresis-tente, so necessrios estudos clnicos para estabelecer o papel desse composto no tratamento de infeces por essa bactria, especialmente se multirresistente;

    - A combinao ticarcilina-cido clavulnico apresenta atividade contra Pseudomonas, anaerbios e enterococos;

    - A combinao piperacilina-tazobactam apresenta atividade contra Pseu-domonas, anaerbios e enterococos.

    Tabela 15 - Combinaes de betalactmico: inibidor de betalactamase e respectivas indicaes clnicas

    Combinaes Indicaes clnicas

    Amoxicilina-clavulanato (Clavulin)

    Empregado na Otite Mdia Aguda (OMA) em crianas, sinusite, faringoamigdalite, exacer-bao aguda da bronquite crnica, mordedura de animais com infeco secundria, infeces de partes moles com tecido necrtico, estafi-lococcia, infeces ginecolgicas e infeces intra-abdominais.

    Ampicilina-sulbactam (Unasyn)

    Ao contra Acinetobacter baumannii. Bom espectro de uso para infeces abdominais hospitalares, tambm por ao contra outros Gram negativos e anaerbios.

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    Guia de Antibioticoterapia

    Combinaes Indicaes clnicasTicarcilina-cido clavulnico (Timen-tin). No disponvel no Brasil

    Infeces abdominais e pneumonia adquirida em ambiente hospitalar.

    Piperacilina-tazobactam (Tazocin)Infeces abdominais e pneumonia adquirida em ambiente hospitalar.

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    CAPTULO 4 Antibiticos betalactmicos: cefalosporinas

    1. Introduo

    As cefalosporinas constituem um grupo de antimicrobianos semissintti-cos, cujo ncleo ativo o cido 7-aminocefalospornico, constitudo por um anel betalactmico ligado a um anel deidrotiaznico. Apesar da semelhana qumica com as penicilinas, a presena desse anel confere s cefalosporinas maior estabilidade perante as betalactamases que habitualmente inativam as penicilinas naturais.

    O cido 7-aminocefalospornico foi isolado em 1961, em culturas do fungo Cephalosporium, e a partir dele foram produzidas inmeras cefalosporinas semissintticas, com grande importncia mdica at hoje. As drogas dessa classe esto entre as mais prescritas para tratamento anti-infeccioso, pela sua ampla gama de indicaes clnicas, sua baixa toxicidade, comodidade po-solgica e perfil farmacocintico favorvel.

    As cefalosporinas sofreram manipulaes laboratoriais ao longo do tempo, com adio e substituio de radicais ligados a seu ncleo principal, o que re-sultou em ampliao progressiva de atividade antibacteriana. A manipulao de radicais no carbono 7 do ncleo principal leva a alteraes no espectro de ao e na resistncia hidrlise por betalactamase, enquanto a manipula-o de radicais no carbono 3 provoca alteraes de meia-vida e penetrao tecidual.

    2. Classificao

    De acordo com a evoluo cronolgica dessas modificaes, as cefalospori-nas foram classificadas em geraes, enumeradas de 1 a 4 (recentemen-te, com lanamento de uma 5 gerao), que agrupam drogas de espectro de ao semelhantes.

    As cefalosporinas de 1 gerao tm atividade direcionada basicamente para Gram positivos. J as cefalosporinas de 2 gerao tm melhor ativida-de contra alguns Gram negativos em relao s de 1 gerao, e mantm a atividade contra cocos Gram positivos. Neste grupo, esto inclusas as cefami-cinas, notveis por sua atividade anaerobicida.

    As cefalosporinas de 3 gerao tm importante atividade contra Gram negativos, bastante superior das geraes anteriores. Em contrapartida, algumas drogas tm espectro reduzido para Gram positivos. Cefalosporinas de 4 gerao apresentam o maior espectro de atividade de todo o grupo, visto que resgatam a ao contra Gram positivos das 2 primeiras geraes, mantendo a ampla atividade contra bacilos Gram negativos obtida a partir da 3 gerao, inclusive contra cepas dotadas de mecanismos de resistncia

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    Guia de Antibioticoterapia

    a betalactmicos. O termo cefalosporina de 5 gerao surgiu com o apare-cimento do ceftobiprole, mas ainda no est consagrado como uma nova gerao. Essa droga ser descrita ainda neste captulo, ao final.

    Tabela 1 - Principais cefalosporinas em uso prtico no Brasil

    Uso IV Uso VO Indicaes clnicas

    1 gerao

    Cefazolina (Kefazol)Cefalotina (Keflin)

    Cefalexina (Keflex)

    Cefadroxila (Cefamox)

    Infeces causadas por S. aureus oxacilino-sensveis e Streptococcus, mais comumente em infeces de pele, partes moles, faringite estreptoccica; por sua moderada atividade contra E. coli, podem ser utilizadas para infeco do trato urinrio no complicada.

    2 geraoCefuroxima (Zinacef)

    Cefuroxima (Zinnat)Cefprozila (Cefzil)Cefaclor (Ceclor)

    Maior atividade contra H. influenzae, M. catarrhalis, N. meningitidis, N. gonorrhoeae. Utilizadas em tratamento de otites mdias, sinusites, ITU, infeces de pele, pneumonias.

    CefamicinasCefoxitina (Mefoxin)

    --

    Por sua boa atividade contra anaerbios, so indicadas para tratamento de lcera de decbito infectada, infeces intra--abdominais, plvicas, ginecolgicas, p diabtico e infeces mistas de partes moles.

    3 gerao

    Cefotaxima (Claforan)Ceftriaxona (Rocefin)

    Ceftazidima (Fortaz)

    --

    Infeces por bacilos Gram negativos suscetveis, infeces de feridas cirrgicas, pneumonias, infeces complicadas do trato urinrio; cefotaxima e ceftriaxona: meningites bacterianas; ceftazidima: atividade contra P. aeruginosa no passado, atualmente discutvel.

    4 geraoCefepima (Maxcef)

    --

    Conservam a ao contra Gram negativos, incluindo atividade anti-Pseudomonas, e apresentam atividade contra cocos Gram positivos, especialmente S. aureus oxacilino-sensvel.

    5 (?) gerao

    Ceftobipro-le (no dis-ponvel no Brasil)

    --

    Alm da ao contra Gram negativos descrita anteriormente pela 4 gerao, tambm tem ao contra Staphylococcus MRSA.

    3. Aspectos farmacolgicos

    Cefalosporinas so antimicrobianos betalactmicos, cuja ao bacteri-cida ocorre pela inibio das enzimas transpeptidases, responsveis pelas ligaes peptdicas que mantm a estrutura da parede celular bacteriana.

  • Antibiticos betalactmicos: cefalosporinas

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    Em consequncia, sintetizada uma parede defectiva e frgil, o que deter-mina lise da clula bacteriana. Por serem alvo de ao dos betalactmicos, as transpeptidases receberam o nome de protenas ligadoras de penicilinas (PBP do ingls Penicillin-Binding Protein). Em geral, as cefalosporinas tm maior afinidade pela PBP3.

    Sua atividade bactericida, e habitualmente ocorre efeito ps-antibitico por vrias horas para Gram positivos, porm o mesmo no ocorre para Gram negativos. So antimicrobianos tempo-dependentes, isto , sua melhor ativi-dade depende do tempo pelo qual a concentrao srica permanece acima da concentrao inibitria mnima para o agente em questo. A atividade pouco depende da concentrao srica mxima obtida.

    As drogas desse grupo apresentam, em geral, boa biodisponibilidade oral at 95% da dose administrada , e apenas a 4 gerao no conta com apre-sentao para uso por essa via. A estabilidade temperatura ambiente per-mite o uso intravenoso em infuso lenta e at mesmo contnua, o que otimi-za a ao dessas drogas, em virtude de sua caracterstica tempo-dependente. As formulaes parenterais esto disponveis, ainda, para uso intramuscular, quando a gravidade da infeco assim o permitir.

    As cefalosporinas se distribuem por praticamente todos os rgos e teci-dos, com boa penetrao tecidual, e tendem a permanecer no lquido inters-ticial e a impregnar as membranas, porm no atingem altas concentraes no meio intracelular, o que dificulta o seu uso para o tratamento de infeces por agentes intracelulares.

    Nenhuma das drogas de apresentao oral desse grupo atinge concentra-es teraputicas no liquor. O mesmo acontece com as cefalosporinas de 1 e 2 gerao, com exceo da cefuroxima, que por esta razo amplamente utilizada como profilaxia em neurocirurgia. J as cefalosporinas de 3 e 4 ge-rao atingem concentraes teraputicas no Sistema Nervoso Central (SNC) e esto bem indicadas para o tratamento de infeces nesse stio.

    A maioria das cefalosporinas no metabolizada e sofre excreo renal por meio de secreo tubular, de maneira que deve ter suas doses ajustadas em caso de disfuno renal. A ceftriaxona tem alto ndice de ligao proteica, por isso sofre eliminao preferencialmente heptica, pela via biliar. Essa carac-terstica refora seu uso no tratamento de infeces de vias biliares e intesti-nais. No entanto, a correo de dose s necessria quando h insuficincias heptica e renal concomitantes.

    4. Espectro de ao

    A maioria das drogas desse grupo tem boa atividade contra cocos Gram positivos. As cefalosporinas de 1 e 2 gerao so bem ativas contra os co-cos Gram positivos que habitam a pele e o trato respiratrio superior. Merece destaque a ao contra Streptococcus pyogenes. As de 1 gerao so teis, ainda, para o tratamento de infeces leves e moderadas por Staphylococcus

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    Guia de Antibioticoterapia

    meticilino-sensveis. Essa atividade antiestafiloccica diminuda para as cefalosporinas de 3 gerao especialmente a ceftazidima e volta a ser observada na 4 gerao.

    Ainda com relao aos cocos Gram positivos, chama a ateno a excelente atividade das cefalosporinas de 3 e de 4 gerao contra o Streptococcus pneumoniae, inclusive aqueles resistentes penicilina. Com essa caractersti-ca, destacam-se a ceftriaxona e o cefepima.

    A atividade contra Gram negativos torna-se expressiva a partir da 2 gera-o, cujas drogas so teis no tratamento de infeces do trato respiratrio alto, que envolvem Haemophilus influenzae e Moraxella catarrhalis. As meno-res concentraes inibitrias mnimas para essas bactrias so obtidas com as cefalosporinas de 3 gerao, que so, portanto, indicadas para o tratamento de infeces mais graves por esses agentes, como pneumonias e meningites. A partir da 2 gerao, obtm-se, tambm, espectro contra bactrias do gne-ro Neisseria, com mxima atividade na 3 gerao, o que torna a ceftriaxona droga de 1 linha no tratamento de infeces meningoccicas e gonoccicas.

    O maior espectro contra bacilos Gram negativos ocorre a partir da 3 gera-o, que tem excelente atividade contra enterobactrias (famlia Enterobac-teriaceae). Praticamente todas as cefalosporinas tm atividade contra Esche-richia coli, mesmo as de 1 gerao, que podem ser usadas em infeces no complicadas do trato urinrio baixo. Porm, infeces mais graves por E. coli ou por outras enterobactrias devem ser tratadas com cefalosporinas de 3 ou de 4 gerao. Essas drogas tm alta potncia contra bactrias dos gne-ros Citrobacter, Enterobacter, Serratia e Proteus e so teis no tratamento de infeces por Salmonella e Shigella.

    A ceftazidima e o cefepima so altamente ativos contra Pseudomonas ae-ruginosa sensveis e fazem parte da 1 linha de opes para o tratamento de infeces por esse agente. Entre as cefalosporinas de uso habitual no Brasil, somente elas tm tal atividade contra Pseudomonas que permita seu uso seguro para tal fim. O uso de ceftazidima para infeces causadas por Pseu-domonas hospitalar deve ser atualmente evitado, dada a grande incidncia de resistncia desta bactria ceftazidima recentemente. A associao de ceftazidima a um aminoglicosdeo (habitualmente amicacina) para sinergis-mo foi muito usada em passado recente para cobertura de Pseudomonas hospitalar, mas no tem mais a mesma ao atualmente.

    Vrias cefalosporinas so ativas contra cocos Gram positivos anaerbios, como peptoestreptococos, o que faz das drogas de 2 gerao escolhas para profilaxia em cirurgias de cabea e pescoo, dadas suas atividades contra Gram positivos de pele, Gram negativos do trato respiratrio e anaerbios da cavidade oral. A cefuroxima muito utilizada para esse fim em nosso meio. Porm, quando se trata de bacilos Gram negativos anaerbios, como Bacte-roides fragilis, somente as cefamicinas representadas pela cefoxitina tm atividade satisfatria.

  • Antibiticos betalactmicos: cefalosporinas

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    As cefalosporinas no possuem atividade contra os gneros Chlamydia, Le-gionella e Mycoplasma, visto que seu mecanismo de ao ligado sntese de parede celular ineficiente contra esses agentes, que no possuem essa estrutura com a composio tpica da maioria das bactrias.

    5. Mecanismos de resistncia

    So 4 os mecanismos de resistncia bacteriana s cefalosporinas:- Hidrlise por enzimas betalactamases;- Alterao estrutural do stio de ao (PBP), resultando em diminuio de

    afinidade;- Diminuio da permeabilidade da membrana externa por alterao das

    porinas;- Aumento do efluxo da droga por mecanismo ativo (bombas de efluxo).

    Em geral, a resistncia em uma dada populao bacteriana deve-se a um nico mecanismo, em contrapartida crescente o surgimento de cepas dota-das de mltiplos mecanismos de resistncia associados.

    A produo de enzimas que hidrolisam o anel betalactmico (betalacta-mases) o mecanismo de resistncia s cefalosporinas predominante da maioria das bactrias Gram negativas. Essas enzimas so produzidas no cito-plasma bacteriano e lanadas no espao periplsmico entre a membrana externa e a plasmtica , o que permite a elas hidrolisar as drogas antes que alcancem seu alvo: as PBPs.

    Quase todos os Gram negativos so capazes de produzir betalactamases. No entanto, o tipo e a quantidade de enzima produzida so variveis. Cada tipo de betalactamase tem afinidade e capacidade de hidrlise diferente em relao a cada droga do grupo. Alm disso, os Gram negativos podem dimi-nuir a permeabilidade da membrana externa penetrao de cefalosporinas, por meio da alterao da quantidade e do tipo de porinas, ou at mesmo atravs do efluxo da droga por processo ativo ATP-dependente. Desta forma, a sensibilidade final de uma bactria Gram negativa a determinada cefalos-porina a resultante da capacidade dessa droga em penetrar e permanecer no espao periplsmico, e sua estabilidade diante da inativao enzimtica pela betalactamase presente. Essa resultante explica os diversos perfis de sensibilidade de Gram negativos s diferentes cefalosporinas.

    Merecem destaque 2 tipos de betalactamases que tm as cefalosporinas como substrato: AmpC e ESBL.

    A - Betalactamase do tipo AmpC

    codificada por gene cromossmico que se encontra reprimido quando a bactria no est em contato com o antibitico substrato. Porm, quando a bactria exposta cefalosporina, esse gene rapidamente expresso, e inicia-se a produo enzimtica capaz de hidrolisar a droga em questo. A im-portncia prtica desse tipo de mecanismo de resistncia deve-se a 2 fatores:

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    Guia de Antibioticoterapia

    - Cepas dotadas dessa caracterstica podem gerar falsos perfis de sensibili-dade em antibiogramas, visto que o tempo de exposio ao antibitico no teste de laboratrio pode no ser suficiente para a ativao do gene e a produo de betalactamase em quantidade suficiente para a resistncia;

    - Falha teraputica durante o tratamento, pois a bactria envolvida pode apresentar resposta satisfatria ao tratamento com cefalosporina, mas tornar-se resistente na vigncia da droga por ativao do gene AmpC e por produo tardia de betalactamase.

    A produo de betalactamase do tipo AmpC tpica dos gneros Citro-bacter, Enterobacter, Serratia, Proteus, Providencia e Pseudomonas. Logo, infeces por essas bactrias podem ser tratadas com cefalosporinas, dada a alta atividade usual de tais drogas contra esses agentes, no entanto devem suscitar cautela na interpretao do antibiograma e ateno para a possibili-dade de falha teraputica.

    B - Betalactamase de espectro estendido

    A betalactamase de espectro estendido (ESBL, do ingls Extended-Spec-trum Beta-Lactamases) uma enzima cuja importncia provm de sua gran-de capacidade de hidrlise de cefalosporinas, inclusive de 3 e de 4 gerao, que habitualmente so mais estveis inativao enzimtica. Tem como pe-culiaridades a manuteno de sensibilidade s cefamicinas (cefoxitina) e a inativao por inibidores de betalactamase (clavulanato, tazobactam), carac-tersticas utilizadas nos testes de triagem realizados para sua deteco. Sua presena indica uso de outra classe de antimicrobianos para terapia como carbapenmicos e quinolonas em virtude da alta probabilidade de resis-tncia a todas as cefalosporinas, mesmo s que se mostrem ativas in vitro.

    Em termos epidemiolgicos, a importncia da ESBL reside no fato de que existem vrias formas dessa enzima cuja codificao plasmidial, isto , pode ser transmitida a bactrias de espcies e at mesmo gneros diferentes, o que resulta em disseminao de resistncia a cefalosporinas. A produo de ESBL foi detectada primariamente em Escherichia coli e Klebsiella pneumo-niae, porm j h descrio de sua presena em Pseudomonas aeruginosa, Proteus mirabilis e Enterobacter aerogenes.

    J os estafilococos produzem penicilinases, que tm pouca capacidade de hi-drolisar o anel cefmico. A resistncia dessas bactrias s cefalosporinas deve--se principalmente alterao de PBP com diminuio de afinidade pela droga. Esse tambm o mecanismo responsvel por resistncia s cefalosporinas em Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influenzae e Neisseria gonorrhoeae.

    6. Uso clnico das drogas da classe

    As doses das cefalosporinas de uso habitual no Brasil esto descritas na Tabela 2:

  • Antibiticos betalactmicos: cefalosporinas

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    Tabela 2 - Dose das cefalosporinas de uso habitual no Brasil

    CefalosporinaAdultos Crianas

    Dose usual Doena grave Dose usual

    1 gerao

    Cefazolina0,5 a 1g a cada 8 a

    12h2g a cada 6 a 8h

    12,5 a 33mg/kg a cada 6 a 8h

    Cefalotina 0,5 a 1g a cada 6h 2g a cada 4 a 6h 20 a 25mg/kg a cada 6h

    1 gerao via oral

    Cefalexina250 a 500mg a cada

    6h1g a cada 6h

    6,25 a 25mg/kg a cada 6h

    Cefadroxila 500mg a cada 12h 1g a cada 12h 15mg/kg a cada 12h

    2 gerao

    Cefuroxima 0,75 a 1,5g a cada 8h 1,5g a cada 8h12,5 a 60mg/kg a cada

    6 a 8h

    2 gerao via oral

    Cefaclor250mg a cada 8h ou 375mg a cada 12h

    500mg a cada 8h8,3 a 16,7mg/kg a cada

    8h

    Cefprozila250 a 500mg a cada

    12h500mg a cada

    12h7,5 a 15mg/kg a cada

    12h

    Axetilcefuroxima 250 a 500mg a cada

    12h500mg a cada

    12h10 a 15mg/kg a cada 12h

    Cefamicinas

    Cefoxitina 1 a 2g a cada 6h 2g a cada 4 a 6h20 a 25mg/kg a cada 4

    a 6h

    3 gerao

    Cefotaxima 1g a cada 8 a 12h 2g a cada 4 a 8h25 a 30mg/kg a cada 4

    a 6h

    Ceftazidima 1g a cada 8 a 12h 2g a cada 8h 30 a 50mg/kg a cada 8h

    Ceftriaxona 1g a cada 12h2g a cada 12h

    (SNC)50 a 100mg/kg a cada

    24h

    4 gerao

    Cefepima 1g a cada 12h2g a cada 12h2g a cada 8h

    (SNC)50mg/kg a cada 8h

    A - 1 gerao

    As cefalosporinas de 1 gerao que dispem de apresentao oral so drogas de escolha para o tratamento de infeces de partes moles de etio-logia habitualmente estreptoccica e estafiloccica quando leves ou mode-radas a ponto de permitir tratamento ambulatorial. Podem ser ainda usadas no shift para a via oral, para concluso do tratamento em pacientes que o iniciaram por via intravenosa, e devem mant-lo por tempo mais prolongado aps alta hospitalar, como no caso das piomiosites, dos abscessos drenados e das osteomielites. A desvantagem da cefalexina a posologia (de 6/6h),

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    Guia de Antibioticoterapia

    porm o cefadroxila permite o uso a cada 12 horas, portanto mais cmodo. No h atividade contra Pasteurella multocida, portanto no so indicadas no tratamento de infeces de partes moles relacionadas mordedura de co ou de gato.

    Por sua atividade contra Streptococcus pyogenes, podem eventualmente ser usadas em amigdalites purulentas, porm sua inatividade contra Hae-mophilus influenzae e Moraxella catarrhalis e pneumococos resistentes penicilina contraindica o uso em caso de sinusites, otites e pneumonias. Em todas essas situaes, as aminopenicilinas em especial a amoxicilina so mais indicadas.

    A despeito de sua atividade limitada contra Gram negativos, podem ser usadas no tratamento de infeces no complicadas do trato urinrio baixo, pois tm espectro adequado para E. coli multissensvel, principal agente des-sas infeces. Todavia, seu uso s est justificado nas situaes em que haja contraindicao a quinolonas (norfloxacino, ciprofloxacino), como gestao, dada a superioridade da ao dessas drogas contra E. coli e outros agentes de infeco urinria.

    As drogas de formulao parenteral cefazolina e cefalotina so alterna-tivas razoveis ao tratamento de infeces estreptoccicas e estafiloccicas extensas. Apesar da atividade superior da penicilina e da oxacilina, respec-tivamente, as cefalosporinas de 1 gerao podem ser vantajosas para uso intravenoso em pacientes que tenham restrio de volume como insufici-ncia cardaca e renal , uma vez que podem ser administradas em bolus em volume de diluio menor que as penicilinas. Podem ser consideradas em pacientes alrgicos penicilina, caso no tenha ocorrido reao grave.

    A cefazolina amplamente utilizada em nosso meio para profilaxia cirrgi-ca em cirurgias limpas ou de stios estreis, cujos agentes responsveis pela infeco da ferida operatria habitualmente pertencem flora da pele. Nes-se grupo, esto inclusas as seguintes cirurgias: pele no infectada; cabea e pescoo, em que no haja abordagem de mucosa ou do SNC; colecistec-tomia sem colecistite ou colangite; herniorrafias e plastias; mamoplastia e mastectomia; histerectomia vaginal e abdominal; parto vaginal ou cirrgico; cirurgias ortopdicas limpas (exceto reviso de artroplastia); cirurgia plstica; a maioria das cirurgias torcicas relacionadas ao pulmo; a maioria dos trau-mas; cirurgias vasculares sem gangrena, entre outras.

    B - 2 gerao

    As cefalosporinas de 2 gerao tm como principal caracterstica a sua ati-vidade aumentada contra Streptococcus pneumoniae, Haemophilus influen-zae e Moraxella catarrhalis, quando comparadas s de 1 gerao. Tal espec-tro as torna muito teis no tratamento de infeces do trato respiratrio, so-bretudo as de tratamento ambulatorial que exigem drogas de apresentao oral, como amigdalites, sinusites, faringites e epiglotites. As de apresentao

  • Antibiticos betalactmicos: cefalosporinas

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    parenteral podem ser opes, ainda, no tratamento de pneumonias e menin-gites (tambm ativas contra Neisseria meningitidis). Porm, nestas situaes, foram amplamente substitudas pelas drogas de 3 gerao, em virtude da superioridade das ltimas em relao a pneumococos resistentes penicili-na. Por isso,