RELATÓRIO TÉCNICO-CIENTÍFICOSOBRE OS REMANESCENTES DA
COMUNIDADE DE QUILOMBO BROTAS/ITATIBA-SP
Novembro/2004
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
2
SUMÁRIO
1. INTRODUÇÃO 03
2. QUILOMBO: o processo de ressemantização do termo 05
3. CONTEXTO: Itatiba e região 153.1 Caracterização do Município 153.2 História do Município de Itatiba 17
4. O SÍTIO DAS BROTAS 344.1. Caracterização do Quilombo Brotas 34
I. Planta do Sistema Viário do Município de Itatiba 35II. Mapa do Perímetro Urbano de Itatiba 36
4.2. Histórico da ocupação do território 37I. Mapa de Ocupação Histórica (1872-1900) 39II. Mapa de Ocupação Histórica (1900-1930) 40III. Mapa de Ocupação Histórica (1930-1974) 40IV. Mapa de Ocupação Histórica (1974-1977) 41V. Foto Aérea (década de 90) 41VI. Mapa de Ocupação Histórica (1978-1990) 42
4.3. Religião e Sincretismo: o caso do Terreiro de Umbanda da Tia Lula 46I. Mapa Histórico do Terreiro de Umbanda da “Tia Lula” 52
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS 53
6. BIBLIOGRAFIA 55
7. ANEXO 59I. M emorial Descritivo e Planta da área para reconhecimento 60II. Croqui de uso e ocupação do solo da área do Quilombo Brotas 61III. Quadro Genealógico do Quilombo Brotas 62IV. Documentos referentes à terra 63 V. Material Iconográficos (fotos de 1920-2004) 64VI. Estatuto da Associação Cultural do Quilombo Brotas 65
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
3
1. INTRODUÇÃO
Este Relatório Técnico-Científico1 é resultado de um trabalho de pesquisa
antropológica que objetivou verificar se o grupo populacional denominado Sítio
das Brotas, situado no município de Itatiba, Estado de São Paulo, constitui-se como
remanescente de comunidade de quilombo a fim de adjudicar-lhe o direito
previsto no artigo nº. 68 do Ato das Disposições Transitórias da Constituição
Federal de 1988, sob o enunciado: “Aos remanescentes das comunidades de quilombos
que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado
emitir-lhe os títulos respectivos”. Esta verificação segue os requisitos e critérios
estabelecidos pelo Grupo de Trabalho e pelo Grupo Gestor, em obediência ao
referido artigo 68, bem como aos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, Decreto
Federal 4887/2003 e ainda à legislação estadual: lei 9757/97 e os decretos
41.774/97 e 42.839/98.
Os membros do Quilombo Brotas ocupam seu território há mais de 120
sendo que essas terras foram compradas por Emília Gomes de Lima e Isaac de
Lima dois escravos libertos num lugar que existia um quilombo antigo. Assim
podemos afirmar que o Quilombo Brotas resiste por mais de dois séculos ao longo
dos quais diversas famílias negras encontraram, nesse local, um abrigo. As famílias
Lima e Barbosa é que permaneceram por mais tempo ocupando esse território. 1 A criação desta categoria de investigação denominada Relatório Técnico Científico, bem como os parâmetros que norteiam, são resultantes dos esforços do Grupo de Trabalho criado pelo Governo do Estado de São Paulo por meio do decreto nº 40.723, de 21 de março de 1996, que tinha por objetivo fazer proposições visando a plena aplicabilidade dos dispositivos constitucionais conferentes do direito de propriedade aos remanescentes das comunidades de quilombos em território paulista. O Grupo foi composto por representantes da Secretaria da Justiça e Defesa da Cidadania, Instituto de Terras do Estado de São Paulo “José Gomes da Silva”, Secretaria do Meio Ambiente, Procuradoria Geral do Estado, Secretaria de Governo e Gestão Estratégica, Secretaria de Cultura, Conselho de Defesa do Patrimônio Histórico, Arqueológico, Artístico e Turístico, Conselho de Participação e Desenvolvimento da Comunidade Negra no Estado de São Paulo, Subcomissão do Negro da Comissão de Direitos Humanos da Ordem dos Advogados do Brasil –Secção São Paulo e Fórum Estadual de Entidades Negras. Os trabalhos deste Grupo levaram à criação: a) do Programa de Cooperação Técnica e de ação conjunta para identificação, discriminação e legitimação de terras devolutas do Estado ocupadas por remanescentes de comunidades de quilombos visando sua regularização fundiária, implantando medidas sócio-econômicas, ambientais e culturais e b) de um Grupo Gestor para implementação do Programa. O Programa e o Grupo Gestor forma criados por meio do decreto nº 41.774 de 13 de maio de 1997.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
4
O pedido para o reconhecimento desse grupo como quilombo chegou até a
Fundação Itesp por meio da O.N.G. Fórum Pró Cidadania. Seus membros são
moradores de Itatiba que estão preocupados com o crescimento desordenado da
Cidade. O caso do Quilombo Brotas chamou atenção dessa O.N.G. devido à
destruição de uma área de mananciais que existe dentro do território desse
Quilombo.
O presente relatório buscou analisar dados obtidos tanto da pesquisa direta
com o grupo como de fontes secundárias levantadas por pesquisa documental e
iconográfico (um acervo de fotos antigas) de propriedade dos moradores do
Quilombo Brotas. Possibilitando a reconstrução da história da comunidade e o
resgate de sua origem étnica e da sua identidade grupal, esta última fundamentada
tanto pelas redes de sociabilidade calcadas no parentesco e nas relações de
trabalho e simbólicas que o grupo mantém com a área que ocupa. Assim a
reconstrução interpretativa do modo de vida da comunidade possibilitou nos
compreender como eles constroem coletivamente sua vida sobre uma base
geográfica, física e social formadora de uma territorialidade negra.
Colaborou na elaboração deste relatório Rose Leine Bertaco Giacomini que
tem capacidade e sensibilidade para não se prender aos limites de sua disciplina
(geografia). Participando ativamente de todas as etapas desta pesquisa: da busca
por documentos antigos até a construção do texto final deste relatório.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
5
2. QUILOMBO: o processo de ressemantização do termo
A Constituição Federal de 1988 instituiu no seu Ato das Disposições
Constitucionais Transitórias no Art. 68:
“Aos Remanescentes das Comunidades dos Quilombos que estejam ocupando suas terras é reconhecida a propriedade definitiva, devendo o Estado, emitir-lhes os respectivos títulos.”
O ato de nomeação oficial de um determinado seguimento social como
quilombo desencadeou um processo de criação de um novo sujeito político. Esse
processo tem início depois da tomada de conhecimento por parte destes grupos
negros dos novos direitos adquiridos pelo Art. 68, passando a cobrar do Estado
que a lei constitucional seja cumprida. Esse é o caso do Estado de São Paulo onde
comunidades negras rurais se organizam para garantir seu direito a propriedade
das terras que ocupam e reivindicam, lutando contra a especulação imobiliária e a
pressão dos fazendeiros ou contra o remanejamento de suas comunidades em
função de grandes empreendimentos, como as polêmicas barragens do Rio Ribeira
do Iguape, no Vale do Ribeira em São Paulo, assim, essas comunidades se
assumem como remanescentes de quilombos e exigem o respeito que lhes é
devido.
Em 1995, Ivaporunduva dá entrada em um processo junto ao Ministério
Público Federal para que fosse cumprindo o Art. 68 da Constituição Federal. O
governo paulista sensível à questão e buscando atender as solicitações da
sociedade civil cria um Grupo de Trabalho com o objetivo de fazer proposições
visando à plena aplicabilidade dos dispositivos constitucionais, que conferem o
direito de propriedade aos remanescentes das comunidades de quilombos em
território paulista. Tem início um esforço por parte do governo paulista para
identificar e reconhecer e titular as terras dos remanescentes de comunidades de
quilombos do Estado. Porém os técnicos responsáveis pelo estudo para o
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
6
reconhecimento desses grupos como remanescentes de comunidades de quilombo
se deparam com uma gama variada de situações de ocupação de terras que difere
do imaginário2 que circula em nossa sociedade associado à palavra quilombo. Até
mesmo o movimento negro dos grandes centros na sua representação associam
quilombo a isolamento, fuga/resistência, Zumbi e Quilombo dos Palmares. Porém,
quando percorremos essas comunidades negras rurais nos deparamos com uma
outra realidade, de que cada um desses grupos encerra uma experiência particular
de luta contra o escravismo. Com atitudes originais construíram um espaço
autônomo dentro do regime escravista que possibilitou a sua sobrevivência física e
cultural.
Ao logo do tempo foram vários os sentidos atribuídos ao quilombo não só
por parte do movimento negro como também da legislação colonial e da academia.
A seguir apresento um texto elaborado por técnicos da Fundação Itesp que
procuram discutir o “conceito de quilombo”.
*"Em 1740, reportando-se ao rei de Portugal, o Conselho Ultramarino
valeu-se da seguinte definição de quilombo: “toda habitação de negros fugidos,
que passem de cinco, em parte despovoada, ainda que não tenham ranchos
levantados e nem se achem pilões nele”. Essa caracterização descritiva perpetuou-
se como definição clássica do conceito em questão e influenciou uma geração de
estudiosos da temática quilombola até meados dos anos 70, como Artur Ramos
(1953), Edson Carneiro (1957) e Clóvis Moura (1959). O traço marcadamente
comum entre esses autores é atribuir aos quilombos um tempo histórico passado,
cristalizando sua existência no período em que vigorou a escravidão no Brasil, além
de caracterizarem-nos exclusivamente como expressão da negação do sistema
2 Teia de significados produzidos pelos homens e mulheres no decorrer da história (Geerz,1983) e que circulam na nossa sociedade a partir das narrativas, lendas, textos, memórias, iconografias e conversas docotidiano.* Este texto foi elaborado por Alessandra Schmitt, Maria Celina Pereira de Carvalho, Maria Cecília Manzoli Turatti que gentilmente autorizaram sua utilização neste relatório. Sendo que uma versão revista e atualizada foi publicada sobre o titulo: Atualização do Conceito de Quilombo: identidade e território nas definições teóricas. Revista Ambiente e Sociedade, ano V, nº 10. 1º semestre de 2002. São Paulo.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
7
escravista, aparecendo como espaços de resistência e de isolamento da população
negra.
Embora o trabalho destes autores seja importante e legítimo, ele não abarca,
porém, a diversidade das relações entre escravos e sociedade escravocrata e nem as
diferentes formas pelas quais os grupos negros apropriaram-se da terra. Flávio dos
Santos Gomes (1995:36), explicita tal diversidade ao forjar o conceito de “campo
negro”: “uma complexa rede social permeada por aspectos multifacetados que
envolveu , em determinadas regiões do Brasil, inúmeros movimentos sociais e
práticas econômicas com interesses diversos” .
No entanto, foi a produção científica ainda atada a exegeses restritivas e
pouco plásticas que subsidiou a luta política em torno das reivindicações da
população rural negra que, sofrendo expropriações incessantes, se colocava como
um segmento específico no palco dos movimentos sociais. Desta forma, a
denominação quilombo se impôs no contexto da elaboração da constituição de
19883.
Esta visão reduzida que se tinha das comunidades rurais negras refletia, na
verdade, a “invisibilidade” produzida pela história oficial, cuja ideologia,
propositadamente, ignora os efeitos da escravidão na sociedade brasileira
(GUSMÃO:1996) e, especialmente, os efeitos da inexistência de uma política
governamental que regularizasse as posses de terras de grupos e/ou famílias negras
após a abolição, extremamente comuns à época, conforme comprovam os estudos
de CARDOSO (1987).
Ao fazer a crítica do conceito de quilombo estabelecido pelo Conselho
Ultramarino, ALMEIDA (1999:14-15) mostra que aquela definição constitui-se
basicamente de cinco elementos: 1) a fuga; 2) uma quantidade mínima de fugidos;
3) o isolamento geográfico, em locais de difícil acesso e mais próximos de uma
“natureza selvagem” que da chamada civilização; 4) moradia habitual, referida no
termo “rancho”; 5) autoconsumo e capacidade de reprodução, simbolizados na
imagem do pilão de arroz. Para ele, com os instrumentos da observação etnográfica
3 Sobre o fortalecimento da organização política dos grupos negros e a incorporação da questão quilombola ao seu rol de reivindicações, v. Flávio dos Santos Gomes (1996:105).
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
8
“se pode reinterpretar criticamente o conceito e asseverar que a situação de
quilombo existe onde há autonomia, existe onde há uma produção autônoma que
não passa pelo grande proprietário ou pelo senhor de escravos como mediador
efetivo, embora simbolicamente tal mediação possa ser estrategicamente mantida
numa reapropriação do mito do” bom senhor “, tal como se detecta hoje em
algumas situações de aforamento” .
O autor exemplifica situações que contrariam esses cinco elementos da
definição, como o caso do quilombo Frechal, no Maranhão, localizado a cem
metros da casa grande, ou casos onde o quilombo esteve na própria senzala,
representado por formas de produção autônoma dos escravos que poderiam ocorrer
– e de fato ocorriam –, sobretudo em épocas de decadência de ciclos econômicos,
fossem agrícolas ou de mineração. Diversos trabalhos mais recentes a respeito de
comunidades negras com origem mais diretamente relacionada à escravidão têm
demonstrado que a economia interna desses grupos está longe de representar um
aspecto isolado em relação às economias regionais da Colônia, do Império e da
República.
Não obstante esta integração das formas mais ou menos autônomas de
atividades produtivas empreendidas pelos escravos à economia geral, é preciso
ressaltar que o trabalho livre sobre a terra não garantiu, de forma alguma, o acesso
dos ex-cativos a ela no momento posterior à Abolição. Ao contrário, a exclusão do
segmento populacional negro em relação à propriedade da terra foi
peremptoriamente estabelecida por meio de uma série de atos do poder legislativo
ao longo do tempo. Ainda durante a escravidão, a Lei de Terras de 1850, veio
substituir o direito à terra calcado na posse por um direito auferido via registros
cartoriais que comprovassem o domínio de uma dada porção de terra. O direito
legítimo adquirido através da posse efetiva é uma noção do “direito costumeiro”4,
que até hoje regeu a relação do campesinato tradicional com a terra, incluindo os
grupos camponeses negros.
Como já foi assinalado por outros autores·, os grupos que hoje são
considerados remanescentes de comunidades de quilombos se constituíram a partir
4 Conceito explicitado por Margarida Maria Moura (1988).
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
9
de uma grande diversidade de processos, que incluem as fugas com ocupação de
terras livres e geralmente isoladas, mas também as heranças, doações, recebimento
de terras como pagamento de serviços prestados ao Estado, simples permanência
nas terras que ocupavam e cultivavam no interior das grandes propriedades, bem
como a compra de terras, tanto durante a vigência do sistema escravocrata quanto
após a sua extinção.
Dentro de uma visão ampliada, que considera as diversas origens e histórias
destes grupos, uma denominação também possível para estes agrupamentos
identificados como remanescentes de quilombo seria a de “terras de preto”, ou
“território negro”, tal como é utilizada por vários autores5, que enfatizam a sua
condição de coletividades camponesas, definida pelo compartilhamento de um
território e de uma identidade.
A promulgação da constituição e a necessidade de regulamentação do Artigo
68 provocaram discussões de cunho técnico e acadêmico6 que levaram à revisão dos
conceitos clássicos que dominavam a historiografia sobre a escravidão, instaurando
a relativização e adequação dos critérios para se conceituar quilombo, de modo que
a maioria dos grupos que hoje, efetivamente, reivindicam a titulação de suas terras,
pudesse ser contemplada por esta categoria, uma vez demonstrada, por meio de
estudos científicos, a existência de uma identidade social e étnica por eles
compartilhada, bem como a antigüidade da ocupação de suas terras e, ainda, suas
“práticas de resistência na manutenção e reprodução de seus modos de vida
característicos num determinado lugar” 7.
Desta forma, o conceito de quilombo que norteia o trabalho desenvolvido
pela Fundação ITESP é aquele que foi produzido pela Associação Brasileira de
Antropologia (ABA) e ratificado pelo Grupo de Trabalho (vide nota de rodapé 1):
“toda a comunidade negra rural que agrupe descendentes de escravos vivendo da
5 Ver Almeida (1997/1998), Gusmão (1996.), Andrade, (1988) e Acevedo Marin (1995).6 Especialmente no III Encontro Nacional sobre Sítios Históricos e Monumentos Negros (Goiânia: 1992); na Reunião do Grupo de Trabalho sobre Comunidades Negras Rurais, da Associação Brasileira de Antropologia (Rio de Janeiro, outubro de 1994), e na reunião técnica “Reconhecimento de Terras Quilombolas Incidentes em Domínios Particulares e Áreas de Proteção Ambiental” (São Paulo, abril de 1997).7 Cfe. João Pacheco de Oliveira e Eliane Cantarino O’Dwyer. ABA, 1994.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
10
cultura de subsistência e onde as manifestações culturais têm forte vínculo com o
passado”.
Assim, em consonância com o moderno conceito antropológico aqui
disposto, a condição de remanescente de quilombo é também definida de forma
ampla e enfatiza os elementos identidade e território. Com efeito, o termo em
questão indica: “a situação presente dos segmentos negros em diferentes regiões e
contextos e é utilizado para designar um legado, uma herança cultural e material
que lhe confere uma referência presencial no sentimento de ser e pertencer a um
lugar específico”8. Ainda segundo a Associação Brasileira de Antropologia “o
termo não se refere a resíduos ou resquícios arqueológicos de ocupação temporal
ou de comprovação biológica. Também não se trata de grupos isolados ou de uma
população estritamente homogênea. Da mesma forma nem sempre foram
constituídos a partir de movimentos insurrecionais ou rebelados, mas, sobretudo,
consistem em grupos que desenvolveram práticas de resistência na manutenção e
reprodução de seus modos de vida característicos num determinado lugar ”9 .
Este sentimento de pertença a um grupo e a uma terra é uma forma de
expressão da identidade étnica e da territorialidade, construídas sempre em relação
aos outros grupos com os quais se confrontam e se relacionam. Estes dois conceitos
são fundamentais e estão sempre inter-relacionados no caso das comunidades
negras rurais, pois “a presença e o interesse de brancos e negros sobre um mesmo
espaço físico e social revela, no dizer de Bandeira, aspectos encobertos das
relações raciais” (GUSMÃO,1996:14). Estes aspectos encobertos aos quais a
autora se refere são a submissão e a dependência dos grupos negros em relação à
sociedade inclusiva, a qual forma um dia o escravo.
A identidade étnica é um processo de identificação de grupos em situações
de oposição a outros grupos. Frente a esta constatação, OLIVEIRA (1976) elaborou
a noção de identidade contrastiva para embasar as análises que têm como centro
interpretativo à identidade étnica de um grupo social. As situações de oposição
levam os grupos a elaborar os seus critérios de pertencimento e de exclusão.
Quando o confronto se estabelece entre um grupo minoritário e os brancos, 8 Garcia, José Milton, publicado em Quilombos em São Paulo: tradições, direitos e lutas, org. Tânia Andrade (1997:47).9 Documento da ABA, 1994.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
11
temos uma situação de submissão e dominação, de hierarquia de status, a qual o
autor denominou “fricção interétnica”. São justamente estas relações interétnicas
que se estabelece no convívio/confronto das comunidades negras com a sociedade
abrangente.
Ademais, esta submissão é sustentada por representações sociais que
justificam a inferioridade estrutural do grupo minoritário, as quais podemos
identificar como sendo racistas. É um racismo recalcado, escondido atrás de “um
sistema de valores que [...] tanto inibe manifestações negativas na avaliação ‘do
outro’ racial como estimula a apologia da igualdade e da harmonia racial entre
nós” (BORGES PEREIRA, 1996:76). A ocultação do racismo na sociedade
brasileira foi estimulada pelo discurso da democracia racial, da qual Gilberto Freyre
é um grande expoente, na década de 30, e que só começou a ser contestado na
década de 50 por Florestan Fernandes e Oracy Nogueira.
Em tal situação de desigualdade, os grupos minoritários reforçam suas
particularidades culturais e suas relações coletivas como forma de ajustar-se às
pressões sofridas, e é neste contexto social que constroem sua relação com a terra,
tornando-a um território impregnado de significações relacionadas à resistência
cultural. Não é qualquer terra, mas a terra na qual mantiveram alguma autonomia
cultural, social e, conseqüentemente, a auto-estima. Siglia Zambrotti DÓRIA (1985)
salienta que a identidade de grupos rurais negros se constrói sempre numa
correlação profunda com o seu território e é precisamente esta relação que cria e
informa o seu direito a terra.
A maior parte destes grupos que hoje vem reivindicar seu direito
constitucional o faz como um último recurso na longa batalha para manterem-se em
suas terras, as quais são alvo de interesse de membros da sociedade envolvente, em
geral grandes proprietários e grileiros, cuja característica essencial é tratar a terra
apenas como mercadoria. José de Souza MARTINS (1991:43-60) explicita as
características dessa relação dos homens com a terra, mediada pelo capital, em que
esta passa a ser “terra de negócio” em oposição à “terra de trabalho”. Em
conseqüência da cobiça que esta lógica de mercado despertou, os camponeses
foram pressionados com expedientes espúrios, tais como o auxílio do aparato
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
12
judicial e violência física direta, que agiram no sentido de negar-lhes o direito de
obter o registro legal de suas posses, invariavelmente muito mais antigas do que o
tempo mínimo requerido pela legislação para a sua transformação em propriedades.
Portanto, não se deve imaginar que estes grupos camponeses negros tenham
resistido em suas terras até os dias de hoje porque ficaram isolados, à margem da
sociedade. Pelo contrário, sempre se relacionaram intensa e assimetricamente com a
sociedade brasileira, resistindo a várias formas de violência para permanecer em
seus territórios ou, ao menos, em parte deles10 ”.
O texto acima marca uma fase dos trabalhos de identificação,
reconhecimento e titulação de áreas quilombolas pelo Governo do Estado de São
Paulo levada a cabo pela Fundação Itesp. Apesar de trazer algumas discussões que
continuam pertinentes sobre o tema, nos últimos anos as diferentes situações
encontradas por nós em relação aos grupos de quilombolas somados a aprovação
do Decreto Federal 4.887/2004 que define no seu Artigo 2º “Consideram-se
remanescentes das comunidades dos quilombos, para fins deste Decreto, os grupos étnicos-
raciais, segundo critérios de auto-atribuição, com trajetória histórica própria, dotados de
relações territoriais específicas, com presunção de ancestralidade negra relacionada com a
resistência à pressão histórica sofrida” provocaram um processo de ressemantização
do termo que gerou uma definição, mas abrangente que possibilitasse o
entendimento das mais diversas situações em que essas populações se encontram.
As discussões iniciais sobre o conceito de quilombo giravam em torno da
necessidade de ultrapassar a definição do período imperial sem cair em uma busca
por vestígios arqueológicos ou ainda perdendo-se nas várias definições existentes
no campo das Ciências Sociais para o conceito de “comunidade”11. Os primeiros
10 Muitas das comunidades rurais negras já pré-identificadas no Estado de São Paulo mantêm uma pequena parcela de seus territórios, estando o restante ocupado por fazendeiros ou posseiros, alguns destes últimos com o consentimento dos próprios grupos quilombola; os primeiros, entretanto, invariavelmente chegaram às terras em questão valendo-se da ingenuidade das comunidades ou mesmo da coerção física para apoderar-se dos territórios negros.11 G.A Hillery realizou uma pesquisa dentro das Ciências Sociais sobre os usos desse termo e encontrou 94 definições diferentes para comunidade. No Vale do Ribeira o termo comunidade é muito utilizados pelos quilombolas devido a influencia da Igreja Católica que ajudou esses grupos na sua luta pela terra, e não
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
13
estudos de comunidade nas Ciências Sociais no Brasil já nas décadas de 30 e 40
apontam para a existência de bairros negros situados nas áreas urbanas e
periféricas por onde surgem as escolas de samba, terreiros de candomblé e também
um campesinato negro, identificado como comunidades negras rurais. Esses
estudos introduziram as primeiras formulações sobre “grupo” como uma unidade
coesa, harmônica (ausência de conflitos) e como uma cultura isolada contribuindo
para uma a visão idealizada e estática da vida coletiva, da tradição e da história
desses grupos.
Como defende Ilka Boaventura (2004):
“Para além de uma identidade negra colada ao sujeito ou por uma cultura congelada no tempo, que deve ser tombada pelo patrimônio histórico e exposta à visitação pública, a noção de coletividade é o que efetivamente conduz ao reconhecimento de um direito que foi desconsiderado, de um esforço sem reconhecimento ou resultado, de um lugar tomado pela força e pela violência. Coletividade no sentido de um pleito que é comum a todos, que expressa uma luta identificada e definida num desdobrar cotidiano por uma existência melhor, por respeito e dignidade. É aí por onde a cidadania deixa de ser uma palavra da moda e passa a produzir efeito no atual quadro de desigualdades sociais no Brasil”(2004:11).
Assim nesse trabalho estaremos utilizando uma definição de quilombo
elaborada por nós tendo como referencia a definição da ABA12 e a presente no
texto do Decreto Federal 4.887. Ressalto que essa definição tem apenas por objetivo
facilitar a operacionalização de nosso trabalho, pois o processo de ressemantização
do termo quilombo ainda está em curso.
Dessa forma, definimos os quilombos como sendo grupos étnicos,
predominantemente constituídos pela população negra rural ou urbana e que se
autodefinem como tal a partir das relações com a terra, o parentesco, o território, a
devido ao fato deles se apresentarem como uma comunidade ou até considerarem-se como fazendo parte de uma.12 Associação Brasileira de Antropologia.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
14
ancestralidade, as tradições e práticas culturais próprias. A luta desse povo inicia-
se com seus antepassados que foram trazidos da África como escravos, e hoje
lutam por um pedaço de terra onde possam viver de acordo com suas tradições.
Uma característica marcante é a ocupação do território de acordo com as relações
de parentesco centrado na figura de um ancestral comum.
É importante ressaltar que o debate em torno da questão quilombola em
São Paulo e no Brasil continua. Estamos presenciando a produção de uma nova
realidade criada pela captura da lei pelo movimento social. Sendo assim, se faz
necessário um diálogo entre Estado, juristas, acadêmicos e quilombolas para que
possamos aprimorar um instrumental necessário para tratar dessa temática.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
15
3. CONTEXTO: ITATIBA* E REGIÃO
3.1. Caracterização do Município
O município de Itatiba está situado, geograficamente na região Leste do
Estado de São Paulo, limitando-se ao norte com o Município de Morungaba; ao sul
com os Município de Jundiaí, Louveira e Vinhedo; a Leste com os Municípios de
Jarinu e Bragança Paulista e a Oeste com o Município de Valinhos.
O relevo é bastante acidentado, formado principalmente pela Serra da
Jurema, caracterizado por uma sucessão de morros e colinas possuindo uma altura
média de 732m. O solo em sua maioria é de massapé.
Itatiba situa-se na Bacia Hidrográfica do Rio Piracicaba fazendo parte da
sub-bacia do Rio Atibaia. O ribeirão Jacaré constitui-se num dos principais rios do
município junto com o rio Atibaia.
A área total do município de Itatiba é de 325km² com uma população de
87,220 hab. A maioria esmagadora da população está concentrada no perímetro
urbano 70.648hab em uma área de 39km².
O município de Itatiba insere-se na Região de Governo de Jundiaí, que é
vinculada a Região Administrativa de Campinas. Além, da ligação política e
administrativa a história de Itatiba está muito relacionada com desenvolvimento
desses dois municípios. O entorno de Itatiba se constitui no maior centro produtor
de uvas do país, destacando-se, ainda, as hortaliças, o morango e o caqui. Assim,
nesses municípios o setor agrícola baseado na pequena propriedade apresenta
relativa significância em termos de geração de renda e força de trabalho.
Diferentemente de seus vizinhos Itatiba tomou como modelo para seu
desenvolvimento a cidade de Campinas condicionando suas tendências de
* Vocábulo da língua Tupi que significa ita = pedra e tiba= muita. Ou seja, lugar de muita pedra.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
16
desenvolvimento a periferia do processo mais geral de formação da metrópole de
Campinas. Assim, o modelo de desenvolvimento adotado pela cidade de Itatiba
como outras cidades brasileiras buscou incentivar o setor industrial e valorizar o
espaço “urbano” ao mesmo tempo em que tende a desqualificar e anular a
importância do “rural”. Segundo Wanderley(2003):
“Dependendo da ‘cidade’ o rural se caracteriza pela ausência do poder público no seu espaço e mesmo a ausência da grande maioria dos bens e serviços, naturalmente concentrados nas áreas urbanas mais densamente povoados. A idéia de ‘rural melhor’ é pouco assimilada. O rural quando melhora torna-se urbano”(pg.01).
O setor rural acaba tendo pouco estimulo por parte do poder público
obrigando levas de trabalhadores a migrar para o centro urbano do município ou
outros municípios vizinhos em busca de trabalho. Apesar de várias indústrias
instaram-se em Itatiba atraídas pelos incentivos fiscais o aumento de empregos não
ocorreu como esperado, pois as empresas trouxeram seus próprios profissionais
restando para os moradores do Município de Itatiba, com pouco estudo e sem
qualificação profissional, apenas serviços como os de segurança, porteiro,
faxineira, etc. O deslocamento da população da área rural para urbana somado a
outros fatores provocou um inchaço na área urbana do município de Itatiba.
Segundo dados do último censo mais de 80% da população do município encontra-
se na área urbana.
O Município Itatiba é famoso pela sua indústria de móveis, porém nos
últimos anos o setor que tem aquecido sua economia é o imobiliário. Esse é um
outro fator que tem favorecido o inchaço urbano e o crescimento desordenado do
Município. O deslocamento de levas de paulistanos em busca de uma melhor
“qualidade de vida” que elegeram essa cidade como seu lugar de moradia levando a
uma valorização das terras e um crescimento da Cidade. Assim, fazendas inteiras
são loteadas, matas derrubadas e o esgoto vêm sendo jogados sem tratamento nos
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
17
rios do Município. Todo esse processo tem preocupado uma parte da sociedade
itatibense. No Jornal Folha de Itatiba13 o Juiz eleitoral Dr. Ezaú Messias dos Santos
alerta para o “crescimento desgovernado” da cidade: “Acredito que se continuar
assim, Itatiba terá problemas. É preciso que as autoridades do Executivo e do
Legislativo amparem esse crescimento para que ele seja ordenado. Não se pode
esquecer da população que nasceu aqui e quer viver bem”.
Porém, um outro grupo de moradores e políticos da cidade entendem todo
esse processo como “desenvolvimento” e qualquer um que se oponha a ele torna-se
um obstáculo ao progresso do município. É o caso do Quilombo Brotas que está
situado em uma área valorizada que foi e é alvo de projetos municipais como a
construção da Malha Viário da Cidade que corta o seu território (ver mapa anexo
VIII) e, a transformação dele em área de lazer.
Para podermos entender melhor a relação que Itatiba mantém com sua
população negra, mais especificamente, com os membros do Quilombo Brotas
temos que conhecer um pouco de sua história.
3.2. História da ocupação do Município de Itatiba
Os primeiros habitantes do município foram os índios Guarulhos grupo
cultural dos Guaianazes da etnia Guarani. No século XVI (início da colonização) o
território paulista era ocupado por diversas tribos, representantes das duas
maiores etnias: os Tupis ou Tupinambás e os Guaranis. Segundo John Manuel
Monteiro (1995), antes de 1666 o rio Atibaia era o último refúgio de índios
Guarulhos. Esses índios fugiam de fazendas localizadas ao redor de São Paulo.
“E foi justamente nesse movimento de fuga que os Guaranis –mais especificamente aqueles da tribo dos Guarulhos –chegaram ao território ainda inabitado de Itatiba. Vivendo da caça e da pesca, era natural que esses índios buscassem um
13 Jornal do dia, 01 de novembro de 2002. Caderno do Município pág. 06
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
18
grande curso d’água que pudesse lhes proporcionar bom alimento. Assim muitos deles vieram para as margens do Rio Atibaia” (Camargo, 2004:10).
Nessa época Itatiba não existia como cidade. Na região existiam apenas as
Vilas de Jundiaí, Atibaia e São Carlos (atual Campinas) o restante era considerado
sertão que era habitado pelos índios. Até o começo do século XIX essas terras
foram desprezadas, pois eram consideradas perigosas por esconder índios. A
agricultura de exportação era inviável devido à distância dos mercados e custos
para instalação e manutenção. “O deslocamento requeria muitas mãos, e o
estabelecimento no sertão, muitos homens armados para assegurar as terrenos invadidos
das tentativas de reconquista por parte dos índios”(Corrêa,1997:61).
A cidade mais antiga da região é Jundiaí, cujo povoamento teve início, por
volta de 1651. O território da vila era muito extenso englobando a cidade de
Itatiba. Em meados do século XVIII, ocorre uma expansão da economia que
proporcionaria a formação do chamado quadrilátero do açúcar, marcando pelas
regiões de Sorocaba, Piracicaba, Mogi-Guaçu e Jundiaí. O que levou a um aumento
do contingente de mão de obra escrava na região.
Segundo Luís Soares de Camargo14, no final do século XVIII, com a
decadência das minas de ouro muitos homens retornam para as suas cidades de
origem. Porém, a situação em Jundiaí não era das melhores, pois a única forma de
sobrevivência era agricultura. “Mas, grande parte das terras já estavam na posse de
grandes fazendeiros. Especialmente para os jovens que formavam novas famílias, não havia
outra solução senão aquela de se aventurar por terras ainda não
desbravadas”(Camargo,2004:11). Nessa fase Jundiaí viveu um momento de grande
expansão da sua área cultivada levando a formação de novos bairros rurais. Em
1786, surgiu um novo bairro no sertão de Jundiaí: “o Bairro de Atibaya que recebeu
esta denominação por estar localizado nas proximidades do rio de mesmo nome. Chamado
14 Historiador da Pontifícia Universidade Católica de São Paulo que escreveu sobre a história da cidade de Itatiba e a imigração. Em um artigo publicado no Jornal de Itatiba do dia 14 de março de 2004 apresenta uma nova versão para a fundação da Cidade de Itatiba.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
19
depois de “Belém” ou “Belém de Jundiaí”, hoje é o município de
Itatiba!”(Camargo,2004:11).
A fundação de Itatiba é um tema polemico que tem gerado uma certa
rivalidade entre os historiadores da cidade. Geralmente os debates giram em torno
da data de sua fundação quando os primeiros colonizadores chegaram a região.
Alguns defendem que isso se deu por volta de 1804 ou 1805 já para o historiador
Luís Soares de Camargo seria em 1786. Neste trabalho adotei a versão do
historiador Luís Soares de Camargo que pela pesquisa que realizai no arquivo
público de São Paulo parecer ser a mais coerente. Porém o que interessa nesse
trabalho não é a data de fundação da Cidade de Itatiba, mas quem eram os
primeiros habitantes dessa região: brancos, negros, índios? Como chegaram a esse
lugar e por que fixaram residência ali?
Segundo Diloca Ferraz Sangiorgi:
“Itatiba era um vasto sertão, rico em matas cerradas, fertilíssimas, cortado pelo rio Atibaia. Contaram os primeiros narradores que vários fugitivos (porque eram criminosos) desejavam escapar da justiça das vilas de Atibaia e de Santo Antonio da Cachoeira, atual Piracicaba. Esses fugitivos esconderam-se nestas plagas, embrenhando-se nas densas florestas. Descobertos pela escolta comandada por Lourenço Leme, houve combate no qual morreram vários criminosos e alguns soldados. Os delinqüentes que conseguiram escapar, fugiram e guiados por Salvador Lopes, formaram num núcleo residencial que se chamou Bairro dos Lopes”(Sangiorgi,1969:65).
Os soldados que retornaram as sua vilas levaram a notícia da descoberta
de terras em um local onde o solo era rico e fértil. Essa notícia teve grande
repercussão na região provocando o surgimento de correntes migratórias tanto de
Atibaia como de Jundiaí. Segundo Sangiorgi foi assim que os primeiros moradores
chegaram as terras de Itatiba fundado um povoado. A autora cita o nome dos
primeiros moradores: “José Pereira, Joaquim de Moraes, cabo de ordenanças João de
Assunção, Manoel Francisco e Antonio Rodrigues da Silva” (Sangiorgi,1969:65). Essa
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
20
versão sobre a fundação de Itatiba é a mais aceita, mas levanta alguns
questionamentos como: Quem seriam os fugitivos? Que crimes cometeram?
Esses questionamentos somados as leituras e pesquisas que realizei no
Arquivo do Estado de São Paulo reforçaram a minha hipótese de que além dos
índios que foram os primeiros habitantes do município posteriormente vieram os
negros libertos e fugidos que chegaram a formar um quilombo na região.
Vários autores15 relatam a existência de negros aquilombados na região de
Jundiaí desde de o século XVIII. Maria Helena P.T. Machado, Quilombos em São
Paulo, relata vários casos de quilombos que existam na região de Jundiaí. Os casos
de escravos que se revoltavam contra o sistema escravista e fugiam formando os
quilombos eram tratados pelas autoridades da época como criminosos comuns.
Segundo Machado(2002), “ um regimento da Câmara de São Paulo, de 1733,
caracterizava o quilombo como o ajuntamento de ‘mais de quatro escravos vindos em matos
para viver neles, e fazerem roubos e homicídios”(pg.03). Analisando a versão
apresentada por Sangiorgi (1969), podemos supor que talvez esses “fugitivos”
pudessem ser escravos negros que fugiram de alguma fazenda e tentavam
embrenhar-se nos sertões de Jundiaí para buscar refugio ou encontrar com outros
negros ali aquilombados16. Provavelmente, eles devem ter se aliado aos índios o
que não era um fato totalmente estranho para a época17. A aliança entre negros e
índios aparecem em vários momentos na história de Itatiba. Ainda em 1840, o Juiz
de Paz de Itatiba relata a presença de índios que andavam sem destino pelas terras
itatibenses. “Esse mesmo documento deixa transparecer que esses índios eram aliados dos
15 Maria Helena P. T. Machado (2002), Flávio dos Santos Gomes (1997) e Suely Robles Reis de Queiroz (1977).16 Em uma outra versão para essa história com um pouco mais de detalhes afirma-se que esses “fugitivos” ocuparam a margem direita do rio Atibaia onde permaneceram durante meses explorando e cultivando o terreno. Até que foi formada uma escolta que os atacou e tiveram que fugir para a região que corresponde hoje ao município de Itatiba. O que nos interessa dessa versão é que esses “fugitivos” tinham realmente a intenção de se estabelecer naquele local.17 Queroz (19770) relata que em 1746 a associação entre quilombolas e índios carijós. “Ainda que então não fosse avultado o número de negros, os que haviam, associados a carijós e a outros marginalizados, procuravam fazer valer o seu protesto ante a escravidão” (pg.141).
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
21
ditos rebeldes e salteadores, que andavam promovendo desordens e roubos pelas fazendas de
Itatiba” (Camargo, 2004:11).
Segundo esse mesmo relato os “fugitivos” que sobreviveram ao ataque da
escolta enviada para captura-los embrenharam-se na mata guiados por Salvador
Lopes formaram um núcleo residencial que se chamou Bairro dos Lopes. Os maços
de população de 1786 uma boa parte dos moradores do Bairro Atibaia (atual
Itatiba) eram pardos e negros muitos deles libertos, existem várias pessoas com o
sobrenome Lopes todos pardos. Assim podemos supor que “os fugitivos” que
foram guiados por Salvador Lopes eram na verdade escravos fugidos que
fundaram um quilombo nos sertões de Jundiaí. Essa hipótese é reforçada pelo fato
que o bairro onde está localizado o Quilombo Brotas pertencia ao Bairro dos Lopes.
Os atuais moradores do Quilombo contam que quando seus antepassados
chegaram no Sítio das Brotas encontraram um rancho, potes de barro e um
monjolo que pertenciam aos escravos que viviam ali. Segundo eles ali existia um
antigo quilombo. Os negros costumavam assaltar pessoas nas estradas e fazendas
escondendo o produto do roubo no quilombo. Assim, eles afirmam terem
encontrado moedas antigas ao construírem o alicerce de uma casa; como também,
correntes e bolas de ferro usado pelos escravos. Uma das moradoras varrendo seu
quintal após um deslizamento de um barranco encontrou uma peça de 3,5 cm de
altura por 2,5 de largura (ver foto anexo nº95). Nessa peça foi aparentemente
esculpida ou moldada, em um material que parece ser pedra ou porcelana, a figura
de uma mulher de uma tribo africana.
O Bairro dos Lopes compreendia uma vasta extensão de terras que
correspondem hoje a diversos bairros do município de Itatiba entre eles o Bairro
das Brotas. Diloca Ferraz Sangiorgi, conta que no Bairro do Brotas, conhecido como
bairro das Brotas existia uma índia Rita Rodrigues e um negro livre de nome
Brotas que ajudavam escravos que fugiam das fazendas da região. Esses dois
personagens escondiam os negros num barracão em uma gleba de terra, que
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
22
segundo Sangiorgi, não tinha dono.18 A descrição feita por Sangiorgi da localização
desse quilombo indica que ele existiu onde hoje está situado o Quilombo Brotas.
Segundo a descendente da índia Rita Rodrigues, sua bisavó era muito amiga do
pessoal do Sítio das Brotas e foi ela quem vendeu aquela terra para os negros.
“Em 1900 o Brotas morava nesse agrupamento de pretos onde a Rita Rodrigues mandara construir perto de sua casa, uma capelinha, chegaram a haver nela batizados e casamentos. Ao redor da capela foram construídas novas residências e formou-se então o BAIRRO DO BROTAS”(SANGIORGI, 1969:113).
Segundo os moradores do Quilombo Brotas seus antepassados tinham por
tradição receber em seu sítio todas as pessoas que tinham problemas financeiros e
não tinha um lugar para morar. D. Maria19 conta que sua Avó Amélia costumava
ter casinhas de barrote vazias, mas sempre bem cuidadas que ela emprestava para
quem precisassem morar. “As pessoas ficavam morando aqui um tempo depois que
ajeitavam a vida delas iam embora”( fala de D. Maria). Ao indagar os moradores do
Quilombo Brotas a respeito de um negro de nome Brotas que teria morado no Sítio
obtive dois tipos de resposta: alguns dizem não saber nada a respeito outros dizem
que pode até ter vivido no Sítio, mas que talvez eles não o conhecessem por esse
nome. Pois, muitas pessoas no passado que moraram no Sítio não eram parente,
portando, eles não as conheciam direito.
A própria Diloca Ferras Sangiorgi chega a visitar20 o Bairro das Brotas e
constata a existência de uma capela primitiva construída, na colina, por Rita
Rodrigues e pelos pretos. Em uma conversa com a zeladora da atual Capela da
18 Porém, em uma conversa com uma descendente da índia Rita Rodrigues e de seu marido Francisco José Rodrigues fui informada de que essas terras pertenciam a essa família. Essa informação foi confirmada pelos registros de terra que encontrei no Arquivo do Estado de São Paulo, onde consta uma grande extensão de terras em nome da família Rodrigues no bairro dos Lopes. 19 Maria do Carmo tem 68 anos é uma das moradoras mais antigas do Quilombo Brotas. Ela é bisneta de Emília Gomes de Lima e Isaac de Lima. 20 A data dessa visita fica difícil de precisar. Pelas informações que pude coletar isso deve ter se dado na década de 50.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
23
Nossa Senhora das Brotas21 fui informada que existia uma capela antiga feita de
taipa e que ficava no topo de um morro próximo ao Sítio das Brotas, porém
quando as terras onde estava situada foram vendidas o novo proprietário parece
não ter gostado do movimento de pessoas no seu pasto que visitavam a capela e
resolveu desmancha-la deixando os santos espalhados pelo pasto. Um morador
antigo do Bairro das Brotas chamado Nadir ficou sensibilizado com aquela
situação e resolveu doar um pedaço de terra para a construção de uma nova capela
para abrigar aquelas imagens de santos. Essa capela existe até hoje e está situada
próxima ao córrego das Brotas fazem quase 50 anos que se encontra nesse mesmo
local. Os moradores do sítio Brotas contam que chegaram a conhecer a capela
antiga, e que iam a batizados e casamentos realizados ali.
A visita de Sangiorgi ao bairro das Brotas provavelmente ocorreu durante
a década de 50. Ela tentou chegar as barrocas (casas feitas de taipa dos negros que
viviam no quilombo), porém o acesso era muito difícil. Assim, ela termina sua
narração sobre a história do bairro das Brotas:
“O Brotas morreu idoso. Sabemos que aqui vivem alguns descendentes daqueles pretos do quilombo, mas são moços, talvez bisnetos daqueles e portanto nada podem informar. E o bairro do Brotas ficou se chamando Bairro das Brotas para todos os efeitos”(1969:113).
Proponho que deixemos de lado a polêmica referente ao bairro das Brotas
ou do Brotas. Voltando nossa atenção para duas questões importantes que nos
ajudam a entender a relação que a sociedade itatibense mantém com sua
população negra e especialmente do Quilombo Brotas. O que chamou a minha
atenção desde o início desta pesquisa foi o fato dos historiadores da cidade
concentrarem sua atenção em relação à data de fundação do Município de Itatiba
sem se preocuparem em saber quem eram os tais “fugitivos” primeiros moradores
21 Nossa Senhora das Brotas é uma santa portuguesa protetora dos olhos dágua. No bairro onde está localizada a capela brotam várias nascentes.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
24
da Cidade de Itatiba. As pessoas22 da cidade com quem conversei sobre o assunto
ficavam surpresas com a possibilidade desses fugitivos serem escravos fugidos.
Alguns chegaram a confessar que haviam pensado nessa hipótese, mas jamais
teriam coragem de afirmar isso em público devido à polêmica que poderia gerar.
Isso me levou a pensar e observar melhor a forma como os negros são tratados nos
relatos de historiadores de Itatiba. A própria Diloca Ferraz Sangiorgi, em seu livro,
ao referir-se ao negro Brotas diz o seguinte:
“Bem, voltemos ao Brotas que era preto no corpo, mas branco na alma, curava os infelizes e arranjava serviços para eles, na fazendinha do sr. Luiz Ribeiro, o qual era um homem compassivo que acolhia os escravos fugidos”(1969:112).
Caberia aqui algum comentário a respeito do preconceito que a
população negra tem enfrentado na Cidade de Itatiba, porém deixarei para faze-los
ao final desse capítulo. Pois pretendo relatar vários outros comentários e episódios
da história de Itatiba que irão compor o contexto no qual está inserido o Quilombo
Brotas.
Assim voltemos um pouco para a história da fundação de Itatiba. As
notícias de terras férteis nos sertões de Jundiaí geraram uma corrente migratória de
famílias que foram morar em Itatiba. Entre essas pessoas estavam Joaquim de
Moraes e José Pereira que povoaram os bairros que até hoje são conhecidos como
bairro dos Coutos e dos Pereiras. Neste período Itatiba tinha como comandante o
cabo de Ordenança João Assunção que vieram residir em Itatiba com a esposa e
seis filhos todos negros. A população de Itatiba nos anos de 1786 e 1789 era muito
diversificada existiam muitos negros (libertos), pardos (libertos) e brancos. A partir
de 1789 começam a surgir os primeiros fazendeiros brancos com escravos. A
produção era basicamente de subsistência sendo que essa situação começou a se
alterar em 1790 quando surgiram os primeiros engenhos de cana – de – açúcar.
22 Alguns historiadores e funcionários do museu da Cidade de Itatiba.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
25
Em 1814, foi construída a primeira capela no Bairro de Nossa Senhora do
Belém, onde hoje está localizado o bairro do Cruzeiro. Posteriormente, com o
aumento da população os habitantes resolveram construir uma Igreja. A
construção da Igreja também teve como propósito conseguir que Itatiba fosse
elevado à condição de Freguesia, pois pelas leis do Governo Imperial um povoado
só poderia ser elevado a condição de Freguesia se tivesse em sua área uma Igreja.
Assim, em 1827 no alto de uma colina foi construída a Igreja do Rosário. “O
reconhecimento do Império viria no dia 9 de dezembro de 1830, criando a Freguesia de
Nossa Senhora do Belém de Jundiahy”(Gabuardi,2004:15). O cemitério acabou sendo
construído ao redor da Igreja do Rosário e permaneceu nesse local durante anos
até que o Imperador D. Pedro II baixou uma lei que os cemitérios fossem
construídos longe das residências. Detalhe interessante é que por volta de 1960 a
Igreja doou uma parte desse terreno para a construção de uma caixa d’água para a
Cidade até que fosse construída uma estação de tratamento de água. E, até hoje, a
água que abastece a Cidade é tratada nesse local.
O aumento da lavoura canavieira ainda que de forma tímida provocou um
aumento da população. A Igreja do Rosário ficou pequena para abrigar todos os
fiéis. Assim, por volta de 1833, os moradores resolveram construir um templo
maior: a Igreja Matriz. Sua construção demorou 20 anos ficando pronta em 1853.
A fase da cana–de-açúcar foi interrompida pela introdução da cultura do
café, em 1836, já existiam fazendas de café com muitos escravos. Uma das maiores
foi à fazenda Nossa Senhora da Conceição que chegou a ter de 200 a 300 escravos.
Segundo Camargo (2002), Itatiba foi uma das maiores cidades em número de
escravos do Estado de São Paulo, em 1886, tinham 2.182 escravos para uma
população de 9.335 habitantes.
A cultura do café trouxe grandes transformações para a Freguesia tornando-
a conhecida e respeitada pelo governador da Província. Em pouco tempo a
produção de café chegou a 200 mil arrobas por ano. Em 1857, com o
desenvolvimento econômico proporcionado pelo café a Freguesia foi elevada para
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
26
Vila de Nossa Senhora de Bethlém de Jundiahy tornando-se politicamente
independente de Jundiaí. Foi constituída a primeira Câmara Municipal e as
discussões políticas passaram a fazer parte do cotidiano dos moradores. Os
dirigentes políticos planejaram a transformação da Vila em Cidade o que ocorreu
em 1876, passando a se chamar Cidade Belém de Jundiahy. Foi criada uma
coletoria de rendas gerais e provinciais tornado a Cidade inclusive
financeiramente, totalmente independente de Jundiaí. No ano seguinte os
vereadores resolveram mudar o nome da Cidade para Itatiba.
A produção de café continuou crescendo chegando, em 1876, na casa das
300 mil arrobas, a maior da região. O dinheiro gerado pele café trouxe uma série de
benefícios para a Cidade como a luz elétrica pública que chega em 1873, o telefone
(1893), o telégrafo (1888), inúmeros jornais, a primeira escola pública (1908). As
primeiras indústrias são fundadas por volta de 1893. Em 1929 com a quebra da
bolsa de Nova York e as mudanças geradas pela revolução de 1930 os fazendeiros
de café resolveram empregar seu capital em outros ramos de atividade. Com isso
novos ramos de indústrias foram implantados em Itatiba. Com maior destaque
para o setor têxtil. A partir de 1960 o setor industrial tomou novos rumos com o
surgimento de diversas fábricas de móveis colônias maciços. As fábricas de móveis
tiveram grande sucesso entre os anos de 1970 e 1980. Itatiba chegou a ser
conhecida como a capital do móvel colonial. Em 1990, as vendas começaram a cair
vertiginosamente e com isso o setor de móveis coloniais entrou em decadência.
* * *
Voltemos um pouco ao período da escravidão em Itatiba. Segundo
Rasmussen Gabuardi(2004), a Vila de Nossa Senhora de Bethlém de Jundiahy foi
uma das precursoras do movimento republicano. “Seus moradores tinham idéias
liberais muito fortes, atacavam o escravismo de maneira arrebatadora, tanto que alguns
vereadores foram suspensos da Câmara em razão da ferrenha defesa desses
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
27
ideais”(Rasmussen Gabuardi,2004:28). A grande concentração de abolicionista na
cidade para Rasmussen levou Itatiba a construir um capítulo à parte na história da
abolição dos escravos no Brasil. O “ Club Philantropico Itatibense” fazia o trabalho
de defender a idéia abolicionista, dizendo que:
“A mancha da escravidão no Brasil jamais poderia ser apagada. Porém os senhores deveriam libertar seus escravos para darem exemplo ao resto do Brasil. Desta foram, os negros foram sendo libertados aos poucos em Itatiba. No início de 1888, existiam somente oito escravos no município” (Rasmunssen,2004:34).
Itatiba foi o primeiro município brasileiro a libertar seus escravos. No dia 29
de abril de 1888 a Câmara Municipal declarou independência de Itatiba em relação
ao regime Monárquico. Assim a Cidade passava a não mais aceitar as ordens do
Imperador D. Pedro II e conseqüentemente colocava fim a escravidão.
Alguns historiadores da Cidade de Itatiba dão grande destaque ao papel
dos abolicionistas para o fim da escravidão na cidade ou a fatores econômicos.
Dessa forma acabam por não levarem em conta o processo de resistência dos
negros à escravidão. Esse é o caso, por exemplo, do Padre Lima que era membro
do “Club Filantrópico”. Uma figura que se destacou na história de Itatiba e que foi
um ferrenho defensor da causa abolicionista. Ele nasceu em Itu no ano de 1844, era
mulato e chegou a ser exposto na casa de Francisca Rosa de Lima. Estudou no
Seminário Episcopal tornado-se padre trabalhou em várias paróquias: Capivari
Campinas, Descalvado, São João da Boa Vista e Itatiba. Como jornalista dirigiu as
publicações de “O Operário”, “A Gazeta de Itatiba” e o “Monitor Popular”. Um texto
do um Jornal de Itatiba, “Itatiba: 28 e 29 de abril de 1888”, ao se referir ao movimento
abolicionista faz o seguinte comentário: “Apesar da liderança do movimento estar nas
mãos dos brancos (ou quase brancos como o Padre Francisco de Paulo Lima)”(2002:14).
Ora, esse tipo de comentário acaba por desvalorizar a papel importante exercido
por um ex-escravo em busca da libertação de seu povo.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
28
Um outro fator quase sempre omitido por esses historiadores diz respeito às
fugas de escravos que ocorriam na região em cidades como de Jundiaí, Campinas e
em Itatiba. Maria Helena P. T. Machado no texto, Escravidão em São Paulo, descreve
várias delas. Em um dos casos um escravo que havia fugido de um quilombo em
Campinas. Capturado e interrogado “declarou que seu grupo pertencia a um quilombo
maior que se estava formando nestes anos em Jundiaí, quilombo este extensamente descrito
na documentação da polícia e nos jornais dos anos de 1880 e acusado de invadir fazendas e
assassinar moradores” (2002:06). Suely Robles Reis de Queiroz ,”Escravidão Negra em
São Paulo” descreve vários casos de levantes de escravos na região de Campinas.
Um historiador de Sorocaba23 relata que os fazendeiros de café da região de
Campinas eram tidos como muito cruéis com seus escravos. Quando algum dono
de escravo de Sorocaba queira repreender um escravo preguiçoso ou rebelde
ameaçava de manda-lo para as fazendas de café de Campinas. Em Itatiba existiam
vários relatos de escravos que fugiam das fazendas promovendo saques e roubos
nas estradas.
Os abolicionistas não formavam um grupo coeso quanto aos métodos
utilizados para atingir os objetivos. Existiam aqueles que procuravam defender
seus ideais de forma pacífica dentro da lei e existiam aqueles mais “radicais” que
agiam na ilegalidade. E pelo que tudo indica exista em Itatiba uma rede de ajuda
que envolvia brancos, negros escravos e libertos que ajudavam a fuga de escravos.
Esses personagens eram conhecidos como caifazes. Atuavam em todo Brasil e em
especial na região sudeste. Geralmente, era um intelectual que disfarçado
empregava-se nas fazendas.
“Nessa condição, ajudavam os escravos a fugirem e traçavam as estratégias de uma possível revolta. Como possuíam mais conhecimento, os caifazes realizavam um trabalho de doutrinamento – ou convencimento – junto aos escravos, ganhavam as sua confiança e posteriormente promoviam as fugas ou revoltas. Se descoberto pelo dono da fazenda, um
23 Pompílio Rogich Vieira. Sorocaba não esperou o 13 de maio. A luta pela libertação dos escravos no interior paulista. Gráfica Cruzeiro do Sul. Sorocaba,1988.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
29
caifaz também fugia, empregando-se em outra fazenda para reiniciar seu trabalho” (Camargo,1998:05).
Em Itatiba, ocorreram alguns casos em que a atuação dos caifazes pode ser
percebida. Em 1887, um fazendeiro flagrou um dos seus escravos lendo o Jornal “A
Província de São Paulo” para outros escravos. Esse jornal fazia campanha
abolicionista, provavelmente aquele caifaz itatibanse estava lendo as últimas
informações sobre a libertação de escravos e planejando uma revolta ou fuga.
Numa fazenda de Morungaba que, na época, fazia parte de Itatiba um escravo
promovia rezas e batucadas baseadas em cultos africanos. Esse espaço religioso
também era utilizado para tramar revoltas contra a escravidão. “Ao ser descoberto,
esse escravo foi julgado e processado. Mais tarde, descobriu-se que ele já havia feito o mesmo
em diversas outras fazendas, provocando distúrbios e fugas”(Camargo, 1998:05). Evaristo
Silva, em um artigo do Jornal à Tribuna de 24 de abril de 1966, conta o caso de
Francisco de Paula Marques conhecido como “Chico Dourador” que havia sido
contratado para decorar a Igreja Matriz.
“Durante o dia trabalhava naquele templo e nas horas vagas, desencaminhava ou furtava escravos dos terríveis escravagistas, sem que estes jamais soubessem de quem partia tão secreto e perfeito serviço. Depois a falta de segurança nas estradas e os constantes ataques as fazendas ou abandono delas pelos escravizados, também influenciaram para que o abolicionistas fossem aumentado e os próprios senhores puderam compreender que lutar era em vão” (pg 1293).
Assim, entre os donos de escravos era grande o medo que se repetisse no
Brasil à revolta de negros ocorrida no Haiti, onde eles tomaram o poder. Itatiba
chegou a ter toque de recolher, em 1870. Quem fosse pego circulando nas ruas
depois dás 21 horas tinha que pagar uma pesada multa e caso fosse escravo era
preso deixando a cadeia apenas quando seu senhor pagasse uma multa. Podiam
com isso descobrir algum escravo fujam. Também era proibido o ajuntamento de
escravos nos armazéns ou tavernas por mais tempo que o necessário para vender
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
30
ou comprar mercadorias. Com isso queira se evitar que pudessem tramar revoltas
ou fugas. Segundo Gabuardi, “depois de muitas campanhas, os fazendeiros foram, de
certa forma, forçados pelos políticos a aceitar a hipótese de viver sem escravos negros. A
chegada dos imigrantes a partir de 1880, para trabalhar principalmente nas plantações de
café, facilitou a missão dos abolicionistas” (2004:34). Todos esses fatores somados ao
desejo de ver implantada a República no Brasil fez com que em Itatiba os
fazendeiros dessem, gradativamente, a liberdade para seus escravos.
Mesmo com a libertação, a vida dos ex-escravos era extremamente dura, não
havia trabalho para todos e mesmo quando conseguiam as condições não eram
muito diferentes do período da escravidão. O sonho da maior parte desses homens
e mulheres era conseguir comprar um pedaço de terra para plantar e viver com a
família. Esse também era o sonho de muitos imigrantes. Porém, o tratamento dado
ao ex-escravo era diferenciado. Durante a escravidão existia uma lei que proibia os
escravos de usarem sapatos. Mesmo com o fim da escravidão, em Itatiba, era uma
afronta um negro usar sapatos. Era uma forma de diferenciar negros de brancos. A
Igreja Matriz era freqüentada pela elite branca enquanto o a Igreja do Rosário era
freqüentada pelos negros.
O Largo do Rosário foi palco de grandes e animadas concentrações de
negros no período após a libertação dos escravos. Entre elas a famosa “Festas para
São Benedito” que começavam na noite do dia 12 e seguia noite adentro até o dia 13
de maio. Eram acesas fogueiras ao redor das quais homens, mulheres e crianças
dançavam o “Samba para São Benedito”. Essa festa tornou-se tão tradicional que a
Igreja do Rosário passou a ser chamada de Igreja de São Benedito. Também eram
promovida “Rodas de Samba”, ”Festa dos Pretos”, “Reza de São João” e Congadas. A
maior incentivadora e promotora dessas festas em Itatiba foi Dita Maranhão. “Nos
primeiros anos do século XX Dita Maranhão reunia à sua volta um grande número de
pessoas que lutavam pelos direitos de livres manifestações social e cultural”
(Camargo,2002:06). Era também defensora dos direitos das mulheres acumulando
ainda o atributo de líder feminista. Ela desfilou como Rainha na primeira escola de
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
31
Samba de Itatiba. Posteriormente, nas décadas de 60 e 70 surgiu a Escola de Samba
Sete de Setembro fundada por José de Oliveira, filho de Dita Maranhão. Em uma
entrevista com José de Oliveira nos contou que em Itatiba só existia o Clube de
Itatiba e o Grêmio onde negros não podiam entrar. Não exista o carnaval popular
de salão. Então, eles e alguns amigos resolveram fundar em 1972, o Clube Sete de
Setembro. Segundo o S. José: “Aqui sempre teve esse sistema de racismo o negro não
entrava no Grêmio. O negro não entrava no Itatiba. O Sete de Setembro foi feito para
proteger a raça negra. Para o negro ter onde se divertir”.
Relatos como esse nos leva a pensar porque uma cidade como Itatiba onde o
movimento abolicionista foi tão intenso o preconceito contra os negros é o mesmo
de outras cidades que não tiveram um movimento abolicionista expressivo. Um
texto de Celina Maria Marinho de Azevedo, Irmão ou Inimigo o Escravo no Imaginário
Abolicionista dos Estados Unidos e do Brasil, pode nos ajudar a entender qual o
imaginário que essa elite branca que compunham o movimento abolicionista fazia
em relação ao escravo africano. Apesar do movimento abolicionista na sua maior
parte ser constituído por novos grupos sociais como profissionais, comerciante,
pequenos lojistas e empreendedores não podemos esquecer que essas pessoas
“haviam nascido e se formado em grandes fazendas de escravos, mantendo laços familiares e
de negócios com a classe dos grandes proprietários rurais”(1996:102). Quando os
abolicionistas brasileiros tratavam da escravidão falavam do seu interior e
dirigiam-se a pessoas que foram formadas por aquela mesma cultura escravista
que envolvia a todos, inclusive eles. Uma classe diminuta de fazendeiros brancos
governava uma população composta na sua maioria por escravos que compunham
a maioria da população brasileira. Como já foi relatado nesse capítulo as relações
entre senhor e escravo eram conflituosas. Assim construiu-se uma imagem do
escravo como inimigo doméstico.
“No caso do abolicionismo brasileiro, a crítica à escravidão não significava uma ruptura completa com a ideologia escravista. Isso porque essa crítica estava imbuída das imagens
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
32
do escravo produzidas pelos próprios senhores ao longo de séculos de escravização de africanos” (1996:104).
A idéia do escravo como inimigo doméstico combina bem com as idéias
liberais herdadas do Iluminismo que influenciaram os abolicionistas brasileiros.
Assim, os abolicionistas constroem uma imagem do escravo com um ser privado
de razão devido ao processo de escravização que tirou sua liberdade, portanto,
situado abaixo da natureza humana uma espécie de besta humana. Isso gerou dois
tipos de escravos: um pacífico que vivia tão resignado quanto um vegetal incapaz
de lutar por sua liberdade; outro violento aquele a quem ninguém conseguiria
impedir de cometer os mais bárbaros crimes. Fica claro que os abolicionistas
brasileiros tinham grande dificuldade para interagir intelectualmente com pessoas
oriundas das senzalas. É preciso reconhecer que a elite branca e a população negra
-livre ou escrava- viviam em dois mundos à parte. Segundo Azevedo (1996), é
difícil encontrar qualquer sentimento de empatia em relação ao escravo e ao negro
em geral, ou sentimento de valorização étnica por parte dos abolicionistas
brasileiros. A quando era citada vez ou outra em seus discursos era sempre devido
a sua miséria, ignorância e feiúra. A África era, irremediavelmente, a terras das
trevas. Azevedo termina seu texto com o seguinte comentário:
“Os abolicionistas brasileiros consideravam o escravo uma vítima, sem dúvida, mas apesar disso viam-no como um elemento mau e perturbador da sociedade, tanto devido à sua condição inferior de cativo, como por pertencer a uma raça inferior” (1996:109).
Esse texto de Azevedo nos ajuda a entender como Itatiba apesar ter sido a
primeira cidade brasileira dar libertar seus escravos a população negra sofre até
hoje com preconceito24.
24 E também nos ajuda a entender uma aparente contradição histórica: como Camilo Pires, abolicionista e republicano, em 1887 ainda mantinha escravo trabalhando em sua fazenda de café, em Itatiba?
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
33
O preconceito da sociedade itatibense em relação a sua população negra que
se apresenta não só na forma mais comum como os comentários preconceituosos
de Diloca Ferraz Sangorgi. Como também de forma mais sutil como a total
invisibilidade da população negra. Um município que foi o segundo maior do
Estado em número de escravos negros. O que teria acontecidos com esses negros?
Eles não desapareceram vivem em guetos ou bairros afastados do centro da cidade
com um acesso precário aos serviços públicos. Ignorados pela maioria da
população itatibense e pelo poder público. Somente há poucos anos passaram a
tomar consciência dos seus direitos garantidos no Art. 68 da Constituição, bem
como aos artigos 215 e 216 da Constituição Federal, Decreto Federal 4887/2003 e
ainda à legislação estadual: lei 9757/97 e os decretos 41.774/97 e 42.839/98.
Passando a lutar pela melhoria na qualidade de vida, a preservação do seu
patrimônio cultural e ambiental.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
34
4. O SÍTIO DAS BROTAS
4.1 Caracterização do Quilombo Brotas
O Quilombo Brotas está localizado no Estado de São Paulo, município de
Itatiba, situado à 76 km da capital do Estado, seguindo pela Rodovia dos
Bandeirantes (sentido Jundiaí) pegar a saída para Itatiba. Chegando em Itatiba
seguir pela saída Vinhedos/Valinhos até a Rua Filomena Zupardo no Bairro Santa
Filomena II (ver anexo mapa do perímetro urbano de Itatiba). No final dessa rua
está a entrada principal do Quilombo (ver anexo fotos nº 19 e 20) de frente para ela
do lado direito existem 28 casas que fazem divisas com o lado Norte do Quilombo.
Do lado esquerdo existe uma casa e uma área da Prefeitura localizada a margem
do Córrego das Brotas denominada: Sistema de Lazer da Prefeitura de Itatiba. Do
lado Leste e Oeste do Quilombo faz divisa a empresa Jofege Pavimentação e
Construção Ltda que em parte do terreno de sua propriedade construiu um
loteamento denominado Nova Itatiba II (ver anexo foto nº 73 à 78). Pela descrição e
fotos podemos perceber que o Quilombo Brotas está cercado por casas e um
loteamento.
Os moradores do Quilombo têm acesso a transporte público e escolas de
ensino fundamental e médio. Identificamos as dificuldades que enfrentam no
campo da saúde casos gravíssimos ficam meses sem atendimento, além de
diagnósticos errados e a falta de medicamentos. Eles também não têm acesso
maioria dos programas sociais do Governo Federal como, por exemplo, o Vale Gás
e Renda Mínima. Também não estão incluídos em nenhum programa social da
prefeitura de Itatiba, caso exista algum, pois ao longo do nosso trabalho não
conseguimos obter informações sobre os programas sociais do município.
A média de renda das 32 famílias que residem no Quilombo é de um salário
mínimo por família. Porém, freqüentemente passam por períodos em que a renda
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
35
média por família não chega a um salário mínimo devido ao desemprego de
muitos chefes de família. A maioria dos homens exerce atividades como pedreiro,
borracheiro e vigia. Enquanto a maioria das mulheres trabalha como empregada
doméstica.
O acesso ao local é realizado por estradas asfaltadas até a porta do
Quilombo. As moradias são simples construídas com blocos e telhas de amianto.
Eles não possuem sistema de esgoto e água encanada. A luz elétrica é precária,
segundo os quilombolas, por ser uma propriedade particular não foi possível a
instalação de postes de luz no interior do Quilombo25. Porém, os moradores
contaram que em uma das idas a prefeitura para reivindicar postes de luz recebeu
a proposta de trocar os poste de luz pela autorização de passar uma estrada no
meio das terras do Quilombo. Desde a década de 70 existe um projeto Municipal
para construção do Sistema Viário da Cidade de Itatiba sendo que uma das
rodovias passaria por dentro do Quilombo Brotas.
Enquanto isso seus vizinhos têm acesso a toda a infra-estrutura que o
Município pode oferecer. Como, por exemplo, o loteamento Nova Itatiba II que
apesar de não ter moradores residindo no local já possuí luz elétrica, rede de água
e esgoto, ruas asfaltadas e um parque (Sistema de Lazer da Prefeitura de Itatiba).
Esse modelo de desenvolvimento urbano acaba por gerar uma territorialidade
seletiva onde um grupo social tem acesso a uma série de bens e serviços enquanto
que para os vizinhos negros e pobres nada está disponível reforçando, assim, a
segregação social.
Os moradores do quilombo não são agricultores, porém seus antepassados
viviam do que era produzido no Quilombo, porém incentivaram seus filhos e netos
a trabalharem fora, na indústria. Seus antepassados acabaram sendo influenciados
pelo discurso desenvolvimentista que circulava em Itatiba pelos anos 60, segundo o
qual a industrialização era o futuro do Município e da Nação. E com o tempo o
trabalho manual agrícola e o próprio espaço rural desapareceriam. O aumento do
25 Além disso, o valor de um poste é elevado o que inviabiliza a compra do mesmo pelos moradores do local.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
36
número de famílias diminuindo o espaço agricultável e as mudanças que
ocorreram no entorna também favoreceram que esta população tentasse buscar
recursos para sua sobrevivência em outros ramos da economia. Desde 2001, eles
vêm tentando ocupar o pouco espaço livre com a produção de hortaliças em uma
horta comunitária.
A maior parte do território do Quilombo Brotas está situado no perímetro
urbano da Cidade de Itatiba (ver mapa urbano da Cidade). Apesar disso as 32
famílias que residem ali se consideram moradores de um sítio. Sendo que até o ano
de 2001 foi pago I.T.R. (Imposto Territorial Rural) do Sítio das Brotas. Conhecendo
o modo de vida dessas pessoas somos levados a concordar com eles. Sua comida é
feita em fogão de lenha, a água consumida nas casas é retirada de poços artesianos,
as ruas do Quilombo não tem iluminação elétrica muitas famílias esquentam água
para o banho no fogão a lenha. Considerando urbanização como “incremento de
alocação de equipamentos urbanos”, ou seja, concentração em certos espaços de
recursos técnico-científicos gerados e geridos segundo a expansão da racionalidade
tecno-científica (Frochlich & Monteiro, 2004) fica difícil simplesmente “classificar”
esse grupo como urbano ou rural, pois o que está em jogo são as relações sociais
definidas no interior do campo político(Gusmão, 1995: 40). Segundo Margarida M.
Moura no artigo “Camponeses” da série Princípios de 1988 “a perspectiva urbana
reforça enganosamente a idéia de que a divisão física/geográfica/de espaços – rural e urbano
– seja também uma divisão definitiva na natureza das relações sociais dos grupos que
habitam, trabalham, vivem nesses espaços distintos, não é a cidade que por oposição define o
campo e seus habitantes, mas sim o Estado”. Dessa forma, compreendemos que o fato
do território do Quilombo Brotas estar dentro do perímetro urbano da Cidade
Itatiba deve-se ao crescimento desordenado da Cidade com o surgimento de novas
casas e loteamentos na região.
Os membros do Quilombo Brotas ao se identificaram como moradores de
um sítio buscam com isso criar uma estratégia de ocupação do território que os
possibilitem defender-se da especulação imobiliária, e conseqüentemente, evitar o
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
37
risco de serem expropriados. É justamente por isso que um dos membros desse
grupo resolveu não fazer o inventário dos bens de Amélia de Lima, o qual levaria
inevitavelmente ao esfacelamento do seu território e a perda de suas terras.
Quando Amélia faleceu seu filho, Claro de Lima Barbosa, que era o responsável da
família pelos documentos do Sítio resolveu não fazer o inventário de sua mãe. Sua
filha Maria do Carmo conta que seu pai dizia que somente ele poderia tocar o
processo de inventário e que ele não ia faze-lo porque “ os homens do Sitio são muito
fracos e logo iriam vender sua parte por uma garrafa de pinga e as mulheres e crianças
ficariam na rua sem ter onde morar”. E acrescentou: Quando eu morrer não terá mais
ninguém que poderá mexer com isso e vai ficar tudo do jeito que está e as mulheres e
crianças vão ficar amparadas.” Dessa forma, entendemos que esse grupo elaborou ao
longo dos anos um sistema de uso da terra, entendido enquanto sistema de posse
comunal, com o uso comum de uma terra e de seus recursos específicos que têm na
apropriação familiar e no usufruto comum a base de sua organização e defesa
perante a sociedade.
4.2. Histórico da Ocupação do Território
A história do Quilombo Brotas cruza com as linhas narrativas que
compõem outras histórias como a da formação Cidade de Itatiba e a história das
mulheres quilombolas que ao longo do tempo formaram um matriarcado neste
pequeno território, mas grande o suficiente para servir de abrigo a todos que dele
precisaram ao longo de dois séculos.
A ocupação do território do Quilombo Brotas começa como servindo de
abrigo para escravos fugidos das fazendas das regiões de Campinas, Atibaia e
Jundiaí que aliados aos índios criaram nos sertões de Jundiaí um quilombo. Essa
parte da história do Quilombo Brotas foi longamente discutida no Capítulo I deste
estudo, portanto, não me deterei mais nela.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
38
A saga das mulheres do Quilombo Brotas começa com Maria Emília
Modesto e sua filha Emília Gomes que eram escravas em uma fazenda no Rio de
Janeiro. Foram vendidas e vieram para o mercado de escravos na cidade de Santos.
Um fazendeiro comprou Maria Emília, mas não quis levar a filha que foi separada
de sua mãe. Algum tempo depois Emília foi vendida para um fazendeiro de
Itatiba.
Pela pesquisa realizada no arquivo do Estado de São Paulo e por alguns
relatos de Maria Emília Barbosa de Lima filha de Amélia de Lima chegamos a
conclusão que esse fazendeiro pertencia a família Pupo sendo provavelmente
Antonio Silveira Pupo ou um dos seus filhos que era dono da Fazenda São
Benedito. Em 1836, ele figura no Maço de População como tendo vários escravos e
inclusive libertos26que moravam com sua família.
Provavelmente, Emília conheceu seu marido Isaac de Lima na fazenda São
Benedito onde trabalhavam como escravos, aproximadamente, pelos anos de 1850.
Tiveram vários filhos (ver anexo III Quadro Genealógico), dentre eles, Amélia de
Lima que não era mais escrava ao nascer (em 1876), pois foi beneficiada pela lei do
ventre livre. Com a morte do dono da fazenda Emília e Isaac ganharam a
liberdade, como era costume alguns fazendeiros deixavam em seu testamento
orientações para a família dar a liberdade para determinados escravos quando ele
viesse a falecer. Libertos Emília, Isaac e os filhos saem pelas estradas a procura de
um lugar para morar, trabalhar e criar os filhos. A vida do escravo não era fácil
mesmo livre precisava arranjar uma forma de sobreviver em uma sociedade
escravocrata na qual a mão de obra livre assalariada era pouco utilizada. Assim
buscaram refúgio com os amigos Rita Rodrigues e José Francisco Rodrigues que
ofereceram um lugar para plantar e morar no Bairro dos Lopes27. Pelo que tudo
indica existia em Itatiba uma rede de relações que envolviam os quilombolas e
outros grupos sociais. Assim os quilombos mantinham redes de comércio, relações
26 Termo que aparece depois do nome de ex-escravos em registros como os livros de batismo e casamento da Igreja Católica e também no registro de Maço de Populações do Arquivo Público do Estado de São Paulo. 27 Atualmente Bairro Santa Filomena II.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
39
de trabalho, de amizade, parentesco, envolvendo escravos que ainda vivam nas
senzalas, negros livres e libertos, comerciantes mestiços e brancos28. Essas redes
eram inclusive utilizadas para facilitar a fuga de escravos. Ana Tereza, neta de
Amélia, conta que sua avó falava muito do período da escravidão e como era a
vida na fazenda onde seus pais eram escravos. Certa vez ela contou que a esposa
do dono da fazenda que eles chamavam de Sinhá costumava reunir as crianças da
fazenda levando-as para passear enquanto suas mães trabalhavam. Durante o
passei ela especulava as crianças, filhos de escravos, para saber o que acontecia na
senzala à noite. Amélia contou para sua mãe sobre os passeios com a Sinhá. Sua
mãe recomendou: “Minha filha haja o que houver você não viu e nem ouviu nada”. E a
caso a Sinhá insistisse ela deveria dar a seguinte resposta: “Não vi, não sei, não se
escreve, não se agrava ninguém”. Pelos relatos dos descendentes de Emília e Isaac eles
faziam parte dessa rede de relações e graças à ajuda de dois membros dela
conseguiram ir morar no Sítio das Brotas. Por meio de um acordo com o
proprietário das terras trabalharam e juntaram dinheiro para comprar o Sítio o que
deve ter ocorrido, aproximadamente, entre os anos de 1878 e 188529. Ana Tereza,
neta de Amélia, lembra com foi difícil para seus antepassados comprarem essas
terras. Segundo ela, Amélia contava que trabalhava com o pai na roça de sol a sol.
Tinham somente um muda de roupa para vestir às vezes chovia na roça e ficavam
molhados e não tinha outra muda de roupa seca para vestir e Amélia acabava
chorando devido aquela situação. Seu pai, Issac, tentava consola-la dizendo:
“Tenha paciência minha filha. Isso daí é pra nós pagar o lugar pra gente morar. Pra
pertencer pra tudo mundo. Pra tudo que tiver meu sangue ter um lugar pra morar”.
Nessas terras também vieram morar os irmãos de Isaac que se chamavam
Pedro, Davi, Geraldo e Adão, porém os moradores do Quilombo não sabem
28 A existência de reder de relações que união diversos grupos negros e brancos foi apresentada por Gomes(1996) no livro “Liberdade por um fio”, no qual essa situação é chamada pelo autor de campo negro.29 Não conseguimos ver o documento de compra e venda do Sítio Brotas. Segundo seus moradores ele deveter se perdido ou ficou arquivado junto como processo de inventário da família (em anexo cópia do registro em cartório das terras do Quilombo Brotas).
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
40
explicar o paradeiro de seus descendentes. Além de outras pessoas que vieram
morar no Quilombo, que não eram parentes, mas recebiam ajuda dos moradores30.
Com o passar do tempo os irmãos de Isaac saíram dessas terras, assim
como, alguns de seus filhos como Felipe e Pedro. Esse último foi morar na Rua
Campos Sales que na época chamava-se Rua Alegre. Nesse local os moradores da
rua faziam as festas do Largo do Rosário e o carnaval da Cidade fundando a
primeira escola de samba de Itatiba. Grande liderança nessa época era Dita
Maranhão que era compadre de Pedro. O pessoal do Quilombo Brotas participava
ativamente do carnaval (ver anexo V fotos nº 49 e 50).
Amélia de Lima permaneceu na terra trabalhando ao lado de seus pais. Era
uma jovem muito inteligente e com idéias muito avançadas para sua época. Ela
não queira se casar e seu grande sonho era se tornar uma modista31, porém com o
passar do tempo ela acabou cedendo a vontade de seu pai e casando com um
amigo da família. Ela costurou (ver anexo foto nº 93 da máquina de costura de
Amélia) seu vestido de casamento e contrariando a tradição da Cidade de Itatiba,
pela qual negro casava descalço, ela casou com sapatos.
Com o falecimento de Isaac permaneceram no território apenas Emília, sua
filha Amélia de Lima e o marido Fabiano Barbosa. Amélia e Fabiano tiveram nove
filhos dos quais descendem os atuais moradores do Quilombo Brotas. O marido de
Amélia faleceu no começo do século XX, e ela teve que trabalhar sozinha para
sustentar seus filhos sem abandonar suas terras. Amélia viveu no Quilombo por
toda a sua vida sendo que os atuais moradores são seus descendentes.
Devido à desinformação e falta de dinheiro eles não registraram as terras
que haviam comprado o que provou um verdadeiro reboliço na família por volta
30 Um dos casos de pessoa que foi ajudada pelos moradores do Quilombo Brotas e morou nas terras desse grupo durante algum tempo chegando a se casar com o filho de um dos irmãos de Issac foi o de uma moça chamada Ana. Ninguém sabe ao certo quando isso acontece, mas os moradores do Quilombo contam que Ana trabalhava para um patrão que a maltratavam mantendo-a acorrentada com os pés cheios de feridas. Um dos filhos de Amélia ficou sabendo do caso e resolveu roubar a moça dos patrões levando-a para morar no Quilombo Brotas. Onde viveu até seu casamento com João Fazendeiro filho de Adão que era irmão de Issac de Lima. Eles se casaram e a moça foi morar nas terras do marido (ver anexoV foto 01).31 Desenhar e costurar roupas finas.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
41
de 1960 quando, segundo eles, veio uma carta da Prefeitura dizendo que teriam
pagar uma multa altíssima caso contrário perderia suas terras. Amélia ficou
desolada e conseguiu unir alguns de seus filhos para pedir um empréstimo para
pagar a multa. Posteriormente, tiveram que plantar eucalipto para como o dinheiro
pagar o empréstimo. Essa é a versão que circula no Quilombo Brotas sobre o
assunto não sabemos se os fatos deram-se dessa maneira, pois esse episódio é até
hoje motivo de brigas e desavenças familiares. O que sabemos é que em 1969 foi
feito o inventário de Isaac e Emília sendo o primeiro registro em cartório dessas
terras.
Até 1970 esse grupo viveu da economia de subsistência. O excedente era
trocado na Cidade por itens que não eram produzidos no sítio como o sal. Eles
plantavam feijão, mandioca, batata doce, milho, cana-de-açúcar, arroz, café e
amendoim. Tinham um pomar com diversas frutas como a pêra, melancia, goiaba,
amora, manga e abacate (ver anexo V foto 12 e 30). Além disso, a criação de cabras,
galinhas e porcos (ver anexo V foto 07). Com o passar do tempo os filhos e netos de
Amélia saíram das terras para procurar trabalho na indústria, principalmente, em
Jundiaí e São Paulo. Depois de várias idas e vindas uma parte dos descendentes de
Amélia, principalmente, aqueles que com dificuldades econômicas, não
conseguindo emprego e um lugar para morar, resolveram se estabelecer no
Quilombo onde vivem até hoje. O período de maior crescimento populacional no
Quilombo foi depois que chegou a energia elétrica no Bairro, no início dos anos 90.
Na última década esse grupo tem vivenciado uma grande mudança no
espaço em torno do seu território. Pela foto aérea (data aproximada década 90), na
próxima página, podemos notar que em 15 anos o entorno do Quilombo Brotas foi
modificado com o surgimento de loteamentos e destruição de área de mata que
provocou o deslocamento de parte dessa fauna para o Quilombo, último refúgio de
mata e fonte de água para esses animais. Assim, podemos encontrar no território
do Quilombo várias espécies de animais como aves, esquilos, porco espinho e
sagüis (ver anexo foto nº 79 e 80).
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
42
A região onde está localizado o Quilombo Brotas é rica em recursos
hídricos. As águas que abasteciam a cidade de Itatiba até a primeira metade do
século XX vinham dessa região. Dentro do território do Quilombo Brotas existem
vários afloramentos de água que deram origem ao nome do Sítio32. Os moradores
têm necessidade dessa água, pois todas as casas têm um poço. No entanto, desde
2001, quando teve início a construção do loteamento Nova ItatibaII, que é vizinho
do Quilombo Brotas, essa comunidade passou a sofrer as conseqüências das obras
para escoamento das águas da chuva e esgoto do loteamento (ver anexo foto 81 a
86). Uma delas, foi o assoreamento de um córrego que é formado por várias
nascentes, sendo que a principal, nasce dentro do território quilombola
provocando o desaparecimento de peixes e crustáceos33. Segundo os moradores do
Quilombo, quando as obras do loteamento começaram, eles não se deram conta do
que poderia acontecer com suas nascentes e com o córrego. Quando perceberam o
que estava acontecendo resolveram conversar com os donos do loteamento Nova
ItatibaII. Foi nessa época que dois membros da comunidade apresentaram-se para
essa conversa. O primeiro foi Paulo Sergio Marciano e o segundo Marcos Antonio
Gomes; porém eles não foram bem sucedidos nas suas tentativas. E Associação do
Quilombo Brotas buscou ajuda de uma O.N.G. – Forúm Pró-Cidadania que
denunciou o caso para o Ministério Público Estadual, e posteriormente, o
Ministério Público Federal. No dia, 18 de março de 2004, o Procurador do
Ministério Público Federal Dr. José Ricardo Meirelles visitou o Quilombo Brotas.
No início de abril, os funcionários do loteamento retomaram as obras de um
encanamento que vai despejar suas águas em uma área alagadiça onde existe um
pequeno reservatório de peixes e uma horta. Os funcionários do loteamento ao
serem questionados por Manuel Roberto Barbosa (Presidente da Associação do
Quilombo Brotas) a respeito de quem haviam autorizado aquela obra afirmaram
32 A palavra brotas quer dizer olho d’água. 33 Segundo os moradores do quilombo Brotas existiam peixes e caranguejos que habitavam esse córrego. Inclusive os moradores mais antigos costumavam fazer um prato chamado “mariscada” com arroz e peixinhos e caranguejos pescados nesse córrego.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
43
que o D.P.R.N. (Departamento Estadual de Proteção aos Recursos Naturais) havia
dado autorização para que as obras continuassem.
Ressalto que o assoreamento desse córrego também teve um forte impacto
sobre as práticas religiosas dessa comunidade. No território do Quilombo Brotas
existe um terreiro de Umbanda cuja Mãe de Santo é a mais antiga moradora do
lugar, conhecida como Tia Lula. O córrego que foi assoreada era usado pelo grupo
para realização de trabalhos para o “povo d’água”. Tendo, inclusive em sua margem
um altar para essas divindades.
Devido a esse fato envolver questões muito específicas ligadas ao meio
ambiente e legislação sobre loteamentos solicitamos que um membro do Grupo de
Gestão Ambiental da Fundação Itesp visitasse o Quilombo Brotas e produzisse um
Relatório Técnica de Apoio ao R.T.C do Quilombo Brotas. A seguir apresento cópia
do mesmo.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
44
RELATÓRIO DE APOIO TÉCNICO
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
45
Pelo relatório apresentado acima percebemos como a preservação das
nascentes é vital para a sobrevivência física e cultural do Quilombo Brotas. Na luta
para não perderem esse patrimônio os membros desse grupo reivindicaram uma
área que faz parte do Quilombo antigo que existia naquelas terras, mas não
pertence à área que foi comprada por Issac e Emilia. Pois uma das nascentes que
alimentam o Córrego das Brotas aflora em um terreno vizinho o qual será
provavelmente transformado em loteamento gerando impacto sobre o Córrego das
Brotas. Assim essas terras fazem parte do território desse grupo (ver anexo I).
Ressalto que esse grupo tem sofrido constantes ameaças de destruição de seu
patrimônio cultural e ambiental. Como o assoreamento do Córrego das Brotas,
casas antigas estão sendo alteradas, peças e fotos antigas perdidas ou
simplesmente queimadas. Tudo isso sem o consentimento dos membros da
Associação do Quilombo Brotas (ver anexo VI o Estatuto da Associação)
aparentemente numa tentativa de “apagar” a história desse grupo. Uma solução
possível para essa situação poderá ser no futuro o tombamento do Quilombo
Brotas.
Chegamos ao final desse capítulo e gostaria de termina-lo ressaltando o
papel que as mulheres desempenham no Quilombo Brotas. A palavra matriarcado
não foi utilizada por acaso no começo desse capítulo. Nesse grupo quem detém o
poder são as mulheres nos diferentes espaços desde as relações familiares, na hora
definir as normas internas do grupo ao até mesmo discutir questões de terras
sempre são as mulheres que dão a última palavra. É devido a forças dessas
mulheres que esse grupo conseguiu se manter ao longo do tempo em seu território.
São elas as guardiãs da história do grupo começando com a escrava Maria Emília
Modesto que contou para Emília Gomes que contou para Amélia de Lima que
contou para a filha, netas e bisnetas Maria Emília Barbosa, Maria da Conceição,
Ana Tereza Barbosa da Costa, Ana Maria Marcelino de Lima, Rosemeire Barbosa,
além de outras mulheres desse quilombo que nos ajudaram a contar sua história.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
46
Graças as suas narrativas pudemos conhecer um pouco mais da história da
população negra do nosso país.
4.3. Religião e Sincretismo: o caso do Terreiro de Umbanda da Tia Lula
Atualmente, a população do Quilombo esta dividia entre algumas religiões
como a Católica, Nazareno, Deus é Amor e a Umbanda. Há oito anos atrás vários
membros do Quilombo Brotas eram da Umbanda, porém devido a diversas razões
foram abandonando essa religião e tornando-se evangélicos.
Pelos relatos dos moradores do Quilombo pudemos perceber que suas
práticas religiosas - todos se definiam como católicos no início do século XX - eram
permeadas por elemento da Umbanda e do Candomblé.
Maria do Carmo, neta de Amélia de Lima, conta que sua avó era uma
mulher muito católica que era responsável em fazer a “reza de defunto”,
provavelmente, fazia parte da Irmandade de São Benedito34. Amélia de Lima
freqüentava a festa para São Benedito do Largo do Rosário. Segunda a sua bisneta
Ana Maria essa festa era conhecida como Samba do dia 12 de maio ou Samba para São
Benedito nessa festa a pessoa dançava e bebia pinga era fechada somente para
especialistas cada um na sua especialidade. Maria Emília, filha de Amélia, chegou
a acompanhar a mãe, quando era criança, a essas festas e tinha muito medo não
sabem bem ao certo do que? Ela relata que sua mãe ficava rodopiando com a saia
ao vento em volta das fogueiras ao som de batuques. A festa começava no dia 12
de maio e terminava no dia 13 com as congadas vindas dos bairros dos “Pereiras” e
“Cocais”.
Nessas festas também tinha O Ponto que, segundo Maria do Carmo, era um
desafio cantado, um começava e o outro respondia geralmente cantavam sobre a
34 Essas irmandades eram muito comuns e espalharam se por todo país procuravam juntavam dinheiro para fazer o enterro daqueles que eram necessitados, composta por negros que formavam um grupo a parte dentro da Igreja Católica, pois as irmandades de brancos não se misturavam com a dos negros.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
47
vida das pessoas, ou seja, assuntos dos mais variados como o resultado da colheita,
fofocas e brincadeiras. No meio do grupo existiam os macumbeiros que ninguém
sabia quem eram e que tinham muita força e aproveitavam O Ponto para lançar
seus feitiços. Maria conta que ocorreu um caso de um puxador de samba que ficou
sem voz na hora do desfile da escola. “Foi macumba que fizeram pra ele aí o pessoal
desfez a macumba”, disse ela. Assim pelos relatos acima percebemos que nas
praticas religiosas desse grupo um sincretismo35 com elementos da religião
Católica, Umbanda e Candomblé.
Segundo Pradi (1996):
“Desde o início as religiões afro-brasileiras se formaram em sincretismo com o catolicismo, e em grau menor com religiões indígenas. O culto católico aos santos, numa dimensão popular politeísta, ajustou-se como uma luva ao culto dos panteões africanos” (pg.67).
No processo de formação das culturas afro-brasileiras predominou a
reinvenção, a mistura fina de valores e instituições várias, a escolha de uns e o
descarte de outros recursos culturais trazidos por diferentes grupos étnicos
africanos ou aqui encontrados entre os brancos e índios (Reis, 1996). Um caso
narrado por João José Reis sobre o Quilombo Limoeiro, no Maranhão, em 1877,
ilustra o que queremos dizer:
“Foram encontradas pela expedição repressora, segundo seu comandante, duas casas de santos; sendo uma com imagens de Santos, e outra onde encontramos figuras extravagantes de madeira, cabaças com ervas podres e uma porção de pedras que em tempos remotos os indígenas se serviam como machado, as quais a maior parte dos mocambeiros venera como a invocação de Santa Bárbara” (pg. 20).
35 Essa palavra sofreu mudanças de significado, com o tempo, a distinção entre sua definição objetiva e subjetiva tem raízes históricas. Na Antigüidade, conforme seu sentido etimológico, significa “junção de forças opostas face ao inimigo comum”.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
48
Os quilombolas desenvolveram habilidades em mesclar culturas o que
possibilitou a formação de alianças sociais, pois se fazia necessário compor como
outros grupos sociais. O que inevitavelmente gerou transformações e
interpenetrações culturais.
As religiões afro brasileira, até os anos 30, poderiam ser incluídas na categoria
das religiões étnicas ou de preservação de um patrimônios culturais dos antigos
escravos e seus descendentes, pois mantinham vivas tradições de origem africana
(Pradi,1996:65). Com o passar do tempo tornaram-se bastante diversificas
propiciando o desenvolvimento de novas religiões como é o caso da Umbanda que
teve sua formação no Brasil originado-se do encontro de tradições africanas,
espíritas e católicas. Originou-se segundo Pradi (1996), do Candomblé de Angola e
o de Caboclo. No Candomblé de Angola tem fundamental importância o culto dos
caboclos, “que são espíritos de índios, considerados pelos antigos africanos como sendo os
verdadeiros ancestrais brasileiros, portanto os que são dignos de culto no novo território em
que foram confinados pela escravidão” (pg.66).
O primeiro terreiro de Umbanda surge no Rio de Janeiro aproximadamente em
1920. Os rituais da Umbanda são “muito próximos do candomblé dos ritos angola e
caboclo... Seu panteão tem à frente orixás-santos dos candomblés e xangôs de destaque que
está ocupado por entidades desencarnadas semi-eveméricas, à moda Kardecista e a africana,
ou encantados de origem desconhecida, à moda dos cultos de maior influência indígena: os
catimbós, os candomblés de caboclos, as encantarias, de onde também se originam certas
práticas rituais, como o uso de bebida alcoólicas e tabaco. A umbanda é a religião dos
caboclos, baiadeiros, pretos velhos, ciganas, exus, pombagiras, marinheiros,
crianças”(Pradi,1996:70). “ A Umbanda se divide numa linha da direita, voltada para a
prática do bem e que trata com entidades desenvolvidas, e numa linha da esquerda, a parte
que pode trabalhar para o mal. Também chamada de quimbanda, e cujas divindades,
atrasadas ou demoníacas, sincretizam-se com aquelas do inferno católico ou delas são
tributárias... Assim estão do lado direito os orixás, sincretizados com os santos católicos, e
que ocupam no panteão o posto de chefes de linhas e de falanges, que são reverenciados, mas
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
49
que pouco ou nada participam do trabalho da umbanda, isto é, da intervenção mágica no
mundo dos homens para a solução de todos os seus problemas, que é o objetivo primeiro da
umbanda enquanto religião ritual. Ainda do lado do bem estão o caboclo (que representa a
origem brasileira autêntica, o antepassado indígena) e o preto-velho (símbolo da raiz
africana e marca do passado escravista e de uma vida de sofrimentos e purgações de
pecados). Na esquerda estão os exus masculinos e as pombagirias, sincretizados com
demônios, sempre dispostos a trabalhar para o mal, visando sempre o bem de seus adeptos,
amigos e clientes” (Pradi,1996:73).
No Quilombo Brotas o terreiro de Umbanda foi criado por Maria Emília
Barbosa Gomes, filha de Amélia, por volta de 1950. Maria Emília nos contou que
desde crianças tinha visões e ouvia batuques que ninguém via ou ouvia. Com
catorze anos foi trabalhar em São Paulo como empregada doméstica. Ali ela
começou sua iniciação no Candomblé, porém como o processo todo era muito
oneroso ela resolveu mudar para a Umbanda. Comparado com o Candomblé o
processo de iniciação da Umbanda é muito mais simples e menos oneroso
(Pradi1996:67)36. Por volta de 1950, ela volta a morar no Quilombo Brotas onde
começa a realizar alguns trabalho para parentes e conhecidos. Montando sua
Tenda em uma casa de taipa (ver anexo V foto nº 23) próxima a casa de sua mãe.
Logo sua fama espalha-se pela Cidade de Itatiba e muitas pessoas a procuram para
os mais diversos fins. Com a morte de sua mão ela torna-se a grande matriarca do
Quilombo Brotas qualquer decisão a respeito do território passa pela sua
aprovação. Conhecida por todos na Cidade de Itatiba como Tia Lula. Sua
identidade se fundiu ao território que ocupa são comuns expressões do tipo
“Barroca da Tia Lula” ou até preconceituosas como “Buraco Quente da Lula” se
referindo ao Quilombo Brotas. Os moradores do entorno do Quilombo Brotas tem
sentimentos muito diferentes a respeito do mesmo. Alguns têm um misto de medo
e respeito enquanto outros transferem todo peso do preconceito racial em relação
36 Um dos fatores que levou muitos moradores do Quilombo Brotas a mudar de religião foi devido à falta de dinheiro para comprar os produtos necessários para os rituais.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
50
ao negro para a sua cultura. O primeiro grupo relata casos como o de um menino
que morava vizinho do Quilombo que estava empinado uma pipa que caiu dentro
da mata do Quilombo Brotas no lugar onde são realizados os trabalhos para os
caboclos. Como o menino não sabia disso entrou na mata para buscar sua pipa sem
pedir autorização para ninguém. Ao ver sua pipa abaixou-se para pegar quando
levantou sua cabeça estava rodeado por vários homens os quais não conhecia e que
o olhavam fixamente vestidos com roupas estranhas. Ele saiu rapidamente do
lugar e nunca mais voltou. Já o segundo grupo tem posições contraditórias para
eles o Quilombo é totalmente invisível, ou melhor, seus moradores, eles
consideram o lugar um terreno baldio onde jogam o lixo de suas casas. Esse
mesmo grupo considera o Quilombo um lugar sujo e ligam insistentemente para a
Prefeitura para que faça a limpeza do lugar.
Para entendermos melhor a relação desse grupo com seu território construímos
um croqui das manifestações religiosas do terreiro de Umbanda de Tia Lula (ver
no final do capítulo). Segundo ela, os trabalhos eram abertos às 21 horas na Tenda
(ver anexo V foto 87 a 91), onde recebiam os guias de luz como os pretos velhos e
as crianças. Depois vão para o Terreiro onde são acesas as fogueiras e realizados
trabalhos para o Boiadeiro, o Baiano e os Exus. No terreiro era realizado o sacrifico
de um boi e seu sangue utilizado para trabalhos com os exus. Nesse local existem
vários coqueiros e árvores que foram cruzadas para as entidades. Esse trabalho
seguia até de madrugada quando eram incorporados os caboclos – que são os
índios - e seguiam para a mata onde eram feitas as oferendas (ver anexo V foto 52 a
55). Depois são feitos os trabalhos para os povos d’água no Córrego que foi
assoreada. Como comenta Maria Emília: “Agora passou máquina aí, bagunçou
tudo, precisa arrumar. Tinha um lugarzinho, um conga37 na beira d’água a gente
trabalhava lá. Aí terminava os trabalhos lá pelas 8 ou 9 horas”. Nesse local
também eram realizados os batizados do terreiro. Também existiam as festas do
37 Altar com várias imagens de santos. O conga que ficava na margem do Córrego das Brotas foi destruído. Dentro da Tende existe um conga maior.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
51
Boiadeiro, São Cosmo e São Damião, do 13 de Maio, etc. Nessas festas vinham
pessoas de outros terreiros como do Rio de Janeiros e São Paulo. Tia Lula lembra
dessa data com muita alegria e saudade. “ O Sito ficava cheio de gente dos terreiros,
para tudo canto fazendo trabalho, não sei os outros mas eu gostava muito. Ficava tudo um
terreiro só”.
O curioso no caso do Quilombo Brotas é que sua territorialidade foi construída
tendo como elemento intermediário à religião (a Umbanda) que possibilitou a
elaboração de uma identificação do grupo com seu território totalmente inusitada.
Pois mesmo aqueles que não são umbandistas tem como referencia para dar
sentido as suas práticas cotidianas elementos da Umbanda, como por exemplo, ao
comentarem sobre os ensinamentos da sua atual religião (Deus é Amor e
Nazareno) usam casos relacionados a Umbanda que ocorreram no território do
Quilombo Brotas para justificarem a veracidade desses ensinamentos. Um caso
curioso foi narrado por Rosemeire Barbosa. Ela nos contou que seu pastor ensinou
que ao repreender uma criança deve-se ter cuidado com o que se diz, pois a
palavra tem muita força. Então ela contou um caso ocorrido no Quilombo Brotas
para confirmar aquilo que foi dito pelo pastor. Segundo Rosemeire existia uma
mulher que tinha um filho muito arteiro e a mãe sem paciência com as artes do
menino viviam dizendo “para de encher a paciência, não sei porque você não vai para o
inferno”. Um belo dia o menino desapareceu sua mãe procurou por todo canto sem
sucesso. Até que alguém veio avisar que tinha encontrado o garoto preso no meio
dos espinhos. Como ninguém conseguiu tira-lo dali resolveram chamar Tia Lula
que fez algumas rezas e tirou o menino do meio dos espinhos. E advertiu a mãe
dizendo que a palavra de mãe tem muita força e que nunca mais devia usar
aquelas palavras para repreender seu filho, pois os espíritos atenderam seu pedido
e queiram leva-lo embora. Assim Rosemeire termina sua narração concluindo que
o pastor tinha razão e que, pois aqui já havia acontecido no Quilombo.
Dessa forma percebemos como a categoria território é complexa, pois envolve
um espaço geográfico que é apropriado – territorialização- lócus de co-existência
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
52
do diverso: natureza, cultura, cooperação, conflito, individualidade e coletividade.
O território também enseja identidades – territorialidades – “que estão inscritas em
um processo sendo, portanto, dinâmicas e mutáveis, materializando em cada momento uma
determinada ordem, uma determinada configuração territorial, uma topologia social”
(Gonçalvez, 2002:230). O processo de territorialização vivido por esse grupo
transformou as terras que habitam em sagradas o que possibilitou a construção de
uma territorialidade específica – um sentimento (intersubjetividade) que emana da
consciência de pertencer a um grupo e a um território (caráter objetivo).A
territorialidade é uma construção do espaço que dando sentido ao lugar que se
habita, ao qual se pertence através de práticas cotidianas, como a realização do
trabalho do Terreiro nas terras do Quilombo Brotas, que possibilitaram a esse
grupo reproduzir sua cultura.
A luta por um território propiciou tomada de consciência por parte desse
grupo de seus direitos culturais e a defesa dos mesmos, principalmente, em relação
ao caso do Córrego Brotas que foi assoreada. Levando-os buscar a preservação do
seu patrimônio cultural e ambiental, assim como, o respeito da sociedade local em
relação ao seu modo de ser e viver em determinado lugar.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
53
5. CONSIDERAÇÕES FINAIS
Estivemos durante meses fazendo uma pesquisa de campo e documental
que possibilitaram a reconstrução da história deste grupo, bem como, de sua
identidade étnica, essa última fundamentada pelas redes de sociabilidade calcadas
no parentesco, nas relações de trabalho e simbólicas que o grupo mantém com a
área que ocupa. Constatamos que a Comunidade Brotas é realmente constituída
por descendentes de escravos, que compraram um sítio há aproximadamente 120
anos e onde seus descendentes constituíram um território quilombola. Assim, com
base no estudo técnico-científico desse grupo considero que os trabalhos
antropológicos não deixam dúvidas sobre a origem quilombola da mesma.
A situação fundiária do Quilombo Brotas trouxe uma questão inusitada
para a Fundação Itesp. Pois esse grupo apesar de ter o registro em cartório de sua
terra e estarem na posse da mesma. Nunca conseguiram fazer o inventário da
propriedade. Ao longo dos anos depois de diversas ameaças de perderem seu
território e devido à destruição de seu patrimônio cultural e ambiental essa
população começou a buscar uma forma de resolver essa questão. Assim tomaram
conhecimento das leis estaduais e federais para quilombos e perceberam que o
título coletivo seria uma saída para seus problemas. Pois possibilitará que esse
território permaneça com sua família e que seu patrimônio cultural e ambiental
seja preservado conforme o que está previsto nos Artigos 215 e 216 da
Constituição.
Concluímos:
- que os membros do grupo denominado Quilombo Brotas são remanescentes
de comunidade de quilombos, de acordo com as definições que embasam os
critérios oficiais de reconhecimento adotados pelo Estado de São Paulo, e
devem, portanto, gozar dos direitos de tal identificação lhes assegura.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
54
- que se faz urgente à regularização fundiária do território quilombola aqui
demonstrado, de área 12,4839 ha.
______________________________________
PATRICIA SCALLI DOS SANTOSANTROPÓLOGA
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
55
6. BIBLIOGRAFIA
ALMEIDA, Alfredo W. B. de. (1987). Terras de preto, terras de santo e terras de índio – Posse Comunal e Conflito. In HUMANIDADES, Ano V, nº 15.
_______________________ (1999). Os quilombos e as novas etnias. In LEITÃO, Sérgio (org). Documentos do ISA, nº 05, Instituto Sócio-Ambiental.
ANDRADE, Tânia (org.). (1997). Quilombos em São Paulo: tradições, direitos e lutas. São Paulo, IMESP.
ARRUTI, José Maurício Andion. (1997). A Emergência dos ‘Remanescentes’: Notas para o Diálogo entre Indígenas e Quilombolas. In Estudos de Antropologia Social, vol. 3, nº 2. PPGAS.
ARRUTI, José Maurício Andion. (2002). “Etnias Federais”: O processo de identificação de “remanescentes” indígenas e quilombolas no Baixo São Francisco . Tese de Doutorado. UFRJ/ Museu Nacional.
ARRUTI, José Maurício Andion. (2003). Relatório Técnico-Científico Sobre Os Remanescentes da Comunidade de Quilombo do Cangume/Itaóca -SP.
ASSUNÇÃO, M. R. (1996).Quilombos Maranhenses. In Reis, J. J. & F. S. Gomes (orgs.): Liberdade Por um Fio. História dos Quilombos no Brasil. São Paulo, Cia. das Letras.
AZEVEDO, Celina Maria Marinho. (1996). Irmãos ou inimigos: o escravo mo imaginário abolicionista dos Estados Unidos e do Brasil. In Revista da USP. nº 28. São Paulo, EDUSP.
BANDEIRA, M. L. (1988). Território Negro em Espaço Branco. Estudo antropológico de Vila Bela. São Paulo, Brasiliense/CNPq.
BARTH, Frederik. (1976) Los Grupos Etnicos y sus Fronteras. México, Fondo de Cultura Econômica.
BORGES PEREIRA, João Batista. (1996) Racismo à brasileira. In MUNANGA, K. (org) Estratégias e Políticas de Combate à Discriminação Racial. São Paulo, Edusp.
CAMARGO, Luís Soares.(2004). Itatiba 218 anos: as origens da cidade. In Jornal de Itatiba- Diário. Domingo,14 de março.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
56
CORRÊIA, Dora Shellard. (1997). Paisagens Sobrepostas – Posseiros e Fazendeiros nas matas de Itapeva (1723-1930).Tese de Doutorado. FFLCH-USP.
CONSORTE, Josildeth Gomes.(1991) A questão do negro: velhos e novos desafios.In São Paulo em perspectiva. Fundação SEADE, 5(1), jan./mar.
DÓRIA, Síglia Zambrotti. (1995). O Quilombo do Rio das Rãs. In Terra de Quilombos. Associação Brasileira de Antropologia.
DUCHE, Denys.(1999). A noção de cultura nas ciências sociais. Bauru, Edusc.
FROCHLICH, José Marcos e MONTEIRO, Rosa Cristina. (2004). Reconstrução social do espaço rural no contexto de transição para a sustentabilidade. Memo.
GOMES, F. S.(1996): Liberdade Por um Fio. História dos Quilombos no Brasil. São Paulo, Cia. das Letras.
_______________(1996). Ainda sobre os quilombos: repensando a construção de símbolos de identidade étnica no Brasil. In REIS, E., ALMEIDA, M. H. T. & FRY, P. (orgs.) Política e Cultura – visões do passado e perspectivas contemporâneas. São Paulo, HUCITEC/ANPOCS.
GONÇALVES, Carlos Walter Porto.(2002). Da geografia às geo-grafias: um mundo em busca de novas territorialidade. In. CECENA, ANA ESTHER Y SADER, EMIR(ORG.). La guerra infinita. Hegemonia y terror mundial. Buenos Aires, Ed. Clacso.
GUSMÃO, Neusa M. de. (1992). A Dimensão Política da Cultura Negra no Campo: uma luta, muitas lutas. Tese de doutoramento, USP/FFLCH.
____________________ (1995). Os Direitos dos Remanescentes de Quilombos. In Cultura Vozes, nº 6, nov/dez São Paulo, Vozes.
LEITE, Ilka B. (org). (1996) Negros no Sul do Brasil: invisibilidade e territorialidade. Florianópolis, Letras Contemporâneas.
LEITE, Ilka Boaventura.(2000). Os Quilombos no Brasil. Questões Conceituais e Normativas. In Textos e Debates, nº07. Santa Catarina, UFSC.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
57
MACHADO, Maria Helena P.T.(2002). Escravidão em São Paulo. In Cadernos Paulistas –XXXVIII. São Paulo, Imprensa Oficial.
MARTINS, José de Souza. (1991). Expropriação e Violência – a questão política no campo. São Paulo, Hucitec.
_____________________(1995). Os Camponeses e a Política no Brasil. Petrópolis, Vozes.
MONTEIRO, Duglas T. (1974). Os Errantes do Novo Século, São Paulo, Duas Cidades.
MOURA, Margarida M. (1998). Os Deserdados da Terra. Rio de Janeiro, Bertrand Brasil.
MUNANGA, K. (1996). O anti-racismo no Brasil. In MUNANGA, K. (org). Estratégias e Políticas de Combate à Discriminação Racial. São Paulo, Edusp/ Estação Ciência.
NORA, Pierre. (1981). Entre Memória e História a Problemática dos Lugares. In PROJETO HISTÓRIA: Revista do Programa de Estudos Pós-Graduados em História e do Departamento de História da PUC-SP (Pontifícia Universidade Católica de São Paulo). São Paulo, SP-Brasil.
OLIVEIRA, Roberto Cardoso de. (1976). Identidade, Etnia e Estrutura Social. São Paulo, Pioneira.
PRADI, Reginaldo.(1996). As religiões negras do Brasil. In Revista da USP. nº 28. São Paulo, EDUSP.
QUEIROZ, Maria Isaura P. (1973). Bairros Rurais Paulistas – dinâmica das relações bairro rural-cidade. São Paulo, Duas Cidades.
QUEIRÓZ, Suely Robles Reis. (1977). Escravidão negra em São Paulo: um estudo das tensões provocadas pelo escravismo no século XIX. Rio de Janeiro, J. Olympio, Brasília.
RASMUSSEN GABUARDI, Lucimara.(2004). Itatiba a na história: 1804-1959. São Paulo, Bobst Group.
REIS, João José. (1996). Quilombos e revoltas escravas no Brasil. In Revista USP, nº 28. São Paulo. EDUSP.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
58
SANGIORGI, Diloca Ferraz.(1969). Conheça sua cidade. Um pouco da História de Itatiba. São Paulo, Ed. Vanguarda.
SILVA, Valdélio Santos. (2000). Rio Rãs à Luz da Noção de Quilombo. In Revista Afro-Ásia, nº 23. Bahia.UFB.
SCHMITT, CARVALHO, TURATTI. (2002). Atualização do Conceito de Quilombo: identidade e território nas definições teóricas. In Revista Ambiente e Sociedade, nº10 1º semestre de 2002. Campinas. Oficinas Gráficas da Universidade Estadual de Campinas.
WOORTMANN, Klaas. (1990). Com Parente Não se Neguceia. O Campesinato como ordem Moral. In Anuário Antropológico, 87.
WOORTMANN, Ellen F. (1983) O Sítio Camponês. In OLIVEIRA, Roberto C. (org.) Anuário Antropológico/81. Rio de Janeiro, Edições Tempo Brasileiro.
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
59
7. Anexo
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
60
I. Memorial Descritivo e Planta da área para reconhecimento
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
61
II. Croqui de uso e ocupação do solo da área do Quilombo Brotas
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
62
III. Quadro Genealógico do Quilombo Brotas
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
63
IV. Documentos referentes a terra
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
64
V. Fotos (1920-2004)
ITESP/R.T.C. - Quilombo Brotas (Scalli,2004)
65
VI. Estatuto da Associação do Quilombo Brotas
Recommended